A borboleta de Edward Lorenz

Há algumas dezenas de anos a previsão meteorológica era feita apenas para um ou dois dias. Os meteorologistas traçavam manualmente as cartas meteorológicas de superfície, de seis em seis horas, e de altitude a vários níveis, de 12 em 12 horas, baseados em observações efetuadas nas estações meteorológicas nas chamadas horas sinóticas.

Estas cartas abrangiam áreas muito vastas que se estendiam por regiões continentais e oceânicas. Recorrendo às últimas cartas e a sequências de cartas anteriores, os meteorologistas deduziam a evolução espácio-temporal dos sistemas de pressão e das frentes, traçando cartas de prognóstico.

Tudo isto era feito manualmente, não sendo possível, nessa altura, proceder a cálculos baseados nas equações que regulam o comportamento da atmosfera. Claro que os meteorologistas, baseados em conhecimentos físico-matemáticos e na experiência, associavam os centros de ação (anticiclones e depressões), as massas de ar e as frentes a determinadas características de tempo.

As equações que traduzem o comportamento da atmosfera já eram bem conhecidas nessa altura, mas a lentidão dos computadores e o fraco poder de cálculo não permitiam ainda produzir cartas de prognóstico com base nas quais se poderiam extrair, em tempo útil, as previsões em linguagem clara.

De nada serviria uma previsão que só estivesse pronta depois do período de validade. Claro que isto se fez durante algum tempo, para testar os primeiros modelos de previsão matemática1 do tempo que então ainda eram bastante rudimentares. As primeiras tentativas de previsão numérica do tempo, levadas a cabo por Lewis Fry Richardson2 (1881-1953), foram completamente falhadas.

Richardson chegou mesmo a ser ridicularizado pelo facto das suas previsões só estarem prontas bastante tempo depois do período de validade. Os cálculos eram então feitos à mão por colaboradores seus, para regiões restritas. Com o advento dos computadores, nos anos quarenta, as suas experiências começaram a fazer algum sentido, mas ainda longe de resultados satisfatórios.

Só em 1950 foi alcançada a primeira previsão matemática do tempo relativamente bem-sucedida, com recurso a um computador eletrónico. A experiência foi levada a cabo com base no trabalho de Richardson. Assim, em 8 de março de 1950, usando o computador “Electronic Numerical Integrator and Computer” (ENIAC), a equipa composta, entre outros, pelo matemático John von Neumann e pelos meteorologistas Jule Charney e Ragnar Fjørtoft, terminou com êxito uma previsão para um dia, mas que demorou cerca de 24 horas a estar disponível.

A previsão numérica do tempo progrediu grandemente na década de sessenta, devido ao advento dos satélites meteorológicos e aos modelos de previsão do tempo cada vez mais aperfeiçoados. Computadores com maior poder de cálculo permitiram a resolução rápida das equações complexas que regulam o comportamento da atmosfera, tendo como resultado previsões com maior fiabilidade e para períodos mais longos.

Em 1975 foi criado, na Europa, o Centro Europeu de Previsão do Tempo a Médio Prazo (“European Centre for Medium-Range Weather Forecasts” – ECMWF). Nos Estados Unidos da América, o “Global Forecast System” (GFS) começou a operar na década de 1980. O ECMWF fazia inicialmente previsões para 5 dias, mais tarde para 7 a 10 dias e, desde 1992, para 15 dias. No que se refere ao GFS, o período de validade era inicialmente de 5 a 7 dias, aumentando para 10 dias e, no final da década de 1990, passou para 16 dias. Entre os numerosos produtos destes centros contam-se cartas meteorológicas de 6 em 6 horas, além de produtos para áreas específicas, como navegação aérea e marítima, agricultura, índices de incêndios florestais e de qualidade do ar, etc.

Todo este progresso foi devido ao aumento do poder de cálculo dos computadores e a assimilação de dados mais eficiente, obtidos com recurso a estações meteorológicas terrestres e oceânicas, balões meteorológicos, satélites, aviões, navios e boias oceânicas. Há um certo consenso, por parte dos meteorologistas operacionais, que as previsões do ECMWF são mais fiáveis. Estão, no entanto, apenas disponíveis para os países membros. Os Serviços Meteorológicos e Geofísicos de Macau, por exemplo, quando a RAEM estava sob administração portuguesa, recebia produtos do ECMWF, o que deixou de acontecer a partir da transição para a administração chinesa. Os americanos disponibilizam as suas previsões sem essas restrições.

Poder-se-á perguntar “por que não se fazem previsões para períodos mais longos?”. O determinismo, sendo uma teoria filosófica que sustenta que todos os acontecimentos são causados por eventos anteriores, pode-se aplicar às previsões meteorológicas, na medida em que, uma vez conhecidos os parâmetros que caracterizam o tempo num determinado momento (ou seja, as condições iniciais do estado da atmosfera), a evolução das condições meteorológicas poder-se-ia prever sem quaisquer barreiras. Acontece, porém, que a atmosfera é um sistema caótico, o que implica que, se os valores observados estiverem imbuídos de alguma imprecisão, os erros se repercutem, aumentando em função do tempo (“tempo” aqui refere-se a tempo cronológico).

Também as pequenas perturbações na atmosfera, parecendo insignificantes, podem contribuir para grandes alterações no seu comportamento futuro. Daí o meteorologista Edward Lorenz (1917 – 2008) se ter referido a que uma pequena perturbação na atmosfera, como a causada pelo bater das asas de uma borboleta, poder, potencialmente, influenciar o tempo num lugar distante, algum tempo depois. Lorenz introduziu o conceito “efeito borboleta” na apresentação “Predictability: does the flap of a butterfly’s wings in Brasil set off a tornado in Texas?”, realizada em Washington D.C., em 1972. Trata-se de uma metáfora para enfatizar que pequenas alterações nos parâmetros meteorológicos (e.g., temperatura ou pressão atmosférica), podem influenciar eventos futuros num sistema caótico como a atmosfera.

Nesta palestra, Edward Lorenz destacou a realidade de que a fiabilidade das previsões tem limites devido ao sistema complexo que é a atmosfera e ao seu caracter caótico. Pequenas alterações nas condições meteorológicas iniciais nos modelos de previsão como, por exemplo, o arredondar dos valores da temperatura, podem induzir alterações nos resultados da previsão.

Para tornar as previsões mais fiáveis, os grandes centros mundiais de previsão do tempo recorrem também, além das previsões determinísticas, às previsões “ensemble” (previsões de conjunto), fazendo correr o mesmo modelo de previsão numérica várias vezes, mas com as condições inicias ligeiramente alteradas. O conjunto de resultados permite concluir, em termos probabilísticos, qual o tempo mais provável que ocorrerá num determinado local e num determinado período. Há, portanto, a necessidade de combinar modelos determinísticos com modelos probabilísticos, a fim de que se possa lidar com a incerteza inerente ao sistema atmosférico. As previsões tipo “ensemble” são de grande utilidade para gerir a incerteza sobre a evolução de certas situações meteorológicas.

Os resultados destas previsões, que abrangem todo o globo, são disponibilizados aos centros nacionais de previsão do tempo a fim de que os meteorologistas locais as adaptem para as respetivas regiões.

Com o avanço da ciência e da tecnologia, poder-se-á perguntar qual o papel que a Inteligência Artificial (IA) terá para melhorar a previsão do tempo. Será que contribuirá significativamente para obstar as dificuldades inerentes ao caos que caracteriza a atmosfera? Entretanto já decorrem estudos sobre a aplicação da IA na tentativa de aumentar o período de validade e a fiabilidade das previsões determinísticas e do tipo “ensemble”. Combinando IA com modelos de previsão do tempo já em uso, e com os avanços no que se convencionou chamar “machine learning”4, espera-se que, num futuro não muito longínquo, se possam detetar de maneira mais eficiente sinais precoces de eventos meteorológicos extremos como, entre outros, ondas de calor, furacões, tufões e tornados. No entanto, a atmosfera nunca deixará de ser um sistema caótico…

Meteorologista

Referências:

Previsão matemática do tempo – também designada por “previsão numérica do tempo”.

Lewis Fry Richardson (1881-1950) – Matemático, físico e meteorologista inglês que se salientou por ter sido um dos pioneiros na aplicação da matemática à previsão do tempo. Richardson foi também conhecido como pacifista. Segundo o seu neto, Thomas Körner, Professor de matemática na Universidade de Cambridge, o facto do seu avô ter sido ativista contra a guerra, fez com que destruísse estudos seus que pudessem ser utilizados para maior eficiência de armas químicas, usadas na primeira guerra mundial.

Edward Lorenz: Matemático e meteorologista americano.Foi um dos fundadores da moderna teoria do caos, que consiste num ramo da matemática que estuda o comportamento de sistemas dinâmicos altamente sensíveis às condições iniciais. O conceito de “efeito borboleta” tem sido aplicado a muitas situações fora do contexto da meteorologia para ilustrar que uma pequena alteração num determinado comportamento, pode, eventualmente, ser a causa de consequências maiores.

“Machine learning” (Aprendizagem automática) – trata-se de um subsistema da IA cujos algoritmos, em vez de seguirem instruções predefinidas, utilizam dados para identificar padrões, construir modelos e melhorar o seu desempenho ao longo do tempo.

“Machine learning” (Aprendizagem automática) – trata-se de um subsistema da IA cujos algoritmos, em vez de seguirem instruções predefinidas, utilizam dados para identificar padrões, construir modelos e melhorar o seu desempenho ao longo do tempo.

9 Jan 2025

A mudança do século

A 10 de Outubro de 1911, eclodiu um tiroteio na zona de Wuchang, mais precisamente na cidade chinesa de Wuhan, marcando o fim do reinado imperial da dinastia Qing, que durou 268 anos, e o início da Revolução Xinhai.

A 23 de Julho de 1921, o Partido Comunista Chinês foi fundado em Xangai, dando entrada no palco da História do país, Em 1949, o PCC derrubou o Governo Nacionalista e instituiu a República Popular da China. A 18 de Setembro de 1931, o Exército Kwantung do Japão, estacionado ao longo da Linha Férrea do Sul da Manchúria, lançou um ataque ao nordeste da China sob o pretexto de ter ocorrido uma explosão na ferrovia, tendo ocupado posteriormente três províncias (Liaoning, Jilin e Heilongjiang) do nordeste da China, e ajudado o destronado imperador Qing a estabelecer o estado fantoche de Manchukuo.

A guerra de resistência contra a invasão japonesa durou uns longos 14 anos. A 7 de Dezembro de 1941, o Serviço Aéreo da Marinha Japonesa lançou um ataque surpresa à base dos EUA no Pacífico, a Frota americana fundeada em Pearl Harbour. Este ataque provocou a declaração de guerra da América ao Japão, no quadro da II Guerra Mundial que só terminou em 1945.

Um século mais tarde, a história parece repetir-se. Muitas pessoas estão preocupadas com a possibilidade da operação militar especial da Rússia contra a Ucrânia puder vir a desencadear uma guerra nuclear, ou seja, a III Guerra Mundial. Relativamente às grandes mudanças que acontecem uma vez em cada século, Macau também enfrenta os seus próprios desafios.

A decisão de Ho Iat Seng de renunciar à reeleição quebrou a tradição de o Chefe do Executivo de Macau ter garantido um segundo mandato desde o regresso de Macau à soberania chinesa. Actualmente, apesar da retórica optimista do Governo, a receita fiscal de Macau nos primeiros oito meses de 2024 é apenas 77 por cento da correspondente ao mesmo período de 2019. A mudança da demografia turística e a redução das sofisticadas salas de jogo VIP dos casinos vão dificultar a obtenção de receitas fiscais semelhantes às do período pré-pandémico. Quanto à iniciativa conceptual de Diversificação das Indústrias “1+4”, podemos ter uma ideia da extensão dos seus benefícios ao olharmos para a resposta do Governo às perguntas dos deputados da Assembleia Legislativa a respeito da utilização dos terrenos onde o “agora defunto” Macau Jockey Club estava sediado. Na resposta, o Governo declarou que ainda não havia um plano de construção concreto para o local, evidenciando a eficácia limitada desta iniciativa.

A 28 de Setembro, Sam Hou Fai, o candidato único à eleição para Chefe do Executivo de Macau, apresentou a sua agenda política aos deputados da Comissão de Assuntos Eleitorais do Chefe do Executivo (CAECE), destacando quatro visões e cinco abordagens principais no que diz respeito à administração da cidade o que, ao nível das palavras, foi aparentemente muito promissor. Sam Hou Fai, também envidou esforços para reunir com organizações e associações comunitárias e visitou vários distritos de Macau.

Segundo relatos de alguns jornalistas, nas visitas à comunidade, está frequentemente rodeado de rostos familiares, sugerindo que estas visitas se assemelham mais a uma inspecção in loco do que a uma tentativa genuína de entender os diversos aspectos sociais da cidade. Alcançar a diversificação económica no contexto da natureza mono-política de Macau, será o grande teste a Sam Hou Fai, caso venha a ser eleito. A queda de mais de 2.000 pontos do Índice Hang Seng de Hong Kong a 8 de Outubro serve bem de exemplo.

Desde o final de Setembro, depois de o Governo chinês anunciar uma série de medidas de estímulo económico, em particular duas políticas monetárias estruturais que montam a 800 mil milhões de yuans, os mercados de acções da China e o de Hong Kong subiram.

No entanto, a 8 de Outubro, devido ao efeito de “apropriação de lucros”, o Índice Hang Seng de Hong Kong registou uma queda histórica de 2.172 pontos, ao passo que os índices de Shenzhen e de Xanghai continuavam a subir. Efeitos tão opostos, a par da aparente calmaria do mercado imobiliário e do mercado monetário, fazem-nos pensar se se perfila no horizonte outra grande mudança.

O ano de 2024 tem sido repleto de incertezas. Até que ponto serão significativos para Macau o impacto da guerra comercial entre os EUA e a China e as alterações na cadeia global de fornecimento depois da pandemia? A minha maior expectativa é que o próximo Chefe do Executivo possa garantir que Macau navegue em segurança através das águas agitadas das grandes mudanças.

18 Out 2024

A física quântica e a previsão do tempo

(continuação)

Prever o tempo consiste em determinar os estados futuros da atmosfera a partir do conhecimento do tempo num determinado momento, designado estado inicial, e das condições de fronteira, que consistem na ação (forçamento) que os outros componentes do sistema climático (litosfera, hidrosfera, criosfera e biosfera) exercem sobre a atmosfera.

A previsão do tempo é feita atualmente com recurso a modelos numéricos, os quais correm em computadores digitais. A primeira experiência bem-sucedida ocorreu em 1950, com recurso ao primeiro computador deste tipo construído nos Estados Unidos da América, designado por ENIAC (Electronic Numerical Integrator and Computer), em que o sistema operacional funcionava com base em cartões perfurados manualmente por operadores do exército.

Antes de 1950 a previsão do tempo fazia-se essencialmente recorrendo ao método preconizado por Bjerknes1. Segundo este método, a previsão assentava em duas etapas: diagnóstico e prognóstico. Na primeira traçavam-se manualmente, em cartas de superfície, linhas de igual pressão atmosférica (isóbaras) e, nas cartas isobáricas de altitude (em geral cartas dos níveis 700, 850, 500, 300 e 200 hectopascais – hPa), linhas de igual altitude (isoípsas). Tanto as isóbaras como as isoípsas permitem detetar os vários sistemas meteorológicos (depressões, anticiclones, vales, cristas, sistemas frontais, correntes de jato, etc.).

Com o advento dos satélites meteorológicos, na década de 1960, o diagnóstico passou a ser enriquecido, o que beneficiou grandemente as previsões. Na segunda etapa (prognóstico) projetava-se o estado inicial para algumas horas depois, com base na sequência de cartas das horas sinóticas principais anteriores (00:00, 06:00, 12:00, 18:00, 24:00, etc.). Atendendo a que a estes sistemas meteorológicos correspondem a determinados tipos de tempo, e entrando também em consideração com as características das massas de ar, os meteorologistas previam as condições meteorológicas predominantes nas 24 e, quando muito, 48 horas seguintes.

Com o aumento progressivo do poder de cálculo dos computadores, o trabalho manual de análise e previsão foi sendo progressivamente substituído pelo traçado automático de cartas de análise e de prognóstico. O trabalho dos meteorologistas operacionais deixou de ser caracterizado por uma certa subjetividade, para ser dedicado mais à interpretação das cartas obtidas com recurso a modelos numéricos.

Atualmente, a previsão do tempo é efetuada com recurso a modelos numéricos que simulam o comportamento da atmosfera. Para esse efeito, recorre-se a modelos meteorológicos em que se considera a superfície da Terra coberta por uma grelha formada por uma rede de pontos equidistantes, tanto horizontal como verticalmente. Esta grelha permite dividir a atmosfera em células, às quais correspondem blocos tridimensionais que se estendem por várias camadas da atmosfera (em geral 10 camadas). A cada quadrado da malha passa a corresponder, verticalmente, 10 blocos que se sobrepõem até à estratosfera, ou mesmo até à mesosfera, conforme o modelo. Na década de 1990 essas células tinham cerca de 500 km de lado, mas com o aumento do poder de cálculo dos computadores as dimensões foram diminuindo progressivamente.

O tempo em cada um dos pontos da grelha, num determinado momento, designa-se por estado inicial. Com base neste estado, que é conhecido, e nas chamadas condições de fronteira, o modelo matemático calcula os estados futuros da atmosfera.

As variáveis que definem o estado do tempo (pressão, temperatura, humidade, vento, etc.), num determinado momento, estão relacionadas entre si pelas designadas equações primitivas, que são expressões matemáticas que traduzem as leis fundamentais da física aplicadas à meteorologia. Parte-se do princípio de que a evolução do estado do tempo é determinística, ou seja, conhecido um estado inicial e as condições de fronteira, e resolvendo as equações primitivas, consegue-se prever os estados futuros. Em princípio, quanto menores forem as células, maior é a precisão dos modelos e maior terá de ser o poder de cálculo dos computadores para produzirem previsões em tempo útil. É neste aspeto que reside a importância dos computadores quânticos.

Note-se que os primeiros cálculos com o computador ENIAC, devido ao seu fraco poder de cálculo, não tinham na realidade utilidade prática, atendendo a que o tempo que levavam a resolver as equações era superior ao período de validade da própria previsão. No entanto, foi um passo importante para o progresso da previsão matemática do tempo.

A qualidade da previsão depende não só dos modelos numéricos que servem de base às previsões, mas também da interpretação dos meteorologistas. Modelos diferentes podem dar origem a previsões diferentes para o mesmo local ou região. Para confirmar esta disparidade das previsões basta procurarmos na Internet qual o tempo previsto para o mesmo período e local, elaboradas por instituições diferentes. Constata-se que as previsões, apesar de serem baseadas nos mesmos dados resultantes da observação, não jogam, por vezes, umas com as outras.

De acordo com especialistas na área da computação quântica, os computadores quânticos, devido à sua elevada capacidade de cálculo e de processamento de grandes quantidades de dados, poderão contribuir para aumentar significativamente o grau de fiabilidade dos modelos meteorológicos e climáticos, contribuindo para respostas mais efetivas sobre as alterações climáticas.

Meteorologista

– Vilhelm Bjerknes (1862-1951) – físico e meteorologista norueguês. Um dos fundadores da Previsão do Tempo como ciência

6 Set 2024

A física quântica e a previsão do tempo

Segundo Demócrito, filósofo grego nascido por volta de 460 antes de Cristo, toda a matéria era constituída por partículas chamadas átomos, os quais consistiam na menor porção possível de matéria1. Só passados mais de dois mil anos é que se provou que tal não era verdade, quando J. J. Thomson2 descobriu, em 1897, o eletrão.

O conceito de Física Quântica surgiu no início do século passado. Entre os vários físicos que se dedicaram ao estudo deste ramo da ciência, sobressai Max Planck (1858-1947)3 quando, em 1900, procurava explicar questões não resolvidas pela Física Clássica, relacionadas com as micropartículas que compõem os átomos.

Mais tarde, Ernest Rutherford4 descreveu o átomo (1911) como se tratasse de um minúsculo sistema solar, em que o núcleo corresponderia ao sol e os eletrões a planetas orbitando em seu redor. O núcleo teria como constituinte uma partícula com carga positiva que só mais tarde, em 1917, Rutherford comprovou a sua existência e que designou por protão. Niels Bohr5 (1885-1962), melhorou este modelo de átomo, acrescentando, em 1913, que os eletrões se distribuíam em camadas, ou órbitas, às quais correspondiam níveis de energia diferentes. O neutrão, o outro constituinte do núcleo, foi detetado pela primeira vez por James Chadwick6, em 1932.

A convicção de que os núcleos dos átomos eram constituídos apenas por protões e neutrões só foi desfeita na década de sessenta do século passado, quando se descobriu que, afinal, são divisíveis em partículas ainda menores, designadas por quarks. Para esta conclusão teve grande importância a invenção do ciclotrão por Ernest Lawrence7, em 1929. Com base nesta invenção, foram construídos aceleradores de partículas mais aperfeiçoados, o que permitiu a descoberta dos quarks que, por sua vez, constituem os hadrões, os quais formam os protões e os neutrões.

Planck e outros físicos seus contemporâneos, verificaram que as leis da Física Clássica não se aplicavam a essas partículas. Surgiu então um novo conceito, o de “quantum”, que não é mais do que a menor quantidade de qualquer grandeza física envolvida numa interação. Consiste, em Física Quântica, na quantidade mínima de energia que constitui a radiação eletromagnética. Assim, Albert Einstein (1879-1955) considerou, em 1905, que a luz não é mais do que um conjunto de quanta8. Neste caso o quantum toma a designação de fotão. Segundo Einstein, os fotões, e os outros quanta, são caracterizados por dualidade de comportamento, ora tendo características de partículas, ora comportando-se como ondas.

Ao longo dos anos, tantos foram os cientistas laureados com o Prémio Nobel da Física devido à descoberta de novas partículas constituintes dos átomos, que Robert Oppenheimer (1904-1967), conhecido como o líder do Projeto Manhattan e apelidado “Pai da Bomba Atómica”, teria comentado certa vez, talvez com um toque de amargura, que tal prémio deveria ser entregue ao físico que não descobrisse nenhuma nova partícula.

Com base nos conceitos da Física Quântica, estão a ser testados computadores quânticos, que são incomensuravelmente mais rápidos, atendendo a que não trabalham com séries de bits (zeros e uns), mas sim com qubits (ou bits quânticos) com recurso a partículas subatómicas, como o fotão e o eletrão. Enquanto os bits só se apresentam no estado 0 ou no estado 1, os qubits, graças às propriedades da física quântica, podem existir em vários estados sobrepostos.
Poder-se-á perguntar, que tem a ver a Física Quântica com a previsão do tempo e a climatologia? Por enquanto a relação ainda não é muito evidente, mas prevê-se que, num futuro não muito distante, os computadores quânticos substituirão os computadores digitais para efeitos de previsão do tempo.

(continua)

Referências:

Joseph John Thomson (1856-1940) – físico britânico, prémio Nobel da Física em 1906
Max Planck (1858-1947) – físico teórico alemão, Prémio Nobel da Física 1918
Ernest Rutherford (1871-1937) – físico e químico neozelandês. Prémio Nobel de Química 1908
Niels Bohr – Cientista dinamarquês. Prémio Nobel da Física em 1922
James Chadwick (1891-1974) – físico britânico, prémio Nobel de Física em 1935
Ernest Orlando Lawrence (1901-1958) – cientista nuclear americano, prêmio Nobel de Física de 1939
“Quanta” é o plural da palavra latina “quantum”

4 Set 2024

Contar o tempo

Horta Seca, Lisboa, 28 Junho

[dropcap style≠’circle’]T[/dropcap]enho pelo menos um leitor. A pensar em noites desinspiradas como esta, fui atirando notas para uma página. E sendo a tendência escrever mais do que a medida, ali arquivei entrada excedente sobre desarrumação. Usei-a algures em Março, não a apaguei e esqueci-me. Voltei a usá-la agora. Um leitor fez o favor de mo assinalar. Veio-me à memória o que se projectava durante palestra de conferencista distraído: «verificar a conexão da fonte e o modo de entrar».

Mymosa, Lisboa, 29 Junho

Coube-me o terceiro dia nesta criação em torno dos «vinte anos de prática projectual em design gráfico» de Jorge_dos_Reis. Sete dias, cada um com um tipo de peças (cartazes, letras, livros e publicações, catálogos, identidades gráficas, esboços e finalmente pinturas) desenham esta «Terra Plana», assim se chama a exposição, patente na Casa da Cerca, em Almada, e o deslumbrante catálogo que o Jorge agora me entrega enquanto solta gargalhadas que enchem o lugar. Impressiona o rigor com que duas décadas de trabalho se apresentam, de modo visceral, mas arrumado em lúdicas geometrias. Impressiona o deleite com que se apresenta, nos detalhes, nos diferentes papéis, no formato. Cheguei ao Jorge pelo lado da investigação sobre tipografia e só depois descobri o criador, que invocava invariavelmente uma paisagem de serras que me foi próxima, ao serviço de curioso programa: «páginas à procura de uma lombada, homens à procura de uma morada». Aquela sua pesquisa em torno dos caracteres móveis tocava-me por conter muito de labor poético, que abordei erguendo-me em esforço do magma de confusão destes meus dias, cada vez mais esboços do indistinto.

«Daqui, de onde o vejo, até com as mãos, encontro uma peculiar estranheza no corpus do Jorge_dos_Reis. Lúdica e confortável, mas estranheza. Simplesmente porque […] combina opostos e diferenças de maneira única: vejo máquinas e mecanismos e peças, mas logo encontro jardim do mais orgânico esplendor vegetal; uma linha irregular, risco distraído no papel que se transfigura em simetrias e rigor geométrico; tem tanto de abstracto como estruturante, formas de puro deleite ou sinais que emitem informação; faz-se paisagem e habitada por pequenos seres, quase sempre paisagem de papel e pequenos seres de tinta, mas pode dar-se o contrário; elementos oriundos do passado distante a conviverem com pixéis latentes de ecrã; o conforto do reconhecível e o assombro do novo.»

Se se pudessem arrumar décadas de trabalho irrequieto, teria que ser assim, abrindo com o azul petróleo de uma qualquer «materica acqua». Entra o Raquesh, que espalha gentileza, paga uma rodada e grita: «É o fim!». Nada disso, vamos lá tratar de habitar esta «Terra Plana».

Mymosa, Lisboa, 30 Junho

Sento-me à mesa de mais um projecto com o António Eloy, velho companheiro de lutas que nos pareciam ganhas. Erradamente, como a sempiterna energia nuclear, um desvario maior da gula energética das sociedades contemporâneas. Nem sei a razão do desvio, mas deu-nos para folhear álbum (in)comum de amores e ódios, causas e nomes, mestres, personagens, amigos ou nem por isso. A sua passagem pelo Partido Radical, projecto libertário assaz peculiar de Marco Panella, falecido no ano passado, motivou inúmeras histórias. Muito para além da porno-deputada Cicciolina… Nem me lembrava da proposta de colocar Ghandi no logótipo, à qual Eloy e a maioria de uma qualquer assembleia se opôs, até que o carisma de Panella inverteu a tendência. Pelo meu lado, recordo os esforços transnacionais para a legalização das drogas. Tenho para mim que não valorizamos devidamente o memorialismo, e, em resposta, criámos, na Arranha-céus, colecção que acolhe textos que queiram testemunhar do vivido. Lancei desafios dos quais espero ansiosamente resultados. Para cortar no tempo.

São Julião, Lisboa, 30 Junho

As Festas da Cidade dão-se por findas, mas nada mais enganoso. Em Lisboa, as festas são um fado, uma tatuagem, um acaso da geografia, um resultado da meteorologia. Este ano erguemos um arco de papel com a EGEAC e editámos a preto e branco, para adultos e nem tanto colorirem, algumas das ilustrações com que o Nuno [Saraiva] tintou as festas, do ano passado e deste (um exemplo, nesta página). Uma brincadeira, dir-me-ão. Sim, mas quem afirmou a nossa seriedade? O gesto de colorir acalma os nervos, faz passar o tempo, exercita o músculo estético. Faz-nos ainda regressar a uma qualquer infância, o que se justifica sobremaneira para quem vive (em festa) aqui e usa os transportes públicos. Brincadeira, claro, mas se olharmos com atenção estes desenhos encontramos, a traço fino, um retrato da cidade que somos. Há anos que anda a povoar lisboas, e nos últimos tempos, até pelas paredes conta histórias. Invariavelmente fazem dos corpos um palco. Não por acaso, no caso revisita a obra do enorme Rafael [Bordalo Pinheiro]. Não deixámos ainda de ser nem zés nem povinhos. Em fundo musical, está alinhada, qual desfocada foto na parede da colectividade, uma galeria de personagens do mais transversal e transgressor cosmopolitismo genético. Fui ver e diz que «um ente geométrico é transversal quando o seu sentido é oblíquo em relação a determinado referente». Somos partes em recomposição, identidades sem bilhete nos apertos de um metro veloz. A cegonha acaba em pernas com meias de renda, sim a que enfia o bico do mito na garganta da raposa-PA. O DJ toca pratos, mas de chouriço e sardinha. As varinas são tatuadas, usam piercing e marcham de estilete, os marujos saltam para dança gay-pop, chinesas partilham arco e balão com um rajá das índias profundas do Martim Moniz. Siga o baile, desde que com selfie na ponta do pau. Depois ainda têm muito que contar os manjericos, em desfile de seres que são também comentários aos tiques e aos estereótipos alfacinhas. Isto e mais está deslavado em formato generoso à espera da cor de cada um.

Em aperto de simbólica, marcámos o lançamento para o fim do mês, perto da Praça do Município, em plena exposição das sardinhas, essoutra brincadeira que se tornou fenómeno internacional, com cardumes cada vez mais numerosos a redesenhar o popular bicho, levando o ícone popular à exaustão. Não apareceu quase ninguém, o que nos deixou de lápis coloridos na mão. A escolha de dia e hora para atiramentos é ciência que não se deixa dominar. Os fregueses deviam estar distraídos algures num arraial. Vai daí, fomos à festa.

5 Jul 2017