Confrontos em Hong Kong

[dropcap style=’circle’]N[/dropcap]o passado dia 8 de Fevereiro, o primeiro do Ano do Macaco no Calendário Chinês, ocorreram tumultos violentos em Hong Kong. Os acontecimentos ficaram conhecidos como a Revolta das Bolinhas de Peixe (Fishball Riot)”. O website “wikipedia” fez um relato detalhado, do qual iremos analisar alguns excertos que servirão de base à nossa reflexão:
“No passado dia 8 de Fevereiro, o primeiro do Ano Novo Chinês, funcionários do Departamento de Higiene Alimentar e Ambiental (FEHD) tentaram encerrar bancas de comida ilegais, instaladas nas ruas de Mong Kok. O movimento Hong Kong Indigenous (HKI) convocou de imediato a população através das redes sociais, para proteger os vendedores ambulantes e, por volta das 21.00h, estavam reunidas algumas centenas de pessoas que começaram por agredir verbalmente os agentes da FEHD.
Por volta das 22.00h, um táxi que vinha a entrar na Portland Street, atropelou acidentalmente um idoso. Os manifestantes bloquearam a rua e impediram o taxista de sair do local. Entretanto a polícia chegou e rodeou a viatura, avisando as pessoas para não se aproximarem. Seguidamente a polícia retirou-se, regressando pouco tempo depois, por volta das 23.45, com um estrado portátil, o que provocou a fúria da multidão. À meia-noite, estalaram confrontos violentos entre a polícia e os manifestantes, quando os agentes da autoridade pretendiam desimpedir as ruas. A polícia, equipada com capacetes e escudos, lançou-se sobre os manifestantes com bastões e gás pimenta. Por seu lado alguns manifestantes, equipados com escudos improvisados, óculos de protecção, capacetes e luvas, arremessaram sobre os polícias garrafas de vidro, tijolos, vasos e caixotes do lixo.”
Por volta das 2.00 da manhã, na Argyle Street, um agente da polícia querendo proteger um colega ferido, caído no chão, disparou dois tiros para o ar.
“Às 4.00 da manhã, o primeiro de diversos fogos ateados nessa madrugada, desencadeou-se na Sai Yeung Choi Street South, seguido de outros três que viriam a deflagrar nessa mesma rua. Alguns manifestantes lançaram fogo a contentores de lixo, na zona que circunda a Shantung Street e a Soy Street, e que inclui os cruzamentos da Fife Street com a Portland Street e da Nathan Road com a Nelson Street. Os fogos foram apagados pela polícia e pelos bombeiros. As duas transversais da Nathan Road foram cortadas a sul da Argyle Street e a estação de Metro de Mong Kok foi encerrada.
Às 7h 15m, depois de um longo impasse, os manifestantes foram retirados da Soy Street, perto da Fa Yuen Street, após a chegada ao local dos agentes especiais da Unidade Táctica de Polícia. Os manifestantes foram dispersando gradualmente, por volta das 8.00 da manhã. Às 9.00h as ruas de Mong Kok estavam calmas e a estação de Metro reabriu às 9h 45m.”
Nos confrontos ficaram feridos cerca de 90 agentes da polícia. Um jornalista de Ming Pao queixou-se de ter sido agredido pela polícia apesar de ter mostrado a identificação. Jornalistas da RTHK e da TVB ficaram igualmente feridos nos confrontos.
Até sexta-feira, a polícia tinha prendido 65 pessoas, com idades compreendidas entre os 15 anos e os 70. O porta-voz da HKI, Edward Leung Tin-kei, também foi detido. Edward Leung Tin-kei é candidato pelo movimento New Territories East, às eleições para o Conselho Legislativo de Hong Kong. É previsível que mais pessoas venham a ser detidas, ao abrigo da “Lei da Ordem Pública”, acusadas de “provocação de tumultos”. A pena máxima pode chegar aos 10 anos de cadeia
Lançar tijolos contra pessoas pode provocar danos graves. Se o agredido morrer, estamos perante um crime de homicídio. Este tipo de comportamento é obviamente irracional. Alguém que queira expressar uma opinião, deve fazê-lo pacificamente. Se uma pessoa for atingida na sequência de confrontos desta natureza, é vítima de “expressão de opinião violenta”. Será esta uma forma correcta de nos expressarmos? E será justo para a vítima?
A polícia de Hong Kong tem muito auto-controlo. Nunca agem de forma emocional. Mesmo quando são provocados diversas vezes pelos manifestantes, só usam o gás pimenta para manter a ordem. Nunca disparam nem usam gás lacrimogénio. Os simpáticos e corajosos agentes da polícia de Hong Kong saíram desta situação com uma boa imagem.
No entanto a polícia Hong Kong deve prestar mais atenção à forma como usa o equipamento de protecção, especialmente os escudos. Como a maior parte dos agentes foi ferida por tijolos que caiam de cima, verificou-se que os escudos não foram eficazes. Ao contrário da Força Policial de Macau, podem usar escudos para proteger o corpo todo e a cabeça. Desta forma podem impedir ferimentos provocados por objectos que sejam lançados de cima. Estes cuidados adicionais deverão ser considerados.
Ponderemos agora sobre os efeitos a curto prazo da Revolta das Bolinhas de Peixe. Nesta situação será que os turistas desejam visitar Hong Kong? Se pensarem na sua segurança, a resposta é obviamente “não”. Se verificarmos as taxas de ocupação dos hotéis de Hong Kong, constataremos que à data dos acontecimentos, as lotações não estavam completas. Os preços baixaram para atrair mais clientela. No primeiro dia do Ano Novo Chinês, a diária num hotel de quatro estrelas, era de apenas 400 HK dólares. Estes tumultos violentos destruíram a economia de Hong Kong. Não se espera que possa haver uma recuperação a curto prazo. Estamos perante um caso de “lançar achas para a fogueira”.
Os vendedores ambulantes sem licença são um problema para o Governo de Hong Kong. Alguns manifestantes envolvidos nestas rixas afirmavam que quando lutaram contra o comércio paralelo, houve um decréscimo de turismo em Hong Kong, e mesmo assim venceram. Agora, se o Governo de Hong Kong permitir que os vendedores ambulantes sem licença continuem com os seus negócios em Mongkok, estes manifestantes ficarão com a impressão de ter “vencido” de novo. Se, por um lado, o Governo de Hong Kong perseguir os vendedores ambulantes, estes poderão ver o seu modo de vida posto em causa. Mas também se corre o risco de vir a haver uma segunda “Revolta das Bolinhas de Peixe”. Estas questões podem colocar o Governo num dilema.

* Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau

15 Fev 2016

Má sorte

1. Primeiro foi o troço das antigas muralhas, vandalizado por quem acha que pode fazer o que lhe apetece, onde lhe apetece, quando lhe apetece. Depois foi a Casa de Lou Kao, que levou com uma parede em cima que não lhe pertence, por causa de obras que – dispensa-se o relatório preliminar e também não é preciso esperar por conclusões finais – são feitas às três pancadas, como quase tudo o que diz respeito à construção em Macau. E agora o templo de A-Ma. Um incêndio com causas desconhecidas, em plenas comemorações do ano novo chinês. O património não anda com sorte.
Um incêndio de madrugada, de origem incerta. O Instituto Cultural já veio garantir que foi feita, há pouco tempo, uma inspecção ao local, espaço de peregrinação de centenas (milhares?) de pessoas durante estes dias. À hora a que escrevo, presume-se que se tenha tratado de um curto-circuito, uma daquelas coisas de que ninguém tem culpa – ou às tantas tem.
Mas não interessa a culpa: já se sabe por aqui morre quase sempre solteira e, quando contrai matrimónio, por norma fá-lo com o cônjuge mais fraco que poderia arranjar. O que importa é pensar no que se anda a fazer, no que se vai fazer, como evitar que estas situações aconteçam. No meio da má sorte, a sorte toda: tivessem as chamas começado a outras horas e este texto seria, todo ele, muito diferente. Num edifício com acessos complicados, a má sorte seria uma enorme tragédia.
Macau tem esta estranha condição da má sorte relativa: o mundo vai desabando, mas aqui, neste pedaço de terra crescente, nada acontece. Esta forma de evitar o azar total não se deve à competência das autoridades ou à consciência de quem age no espaço público: deve-se à sorte, que muitos dizem ser divina, apesar de os deuses não serem consensuais.
É bom que o azar total não nos bata à porta: antes cair o revestimento dos corredores, que sucumbiu ao frio, do que o tecto em cima da cabeça. Antes furar um pneu num buraco da estrada que já conta com mais de seis meses de vida, do que estourar o carro nesse mesmo buraco que a chuva tapou. Antes isso, claro está. Mas a má sorte que se vai tendo deveria servir para se começar a exigir mais – das autoridades e de quem age no espaço público. É que um dia destes o panchão rebenta no sítio errado, na hora errada, na mão errada. Não há má sorte relativa que não possa ser, um dia, absoluta.

2. Corro o risco de ser culturalmente intolerante. Corro. Mas as touradas também fazem parte da cultura do meu país e não lhes acho a mínima piada, pelo que não é uma questão de idiossincrasia – é mesmo uma questão de bom senso. Macau continua a ser, em termos de ano novo chinês, uma coisa estranha, bastante primitiva.
Dir-me-ão que faz parte da tradição isto de andar a queimar coisas para o ar, a horas em que há gente que quer, por exemplo, dormir descansada, sem a sensação de acordar no meio da Guerra do Pacífico. Queimam-se panchões nos locais que as autoridades definem mas também noutros sítios, que já sabemos que há sempre quem faz o que lhe apetece, quando lhe apetece, onde lhe apetece.
Dir-me-ão que faz parte da tradição e eu acredito, mas há 300 anos havia outras tradições, aqui e noutras partes do mundo, que se abandonaram por razões lógicas, próprias da evolução da espécie. Os panchões não fazem parte da realidade de muitas cidades da China, que também é tradicionalmente dada a fogos-de-artifício e outros dispositivos ruidosos. Houve alguém, do outro lado da fronteira, que se lembrou da poluição – sonora e sobretudo atmosférica, que isto de andar a queimar coisas não faz nada bem ao ar que se respira.
Por aqui, tudo na mesma. A festa ainda dura mais uns dias, pelo que quem quiser dormir que se aguente, porque até à uma da manhã a festa dura e há tolerância governamental para algumas tradições. Os turistas dão jeito e há que manter o povo contente. E depois – que fique claro porque já nos disseram, vezes sem conta, esta verdade absoluta – a culpa da poluição não é nossa. É só má sorte.

3. Outra sorte tiveram os Serviços de Saúde num caso recente que deu origem a uma das notas de imprensa mais extraordinárias que já tive oportunidade de ler. Chegou pouco antes da uma da manhã, acompanhada de uma mensagem para o telefone. O título diz tudo: “SSM [Serviços de Saúde de Macau] agradecem ao tribunal que julgou improcedente um recurso sobre o levantamento da medida de isolamento obrigatório”.
Quero ter a esperança de que a nota de imprensa original tenha sido redigida em chinês e que em chinês tenha um sentido completamente diferente. É que não fica bem uma entidade pertencente a um Governo agradecer decisões de órgãos judiciais – por mais importantes que possam ser para a saúde pública, como parece ter sido o caso. É a escolha do verbo, bem sei, pode ser só mesmo falta de jeito, admito. Para a próxima, um “congratulam-se” cai melhor. Ou então um título informativo, daqueles tipo “Tribunal dá razão aos Serviços de Saúde”. Por causa daquelas coisas da separação dos poderes e do Estado de direito. É que só falta mesmo o cesto de frutas e o cartão a acompanhar. Em nome da boa sorte, pois.

12 Fev 2016

Eles não percebem nada disto…

Não sou ninguém para falar de Democracia. Ponto. E digo isto como forma de garantir uma certa imunidade aos anticorpos do chorrilho de disparates que vou dizer a seguir. Disparates para alguns, pois se calhar há quem concorde em número e em grau, ou só num destes dois, não sei, incomodava-me se toda a gente concordasse, mais do que se nem vivalma me desse razão – ou um bocadinho dela, vá lá. E isto no fundo é exactamente do que se trata a tal “Democracia”: uns dizem os disparates que bem lhes apetece, alguns concordam, a maioria discorda, e se há algo que me deixa seguro de que a maior parte vai achar que eu devia era ir dormir “porque o meu mal é sono”, é porque as coisas são assim mesmo, como em quase tudo: não há cabecinha que não produza a sua própria sentença sobre tudo e mais alguma coisa.
É por isso que a “Democracia” é uma coisa complicada, afinal. A forma como as coisas deviam ser ou funcionar é aquela que EU acho mais indicada, e a que ME dá mais jeito, ou que ME traz mais vantagens. A “Democracia” é aquilo que EU quero que seja. Na minha casa, onde eu mando, ou noutro lugar onde eu vier eventualmente a mandar, “democracia” é aquilo que eu quiser. Discordam? Ainda bem.
Em Macau não existe “Democracia”, claro, uma vez que se trata de uma RAE da RPC (nesta fase do campeonato toda a gente devia saber o que estes acrónimos querem dizer). Nós, portugueses que aqui residimos, convivemos bem com este “vácuo democrático”, e isto apesar de sermos – pelo menos a maioria – oriundos de uma Democracia, essa conquistada “na raça”, vai já para lá de 40 anos. Quem aqui chegou antes de 1999 sabe que antes também não tínhamos uma Democracia propriamente dita. Éramos aquilo que oficialmente se designou de “Território Chinês Sob Administração Portuguesa”, onde concomitantemente se repetiam as mesmas juras de amor: “elevado grau de autonomia”, ou “Macau governado pelas suas gentes”. Tretas, pá. A Catalunha tem um “elevado grau de autonomia” a que Macau não chega sequer aos calcanhares e nem assim estão satisfeitos. As coisas são o que são, e o que vigora na prática é um suave e ameno “come e cala-te”. Com anestesia. Valha-nos isso. Por enquanto.
Nesta “não-Democracia” que é Macau, nós Portugueses seguimos cantando e rindo, e vamos tratando da nossa vidinha. Óptimo, que bom para nós. Isto não nos impede de opinar sobre o que seria se aqui funcionasse um entreposto da Democracia, e é do lado do “mero observador” que analisamos o comportamento daqueles que vão pelejando pela “Democracia”, e de um modo geral a análise que se faz é negativa. Sim, adivinharam, vem aí a dose de paternalismo da ordem: estes gajos não percebem nada de Democracia. Nós sim, percebemos bué. Transbordamos de Democracia por tudo o que é poro e outros orifícios cuja liberdade de expressão me permitiriam especificar, mas o mais básico decoro (e bom gosto) me impedem – vêem como eu “edromino” esta cena da Democracia e tudo? Ah, pois.
Um bom exemplo de como a Democracia na versão local não funciona nesta não-Democracia que é Macau é a notícia recente que dá conta da saída de um dos “históricos” da Associação que se determina ser a representante da tal “Democracia”, e tudo porque “não concorda com o rumo que a nova geração de dirigentes está a dar à associação”. Isto é grave. Quer dizer, deve ser, para alguém. Para nós, que sabemos o que é uma Democracia às direitas é indiferente, ou até dá jeito, uma vez que, repito, “estes gajos não percebem nada de Democracia”. Ainda iam arruinar o banquete, com aquela receita marada de “Democracia” que para ali desencantaram – se é que se pode chamar àquilo “Democracia”, sinceramente.
Se percebessem da missa metade, marcavam um congresso, e de um lado ficavam os Au-Kam-Samistas, do outro os Jason-Chaoistas, e numa terceira alternativa (só para chatear, e para aparecer, claro) os Scott-Chiangistas. Depois de muita conversa fiada, lá emergia o novo líder, os outros aplaudiam este exemplo de “Democracia on the making”, e ficava tudo na mesma. Esperem lá, na mesma não. Estes novos dirigentes são o quê? Ah, muito “radicais”, dizem. E ainda “adoptam um discurso xenófobo”, dizem também. De facto, dá medo só de olhar para eles, e imaginem que foram ao ponto de defender que os Trabalhadores não-residentes têm…ora essa, estou a fazer confusão. Quem disse isso foi a outra, uma das representantes das Associações da contra-Democracia. Isto de viver numa não-Democracia consegue ser mais complicado que uma Democracia propriamente dita. Deixem lá.
Entretanto esta terça-feira em Hong Kong tivemos a polícia a carregar em cidadãos, tendo efectuado mais de 50 detenções e deixado uma centena de manifestantes com a carola rachada. Em Hong Kong, onde ainda não há muito tempo tivemos uma espécie de “proto-revolução” que ficou baptizada com o nome de “Guarda-chuva”. Que giro. Esta incluiu ainda uma greve de fome (ou tentativa de greve de fome, enfim), falou-se de “desobediência civil”, e tudo mais que consta do guia “Democracias: faça você mesmo”. Mas que não se entusiasmem aqueles que aguardam por uma “Democracia” aqui ao lado, para que possam lucrar do eventual (e mais que certo) caos que daí adviria. Estes tumultos deveram-se à exaltação de alguns comerciantes que vendiam (ilegalmente, ao que parece) bolas de peixe na rua, e a quem a polícia ordenou que levantassem o estaminé. Ui, para esta gente pior que mexer com a “Democracia” é irem-lhes ao bolso. Isso é que não pode ser mesmo nada.
Reitero o que disse no início deste texto: não sou ninguém para falar de Democracia, nem me sentei à volta da fogueira para saber o que custou a liberdade, como na canção do outro. E não sou grande adepto de bolas de peixe, para ser sincero. Pode-se mesmo dizer que por estas bandas a Democracia é como as bolas de peixe: às vezes o sabor pode ser demasiado adstringente para a maioria dos gostos, e quase sempre “há molho”. Ah é verdade, completamente fora de contexto, queria desejar a todos um feliz ano do Macaco. E a isto chama-se acabar em grande estilo. Macaco, com que então. Kung Hei Fat Choi!

11 Fev 2016

A preocupação pelos riscos globais

“Two-thirds of our planet is covered with water (much of it seawater), yet the portion of the world population living in water-stressed conditions is set to rise from slightly more than half today to two-thirds in the 2020s. These conditions will be worse in some regions than others, with the United Nations projecting that 47 percent of the global population is likely to be living in areas reeling under “high” water stress by the end of the next decade. Water shortages already are bringing the battle between water conservation and economic development into sharp relief. Water scarcity, by promising to engender greater political and social upheaval, poses an existential threat to the Arab world, where water already seems a more valuable resource than oil or gas in several states.”

Water, Peace, and War: Confronting the Global Water Crisis
Brahma Chellaney

O “Fórum Económico Mundial ou Fórum de Davos” é uma fundação constituída em 1971, por Klaus Schwab, com sede em Genebra, que se reúne anualmente em Davos, com a presença dos líderes económicos, políticos e dos meios de comunicação social mundiais, representando o poder e as elites que dirigem e controlam o mundo.
O Fórum de Davos reuniu-se, entre 20 e 23 de Janeiro de 2016, e publica há uma década um “Relatório sobre Riscos Globais” muito importante, não apenas porque reflecte o pensamento e as intenções dessas elites, mas pelo que se pode extrair. O “Relatório sobre Riscos Globais de 2016” foi publicado a 14 de Janeiro de 2016, e é dirigido às classes dirigentes económicas e políticas, como preparação e adaptação aos riscos nele previstos.
O relatório destaca as formas pelas quais os riscos globais podiam evoluir e interactuar na próxima década. A importância reside na visão de liderança e de manutenção da situação actual, e no que está escrito acerca da humanidade, bem como do meio ambiente que a rodeia. O ano de 2016 é um claro marco de ruptura, quando comparado com os resultados dos relatórios anteriores, dado que os riscos para os quais o relatório tem estado a alertar durante a última década, estão a começar a apresentar novas formas de se manifestarem, em situações inesperadas e a afectar as pessoas, instituições e economias.
É de prever que o aquecimento global faça aumentar a temperatura do planeta, em um grau centígrado, relativamente à média da era pré-industrial, que sessenta milhões de pessoas foram deslocadas dos seus locais de residência e que os crimes cibernéticos custam à economia mundial cerca de quatrocentos e cinquenta mil milhões de dólares. Os temas geopolíticos continuam pelo segundo ano consecutivo, a ocupar um lugar elevado nas preocupações do estudo de “Percepção de Riscos Globais”.
O relatório aprofunda o cenário internacional da segurança, analisando os seus principais elementos, e em concreto, estuda como poderia ser afectada pela “Quarta Revolução Industrial”, que cria riscos derivados da incapacidade de se entender os desafios que produz, e como a transição afectará os países, economias e pessoas num momento de desaceleração económica, assim como, as alterações climáticas. Os três cenários desenvolvidos apresentam novas formas de construir a resiliência às ameaças à segurança pela colaboração público-privada.
O relatório analisa como os riscos e tendências globais emergentes, como as alterações climáticas, o aumento da ciberdependência e as desigualdades económicas estão a afectar algumas sociedades, que se encontram sob pressão, destacando três grupos denominados de riscos contextualizados.
A construção da resiliência leva a adquirir a capacidade de analisar riscos globais a partir da visão de actores específicos, considerando a importância dos riscos globais para a comunidade empresarial a nível regional e nacional. O termo resiliência é um conceito da ciência ecológica, aplicado aos sistemas ecológicos humanos, e não deve ser erradamente usado com fins ideológicos, como tem sido usual. O elemento principal para a construção da resiliência é a estabilidade das sociedades.
A sondagem da “Percepção de Riscos Globais” que está subjacente à feitura do relatório, teve a colaboração de setecentos e cinquenta especialistas, pertencentes ao mundo dos negócios, universidades, sociedade civil, sector público e de diversas áreas de trabalho, geográficas e grupos etários. A sondagem consiste num amplo conjunto de vinte e nove riscos globais, classificados como sociais, tecnológicos, económicos, ambientais e geopolíticos num horizonte de dez anos, sendo classificados cada um segundo a probabilidade da sua ocorrência e impacto.
Os riscos foram classificados segundo uma escala de 1 a 7, (muito pouco e muito) em dois parâmetros, como são a gravidade (os seus efeitos adversos globais) e a probabilidade de que se tornem reais no período de uma década. A sondagem é bastante significativa, pois a humanidade prevê que viveremos uma década de submissão a um conjunto de enormes problemas, existindo uma alta probabilidade de que se produzam todos em simultâneo, ou pelo menos alguns.
O relatório, face a essa informação, aconselha os líderes mundiais que tenham em consideração esses riscos nos seus negócios e governança, e criem mecanismos de preparação, mitigação e adaptação, sobretudo de resiliência, tal como constou do “Relatório de Riscos Globais de 2015”. O “Relatório de Riscos Globais de 2016” emprega numa tabela de termos, usando várias vezes palavras como biosfera, planeta, democracia, justiça, vida, limites, igualdade, desigualdade, sustentabilidade, crescimento económico e resiliência, revelando a sua extrema importância para os riscos globais.
É de crer que a tabela de termos reflecte, apesar dos resultados da sua sondagem, que não se querem evitar os riscos, mas ser-lhes resilientes, ou seja, manter o poder. O relatório reflecte, também, que as pessoas estão muito mais preocupadas com o que se está a viver, e o que irá acontecer a esta civilização. Aos poderosos líderes mundiais falta-lhes a mais elementar empatia, o que os torna indivíduos muito perigosos, e esse resultado pode ser retirado do seu conteúdo, sem grandes exercícios de imaginação.
O relatório revela as preocupações dos principais líderes de cento e quarenta economias de todo o mundo. O desemprego estrutural e os preços da energia por aumento ou diminuição estão no topo da lista. A sondagem pediu aos inquiridos do sector privado, que identificassem os riscos que criam maior preocupação, quando pretenderem fazer negócios nos próximos dez anos. As respostas representativas das economias referidas, revelam padrões de preocupação a nível nacional e regional, que podem ser de grande utilidade no momento de pensar e decidir, quais os melhores tipos de iniciativas que podem beneficiar o sector privado, na construção da capacidade de recuperação perante os riscos globais.
Os riscos económicos, desemprego, subemprego à escala mundial, conjuntamente com os choques no preço da energia são mencionados como os principais riscos, bem como, existe uma grande preocupação com o clima de negócios em setenta economias. O fracasso dos governos, crises fiscais nas principais economias, borbulhas de activos financeiros, crimes cibernéticos e uma profunda instabilidade social, são outros dos motivos de inquietação.
Os riscos económicos predominam nas respostas, quanto às perguntas sobre a Europa, incluindo as crises fiscais, desemprego, borbulhas de activos financeiros e preços da energia, sendo esta última, a preocupação do Canadá, enquanto os empresários nos Estados Unidos estão mais preocupados com os riscos relacionados com os ataques cibernéticos.
Os inquiridos da Rússia e Ásia Central mostram preocupação pelas crises fiscais e desemprego, bem como a incontrolável inflação e os conflitos interestaduais. Os riscos ambientais derivados de fenómenos meteorológicos extremos e a falta de mitigação e adaptação às alterações climáticas, seguido de grandes desastres naturais, preocupam os grandes empresários na Ásia Oriental e Pacífico, conjuntamente com os preços da energia e as borbulhas de activos financeiros. Os conflitos interestaduais com consequências regionais, também são um problema para os empresários do Norte de África.
As preocupações no Sul da Ásia incluem igualmente, os preços da energia, conjuntamente com a crise fiscal, desemprego e fracasso da governança nacional, sendo a principal preocupação da América do Sul e Caraíbas que vêm com desconfiança o futuro dos preços da energia e o nível de desemprego. As principiais preocupações do sector empresarial na África Subsaariana incluem o preço de energia, o fracasso da planificação urbana e a melhoria das infra-estruturas.
As alterações climáticas foram outro dos riscos referidos pelos inquiridos. O relatório assinala que é a primeira vez que este risco se apresenta como o mais perigoso de todos, onde se incluem a acção de armas de destruição massiva, que se encontravam continuamente no topo e passaram para lugar secundário.
O terceiro risco global mais importante é a crise da água que pode ser agravado pelas alterações climáticas, fazendo referência à acessibilidade do mundo a fontes de água potável. Este risco está associado por sua vez às vagas migratórias que representam um grande risco para as economias da Europa. Há a necessidade de uma melhor gestão da água, como resposta às alterações climáticas e políticas que resolvam de forma adequada os problemas a uma população em crescimento e ao desenvolvimento económico, bem como uma abordagem da crise global de refugiados.

11 Fev 2016

Gavetas e collants

Acabei de ler o artigo de opinião “Macaios, uni-vos! Um manifesto” de Fernando Eloy. (*) E achei-lhe uma certa piada.
Costuma-se dizer que “Quem classifica, classifica-se”. Precisamente por isso, raramente discuto assuntos em termos absolutos, com receio de ser mal interpretado, e também evito classificar ou dar nomes às coisas, sobretudo quando em causa estão assuntos sensíveis relacionados com a nossa identidade cultural.
Classificar é criar gavetas. Gavetas para meias, para cuecas, para calças, tentamos arrumar tudo na gaveta certa. Corre tudo bem quando de repente vem-nos parar às mãos um par de collants – e não sabemos em que gaveta colocar.
No contexto peculiar de Macau, o que não falta é collants.
Por essa razão fui sempre incapaz de dar nomes às gavetas – digo, aos diversos grupos de pessoas aqui de Macau – e muito menos àquela particular pessoa que sempre acreditei aqui existir e que tem para mim a fundamental característica que se reflecte nessa frase, tirada do mesmo artigo:
“Que me interessa a mim de onde vens ou para onde vais se aqui vives e aqui respiras, aqui te agasalhas e aqui procrias, se aqui comes e aqui amas, se aqui esmoreces e aqui rejuvenesces, se aqui estás, é tudo o que me interessa.”
No artigo essa pessoa é classificada como “Macaio”. Não que goste particularmente desse termo – aliás vários Macaenses com quem falei franziram as sobrancelhas pois essa expressão é, para muitos, depreciativa.
Esclareça-se todavia que essa pessoa não é necessariamente Macaense ou Macaio no “nosso” conceito – e não vou agora elaborar qual o “nosso” conceito dada a abundância de collants, mas é o que todos nós sabemos e aceitamos e que simultaneamente nos esquivamos de descrever por palavras para evitar limitar universos e deixar peças de roupa fora das gavetas.
Contudo, essa questão – a palavra Macaio – é para mim irrelevante pois ora interessa-me não tanto o nome que foi escolhido pelo autor do artigo para esse conceito, mas sim o conceito em si e a existência dessa tal pessoa em Macau com o perfil descrito.
Trata-se daquele que vive e que foi vivendo aqui em Macau ao longo dos anos e com quem partilhamos uma memória colectiva porque ainda se lembra do caminho das hortas para o Lok Iun, das noites no Mondial e no Moulin Rouge, da força destruidora do tufão Helen, do dia em que balas de Kalashnikovs varreram a entrada do hotel New Century, do chafariz do Largo do Leal Senado onde, à porta do restaurante Long Kei, o vendilhão dos bonecos de massa de arroz mantinha o seu pequeno negócio.
Essa pessoa encolheu os ombros e pouca importância deu às sábias palavras que lhe foram ditas por um veterano da terra: “Quem vem para Macau solteiro, casa-se. Quem vem para Macau casado, divorcia-se.”
Mas entretanto conheceu o(a) seu (sua) companheiro(a) de vida aqui em Macau. Foi aqui que amou, ou voltou a amar, e fez filhos. E diz a toda a gente, com orgulho, que os seus filhos aqui nasceram.
É fiel à sua Pátria – não interessa qual, mas é sempre distante. É um país espectacular, o seu. Mas quis o destino que aqui viesse parar porque veio ainda miúdo com os pais, ou porque tinha aqui um amigo, uma tia, um primo, um não-sei-quem que lhe arranjou um emprego.
Veio apenas para ver como eram aqui as coisas, talvez por dois meses, ou no máximo um ano – mas já aqui está há vinte ou trinta.
Nunca teve problemas em explorar as zonas antigas da cidade porque quando aqui chegou, ainda antes disto ser reinventado pela mais recente onda de investimentos estrangeiros, era esse o Macau que existia. Conhece bem, por isso, as Mariazinhas, a Rua da Palha, a zona dos Três Candeeiros e as ruelas todas com as lojecas onde se compra o tecido assim ou os botões assado. Tem também no seu passaporte o visto de entradas múltiplas para ir comprar os DVDs a Zhuhai.
Come com pauzinhos quando vai à tasca chinesa, pede lulas fritas com pimenta e piri-piri e mata a sede com uma Tsingtao, mas nunca em lata ou em garrafa individual: pede logo uma grande porque foi assim que aqui aprendeu a beber com os amigos.
Não se sente incomodado com o ar-condicionado exageradamente frio dos restaurantes – já se habituou a essa prática local e, afinal, sempre assim foi por cá, portanto também não vê nada de errado nisso. E se por acaso se sentir incomodado, também não tem problemas em pedir ao empregado para desligar o ar-condicionado porque o cliente pode e tem sempre razão.
Festeja o Ano Novo Chinês e já lhe sai da boca, com toda a naturalidade, o segundo “bom ano” do ano. No trabalho, em finais de Janeiro, diz repetidamente aos colegas: “vamos deixar isso pronto antes do ano novo”.
Finalmente, é também possível com essa pessoa desenvolver o seguinte diálogo:

A: Onde nasceste?
B: Moçambique.
A: És Moçambicano?
B: Fui ainda criança para Lisboa.
A: És Lisboeta?
B: Quer dizer, não sei… Vim para Macau adolescente.
A: Então sentes-te macaense?
B: Não sou Moçambicano, não sou Lisboeta… Sou português, é claro, mas já nem sei se era capaz de lá viver… Vivi mais anos da minha vida aqui em Macau do que noutro sítio. Portanto…
Pois que essa pessoa também não sabe ao certo o que é, mas tem noção da sua identidade nem que seja por negação – negação das outras suas possíveis identidades de origem.
Caríssimo leitor, se se sentiu identificado, não se preocupe pois talvez não se trate de coincidência – você é um par de collants.
E não pense que a descrição feita até aqui se encaixe unicamente aos collants de origem portuguesa. Porque, tal como diz o outro, a peça de roupa aqui em causa pode ser filipina, macaense, chinesa ou tailandesa. É isso que dá riqueza e colorido à textura social de Macau.
Não temos, por isso, de ser necessariamente unidos no sentido poético da coisa já que temos perfeita consciência e até assumimos que somos todos collants de cores e tamanhos diferentes.
De facto, até certo ponto, pouco ou nada interessa de onde somos ou viemos. Vivemos em Macau desde sabe-se lá quando e, sendo todos nós collants, quando estamos juntos acabamos por encontrar automaticamente a nossa química.
Foi sempre assim.

Sorrindo Sempre

Sobre essa coisa de não haver aulas por causa do frio, tal como dizia Diácono Remédios: “Não havia necessidade!”
Se está frio, então os meninos que se agasalhem melhor. Se ficarem doentes, então que fiquem – há medicamentos que curam gripes, certo?
Ou vão-me dizer que havia o risco de alguma criança morrer de frio na escola?
Atenção: também tenho filhos, preocupa-me e dói-me o coração quando ficam doentes.
Mas incomoda-me quando vejo pais que correm atrás dos miúdos nos parques com medo que caiam do escorrega ou que se magoem aqui ou ali. Esse nervosismo em excesso é muito típico de Macau e Hong Kong e aborrece-me porque impede que os meninos cresçam e se façam homens.
Estamos a criar flores de estufa.
Que depois, quando na idade certa têm de sair da estufa para prosseguir com os estudos, aiyaaaa, coitadinhos, não se adaptaram àquele país porque à noite há bêbados no autocarro e toxicodependentes no comboio, porque da faculdade até casa as ruas estão mal iluminadas, porque as salas de aula cheiram a mofo, ou porque… Faz muito frio.

Sorrindo sempre.

10 Fev 2016

A redondeza da bola

Dia 3 de Fevereiro foi noticiado que o colombiano Jackson Martinez foi transferido do Atlético de Madrid para o Guangzhou Evergrande, pela módica quantia de 42 milhões de Euros, batendo o recente recorde de 21 milhões de libras que o Jiangsu Juning pagou ao Chelsea pela transferência do brasileiro Ramires.
Se atentarmos que a Liga profissional chinesa, conhecida como Super Liga, foi fundada em 2004, produto da reformulação da Chinese Football Association Jia-A League, a notícia terá espantado o mundo ocidental pelo poderio financeiro revelado pelos clubes chineses, mas não a mim, se fizer uma viagem no tempo.
Nos inícios da década de 1970, a República Popular da China utilizou sabiamente a “diplomacia do ping pong”. Foi, assim, que em 1972 Richard Nixon se encontrou com Mao Zedong.
O recurso ao desporto foi, nesses anos de caminhada para a abertura, uma forma de afirmação. Após uma única participação nos Jogos Olímpicos de Helsínquia em 1952, a R.P.C. só voltou a competir em 1984, em Los Angeles. Recordo-me de na altura ter pensado que a China não iria aos Estados Unidos para passear. E, assim, o regresso saldou-se por 15 medalhas de ouro, 8 de prata e 9 de bronze, tendo ficado classificada em quarto lugar. Nessas olimpíadas emergiu Li Ning, o famoso ginasta chinês que destronou os japoneses e colheu três medalhas de ouro, duas de prata e uma de bronze.
A participação da R.P. da China nas competições desportivas mundiais e olímpicas foi ganhando cada vez maior projecção, sendo desde 1984 uma potência desportiva mundial em incontáveis modalidades, decorrente de um trabalho sério, planificado e estratégico.
A notícia que abre este escrito suscitou-me, de imediato, a vontade de reflectir sobre o modo como se operou a transformação em grande potência mundial do mais populoso país do mundo, e apetece utilizar a redondeza da bola para o fazer, à guisa de metáfora.
Toda a história da China está ligada à correcta utilização do poder, quer directamente do imperador quer, ainda, de estrategas como Sun Tzu e Zugue Liang, para apenas citar os mais famosos.
E sabendo-se que Xi Jing Ping gosta de futebol, constatar-se-á que, mais uma vez, e na senda da política de abertura de Deng Xiao Ping, a China recorre a jogadores e técnicos estrangeiros para desenvolver sectores do seu interesse, sem que isso afecte minimamente o prestígio dos clubes, antes lhes confere maior prestígio.
Foquemo-nos aqui perto, em Guangzhou, no Guangzhou Evergrande, só possível pela existência de uma economia socialista de mercado onde os bilionários são considerados heróis, por razões óbvias.
O Guangzhou Evergrande, agora Guanzhou Taobao Evergrande, é suportado por dois potentados. O Evergrande é um grupo imobiliário que opera em, pelo menos, cem cidades da China e possui 45.8 milhões de metros quadrados de terrenos, sendo presidente do grupo Xu Jiayin, o quinto homem mais rico da China, com uma fortuna avaliada em 7.2 mil milhões. Por seu lado, Jack Ma, dono do potentado Alibaba, vem conferir a esta parceria um poderio económico astronómico que fará empalidecer Abramovitch.
É assim que as coisas acontecem, à semelhança da grande dinastia Tang (618-904), quando não apenas convergiram para Ch’ang An mercadores árabes e judeus pela Rota da Seda, como também a sua grandeza e magnificência se exprimiu pela abertura a estudantes Confucionistas da Coreia e do Japão que vieram estudar e também exercer cargos no estrutura imperial.
Neste ressurgimento de poder económico e político que a China atravessa, pode-se constatar a grande visão não apenas dos seus dirigentes como, igualmente, dos investidores em todos os campos, nomeadamente o desportivo, chamando para junto de si jogadores e treinadores estrangeiros, assinando contratos com – por exemplo – o Real Madrid para a abertura de 75 campos de futebol para uma academia.
Todas as reconstruções devem fazer-se descomplexadamente, sem quaisquer laivos xenófobos, porquanto ir buscar o conhecimento onde ele está é um acto de sabedoria dado àqueles a quem a grandeza de espírito contemplou.
Em jeito de remate, veja-se quão empreendedoras e estratégicas são as empresas chinesas: a Ledman Optoelectronic Company, sediada em Shenzhen, sendo já patrocinadora da Super Liga e da Liga I Chinesa, assinou um acordo para patrocinar a II Liga Portuguesa, situação que gerou um mal-estar incompreensível quando em Portugal não se privilegia o jogador português.
Não sendo talhado para os negócios, não deixo de analisar com atenção os movimentos tipicamente chineses onde a subtileza ou o poderio se manifestam.
Estamos, claro, a falar de um país, segunda economia mundial, que atingiu a posição que ocupa em apenas 40 anos. O mundo pula e avança sempre que se vai buscar o conhecimento onde ele existe. Descomplexadamente.

10 Fev 2016

Caiu na rede (e não é peixe)

Caso 1:

Não há actores pretos nomeados para as principais categorias dos Óscares este ano. E depois? Aparentemente isto é notícia, pois trata-se de “racismo”, e mesmo que ninguém tivesse dado pela “falta de diversidade” na lista da Academia de Artes e Ciências de Hollywood, nunca faltaria a atempada e oportuna(ística) do realizador Spike Lee, o “ombudsman” destas coisas, com a diferença de que ninguém o nomeou, e de “independente” tem muito pouco. Eu descreveria Spike Lee como o “Black Man in Black” da segregação, um cromo daqueles que sozinho preenche uma caderneta inteira. Desconfio que o tipo não conseguia viver sem isto, sinceramente; em suma: é um desocupado. Spike Lee seria bem capaz de acusar o realizador de um biópico sobre a vida do imperador romano Júlio César de “racismo”, alegando “ausência de escravos númidas no enredo”, e possivelmente encontrava algum argumento hist(é)órico delirante para justificar o “casting” de Denzel Washington no papel de Marcus Antonius. Mas até pode ser que Spike Lee seja um pateta, mas de parvo é que ele não tem nada, e como quem lhe atira com mais sarna com que ele depois se entretém a coçar, vieram de imediato os grunhos das redes sociais responder ao chamamento da tolice. Julgando-se com a razão toda do seu lado, aquilo foi um ver se te avias de opiniões obtusas e torpes, ora porque “ELES agora pensam que mandam nisto tudo”, e “tem que ser como ELES querem”, e “quem é que ELES pensam que são”. Fiquei um pouco baralhado: se Spike Lee é um apenas (e já é um a mais), e o número de candidatos pretos às estatuetas mais apetecíveis é zero, quem são os “eles” de que aqui se fala? Bem, eles que são “afro-qualquer-coisa” que se entendam.

Caso 2:

O toureiro espanhol Francisco Rivera Ordóñez (olé!), provavelmente aborrecido com tanta falta de protagonismo, decide chocar o mundo – coisa relativamente fácil nos tempos que correm, aparentemente. Para o efeito decidiu divulgar imagens suas onde aparece a lidar um touro, enquanto segura ao colo a sua filha de apenas cinco meses de idade. O “problema” aqui é evidente, tratando-se de algo que tanto eu como o estimado leitor não incluiríamos no nosso rol de “actividades a desenvolver com os nossos recém-nascidos”, mas aqui com o Paco a conversa é outra. Filho, neto e bisneto de toureiros, o avô de Rivera “fazia o mesmo com ele e com o seu pai”, e apesar deste último ter encontrado a morte numa arena com apenas 36 anos, isso não o inibiu de lhe seguir as pisadas. Ainda tão recentemente com em Agosto do ano passado, o destemido lidador foi contemplado com um “piercing” gástrico, cortesia de um dos bovinos que insiste em enfrentar, naquilo a que tanto ele como a sua “afición” insistem em preservar como tradição, chamando-lhe ainda de “arte”. Quem não se inibiu de expressar de imediato o seu repúdio, asco, “ai Jesus que lá vou eu” foram os mui reverendos opositores da festa brava, e quer nas redes sociais, quer nas secções de comentários da própria notícia choveram impropérios, rogaram-se pragas, chamaram-se todos os nomes ao Paco, que não fez mais do que…aquilo que sabe fazer, pronto, deu-lhe para isto, como podia ter-lhe dado para ser fiscal das finanças. A criancinha? É dele, e ele lá sabe as linhas com que se cose. Naquele momento até podia ser que estivesse a pensar noutra coisa qualquer – na tetinha da mamã, por exemplo, e não há nada que nos diga que a progenitora tenha desaprovado a iniciativa do marido – mas até aposto que quando tomar consciência dos actos do pai, a miúda vai achar aquilo “o máximo”. Se eu censuro? Não aprovo, mas duvido que isto se insira na categoria de “má influência”, ou que surja por aí uma legião de imitadores. Do que tenho a certeza é que em nada contribuiria para a minha felicidade a eventualidade do perturbado senhor sofrer uma morte horrível no exercício da sua actividade. Nem entendo quem poderia ficar a ganhar com isso, para ser sincero.

Caso 3:

Em vésperas da visita de altos dignatários da República Islâmica do Irão, as autoridades italianas decidiram cobrir as estátuas de corpos nus existentes na capital daquele país, de modo a “não ofender” os seus púdicos convidados. Ahem. Quer o “timing”, quer a própria ideia leva-me a suspeitar que os italianos estavam a ser “fresquinhos”: nem Roma é uma espécie de Castelo-Fantasma da Feira Popular com “madonnas” desnudadas em vez de assombrações, nem os “aiatolas” rastejaram de um qualquer buraco e desatam a arrancar os cabelos em desespero perante a visão de um par de mamocas de pedra. Tenho até a convicção de que estas elites sunitas têm consciência daquilo que esperam encontrar em Itália, tratando-se de pessoas de carne e osso, alfabetizadas e cientes de que o mundo vai para lá da Pérsia e arredores. Só faltava os italianos ensinarem-lhes a comer com utensílios, incutindo de seguida a noções elementares de higiene pessoal – “para não ofender”, dizem eles. Pois, pois. Mas houve logo quem tivesse feito segundas leituras do acontecimento, e interpretasse isto como uma “submissão do Ocidente aos valores do Islão”. Ena, o que para aí vai, como se tivessem sido os referidos cavalheiros a encomendar tamanho sermão. Como não podia deixar de ser, cada um arrotou a sua posta de pescada, e entre os habituais insultos à confissão maometana, liam-se sugestões sobre “o que fazer para endireitar aqueles tipos”, das quais destaco “visitas ao Bairro Alto, gajas e vinho”, entre outras formas de deboche, que é o “modus vivant” das pessoas livres e civilizadas. Claro, claro. E mais: aproveitando a crista da onda, o nosso novel Ministro da Cultura, João Soares, decidiu contribuir para a tragicomédia, afirmando que “em Portugal ninguém taparia coisa nenhuma para não ofender ninguém”. Sim senhor, aquilo é que é um homem com um grande par de…como é que se diz “bochechas” em castelhano? Deixem para lá, não interessa.
Conclusão: Já o fiz aqui antes e volto a reiterar: demos graças às forças armadas e outros agentes da ordem, que são o sustentáculo da nossa democracia. Com o povão no poder, estávamos entregues à bicharada.

4 Fev 2016

Perguntas lixadas

Percebo que a vida do Secretário Raimundo do Rosário não deve ser um mar de rosas. Percebo quão frustrante deve ser responder às perguntas idiotas de muitos deputados, conselheiros e afins e reagir a propostas descabidas umas atrás das outras. Percebo quão difícil deverá ser trocar uma vida na Europa por um inferno de terrenos, gente sem visão, guerras figadais, interesses feudais e gente com a mania de andar de carro para fazer meia dúzia de quilómetros. Percebo até que nas conversas com os seus botões se interrogue sobre o que lhe passou pela cabeça quando decidiu aceitar o lugar mas não percebo respostas do género “não sei” quando, como foi caso, o interpelaram sobre a questão da reciclagem. Especialmente depois de viver 15 anos em Portugal onde, pode-se dizer, as campanhas de reciclagem foram um sucesso. Sim, nem tudo dá barraca no país da ponta. Hoje, segundo dados divulgados este mês pela Sociedade Ponto Verde, 50 milhões de euros depois e passados 20 anos, cerca de 70% dos portugueses sabem o que é reciclagem. De acordo com o director geral da organização, Luís Veiga Martins, em 2000, “o termo ‘reciclagem’ ainda era desconhecido para a esmagadora maioria da população portuguesa e três anos mais tarde apenas 38% das pessoas faziam a recolha selectiva das embalagens usadas, percentagem que disparou para 60% em 2007 e para 71% em 2015”. Qual foi o truque em Portugal? Campanhas de sensibilização. Campanhas bem feitas e pontos de recolha em todo o lado onde existem caixotes de lixo, objectos visíveis, coloridos, chamativos e não as pré-históricas latas que o Secretário conhece e, justiça seja feita, utiliza. Como ele disse, não sabe como convencer as pessoas, mas isso não tem mal nenhum; mas deve, isso sim, saber o que tem de ser feito: publicidade, campanhas e, para isso, existem empresas especializadas. Para a nova geração de portugueses o que se segue pode não significar nada, mas para quem nasceu nos anos 60 como eu, a imagem de gente a atirar sacos de lixo pelas janelas para os baldios das traseiras, de pilhas de sacos de lixo amontoados nas esquinas e ruas imundas eram imagens frequentes, diárias, até muito perto dos anos 90. O Portugal limpinho e reciclado de hoje não tem nada a ver com o Portugal de há bem pouco tempo, pelo que se até nós aprendemos a reciclar e a limpar, qual será a dificuldade de educar meio milhão numa cidade de meio metro? Mas é óbvio que um Secretário não tem a obrigação de saber fazer campanhas mas tem a obrigação de saber o que as deve fazer. Não saber o que acontece ao lixo depois de ser escolhido é que já é mais grave. Como não sabe? Eu sei que o departamento que dirige deve estar assoberbado de trabalho, também sei que a Direcção dos Serviços de Protecção Ambiente é como se não existisse, ao ponto de não percebermos bem o significado da parte “Protecção” da designação ou não andávamos todos a respirar mal e com índices de qualidade do ar consistentemente piores que Central em Hong Kong e, frequentemente, pior do que Cantão ou Foshan. Também sei que as campanhas, quase invisíveis, da DSPA parecem mais destinadas à pré-primária do que a pessoas com dois dedos de testa, mas não se pode esperar respostas deste género de um Secretário a menos que a permanência em Macau já o tenha obrigado a ajustar-se ao nível local para não parecer deslocado.
Disse ainda o Dr. Raimundo, ou a imprensa assim o escreve, que “anda atrás” da DSPA. Como atrás, senhor Secretário? Tem é de andar em cima deles, tem de os pôr a trabalhar e fazê-los perceber que já estamos no século XXI e não nos anos 80. Quero, por isso, acreditar que as respostas de Raimundo do Rosário foram apenas um desabafo de fim de dia, uma forma menos agressiva de mandar os deputados à fava (muitos bem que precisavam de um passeio pelo faval) ou o resultado de quem já não pode ouvir mais cretinices como a da deputada que pretende uma lei para obrigar as pessoas a reciclar. Claro que ninguém é de ferro e a lucidez em condições como as que ele tem de aguentar falha, mas o Secretário não foi propriamente apanhado com questões ao virar da esquina e sabia ao que ia. Se não tinha as respostas é porque não tem assessores de categoria que o protegessem de ir nu para a praça, o que me leva a crer que qualquer plano de reciclagem que venha a ser encetado tem de ir muito para além dos resíduos.

MÚSICA DA SEMANA
David Bowie – “Absolute Begginers”

“I’ve nothing much to offer
There’s nothing much to take
I’m an absolute beginner
But I’m absolutely sane
As long as we’re together
The rest can go to hell
I absolutely love you
But we’re absolute beginners
With eyes completely open
But nervous all the same”

3 Fev 2016

Contracepção

O grito de liberdade sexual veio com os desejados métodos contraceptivos. Finalmente decisões poderiam ser tomadas relativamente à prática sexual e à gravidez indesejável. Assim chegou-se à era do gozo sexual não necessariamente procriativo que em muito contribuiu à revolução sexual do último século. Mas os métodos contraceptivos não são sexy per se (e escrever sobre eles também não será). Fazem parte de uma sexualidade saudável, sem dúvida, mas por alguma razão ainda falham. Falham porque ainda há gravidez adolescente e porque as doenças e infecções sexualmente transmissíveis continuam a ser espalhadas por aí.
A variedade de métodos é extensa: preservativo masculino e feminino, DIU, diafragma, esponja vaginal, terapêuticas hormonais (pílula, anel vaginal, implantes, patches), vasectomia ou laqueação de trompas. Escolhas que deverão ser personalizadas de acordo com idade, actividade sexual, estado de saúde geral, etc. Todos estes métodos têm uma percentagem de eficácia diferente, portanto, alguns são mais falíveis que outros, mas só o preservativo é capaz de travar infecções indesejáveis. Aliás, o preservativo foi inventado exactamente na prevenção da Sífilis durante o séc. XV. Assemelhava-se a uma meia de vidro desbotada e era feito com paredes do intestino grosso de diferentes animais. Depois vieram os produtos sintéticos que trouxeram o preservativo de latex que conhecemos hoje, no início do séc. XX.
Todas as campanhas que divulgam o uso do preservativo, tentam apelar pela utilidade do dito cujo. Quase não se sente, protege-nos de STD’s, impede a gravidez indesejável: perfeito. O preservativo deve ser usado s-e-m-p-r-e, não há dúvidas disso. O que se esquecem de dizer é que às vezes pode ser desconfortável ou pode desfazer o tesão, i.e., o brochar o orgão sexual masculino. Há os que se recusam, os que não conseguem, os que não gostam e os que desenvolvem profundas crenças que incentivam o seu não uso. Como contornar a questão? Não é fácil. Em relacionamentos que se prevêem de longa-duração, poder-se-á optar por uma vida sexual sem preservativo depois dos devidos testes de sangue serem feitos. Em qualquer outra situação o uso deverá ser obrigatório, e o pessoal que não se arme em esquisito. As tentativas de tornarem o preservativo um pouco mais atraente levou a que as marcas conhecidas do mercado fizessem variações do produto, ora com sabores, ora com texturas, ora com cores. Não há grandes desculpas para justificar a sua ausência, mas a verdade é que o sexo é significativamente melhor sem. Há uma maior proximidade ao vosso apaixonado/a porque não há barreiras absolutamente nenhumas entre a intimidade de um e de outro. Por isso para os que podem, e já mostraram não ter nenhuma doença nefasta a transmitir, ultrapassa-se o uso do preservativo para métodos exclusivos a prevenção da gravidez.
O normal é para a mulher começar a usar a pílula, ideal para quem é organizado e pouco esquecido, e basta tomar um comprimido por dia (exceptuando durante a menstruação) e não incomodar a normatividade do acto sexual em si. Até aqui, parece tudo bem. Acontece que outros efeitos secundários podem advir, afamados desiquilíbrios emocionais, e até conheço pessoas que desenvolveram ataques de pânico. Isto na pior das hipóteses, porque depois há problemas de cariz menor, tipo celulite e retenção de líquidos. A contracepção não é um mar de rosas, mas o que tem de ser, tem muita força.
Contudo (e felizmente) começaram a ser testadas formas de ‘pílula’ masculina não hormonais, e, por isso, sem alterar os ciclos naturais. As opções são diversas e os projectos ainda se encontram numa fase embrionária, salientam-se: 1.injecção para bloqueio dos canais de transporte de esperma, uma quasi-vasectomia menos invasiva e reversível; 2. Medicação para não permitir os espermatozóides de fertilizar o óvulo; 3. Medicação para alterar a capacidade de locomoção do esperma.
A vantagem é que com uma maior possibilidade de contraceptivos masculinos, a responsabilidade e preocupação contraceptiva não ficará totalmente nas mãos da mulher. Espera-se que seja um tema que possa ser discutido pelo casal e em cooperação, percebendo as vantagens e desvantagens de cada método. Visto que a maioria dos produtos de contracepção são para mulheres, há uma tendência natural para julgar que as precauções contraceptivas são maiores para quem de facto carrega uma barrigona por 9 meses. Mas visto que ‘takes two to tango’ a responsabilização pela outra parte também é necessária. O investimento em novas formas de contracepção trazem a esperança de formas mais eficazes de prevenção e uma muito desejada consciencialização social.

2 Fev 2016

Acordo de extradição

[dropstyle=’circle’]D[/dropstyle]urante este fim de semana, o website de Hong Kong “https://the-sun.on.cc” publicou uma notícia relacionada com o caso que envolveu Steven Lo Kit Sing, (Lo) e Joseph Lau Luen Hung, (Lau). O recurso apresentado por ambos foi finalmente recusado pelo Tribunal de Macau, de acordo com o website “macaonews.com.mo”, num artigo publicado a 22 de Janeiro.
“Os dois arguidos foram condenados à revelia, por um tribunal local, a cinco anos e três meses cada, por terem, alegadamente, pago 20 milhões de HK dólares ao então Secretário dos Transportes e Obras Públicas, Ao Man Long, actualmente a cumprir uma pena de 29 anos de prisão por corrupção, abuso de poder, lavagem de dinheiro e outros crimes.”
A recusa do apelo significa que o caso está encerrado. Se não for apresentado mais nenhum recurso, ambas as condenações serão definitivas. Deverão cumprir pena de prisão em Macau.
A questão do cumprimento da pena também foi abordada no artigo. Como não existe entre Hong Kong e Macau um acordo de extradição (Pacto), a decisão do Tribunal de Macau poderá não ser validada em Hong Kong. Se os arguidos permanecerem em Hong Kong, a sentença decretada em Macau pode nunca vir a ser cumprida.
No entanto o Macaonews (https://www.macaunews.com.mo/images/stories/macaunews/20150122p.jpg) adiantava que “A Secretária para a Administração e Justiça, Sónia Chan Hoi Fan, declarou quarta-feira, que o governo local vai tentar, por todos os meios firmar um acordo legal de assistência mútua com Hong Kong, ainda este ano.”
Alguns dias antes, em entrevista à estação televisiva de Hong Kong TVB, o Secretário para a Segurança, Wong Sio Chak, informou que o acordo está a avançar e que será aplicado a todos os casos, independentemente da data das ocorrências.
Por estas afirmações poderemos deduzir que o acordo terá efeitos retroactivos.
E o que são efeitos retroactivos? Voltemos ao artigo do Macaunews, onde se pode ler,
“Retroactividade significa que o acordo abrangerá casos anteriores à sua entrada em vigor, desta forma, quem fugir para uma das cidades para escapar a uma sentença aplicada na outra, poderá ser extraditado e levado perante a Justiça.”
Devemos, pois, concluir que, ao abrigo do acordo, tanto Lau como Lo podem ser reenviados para Macau para cumprir a pena a que foram condenados.
No entanto, neste caso, há alguns pontos a salientar.
Em primeiro lugar, o Pacto é um acordo de extradição, que pretende reenviar o arguido para o local onde o crime foi cometido. No caso de que temos vindo a falar, isso implicará a extradição de Lau e de Lo para Macau. Tradicionalmente, estes Pactos são de natureza internacional e celebram-se entre dois países. Nem Hong Kong, nem Macau são países, são apenas regiões administrativas especiais da China. Só podemos afirmar que o Pacto que regula a extradição entre Hong Kong e Macau, é um “acordo legal de assistência mútua” e não deve ser encarado como um acordo internacional.
Se existir um Pacto, os fugitivos podem ser extraditados. E se não houver, podemos na mesma fazê-lo? A resposta é afirmativa. Em termos internacionais, os Estados costumam celebrar pactos para assegurar a extradição. E isto porque cada um tem as suas regras. Por exemplo, alguns Estados têm sentença de morte. Não é desejável reenviar uma pessoa em fuga para um país onde vá ser executada. Outro exemplo é o caso dos refugiados. Alguns países revelam grande preocupação com os refugiados. A partir do momento em que o estatuto de refugiado é atribuído, é complicado proceder à repatriação. O acordo formal entre dois países pode evitar questões delicadas. O acordo é o resultado final das negociações entre dois Estados, mas, em alguns casos excepcionais, mesmo que não exista pacto, a extradição continua a ser possível.
Em segundo lugar, o Pacto impedirá a fuga de uma cidade para a outra, para escapar a um castigo. Futuramente as duas cidades deixarão de ser esconderijo uma da outra.
Em terceiro lugar, este Pacto com Hong Kong talvez pode ser o primeiro de outros que venham a ser celebrados com outras regiões. Macau é actualmente uma cidade cosmopolita. Se uma pessoa de fora cometer um crime na nossa cidade, e fugir para a sua terra, teremos mais um caso igual ao de Lau e de Lo. Se tentarmos estabelecer, o mais rápido possível, acordos com outras regiões, poderemos evitar estes casos de fuga bem sucedidos. Esta vai ser, seguramente, uma das tarefas que mais desafios irá apresentar ao governo de Macau.

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau

1 Fev 2016

Da estupidez térmica

[dropcap=’circle’]V[/dropcap]ale tudo depois da explicação oficial que se ouviu, há uns meses, para a lentidão da Internet em Macau. A partir do momento em que se atribui à humidade a culpa para as ligações a passo de caracol, está quase tudo dito. E nada surpreende. Assim sendo, não é um choque ouvir novas justificações governamentais, desta vez na área da construção civil, em que o tempo é, uma vez mais, o culpado. Sem direito a defesa.
Esta semana, caiu parte do revestimento dos corredores do Edifício do Lago. Não se trata de uma novidade para os moradores do complexo de habitação pública, inaugurado há pouco mais de três anos. Este estranho fenómeno da laje em desapego total pela parede já tinha acontecido uma vez.
Apesar de as autoridades admitirem a necessidade de uma investigação, foram logo dizendo que o mais provável é a queda do revestimento ter sido provocada pelo frio, este frio invulgar que nos enche de cachecóis e mantas. A justificação faz-me pensar no Norte da Europa. E até mesmo no Norte de Portugal. E no Norte da China. Ele é azulejos a cair todos os dias, mortinhos de frio. Não há cola que os aguente, não há cola que os console. Vão da parede ao chão sem pensarem duas vezes.
Edifício do Lago interiormente despido à parte, esta vaga de frio veio provar – sem surpresa – que não estamos preparados para o frio. O facto em si, num clima subtropical, não é motivo para indignação. Ninguém estará à espera de casas com lareira e aquecimento central num clima subtropical. O problema é que as construções também não são feitas a pensar no calor a que estamos habituados. Se o vento vem frio, passa pelas paredes de papel; se a humidade vem quente, entranha-se na casa. Não há corpo que aguente sem um aquecedor ou sem uma ventoinha. Há sempre um auxiliar térmico em Macau. Não há conta de electricidade que aguente também.
Paredes sem isolamento, caixilhos colocados às três pancadas, janelas que são só vidro, sem nada que as proteja contra o sol e contra o frio. Critérios de conservação energética que tardam em chegar e a fiscalização que se sabe. Mais a ganância que por aí anda – construir por construir, construir para acabar depressa, para estar pronto, vender, especular, ganhar muito dinheiro, passar para outra, e quem vier a seguir que feche a porta, que está calor. E frio.

29 Jan 2016

Macau e as eleições de Taiwan

[dropcap=’circle’]O[/dropcap] Kuomintang sofreu uma derrota devastadora no decurso das últimas eleições em Taiwan. Muitas associações macaenses enviaram representantes para observar estas eleições, de certo modo para fazerem um “estágio” de preparação às eleições para a Assembleia Legislativa, que terão lugar em Macau em 2017.
O relatório sobre o processo eleitoral de 2013 não fazia menção a quaisquer medidas substanciais de luta contra o suborno eleitoral, ou qualquer proposta no sentido de aumentar o número mandatos à Assembleia Legislativa, dependentes do voto directo. É por isso razoável afirmarmos que, nas próximas eleições de 2017, iremos assistir a uma luta entre, por um lado, o poder financeiro e o poder das influências e, por outro, a democracia e a liberdade. Não sabemos se em 2017, irá haver, ou não, alterações nos 14 lugares eleitos por sufrágio directo, mas estas eleições em Taiwan podem dar-nos boas pistas nesse sentido.
Em primeiro lugar há que considerar que a democracia não é uma dádiva dos Céus. A partir do momento em que os partidos políticos deixaram de estar banidos em Taiwan, o Partido Democrata Progressista (Democratic Progressive Party – DPP) organizou diversas sublevações, durante as quais foi sistematicamente derrotado. No entanto o enérgico DPP continuou a lutar contra ventos e marés, pelo que viu a sua perseverança e determinação serem recompensadas com a vitória nestas últimas eleições.

Franklin J. Schaffner, The Best Man
Franklin J. Schaffner, The Best Man
Em Macau, os mandatos da Assembleia Legislativa, resultantes do voto directo, são vistos como meros “ornamentos da democracia”, o que é definitivamente um conceito errado, a menos que os deputados eleitos desta forma queiram apenas ser “decorativos”. É necessário um esforço efectivo para aumentar o número de mandatos por voto directo, em vez de se fazer disso um slogan e nada mais. É evidente que não será quem está no poder, ou aqueles que têm os seus interesses há muito estabelecidos, que irão tomar a iniciativa de se “destronarem”. Portanto, vai ser necessária a participação activa da população para se conseguir aumentar o número de mandatos por eleição directa.
O centenário Kuomintang foi derrotado nas eleições de Taiwan porque se recusou a evoluir. A sua doutrina está fora da realidade e não acompanhou as aspirações da população. Tentou apenas agarrar-se ao poder e acabou por ser abandonado pelo povo. Estas eleições registaram uma participação bastante inferior às anteriores, menos 1 milhão de eleitores. O DPP obteve 6 milhões e 890 mil votos, com uma diferença de apenas 800 mil votos em relação ao segundo partido mais votado. De qualquer forma o Kuomintang registou uma perda drástica de votos, ao passo que o Primeiro Partido do Povo (People First Party), liderado por James Soong Chu-yu, aumentou a sua votação em comparação com as eleições anteriores. [quote_box_right]“Posso desde já antever que, para as eleições de 2017, irão ser colocados como cabeça de lista muitos candidatos jovens, ao passo que os deputados mais seniores, à semelhança do que fez o Partido Cívico de Hong Kong, aparecerão em segundo lugar”[/quote_box_right] Dito por outras palavras, alguns apoiantes do Kuomintang abstiveram-se e outros votaram no Primeiro Partido do Povo. Este fenómeno atípico pode talvez justificar-se pela substituição, pouco antes das eleições, do candidato presidencial do Kuomintang, conduzindo a um arrefecimento do entusiasmo dos apoiantes. Os políticos devem ser pessoas de confiança e os partidos devem ter coragem para saber aceitar as derrotas. Uma preocupação excessiva com os ganhos e com as perdas pessoais acaba sempre por ser prejudicial.
Embora actualmente a economia de Macau ainda seja sustentável, foi aberto caminho, durante o período de grande crescimento económico, ao aparecimento de muitas contradições sociais. Alguns deputados da Assembleia Legislativa estão a envelhecer, ou, pelo menos, os seus pontos de vista estão a ficar ultrapassados. A sua imagem também não ficou, em geral, favorecida com as transmissões em directo dos debates parlamentares. Antes pelo contrário, o público ficou a conhecê-los melhor através destas transmissões, e terá ficado na dúvida sobre se voltará a depositar-lhes a sua confiança. De certa forma, esta situação criou condições favoráveis para novos candidatos que se queiram aventurar em 2017.
Em Taiwan, o Partido do Novo Poder (“New Power Party”), oriundo do “Movimento Estudantil Sunflower”, elegeu cinco deputados, tornando-se o terceiro maior partido. O sucesso obtido pelo Partido do Novo Poder, formado por gente nova, pode ser inspirador para os jovens activistas macaenses que têm vindo a protestar contra a Proposta de Lei –  “Regime de garantia dos titulares do cargo de Chefe do Executivo e dos principais cargos a aguardar posse, em efectividade e após cessação de funções”. Ao longo dos últimos anos, todas as associações de Macau estão empenhadas em apostar na formação de equipas jovens e de jovens lideres, preparando-os para virem a ocupar lugares de destaque nas futuras eleições para a Assembleia Legislativa.
Posso desde já antever que, para as eleições de 2017, irão ser colocados como cabeça de lista muitos candidatos jovens, ao passo que os deputados mais seniores, à semelhança do que fez o Partido Cívico de Hong Kong, aparecerão em segundo lugar. Este processo facilita a entrada dos jovens na Assembleia Legislativa permitindo uma renovação.
Só quando as pessoas estão dispostas a retirar-se, podem dar oportunidade aos mais novos. Foi o que fez Emily Lau em Hong Kong. Resolveu não se voltar a candidatar.

29 Jan 2016

Vichyssoise (falando de frio…)

I
[dropcap style=’circle’]T[/dropcap]em feito frio em Macau, por estes dias. Mais do que isso: um frio de rachar, e segundo os tipos que vá-se lá saber porquê andam a par destas coisas, este é “o Inverno mais frio dos últimos 60 anos”. Ou será dos últimos oitenta? Por mim podiam ser duzentos anos, e isso lá interessa? Mal me lembro do que foi o jantar ontem (ou se jantei, sequer, pensando bem), quanto mais do último Inverno tão ou mais frio que este. Sei que não temos tido frio q.b., e se há uma coisa que gosto, ou melhor dizendo, que não odeio no que toca ao clima aqui em Macau é o frio. Isso mesmo, a-do-ro o frio, e o Inverno, e os invernos frios. Quanto mais frios melhor. Imagino um Inverno tão frio, tão frio, que o simples facto de se andar na rua durante mais de dez minutos faria surgir uma pequena estalactite na ponta do nariz. Isto contando que não chova, é lógico, pois o que torna o Inverno de Macau tão especial em relação ao de Portugal, citando um exemplo familiar, é o facto de não chover. Ou pelo menos de não chover tanto, e já que toco nesse ponto, tem chovido amiúde, nestes dias em que fomos finalmente abençoados pela fada polar – razão têm os antigos: Macau já não é o que era. A chuva chateia, mas o que mais chateia não é a chuva em si, mas as pessoas à chuva. Porque carga de água se torna tão pertinente abrir um guarda-chuva quando a pluviosidade é tão insignificante que demoraria meia-hora ou mais para encher um simples penico? E o que leva as pessoas a andar por debaixo das varandas com o guarda-chuva aberto? Eu só recorro a esse objecto abjecto quando se torna mesmo impossível não o fazer. tipo, durante a “reprise” do dilúvio, estão a ver? Não me importo de andar debaixo de uns chuviscos, e pronto, helas, ficar um pouco molhado. Sem ofensa, mas se há coisa de que não tenho medo é água. Celebremos portanto o frio, enquanto podemos. Agora pode ser um transtorno na hora de levantar o rabo da cama de manhã, mas havemos de suspirar por ele quando em poucos meses andarmos com a roupa colada ao corpo, findo o Inverno e chegado o Inferno.

II
Por falar em coisas frias, lembrei-me agorinha mesmo da Vichyssoise, aquela sopa chocha feita com creme de vegetais, natas e ervas aromáticas, e que se serve…fria. Será que quero antes dizer…Gaspacho?!?! Chicas calientes, fiesta y feria, si, si, me gusta??? Não, isso é que era bom – Vichyssoise, que se como não bastasse o facto de ser tão deprimente como sopa, ainda requer uma consulta no dicionário “online” para saber como se escreve. A Vichyssoise entrou no vocabulário dos portugueses que se interessam mais por essas coisas da política por alturas dos finais do milénio passado, aquando das negociações entre dois figurões na altura cabeças-de-cartaz das duas maiores forças partidárias com vista a uma coligação para enfrentar o Governo de então, mas que em nada deu, de tão fanfarrões que eram (e são) os personagens em questão, e na ementa do jantar do (des)acordo estava a tal Vichyssoise – pelo menos foi o que um deles nos deixou saber, o queixinhas. Entretanto o outro tornou-se no último domingo o novo Presidente da República de Portugal, imaginem. Nem mais, e falo do mesmo que anos antes tinha atravessado parte do Tejo a nado no contexto de uma candidatura à Câmara Municipal de Lisboa, que perderia para um tal Sampaio, que por acaso se viria também a tornar PR. Fico com a ideia de que esta deve ser uma das profissões em Portugal para a qual são exigidos menos atributos. RIP República.
III
Entretanto em Macau o Bispo foi afastado e substituído por outro que “não fala Português”, e “ai Jesus que afronta”, blá blá blá, balelas. Foram alegados “motivos de saúde”, para a substituição do clérigo. Preocupante. Será a mesma “doença” de que padecem um certo Procurador e um certo ex-secretário-adjunto, e cujo sintoma mais evidente é o “súbito desaparecimento”, acompanhado de “repentina falta de protagonismo”? Será que estamos na presença de uma epidemia? E pior que isso, será que se pega? Habemos o caldo entornado. Amén.

28 Jan 2016

Literariamente pelo sexo

[dropcap style=’circle’]N[/dropcap]o seguimento dos incentivos à masturbação, vêm os facilitadores de erotização que hoje em dia são de muito fácil acesso – nomeadamente a pornografia. Mas porque incentivos visuais não podiam ser mais óbvios, sugerem-se alternativas. Os movimentos pró-leitura são infindavelmente úteis, e não vi razão porque não devesse pregar o uso literário para satisfazer não só a nossa sede de conhecimento, mas também o nosso desejo.
A tese é de que usar literatura para fins masturbatórios ou simplesmente para exercícios de imaginação erótica será muito mais saudável, porque pelo menos é complementada pelo desenvolvimento de capacidades linguísticas.
Há leituras sexuais para todos os gostos, não há necessidade de serem categorizadas como brejeiras, rascas, ou sem gosto. Há alguma memória de ver em quiosques portugueses uns livros de capa cor-de-rosa e de pessoas bem aparecidas (demais), de qualidade literária duvidosa, mas de expressão sexual suficientemente potente. O estereótipo tem tendência a colar-se às donas de casa desesperadas que vêm as suas fantasias satisfeitas com suas secretas leituras. Mas juntando o útil ao agradável, porque não envolvermo-nos na arte das letras (melhor desenvolvida) com excitantes descrições de sexo? Por uma experiência intelectual e sexualmente estimulante.
A lista de autores de escrita erótica é extensa, o meu conhecimento em relação aos ditos autores talvez seja mais limitada. Todos os géneros literários encontram-se erotizados, temos manuais de sexo (e.g. Kama Sutra), romances, poesia, biografias, autobiografias. Desde já garanto uma diversidade na explícita sexualidade, por isso, certamente existem autores adequados a cada um de nós. Muito provavelmente uma boa procura seja imperiosa. Deixo aqui poucas (mas boas) sugestões:
D. H. Lawrence – Um pioneiro no eroticismo literário, a quem fora outrora acusado de ter desperdiçado a sua carreira em pornografia barata. Nonsense. D. H. Lawrence quis explorar emoção e comportamento humano à sua última consequência, e por isso, não deveria ser o acto anti-obscenidade a pará-lo. O mundo foi-lhe tão cruel que até nos obituários a ele dedicados mostraram antipatia e hostilidade. Mas a ele agradecemos a coragem e convicção. Quem agora o lê, dificilmente se chocará com o seu conteúdo, mas uma boa referência para quem gosta do setting de há dois séculos atrás.
Henry Miller – Um grande fã de D. H. Lawrence, quis deixar um legado erótico-literário, mas zangado. Entre várias obras eróticas, o ‘Trópico de Câncer’ passa-se em Paris, onde o autor viveu momentos especialmente boémios. Uma reflexão sobre a condição humana de uma brutal sexualidade, sem freio, nem filtro. Para quem tem interesse em pesquisar as diferentes formas de nomear e descrever o órgão sexual feminino.
Anaïs Nin – Amante de Henry Miller (muito conveniente, muita prática inspirativa) deixou literatura erótica, porque, apesar de uma curiosa pelo sexo, havia uma coleccionador que pessoalmente lhe encomendava estórias (bem pagas). O ‘Delta de Vénus’ é um conjunto dessas mesmas estórias, com descrições femininas em conteúdo e em perspectiva. Depois de só homens explorarem (e arreliarem meio mundo com) a considerada ‘vulgaridade’, Nin torna-se na pioneira do sexo oposto, na procura erótica das palavras.
As vantagens de nos debruçarmos na leitura para exercício imaginativo sexual traz várias vantagens, mas há uma que me vem à cabeça assim de repente: é silencioso! O ideal para quem partilha casa e não quer pôr headphones para ouvir arfejos exagerados. E depois, claro, o produto final imaginativo torna-se numa co-produção entre o escritor e o leitor. Há espaço para tornar a experiência nossa, adicionando aqui e ali pormenores reflectores da nossa individualidade, por exemplo: ajustar tamanhos de mamas, pôr mais ou menos pêlos no peito do rapaz, imaginar-se um vouyer ‘real’ do encontro ou, mesmo, imaginar-se um elemento extra. O problema é que se a leitura tem como consequência a masturbação, ocorre-me alguma dificuldade com a posição das mãos, pegar no livro e/ou virar a página e carícias genitais. Problema logístico. Talvez ultrapassável se se usar uma estante? Deixo ao critério criativo de cada um. Acima de tudo, votos de motivação literária. Leia-se mais.

26 Jan 2016

Crónica dos maus malandros

[dropcap style=’circle’]S[/dropcap]e ainda estão lembrados, nos meus artigos de 11 e 23 de Novembro, falei sobre uma notícia publicada por um site de Hong Kong, através da qual ficámos a saber que o Vice-Presidente da Universidade de Lingnan, o Sr. Singh, tinha apresentado uma dissertação de doutoramento plagiada. Singh doutorou-se em 2013, pela Universidade de Tarlac State. Esta universidade está associada à instituição de ensino de Hong Kong, “Lifelong College”. Singh acabou por apresentar a demissão da Universidade de Lingnan.
No entanto, as suspeitas de “plágio” e “creditações suspeitas” não acabaram com a demissão de Singh. Como seria de esperar, várias universidades de Hong Kong procederam a uma averiguação dos curriculos dos seus docentes, e verificaram que diversos deles se tinham formado, quer na Universidade Tarlac, quer na Bulacan, ambas sediadas nas Filipinas. Os websites “apple.nextmedia.com” e “hk.on.cc”, divulgaram a 13 e 17 de Novembro respectivamente, o número de docentes de universidades de Hong Kong graduados pela Bulacan University.
Além de professores universitários, alguns funcionários altamente colocados e também alguns políticos de Hong Kong, receberam educação superior na Universidade de Bulacan. O website “apple.nextmedia.com” anunciava a 12 de Novembro, que um dos membros do Conselho Distrital de Hong Kong tinha frequentado aquela universidade.
Na sequência desta revelação, as partes interessadas empenharam-se em esclarecer a situação, após o que, por algumas semanas, o assunto ficou aparentemente encerrado.
Mas pouco tempo depois o tema voltou à ribalta, e de forma acalorada. O website ‘apple.nextmedia.com’ divulgava, na passada quarta-feira 20, que 17 agentes da polícia tinham sido diplomados pela Universidade Tarlac State. Os agentes frequentaram o ‘Bacharelato em Ciências Criminais’, ao abrigo de um Programa Académico, no qual se inscreveram em Março de 2013.
Segundo o artigo do site ‘hk.apple.nextmedia.com’, em 2012, a comunicação social filipina tinha alertado para a possibilidade de doutoramentos ilícitos na Tarlac State, no âmbito do referido Programa, pelo que a Universidade encerrou as admissões no Programa. Na medida em que as admissões foram congeladas, é de admitir que os referidos agentes tenham forjado a admissão para uma data anterior, para validar a inscrição no Programa.
O website adiantava ainda que um dos agentes, o Sr. Lee, que se tinha inscrito em dois cursos, ‘Relações entre a Polícia e a Comunidade’ e ‘Gestão do Reforço Policial” pode vir a receber um prémio em dinheiro, atribuído pelas Forças Policiais de Hong Kong. O montante do prémio varia entre 100 e 1.050 dólares de Hong Kong.
E porque é que estes agentes que se inscreveram no referido Programa? O website ‘apple.nextmedia.com’ na passada terça-feira, avançava que a resposta se poderá encontrar no envolvimento de um segundo Sr. Lee, um homem de meia idade. Este Sr. Lee foi superintendente da polícia de Hong Kong. Actualmente está reformado, mas tem um negócio próprio. Em primeiro lugar, é consultor do tal Programa. Em segundo lugar, o Sr. Lee é professor sénior de algumas disciplinas em Lipace, a Universidade Aberta de Hong Kong. Em terceiro lugar, o Sr. Lee transferiu para o Programa alguns estudantes, que não se puderam graduar em Lipace. Descobriu-se ainda que, na sequência destes acontecimentos, o Lifelong College pagou comissões a uma empresa privada, a ‘Pacific Gain Consultants Limited’, da qual o Sr. Lee é proprietário.
Após a divulgação destas notícias, o Lipace declarou que irá investigar o caso de imediato. Como seria de esperar, as réplicas das partes interessadas fizeram-se ouvir prontamente.
E porque é que a polícia de Hong Kong forjou créditos académicos? Será que a polícia não sabe que a posse de créditos forjados é crime? Se sim, como é de admitir, porque é que o fazem? A resposta é simples. A força policial faz parte do funcionalismo público. Se um agente júnior quer ser promovido, tem de apresentar um melhor desempenho. Se dois agentes se candidatarem ao mesmo lugar, e partindo do princípio que as competências são semelhantes, aquele que tiver formação académica superior, estará em melhor posição para obter o lugar.
Se um polícia estiver na posse de um certificado académico falso, será que é castigado mais severamente do que um cidadão vulgar? A resposta é ‘sim’. Embora em Hong Kong não exista propriamente uma lei que o estipule, o juiz terá esse factor em consideração. Se o réu for polícia tem mais obrigação do que qualquer outro cidadão de saber que está a infringir a lei, e este aspecto pesa obviamente na decisão do juiz, no sentido de ser aplicada uma pena maior.
Será que podemos prevenir o uso de certificados académicos falsos? Infelizmente a resposta parece ser negativa. Também existe uma lei que considera o homicídio crime. Mas todos os dias pessoas são assassinadas. Uma das funções da lei é definir os comportamentos criminosos, e tentar manter as pessoas afastadas dessas acções. Mas a lei nunca impede o crime. Para parar o crime a educação é essencial.
Como todos sabemos, o funcionalismo público em Macau é um sistema pouco exigente. É possível que no futuro seja indispensável formação académica superior para avançar nas carreiras públicas e, nesse caso, esperemos que a experiência de Hong Kong venha a ser útil.

* Consultor Jurídico da Associação Para a Promoção do Jazz em Macau

25 Jan 2016

Pessoas e Ideias

Pessoas

demonio_2010_g[dropcap style=’circle’]D[/dropcap]isse-me um professor na faculdade que no projecto de Arquitectura era fundamental identificarmos primeiramente as necessidades inerentes à utilização do espaço por projectar para que, assim, as motivações de desenho surgissem progressivamente, ao ponto de o projecto vir a ganhar vida própria, ditando por si o rumo a seguir.

Isto a propósito de um artigo de opinião do jurista António Marques da Silva publicado no passado dia 14 de Janeiro no diário JTM. Incomodou-me a forma como interpretou o meu último Sorrindo Sempre (*), pelo que desde logo me pareceu necessário um esclarecimento.

Todavia, o que inicialmente se previa ocupar não mais que dois parágrafos, acabou por se transformar no texto que se segue. Porque, progressivamente, as motivações de desenho foram surgindo.

Escreveu o senhor Silva, que teve o cuidado de me tratar por senhor Ritchie, que “Em política, como dizia Salazar, o que parece é.”

Não podia estar mais de acordo com essa afirmação pois, o que pareceu ser uma coincidência – a entrevista de Miguel Senna Fernandes (MSF) com o tal conteúdo e o meu Sorrindo Sempre, respectivamente publicados neste jornal nos dias 4 e 8 de Janeiro – foi, de facto, uma coincidência.

É um facto que MSF e eu conspiramos muito juntos. Fruto da sua criatividade e do meu humor perverso e pútrido – que nem todos apreciam ou compreendem – materializamos ideias diabólicas e absurdas. No entanto, as nossas conspirações limitam-se às intervenções do Dóci Papiaçám di Macau – e pouco mais.

Portanto, quando confrontado com essa simples coincidência se pretende fazer crer que existe algo mais por detrás, porventura imaginando uma espécie de teatro de sombras chinesas com intenções obscuras, estamos aqui perante um caso óbvio de conspiracy thinking em excesso. China falã lam ko long. (**).

Porque o episódio do elevador não foi por mim inventado. E, estando aqui, esclareça-se que quando faz referência na sua peça à “(…) linguagem deselegante e algo desbragada consubstanciada na brejeirice do termo “enfiar o pau entre as pernas”, obviamente com o intuito de achincalhar a depravada “portuguesa”(…)”, entendo essa crítica como dirigida à tal senhora e não a mim, já que foi genuinamente da boca dela que aquela frase saiu.

E nesse aspecto até partilhamos da mesma opinião, pois trata-se de facto de uma expressão grosseira que não devia sequer ter lugar neste jornal e que, pela mesma razão, muito hesitei antes de decidir pela sua inclusão no meu artigo.

Fi-lo não com o intuito de achincalhar a dita cuja: pretendia, quando muito, chamar à atenção o facto de tudo aquilo se ter passado na presença de um miúdo de cinco anos. Até porque se o intuito fosse mesmo aquele, então teria ido um pouco mais longe.

Mas deixemos isso.

O que não posso deixar é de expressar o meu profundo desagrado quando o meu texto é interpretado como um “(…) vão para a vossa terra seus reinois que esta terra não é vossa! (…)”.

Fiquei verdadeiramente chocado com essas palavras – que, sublinho, não são minhas – e francamente sou incapaz de tolerar uma interpretação tão maléfica mesmo vinda de quem assumidamente não me conhece e que, aliás, admite que com a minha pessoa “(…) nunca cheguei à fala, pelo que não me dou nem bem nem mal com ele. (…)” mas que, sabe-se lá por quê ou para quê, entendeu também acrescentar gratuitamente que “Pura e simplesmente só o conheço por via do herdado apelido.” – whatever that means.

Felizmente para a minha defesa estão os que me conhecem e sabem garantidamente que atitudes xenófobas do género nada têm a ver com a minha natureza. Costumo ser low-profile nessas coisas – mas aqui vejo-me obrigado a fazer esse registo pois está em causa a minha imagem no seio da comunidade portuguesa de Macau da qual, com muito orgulho, faço parte.

Tudo isso vale o que vale. Também prefiro discutir ideias, não pessoas. E não posso deixar de pensar que, em circunstâncias que não fossem as mesmas, sem equívocos, o senhor Silva e eu poderíamos até vir a ter discussões construtivas.

Dito isto, quero agora abordar uma motivação de desenho que identifiquei no seu artigo.

Ideias

É sempre desagradável quando se usa de propósito uma língua diferente para que alguém não entenda a nossa conversa. Pior ainda quando descobrimos que afinal esse alguém domina a nossa língua.

Nós Macaenses, que tanto nos gabamos de dominarmos as línguas todas de Macau, se calhar até somos os campeões dessa prática politicamente incorrecta.

Não escondo que também o faço por vezes, ainda que de forma moderada – se é que isso poderá fazer algum sentido. Mas sou incapaz, por exemplo, de mudar de língua quando pressinto a aproximação de alguém. Aliás, diz a boa educação que nessas situações devemo-nos expressar sempre na língua comum que existe entre os interlocutores.

Por outro lado, já vi cenas suficientes para rapidamente concluir que, aqui em Macau, quando menos se espera, apanha-se alguém a falar fluentemente uma determinada língua. De resto, no mundo da globalização em geral e no nosso multicultural Macau em particular, é indubitavelmente essa a tendência.

Portanto, todo o cuidado é pouco – pelo que nessa altura do campeonato situações como a do elevador são de facto difíceis de compreender.

Mas não foi por isso que esse episódio me incomodou. E aqui vou entrar num campo muito sensível da identidade Macaense.

Escrevi aqui um dia que “(…) nós, macaenses, somos uma grande contradição. Frequentemente os nossos nomes não batem certo com as nossas feições que, por sua vez, não batem certo com a nossa forma de ser e de estar na vida.” (***)
Desde pequeno, foram muitos os Verões que passei em Portugal. Um Portugal diferente do actual, em que os orientais eram uma raridade e que, por essa razão, quando saía à rua as pessoas olhavam para mim com curiosidade, comentavam, apontavam-me o dedo, lançavam umas piadas de kung fu, Bruce Lee e tal, e chamavam-me de “chinês”, até mesmo gritando do outro lado da rua se fosse preciso.

Não escondo que fiquei algo perturbado com essa experiência que sempre me incomodou profundamente – uma espécie de fantasma que me perseguiu durante anos e anos a fio.

Ficava ofendido – e muito – quando isso acontecia. E mais ainda quando me diziam que não era para se levar a sério, não era para me sentir ofendido, e me ofereciam uma palmada nas costas e um sorriso para fechar o assunto. Essas atitudes deixavam-me revoltado e frustrado.

Frustrado porque essencialmente ninguém era capaz de ver as coisas do meu lado e compreender a tempestade de conflitos emocionais que essa simples graçola, para eles inofensiva, provocava dentro de mim.

Com a idade aprendi a lidar com essas situações de uma forma mais tranquila, procurando sobretudo tolerância e paz interior. As minhas reacções são hoje muito mais contidas em comparação com as do passado.

Mas a verdade é que, directa ou indirectamente, sempre que sinto que a minha identidade portuguesa é desafiada e posta em causa ou observações inadequadas são feitas acerca do meu domínio da língua, atinge-se dentro de mim um nervo muito sensível do organismo.

Porque sou português e sou incapaz de compreender a minha existência como não sendo português. E não o sou por adopção ou por conveniência, e também não apenas pelo sangue que corre nas minhas veias. Sou português porque cresci num meio que me fez português, herdei da minha família parâmetros sociais, culturais e uma educação que fizeram de mim português.

Tive o privilégio de poder manter uma relação muito íntima com Portugal, país que conheci com quatro anos de idade e que foi desde sempre a minha Pátria. Tudo isso num período em que vivia num Macau que se entendeu designar por “Território Chinês sob Administração Portuguesa” com todas as suas contrariedades e contradições a nível político e social.

Toda a minha formação foi então concebida e direccionada para enfrentar, com firmeza, o dia em que à meia-noite, diante de mim, vi baixar na minha terra a bandeira do meu país, para que logo a seguir se hasteasse uma outra que não era a minha.

Com tudo isso e muito mais que não quero aqui elaborar, tanto por falta de espaço como para não mergulhar em águas mais profundas, com o tempo construí dentro de mim um sentido de identidade muito forte.

Contudo, essa tal graçola do “chinês”, constantemente a colocar em causa as minhas convicções, tanto me perseguiu ao longo dos anos que cheguei a ter as minhas dúvidas. Vacilei e tive os meus momentos de crise que cinematograficamente se exprimem colocando uma pessoa parada, diante de um espelho, ao som de Nuages de Ryuichi Sakamoto.

Vacilei por sentir que o amor não era correspondido.

Caríssimo leitor, não me interprete mal. Não é uma queixa nem se pretende aqui uma reacção de terceiros que poderão prontamente ripostar com as suas (más) experiências aqui em Macau.

Bem no fundo, objectivamente, posso afirmar que nunca em Portugal fui maltratado – quando muito, fui incompreendido.
O que acabou de ler é então o sentimento genuíno de um Macaense afectado que decidiu hoje abordar um dos efeitos secundários da miscigenação.

Atrevo-me a dizer que não sou o único.

O episódio do elevador incomodou-me por isso.

Sorrindo Sempre
Hoje não me apetece.

(*) Parte final do “Natal (não) Macaense”, Sorrindo Sempre de 8 de Janeiro de 2016.
(**) 諗過龍 : expressão em cantonense para quem pensa em excesso sobre determinado assunto e chega a conclusões distantes da realidade factual.
(***) “Uma Macaense Uyghur”, Sorrindo Sempre de 26 de Junho de 2015.

22 Jan 2016

Uma palavra aos jogos complicados

[dropcap style=’circle’]A[/dropcap]precio o meu amigo Albano Martins pela sua forma invulgar de estar na vida, em particular no que se refere a papas na língua. Não as tem e anda bem. É prova cabal de que o meu amigo está a raiar de saúde, o que me deixa feliz. Todavia, se tem razão na língua, essa é questão completamente diferente.
Sem embargo, tenho que lhe agradecer, em abono da verdade, pelas palavras de apoio à nova direcção da APIM que muito lucrará com os sábios e sempre bem intencionados conselhos seus. Especialmente, no que se refere ao Canídromo.
E por falar disso, há que reconhecer quão magistral é a ligação que o meu camarada faz, entre eu, a APIM e o Canídromo. Sim, uma coisa de génio, o qual de facto nem lembra o Diabo, e como tal, nem é de fácil alcance para um “puto da primária” como eu. Decidi que só podia ser coisa boa. Assim, da minha parte vai também como gesto de gratidão uma palavra de carinho, pois quem seria este jovem para o aconselhar? Aí vai : passeie, faça ioga ou crossfit, mas sobretudo tenha cuidado com essa nova gripe que paira por aí – a “canídrome” – que tem por sintoma mais típico, uma obsessão raivosa que ofusca o tino. gran_torino28
Mas indo ao cerne do artigo, permita-me dizer desde já uma coisa. E começarei por tratar o meu amigo por “tu”.
Caro Albano, lamento que escolheste esta forma de expressar a tua opinião. Respeito, pois trata-se de um direito que te assiste e não precisas de justificar perante ninguém. Mas sinceramente, conhecemo-nos há muitos anos, sempre nos demos bem. Tivemos momentos de bom relacionamento profissional. Não sou um estranho para ti, como para ninguém em Macau. Ora, se te soou tão ultrajante a entrevista que dei, estavas perfeitamente à vontade para me ligar, para tirar nabos da púcara. Preferiste lançar-te logo na “surra” moral em público. Tudo bem, respeito, mas lamento.
Não queria tocar mais neste assunto. Mas tal como tu o farias se estivesses no meu lugar, também não me calarei por aquilo que disseste de mim. O público melhor julgará.
Pois bem, achas que eu usei “um caso particular para extrapolar para um universo bem mais vasto” e como tal teria “violado as regras do pensamento científico”. Ora vamos a ver se isso foi assim e que “carradas de razão” são essas.
Para começar, tratava-se de uma questão meramente incidental, que não fazia parte do corpo principal da entrevista. Esta não era sobre portugueses.
Mas quando uma pergunta começa por “Há portugueses que … “, ela significa duas coisas. É sobre portugueses e mais ninguém e só uma parte deles. Podia ter falado dos macaenses e dos chineses, mas a questão se cingia a uma categoria de pessoas, mais concretamente a uma parte dela. Ora, a minha resposta só podia ser interpretada neste contexto. E foi neste sentido dada. Com pesar, não foi esta leitura que escolheste. E tal como o Marques da Silva partiste da visão de que eu teria generalizado os casos. Daí a extrapolação.

Meu caro, não sei como é o teu processo interpretativo, mas chegaste a notar que eu sempre me pautei pelo respeito pelos outros? Sempre me eduquei sendo português de Macau, com as nuances muito próprias de o ser. Diplomacia está no meu sangue, pois esta é a linguagem que deve presidir, numa terra com a história como teve Macau. Talvez pela minha condição de mestiço – aqui no mais neutro sentido da palavra – que me permite discernir as susceptibilidades de vários mundos existentes em Macau.
Sempre fui amigo dos portugueses oriundos de toda a parte do mundo, nomeadamente de Portugal. Durante anos vivi e convivi com eles, entre os quais se encontram alguns dos melhores amigos que tenho na vida. Sem me esquecer das minhas outras costelas, defendi o seu bom nome, sempre que me foi possível, com total espírito de lealdade e de solidariedade. Não tenho que produzir a prova de que nutro profundo respeito e carinho pela comunidade portuguesa residente em Macau, fui e sou um dos acérrimos defensores da sua língua e cultura. Julgo ter contribuído com algo significativo para o prestígio dessa comunidade em Macau, pelo menos fiz a parte que me cabia. Não o faço por correcção política ou por mero favor. Faço-o pelo português que orgulhosamente também sou.
Tens razão quando falas do respeito pela diferença, da tolerância pela diversidade cultural. Já reparaste que é o que ando a fazer nestes anos?
Foi pena não teres sequer considerado isto quando embarcaste na tua reprimenda.
E sabes que mais? Tenho legitimidade de sobra, quer para enaltecer como inúmeras vezes faço, quer para criticar qualquer português que seja, esteja onde eu estiver neste mundo. Não como forasteiro da comunidade, mas como um que faz parte dela.
Ora, no caso vertente à pergunta que me foi feita, nos termos que já expliquei, apontei o dedo para certos casos que não abonam o bom nome da comunidade portuguesa. Apressaste-te logo em tirar conclusões. “Há coisas” dizes “que não se devem nem pensar alto e muito menos sair da boca para fora, por respeito para com a diferença, na igualdade”. Pois, quando tu presencias uma situação em que um patrício teu se porta mal em relação aos outros, nem sequer pensas alto e muito menos sai algo da tua boca para fora quanto a isto, por respeito para com a diferença, na igualdade?! Francamente, Albano, não te reconheceria assim! Tal como eu, podes não despoletar uma reprimenda por iniciativa própria, e guardar para ti durante anos a fio. Mas se te fizerem a pergunta sobre a existência de tais comportamentos, não te estou a ver calado! E “doa a quem doer” como bem nos habituaste!
E sabes porque não ficarias calado? Por aquilo que escarrapachaste no teu arrazoado: “o respeito pela diferença e a assunção de que as culturas se aceitam e não se discutem, nem se comparam” que o patrício não sabe ter.
Não fiz mais nada que fazer o que qualquer um provavelmente faria. Ao contrário do que erroneamente supuseste, não fiz deste tema o mote da entrevista que continha outras coisas bem mais relevantes. No fundo não são portugueses “tout cours” que estão em causa mas as atitudes que alguns ainda tomam.
Se a pergunta fosse também para os macaenses, podes ter a certeza de que também responderei positivamente. Também há entre nós casos de conduta incompatível com o respeito pela diferença. Faço todos os anos com os espectáculos de patuá, não sei ainda te recordas da vez que foste assistir. Mas não era o caso.
Se tu me dissesses que nunca foste mal tratado só fico feliz por ti. Mas isto nada diz quanto aos casos que mencionei.
Meu caro Albano, gosto de ti e respeito-te. Agradeço-te pelas dicas da vida que me dás, pois eu com os meus 55 anos ainda tenho muito que aprender. Mas por favor, poupa-me da paternalista lição de moral e de entendimento entre povos. É que – desculpa que eu te diga -, “irrita bués”, fazendo uso do vernáculo agora mais em voga, sobretudo quando repetes o que há anos e anos ando a fazer.
Não é meu feitio falar assim em público, mas não esperem que fique calado quando sinto o peso dos outros nos meus calos.
E, para o teu sossego “canidrómico”, nem eu, nem a APIM somos sócios do Canídromo. A tua impressão sobre os interesses que imaginariamente eu possa aí ter, faz da tua declaração tão irresponsável (ou pior), quanto a que dizes dos outros.
Bom fim de semana, meu querido. Aquele abraço apesar de tudo.

De Miguel de Senna Fernandes

22 Jan 2016

Macaios, uni-vos! Um manifesto

[dropcap style=’circle’]E[/dropcap]u sou macaio. Senão pergunto-me: alguém no seu perfeito juízo, estando ou sendo da terra, se pretender dar-se ao respeito poderá ser outra coisa que não macaio? Macaio tem muito mais “tchan” do que macaense, macaísta ou macaês. É bem melhor que português ou mesmo chinês. Não se compara com norueguês e muito menos com tailandês. Macaio rima com malaio e só alguém de mente “canhês” pensará em meter-se com um malaio. Não se brinca com um malaio, como não se brinca com um macaio! O macaio dá-se ao respeito. O macaio não é parvo. Catraio talvez, mas não é parvo. O macaio olha de soslaio com um riso “mambaio”. Como macaio eu atraio, falo com o aio e com o catraio e depois saio. Como macaio eu vaio de Maio até Maio até que me dê o badagaio. Macaio rima com paraguaio. Para quê? Para guaio! Como macaio não sou lacaio mas também não desmaio. Macaio rima com paio e viver sem paio não é viver, c’um raio! Só como macaio rimo com paio.
Como macaio eu ensaio e reensaio, e depois sobressaio.
Por isso, somos todos macaios. Que me interessa a mim de onde vens ou para onde vais se aqui vives e aqui respiras, aqui te agasalhas e aqui procrias, se aqui comes e aqui amas, se aqui esmoreces e aqui rejuvenesces, se aqui estás, é tudo o que me interessa. É preciso ser macaio para sentir Macau. Quem não sente… “c’um raio!” Não é filho de bom macaio. O macaio é da terra, adoptou a terra, é daqui, está aqui. Calcorreia da San Ma Lo à Areia Preta, de Hac Sa ao Venetian. Os macaios são tugas, são filipinos ou portugueses, chineses, indonésios, cabo-verdianos, moçambicanos, angolanos e outros africanos; são os italianos, os franceses, os japoneses, os tailandeses, gajos de Hong Kong, gajos de Fukien, os vietnamitas, gajos com mais disto, gajas com mais daquilo. São Han, são isto, são aquilo e qualquer outra coisa de impensável. Até são macaenses. Os macaios são daqui. Os macaios vivem aqui. Os macaios somos nós. Eu sou macaio! “Guetos”, dizem uns, quiçá momentaneamente esquecidos das lições da sociologia ou temporariamente arrebatados por uma crise epidérmica. A prática também mostra, se quisermos ver, como os grupos não se juntam por nacionalidades mas por afinidades. Eu, por exemplo, recuso a dar-me com microcéfalos, campestres, esgalgados e outros parvos chapados. Por isso não me misturo nesse gueto, como os desse gueto não se misturam no meu por o acharem ainda pior do que eu acho o deles. Guetos?… só os forçados me incomodam.
Como macaio eu ensaio e reensaio, e depois sobressaio.
Posso ser garraio mas prefiro ser macaio. Borrifo-me nos “enses” e nos “eses” e em todos os outros que não rimarem macaio. Sou fundamentalista. Racista, quiçá. Ou se é macaio ou se é estrangeiro, mas os macaios dão-se bem com os estrangeiros porque todos os macaios são estrangeiros.
E estamos zangados. Macaios e outros aios, estamos zangados. A terra mudou, mudou como um raio. Foram-se as rimas e os espaços, os sagrados e os profanos, foram-se as tradições da comarca, como também foram as da Dinamarca. Eles lá se queixarão…. Mas talvez na Dinamarca não se tenham encantado com jorros de ouro, nem alguém tivesse trocado forma de vida por vida de forma. Mas que sei eu da Dinamarca? Sei que as tradições mudam e que a coisa também não vai bem. Também sei, ou desconfio que sei: quando o ar fica espesso, quando o espaço não chega, macaio ou paraguaio, tailandês ou finlandês, a todos nos dá para bater no freguês. Alguns batem na mulher. Outros levam da mulher. Mas normalmente batemos, figurada ou literalmente, nos que nos estão mais perto. Talvez na esperança do perdão por afinidade. Do amor, quiçá… Afinal de contas a culpa não é nossa. É da cena. É de tudo, nós somos apenas umas vítimas das circunstâncias… mas entretanto já arriámos o malho! Já dissemos o que não queríamos. Podíamos até partir a cara àquela outra figura desconhecida, àquele cara de “chupa-ôvo”, mas não – porque esse não nos ia perdoar. À partida. Mais vale bater a quem nos está próximo, talvez porque o perdão sabe tão bem. Como mel para urso. Grave ou menos grave, os agressores precisam sempre de ajuda e os que reagem também. Como o bebé chora para pedir colo, pedir mama. A pedir compreensão ou apenas um carinho. Pois. Isn’t that a bitch?
Como macaio eu ensaio e reensaio, e depois sobressaio.
O macaio desde há muito, muito tempo habituou-se a viver o mundo, pelo que só lhe resta vivê-lo. Esta disciplina? Aquela? Aprendemos isto ou aquilo? O macaio aprende tudo e depois vai para o gandaio.
“Boeuf”.. diria o francês, por ente odores de Beaujoulais, olhado de soslaio pelo macaio mas com um sorriso catraio, como um brasiliguaio, a pensar no desmaio.
Ser macaio é ser tudo. Poderemos nós ser menos do que tudo? Qual seria o gozo de semelhante cambaio?
Macaios uni-vos!

MÚSICA DA SEMANA

David Bowie – “Scary Monsters (And Super Creeps)”

(…) She could’ve been a killer 
if she didn’t walk the way she do, 
and she do
She opened strange doors
that we’d never close again

She began to wail jealousies scream
Waiting at the light know what I mean

[CHORUS (twice)]
Scary monsters, super creeps
Keep me running, running scared (…)

21 Jan 2016

Como a gente (é) muda…

I

[dropcap style=’circle’]M[/dropcap]uito daquilo que NÃO se faz em Macau se deve a uma espécie de “tilt” administrativo, algo que não vemos, não sentimos, é inodoro e não-tóxico, mas que está lá, isso está. Cada vez que se apregoam chavões do tipo “capacidade de decisão”, “liderança” ou “meritocracia” (deixa-me rir), é sinal de que realmente há ou havia algo de que estávamos à espera desde que a RAEM viu a luz da noite de 19 para 20 do doze dos noventa e nove. O novo hospital público, eis um exemplo tão perfeito que nos grita aos ouvidos. Eu não acredito por um segundo que as calendas que se vêem gregas para as quais atiraram essa infra-estrutura que tanta falta nos faz, tão doentinhos que somos, pobrezinhos, se devem (ou deviam) a falta de terreno para montar a barraca hospitalar. Mesmo aquele argumento da falta de pessoal médico, ou de técnicos que operem o material hospitalar XPTO de que dizem dispor deixa-me com muitas dúvidas – não que seja mentira, atenção, mas com toda a certeza há dinheiro de sobra para tapar o problema que não é problema nenhum. O que faz falta é quem decida, quem assuma, quem dê um murro na mesa, em suma, quem afirme alto e bom som: “Sim! Fui eu quem mandou fazer esta treta, e depois? Acordaste hoje com vontade de levar nas ventas? Uh?” (Passo mais uma vez o exagero). O que temos são serviçais, e para que não se pense que estou a cometer alguma inconfidência, ou mandar larachas à socapa, acrescento que esses serviçais somos todos nós, sem excepção. É verdade que aqui a coisa pública funciona muitas vezes mal, ou não funciona, e isto pode-se talvez explicar pela falta de “fé na Santa” logo à partida, com pouca ou nenhuma confiança por parte da administração anterior (pré-transição, entenda-se), que sempre que tinha oportunidade sussurrava-nos entre dentes: “pisguem-se mas é daqui para fora”. Digamos que logo aí fica posta de parte a vertente romântica do “gostar por amor”. Eu pessoalmente julgo que muitos de nós – senão mesmo a maioria – ficaram na base do “…até me chatearem”. O que ficou, bem, é o que há, e aqui entre o ulular angustiante dos queixumes do costume temos como ruído de fundo os murmúrios que a nada de estranho nos soam: “…elevado grau de autonomia”, “Macau governado pelas suas gentes” – e este último já nem da cassete oficial consta, de tão ilusório e torto que nasceu, coitadito. E no fim com tudo descascado, lavado e temperado, temos o prato principal: ninguém decide, com medo de morrer decida (subtil, tão subtil). E quem decide? “É a China” – resposta padrão, como quem diz “cala-te e come a sopa”. E é isso mesmo que “China” aqui representa, uma palavra que nos poupa a considerações, conjecturações, teorizações das conspirações, todos esses “ões” que até ajudam a engolir mais depressa o comprimido – “ Ah pois…a China. Como é que me fui esquecer de uma coisa tão grande”. E pronto, quando quiserem a reforma administrativa, a “meritocracia” (outra vez e em internetês: LOL) e todas essas patranhas que queríamos ver por aí à solta descascadinhas e de cabelos ao vento, mas sempre soubemos que eram só gases, perguntem antes, ahem, “à China”. (Piscar de olhos).

II

Vamos ter eleições presidenciais em Portugal, e parece que é já este Domingo. Ou no próximo. Sei lá? Juro pelo que quiserem que estava convencido que eram só para o ano que vem, imaginem só. E de facto a figura do Presidente da República de Portugal parece ter entrado no vasto leque de “coisas que não dão dinheiro, só chatices”. Para apicantar as coisas (ou torná-las insuportavelmente insonsas), tivemos lá nos últimos dez anos um figurão que fazia lembrar a Morte, ceifeira das almas. O Exmo. E Revendíssimo Cavalheiro a que me refiro (afinal, haja um bocadinho de respeito, bois. Perdão, “pois”) andou uma década aparentando estar a passar por um tormento, daqueles destinados aos danados do Inferno, deixados às mãos do próprio Demo, e que através do seu olhar fechado e impenetrável nos parecia querer mostrar que não há esperança. Ser presidente de Portugal é uma coisa que ninguém quer, mas “tem que ser”. E aquele santo que agora nos deixa, e vai tarde desde a primeira hora, resolveu sacrificar-se por nós, pecadores, e mesmo não sendo da Galileia, é de Boliqueime, que é mais ou menos o mesmo. Têm ambas as letras “a”, “i” e “e”, como podem ver. Ah, já agora, este ano temos 10 (dez) candidatos! Uau, e se antes era tudo resolvido entre candidatos indigitados pelos crónicos e alternantes funileiros do tachismo lusitano, estes agora marimbam-se para essa “seca” e temos dez patetas alegres, tão maus, que qualquer um que ganhe me deixa com vontade de me tornar apátrida. Desde que me lembro de assistir às Presidenciais (leia-se 1985, rei Marocas I), havia pelo menos um candidato que eu me importava menos se ganhasse. Hoje penso que aquela gente que tem vindo para a televisão dizer aqueles disparates e entrar em peixeiradas mil devia era ser toda presa. É como se vê, como a gente (é) muda.

21 Jan 2016

DESLUMBRAr ACONTECIMENTO

[dropcap style=’circle’]F[/dropcap]ascinante reflexão do Estar.
Há cerca de uma semana ocorreu o lançamento da revista Órfão, homenagem à Cidade de um Artista, Poeta e Escritor, para além de Jornalista, que resultou num Momento Cultural em Macau de plena Arte.
O local? Livraria Portuguesa, mas para escapar ao enterrar sobre o peso dos livros que às nossas cabeças se sobrepõem, somos fugidiamente levados para dentro da cave. O anúncio está à descida, por escadas, ao Outro Mundo e provado no veneno, entra-se de golada.
A negridão da sala, avivada branco luz negra, recebe com um obrigado por ter vindo e como boas-vindas à entrada, para entrar, oferece um copo de acolhimento. Há a escolha entre o álcool, dois de destilação cerealífera e um de fermentação de fruta. Bebido num golo, então está-se entrado.
Aos olhos, o Momento esperou para, depois de o todo, comprimido na multidão do compartimento, expandir e abrir-se à representação. As figuras difusas ali se aglomeravam a preencher o Espaço.
Esperava-se algo!
Viajante volatizo para os fins de um canto encontrado, tal o número de pessoas que tiveram o privilégio de ao vivo assistir a este Acontecimento.
Acontecimento já a acontecer na sala cheia, não de sombras, mas pela difusa luz negra que soleirava na sombra os espectadores, muitos sentados e os que de pé ficaram, sobre um ambiente que retirava a comunicação às pessoas e por isso, não se falava e entre si cochichavam.
Na sala já não se repara e do negro Aparece. Sentado, capa e máscara negras, atrás da mesa. Medita para chamar o que está para trás e com alma (ling) vai qual mar Pessoalizando-as em etapas com focos no seu bordado do Céu.
Assinalando o despir das personagens, des-cobrindo-as ao retirar as roupagens de cada figurino representante de si mesmo, chega à camisa branca englobado no Surrealismo sem Política e por isso, Sobre-Real.
Chama dos fundos os viajantes e, um pelo órfão do Orfeu, escutando os murmúrios do reconhecer o acolher de quem recebe, distribui novos copos de ligação.
Ressuscitar 1
As palmas emocionadas bateram-se e abertas as brancas luzes com mais entusiasmo ecoaram, hora chegada das perguntas.
Apareceu o Brilho das respostas num estádio elástico de espaço de conhecimento, primorosamente abarcado pela criança que, sem o intelectual, traz o instinto do ser Arte, no acto artístico de Estar.
Arte essa que pela definição da Natureza espartilha-a em significados cuja imagem mental reflecte pela sabedoria do Todo, pois já não se distancia para se olhar/observar/ver a observar-se.
Sim, Está. órphão
E foi o Escritor, o Actor, o Editor e Produtor, Homem dos sete ofícios e artes, que se desenovelou como só quem é criança tem em si.
Fora do si próprio (do subconsciente), envolve um ambiente de uma viagem a um todo que é o estar em criação e representando-se atinge o seu melhor nas respostas às perguntas.
E das suas? Envolveu-se no ser Órfão, onde perdidas as referências qual morte no Ovo, está sem pais, não os biológicos, mas como artista na dispersão de o ficar sem nada, não há narrativa e repesca-se no Autor.
Argonauta Órfão Macao, o cenário para recriar ainda no quotidiano, o Paraíso de um reavivar Universo que já acabou e apenas pelos que reconhecem… um palco de Excelência no acto da Criação. Uma Obra. Arte!
Ficou de fora quem não esteve e esse momento de comunhão nas catacumbas de uma livraria serrou estares, sem erros da perspectiva com que se projectou e esmiuçando se perspectivou num fundo de personagens. Colocou-se fora do ponto feito apenas pelos nossos olhos, escutado e lido atrás das palavras, pois pelo resto dos sentidos, ele deu-nos o Vivo.
Confundiu a imagem mental no que os nossos olhos não vêem e foi construindo-a para isso.
Foi num Sábado a ocorrência do Acontecimento, tão (im)pressionante momento realizado por CARLOS MORAIS JOSÉ onde vincada esteve a Arte mágica do Estar.
Verdadeiro, tão que se despediu representado já no relógio daquela peça num Domingo, extensão que levamos para casa como Órfão.
Por esse momento que se expandiu até hoje, deixo aqui o proibido Olhar para trás, sabendo reviver apenas em memória as que se seguirão para de novo trazer um momento à Cidade, como Este, que acontece há uma semana.
Momento que nos revê e faz, sentido de quem tem a direcção em dois sentidos.
Um Bem Haja!
Obrigado Carlos.

NOTA: Por razões éticas profissionais prolonguei esta reflexão do acontecimento que presenciei e esperançado de o ver registado em Outros jornais, já que pela aceitação da descriminação positiva para contrapor à negativa, hoje se vê pelo que É. Demonstrada em competição num mundo de reinóis, ou de multinacionais redes que não alinham no Universo sem o viva Al e El do dinheiro. Macaus, onde a dialéctica do positivo para contrariar o negativo, não deixa de ser de uma comercial herança, mas crendo porque a Arte não traz competição, faltaram mais projecções e os jornais ficaram em silêncio.
Falta de Ética era não deixar registado o Acontecimento que presenciei na Livraria Portuguesa no sábado, 9 de Janeiro de 2016.

21 Jan 2016

Até mais

Adoramos a perfeição, porque não a podemos ter;
repugna-la-íamos se a tivéssemos.
O perfeito é o desumano porque o humano é imperfeito.
Fernando Pesso
a

[dropcap style=’circle’]G[/dropcap]uardo para o mês de Janeiro o encerrar de um ciclo. O de anotador do quotidiano nas páginas do ‘Hoje Macau’. Um quotidiano por vezes frustrante, penoso, castrador de sonhos e utopias, mas também anunciador do dia novo e da esperança.
Foram sete anos de escrita, muitas vezes intermitente, ao sabor da actualidade, a internacional que se me agiganta por mister académico e a nacional, do país distante, que deixei pela segunda vez já vão treze anos. Escrevi para mim, esperando que com as palavras que deixei espalhadas pela folha de Microsoft Word tocasse o dia-a-dia dos que tiveram a paciência de as ler, neste pequeno território do Mar do Sul da China.
A escrita só faz sentido se convidar à reflexão, à opinião, à tomada de partido. A escrita que é conformista nada acrescenta, pactua, ajoelha, é redundante. O mister do intelectual – categoria em que porventura me visiono – é de incomodar e alertar. Não com o sentido de fazer processos de intenção ou de disparar recriminações, mas pôr os pontos nos iis. Por isso o intelectual convive mal com o poder. Seja ele qual for. Das duas uma ou ele é um escriba do poder, um porta-voz, um altifalante ou é uma voz crítica.
Ser crítico não significa dizer mal, por sistema, apelando aos instintos maledicentes de quem nos lê ou ouve. Significa ver a floresta e não apenas as árvores, não tergiversar em questões de princípio ou de valores cardinais. Ter opinião, fundamentá-la, mas evitar ser um Cavalo de Tróia das oposições ou dos interesses corporativos organizados e instalados. Porque eles têm um objectivo interesseiro: serem um dia poder ou pelo menos condicionarem o poder instalado.
Ao longo deste trajecto, perguntei-me por vezes se faz sentido ser cronista numa língua que apesar de oficial é estatisticamente minoritária. Li por aí que apenas 2.4% da população de Macau lê ou fala o português. É manifestamente pouco, o que me suscita a questão de qual é exactamente o auditório dos jornais e órgãos de comunicação social, em língua portuguesa. Confesso que não sei responder. Tive sempre a ideia, porventura romântica, que quando temos essa predisposição para a escrita faz sempre sentido porque acrescentamos algo à vida das pessoas, ao seu conhecimento, à percepção da realidade.
É como a profissão de professor. Passam-nos pelas mãos dezenas de jovens com expectativas diferentes do que fazer da vida, com um conhecimento reduzido do que se passa no mundo e por vezes na comunidade que os circunda. Não é que seja falta de curiosidade mas uma maneira diferente de estruturarem o seu pensamento, de definirem as suas prioridades e projectos de vida. As novas gerações são muito diferentes, têm um imediatismo de objectivos, um sentido de competitividade que outras anteriores não tiveram, ou priorizaram. Costumo dizer que na nossa geração (nascida na década de 1950) sonhámos, imaginámos poder construir um mundo melhor e mais perfeito. Criámos uma contra-cultura na música, na escrita, na arte, no vestir, no sistema de crenças. Fomos, à nossa maneira, revolucionários e ateus quanto às verdades absolutas ouque nos quiseram transmitir.
As novas gerações são diferentes. Têm de se fazer a um mundo onde rareiam as oportunidades, onde a competição nas universidades e nas empresas é feroz, onde já não existem empregos para toda a vida, onde a mobilidade é a regra. Hoje está-se aqui; amanhã acolá. Nada, ou pouco, prende ao cais de partida ou de arribação. Talvez apenas a saudade dos bons momentos passados com os amigos. Há que se fazer à vida sem olhar para trás.
Pergunto-me também o que será Macau, dentro de décadas, à medida que nos afastamos da data da transição para a China. É difícil deixar de sentir alguma nostalgia por essa última década florescente do século que findou. Porque se imaginaram cenários de modernização e autonomia que não se concretizaram. Um pouco pelas circunstâncias, outro tanto porque a comunidade que é maioritária e que dirige Macau nunca o sentiu como fundamental. A ligação à Mãe-China foi sempre preponderante, definidora de uma maneira de estar e de uma convergência de destinos de que não imagino variação. E essa ancoragem é sempre lembrada, quando surgem dificuldades e hesitações.
Confesso-me, a esse propósito, expectante e receoso. Expectante de que Macau consiga, por alguma forma, prolongar a situação de excepção que tem usufruído. Não falo na economia apenas. Falo na maneira de viver, nas condições de efectiva e valorizada liberdade. No pensamento, na escrita e na imprensa, na participação e organização cívica, na escolha de projectos de vida, na defesa do trabalho e de condições dignas de vida, na crítica aberta e não censurada. Seria lamentável que isso fosse perdido por mero cálculo e tacticismo imaginando-se que com o silenciamento das opiniões próprias se poderá servir “melhor” um qualquer senhor distante ou partido iluminado. O que é mais difícil é fazer cumprir o espaço de liberdade que se imaginou e que se alcançou com grande esforço e empenho. Existe sempre a sedução do poder querer domar a liberdade para não ser posto em causa por ela. Os homens são, nesse particular, seres imperfeitos, limitados. A magnanimidade não existe na sua esfera. Pelo menos nunca a encontrei.
Guardo para o fim um agradecimento ao Carlos Morais José, proprietário do “Hoje Macau”, pelo convite que me dirigiu, há sete anos, para ser cronista no seu jornal e aos directores, editores e jornalistas com quem tive o prazer de conviver e trabalhar. Ser jornalista é das profissões mais honrosas que conheço e uma das mais difíceis. Está-se normalmente do outro lado dos interesses instalados. E isso gera desconfiança, senão animosidade.
É tempo de interregno, de parar. São praticamente duas décadas de crónicas em jornais de Lisboa e de Macau, olhares que deixei pontuados aqui e acolá.
Fecho com Fernando Pessoa. “Para ser grande, sê inteiro. Nada teu exagera ou exclui. Sê todo em cada coisa. Põe quanto és no mínimo que fazes. Assim em cada lago a lua toda brilha. Porque alta vive”. Até mais.

20 Jan 2016

A China e a geopolítica global

“The world is entering a demographic transformation of historic and unprecedented dimensions. The coming transformation is both certain and lasting; there is almost no chance that it will not happen-or that it will be reversed in our lifetime. The transformation will affect different groups of countries at different times. The regions of the world will become more unalike before they become more alike. In the countries of the developed world, the transformation will have sweeping strategic, economic, social, and political consequences that could hamper the ability of the United States and its allies to maintain security. Throughout the world, the 2020s will likely emerge as a decade of maximum geopolitical danger.”
The Graying of the Great Powers: Demography and Geopolitics in the 21st Century
Richard Jackson and Neil Howe

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap]mundo estranha a época não tão longínqua em que apenas uma super potência como os Estados Unidos, determinava o rumo da economia global, e entretinha-se a prevenir e a conjurar as crises financeiras. Os problemas, por vezes, eram enormes e os Estados Unidos recorriam à Europa e ao Japão, e entre si fixavam um roteiro. Os tempos que vivemos não permitem que tal aconteça. Os Estados Unidos estão muito concentrados em reactivar a sua economia de modo sólido, depois da crise, a verdadeira Grande Depressão de 2008, não a de 1930 e a firmado pelo presidente americano no seu sétimo e último discurso sobre o Estado da Nação. A Europa luta por salvar o Euro e toda a arquitectura da Eurozona.
O Japão não consegue superar os seus problemas e a política de “Quantitative Easing (QE) – Flexibilização Quantitativa”, que trata de injectar recursos líquidos no mercado, mensalmente, comprando obrigações e títulos, que não estão a funcionar e o estancamento permanece. Pode ser a China a grande esperança? Tudo indica que não, pois o seu crescimento desacelera, houve desvalorização, queda bolsista e menor procura de produtos mundiais. Mas, e sobretudo não tem o menor interesse em enfrentar os problemas que virão, convertendo-se em líder mundial no campo económico e financeiro.
O mundo não conhece uma relação tão importante como têm os Estados Unidos e a China, repleta de tensões, como compete a uma superpotência que até há pouco tempo foi hegemónica, e outra que ameaça disputar-lhe essa posição, num futuro não tão distante. O mais evidente é a luta pelo controlo do Oceano Pacífico?
O novo cenário onde os americanos reconstituíram o “Acordo de Parceria Aliança Transpacífico”, celebrado a 5 de Outubro de 2015, e que terá como membros a Austrália, Brunei, Canadá, Chile, Estados Unidos, Japão, Malásia, México, Nova Zelândia, Peru, Singapura e Vietname, representando cerca de 40 por cento da economia mundial, tem por objectivo conter o seu rival e testar o seu poderio bélico nas águas circundantes à costa chinesa.
A concorrência estende-se de forma global no plano comercial. A luta contra os piratas informáticos chineses que endoidecem as empresas e as instituições governamentais dos Estados Unidos, foi um tema importante durante a recente visita do presidente da China à América, sem esquecer a enorme presença chinesa na África e na América do Sul, anteriormente reserva de caça americana.
A luta que se trava tem como fim definir a potência hegemónica em todas as áreas. Durante setenta anos, desde o final da II Guerra Mundial, os Estados Unidos têm-se apresentado, e em grande parte têm sido os donos do mundo. O seu poder militar trazia segurança ao mundo, o seu poder económico movimentava os mercados do mundo ocidental, e a força da sua cultura e do seu nível de vida, foram o modelo que mais de metade da população do planeta procurava imitar e que se vai desvanecendo.
O poderio americano enquanto durou a Guerra Fria, teve na União Soviética um oponente que o desafiava, ameaçava e controlava. A queda do Muro de Berlim, em 1989, simbolizou a desintegração do mundo comunista, e parecia que finalmente, os Estados Unidos eram de novo líderes únicos, com as bandeiras bem erguidas da democracia, livre mercado e liberdade de expressão, sem que nenhuma outra potência lhe disputasse a liderança do mundo. Desde que terminou a Guerra Fria, o esmagador poder militar dos Estados Unidos foi o núcleo central na política global.
Os Estados Unidos continuam a deter um poder militar incrível, com bases navais e aéreas espalhadas por todo o mundo para sossegar os seus aliados e intimidar os rivais. Os Estados Unidos suportam 75 por cento dos custos da NATO, que garante o território dos seus membros, gastando quatro vezes mais em defesa que a China. A marinha americana controla os mares e o exército e tem tropas em todos os continentes. As forças armadas americanas tornaram-se dominantes desde o início do século XX. A sua decadência será muito lenta. A China questiona os Estados Unidos acerca do seu direito de navegar nas águas do Mar da China, como se fosse seu.
A marinha americana, no sudeste asiático está habituada a tratar o Oceano Pacífico como se tratasse de um lago americano, garantindo a liberdade de navegação e oferecendo segurança aos seus aliados. A Rússia que necessita de recuperar a sua auto-estima ignora a advertência dos Estados Unidos para não escalar a tensão existente com as operações na Síria.
A intervenção da Rússia na guerra civil da Síria mostra que os Estados Unidos já não controlam o Médio Oriente, e têm-se mostrado receosos em intervir, enviando de novo infantaria. A Rússia encontrou uma brecha para se introduzir e poder intervir. A Europa viveu, em 2014, a primeira anexação forçada de território desde a II Guerra Mundial, (Crimeia e a cidade de Sevastopol) mantendo vivo o conflito entre a Rússia e a Ucrânia.
Os países bálticos ficaram temerosos e a NATO está alerta e reforçou a sua presença militar na região, tendo os Estados Unidos e a União Europeia imposto sanções económicas à Rússia. A construção na Ásia de ilhas artificiais chinesas pela acumulação de areia transportada desde o continente, no Mar Meridional da China, transformou a reclamação teórica da China sobre as suas águas territoriais, a quilómetros da sua costa, numa realidade.
Os Estados Unidos ainda que não se possam intrometer nas disputas entre países vizinhos, asseguram que protegerão a navegação no Pacífico, mostrando que não vivemos num mundo sem fronteiras. As fronteiras existem e os países estão dispostos a lutar para as defender, o que significa que a ordem mundial depende da ordem territorial. Se nada se souber sobre quem detém a soberania de um território, nada se pode saber sobre a ordem internacional.
A nova China é um país poderoso, com uma economia forte e forças armadas muito bem equipadas. O seu orçamento da defesa tem apresentado um aumento de dois dígitos nos últimos vinte e cinco anos. As suas forças armadas estão equipadas com aviões de guerra, helicópteros de ataque e mísseis intercontinentais.
A China, poucos dias antes da visita do presidente chinês aos Estados Unidos, realizou um desfile de doze mil militares na Praça de Tiananmen para celebrar o septuagésimo aniversário da rendição do Japão aos aliados na II Guerra Mundial, tendo convidado todos os líderes mundiais. O presidente dos Estados Unidos, aproveitando o facto de o seu país estar a meio de uma campanha presidencial, em que os candidatos criticavam a China, escusou-se a assistir.
Os que se interrogavam sobre a direcção da liderança chinesa, encontraram resposta durante a recente visita do presidente chinês aos Estados Unidos, dada num jantar, em que ensaiou alguns argumentos entre eles, o de que a China está comprometida com um crescimento em, e pela paz. A China aprendeu a lição da II Guerra Mundial e reconhece que a hegemonia militar não é uma opção, estando comprometida com a ordem multilateral e a Carta da ONU.
O presidente chinês referindo-se à ideia de que o crescimento do poderio da China provocaria temor aos Estados Unidos e conduziria a uma eventual futura guerra, insistiu na ideia de criar um novo tipo de grandes relações de poder, que evitem a concorrência militar na procura de métodos mais criativos de cooperação que permitam a todos lucrar.
Que tipo de pessoa é o presidente chinês? Quando iniciou o seu mandato foi considerado como débil, medianeiro de consensos e conservador da velha guarda, e ninguém previa que se pudessem dar grandes mudanças durante os primeiros tempos, porque tinha de consolidar o poder, tendo no entanto, surpreendido o mundo, sendo descrito como o líder mais forte que a China teve nos últimos anos, tendo implementado alterações profundas e desmantelado a tradição do governo colectivo e politicamente é considerado como conservador, e em termos económicos como liberal.

19 Jan 2016

Corn Flakes e Masturbação

[dropcap style=’circle’]P[/dropcap]arece que o senhor Kellogg era uma activista pela cruzada anti-masturbação e foi isso que o motivou a criar os favoritos cereais de pequeno-almoço. Corn flakes são uma tentativa de criar uma alimentação nutritiva, mas isenta de luxúria. Porque a luxúria nos alimentos, ou seja, comida saborosa, aumentaria a energia sexual dos jovens, levando-os a tentar o prazer sexual, se não com os outros, com eles próprios. A guerra contra a masturbação sempre foi feroz. Com os mitos que gerações mais antigas tiveram que levar: masturbação faz crescer pêlos nas mãos (assim saberemos quem anda a gozar-se nos seus tempos livres) ou pode cegar.
Se o acto sexual continua envolto em tabu, a masturbação parece que está em piores condições. A masturbação masculina parece que é um lugar mais comum, uma conversa mais frequente, e a feminina menos disseminada. Sim, sim, as mulheres masturbam-se. Aliás, a ideia de que os genitais trazem prazer pode ser entendida em muito tenra idade, e é muito normal. Contudo, mesmo que já não haja uma força tão grande a reforçar mitos sem sentido sobre a masturbação, ainda há um sentimento de condenação. Uma força de tradição judaico-cristã que não aceita a individual legitimidade para o prazer – o prazer sexual ainda menos.
Mas a masturbação é importante. Os programas de educação sexual ou qualquer discussão sexual ainda não conseguem incluir a masturbação e as suas vantagens de uma forma mais integrativa ou abrangente. Os depoimentos e registos de terapeutas conjugais no mundo ocidental apontam para a relação entre as dificuldades sexuais do casal e a forma como a masturbação é vivida. Porque encontrar o parceiro das nossas vidas não garante o sexo das nossas vidas – se não soubermos comunicar sexualmente de uma forma eficaz. Praticar masturbação é perceber o mapa sexual e orgásmico do nosso corpo e assim, saber o que é preciso para ter prazer com o outro. Comunicar com o outro. E quando eu digo comunicar, não quero tirar todo o tesão da coisa ao sentar o casal em frente de uma mesa de centro a beber um chá enquanto verbal e mecanicamente se discute os caminhos para o orgasmo (pode resultar para alguns). Mas fica a sugestão de masturbarem-se à frente um do outro. À vez. Não?
A anatomia masculina tem a vantagem de que está ali pendurada, à boa vista e de muito fácil exploração. A feminina está menos acessível, só uma mulher com uma flexibilidade extraordinária é que poderia olhar a sua vulva ‘nos olhos’, mas ao tocar-se, ao olhar-se ao espelho perceberá qual o seu aspecto – e ajudará a perceber as suas anomalias, em caso de doença. As vantagens da masturbação vão ainda para além de uma sexualidade saudável, está provado que ajuda relaxar, cura dores de cabeça, pode ajudar a descongestionar uma sinusite e ajudar mulheres a terem menos dores menstruais. Ademais, o uso de vibradores e das bolas Ben Wa ajudam no exercício das paredes da vagina que previnem problemáticas como incontinência. Masturbação é tudo de bom.
O momento de descoberta sexual começa com a estimulação dos genitais, que continua com o exercício imaginativo daquilo que nos excita, agrada e entusiasma. Muitas vezes este processo é acompanhado por materiais mais visuais do que a simples imaginação (mas já escrevi que baste sobre a pornografia). Não há perigos reais de uma masturbação excessiva (para além de pele irritada, talvez). Mas se usados (constantemente) os mesmos padrões de fantasias para a excitação, podem levar a uma dependência psicológica que, quando se está finalmente com outra pessoa, podem ver as suas fantasias não correspondidas. O problema nunca será pela masturbação em si, mas pelas formas de excitação associadas. Mas se alguém se masturba sempre a pensar em pés, quando se apresenta para sexar e o parceiro não acha graça nenhuma que lhe toquem nessa zona do corpo, pode sentir-se alguma incompatibilidade/insatisfação de ambas as partes.
A masturbação é vista como um acto individual, mas que na sua privacidade permite uma abertura bastante frutífera para a sexualidade no geral. A analogia que me foi descrita é de um atleta a praticar para uma competição desportiva. A masturbação é uma forma de prática para o derradeiro momento, portanto deverá ser ajustada entre a sexualidade individual e a sexualidade com o outro. A masturbação permite um tempo valioso de descoberta pessoal, mas também de descoberta do que gostamos no(s) outro(s), aquele admirável mundo novo do sexo que ainda por aí. Há quem ainda sugira momentos de masturbação ‘mindful’ onde deverá ser criado um momento de total intimidade connosco próprios. Se for preciso pôr velinhas, que se ponham velinhas e incenso e música romântica!
A relação dos corn flakes com a masturbação é nula, com a excepção de que há por aí muitos comedores de corn flakes que provavelmente se masturbam. O senhor Kellogg que nunca o descubra.

19 Jan 2016

Depois do Esplendor

[dropcap style=’circle’]N[/dropcap]o passado dia 4 de Janeiro, a bolsa chinesa registou uma quebra de tal forma acentuada que nos pode fazer temer um eventual colapso económico. Ao mesmo tempo em Macau, as receitas do jogo têm vindo a cair consecutivamente ao longo dos últimos 19 meses. Embora ainda gerem quantias suficientes para cobrir as despesas do Governo, existem indícios que demonstram que a Idade de Ouro da indústria do jogo em Macau está a chegar ao fim. Esta situação não tem qualquer relação com os incidentes provocados em Hong Kong pelo movimento “Occupy Central”, foi sim desencadeada pela situação económica que se vive actualmente na China
O excesso da capacidade produtiva da China deu origem a um aumento do preço do trabalho, ao mesmo tempo que o encerramento de muitos projectos de construção provocou enormes desperdícios de investimento. O crescimento “anormal” da economia chinesa, aliado à natureza especulativa do mercado imobiliário e às políticas monetárias, colocou em perigo uma “bolha” de mercado há muito existente. Os especialistas em economia terão de encontram formas de impedir que a “bolha” rebente e que a economia chinesa entre em recessão, à semelhança do que aconteceu no Japão há 20 anos atrás. E como as bolhas acabam por rebentar, mais cedo ou mais tarde, a melhor solução é impedir que se criem.
Já que Macau não foi capaz de transformar a sua estrutura económica em 2000, as taxas aplicadas à indústria do jogo tornaram-se a principal fonte de receita do Governo. Na sequência do fim do monopólio da indústria do jogo, e do grande florescimento financeiro, os turistas da China continental têm vindo a alimentar das mais diversas formas a economia de Macau. Para lidar com a inflação o Governo da RAEM implementou o Plano de Comparticipação Pecuniária no Desenvolvimento Económico, que ainda agravou a situação. À medida que as “bolhas” económicas de Macau aumentavam, e em face das medidas restritivas implementadas pelas políticas anti-corrupção na China, a quantidade de turistas continentais diminuiu drasticamente. Assim, a economia macaense decai dia após dia e as “bolhas” económicas acabarão por rebentar.
Em face desta situação preocupante, o Chefe do Executivo, Chui Sai On, afirmou explicitamente, durante a sua visita a Pequim, que o Governo da RAEM está a começar a estudar formas de diversificação moderada e de intensificação da economia de Macau e irá apresentar essas propostas por escrito ao Governo Central. Esta iniciativa não foi sugerida pelo Governo Central, é de facto a primeira vez, desde a transferência de soberania, que o Governo da RAEM avança com propostas para a melhoria da situação da região. Vejamos se estas propostas podem conduzir Macau ao bom caminho após o fim da “bolha” económica. Embora esta “bolha” económica seja moldada por factores externos, também foi influenciada pelas políticas erradas do Governo da RAEM. Quando Macau regressou à soberania chinesa, há 16 anos, o Governo Central escolheu os seus representantes no seio das famílias locais mais abastadas, os quais trabalhavam de perto, na administração de Macau, com associações tradicionais e com grandes capitalistas. Estabeleceram como principal prioridade a manutenção da estabilidade, objectivo que foi alcançado. No entanto, o excesso de estabilidade abriu campo à monopolização do poder, que por seu lado resultou em corrupção. Após o disparar da economia de Macau, a corrupção instalou-se inevitavelmente. Estas “bolhas” políticas não podem encobrir a instabilidade social nem as diversas crises geradas dentro destes micro-sistemas. Os dois relatórios. publicados recentemente, sobre a análise do sistema eleitoral, não conseguiram apontar caminhos para melhorar as políticas cada vez mais fechadas e corruptas que se praticam em Macau.
Para que uma sociedade desfrute de estabilidade a sua economia deve registar um crescimento saudável e a sua política administrativa terá de ser transparente e livre de corrupção. Só com a implementação de medidas eficazes, se pode impedir o abuso de poder e o desrespeito da Lei por parte dos políticos, tornar possível o aparecimento de competição e de mecanismos de avaliação, cruciais para a afirmação de competências e do reforço da supervisão da actuação do Governo, de forma a impedir a corrupção. As “bolhas” políticas e económicas são igualmente destrutivas e devem ser ultrapassadas. É necessário tomar medidas e estar preparado para o que está para vir.

18 Jan 2016