Brasileira Natalia Borges Polesso sobre “Amora”, Prémio Jabuti

[dropcap style=’circle’]A[/dropcap] mulher no centro da narrativa figura como uma “escolha consciente” para Natalia Borges Polesso que, depois da obra “Amora”, vencedora do prémio mais importante da cena literária brasileira, vai aventurar-se pelo romance no próximo ano.

Pese embora reconhecimentos pelas obras que publicara antes – “Recortes para Álbum de Fotografia sem Gente” (2013) e “Coração à Corda” (2015) – foi com “Amora” que deu o ‘salto’ ao conquistar o Prémio Jabuti 2016 na categoria de Contos e Crónicas.

“Escolhi que a mulher vai estar realmente no centro da minha narrativa. A questão da homossexualidade – pode ser vital ou tangencial – também vai estar de alguma forma presente”, afirmou a escritora, de 35 anos, que prepara um romance para o próximo ano.

“Por enquanto tenho uma ideia. É um romance sobre a mulher que escreveu o maior tratado da filosofia”, dado o “momento meio distópico” que hoje se vive, afirmou, em entrevista à agência Lusa, à margem do festival Rota das Letras.

Além de lhe ter aberto as portas, “Amora” (2015) – que descreve como “um livro sobre afectos” e é protagonizado por mulheres de diferentes idades em distintas fases da vida, em que “tudo gira em torno delas”, em “histórias ‘homoafectivas’, de amores lésbicos” – também permitiu a Natalia Borges Polesso a experiência de abordar temas que considera relevantes para falar tanto no Brasil, como no mundo.

“O reconhecimento com o prémio para um livro que trata desse tema é muito importante para mim e é bastante recompensador ver isso sendo tratado com mais humanidade pelas pessoas”, realça.

Numa altura em que o Brasil vive um período agitado – ou “meio estranho” – há “um pouco de alento, um respiro dentro dessas questões” quando um livro como “Amora” sobressai, reconhece a escritora, para quem não é líquida a resposta à pergunta sobre a forma como a sociedade brasileira olha para a mulher homossexual.

“O Brasil é muito grande e as respostas são muito diversificadas. A mulher no Brasil tem um tratamento complicado e depende muito da sua classe, da sua cor. O género é um dos factores dessa complexidade toda”, considera, parafraseando uma frase “acertada” de uma amiga. “Se tem uma coisa que a deixa feliz todos os dias é acordar e saber que existe o feminismo. É dentro desse movimento que a gente se encontra, e pode ajudar-nos a pensar nessas questões todas”, de como é viver, ser mulher, ser lésbica, ser negra ou ser da periferia no Brasil.

As viagens da literatura

O ‘feedback’ levou-a a perceber que o livro não era só seu, mas antes “de muitas pessoas” e, nesse contexto, “era importante ressaltar que era literatura e que era literatura lésbica – e isso seria um posicionamento social, ético e também estético”, até porque dentro da obra tal constitui “uma coisa construída com preocupação”.

“Amora” – tal como “tudo” – “tem um pouco de biográfico”. “Fora a escolha temática, tem algumas histórias que lembram um pouco coisas da minha infância, da minha adolescência. Tem histórias que ouvi de amigos, que escutei na rua, tudo tem um pouco dessa transformação. Escrever é esse exercício de alteridade, mas para o fazer tudo passa pela gente”, sustenta.

Relativamente a “Recortes para Álbum de Fotografia sem Gente (2013), “Amora” foi também mais amadurecido, algo que está também relacionado com o doutoramento em Teoria da Literatura.

“Para o ‘Amora’ quis pensar muito nas histórias, como ia contá-las e como ia representar essas mulheres. Em termos de escrita acho que foi isso que mudou: a estrutura dos contos e um pouco mais de cuidado com as personagens, [as] vozes diferentes para tentar representar multiplicidade de tipos de pessoas, de mulheres no caso”, explica.

Pelo meio, escreveu “Coração à Corda”, mas hesita em regressar à poesia. Apesar de “gostar muito”, “ainda não sabe se é boa” poetisa e tem lido autores “maravilhosos” como Angélica Freitas ou Marília Garcia.

A escritora – que chegou a querer ser médica mas confessa que desmaia quando vê sangue – não esconde que gostava de ser escritora a tempo inteiro, mas tem prazer em dar aulas de Literatura e Inglês.

Embora considere “muito gratificante” ser professora, é a literatura que a leva a descobrir mundo. “Quando comecei a estudar literatura pensei que, por uma questão metafórica, abriria o livro e estaria noutro lugar, mas hoje tenho outras certezas”, diz Natalia Borges Polesso, que também assina a ‘tirinha’ cómica publicada ‘online’ intitulada “A escritora incompreendida”.

“A literatura realmente me leva para outros lugares do mundo e me dá oportunidade de conhecer culturas, pessoas e outros escritores maravilhosos”, remata.

13 Mar 2017

Balanço de 2016 | Turistas pernoitam mais em Macau

Os Serviços de Turismo apresentaram ontem os números relativos ao sector. No ano passado, mais de 30 milhões de turistas visitaram Macau, o que representou um aumento anual de 0,8 por cento. Quem vem cá tem ficado mais tempo

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] ano passado representou um virar de página para a hotelaria. Pela primeira vez numa década, o número de turistas a pernoitar em Macau foi superior aos que fizeram uma visita esporádica de um dia. Esta batalha ganha pelo sector hoteleiro deve-se ao aumento das pernoitas em quase 10 por cento, motivado por um leque de factores. “Há um aumento do número de quartos disponíveis, e uma maior possibilidade dos turistas conseguirem quartos mais baratos, uma vez que o preço médio baixou”, explicou à comunicação social Helena de Senna Fernandes, directora dos Serviços de Turismo (DST). Acrescentou ainda que estes números reflectem o “grande esforço feito em termos de actividades, e da criação de diferentes zonas para turistas”. Outros factores chave foram a eficácia dos operadores na oferta de pacotes turísticos que implicam pernoitas em hotéis, assim como as campanhas promocionais que venderam a marca Macau.

Os principais mercados continuam a ser os mais próximos, nomeadamente o interior da China, Hong Kong e Taiwan. 2016 registou mais de 20 milhões de visitantes do Continente, o que representou um ligeiro aumento de 0,2 por cento. Destes turistas, 44 por cento vieram da província de Guangdong. No que diz ao mercado de Taiwan, registou-se um aumento de 8,8 por cento, enquanto Hong Kong desceu 1,8 por cento.

Em termos internacionais, o mercado coreano continua no topo da lista dos visitantes de Macau. Durante 2016, mais de 660 mil turistas coreanos visitaram o território, o que representou um crescimento perto dos 20 por cento.

A tendência de subida também se fez sentir nos mercados do Sudeste Asiático, com a Tailândia a ser o país que mais cresceu em termos de turistas a visitar Macau, mais de 30 por cento. Outro dos mercados a crescer consideravelmente foi a Indonésia, 11,7 por cento, enquanto as Filipinas subiram 3,7 por cento. O número de visitantes japoneses aumentou cerca de 6,5 por cento. No que diz respeito aos Estados Unidos, o único mercado de longo curso entre os dez principais mercados turísticos da RAEM, 2016 viu um aumento dos 4,6 por cento de turistas norte-americanos no território.

Ficar em Macau

Dados preliminares apontam para que, no ano passado, tenham pernoitado em hotéis de Macau mais de 15,7 milhões de pessoas, um crescimento anual de 9,8 por cento, representando 50,7 por cento do número total de visitantes. O período médio de permanência numa unidade hoteleira foi de 2,1 dias, tempo que a directora do DST pretende aumentar. Para tal é necessário diversificar a oferta. Uma das possibilidades é a exploração das potencialidades turísticas de Ka Ho, em Coloane. “Estamos a realizar um estudo pormenorizado para saber como podemos levar os turistas até lá, assim como disponibilizar um leque de actividades que despertem o interesse de quem visita Coloane”, comentou Helena de Senna Fernandes.

Além da deslocação do Museu do Vinho para Coloane, outra possibilidade é a exploração do mercado dos cruzeiros de pequenas dimensões, uma vez que Macau não dispõe de um cais de águas profundas para embarcações maiores. Está neste momento a ser negociada a possibilidade de criação de programas de cruzeiros mais pequenos entre a península de Macau, Taipa e Coloane. A DST tem facilitado reuniões entre os vários departamentos envolvidos e o operador, sendo que já se realizaram estudos para saber que tipo de barco usar, quais os trajectos, assim como outros aspectos da operação. Helena de Senna Fernandes prevê que estes projectos se concretizem até ao final deste ano.

No entanto, o turismo de Macau tem desafios complicados pela frente em 2017. Em primeiro lugar, houve uma redução de 12 por cento do orçamento afecto ao Fundo do Turismo, algo que não assusta a directora do DST, que projecta uma “melhor maximização dos recursos”. Outro desafio é totalmente externo: a variação cambial. Com o dólar Americano mais forte, isso levará à subida do valor do dólar de Hong Kong, que por sua vez influenciará a pataca. Um efeito dominó que pode encarecer o destino Macau, retirando-lhe competitividade em relação a outros destinos.

 

 

Aposta no Brasil

No ano passado visitaram Macau cerca de 9500 turistas brasileiros, o mesmo que em 2015, mas é um mercado apetecível para o DST. “Estamos a identificar áreas e segmentos para atrair turistas do mercado brasileiro”, explicou Helena de Senna Fernandes. Para já, a aposta brasileira ainda está a ser avaliada com um estudo de mercado mas é, para os Serviços de Turismo, um país interessante em termos de mercado de longo curso.

19 Jan 2017

Get Shape, roupa desportiva | “Queremos atingir o público chinês”

A Get Shape é uma marca de roupa desportiva que vem do Brasil e que chegou a Macau pela mão de Cácio Borges Inhaia. Desde há três anos para cá que as roupas fazem sucesso, existindo planos para a expansão em Hong Kong e na China

[dropcap style≠’circle’]H[/dropcap]oje em dia não basta fazer desporto, há que fazê-lo também com estilo. Foi a pensar nessa tendência que o brasileiro Cácio Borges Inhaia resolveu trazer a marca brasileira “Get Shape” para Macau há três anos. O negócio tem estado a correr tão bem que há até planos para a sua expansão para além das fronteiras da RAEM.

“Quando a marca chegou a Macau, a ideia era vender as roupas apenas na loja de depilação brasileira ‘We love wax’. Mas como a marca está a registar um grande fluxo de vendas, estamos a pensar em expandir e vender para Hong Kong e China”, contou o importador ao HM.

Cácio Borges Inhaia garante que os clientes sentem de imediato a diferença das roupas. “Ao início não reagem, mas depois o que acontece é que, em vez de levarem uma peça, levam muitas mais. A malha e o corte brasileiro são muito bons. Além de proporcionarem conforto, são peças que ajudam a definir a silhueta, o que faz com que sejam diferentes daquilo que se conhece, não só na Europa, como também em Macau.”

A ideia de trazer a representação da marca para Macau partiu da vontade de mostrar o que de diferente existe no mercado do outro lado do mundo. “Hoje em dia temos uma gama de produtos para tentar atingir o público chinês e os estrangeiros que cá vivem. Achamos necessário trazer algo novo para Macau, para além do que existia, baseado num conceito um pouco retro. Quisemos trazer um design completamente novo, tanto no que respeita ao corte e às malhas de confecção, como aos estampados”, explicou Cácio Borges Inhaia.

“Estamos a fazer uma nova campanha publicitária e a montar o catálogo para este ano, que já contém colecções para o Verão e o Inverno. A ideia é, com isto, entrar de cabeça no mercado chinês. No início vamos à procura de lojas e ginásios para que possamos tentar chegar directamente ao público-alvo, que são as mulheres”, disse ainda o responsável.

Cácio Borges Inhaia garante que os seus produtos prometem aliar o conforto ao lado estético. “Umas calças de ganga não terão o mesmo conforto de umas leggings. As nossas malhas são de elastano que, por serem de elástico, dão muito conforto e são práticas de usar. Como é um design brasileiro, são confortáveis e encaixam bem no corpo, acabando por corrigir algumas imperfeições, como estrias ou celulite.”

O responsável garante que esta junção melhora o estado de espírito de quem usa estas roupas. “Quem veste fica em forma, molda o corpo e também o estado de espírito, porque a pessoa se sente bem vestida, fica mais bem disposta e com uma maior auto-estima.”

A China e o desporto

É certo que a moda há muito que entrou no mundo do desporto, mas só recentemente é que a China aderiu a essa tendência. Para Cácio Borges Inhaia, trata-se de um “mercado pouco misto”, com uma gradual abertura.

“Sinto que vamos lentamente introduzindo e mostrando novos conceitos, e os chineses estão à procura de novidades de outros mercados. É uma coisa boa para um país que esteve tanto tempo fechado ao mundo, e agora está a ter esta oportunidade de aceder a coisas e conceitos novos.”

Apesar de considerar a moda desportiva retro, Cácio Borges Inhaia nota um aumento da prática de desporto. “Os hábitos desportivos estão a crescer cada vez mais. Temos o Crossfit e maratonas também. Este é já um mercado forte no estrangeiro e isso começa a reflectir-se por cá, não apenas para melhorar a saúde, como também a aparência”, rematou.

11 Jan 2017

Pedro Gonzaga: “Meu temor é perdermos a capacidade de dizer”

[dropcap]É[/dropcap]s poeta, cronista do Zero Hora, jornal de Porto Alegre, e professor de literatura. Como vês o estado da língua portuguesa no Brasil? E da literatura? E quais achas que são hoje os piores inimigos da língua e da literatura?
A literatura, me parece, sofre o mal da simplificação e do maniqueísmo que tomaram as ideias e a expressão das ideias (a linguagem) em nossos tempos. A internet de potente forma de divulgação, converteu-se em leitura rápida e leviana, práticas inimigas da poesia. O português aqui em terras brasileiras ganhara, na mãos dos grandes poetas de 1930, uma encantadora fluidez e um impactante poder de expressão para os dramas sociais e individuais da nação. Meu temor é perdermos a capacidade de dizer. Mas acho que esse é o temor de todos os poetas.

O Brasil é um continente e tu vives na capital de um dos estados fronteiriços, Rio Grande do Sul. Há em Porto Alegre conhecimento da poesia que se faz na totalidade do Brasil, ou fica-se pelo chamado eixo Rio – São Paulo? E neste eixo, a poesia do Rio Grande do Sul chega lá?
O Rio Grande do Sul é uma ilha, em certo sentido autônoma, mas, sem dúvida, bastante isolada. Nosso norte máximo é São Paulo, Rio de Janeiro se pensamos no Brasil tropical. A poesia encontra grandes dificuldades de divulgação num país continental como este, e com tantas diferenças regionais. Para muitos, entre os quais me incluo, o nosso eixo cultural está muito mais voltado para a Bacia do Plata, ou seja, Montevideu e Buenos Aires. Também capitais isoladas em países ainda bastante rurais.

As relações culturais entre Porto Alegre e Buenos Aires são mesmo reais, ou isso não passa de um mito, ou talvez de um desejo?
Há um desejo muito grande da cultura dita gaúcha de estabelecer um vínculo com o mundo platino, Uruguai e Argentina. Me parece que há uma ideia difusa, mas talvez verdadeira, de uma sensação das coisas ao sul do mundo.

E por falar ao sul do mundo e em Uruguai e relações fronteiriças, não podia deixar de te perguntar por esse grande romance, que é Don Frutos, de Aldyr Garcia Schlee, passado na Jaguarão de finais do século XIX, e os últimos seis meses de vida de Frutuoso Rivera, o primeiro presidente do Uruguai. Que dizes desse romance? Sei que o Brasil ainda não o descobriu, mas ele já se torna incontornável no Rio Grande do Sul?
Aqui no Brasil, mas creio que no mundo todo, há certas injustiças literárias inexplicáveis. É o caso desse livro magistral chamado Don Frutos, que tem aquele aspecto de narrativa infinita que só os grandes romances podem ter. Seu conteúdo e sua linguagem local me parecem superáveis como acontece com Grande Sertão: Veredas, por exemplo, de Guimarães Rosa. Para a cultura sulista, como tu bem disseste, é incontornável. O que só torna mais grave o silêncio que aqui se faz. Era livro para estar em todas as escolas do Rio Grande do Sul.

Neste momento, no Rio Grande do Sul, parece-te mais pujante a poesia ou a prosa? E no resto do Brasil, és capaz de responder, apesar do continente gigantesco, que é o teu país?
É um momento bastante complicado para a produção artística no Brasil. Com as grandes conturbações sociais, os escritores parecem estar perplexos, incapazes de sínteses e mesmo de depoimentos pessoais consistentes que ultrapassem a mera ideologia partidária. O romance, com seu poder totalizante, e também mercadológico, ainda não viu surgir um panorama da Era FHC, ou da Era Lula. A poesia, num país continental como este, não consegue espaço para divulgação e acaba fenecendo. No entanto, é geralmente nessas horas que se erguem novas vozes criativas. Quem sabe o conto pudesse voltar a explodir, como nos anos 60. Mas nesta arte, Rubem Fonseca e Dalton Trevisan ainda são para mim as vozes mais interessantes dos últimos cinquenta anos. Quanto ao romance, há um belo romance de Paulo Scott, chamado O Habitante Irreal, que trata da questão indígena no Brasil, com uma visão social contundente e uma forma bem arrojada.

Quanto à poesia no Brasil, ela carece de um ressurgimento. Desde o esgotamento da geração dos poetas marginais, da morte de Ana Cristina César, depois do Leminski, cuja obra me parece supervalorizada, o que há é uma espécie de poesia preguiçosa que lhes é herdeira, feita de trocadilhos e linguagem midiática, ou então um outro caminho também frouxo, de temática social, nada inovativa, seja em forma ou conteúdo. Há um tipo também de poesia desencantada, de cotidiano, que me desagrada bastante, marcada por um prosaísmo que não tem luz ou revelação. Claro que há belas exceções, os consagrados Antônio Cícero, Eucanaã Ferraz e Paulo Henriques Britto, e pelo menos dois nomes da nova geração: a anteriormente mencionada Mariana Ianelli e também um conterrâneo aqui do sul, um poeta chamado Diego Grando.

Esta semana escrevi aqui para o jornal sobre um livro que me impressionou muito, em dez anos de Brasil, Página Órfã (2007), de Regis Bonvicino.
Uma bela lembrança. Bonvicino tem a força, a contundência que me parece tantas vezes faltar em nossos tempos. A verdade é que há muita gente boa espalhada nesse país com tamanho de continente. Impossível não cometer injustiças e esquecimentos.

Tens dois livros de poesia publicados, Última Temporada (2011) – que foi abordado aqui no Hoje Macau – e Falso Começo (2013). Para quando o teu terceiro livro?
Deve sair aqui no Brasil no início de Maio do ano que vem e haverá de se chamar Em Outros Tantos Quartos da Terra. Terá apresentação da Mariana Ianelli.

16 Dez 2016

Cassia Schutt, designer de eventos | Querer que dê certo

[dropcap style≠’circle’]“V[/dropcap]amos? Então está, vamos.” Foi assim que aconteceu Macau na vida de Cassia Schutt, brasileira, carioca, menina do Rio. Já lá vão dez anos, “agora mesmo, no final deste mês”, e foi por acaso. Podia ter sido outro sítio qualquer, mas foi Macau, “uma vinda muito tranquila e uma mudança desejada” para dar início a mais um episódio na vida de uma mulher que procura ver o lado positivo dos locais por onde vai passando.

“A empresa do meu marido faliu”, recorda. “Era uma empresa grande de aviação no Brasil e Macau foi a primeira opção que apareceu. Não tínhamos a mínima ideia onde era”, confessa.

Cassia Schutt era, na altura, produtora de casting no Brasil e sair do país foi uma opção que nem todas as pessoas que a rodeavam conseguiram perceber quando receberam a notícia. “Tinha uma vida muito confortável. Tinha acabado a universidade, estava realizando um trabalho que adorava e que me dava frutos e rendimentos, tinha uma empresa no Brasil. As minhas amigas, quando falei que vinha, disseram ‘O quê, você está louca? Vai viver para a China? Está tudo certo aqui’”, relata.

O facto de estar “bem resolvida profissionalmente” no Rio de Janeiro não foi um obstáculo à adaptação a Macau, antes pelo contrário – permitiram-lhe encarar a pausa que iria fazer com mais conforto. E se, por um lado, esta licenciada em Comunicação Social, da área da Publicidade, gostava do que fazia, o tempo para a vida pessoal era pouco. Sem filhos à chegada ao território, decidiu então que era altura para parar, “curtir o casamento” e pensar em ter filhos. “Com o trabalho que tinha no Brasil, não me conseguia imaginar a ser mãe. Era uma coisa que me angustiava”, diz. “Os filhos vieram, os dois nasceram em Macau, foi planeado dessa forma.”

Depois do nascimento do primeiro filho, surgiu a vontade de voltar a trabalhar – Cassia Schutt é a responsável em Macau pela Meemo, uma empresa em que se juntam vários serviços prestados a quem quer fazer uma festa, da concepção do conceito à decoração temática do espaço, passando pela execução, venda e aluguer de acessórios. O projecto apareceu “naturalmente”: “As pessoas diziam ‘que legal que você faz isso, foi uma coisa que surgiu e que me preenche. Estou abraçada a um trabalho de que gosto”.

Cassia Schutt explica que há procura em Macau deste tipo de serviços, até porque há pouca oferta, mas identifica dificuldades. “Sinto muita falta de fornecedores, de materiais, apesar de a gente morar na China”. No Brasil, exemplifica, há empresas que se dedicam a fornecer produtos específicos para festas, “produz-se uma muito depressa, com alguns telefonemas de casa, ao computador, já se alugou e se entregou o material, aqui não existe isso”. É aqui que tem de haver criatividade em dose dupla: “Quando o cliente está disposto a fazer uma coisa mais bacana, tem de se comprar o material e fazer a produção”.

Nas vésperas de completar uma década longe do Rio de Janeiro, Cassia Schutt diz continuar a viver com a mesma tranquilidade com quem encarou a mudança. E analisa Macau com esse mesmo estado de espírito: “Várias pessoas reclamam do trânsito. Olho para Macau e penso ‘que bom que tenho cinema com pipoca, que bom que tenho restaurantes novos’. Acho que, em qualquer lugar, o crescimento vai trazer coisas boas e coisas ruins também. Consigo ver muita coisa boa”. Apesar de todas as transformações destes últimos dez anos, a designer de eventos encontra em Macau “um lugar tranquilo, que dá a facilidade de fazer as viagens que gostamos, onde se vive uma vida sem violência”. “Acho que quando a gente faz essa mudança, tem de querer que dê certo, tentar ver o lado positivo das coisas”, remata.

28 Out 2016

O Brasil e o futuro (I)

“What is Brazil’s strategy to cope with the emerging world order? The question has come up time and again in scholarly writings as analysts try to project whether Brazil is bound to be a “responsible stakeholder” or a spoiler of the emerging system. Brazil is as vibrant and messy a democracy as any other: Brazilian presidents preside over an often-fractured governing coalition and they face the challenge of managing a vast federal state with an unruly set of bureaucracies and semi-independent agencies operating within it.”

Shaper Nations: Strategies for a Changing World Hardcover
William I. Hitchcock, Melvyn P. Leffler and Jeffrey W. Legro

A presidente do Brasil anunciou um crédito extraordinário aos bancos estatais, grupos de agricultores e empresas, a 29 de Janeiro de 2016, de forma a ajudá-los a superar a pior crise que o país atravessa nos últimos cem anos. O ministro das Finanças anunciou, sete medidas para conceder os créditos às diferentes áreas da economia, dado ser obrigação do governo fazer um melhor uso dos recursos existentes. As medidas projectadas e a serem executadas, constam linhas de crédito e o uso de fundos de pensões para incentivar maiores investimentos em habitação e infra-estruturas.
As medidas criaram apreensão entre os investidores, por recearem que o país abrande o seu programa de austeridade e regresse às políticas fiscais frouxas do primeiro governo da presidente brasileira. O país atravessa a recessão mais profunda desde a “Grande Depressão” da década de 1930. Após uma queda de 3 por cento do PIB, em 2015, o FMI prevê outro recuo de 1 por cento para 2016, e adverte do risco de contágio na região. O governo da presidente brasileira, começou a esgotar a sua capacidade de resposta, depois de ter registado um deficit de 6,2 por cento do PIB, em 2014 e uma dívida pública superior a 60 por cento.
A inflação é de cerca de 10 por cento. A dívida das empresas aumentou no equivalente a 15 por cento do PIB, desde 2007. A taxa de inflação é de 10, 2 por cento, equivalente 10,4 milhões de pessoas sem emprego, ou seja, diariamente ficam desempregadas duzentas e oitenta e duas pessoas. A somar à desastrosa situação económica, a presidente do Brasil está a ponto de se ver profundamente envolvida no escândalo denominado de “Petrolão”, pasmando o mundo político internacional.
O Brasil amanheceu a 4 de Março de 2016, surpreendido e conturbado, pois o ex-presidente Lula da Silva, foi denunciado por um senador arrependido, que procurava aliviar a sua condenação no escândalo de corrupção na “Petrobras”, tendo sido detido por ordem judicial, por se recusar a colaborar com a justiça, e submetido a interrogatório, sobre presumíveis dádivas recebidas. É acusado de conhecer profundamente o processo de corrupção desde o seu início. A mesma acusação é feita contra a presidente, ainda em exercício de funções, reavivando a tese do “impeachment” ou julgamento político.
A situação apesar de séria e grave, não obscurece a profunda crise económica que o país vive, continuando a classe média abastada, a praticar o consumo de luxo, enquanto os sectores menos endinheirados diminuíram grandemente a procura de bens e serviços, numa economia que se contraiu 3,8 por cento, em 2015, sofrendo o maior recuo dos últimos vinte e cinco anos. A estrela das economias emergentes vai a caminho de sofrer a sua pior recessão, desde 2010, quando as estatísticas sérias no país apresentaram um crescimento da economia de 7,5 por cento. A previsão para 2016 é de um crescimento de -4 por cento do PIB. Os despedimentos no sector privado, em Janeiro de 2016, foram de cem mil trabalhadores, tendo sido despedidos, um milhão e quinhentos mil trabalhadores, em 2015.
As vendas a retalho diminuíram 7 por cento, e a inflação actual situa-se em 11 por cento, com tendência a subir. O deficit orçamental é imenso e representa 10,8 por cento do PIB, não se atrevendo a presidente brasileira a tomar sérias medidas para o reduzir, com receio da reacção popular poder agravar a recessão. É preciso salientar que a actual situação brasileira se deve à queda mundial dos preços dos produtos básicos e do petróleo, em especial; à total falta de investimento e às tentativas de reduzir o deficit, depois das imensas e desnecessárias despesas dos últimos anos, pelo que a gravidade da sua situação económica terá um forte impacto negativo, sobre as economias dos demais países do continente sul-americano.
O Brasil terminou 2015, no meio de um grande escândalo político, considerando o “impeachment” da presidente, rebaixando o grau de investimento, acumulando uma taxa de depreciação nominal relativamente ao dólar, em cerca de 47 por cento e removendo o ministro da Fazenda, por estar a presidente Dilma contra a política de ajustes fiscais que defendia anteriormente. Esta última situação não apenas mostrou a debilidade política da presidente, que tinha apoiado fortemente o ex-ministro da Fazenda no processo de ajuste, mas também uma falta de apoio do arco político da governação, para continuar com a política de ajuste fiscal. O ex-ministro da Fazenda veio a ser nomeado director financeiro do Banco Mundial.
Os acontecimentos fizeram que o então ministro do Planeamento ganhasse à presidente Dilma, o braço de ferro relativamente à facção mais ortodoxa. Todavia, o facto de o Brasil ter chegado a esta situação faz todo o sentido, para quem tem seguido a evolução da sétima economia mundial e a primeira da região, à qual os demais países vizinhos observam com particular preocupação, por ser o destino principal das suas exportações industriais. A economia brasileira, na primeira presidência de Dilma, de 2011 a 2014, cresceu a um ritmo médio anual de 2,2 por cento, em 2014 paralisou, e em 2015 sofreu uma contracção de 3,2 por cento, em termos reais, ou seja, os cinco anos de Dilma no governo federal, a economia brasileira acumulou uma subida de apenas 5,8 por cento, ou seja de 1,1 por cento anuais
O investimento interno bruto, foi de longe, a componente da procura global que teve o pior desempenho, tendo caído pelo segundo ano consecutivo a um ritmo de 12,7 por cento anuais, superando a enorme contracção de 8,9 por cento, registada em plena crise do real, em 1999, tendo alcançado o nível mais baixo de participação no PIB, desde 2007. Assim, não só foi importante o mau desempenho do sector privado, mas também a paralisação das obras públicas, pelo que o consumo privado se contraiu de forma significativa em cerca de 3 por cento anuais, registando a primeira contracção desde que o Partido dos Trabalhadores (PT) ganhou as eleições, em 2003.

A despesa pública manteve-se relativamente estável em cerca de 0,4 por cento anuais e por consequência, a procura interna contraiu-se 4,5 por cento, em 2014, tendo ultrapassado folgadamente o ritmo de contracção registado durante a crise do real, em 1999. O sector das exportações foi o único amortecedor do ritmo de queda do PIB, apesar do contexto internacional se encontrar, em plena deterioração. A forte depreciação do real, em particular, o volume das exportações de bens e serviços conseguiram atingir um aumento de 4 por cento anuais, e as importações caíram 12,4 por cento, proporcionando una forte melhoria do saldo líquido. Quanto aos sectores produtivos, a indústria teve de longe o pior desempenho, com uma queda média de 5,6 por cento anuais. Foi o segundo ano consecutivo em queda do sector industrial, que acumula um recuo de 1,2 por cento, desde que Dilma assumiu a presidência.
À recessão declarada pelo nível de actividade económica, em geral e industrial, em particular, há que acrescentar a aceleração da subida da taxa da inflação que atingiu 10,7 por cento, em 2015, muito acima do limite máximo da taxa de 6,5 por cento objectivo da politica monetária, tratando-se do maior aumento, desde 2002. A maior parte da causa dos problemas económicos e políticos que o Brasil enfrentou em 2015, deram-se em 2014, pois foram consequência directa da má estratégia eleitoral do PT, para conseguir a reeleição de Dilma Rousseff.
A vertente económica dessa estratégia teve como suporte uma política fiscal super expansiva e como consequência, desde 1997, o sector público não conseguiu ter um superavit primário em 2014 e 2015, tendo o deficit antes do pagamento dos juros da dívida pública, atingido 0,9 por cento do PIB. É de recordar, que apesar de o Brasil ter um “stock” de dívida de 66 por cento do PIB, sendo 13 por cento acima do nível em que Dilma iniciou a sua primeira presidência, a taxa média é de cerca de 14 por cento anual, dado que a maioria da dívida, é de curto prazo, denominada em reais, consumindo 8,5 por cento do PIB para o pagamento dos serviços da dívida.

É de realçar que para entender o mau desempenho da produção e da procura interna, em geral, e do consumo privado, em particular, deve-se ter em conta que na última década, a massa salarial cresceu mais que a produção, a que se acrescentou a disponibilidade de crédito a taxas de juros historicamente mais acessíveis. Esse círculo, então virtuoso, começou a reverter-se nos últimos anos. Os salários têm vindo a cair, em termos reais, desde Março de 2015, a um ritmo de 4,5 por cento anuais e a taxa de desemprego, subiu 3 por cento, atingindo os 8 por cento, o que implica que se perderam mais de um milhão de postos de trabalho, em 2015.

As previsões do mercado, indicam que a taxa de desemprego será de cerca de 10 por cento no final de 2016, e sendo obrigado o governo a implementar o ajuste fiscal, decide não o fazer pela impossibilidade de aumentar os impostos, dado atingirem uma pressão olímpica de 36 por cento do PIB, não tendo o PT melhor ideia que cortar nos subsídios de desemprego e parar as obras públicas. Assim, neste contexto é difícil procurar uma solução pelo lado das exportações. A desaceleração da China, principal destino dos produtos brasileiros não permite ser optimista quanto ao futuro, e daí se prever uma contracção mínima de 1 por cento para o PIB, em 2016, que conjuntamente com o desempenho da economia em 2015, será o pior biénio, desde a crise da década de 1930, e em tais condições, é de crer que o Banco Central não voltará a cumprir a meta inflacionária antes de 2019.

O Brasil não aproveitou a oportunidade que lhe foi concedida pela calma internacional, não tendo conseguido avançar rapidamente para resolver os problemas estruturais relacionados com o atraso do investimento em infra-estruturas, baixa qualificação da sua mão-de-obra, altíssima pressão fiscal e um complexo emaranhado burocrático que desincentiva os investimentos. O PT, ao contrário, decide entregar assistência, subsidiar tarifas de serviços públicos de má qualidade, empréstimos ao consumo e estabelecer um conjunto de desagravamentos fiscais às indústrias.
Tal política incentivou o consumo, através da despesa pública e empurrou a inflação, conseguindo esconder as debilidades do esquema de política económica até ao ponto de baixar a água e ficarem a descoberto todas as inconsistências. O mercado reagiu, reduzindo o seu nível de exposição e elevando o custo do endividamento, e foi especialmente depois de perder as notas de grau de investimento, que o milagre brasileiro se apagou por algum tempo.

2 Mai 2016

Fascismo nunca mais!

[dropcap style=’circle’]H[/dropcap]oje comemora-se o 25 de Abril, Dia da Liberdade. Pela quadragésima segunda vez. Ou seja, já haveria tempo para ter sido encetada uma séria reflexão sobre esse conceito belo e complicado: Liberdade. Claro que quem não viveu as ditaduras, possui uma experiência limitada da questão. É compreensível. E, no caso radical da malta a quem a Natureza não dotou de mais de três neurónios, é até esperável, ainda que não desejável. Isto faz-me tudo muita impressão. Sobretudo a facilidade e impudência com que, por vezes, se fala.
Repare-se no que aconteceu aqui em Macau, a propósito do processo de destituição de Dilma Roussef: Jane Martins, presidente da Casa do Brasil de Macau, disse a este jornal que preferia ver os militares no governo do seu país do que o Partido dos Trabalhadores (PT).

Questionada no Facebook por compatriotas naturalmente indignados, a senhora em questão empina-se dizendo que é a sua opinião e que o que mais preza é a “liberdade de expressão”. Portanto, arroga-se do direito de preferir um governo militar (como os que governaram anteriormente o Brasil) a um governo do PT.

Na verdade, engana-se redondamente, porque não se pode usar a liberdade de expressão para pugnar pela sua extinção. Os governos militares no Brasil instalaram a censura, perseguiram pessoas pelos seus ideais, prenderam-nas e torturaram-nas. Foram, na realidade, os grandes responsáveis pelo estabelecimento da corrupção que infesta todos os quadrantes da vida política brasileira, pois criaram um regime nela baseado que, apesar do advento da democracia nos anos 80 do século XX, ainda predomina como a lista da Odebrecht demonstra. Com os militares no governo, a liberdade de expressão, que Jane Martins tanto diz prezar, seria limitada ao encómio e à mentira.

Mas o que é interessante no discurso da presidente da associação local acaba por ser a crença em que a “sua liberdade de expressão” pode ser exercida de qualquer maneira e, por exemplo, pode defender o fim da liberdade para os outros, como ela fez ao preferir um regime fascista a um governo eleito democraticamente. Ora é claro que não é assim porque (lugar comum, mas difícil de entender por certas pessoas) a minha liberdade acaba onde começa a dos outros…

Senão, repare-se, qualquer um poderia dizer de Jane Martins o que Maomé não disse do toucinho: insultá-la, acusá-la de corrupção, de gestão danosa da sua associação, de estupidez congénita, de comportamento moralmente duvidoso, até de ser fisicamente repugnante, sem apresentar qualquer prova ou justificação que não fossem as suas intervenções públicas, no Facebook e o direito à liberdade de expressão.

Certamente que a “Querida Líder” da comunidade brasileira de Macau não iria gostar. Provavelmente avançaria com um processo no tribunal que, talvez daqui a cinco anos, eventualmente, depois de muito advogado e muita discussão sobre liberdade de expressão, resultaria em muito pouco. Contudo, os danos causados na sua reputação seriam irreparáveis. Será que “liberdade de expressão” significa que vale tudo?

Penso que não. Existe uma coisa chamada ética pessoal que nos impede de tomar esse tipo de atitude. A liberdade não pode ser utilizada para tirar liberdade aos outros porque tal não é um conceito, mas uma posição de força real, de violência exercida sobre corpos, de fascismo, de repressão.

Depois de assistirmos ao espectáculo degradante dos deputados no Brasil, não surpreendem tanto as declarações da presidente local, que considero do mesmo calibre. Ou seja, assistimos a uma breve reprodução no Oriente dos dislates ouvidos em Brasília. Faltou Deus e a família… E não se trata de ter emitido uma opinião pessoal, porque nenhum jornal lhe perguntaria o que pessoalmente acha sobre isto ou aquilo mas sim, como é óbvio, como presidente da associação a que preside.

Minha querida Amélia António, presidente da Casa de Portugal… olha se fosse brasileiro… nestes momentos (e não só) é que percebemos como somos bem representados… Fascismo nunca mais!

25 Abr 2016

Brasil | Dilma cada vez mais afastada do poder. Residentes preocupados

Ainda não é definitivo, mas Dilma Rousseff está cada vez mais afastada da presidência. Com a esmagadora massa dos deputados da Câmara brasileira a votar a favor da destituição, a Presidente ouviu o “fora daqui”. Por cá as opiniões dividem-se: entre preocupações e esperanças os residentes brasileiros vão olhando para o seu país de coração nas mãos

[dropcap style=’circle’]H[/dropcap]ouve confettis, gritos, agradecimentos aos pais, ao filhos, aos irmãos, a Deus, e muitos “sins”, durante a votação à destituição da presidente brasileira, Dilma Rousseff, na passada segunda-feira. De ânimos exaltados, os deputados votaram a favor da queda daquilo que diziam ser um “Governo corrupto” ou contra a um movimento “inconstitucional e anti-democrático”. Deste lado do mundo, os residentes brasileiros mostram-se divididos.
As contas são claras: dos 511 votantes, 367 disseram que sim, 137 gritaram que não e sete abstiveram-se. Dilma Rousseff fica assim a um passo de ser destituída, algo que vai agora passar pelo Senado brasileiro.
Por cá, há quem defenda que o Partido dos Trabalhadores (PT), que ganhou o poder com o ex-presidente Lula da Silva, foi o que mais trabalhou e olhou pelos interesses do povo. Por outro lado, para outros, a operação Lava Jato, que envolve alguns deputados e membros do Governo em actos de corrupção, e a tentativa de nomeação de Lula da Silva como Ministro, para ganhar imunidade, são actos que mostram a necessidade de mudança imediata.
Apesar do nome de Dilma Rousseff não estar envolvido naquela que é uma das maiores investigações de corrupção do Brasil, a oposição considera que a Presidente teve culpa por permitir todos os esquemas ilegais. Uma das vozes mais fortes contra Dilma é a de Eduardo Cunha, presidente da Câmara de Deputados do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), parceiro de coligação do Governo, que, em 2015, se auto proclamou como da oposição à presidente. Eduardo Cunha está também implicado na operação Lava Jato.

[quote_box_left]“Eu elegi o Lula [da Silva], estava lá [no Brasil] durante as eleições e votei no PT. Foram os que mais fizeram pela parte trabalhadora do país” – Eddy Murphy, Mestre de Capoeira[/quote_box_left]

Olhar ao longe

“Eu elegi o Lula [da Silva], estava lá [no Brasil] durante as eleições e votei no PT. Foram os que mais fizeram pela parte trabalhadora do país. De todos os políticos foram os que mais olharam pelo Nordeste, para a população mais carente. Foi o Governo mais virado para a população carente. Eu sou da periferia, portanto eu posso falar”, começou por explicar um dos primeiros impulsionadores da tão típica capoeira em Macau, Mestre Eddy Murphy.
A residir há longos anos em Macau, Eddy mostra-se preocupado com o seu país, aquele que anualmente faz questão de visitar. “Este foi um Governo eleito pelo povo e esse mesmo Governo foi tirado, ou será, pelos próprios deputados. Foi a Câmara [de deputados], foram os deputados que elegeram este impeachment [destituição]. Concordo em certa parte, mas estou muito apreensivo”, explicou.

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Segue-se a votação do Senado, também conhecida como Câmara Alta, que irá definir se esta destituição irá ou não acontecer. A comissão especial, que terá de ser criada, irá avaliar o pedido de destituição e tomar uma decisão – favorável ou não.
Caso opte por reprovar o pedido, o assunto será arquivado e Dilma continuará a exercer as suas funções até às próximas eleições, daqui a dois anos. Se o pedido de destituição seguir, depois de notificada, o mandato da Presidente será suspenso por 180 dias, calendário em que decorrerá a investigação. E aí, será Michel Temer, vice-presidente, a assumir funções.
Antes disso, a decisão da comissão será ainda votada em plenário do Senado, obrigando a que 41, dos 81 membros, votem a favor. O Senado tem poucos dias para tomar uma decisão e aponta-se o mês de Maio para tudo se saber.
“Não acredito que o Senado vote contra, acho mesmo que [Dilma] vai ser destituída. Há uma frente toda por detrás disso tudo. Não tem mais como voltar atrás”, defendeu Eddy Murphy. “Este é um esquema muito bem programado”, defendeu, afirmando ainda que há algo de “muito sujo” neste pedido de destituição.
Para a docente brasileira Zuleika Greganyck, radicada em Macau, este é um momento “lamentável” do Brasil. “Lamento muito que a votação tenha terminado desta forma. Acredito que esta votação foi inconstitucional, não havia crime a princípio que justificasse o impeachment. Foi lamentável o modo como decorreu na Câmara [baixa], sendo que a maior parte dos deputados já foi indiciado por corrupção no processo da Lava Jato. E eles continuam lá e votaram nesta votação imoral. Um espectáculo deplorável. Como brasileira sinto-me muito triste com o desfecho desta longa situação e por esta luta contra a corrupção que o povo brasileiro começou e que termina agora da pior forma possível”, explicou ao HM.
Com opinião bem contrária está Jane Martins, presidente da Casa do Brasil em Macau, que considera que a destituição é o melhor que podia acontecer neste momento ao Brasil. “Acho que é uma boa notícia. (…) É uma vitória, é parte do início de uma nova esperança”, apontou, frisando que “não é possível depois disto tudo o Senado votar contra a destituição de Dilma”.
O cartoonista Rodrigo de Matos, que viveu durante muitos anos no Brasil, sente-se como brasileiro de nascimento e não esconde o interesse no assunto. “Não estou 100% de um lado ou do outro. Há todo um processo e provas que deveriam ser julgadas em tribunal primeiro”, indicou, exemplificando o caso de Lula da Silva.

[quote_box_right]“Como brasileira sinto-me muito triste com o desfecho desta longa situação e por esta luta contra a corrupção que o povo brasileiro começou e que termina agora da pior forma possível” – Zuleika Greganyck, docente[/quote_box_right]

Neblina futura

Questionado sobre o futuro, assumindo a hipótese da queda do PT da governação, Eddy Murphy não esconde a preocupação. “O futuro preocupa-me porque eu sei o que era o Brasil antes e sei o que é agora. Vou ao Brasil todos os anos. As condições da população são diferentes do que eram. As melhorias são claras. Poderíamos, claro, melhorar muito mais. Talvez o [Governo] tenha desviado alguma verbas. Por aquilo que mostram, nem tenho dúvidas. Mas a verdade é que nunca nada foi feito pelo Brasil como agora, principalmente para a classe mais pobre. Estou apreensivo”, explicou.
Para Jane Martins tudo o que vier “será menos mau do que está”, independente da sua doutrina política. “Eu até prefiro que sejam os militares do que o PT no poder, talvez a corrupção seja menor e não haja essa roubalheira toda. É que eles [o PT] foi um escândalo”, defendeu, frisando que “nunca os brasileiros se revoltaram tanto contra um Governo”.
Zuleika Greganyck frisa que o mais importante é que a operação Lava Jato perde agora o protagonismo perante todo este “cenário de impeachment”. “Cada vez vamos ouvir menos, o [Lava Jato] vai desaparecer, vai ser esquecido para o interesse de muita gente que está lá dentro [Câmara de Deputados]”, apontou. Para a residente, o pedido de destituição não tem razão de ser.
“Dilma não cometeu nenhum crime, ao contrário de Eduardo Cunha, que até tem contas na Suíça e usou dinheiro público para enriquecer”, argumentou.

[quote_box_right]“Acho que é uma boa notícia. (…) É uma vitória, é parte do início de uma nova esperança” – Jane Martins, presidente da Casa do Brasil em Macau[/quote_box_right]

Porta dos fundos

“O mais importante é que o PT sempre representou a esquerda e o ‘povão’ e uma saída desta forma, pela porta pequena, pode abrir caminho a um regresso do passado”, aponta Rodrigo Matos. O pior dos cenários, explica, é “haver uma nova ditadura militar” que é uma coisa “que não está completamente fora de questão”.
“Isso é claramente um retrocesso”, rematou. O cartoonista assume que estar no poder não é um jogo fácil e quem quer chegar “lá cima” tem de “ceder a várias frentes”.
“O Lula teve de fazer imensas cedências até chegar ao poder. Posso até acreditar que Lula seja uma pessoa bem intencionada, mas é impossível que ele se tenha rodeado de pessoas bem intencionadas para lá chegar. Isto acontece com todos”, frisou.
Para o especialista em Relações Internacionais e analista político Arnaldo Gonçalves toda a corrupção que envolver o PT e restantes deputados não “aconteceriam sem a aprovação e conhecimento de Dilma e Lula da Silva”. “É assim que funciona um partido marxista/leninista. Chama-se a isto centralismo democrático”, apontou. A aprovação da Câmara dos Deputados para a destituição era algo “inevitável”.
Claro está, diz, que toda a situação é má para o Brasil. “É uma descredibilização internacional terrível. É mau para a imagem do país, mas tinha de acontecer, mais tarde ou mais cedo”, rematou.
Este processo é uma prova, diz ainda, de que o sistema democrático brasileiro é “maduro” e tem “maturidade democrática”. “As pessoas manifestaram-se quando queriam manifestar-se, pelas posições que entendiam, exerceram o direito de expressão. Os deputados também se expressaram, apesar de podermos dizer que alguns não foi da melhor maneira”, argumentou, afastando a hipótese de entrar uma força militar no poder.

19 Abr 2016

Boogarins – “Avalanche”

“Avalanche”

A maior demonstração
De propagação do ser é o eco
Com ele o meu grito tem força
Para derrubar todos os prédios

Que não me deixam ver o sol
Eles não deixam eu ver o sol
Que não me deixam ver o sol
E eles não deixam eu ver o sol

Que não me deixam ver o sol
Eles não deixam eu ver o sol
Que não me deixam ver o sol
Para me prender nesse labirinto de tédio

Boogarins

FERNANDO “DINHO” ALMEIDA / BENKE FERRAZ / RAPHAEL VAZ / YNAIÃ BENTHROLDO

31 Mar 2016

Edu Casanova na China para promover a cultura brasileira

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap] músico e compositor Edu Casanova está de regresso à China para promover a cultura brasileira do Estado de São Salvador da Baía. Depois de ter passado por Macau para promover o seu mais recente trabalho discográfico, intitulado “Beat Brasileiro”, Edu Casanova vai à cidade chinesa de Dongguan no sábado, onde não só irá apresentar o seu novo disco como irá promover a cultura brasileira.
Em entrevista ao HM, em Macau, Edu Casanova, que já compôs canções para Ivete Sangalo e muitas outras cantoras brasileiras, revela ter vontade de aproximar mais as culturas do Brasil e da China.
“Estou a fazer a divulgação do meu novo trabalho e estamos a promover o disco com o apoio da Secretaria de Turismo do Estado da Baía, que vem promovendo os artistas e o destino, Salvador da Baía, para que os chineses conheçam um pouco do Brasil. A cultura brasileira ainda é muita desconhecida aqui e é uma cultura rica, artística, muito bonita e que é pouco divulgada do lado de cá, pela distância, e pela diferença de idioma e culturas. Mas a alegria do Brasil espalha-se pelo mundo e é uma cultura que interessa aos chineses, porque hoje o Brasil e a China estão a fazer parcerias comerciais que são maravilhosas”, apontou Edu Casanova.

Festival na mira

O compositor brasileiro está também envolvido num outro projecto, que será fruto da parceria entre a Casa do Brasil em Macau e do Governo brasileiro: o Festival Internacional de Arte, Cultura e Música do Brasil. Apesar dos contactos ainda estarem a ser realizados, a ideia é que o festival nasça em Macau em Setembro de 2016 e que possa depois transpor fronteiras para Hong Kong, Dongguan ou outras cidades da China.
“Este festival vai fazer um intercâmbio entre artistas do Brasil, chineses e artistas de Portugal, incluindo também a culinária e artes plásticas. É uma forma de divulgar o Brasil e a Baía como um lugar que os chineses possam visitar e também para que os brasileiros possam conhecer este lado de cá, Macau e a China”, contou ao HM.
“A ideia é que o Governo brasileiro promova esse evento, mas precisamos do apoio total do Governo da China. Já estão a ser feitos contactos com as secretarias que cuidam do turismo e grandes redes de hotéis e operadores de turismo para que venham participar”, adiantou Edu Casanova.
O festival pretende também estabelecer pontes com Portugal e países africanos. “Ainda é um sonho para a gente, uma vontade muito grande, que pode se tornar realidade”, rematou o compositor e músico brasileiro.

22 Out 2015

Documentário | Jornalista português retrata origens da “Última Religião”

Hugo Pinto, jornalista português radicado em Macau, esteve no Brasil para documentar a doutrina de Auguste Comte, que trabalha o conhecimento como uma religião

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap]jornalista português Hugo Pinto retratou em documentário as origens, o culto e a minoria seguidora da “Última Religião” – a da Humanidade –, com marca em símbolos nacionais do Brasil onde figura, aliás, um último reduto. O documentário de estreia do jornalista radicado em Macau, de 35 anos, versa sobre Religião da Humanidade, sem Deus e dos Homens, concebida pelo filósofo francês Auguste Comte, no século XIX, que tem o único “templo” de portas abertas na cidade brasileira de Porto Alegre.
“O tema congrega quase todas as minhas áreas de interesse: a Filosofia, a Religião, a Ciência e a História. Depois, sempre me fascinou o interesse que Auguste Comte tinha em criar uma ciência da organização da sociedade e a forma como pensou todos os seus elementos estruturantes”, explicou Hugo Pinto à agência Lusa. hugo pinto
O documentário foi filmado no Brasil, onde Hugo Pinto esteve aproximadamente um mês para conhecer a influência de uma religião, em cujos princípios Hugo Pinto vê actualidade: “Há ideias que fazem sentido, que se mantêm muito oportunas, como o altruísmo, um termo que o próprio cunhou”.
A doutrina positivista de Comte influenciou inclusive a própria História do Brasil, onde tem hoje o último bastião. “Estiveram na Proclamação da República e até desenharam a bandeira nacional, no entanto, poucos conhecem a importância histórica dos positivistas”, ignorando, por exemplo, que “a ‘Ordem e Progresso’ é um lema do positivismo”.
“A doutrina, em voga na ala militar, cujo movimento levou à proclamação da República, teve em Miguel Lemos e em Raimundo Teixeira Mendes, dois intelectuais que foram estudar para Paris, então centro do mundo, os grandes promotores das ideias positivistas”, importadas, portanto, pelas elites para um Brasil carente de reformas e ávido de mudança.
“Quando regressaram, primeiro criaram o apostolado positivista, mais tarde, a igreja positivista do Brasil, e esse foi o grande centro difusor. Imprimiram centenas de panfletos, explicando as ideias e abordando diversos temas, como a importância da laicidade, do respeito pelas populações indígenas, (…), das leis trabalhistas. Todas estas são conquistas que reclamam como grandes legados deixados pelos positivistas”, observa.

Impressões e fascínios

Um dos aspectos que surpreendeu o jornalista de Macau foi o facto de ideais como a laicidade terem penetrado num país maioritariamente católico que tem, aliás, o Cristo Redentor como um dos principais símbolos. “Foi outro dos motivos pelos quais esta história me fascinou, porque é, de facto, um terreno imensamente fértil para as religiões, até para a da Humanidade”.
Comte “acreditava que o mundo só poderia ser explicado pela ciência e que a Fé seria substituída pela Razão”, rejeitava um Deus sobrenatural, mas reconhecia na religião “um papel importante de união em torno de uma ideia comum e uma ordem moral contra a anarquia do egoísmo”.

[quote_box_left]“O tema congrega quase todas as minhas áreas de interesse: a Filosofia, a Religião, a Ciência e a História”[/quote_box_left]

Contudo, ressalva Hugo Pinto, o filósofo francês imaginou que pelo mundo fora seriam erigidos Templos da Humanidade, mas isso só aconteceu no Brasil e em duas cidades: Rio de Janeiro e Porto Alegre. Hoje, apenas os pilares de um se encontram de pé, frequentado por poucas dezenas de “fiéis”.
“A Última Religião” dá a conhecer “as ideias e as pessoas que, hoje, ainda defendem e acreditam num mundo mais dominado pelo conhecimento e pelo altruísmo como formas de combater dois dos maiores problemas à escala global: o fundamentalismo religioso e os horizontes fechados do capitalismo”, disse.
Hugo Pinto prepara-se agora para lançar a produção independente, que contou com a realizadora portuguesa Luísa Sequeira, no circuito dos festivais, sem esconder a natural preferência por salas do Brasil, Europa e Ásia.
Questionado se acabou por se render à doutrina, o jornalista responde: “Comte diz que todos somos positivistas, mas em graus diferentes”.

7 Set 2015

Eddie Murphy, mestre de capoeira: “Macau foi amor à primeira vista”

[dropcap class=”type1″]S[/dropcap]e lhe falarmos de Edilson Almeida consegue reconhecer? É difícil, até porque até ele tem algumas dificuldades em se reconhecer pelo nome próprio. Pois bem, Edilson Almeida é, nada mais nada menos, do que o Mestre Eddie Murphy, cara muito conhecida de toda a comunidade de Macau.

“É um orgulho, uma alegria quando passo na rua e as pessoas levantam a mão, dizem ‘olá mestre Eddie’, é muito bom”, começa por nos contar o único mestre de capoeira de Macau, Hong Kong e China.

Mesmo lesionado não negou, como estávamos à espera, dar uma entrevista ao HM. De sorriso rasgado, conta-nos um pouco do que é. “Sou um optimista, adoro o que faço, amo minha família, adoro Macau.”

Foi há sete anos que chegou ao território, não à China. Isto, porque vivia em Shenzen há cinco anos. “Acredita que nunca tinha vindo a Macau? Não acredito nisto, mas é verdade, em cinco anos aqui ao lado nunca vim a Macau. Estava cego”, relembra.

A convite para colaborar com uma academia que na altura existia em Macau, o mestre Eddie abraçou o desafio e mal colocou os pés neste território não teve dúvidas: “foi amor à primeira vista”.

“Mal cheguei fiquei apaixonado. Só o facto de ver coisas em Português, os nomes das ruas, os autocarros… não queria acreditar, senti-me em casa”, conta. A verdade é que num abrir e fechar de olhos, o mestre e a sua família criaram raízes neste lado do mundo.

Primeiro passos

[quote_box_right]Foi há sete anos que chegou ao território, não à China. Isto, porque vivia em Shenzen há cinco anos. “Acredita que nunca tinha vindo a Macau? Não acredito nisto, mas é verdade, em cinco anos aqui ao lado nunca vim a Macau. Estava cego”, relembra.[/quote_box_right]

Pouco tempo depois de residir em Macau, a academia em que Eddie trabalhava fechou e o mestre de capoeira temeu o pior. “Tinha um mês para sair de Macau porque tinha ficado sem trabalho, pensei no que iria fazer para arranjar uma solução”, relembra, frisando que foi a ajuda das pessoas que fez com que, sete anos depois, Eddie Murphy seja responsável por uma academia de capoeira, uma empresa de entretenimento, uma escola de dança e de grande parte dos eventos de carnaval e latinos que acontecem no território. “Também é da nossa responsabilidade a organização do carnaval em Hong Kong”, acrescenta.

Na altura, relembra, muita pessoas foram ao encontro do mestre de capoeira e apresentaram sugestões e “muita ajuda” para que o Eddie conseguisse avançar com a sua vida aqui. Por Macau ser um espaço pequeno, com traços de pequena vila, tem este lado positivo.

“Em Macau é possível conhecer toda a gente. Todos sabem quem é quem e se é bom ou mau”, explica, sublinhando que cada um “escolhe com quem quer andar”.

“À minha volta gosto de ter pessoas boas, pessoas que gostam de fazer o bem, pessoas positivas e que se esforçam por estar de sorriso mesmo nos dias maus. Tu tens duas formas de viver a vida, ou de sorriso ou de cara fechada, tu é que escolhes o que queres ser”, partilha.

União é a máxima

facebookNão associar o mestre ao seu trabalho na capoeira é quase impossível. Foi Eddie Murphy que trouxe para China esta espécie de dança que culturas mas, principalmente, que “faz bem à alma”. Das suas aulas fazem parte alunos de todas as nacionalidades e giro é ver as diferenças de comportamentos, reflexos dos diferentes lugares de onde chegam.

“Os chineses são mais tímidos, porque são assim por natureza, o português é mais aberto. Com as crianças chinesas é preciso ir mais devagar, mas depois de se sentirem à vontade funcionam como família”, conta.

E é esta união a base da capoeira e de todos os ensinamentos que o mestre pretende passar a todos aqueles que passam pela sua vida. “Muitas vezes acontece que quem começa a frequentar as aulas tem problemas, tem uma fase menos boa na vida, muitas vezes ligadas com a família. Os meus alunos chineses têm muitas vezes esse problema, uma educação mais rígida, com mais respeito porque é um respeito imposto e não pode ser assim. É importante – e esta é uma das linhas da capoeira – que se perceba que o respeito é merecido e não imposto”, partilha.

Eddie Murphy acredita que Macau está melhor do que há sete anos e é a Taipa a zona que mais lhe enche o coração. “Sou muito ligado aos valores familiares, à minha família de sangue ou à da capoeira, porque é isso que somos, uma família, e a Taipa permite no tempo livre ires passear com a tua família, ir a um parque com as crianças, dar um passeio. Adoro a Taipa”.

É a indústria do Jogo que mais preocupa Eddie Murphy. “É preciso ter algum controlo nos casinos e na construção dos casinos, é preciso dar atenção aos que cá moram e não querem saber dos casinos, olhar para os filhos dos trabalhadores [desses espaços] que muitas vezes estão sem os pais durante a noite”, argumenta.

Um amor para sempre

Não há hesitação nenhuma quando perguntamos ao mestre o que pretende fazer no futuro. “Quero ficar em Macau, já não saio daqui”, diz-nos de sorriso rasgado. “Tenho recebido muito amor aqui, dos meus alunos, dos pais dos meus alunos, de todos aqueles que até não se identificam com o movimento da capoeira mas vão aos encontros e estão connosco”, conta.

Planos para o futuro não faltam. Eddie Murphy, marcado pelo seu espírito de trabalho, levanta um pouco o véu e conta-nos que talvez para o próximo ano Macau receba, pela primeira vez, o Campeonato Mundial de Capoeira, que poderá receber pelo menos cem países.

12 Jun 2015