Paul Chan Wai Chi Um Grito no Deserto VozesQuando as eleições são uma trama Desde que o Governo da RAE de Hong Kong submeteu à aprovação do Conselho Legislativo a “Improving Electoral System (Consolidated Amendments) Bill 2021”, (Emendas à Lei para Melhoramento do Sistema Eleitoral, 2021), altura em que a maior parte dos deputados democratas se demitiu, as eleições para o Parlamento de Hong Kong, agendadas para o próximo mês de Dezembro, tornaram-se num jogo para os que detêm o poder. As decisões sobre quem se vai candidatar e quem vai ganhar já foram tomadas de antemão. De acordo com a “Improving Electoral System (Consolidated Amendments) Bill 2021”, os lugares do Comité Eleitoral que deveriam ser ocupados por membros do Conselho Distrital, vão ser agora tomados por representantes do Comité da Área da Ilha de Hong Kong, de Kowloon e dos Novos Territórios, do Comité Local de Prevenção de Crimes e do Comité Local de Segurança Contra Incêndios. O número de eleitores elegíveis vindos de sectores profissionais (segundo sector) baixa acentuadamente de quase 204.000, para cerca de 3.800. A Hong Kong Social Workers’ General Union (União de Sindicatos dos Trabalhadores de Hong Kong), bem como a Hong Kong Professional Teachers’ Union (Sindicato Profissional dos Professores de Hong Kong), ligados ao campo pró-democrata, foram surpreendentemente retirados da lista das organizações elegíveis. No que respeita à lista das organizações recentemente integradas no universo eleitoral, podemos afirmar que parece uma boda de núpcias. Estão todas interligadas, à semelhança de uma grande família. Com estas novas disposições, o Conselho Legislativo, para além de se tornar na casa de seguidores acríticos, corre o risco de ser uma lixeira devido a todo o “lixo leal” que virá a conter. Para embelezar a cena política e a própria imagem de Hong Kong, o Conselho Legislativo vai precisar de algumas “jarras com flores democratas”, para fins decorativos. Os democratas radicais estão à partida excluídos das eleições e os democratas de longa data provavelmente não terão interesse em participar neste jogo de “pequenos círculos”. Apenas aqueles que se auto-intitulam de “democratas moderados”, os que se movem nas águas da “terceira via”, terão hipótese de se vir a tornar nas tais “jarras decorativas”. Depois de ter visto Tik Chi-yuen, o presidente da “Third Side” (Terceira Via), ser entrevistado por Ming Pao das Daily News of Hong Kong, a de 7 Abril e pelo apresentador do programa de televisão “On the Record”, produzido pela Television Broadcasts Limited (TVB) a 19 de Abril, acredito cada vez mais que certas pessoas são capazes de fazer o que for necessário, independentemente de tudo, de forma a continuarem a manter-se à tona de água. Quem pretender concorrer às eleições para o Conselho Legislativo tem de assegurar pelo menos duas nomeações de cada um dos cinco sectores que constituem o Comité Eleitoral. A seguir, têm de se submeter à avaliação dos três corpos relevantes (o Supervisor do Processo Eleitoral, o Comité de Análise de Elegibilidade e o Comité para a Salvaguarda da Segurança Nacional) que serão responsáveis pela validação da elegibilidade dos candidatos. Só depois da validação, estão em condições de concorrer às eleições. Os candidatos têm de passar por muitas provas difíceis, especialmente para obter o apoio de diferentes sectores políticos, o que é sem dúvida uma tarefa árdua. Com tais procedimentos eleitorais, os democratas não se deverão candidatar, porque a alma (do povo) não se ajoelha, nem mesmo em prol dos bons salários auferidos pelos membros do Conselho Legislativo. Comparadas com este proesso, as Eleições para a Assembleia Legislativa de Macau, a realizar a 12 de Setembro, vão ser muito mais empolgantes. Como Macau não optou por “Melhorar o Sistema Eleitoral”, a proporção de deputados eleitos por sufrágio directo, por sufrágio indirecto e por nomeação, permanece inalterada. No entanto, o princípio “Macau governado por patriotas” há muito que foi posto em prática. A distribuição dos recursos e o controlo social estão inteiramente nas mãos de que detém o poder. Desde há muito anos que a Democracia não passa de um ornamento na Assembleia Legislativa. Tornou-se claro a partir do momento em que as nove propostas de realização de um debate sobre questões de interesse público, apresentadas separadamente por sete deputados, forma rejeitadas pelas deliberações do Plenário da Assembleia Legislativa. Emboras os deputados da Assembleia Legislativa eleitos por sufrágio directo possam apenas desempenhar um papel menor, a sedução e as honras do cargo, aliadas a uma generosa remuneração, e vários benefícios potenciais, fazem com que muitos membros de organizações persigam desesperadamente esta posição. Ainda existe algum tempo, até à data limite (15 de Junho) para que as associações políticas, que pretendem participar nas eleições por sufrágio directo, se possam apresentar à Comissão de Candidatura. Algumas destas associações já começaram a fazer a lista de nomes que integram a sua candidatura. O decurso destes preparativos pode vir a originar factos para além do que é possível imaginar e a rivalidade pode vir a ser intensa. A manipulação política decorrente deste processo está completamente orientada para certos fins, e toda a trama envolvente é bem mais empolgante do que a série “House of Cards”. Existe um ditado chinês que afirma “o ouro puro é temperado pelo fogo incandescente”. A trama nas eleições legislativas expõe o lado negro da natureza humana. É tempo de os cidadãos acenderem as luzes e afastarem a escuridão!
Tânia dos Santos Sexanálise VozesDeixar o Sexo Transcendente A capacidade de nos “absorvemos” pode ser bastante benéfica para o sexo. A absorção é uma característica individual que nos faz mais sensíveis às sensações do corpo, de tal forma que pode levar a uma experiência de transcendência. Diz um estudo que esta capacidade nas mulheres resulta em desejo sexual maior e nos homens, um aumento da sua atividade sexual. Há pessoas que têm uma maior tendência para a absorção do que as outras, afectando, de alguma forma, a sua sexualidade. Para além disso, outra investigação tem sido desenvolvida em torno da capacidade para a transcendência durante a atividade sexual. O orgasmo é o seu facilitador. Características de personalidade à parte, o orgasmo parece suscitar um estado alterado de consciência. Investigadores convidaram participantes a masturbarem-se sob olhar da ressonância magnética para perceber o que é que acontecia ao cérebro. Os resultados parecem confirmar o que muita gente parece descrever da sua experiência– o orgasmo como um estado de perda de controlo momentâneo. A ideia do sexo transcendente pode parecer mística demais, mas ajuda a explicar muito do inexplicável do sexo. Até experiências de sinestesia têm sido documentadas. Pessoas que vêem cores durante o sexo e o orgasmo, transformando a experiência muito para além da mundana. Mas, claro, nesta relação tão íntima do sexo com o transcendente está também a dificuldade das pessoas se conectarem com esta ligação: por várias razões. A primeira talvez seja a admiração contemporânea por tudo o que é cerebral. As pessoas precisam de racionalizar e de ter controlo para terem sucesso na vida. E isso reflecte-se no sexo também. Controla-se tudo para garantir a melhor experiência sexual. É preciso isto aquilo, aqueloutro, é preciso ter xis posições, inovar, ser kinky, todos precisam de ter um orgasmo, se não mais do que um, e pronto. A perfeição, supostamente, consegue-se com planeamento, pesquisa e preparação. Nada contra, nem o objetivo é advogar que o sexo deve ser “espontâneo” – outro mito urbano. A questão é: será que no meio desse planeamento, é possível desligar o cérebro controlador e falante para desfrutar do momento? A segunda é que esta capacidade de “deixar ir” é especialmente difícil quando estamos acompanhados. Quando se baixam as guardas, coisas podem acontecer para além do nosso controlo e isso mostra vulnerabilidade. A vulnerabilidade é assustadora, até a do orgasmo, com as suas cores psicadélicas, ruídos inesperados, caras de prazer não-planeadas. As pessoas são povoadas por ideias de si próprios e dos outros que torna difícil não querer controlar certas coisas. As mulheres tendem a escrutinar mais a sua existência enquanto ser sexual do que os homens, apesar de eles não estarem livres de pressões sociais. Expectativas de magreza, de beleza, de como o corpo assim e assado deve ser apresentado, expectativas de vulvas com lábios simétricos e não muito evidentes, pêlos arrancados. Um apelo ao sexo transcendente é um apelo ao sexo que não será incomodado pelas representações e expectativas do que o sexo deveria ser. Agora que se aproxima o verão, voltamos à carga com as obsessões pelas dietas e ginásios. Parece ainda não haver espaço para os corpos existirem como são e para a sexualidade ser vivida como se quer. A liberdade sexual ainda é um conceito demasiado utópico, ainda que se discuta o sexo de forma mais aberta na esfera pública. As amarras criadas por pressões sociais continuam a actuar sem dó nem piedade. Ainda é necessário um esforço individual e colectivo para que o sexo seja qualquer coisa de extraordinário – ao ponto da transcendência.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesDescansa em paz Foi finalmente feita justiça à memória de George Floyd, o negro do Minnesota, morto pela polícia. O agente Derek Chauvin foi considerado culpado das três acusações que sobre ele pendiam. A sentença só será conhecida em Junho, mas acredita-se que será condenado a pelo menos dez anos de prisão. No passado dia 20, o júri pronunciou o seu veredicto. Derek Chauvin pressionou o joelho contra o pescoço George Floyd durante 9 minutos e 29 segundos. Floyd repetiu por várias vezes que não conseguia respirar. O agente ignorou-o e, como é sabido, acabou por morrer. O caso desencadeou manifestações de protesto a nível global. As pessoas protestaram contra o uso de violência excessiva e contra a discriminação racial nos Estados Unidos. Nas alegações finais, a defesa declarou que a acusação não tinha conseguido provar de forma irrefutável que este tinha sido um caso de homicídio, e sublinhou que Derek Chauvin agiu de acordo com a lei. Em resposta, a acusação alegou que o réu deveria ter usado de bom senso e agido de acordo com a situação que se lhe apresentava. A vítima não constituia uma ameaça e não tentou fugir. Chauvin não tinha qualquer necessidade de usar de excesso de força. Como o incidente ocorreu há mais de um ano e foi amplamente divulgado pela comunicação social, o juiz recomendou ao júri que no momento da decisão, não deveriam ser tomados em linha de conta factores sociais, nem qualquer tipo ideias pré-concebidas, mas apenas os factos relatados em tribunal. Os factos e as provas são a base de todos os julgamentos. Enquanto todos os funcionários do Tribunal aguardavam calmamente a decisão do júri, o Presidente Joe Biden quebrou o silêncio e declarou publicamente que as provas apresentadas são sólidas e que espera que os jurados tomem a decisão certa. Estas afirmações como Chefe Supremo dos Estados Unidos, são preocupantes se tivermos em conta a sentença que vai ser anunciada. Se o agente receber uma pena pesada, possivelmente não haverá manifestações de desagrado; mas se receber uma pena leve serão esperadas com toda a certeza manifestações em massa. Para evitar desacatos, Biden convocou a família de G. Floyd dizendo-lhes que, fosse qual fosse a sentença, esperava que conseguissem manter a paz. Biden também disse à família que iria rezar por eles e que partilhava da sua angústia e ansiedade. O Presidente disse à filha de seis anos de George Floyd: “O teu pai mudou o mundo.” Dez horas após o júri se ter retirado da sala de audiências, ficou a saber que Chauvin tinha sido condenado pela acusação de homícidio invonluntário de segundo grau, pela acusação de homícídio voluntário de segundo grau e pela acusação de homicídio voluntário de terceiro grau. O juiz Peter Cahill declarou que o réu vai ouvir a sentença dentro de oito semanas. Como a pena máxima para homicídio voluntário de segundo grau é de 40 anos, para homicídio involuntário de segundo grau é de 10 anos e para homicídio voluntário de terceiro grau é de 25 anos, mesmo que o tribunal decida por uma sentença não acumulativa, no minímo Derek será condenado a 10 anos de prisão. Logo após o júri ter pronunciado o veredicto, Ben Crump, o advogado de acusação, fez um comunicado onde sublinhou que a família de G. Floyd tinha conhecido simultaneamente a dor e a justiça ao longo de um julgamento dramático. Declarou ainda que a decisão do Tribunal não vai afectar apenas o Minnesota, mas também os Estados Unidos e o mundo inteiro. Este processo têm tido um tremendo impacto. Multidões reuniram-se num acto de homenagem à memória de George Floyd, junto ao Tribunal e no local onde foi assassinado, gritando as palavras de ordem “Black lives matter”. Posteriormente, Biden fez também um comunicado na sequência do veredicto do júri. Afirmou que a decisão é um passo no caminho certo. Estamos perante um homicídio à luz do dia. Já existiram muitos casos semelhantes nos Estados Unidos. Este julgamento permitiu que o país avançasse no campo da justiça e espera-se que traga grandes mudanças. Biden acredita que este veredicto encerra uma mensagem sobre a necessidade de reformas na actuação das forças de autoridade. Neste caso estão indiciados mais três agentes, por conivência no crime de homicídio. Vão começar a ser julgados em Agosto. Como está documentado em vídeo que não intervieram para impedir a actuação criminosa de Chauvin, a possibilidade de virem também a ser condenados é alta. A morte de George Floyd ocorreu claramente por uso excessivo de força por parte de Chauvin. Foi causado pelo racismo, desigualdade e discriminação que grassam nos Estados Unidos. Se este incidente vai marcar o início de uma nova era ainda é uma questão em aberto. Para além de Chauvin, estão indiciados mais três agentes. Uma das formas de prevenir comportamentos irregulares por parte dos agentes é o trabalho de equipa. Mas, neste caso, todos os elementos da equipa tiveram a mesma attitude, donde se depreende que estes comportamentos são encarados como “normais” pela polícia. Em vez de afirmar que este caso vai marcar o início de reformas nas forças da ordem, é melhor perguntarmos que medidas eficazes vão ser tomadas pelo Governo dos Estados Unidos para mudar a cultura subjacente à actuação da polícia. Se esta cultura não mudar, mais mortes como a de George vão continuar a acontecer todos os dias. Depois da condenação de Chauvin, esperamos que a família vá gradualmente sarando a sua ferida e que o seu espírito de George descanse em paz. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola Superior de Ciências de Gestão/ Instituto Politécnico de Macau Blog:http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
André Namora Ai Portugal VozesOs ricos querem roubar a bola Há séculos que se discute a luta de classes. É a luta entre os ricos e os pobres. Parece algo de natural, mas não o é e tem havido ao longo dos anos muitas mulheres e homens que têm lutado e perdido a vida pela causa do combate à discriminação entre os seres humanos. Então, não é que na semana passada não se falou em outra coisa do que em futebol? O pontapé na bola entrou na discussão internacional precisamente por causa dos mais ricos quererem atirar para o caixote do lixo os pobres do futebol. Os ricos, como esse mafioso espanhol Florentino Pérez, que tem enriquecido mais à custa da presidência do Real Madrid, está a apadrinhar uma Superliga com apenas dez clubes ricos. Os dirigentes da UEFA já ameaçaram com a expulsão desses clubes que querem fazer parte da Superliga, da actual Taça dos Campeões. E aqui o FC Porto, Benfica e Sporting poderiam ter a oportunidade de regressar a disputar a Taça dos Campeões. Os mesmos dirigentes ameaçaram que os jogadores que tomem parte na Superliga não poderão integrar as selecções nacionais dos seus países. A discussão tem sido feia e a maioria dos clubes rejeita frontalmente que os donos disto tudo no futebol europeu levem para a frente a criação da referida Superliga. A verdade, é que os ricos do futebol querem ainda ficar mais ricos. O balde de água fria que caiu sobre as hostes do futebol, de governos europeus e de federações provocou logo a maior rejeição. O seleccionador português Fernando Santos e o treinador do Sporting, Ruben Amorim, criticaram severamente a ideia, e com eles de imediato os responsáveis dos clubes ingleses e italianos, excepto os da Juventus. O presidente da La Liga de Espanha, Javier Tebas, colocou logo o dedo na ferida acusando Florentino Pérez de ”andar equivocado há algum tempo, agora vejo-o perdido. Creio que é um grande empresário da construção civil, mas um desastre como presidente do Real Madrid”, disse Javier Tebas. Igualmente os presidentes da FIFA e da UEFA tomaram posição contra a ideia da Superliga sublinhando que os clubes que participarem nessa competição sofrerão consequências. Os comentadores televisivos são unânimes em adiantar que se trata de um acto de ganância por dinheiro e como nas sociedades dos humanos, no futebol os ricos querem é ser sempre ainda mais ricos. A ideia da superliga está suspensa porque só o Real Madrid e o Barcelona é que abraçaram o projecto de Florentino Pérez. Os promotores da ideia dizem que vão repensar o projecto. Apesar do abandono dos clubes ingleses, forçados a tal decisão devido á pressão exercida pelos adeptos, tudo indica que a “bomba” será um fiasco sem pernas para andar. Os promotores da ideia já vieram dizer que “dadas as circunstâncias, vamos reconsiderar os passos a dar para remodelar o projecto”. Desconfio que ficará para as calendas. Ninguém nos dias de hoje do mundo de futebol, onde são os pequenos e pobres clubes que dinamizam a modalidade irão permitir que os Ricardos Salgados do futebol consigam levar avante um projecto ignóbil. O Manchester City, que está em primeiro lugar na liga inglesa, a caminho de ser campeão, foi o primeiro dos clubes ingleses a oficializar a saída da Superliga, seguindo-se os graúdos Arsenal, Liverpool, Manchester United, Chelsea e Tottenham. Na Itália verificou-se a saída do AC Milan e do Inter de Milão. A Juventus está a pensar. Resumindo, o fiasco está patente e só o Real Madrid e o Barcelona é que estão ao lado do empreiteiro Florentino Pérez. O absurdo deverá ir por água abaixo, até porque muitos clubes já manifestaram a sua rejeição a qualquer transmissão televisiva dessa possível Superliga. Os muito ricos do futebol pensavam que eram favas contadas e que o baú dos milhões estava atrás da porta. Enganaram-se porque, felizmente, as maiorias ainda têm uma palavra a dizer. Fernando Santos é um homem do futebol há muitos anos e quando ele referiu que não pode ser a ganância pelo dinheiro a reinar no futebol, sabia o que estava a dizer e para bem do futebol esta ideia absurda de uma Superliga deve ir por água abaixo numa das muitas catastróficas inundações que assolam presentemente o nosso globo.
João Romão VozesBola ao centro Anunciada com pompa e inevitável soberba, a superliga do futebol europeu parece ter morrido antes de nascer: um torneio onde o pedigree iria definir o acesso, com alegados precedentes históricos a determinar direitos futuros e participação garantida para os membros fundadores, auto-consagrados como os mais prestigiados do planeta futebolístico, já detentores das maiores riquezas mas à procura de uma apropriação ainda maior dos benefícios globais que o espetáculo da bola vai gerando, entre bilhetes para os estádios, direitos televisivos, mercadorias promocionais, subscrição de canais digitais ou outras formas de rentabilizar marcas de notório sucesso e visibilidade. Não é nova, evidentemente, esta tentativa de transformar em rendas garantidas benefícios que teriam que ser disputados em arenas – ou mercados – com alguma concorrência, ainda que altamente desequilibrada: esta é, na realidade, uma característica marcante do capitalismo tardio que nos tocou viver, já com escassos recursos e mercados por explorar e oportunidades de lucro insuficientes para a avidez dos mais agiotas do planeta. Escasseiam também progressos tecnológicos susceptíveis de transformar empresas em figuras singulares e inimitáveis, criadoras dos seus próprios monopólios, e por isso dos seus rendimentos rentistas, apesar de tudo conseguidos à custa de inteligência e criatividade. Podemos olhar para o primeiro caso – o do esgotamento das oportunidades de exploração intensiva de recursos, como Marx antecipou: a inevitável tendência para a descida da taxa de lucro que havia de matar o capitalismo. Ou podemos olhar para a segunda hipótese, a do esgotamento das possibilidades de inovação, tal como Shumpeter definiu: a burocratização de uma economia que apenas se reproduz, incapaz de gerar novas rupturas e desequilíbrios criativos. Olhemos por um ou por outro prisma, as consequências são semelhantes: é notória nas últimas duas décadas a concentração do capital em enormes empresas transnacionais, com sucessivas fusões e aquisições, mais ou menos hostis, nos mais diversos sectores de actividade, concentrando o poder económico e político em cada vez menos entidades ou pessoas e naturalmente diminuindo a tal concorrência que devia ser apanágio dos mercados livres das economias contemporâneas. Outro exemplo é o da privatização sucessiva de serviços públicos ou de sectores estratégicos das economias, incluindo transportes, energia, educação, saúde, habitação, enfim a mercantilização de tudo o que é essencial à vida humana. Transformando a prestação de serviços públicos em monopólios privados parasitários criam-se novos rendimentos rentistas que dispensam a concorrência e consolidam a concentração da riqueza de quem já a tem à custa da vulnerabilidade e das necessidades básicas da maioria da população. Um exemplo flagrante desta violência económica, social e política é o das vacinas que supostamente irão neutralizar a maior pandemia que jamais afectou a humanidade: com patentes que privaram os benefícios da sua comercialização, resolvem um problema de saúde enriquecendo ainda mais um reduzido número de empresas com ampla hegemonia no mercado global de saúde, neste caso a operar em quase-monopólio, com uma procura global francamente superior à capacidade de oferta e um poder quase absoluto para decidir preços e margens de lucros: cá estamos para pagar o que for preciso, por interpostos governos, para que nos livrem do terrível vírus. Tem sido assim com o resto da saúde, naturalmente: já é pequeno o papel do estado na apropriação do conhecimento e no controle dos processos de produção, ainda que continue a ser um agente essencial à educação, formação, investigação e desenvolvimento científico, neste como noutros sectores essenciais à vida humana. A criação da tal superliga de futebol europeu inscreve-se com facilidade nesta lógica predatória de aceleração e intensificação dos processos de dominação e controle de mercados: um torneio que dispensa boa parte da competição, como outros monopólios dispensam a concorrência económica: até poderia haver umas vagas para quem tivesse méritos devidamente comprovados, mas estariam reservados para a eternidade os lugares ocupados pelos clubes fundadores, essa auto-denominada aristocracia do futebol europeu, com direitos históricos adquiridos por inerência que ultrapassam quaisquer outras veleidades da meritocracia – e da tal competição, que supostamente seria o essencial destes torneios alegadamente desportivos. De resto, na agenda dos agiotas estava também a limitação dos salários e do valor das transferências dos jogadores, aproveitando os super-poderes patronais que a ausência de concorrência consagra na sua plenitude. Não correu bem, no entanto: levantaram-se muitas vozes com determinação suficiente para neutralizar o processo, pelo menos por enquanto: grandes clubes da Alemanha e da França não acederam ao convite, clubes médios com legítimas aspirações à elite protestaram desde o primeiro momento, praticamente todas as instituições reguladoras do futebol europeu, e mesmo os adeptos de alguns clubes supostamente beneficiados vieram rapidamente para a rua gritar. O recuo dos clubes ingleses parece ter neutralizado esta intentona monopolística, a que se seguiram também clubes ingleses e espanhóis. Se a concentração do poder futebolístico continuar, será por outras vias, que não a da imposição administrativa de torneios exclusivos e fechados à competição. De resto, não é a primeira vez que no futebol se nota uma rejeição das tendências contemporâneas do capitalismo tardio que infelizmente não se observa noutros domínios das nossas economias e sociedades: já há alguns anos, também foram grandes os entraves à liberdade de transferência de jogadores, quando já a globalização dos mercados e a liberdade de circulação de pessoas e capitais se expandiam pelo planeta em sucessivos acordos comerciais, económicos e políticos. Na altura, um jogador chamado Bosman havia de se tornar ponta de lança de progressos legislativos que haviam de trazer ao futebol os processos de liberalização condizentes com os do resto da economia. Veremos num futuro próximo em que resultam estas intenções de criação de uma superliga de privilegiados. Não se nota grande coisa noutros domínios da economia, da sociedade ou da política, mas quando toca ao futebol, ainda se levantam as vozes contra o liberalismo vigente. Antes isso. Bola ao centro!
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesO aquecimento global não é ficção científica (continuação) Os estudantes devem ser sensibilizados para os danos que o consumo de carne causa ao ambiente e para as consequências que teriam de enfrentar com as alterações climáticas. As lições também devem tocar em questões de poluição ambiental. O estabelecimento de uma obrigação de reflorestação a nível nacional com incentivos. Para cada árvore cortada, pelo menos três devem ser replantadas. Aumentariam as penas por fogo posto, reforçariam a vigilância dos incêndios florestais com todos os meios tecnológicos possíveis, e dotariam a força de intervenção de combate a incêndios de mais meios e pessoal. Seriam dados incentivos aos municípios e particulares para replantar árvores em todas as áreas não cultivadas e para os municípios, províncias e regiões, a obrigação de replantar pelo menos três árvores por cada árvore cortada por qualquer razão. O imposto sobre produtos, proporcional à libertação de CO2 na atmosfera que esse produto específico envolve, seria um instrumento formidável para combater as alterações climáticas. O aumento do preço dos produtos poluentes reduziria a procura dos mesmos, e as receitas desta tributação poderiam ser reinvestidas directamente em incentivos. Poder voar para destinos turísticos mesmo a várias horas de distância por algumas dezenas de euros é uma coisa maravilhosa, mas não temos dinheiro, senão acabaremos como a cigarra que não se preocupava com a chegada do Inverno e só pensava em cantar. Temos de fazer sacrifícios como a formiga se quisermos ter um futuro. Chegámos ao absurdo de que se pode gastar muito menos para fazer uma viagem de duas horas de avião do que de comboio. Deveria ser o contrário, porque os comboios poluem muito menos. Uma taxa de carbono ajudaria a restabelecer o equilíbrio. Também os navios de cruzeiro poluem de uma forma assustadora, queimando fuelóleo pesado, mais barato, mas muito mau para a poluição devido ao teor muito elevado de enxofre. O consumo também é muito elevado. Um navio de cruzeiro queima em média cerca de dez toneladas de fuelóleo por hora! Numa semana de cruzeiro, considerando pelo menos cem horas de navegação, seriam mil toneladas, ou seja, um milhão de quilogramas! O Imposto do Carbono afectaria cada produto e quando um produto é composto por muitas partes e componentes o preço final aumentaria de acordo com a soma da pegada ecológica negativa dos componentes. Também no sector alimentar, o Imposto do Carbono voltaria a pôr em jogo produtos locais, penalizados pela concorrência global e pelo mercado comum. É absurdo consumir produtos que vêm do outro lado do mundo com um custo muito elevado em termos de emissões de CO2, quando os podemos produzir ou cultivá-los em casa. Outro produto com um elevado impacto ambiental é a água mineral. As garrafas de água mineral emitem a mesma quantidade de CO2 que uma central eléctrica alimentada a carvão de tamanho médio. Como é muito pesado, de pouco valor e de grande consumo diário, temos de o obter nas zonas mais próximas possíveis ou pagar muito mais caro. Isto significa que aqueles que podem e querem gastar mais optando por águas distantes financiarão pelo menos os incentivos para reduzir o CO2. Outra questão muito importante para o clima é o transporte. Admitindo que a energia deve vir de fontes renováveis, caso contrário seria útil apenas para a poluição local mas não para o CO2, daria ainda mais incentivos aos veículos eléctricos a fim de facilitar a sua aquisição e baixar os seus custos com a produção em massa. Actualmente, os carros eléctricos ainda são demasiado caros para a distribuição em massa. Ao mesmo tempo, seria necessário investir na distribuição generalizada dos pontos de carregamento. Deveriam ser reduzidos definitivamente os preços de todos os meios de transporte públicos, que não podem ser deixados nas mãos de particulares, sendo um serviço público. Como é o caso em vários países nórdicos, a bicicleta deve tornar-se um lugar-comum. Deve ser usado todos os dias, para fazer recados e pequenas compras, mas também para ir trabalhar. Se o fizerem no norte da Europa, onde as condições meteorológicas são piores, imaginem se não o pudermos fazer nos países de sol. Assim, incentivos para a compra de bicicletas, ciclovias em todos os lugares onde são realmente necessárias e não apenas para diversão, aplicações para distribuir incentivos de utilização, partilha de bicicletas nas cidades, mesmo as mais pequenas. Mesmo aqueles que caminham devem ser recompensados e incentivados. Existem aplicações para telemóveis com esta função. Os autocarros, eléctricos e táxis devem ser gradualmente substituídos por propulsão eléctrica utilizando metano ou, melhor ainda, hidrogénio. Os caminhos-de-ferro devem ser muito mais utilizados tanto para o transporte de passageiros como de mercadorias, baixando os preços e, para o transporte de mercadorias, criando infra-estruturas intermodais. Os custos incorridos para aumentar a eficiência energética dos edifícios pagam-se a si próprios ao longo do tempo. O maior problema para a maioria das pessoas é que não têm dinheiro suficiente e não podem permitir-se actualizações de eficiência energética. O Estado deveria intervir, não só com benefícios fiscais, mas também com financiamento a juros zero, o que resolveria este problema. A poupança de energia, bem como a redução de emissões, é vantajosa tanto para o cidadão como para o Estado porque, além de poupar dinheiro, limita a dependência de outros países e afecta positivamente a balança comercial. A optimização da eficiência energética do equipamento eléctrico e electrónico deve também ser fortemente encorajada. Substituir as caldeiras antigas que, se tiverem mais de quinze anos, necessitam de grandes quantidades de electricidade para aquecer. Podem ser obtidas poupanças de electricidade até um terço em comparação com caldeiras mais antigas, o que tem um efeito significativo nas contas de electricidade e nas emissões. Substituir as lâmpadas antigas por lâmpadas LED: as lâmpadas de halogéneo e os projectores que temos não são certamente campeões de poupança. As novas lâmpadas LED são muito mais eficientes e reduzem drasticamente o consumo de electricidade. Não só isso, a sua duração média de vida é superior às lâmpadas tradicionais, e para a maioria dos modelos deve atingir dez anos. Sempre que possível, instalar painéis solares térmicos. No sistema tradicional de distribuição de electricidade, mais de 50 por cento da energia é perdida no caminho o que é uma percentagem enorme. A electricidade deve ser produzida localmente, principalmente através da exploração de fontes naturais tais como o sol, o vento e a água. Estas fontes de energia deveriam, portanto, ser mais incentivadas e as fontes poluentes deveriam ser tributadas. Mais uma vez, as receitas da tributação devem ser canalizadas directamente para incentivos às energias renováveis, à investigação e ao financiamento de instalações, especialmente para a energia fotovoltaica até 3 kWp. Os geradores eólicos não são os melhores para a paisagem e também criam alguns pequenos problemas para as aves e o ruído nas proximidades, mas face a uma possível extinção em massa, escolhendo áreas pouco habitadas e paisagens de pouco significado mas ventosas, estes problemas são de importância secundária e dever-se-ia investir fortemente neste tipo de produção de energia renovável. Sempre que possível, a produção de energia de biomassa deve ser estabelecida perto de locais onde existam quantidades de biomassa. O método Beccs (Bio-energia com captura e armazenamento de carbono) deve ser utilizado em grandes áreas agrícolas, mas pouco exploradas ou não cultivadas. Baseia-se no cultivo de plantas capazes de fixar muito carbono e depois utilizá-las como combustível para obter electricidade. Seria um sistema de custo relativamente baixo que poderia remover até cinco mil milhões de toneladas de CO2 do ar por ano. Outra fonte alternativa poderia ser representada pelos biocombustíveis obtidos a partir do processamento de cereais, madeira, gordura ou com a parte não comestível das plantas, que têm a vantagem de reduzir até 90 por cento das emissões de CO2 em comparação com a gasolina e não “matar à fome o mundo” como o bioetanol, que em vez disso provém do processamento de cereais, acusado de desviar quantidades significativas da produção agrícola de milho e outros cereais para a alimentação e, portanto, de ser responsável pelo aumento dos preços dos alimentos nos últimos anos. A recolha diferenciada deve ser alargada a todos os municípios dos países porque cada quilograma de material reciclado poupa dezenas de quilogramas de dióxido de carbono libertado para a atmosfera. Também a percentagem de material recolhido separadamente deve aumentar para todos os municípios e atingir pelo menos 80 por cento. Actualmente, não são muitos os municípios que o conseguem. A recuperação de objectos usados, bem como a reciclagem, para além de reduzir as emissões de CO2, também cria empregos e uma economia ecológica. A fim de reutilizar é necessário educar a população para esta prática e encorajar as associações que lidam com ela. Seria necessário convencer as pessoas, com publicidade direccionada, a comprar menos. Por vezes não nos damos conta de que estamos a comprar objectos do quotidiano que são abandonados no esquecimento ou pior, descartados, quando se trata de comida. A produção de uma camisola de lã tem o mesmo impacto de CO2 que um mês de aquecimento da nossa casa, uma T-shirt é equivalente a dois ou três dias de energia. Se todos comprássemos menos artigos, haveria menos produção e com ela menos CO2 desperdiçado. A utilização de cimento, que tem um impacto significativo nas emissões, bem como a retirada de espaço às áreas verdes que absorvem CO2, deve ser reduzida ao mínimo absoluto, dando prioridade à recuperação e valorização dos edifícios existentes. Temos demasiados edifícios abandonados ou não utilizados que estragam a paisagem. Quando não for possível prescindir dele, deve ser utilizado “betão verde”. A produção de cimento é uma das maiores fontes de emissões de CO2. Assim, a redução da pegada ecológica deste material de construção poderia ser alcançada através da adopção do “betão verde”, que é produzido a partir de resíduos industriais, reduzindo assim a extracção de matérias-primas. A sua fórmula prevê, além disso, a utilização de silicatos de magnésio, capazes de absorver grandes quantidades de CO2 durante as fases de arrefecimento e instalação.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesNovo plano de apoio A 12 de Abril o Governo de Macau lançou as novas normas de apoio ao consumo através do cartão electrónico. As novas medidas baseiam-se no modelo de 2020. Cada residente permanente e não permanente vai ter direito a um total de oito mil patacas: cinco mil de montante inicial e três mil para descontos imediatos. Embora o limite diário continua a ser de 300 patacas diárias, devido à possibilidade dos descontos imediatos, na prática os residentes beneficiam de um valor diário de 400 patacas. Os residentes precisam de se registar junto da Autoridade Monetária para poderem beneficiar deste novo plano. Como das 400 patacas diárias, 75 por cento é retirado do montante inicial e 25 por cento dos descontos imediatos, após as 5.000 patacas do montante inicial terem sido gastas, terão sido consumidas apenas 1.666,66 patacas do valor alocado aos descontados imediatos. Desta forma vão sobrar 1.333,33 patacas da verba respeitante a esta última alínea. Como é que se vai gerir o montante remanescente? De forma simples, recarregando o cartão com mais 4.000 patacas referentes ao montante inicial, de forma a poder usar o que sobrou em descontos imediatos. Estas 4.000 patacas não vão estar sujeitas a um limite diário. Assumindo que todos os residentes irão receber as 4.000 patacas adicionais, somando às primeiras 8.000 (5.000 em montante inicial e 3.000 em descontos imediatos), o mercado irá absorver 12.000 patacas por cada residente. Num universo de 735.800 residentes, o mercado vai ser injectado, devido a estes apoios, com o montante de 8.829 biliões. As PMEs e os residentes são os beneficiários deste novo plano. Para o comércio que se dedica à venda de artigos mais caros, como joalharias e lojas de electrodomésticos, estas medidas não farão grande diferença. Mais de 90 por cento das empresas de Macau são PME´s, e 40 por cento dos trabalhadores da cidade labora nestas empresas e é provável que venha a usufruir deste novo plano. Depois destas novas medidas terem sido anunciadas, os comerciantes começaram a pensar na melhor forma de rentabilizarem o apoio. Alguns restaurantes criaram o “menú de 400 patacas”. Algumas lojas estipularam alternativas de acordo com o novo plano e estão dispostas a fazer mais descontos. A margem de lucro diminui, mas as vendas aumentam. Esta abordagem demonstra às pessoas que os preços não estão a aumentar devido aos apoios, e que se pode facultar aos consumidores mais bens e serviços, facilitando, ao mesmo tempo, o equilíbrio entre os lucros e os gastos. Independentemente da opinião de cada um, sempre que repararmos que uma loja aumenta os preços, devemos reportar a quem de direito para garantir que todas estão a negociar de forma razoável. O Governo também deverá levar a cabo inspecções a título preventivo. Este novo plano recebeu boas críticas por várias razões. Em primeiro lugar, porque, embora tenha uma parcela de fundos iniciais e outra de descontos imediatos, funciona automaticamente e não requer cálculos, ao contrário do plano antigo que implicava uma série deles. Em segundo lugar, o novo plano é semelhante ao de 2020, e por isso é de mais fácil compreensão. Além disso, as instituições financeiras de Macau continuam a oferecer descontos nos pagamentos electrónicos. Estes descontos podem ser adicionados aos que são facultados pelo plano de apoio e os residentes podem usufruir de mais benefícios. Em terceiro lugar, para os idosos a nova modalidade é muito mais fácil de usar. Os cartões de consumo são práticos e menos sujeitos a erros. Os mais idosos preferem-nos. Por último, o montante inicial permite que as pessoas tenham um acréscimo de dinheiro para as suas despesas. Pelo método antigo, as pessoas tinham tantos mais descontos quanto mais consumissem, o problema era que quem não tinha dinheiro para compras também não podia beneficiar dos descontos. Este era o principal motivo das críticas ao plano anterior. Está ainda em estudo se os trabalhadores não residentes e os estudantes estrangeiros, podem vir a beneficiar dos descontos em cartão. Além disso, actividades como os transportes, não estão incluídas no novo plano. Existe ainda lugar para a optimização destas medidas. Afectadas pela pandemia, as receitas fiscais do Governo caíram a pique. A capacidade de equilibrar as receitas e as despesas num período de déficit vai pôr o Executivo à prova. Antes de Macau conseguir recuperar a sua economia, estes planos de apoio terão de continuar a existir para estabilizar o emprego e ajudar a manter as empresas. A alteração do plano a que agora assistimos, resultou da capacidade do Governo de escutar as opiniões da população. É um bom princípio que se deve conservar para continuar a melhorar o plano de futuro. De momento, o Governo deve apostar na melhoria de uma rede Wi-Fi para servir a população de Macau. Os residentes também devem permanecer na cidade e consumir tanto quanto possível. Se consumirmos localmente, sairemos da recessão económica mais rapidamente. Outra questão; os subsídios para a electricidade e a água estão a chegar ao fim. Este tipo de subsídios é muito importante para as famílias mais pobres. Será que o Governo vai continuar a subsidiar os gastos de água e electricidade? Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola Superior de Ciências de Gestão/ Instituto Politécnico de Macau Blog:http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
Paul Chan Wai Chi Um Grito no Deserto VozesOs guardiões da informação Quando um assaltante se aproxima de um transeunte com uma faca, se não houver agentes à vista, o que fazer? Devemos chamar a polícia, fugir, gritar alto e bom som ou resistir? Se nada for feito, em breve haverá outra vítima. O que aconteceu recentemente com os jornalistas portugueses da Teledifusão de Macau (TDM) fez soar o alarme junto dos seus conterrâneos e colegas de profissão. Se as pessoas ignorarem os acontecimentos e não expressarem as suas opiniões, os comportamentos anormais passam a ser a regra. O que acontece na sociedade requer a atenção e a participação de todos, porque a indiferença é muitas vezes a causa de tragédias sociais. A Peking University Press publicou a versão chinesa do livro “Elementos do Jornalismo”, uma obra sobre jornalismo e comunicação. O livro salienta que “o principal propósito do jornalismo é fornecer aos cidadãos a informação de que precisam para ser livres e autónomos”, e não espalhar e promover o patriotismo, porque a promoção do patriotismo é tarefa do departamento de propaganda. O livro assinala dez princípios do jornalismo, sendo o primeiro: “fidelidade à verdade” e “fidelidade aos cidadãos”, porque a verdade é mais importante do que a mentira, e porque a lealdade ao povo pode ajudar a criar uma boa gestão governamental. Falar sobre tudo é correcto, mas apoiar todas as medidas tem o mesmo efeito que retirar os travões e a buzina do carro, o que seria desastroso para os outros condutores e para os peões. Quer o Governo da RAEM quer a TDM emitiram comunicados a propósito da demissão dos jornalistas portugueses, onde mencionavam o Artigo 28 da Lei Básica de Macau, e salientavam os direitos e deveres fundamentais dos residentes da RAEM. E agora, quem é que vai ter a última palavra sobre liberdade de imprensa, o Governo da RAEM, os responsáveis pelos orgãos de comunicação social ou o chefe que actua nos bastidores? Não é líquido que venha a ser o mais forte a ditar as regras. Tudo neste mundo deve ter por base a razão. Estou em crer que os vários jornalistas portugueses que se demitiram da TDM não seriam novatos no ofício. Se assim não fosse, a TDM não teria escolhido funcionários séniores para os substituir. Os seus conhecimentos dos Estatutos da TDM não deveriam ser menores do que os de qualquer membro da nova Comissão Executiva da TDM. O problema pode ter sido uma questão de interpretação do papel que lhes foi destinado e dos propósitos a atingir. Num jogo de futebol, o tamanho e a localização da baliza são sempre os mesmos. Se estas variáveis mudassem, os jogadores não iam aguentar. Houve um experiente jornalista de Macau que escrevia bons artigos, mas que via muitas vezes as partes mais relevantes das suas peças cortadas pelo editor. As muitas pessoas que o liam acreditavam que tudo corria pelo melhor, mas os artigos perdiam autenticidade e deixavam de ser leais para com os cidadãos. Para repôr a verdade, o jornalista postou as partes censuradas no seu Facebook. Desta forma, não transgredia as normas do seu local de trabalho, mas permitia que as pessoas pudessem ler os artigos na integra. De facto, enquanto há vida há esperança. Quem são os guardiões do jornalismo? Será um Governo competente, que sabe que os orgãos de comunicação social são a melhor forma de monitorizar o desempenho dos Executivos? Será alguém que dirige uma agência noticiosa, que sabe como respeitar a liberdade de imprensa, ao invés de louvar sistematicamente quem detém o poder? Serão os jornalistas que trabalham no terreno e que acima de tudo honram a sua profissão? Ou serão os cidadãos que acreditam que dos jornalistas se espera um determinado número de direitos e de deveres? Quando um assaltante esfaqueia um transeunte, como é que é possível que as testemunhas se deixem ficar quietas e assistam em silêncio ao crime?
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesO aquecimento global não é ficção científica “It is worse, much worse, than you think. If your anxiety about global warming is dominated by fears of sea-level rise, you are barely scratching the surface of what terrors are possible.” David Wallace-Wells The Uninhabitable Earth: Life After Warming A Carta da Terra é um dos documentos fundamentais no combate ao aquecimento global. A Carta da Terra é o produto de uma década de diálogo global e transcultural sobre objectivos e valores comuns. O projecto da Carta da Terra começou no quadro das Nações Unidas, mas foi continuado e complementado por uma iniciativa da sociedade civil. A Carta da Terra foi finalizada e depois lançada como uma “Carta” em 2000 pela Comissão da Carta da Terra, um organismo internacional independente. A elaboração da Carta da Terra envolveu o processo mais participativo alguma vez associado à criação de uma declaração internacional. Este processo é o principal recurso para a sua legitimidade como um quadro ético central. A legitimidade do documento foi ainda mais reforçada pelo apoio de mais de quatro mil e oitocentas organizações, que incluem muitos governos e organismos internacionais. A Carta da Terra é uma declaração de princípios éticos fundamentais para a construção de uma sociedade global justa, sustentável e pacífica no século XXI. A Carta visa inspirar em todos os povos um novo sentido de interdependência global e de responsabilidade partilhada para o bem-estar de toda a família humana, da grande comunidade da vida e das gerações futuras. A Carta é uma visão de esperança e um apelo à acção. A Carta da Terra preocupa-se principalmente com a transição para formas sustentáveis de vida e desenvolvimento humano sustentável. A Carta reconhece que os objectivos de protecção ecológica, erradicação da pobreza, desenvolvimento económico equitativo, respeito pelos direitos humanos, democracia e paz são interdependentes e indivisíveis. Consequentemente, o documento fornece um ponto de referência integral e abrangente para orientar a transição para um futuro sustentável. O preâmbulo é muito claro e sucinto ao afirmar que estamos num ponto de viragem crítico na história do planeta, numa altura em que a humanidade deve escolher o seu futuro. À medida que o mundo se torna cada vez mais interdependente e frágil, o futuro comporta tanto grandes perigos como grandes oportunidades. Para avançarmos, devemos reconhecer que, no meio de uma tão magnífica diversidade de culturas e formas de vida, somos uma família humana e uma comunidade terrestre com um destino comum. Devemos unir-nos para construir uma sociedade global sustentável baseada no respeito pela natureza, direitos humanos universais, justiça económica e uma cultura de paz. Para tal, é imperativo que nós, os povos da Terra, declaremos a nossa responsabilidade uns para com os outros, para com a grande comunidade da vida, e para com as gerações futuras. A humanidade é parte de um grande universo em evolução. A Terra, a nossa casa, está viva e é o lar de uma comunidade viva única. As forças da natureza fazem da existência uma aventura desafiante e incerta, mas a Terra proporcionou as condições essenciais para a evolução da vida. A resiliência da comunidade de seres vivos e o bem-estar da humanidade dependem da preservação da saúde da biosfera, com todos os seus sistemas ecológicos, rica diversidade vegetal e animal, solo fértil, e ar e água limpos. O ambiente global, com os seus recursos finitos, é uma preocupação comum de todos os povos. Proteger a vitalidade, diversidade e beleza da Terra é um compromisso sagrado. A situação global mostra que os sistemas dominantes de produção e consumo estão a causar devastação ambiental, esgotamento de recursos e extinção maciça de espécies vivas. Comunidades inteiras estão a ser destruídas. Os benefícios do desenvolvimento não estão equitativamente distribuídos e o fosso entre ricos e pobres está a aumentar. A injustiça, a pobreza, a ignorância e os conflitos violentos são generalizados e causam grande sofrimento. O aumento sem precedentes da população humana tem sobrecarregado os sistemas ecológicos e sociais. Os próprios alicerces da segurança global estão ameaçados. Estas tendências são perigosas, mas não inevitáveis. Os desafios futuros tem por base a nossa escolha, pois ou criamos uma aliança global para proteger a Terra e cuidar uns dos outros, ou corremos o risco de destruição, a nossa e a da diversidade da vida. Precisamos de mudanças radicais nos nossos valores, instituições e estilos de vida. Temos de perceber que, uma vez satisfeitas as necessidades básicas, o desenvolvimento humano tem sobretudo a ver com ser mais, não ter mais. Temos o conhecimento e a tecnologia para proporcionar a todos, e para reduzir o nosso impacto sobre o ambiente. A emergência de uma sociedade civil global está a criar novas oportunidades para a construção de um mundo humano e democrático. Os nossos desafios ambientais, económicos, políticos, sociais e espirituais estão interligados, e juntos podemos forjar soluções que os abranjam a todos. Deve existir uma responsabilidade universal para alcançar estas aspirações, temos de resolver viver com um sentido de responsabilidade universal, mais em era de COVID-19, identificando-nos com toda a comunidade terrestre, bem como com as nossas comunidades locais. Somos, ao mesmo tempo, cidadãos de diferentes países e de um único mundo, no qual as dimensões locais e globais estão ligadas. Cada um de nós tem a nossa quota-parte de responsabilidade pelo bem-estar presente e futuro da família humana e do mundo maior dos seres vivos. O espírito de solidariedade e parentesco humano com todas as formas de vida é reforçado quando vivemos com um profundo respeito pelo mistério do ser, com gratidão pelo dom da vida, e com humildade sobre o lugar dos seres humanos na natureza. Precisamos urgentemente de uma visão partilhada de valores fundamentais que proporcionem uma base ética para a comunidade mundial emergente. Portanto, unidos na esperança, os princípios interdependentes são fundamentais para um modo de vida sustentável como padrão comum pelo qual a conduta de todos os indivíduos, organizações, empresas, governos e instituições transnacionais deve ser orientada e avaliada. Como nunca antes na história, o nosso destino comum obriga-nos a procurar um novo começo. Esta renovação é a promessa dos princípios da Carta da Terra. Para cumprir esta promessa, devemos comprometer-nos a adoptar e promover os valores e objectivos da Carta. Isto requer uma transformação do coração e da mente, um sentido renovado de interdependência global e de responsabilidade universal. Devemos desenvolver e aplicar imaginativamente a visão de um modo de vida sustentável a nível local, regional, nacional e global. A nossa diversidade cultural é um património precioso e diferentes culturas encontrarão caminhos específicos e diferentes para realizar esta visão. Precisamos de aprofundar e alargar o diálogo global que gerou a Carta da Terra, porque temos muito a aprender com o trabalho conjunto numa busca comum de verdade e sabedoria. A vida envolve frequentemente tensões entre valores importantes. Tal pode significar escolhas difíceis. Contudo, devemos encontrar formas de harmonizar a diversidade com a unidade, o exercício da liberdade com o bem comum, objectivos a curto prazo com objectivos a longo prazo. Cada indivíduo, família, organização e comunidade tem um papel vital a desempenhar. As artes, ciências, religiões, instituições educacionais, meios de comunicação, empresas, organizações não-governamentais e governos são todos chamados a fornecer uma liderança criativa. A acção conjunta do governo, da sociedade civil e das empresas é essencial para uma governação eficaz. A fim de construir uma comunidade global sustentável, os Estados do mundo devem renovar o seu compromisso com a ONU, cumprir as suas obrigações ao abrigo dos acordos internacionais existentes, e apoiar a implementação dos princípios da Carta da Terra com instrumentos internacionalmente vinculativos em matéria de ambiente e desenvolvimento. Que a nossa era seja recordada pelo despertar de uma nova reverência pela vida, pela determinação em alcançar a sustentabilidade, pela aceleração da luta pela justiça e pela paz, e pela celebração alegre da vida. Esta “lista de fazer” é uma lista não exaustiva das coisas mais urgentes e importantes que se devem fazer para combater as alterações climáticas, se estivesse na pele de um decisor político. Nem todas podem ser implementadas, ou em qualquer caso para algumas delas teremos de fazer compromissos, ou teremos de diluí-las com o tempo, mas temos de agir em todas as frentes e a nível global se quisermos realmente reduzir o efeito de estufa. Estamos num camião carregado ao máximo numa estrada de montanha e estamos perante uma descida que está a tornar-se cada vez mais íngreme. Se não travarmos imediata e decisivamente, a velocidade irá aumentar a cada segundo. A dada altura, será tal que não seremos capazes de a impedir. Os travões podem sobreaquecer e parar de funcionar. Iremos para o abismo na primeira esquina. Em primeiro lugar, uma vez que já estão em vigor e foram longamente discutidos, devem ser tomadas todas as medidas possíveis a nível internacional para assegurar que os acordos sobre alterações climáticas celebrados sejam efectivamente implementados por todos os Estados, introduzindo sanções severas para aqueles que não o fizerem. Os Estados que se retiram dos acordos também devem ser penalizados. Devemos esforçar-nos por conseguir que o maior número possível de Estados adopte as medidas estabelecidas, o que tornaria muito mais fácil alcançar os objectivos do Acordo Climático de Paris. Só conseguiremos combater eficazmente o aquecimento global, é porque todos os Estados fizerem o seu melhor. Como diz o famoso ditado, uma andorinha não faz a primavera. A pecuária intensiva, devido à libertação tanto de metano como de CO2 e à desflorestação que serve para criar áreas adicionais de cultivo para o sustento dos animais de criação, contribui significativamente para o efeito de estufa. A redução do consumo de carne e consequentemente a agricultura intensiva pode ser feita imediatamente e não tem custos intrínsecos. O único custo seria o de apoiar os trabalhadores e empresas da indústria da carne na transição de uma agricultura intensiva para um tipo de agricultura que tenha menos impacto no ambiente. A transição deve ser gradual, de modo a não penalizar demasiado o sector. Começaria por aplicar a taxa de carbono. O preço da carne subiria, reduzindo assim a procura. Ao mesmo tempo, a fim de sensibilizar os cidadãos, publicar-se-iam anúncios governamentais em todos os meios de comunicação social para reduzir o consumo, tanto para proteger o ambiente como a nossa saúde. Para além dos anúncios, introduziriam emissões em horário nobre nas redes mais populares com debates e conferências sobre o tema com especialistas que não estão envolvidos com os lobbies industriais. Nas escolas, seria introduzida a Educação Alimentar e Ambiental como disciplina didáctica. Haveria uma grande necessidade, não só de educar os jovens para uma dieta saudável, dada a tendência significativa de aumento do número de pessoas obesas e doenças relacionadas, mas também de instilar nas suas mentes a não descartar qualquer tipo de desperdício, como infelizmente muitos fazem. (continua)
Tânia dos Santos Sexanálise VozesSofagate: o Jogo das cadeiras diplomático O mais recente “Sofagate” revelou algumas dinâmicas da política e do género no panorama internacional. Quando os líderes da Europa foram visitar o Presidente da Turquia confrontaram-se com um protocolo que se tornou viral nas redes sociais. O presidente não pareceu ter cadeiras suficientes para o número de convidados. Os homens prontamente sentaram-se nas cadeiras, a única mulher ficou em pé, de braços a questionar, “hmm”? O gesto disse tudo. O desconforto poderá ter sido espoletado pela crescente tensão entre a Europa e a Turquia. Alguns discordam desta visão tão simplista. Há quem ache que tenha sido um gesto propositado de desrespeito contra uma mulher no poder. Não é fácil identificar a raiz do problema, o que é certo é que a esfera pública ruminou sobre o assunto. A recente retirada da Turquia da Convenção de Istambul pode ser sintomática desta re-definição de valores e prioridades. A Convenção de Istambul foi redigida e assinada por vários países em 2012 para garantir que a violência contra as mulheres é legalmente penalizada. Mas a Turquia, uma das primeiras a assinar, saiu da convenção em 2021. A razão apresentada foi da linguagem inclusiva que normaliza os casais do mesmo sexo como protegidos pelos mesmos direitos. A preocupação com um possível “atentado contra os valores tradicionais” foi a justificação dada pelo governo Turco para sair do acordo que garantia os direitos das mulheres que lá vivem. Entretanto, coincidência, ou não, as mulheres na Turquia andam a morrer todos os dias, vítimas de violência dos seus namorados e ex-namorados. Um problema que parece não ter a atenção que precisa- Um movimento nas redes sociais – que esteve muito em voga há uns tempos – motivava as mulheres a fotografarem as suas fotos a preto e branco. Da mesma forma como as fotografias das mulheres que desapareceram aparecem nos jornais da Turquia, todos os dias. Depois acontecem estes incidentes diplomáticos que nos deixam com a pulga atrás da orelha. Será que foi uma coincidência e falta de organização muito tristes? Ou será que foi uma demonstração flagrante do quanto se está a retroceder na proteção de direitos humanos? Houve ali outras dinâmicas interessantes. A culpa pode não ser só da Turquia que só tinha duas cadeiras disponíveis para três pessoas. Os olhos ficaram postos no outro homem, o presidente do Conselho Europeu, que se sentou na única cadeira disponível num ápice. Se calhar achou que estavam a brincar ao jogo das cadeiras, onde o triunfo é dos mais rápidos que conseguem um assento. Diz o presidente do Conselho Europeu que agora não dorme com remorsos, já que ninguém tem poupado críticas à sua inacção. A posteriori percebeu a sua falta de sensibilidade. No momento, pareceu completamente a leste dos assuntos que importam verdadeiramente: o de não apoiar, de forma nenhuma, uma diplomacia potencialmente sexista. A preocupação da Turquia estagnar o desenvolvimento de direitos humanos básicos, é real e preocupante. Por isso é que os olhos estão postos neles: os media e as redes sociais têm estado atentos às injustiças que se têm normalizado naquele país. Mas uma outra lição importante nestas questões de género é que é preciso entender as pessoas como agentes activos. Importante também é responsabilizar todos os que estão à volta para a forma como, inadvertidamente, podem estar a contribuir para um sistema medieval de desigualdade de género, em prol de protocolos ou conformismos desnecessários. A tendência de apontar dedos a culpados e de simplificar o que é complexo, deixa por analisar a forma como até aqueles que se dizem pelos valores humanos, ainda assim, não promovem a solidariedade necessária para que situações destas deixem de existir. Só assim é que se deixa a parvoíce de um jogo de cadeiras.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesHoras extraordinárias Macau foi afectado pela epidemia do novo coronavírus e, com muito menos turistas, a economia tem-se ressentido bastante. As pessoas podem considerar-se felizes quando têm trabalho. Mas também há quem faça horas extraordinárias. Este trabalho suplementar deve ser compensado com dinheiro ou com dias de descanso? No passado dia 8, a Assembleia Legislativa de Macau debateu a “Alteração à Lei do Orçamento para 2020”, tendo sido analisadas questões relevantes. Entre elas, a compensação das horas extraordinárias realizadas pelos trabalhadores do Parlamento. Entre Janeiro e Maio de 2020, os funcionários da Assembleia foram pagos pelas horas extraordinárias. Devido às restrições trazidas pela pandemia estes pagamentos foram suspensos depois do mês de Maio. Mas em Novembro a situação voltou a alterar-se. As horas extraordinárias voltaram a ser pagas. Para além disso, devido ao excedente orçamental, os funcionários podem escolher entre receber essas horas em dinheiro ou em tempo de descanso. Actualmente, as directrizes encorajam os funcionários a realizarem o seu trabalho no horário normal, de forma a fazerem o menor número de horas extraordinárias possível. Entre os deputados as opiniões dividem-se quanto à forma de compensar as horas extraordinárias. Deverão ser pagas em dinheiro ou em tempo de descanso? Muitos acreditam que só a compensação financeira é motivadora. Estes deputados defendem que o controlo orçamental não deve afectar os trabalhadores. A carga de trabalho na Assembleia Legislativa é cada vez maior. Como o quadro de pessoal não é alargado, os funcionários precisam de trabalhar mais horas. Sem compensação monetária a motivação diminui. Na sessão de dia 8, chegou-se à conclusão que a Assembleia compreende a aspiração dos trabalhadores de verem pagas as horas que trabalham a mais, e que serão feitos os possíveis para a satisfazer se houver excedente orçamental. Devido a esta epidemia que já grassa há mais de um ano, muitas pessoas perderam o trabalho e outros viram o seu horário de trabalho reduzido. Se houver redução de horário vai haver redução de salário. As concentrações de trabalhadores afectados pela pandemia à porta da Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais reflectem o impacto desta situação. Hoje em dia não é fácil ter um trabalho estável. As horas extraordinárias permitem que os trabalhadores tenham um pagamento suplementar. Não só aumentam o rendimento, como aumentam a sensação de segurança. Claro que há sempre pessoas que não querem fazer horas extraordinárias. Evitar contactos directos é uma forma de reduzir a possibilidade de ser infectado. Ir para casa após o período normal de trabalho desfrutar do ambiente familiar, é uma boa forma de vida. Como parte do Governo da RAEM, as conclusões da Assembleia Legislativa reflectem a vontade de vir a pagar aos seus funcionários as horas que trabalharem para além do horário normal. A carga de trabalho no Parlamento tem vindo a aumentar. Sob as actuais directrizes governamentais, é natural que o quadro de pessoal não tenha sido alargado, mas é inevitável que venham a ser pagas as horas extraordinárias efectuadas pelos trabalhadores. As compensações pagas pelo empregador pelo trabalho dos funcionários são um reflexo do cumprimento de um dever. Os trabalhadores estão dispostos a fazer horas extraordinárias, desde que devidamente compensados, e o empregador compreende a necessidade de os compensar. Os dois lados compreendem-se entre si, o que é verdadeiramente raro. Para já, não vai ser fácil recuperar a economia de Macau. O desemprego e os cortes salariais vão continuar por algum tempo. A decisão da Assembleia Legislativa foi boa para os seus funcionários, mas também foi um exemplo para a sociedade de Macau. Esperemos que, à semelhança da Assembleia Legislativa, outros empregadores possam compensar financeiramente os funcionários que trabalham horas a mais. Desta forma, todos saem a ganhar. Quando a epidemia acabar, as condições sociais vão melhorar, a economia vai recuperar e haverá mais emprego. Esperamos que o futuro nos traga dias melhores. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola Superior de Ciências de Gestão/ Instituto Politécnico de Macau Blog:http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
André Namora Ai Portugal VozesA Justiça tem de ser branca Os juízes vestem de preto, os advogados aparecem de toga preta, os procuradores estão de preto e até os escrivães estão em tribunal com uma capa preta nos ombros. Todos têm de passar a vestir de branco, que é a cor do luto chinês. Portugal assistiu ao caso mais triste da história da Justiça na democracia que já tem 40 anos: a actividade de José Sócrates. Como agente técnico iniciou-se na Covilhã a levar projectos à Câmara Municipal, cujas obras ainda hoje são uma vergonha. Assistimos a uma esponja gigante nas mãos de um juiz chamado Ivo Rosa que arrasou e desvirtuou todas as acusações contra o ex-primeiro-ministro. Todos os portugueses sabem que vão pagar por mais de 30 anos as Parcerias Públicas e Privadas (PPP) que José Sócrates aprovou. Como é possível termos uma justiça em que um juiz de uma incompetência a toda a prova arroga-se ao desplante de brincar com o trabalho de dezenas de funcionários do Ministério Público? Afinal, para que serve o Ministério Público? Todos os portugueses viram o que aconteceu entre Sócrates e o seu amigo Carlos Santos Silva e o juiz veio dizer que não houve nenhuma corrupção, aliás, afirmou que num caso Sócrates tinha sido corrompido mas que esse caso já prescreveu. Eram férias no luxo, eram casas luxuosas no centro de Lisboa, eram financiamentos para amantes, era dinheiro para a compra de um palacete em Paris, era dinheiro para um monte no Alentejo para a ex-mulher, eram as viagens à Venezuela onde Sócrates e Hugo Chávez tornaram-se íntimos sob a batuta da empresa Lena que iria construir um porto e milhares de habitações, eram os encontros com Lula da Silva e vimos o que aconteceu com a Vivo/Oi, eram as ligações a Ricardo Salgado, era a escandalosa versão que tivemos da Portugal Telecom com a união a Henrique Granadeiro e a Zeinal Bava, era a TVI que tinha de ser comprada para ficar ao seu serviço ou colocar a Manuela Moura Guedes na rua e todos os jornalistas críticos da actuação de um primeiro-ministro que autorizou que o criminoso Kadhafi montasse uma tenda de campismo gigante no interior do Forte histórico de São Julião da Barra, era o servilismo do Grupo Global que tinha o Diário Notícias, a TSF e outras publicações que sob a batuta de um criado de Sócrates apresentava uma informação simplesmente defensiva do chefe do Executivo, era a criação pela empresa Lena do diário “i” apenas para defender a política socratina, era a Octafarma que era a única a fornecer o sangue ao Estado e que depois até deu emprego ao ex-primeiro-ministro, eram os depósitos de milhões na Suíça, em Macau e em várias offshores. Assistimos a um juiz a afirmar que é algo de normal um amigo emprestar dinheiro. Aeroporto novo, TGV, terceira ponte sobre o rio Tejo em Lisboa, milhões de euros que saíram da Caixa Geral de Depósitos para Vale de Lobo eram imitações do Freeport e Face Oculta, mas não, estamos todos enganados. José Sócrates é seriíssimo, nunca entrou em cambalacho nenhum, nunca mandou construir uma autoestrada desnecessária. Nunca deu ordens ao seu condutor privado para levar ou ir buscar envelopes cheios de dinheiro. Tudo mentira, tudo não passa de uma falsidade do Ministério Público, nunca houve corrupção no reinado de Sócrates. O juiz Ivo Rosa para não ser alvo de um processo disciplinar por incompetência, lá decidiu que Sócrates terá de ser julgado por branqueamento de capitais e falsificação de documento. Coisa pouca, para um santinho que até uma das amantes vinha todos os meses da Suíça buscar dinheiro a Lisboa, porque o amigo Carlos Silva é que suportava. Ah grande juiz, não sabemos o que lhe irá acontecer depois de o Ministério Público requerer para o Tribunal da Relação, onde, felizmente, ainda estão juízes muito sérios e competentes. A opinião pública portuguesa ficou atónita. Perguntou-se para que serviram sete anos de investigação de centenas de casos, milhares de escutas telefónicas, para no fim um juiz debitar durante quatro horas tudo o contrário do que o Ministério Público andou a elaborar. E a procuradora-geral da República o que dirá de uma cena destas tão triste? Foi evidente ao longo de todo o discurso do juiz Ivo Rosa que ele quis prestar contas contra o colega Carlos Alexandre e contra o Ministério Público. O juiz Ivo Rosa chegou ao ponto de dizer que havia muito, mesmo muito dinheiro à disposição de Sócrates e acabou por arquivar qualquer acusação de corrupção. Com este Marquês-Sócrates o povo perdeu ainda mais a confiança na Justiça. O pobre continuará a dizer que a justiça é só para si, que os ricos nunca serão incriminados. A vergonha maior foi termos assistido que existiu uma manobra por parte da defesa dos arguidos para conseguirem chegar à prescrição dos crimes indicados. Na semana passada informámos em primeira mão que o actual primeiro-ministro António Costa poderá ser candidato a Presidente da República. Pois, que pense bem em tudo conseguir para ser eleito, porque José Sócrates nunca será condenado e apenas sonha em chegar ao cargo de Chefe de Estado. É que em Portugal até os porcos voam… Na Justiça não pode haver estados de alma, não pode haver vinganças por parte dos magistrados intervenientes. Isto é muito feio e, por isso, a Justiça tem de deixar de ser preta, mas sim pintada de branco, como o luto chinês. *Texto escrito com a antiga grafia
João Romão VozesTurismo responsável Reabrem os nossos universos às possibilidades do convívio quando passou já mais de um ano sobre a chegada à Europa do vírus que havia de impor sobre os quotidianos e as economias restrições e transformações sem precedentes nas nossas existências. O calor, entretanto, começa a apertar, aproxima-se o estio e as vontades de ar livre e beira-mar, antecipam-se possibilidades de regresso aos prazeres de longos dias de sol na praia e outros espaços ao ar livre ou de longas noites de diversão ao fresco, exploram-se oportunidades para a reanimação das indústrias do lazer e do entretenimento, que a pandemia deixou francamente atordoadas ou definitivamente aniquiladas, conforme os casos. Com inequívoca clareza, a indústria do turismo na Europa demonstrou no ano passado a sua capacidade de persuasão: com o inestimável apoio de diversas instituições internacionais e de reputados especialistas dos universos político, empresarial e académico, entre sistemáticos apelos a práticas renovadas de “turismo responsável”, as fronteiras internacionais abriram-se à circulação de turistas ávidos de prazeres estivais para gáudio ainda maior de empresários e trabalhadores dos sectores relacionados, a viver em crise permanente desde que o covid-19 se instalou entre nós. Não são só os empresários e trabalhadores do turismo dos países mais dependentes de formas sazonais de ultra-exploração de recursos territoriais: na realidade, as maiores empresas do planeta a operar em actividades directamente relacionadas com o turismo têm origem nos países mais desenvolvidos do mundo: é alemão o maior operador turístico do planeta, com a sua poderosa frota de aviões e milhares de hotéis a operar com marcas diferentes para diferentes tipos de clientes; são norte-americanas as maiores cadeias de hotéis, com a breve intromissão de um grupo francês entre os cinco maiores do mundo; são também norte-americanas as maiores empresas de aviação, ainda que nas entre as cinco maiores se encontrem também uma alemã e uma franco-holandesa; têm a sua base nos Estados Unidos quatro das cinco maiores empresas relacionadas com prestação de serviços turísticos, com a exceção a registar-se na Holanda. É bom também lembrar que não foi o poder das economias do sul da Europa nem o decorrente peso político a determinar essa apressada reabertura de fronteiras ao turismo internacional: foi também (ou sobretudo) a importância do sector para essas grandes empresas das economias mais ricas, que não deixaram de promover – com intensas diplomacias e acelerados compromissos governamentais – a tal abertura “responsável” do turismo. Hoje sabemos com clareza que o turismo internacional foi, de facto, “responsável”: na realidade, foi directamente responsável pela tragédia que se seguiu ao verão, com o nível de propagação do vírus a atingir níveis incomparáveis com os que se tinham registado no início da pandemia – e que já eram suficientemente trágicos – para se concretizar uma das maiores mortandades jamais registadas na Europa em tempo de paz. Essa responsabilidade do turismo na propagação da epidemia começa agora a ser devidamente comprovada em circuitos científicos. Em artigo recentemente publicado numa das mais prestigiadas revistas académicas da área do turismo (Journal of Travel Reserach), um grupo de investigadores de diferentes países identifica, em breve mas clarividente e rigoroso artigo, a relação de causalidade entre a intensidade do turismo praticado (quer em termos de saída, quer em termos de entrada de turistas) e a propagação da epidemia de covid-19 (quer em termos do número de casos de infecções, quer do número de mortes). Analisando mais de 90 países, o modelo estatístico utilizado detecta a relação directa entre a actividade turística, o número de pessoas infectadas e as mortes por covid-19 registadas em cada país. Naturalmente, o estudo considera ainda a possibilidade de outras variáveis contribuírem para explicar os problemas em questão (número de infecções e mortes por covid-19 em cada país) mas são raras aquelas para as quais se detecta uma causalidade que se possa considerar estatisticamente válida (ou significante, na gíria técnica). Por exemplo, a idade da população e os meios à disposição nos serviços de saúde (medidos em termos de número enfermeiros ou de camas disponíveis em hospitais) não têm qualquer relação estatisticamente verificável com o número de infeções detectado. No entanto, o número de camas disponíveis em hospitais é identificado como uma causa relevante para a diminuição do número de mortes. Mais interessante é a observação sobre o dinheiro gasto directamente pelas pessoas em despesas de saúde (despesas não cobertas por esquemas de seguro, público ou privado). Neste caso, o estudo identifica relações positivas, quer com a propagação da doença, quer com o número de óbitos: quanto mais as pessoas têm que cobrir despesas médicas do seu próprio bolso, mais fácil a difusão da pandemia – e a consequente mortalidade. Mais do que a estrutura etária da população ou os recursos disponíveis nos serviços de saúde, o carácter privado dos custos a suportar com os tratamentos é que aparece como determinante na propagação da doença. Em todo o caso, o turismo internacional revela-se como a causalidade mais determinante – e é também o aspecto sobre o qual se podem tomar medidas com impacto mais imediato. Há outro Verão que se aproxima e com ele as apetências dos prazeres estivais, da recuperação dos negócios e das oportunidades de emprego. Uma nova esperança para quem vive do turismo, sejam os trabalhadores precários e sazonais, os pequenos empresários locais ou as grandes empresas transnacionais. Todos voltarão a pressionar para que que o turismo internacional reabra de forma “responsável”. Mas, como se tem visto na Ásia, a única solução “responsável” é o encerramento ao tráfego internacional. Por mais uns tempos, o turismo doméstico, mais passível de ser identificado e tratado por sistemas de saúde de carácter nacional em caso de propagação de infecções, é a única solução “responsável” (ainda que modesta) para a actividade turística.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesDescansar pelo sexo Esta reflexão sobre o descanso será tão humana como sexual. O descanso é necessário para tudo. Desde a saúde emocional e física, até à disponibilidade para ter uma noite (ou manhã) prazerosa de sexo. A vida mundana depende das oito horas diárias que passamos no mundo dos sonhos e de todos os momentos em que deixamos o nosso corpo relaxar. Não há nada de particularmente inovador sobre este assunto, só que é frequentemente esquecido em prol de uma expectativa de produtividade a roçar o absurdo. O descanso não é gritado como prioridade, o descanso é frequentemente confundido com preguiça. Muitos irão discordar com este pedido de re-definição. Vivemos em sociedades onde são vangloriados aqueles que conseguem fazer directas e funcionar na perfeição ainda que em privação de sono. Mas para o nosso organismo funcionar correctamente, em todos os domínios, até no sexo, são necessários momentos de descanso eficaz. Chamem-lhe neoliberalismo, capitalismo desenfreado, ou o que quer que seja. Num mundo onde somos avaliados pela capacidade de produzir e pela nossa contribuição para a sociedade, não admira que o descanso seja entendido como supérfluo. A investigação já andou de volta desse assunto e assim o confirma. As pessoas que, num laboratório, tinham que completar tarefas cognitivamente exigentes, obtinham melhores resultados quando, entre tarefas, eram encorajadas a descansar e a relaxar (com música propícia). Piores resultados tiveram aqueles que, entre tarefas, não tiveram indicações nenhumas. Aí está a importância de descansar de forma activa. Porque a investigação também mostra que não fazer nada não leva necessariamente ao descanso. Temos que nos orientar para isso. Meditação, relaxamento, dormir pelo menos 8 horas por dia são algumas das formas pelas quais podemos garantir que o corpo e o cérebro não entram em esforço e eventualmente, em colapso. Aqui vai um exemplo que ninguém fala: a investigação mostra que a falta de sono melhor prevê o desenvolvimento de diabetes tipo 2 do que a falta de exercício físico. Agora, o que é que o descanso tem que ver com o sexo? Ora bem, espero não vos confundir com um salto argumentativo demasiado grande: mas o sexo é muitas vezes visto como mais uma atividade de produção. Uma tarefa para se incluir na agenda na expectativa de certos resultados. Quer-se sexo assim, assado, perfeito, rebeubeu pardais ao ninho. O foco excessivo no orgasmo resulta dessa visão utilitarista. O conceito orgasm gap – alugado da disparidade salarial em função do género –, apesar de extremamente útil para perceber a desigualdade de género no sexo, parece sinalizar que o sexo tem que ter orgasmo. Daí surgirem expectativas, ansiedades ligadas à performance que o sexo não haveria de querer estar associado. Não que o sexo seja uma forma de descanso. Dizem os que averiguaram que o sexo pode gastar entre 60 e 100 calorias numa sessão de 30 minutos. Mas o sexo funciona melhor se conseguirmos descansar o corpo e a mente. O descanso melhora a nossa disponibilidade com o mundo em geral, e em estar presente com o sexo e o corpo. Investigação que explora o sexo mindful parece reforçar esta relação também. O descanso é importante para sermos seres humanos funcionais. Se descansarmos activamente e tivermos bons hábitos de sono, o sexo só tem que aproveitar a nossa disponibilidade para estarmos presentes. As revistas cor-de-rosa, e tanta outra coisa que a cultura popular nos impõe, parecem sugerir que o sexo é mais uma actividade que precisa de resultados. Desenganem-se. O que o sexo precisa é de um bom descanso.
André Namora Ai Portugal VozesComeçaram os truques para Costa ser Presidente Portugal assistiu durante toda a semana ao “divórcio” entre o Presidente da República e o primeiro-ministro, assunto que já vos devem ter colocado mais que esclarecidos sobre a divergência. No entanto, à última hora e depois de já ter a crónica escrita sobre os agentes das forças de segurança, eis que me esclareceram superficialmente sobre o “divórcio”. Deu-se início à maior conspiração pacífica entre os dois políticos para darem início à fictícia discordância entre ambos, para que António Costa possa aparecer como um político totalmente independente nas próximas eleições presidenciais e nas quais António Costa pretende realizar o sonho de ser Presidente da República. Mas, só os que tenham boa memória é que se vão lembrar daqui a cinco anos desta introdução. Hoje, trago-vos um problema que me tem sido colocado por vários oficiais e agentes das forças GNR e PSP. O caso é bicudo e posso adiantar em primeira mão que o descontentamento nas hostes destas duas instituições é de tal forma que pode haver pela primeira vez uma greve geral, apesar de ser proibido. Há militares e agentes policiais que têm sofrido o que não se imagina. Primeiramente, até têm de comprar os seus fardamentos do seu bolso e depois deparam-se com instalações ao nível das do Iraque. São imensas as vezes em que uma patrulha policial é recebida em certos bairros à pedrada e a tiro, sem que os agentes tenham um subsídio de risco de vida. O povo quer segurança, mas não pensa em quem lhe pode oferecer essa segurança. Tenho assistido a militares da GNR que em serviço na estrada, estacionam para almoçar. Almoçar? Para comerem uma sandes e beberem uma garrafa de água. Ainda na sexta-feira passei por uma grande obra de construção civil no centro de Lisboa e vi encostado à parede um agente policial, de cabelos grisalhos, pele ressequida e que há muito já devia estar reformado. Estava ali em serviço em mais um dos chamados “gratificados” para controlar o trânsito devido à entrada e saída de camiões. Conversámos. O conteúdo é off-record, mas salientou-me que o almoço seria uma sopa que trouxe de casa. Todavia, isto não é nada. O mais grave tem relação directa com a frustração que sentem relativamente à justiça que temos neste país. Os membros das forças de segurança fartam-se de arriscar a vida na perseguição de meliantes, prendendo-os algumas vezes, a elaborarem relatórios, acompanharem os fora da lei ao tribunal e assistirem aos juízes a tomar uma decisão de enviarem em liberdade os potenciais criminosos. Recentemente, aconteceu um caso gravíssimo e que está a provocar a revolta no seio das forças policiais. Na zona de Oliveira de Azeméis dois homens e uma mulher estiveram envolvidos numa aparatosa fuga e abalroamento de uma viatura da GNR e do qual resultou um militar ferido. Após o interrogatório judicial foram mandados em liberdade. Incrivelmente, o condutor da viatura que era furtada há muito que era procurado pelas autoridades depois de ter cortado a pulseira electrónica determinada no âmbito de outro crime de roubo. Para além dos ferimentos provocados no militar da GNR, o trio encetou a fuga ao longo de vários quilómetros, desrespeitando linhas contínuas e semáforos no vermelho, circulando em contramão e colocando em risco a vida de várias pessoas com crianças pela mão. Infelizmente, casos destes acontecem quase todos os dias. E que vontade têm os agentes da autoridade de arriscar a vida se se deparam com juízes, na maioria sem experiência e sabedoria do que se passa na rua, que resolvem enviar criminosos em liberdade. Porque as cadeias estão cheias? Não é justificação e como diria o outro, há sempre lugar para mais um. Os mais altos superiores hierárquicos também já passaram ao longo da carreira por acontecimentos semelhantes, mas nesse tempo os juízes mandavam os criminosos para o presídio. Os chefões da GNR e da PSP têm a obrigação de em reunião com o ministro da Administração Interna sensibilizá-lo de que a situação está preta e que para além da imensa falta de quadros, os que estão no activo não chegam para tudo e não podem continuar a ter um salário miserável, não ter seguro de vida, não ter subsídio de risco de vida e deixarem de ser eles a comprar o fardamento e acessórios. Os juízes não têm o direito de não analisarem seriamente os processos judiciais e de concluírem que a segurança do povo está em constante risco. A criminalidade aumenta todos os meses e nas grandes cidades os velhotes já nem podem sair à rua sem serem roubados das suas malas e outros haveres que levam consigo. Irem a uma máquina multibanco levantar dinheiro, nem pensar. São logo roubados assim que retiram as notas. Os senhores juízes têm de se convencer que a sua existência prende-se fundamentalmente para exercerem a justiça e para isso têm de cumprir a lei contra os criminosos. *Texto escrito com a grafia antiga
Paul Chan Wai Chi Um Grito no Deserto VozesTufão de Setembro A Direcção dos Serviços Meteorológicos e Geofísicos de Macau declarou que este ano a época dos tufões se vai estender até finais de Outubro, durante a qual tempestades tropicais de grau 3 a 8 vão atingir a cidade. No entanto, em Setembro, vai ocorrer de certeza um tufão político. O Comité Permanente da Assembleia Popular Nacional da RPC vai discutir esta semana a forma de aperfeiçoar o sistema eleitoral da RAEHK. Através da análise das várias fontes de informação, conjectura-se que as eleições para o Conselho Legislativo de Hong Kong, inicialmente agendadas para 5 de Setembro, voltem a ser adiadas, para dar mais tempo à constituição do Comité Eleitoral, e também para impedir que coincidam com as eleições para a Assembleia Legislativa de Macau. A simultaneidade das duas eleições poderia criar um ambiente favorável ao campo não governamental de Macau. Os aspirantes a candidatos à eleição para a Assembleia Legislativa de Macau estão actualmente a recolher assinaturas para submeterem as suas pretensões junto da comissão de candidatura. Este processo está a ser mais tenso do que nas eleições anteriores. Algumas instituições de serviço social estão inclusivamente a usar os recursos públicos para obterem assinaturas que os apoiem a formar uma comissão de candidatura, e já receberam um aviso do Instituto de Acção Social. Faltam poucos meses para as eleições de Setembro. O Governo da RAEM anunciou recentemente o lançamento do “Programa de Benefícios do Consumo por Meios Electrónicos”, e recebeu muitas críticas, mesmo algumas do campo pró-governamental. Na verdade, Macau já há muito tempo que implementou o princípio “Macau governado por patriotas”. Todas as posições importantes e todos os altos cargos nas organizações de consultoria, são ocupados por patriotas. Neste contexto, tudo deveria correr sobre rodas, então qual é o problema? Tian Feilong, um académico da China continental, escreveu um artigo, publicado no jornal Ming Pao de Hong Kong, onde afirmava o seguinte “O campo pró-governamental, Hong Kong governado por patriotas não só irá criar mais assentos (no Conselho Legislativo) e mais empregos, como também vai elevar o nível de exigência da competência das pessoas (que vão ocupar os assentos do Parlamento e os cargos profissionais) de forma a servir Hong Kong e o país. E em particular, as posições de liderança, devem ser ocupadas por “patriotas acérrimos”, o que é o último dos requisitos. O Governo Central quer promover os patriotas com capacidades e valor, e não os subservientes e os idiotas leais.” O Chefe do Executivo de Macau, Ho Iat-Seng, falou sobre a controvérsia provocada pelo “Programa de Benefícios do Consumo por Meios Electrónicos” num evento público na passada terça-feira, 23 de Março. Pediu desculpas à população e prometeu aperfeiçoar o Programa, lançando um outro, tendo em consideração a sociedade e o consenso. Estas declarações demonstram que se assume como o responsável do plano, no entanto foi ele próprio que causou o problema. Antes de se anunciar o lançamento do “Programa de Benefícios do Consumo por Meios Electrónicos”, deveria ter havido um estudo em profundidade e uma consulta abrangente aos diversos departamentos sob a alçada do Secretário para a Economia e Finanças e aos assessores do Secretário para a Economia e Finanças. E como o Programa implica que se gastem vários milhares de milhões do erário público, deveria ter sido discutido pelo Chefe do Executivo e pelo Conselho Executivo, cujos membros são pessoas de relevo do campo pró-governamental. Infelizmente, este Programa, que foi originalmente concebido para ajudar o sector comercial, não foi aceite pela maior parte dos consumidores. Transformou-se na depressão tropical que vai provocar o tufão em Setembro. No seio da controvérsia sobre o Programa, congratulei-me por o sector comercial não se ter posto ao lado dos que atacam a implementação destas medidas com objectivos meramente eleitorais, mas que pelo contrário se tenha tornado “apoiante firme” do Governo da RAEM. Também gostei que o Chefe do Executivo tenha tomado a iniciativa de assumir a responsabilidade pela elaboração do Programa. No fim de contas, um chefe de equipa, como é o caso do Chefe do Executivo, não pode ignorar os erros dos membros da sua equipa. Para lidar com os problemas, para além de ter um plano, é preciso possuir suficientes capacidades, e não depender apenas da proclamação pública de “patriotismo”. Estes episódios relacionados com o lançamento do Programa serviram para avaliar a equipa do Governo da RAEM. Depois da passagem do tufão de Setembro, o que vai ficar de pé? Idiotas leais, patriotas capazes, grupos de oposição leais ou grupos de oposição firmes? Tudo vai depender das mudanças no clima político durante os próximos meses.
Olavo Rasquinho VozesO Oceano, o clima e o tempo O Dia Meteorológico Mundial (DMM) é celebrado em 23 de março desde 1961, no mesmo dia em que entrou em vigor a Convenção da Organização Meteorológica Mundial (OMM), em 1950. Anualmente é escolhido um tema, que é desenvolvido para chamar a atenção das autoridades e do público para um determinado assunto. O tema deste ano, “O Oceano, o Clima e o Tempo”, serve de pretexto para enfatizar a interdependência entre a hidrosfera e a atmosfera, as quais, conjuntamente com a criosfera, a litosfera e a biosfera, compõem o sistema climático. Quando nos referimos ao “tempo”, pensamos em nuvens, vento, chuva, céu limpo ou nublado, frio ou calor, etc., que poderão ocorrer hoje, amanhã ou, em geral, num período relativamente curto. Já quando nos referimos ao clima, a imagem que nos vem ao espírito é a do tempo médio num período mais longo. Normalmente, para caracterizar o clima de uma região, recorre-se aos valores médios dos parâmetros meteorológicos registados durante um determinado período, de preferência 30 anos no mínimo. Nunca é demais realçar a importância dos oceanos para o tempo e o clima. A sua proximidade atua como que um íman que atrai as populações. Estima-se que cerca de 40% da população mundial habita numa faixa de 100 km junto ao mar. Por outro lado, aproximadamente 90% do comércio mundial é feito através de rotas marítimas. Neles são despejadas diariamente milhares de toneladas de efluentes domésticos, industriais e agrícolas, frequentemente não devidamente tratados. Os derramamentos de óleo e a exploração mineira oceânica também contribuem para a sua poluição. Os oceanos ressentem-se do aquecimento global devido à crescente injeção de gases de efeito estufa na atmosfera, aumentando a sua temperatura, o que potencia a fusão do gelo marítimo, o aumento do nível do mar e a danificação de ecossistemas, como os recifes de coral, de grande importância para a reprodução de numerosas espécies piscícolas. A OMM conta com 193 membros, em que 187 são Estados e 6 são Territórios Membros. Macau foi admitido como Território Membro em 23 de janeiro de 1996, ainda sob administração portuguesa. Curiosamente, para certos assuntos, o voto de um Território Membro vale tanto como o de um Estado Membro. É o caso, por exemplo, da nomeação do Secretário-Geral, que é feita durante os congressos, de 4 em 4 anos, com base no resultado da votação de todos os Estados e Territórios Membros. Assim, para este efeito, o voto de Macau conta tanto como o voto de um grande país, como o Canadá ou a Federação Russa. Pode-se então afirmar que a China tem direito a 3 votos para a eleição do Secretário-Geral, o cargo executivo mais importante da OMM. Os votos de Macau e de Hong Kong são teoricamente independentes dos da China, mas é natural que haja um acordo informal para que convirjam no mesmo candidato. No XIV Congresso da OMM (Genebra, 5-24 maio 2003), o delegado do México criticou este processo de nomeação do Secretário-Geral, tendo pedido esclarecimento por que razão a China tinha direito a 3 votos, o que a colocava em vantagem em relação aos outros países (neste congresso foram apenas 2 votos, por a delegação de Macau não ter podido participar devido à pneumonia SARS). Perante este comentário, o Secretariado da OMM explicou que a China e o Reino Unido haviam solicitado ao XII Congresso (Genebra, 30 maio-21 junho 1995), a inclusão de Hong Kong com a designação “Hong Kong, China” como Território Membro, e que a China e Portugal procederam de igual modo no XIII Congresso (Genebra, 4-26 maio 1999). Ambos os pedidos foram aceites, na medida em que estas regiões administrativas possuem Serviços Meteorológicos próprios, condição para que pudessem usufruir desse direito, conforme estipulado na Convenção da OMM. A China não é caso único, atendendo a que há outros países que também têm direito a mais do que um voto, como, por exemplo, o Reino Unido e a França, devido a administrarem territórios ultramarinos, considerados Territórios Membros. Ninguém acreditaria que os Territórios Caribenhos Britânicos, ou a Polinésia Francesa, votariam de maneira discordante das respetivas potências administrantes. A realidade é que, nos corredores da sede da OMM, durante os congressos, os representantes de alguns países continuam a comentar este processo de eleição. Voltando ao tema do DMM deste ano, é importante salientar a necessidade de assegurar o equilíbrio entre as várias componentes do sistema climático, com especial ênfase para os oceanos e a atmosfera, que têm vindo a sofrer degradação das suas características. Os oceanos cobrem cerca de 70% da superfície da Terra e constituem o maior condicionador das condições meteorológicas. A alteração das suas características repercute-se no comportamento do tempo e, consequentemente, do clima. O aquecimento global, que se atribui à injeção de gases de efeito de estufa resultantes de atividades antropogénicas, afeta não só a atmosfera mas também os oceanos. O aumento da temperatura da água do mar potencia a evaporação, o que implica transferência de energia do mar para a atmosfera, sob a forma de calor latente de evaporação. Perante esta realidade, é natural que haja tendência para uma maior frequência e (ou) intensidade de ciclones tropicais. O que aconteceu na estação dos furacões de 2020, no Atlântico Norte, favorece esta interpretação, na medida em que houve 30 ciclones tropicais aos quais foram atribuídos nomes próprios (tempestades tropicais e furacões), o que fez com que se esgotassem os nomes da lista previamente elaborada pelo Comité dos Furacões (com sede em Miami), entidade homóloga do Comité dos Tufões (com sede em Macau). As listas dos furacões são usadas rotativamente de 6 em 6 anos. Assim, a lista usar em 2021 será a mesma de 2026, exceto no que se refere a eventuais ciclones tropicais cujos nomes virão a ser retirados, devido à sua forte atividade e consequências nefastas. Estas listas constam de 21 nomes de pessoas, alternadamente femininos e masculinos, em ordem alfabética, sem usar 5 letras (Q, U, X, Y e Z), pouco utilizadas como primeiras letras de nomes próprios. A estação dos furacões de 2020 foi, desde que há registos, a mais ativa de sempre. A seguir ao último nome da lista teve de se recorrer, pela segunda vez, a letras gregas para os designar. Foram 9 os ciclones tropicais que excederam a lista: Alpha, Beta, Gamma, Delta, Epsilon, Zeta, Eta, Theta e Iota. Curiosamente, a primeira destas (Alpha) foi atribuída a uma tempestade subtropical que se dissipou sobre Portugal, em 18 de setembro de 2020. A primeira vez que se recorreu ao alfabeto grego foi em 2005, em que ocorreu a segunda estação de furacões mais ativa. A seguir à letra “W” (Wilma) teve de se designar os ciclones tropicais seguintes por Alpha, Beta, Gamma, Delta, Epsilon e Zeta. Foi neste ano que o furacão Vince, anterior ao Wilma, afetou a Madeira e o sul de Portugal continental, já como tempestade tropical. Note-se que têm havido discussões no Comité de Furacões para acabar com a prática de designar as tempestades tropicais e os furacões por letras do alfabeto grego, o que levou à decisão de que, de futuro, não serão mais usadas. Chegou-se à conclusão que as populações têm tendência a subestimar a perigosidade destes sistemas meteorológicos quando não se lhes atribui nomes próprios. Assim, no Atlântico Norte, se na próxima estação de furacões o número de ciclones tropicais ultrapassar 21, aplicar-se-ia uma lista suplementar já estabelecida para esse efeito, com o mesmo número de nomes da lista inicial. O 22º ciclone tropical passaria a chamar-se “Adria” e o último da lista suplementar teria “Will” como nome. É de salientar que os ciclones tropicais se formam sempre sobre os oceanos, em zonas em que a temperatura da água é mais elevada (estatisticamente no mínimo 26,5 graus Celsius), e que, apesar de serem fenómenos por vezes extremamente violentos, são imprescindíveis para o equilíbrio do sistema climático, fazendo com que haja transporte de energia das latitudes mais baixas para as mais altas. Nunca foi tão importante como agora compreender a interação entre os oceanos, o tempo e o clima, na medida em que, sem este conhecimento, não se poderá concretizar o objetivo nº 14 da “Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável”, adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 2015: “Conservar e usar de forma sustentável os oceanos, mares e recursos marítimos para o desenvolvimento sustentável”. A ONU, atenta a esta realidade, deu início este ano à “Década da Ciência do Oceano para o Desenvolvimento Sustentável (2021-2030)”.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesAlterações climáticas não se corrigem por leis e tratados “Over the last half-billion years, there have been five mass extinctions, when the diversity of life on earth suddenly and dramatically contracted. Scientists around the world are currently monitoring the sixth extinction, predicted to be the most devastating extinction event since the asteroid impact that wiped out the dinosaurs. This time around, the cataclysm is us.” Elizabeth Kolbert The Sixth Extinction: An Unnatural History De acordo com investigações publicadas na revista “Geology”, a Terra está a preparar-se para uma nova extinção em massa. Há anos que temos vindo a ver esses sinais nas notícias. Fenómenos extremos tais como furacões de intensidade crescente, trombas de água, inundações, seca prolongada, frio polar, CO2 na atmosfera, gelo derretido, etc., que são tudo consequências do aquecimento global progressivo. Houve cinco grandes extinções na história da Terra durante as quais mais de metade das espécies animais conhecidas desapareceram. Pelo menos duas parecem ter sido causados por um impacto de meteorito, enquanto as outras foram causadas por uma grande alteração ambiental. A maior extinção em massa foi a extinção do Permiano-Triássico, para a qual há provas de grave aquecimento global, acidificação dos oceanos, e falta de oxigénio. Ocorreu há cerca de duzentos e cinquenta e dois milhões de anos. Foi o mais grave evento de extinção em massa jamais ocorrido na Terra, com 81 por cento das espécies marinhas e 70 por cento das espécies terrestres a desaparecerem. Haverá uma sexta extinção em massa? Se a temperatura média global atingir 6°C em comparação com os tempos pré-industriais, certamente que sim. Seis graus mudariam o mundo. Desertos por todo o lado, glaciares e calotas polares completamente desaparecidos, grandes regiões costeiras e ilhas submersas, falta de água potável e alimentos, cidades abandonadas ou com mais metros de água, eventos naturais extremos na ordem do dia, extinção de um número muito grande de espécies. A Terra tornar-se-ia irreconhecível para um homem do nosso tempo. A investigação levada a cabo por um exército de cientistas e estudiosos confirma uma conclusão alarmante. A de que não é possível “corrigir” as alterações climáticas através de leis e tratados circunscritos ou pequenas modificações tecnológicas. É um fenómeno demasiado vasto em termos de espaço, tempo e complexidade. Além disso, as emissões que a provocam são uma consequência bastante directa da superpopulação do planeta, actualmente habitado por cerca de 7,5 mil milhões de pessoas, que dentro de algumas décadas se tornarão quase 10 mil milhões. Houve inúmeros apelos de cientistas aos quais a “Encíclica Laudato Sì 2015” do Papa Francisco foi acrescentada, pregando o respeito pelo ambiente. Apelos que infelizmente não foram ouvidos ou subestimados pela política. Os mais importantes e significativos deram-se em 1972, tais como “The Limits of Development”, publicado pelo Clube de Roma e escrito por jovens investigadores do MIT que afirmaram que o planeta é limitado e que o desenvolvimento económico não pode continuar indefinidamente sem colidir com os limites físicos do planeta. A “Union of Concerned Scientists”, em 1992, publica o primeiro “World Scientists’ Warning to Humanity” assinado por mais de mil e quatrocentos cientistas, incluindo muitos vencedores do Prémio Nobel. O documento relatou indicadores alarmantes, desde a desflorestação aos recursos hídricos e ao crescimento populacional, sendo que as actividades humanas estavam a destruir ecossistemas, levando a própria humanidade a uma crise global sem precedentes e em 2017, mais de quinze mil cientistas de cento e oitenta e quatro países assinam um segundo aviso de que “estamos perto de fazer danos irreversíveis ao planeta Terra”. A Terra é um dos nove planetas do Sistema Solar, o único desse sistema onde a vida criou raízes, mas em troca é de uma beleza inimaginável, pois é rica em água e recursos naturais, a biodiversidade atingiu níveis muito elevados e existem inúmeras espécies vegetais e animais, as zonas climáticas são tão variadas que todas estão representadas, a inclinação do eixo da Terra faz com que as estações do ano variem em todos os cantos deste mundo, os oceanos cobrem dois terços do globo e a Terra está dividida em cinco continentes com um enorme número de rios, lagos, montanhas e florestas. Quando se chega perto do planeta, aparece um azul intenso manchado pelo verde e castanho da terra e pelo branco das formações de nuvens. Em suma, um espectáculo que nos deixa literalmente sem fôlego. O problema é que nesse planeta uma espécie tomou a liderança, cujas características estão a pôr em perigo a existência do próprio planeta e das suas formas de vida. Esta espécie, segundo muitos derivada de uma família de animais primitivos chamados macacos, é chamada “Homem”. O Homem acredita ser superior a outros animais, mas na realidade é o ser mais feroz e sangrento que evoluiu na face da Terra. Os animais matam apenas por comida e por vezes para se defenderem. O homem, por outro lado, mata apenas pelo prazer de matar e gosta de torturar outros tanto física como psicologicamente. Só para dar um exemplo, na sua história recente, no período da II Guerra Mundial, havia um personagem chamado Adolfo Hitler, que sob o pretexto de purificar a raça, assassinou literalmente à escala industrial seis milhões de pessoas só porque o incomodavam por terem ganho poder nos campos económico e financeiro. Depois, para não ser demasiado conspícuo, até queimou os seus corpos! Um total de cinquenta e cinco milhões de pessoas pereceu nessa guerra. Os vários povos estão sempre em guerra uns com os outros pela sede de poder e dinheiro dos seus líderes políticos e os períodos de paz servem na realidade para preparar as forças para conduzir uma nova guerra. O homem inventou e acumulou armas tão destrutivas que são suficientes para destruir o seu mundo dezenas de vezes e como se isso não fosse suficiente fabricaram armas químicas e bacteriológicas que poderiam causar grandes epidemias e sofrimento a milhões de pessoas. Mas os homens não são todos iguais, pois houve homens extremamente maus como Hitler, mas também houve homens profundamente bons como S. Francisco. No meio, encontram-se todas as “nuances” possíveis. Infelizmente os ímpios prevalecem sobre os bons porque são mais ricos e têm nas suas mãos as alavancas do poder. A lei do mais forte prevalece. Segue-se que tanto a nível individual como nacional, os ricos estão a ficar mais ricos e os pobres estão a ficar mais pobres. Há pessoas que são tão ricas que nunca poderão gastar o seu dinheiro em toda a sua vida. Mas se pensa que estas pessoas estão felizes, está enganado. Também estão infelizes porque querem sempre mais. Dois terços dos habitantes da Terra, por outro lado, têm pouco ou nada e todos os dias milhares morrem de fome, enquanto nos países avançados morrem pela razão oposta. O que é realmente louco é como ainda não compreenderam que se os enormes esforços e investimentos feitos para os exércitos e armamentos fossem utilizados para o progresso dos países mais pobres e para a investigação científica, o mundo seria mais justo, pacífico e próspero e, portanto, não haveria necessidade de exércitos. Estão tão cegos pelo egoísmo e tão sedentos de dinheiro e poder que não conseguem ver para além dos seus próprios narizes. Não conseguem fazer planos a longo prazo mas, em vez disso, querem ter tudo e agora, sem se preocuparem muito com as consequências das suas acções, não só para os seus filhos e para as gerações vindouras, mas até para si próprios. Os poucos que se preocupam com o estado actual das coisas e o futuro, se ousarem fazer algo para mudar o mundo no melhor dos casos, não são levados em consideração ou são rotulados como idealistas, sonhadores, utópicos, pessoas fora do mundo e da realidade. Mas não só o Homem está a destruir-se a si próprio, pois o que é ainda mais grave é que está a pilhar, a poluir e a destruir o ambiente em que vive e a fazer muito pouco para remediar estes problemas, de tal forma que milhares de espécies animais e vegetais estão a ser extintas a um ritmo implacável todos os anos e dentro de algumas décadas mais de 60 por cento das espécies vivas terão desaparecido. Estão a ocorrer eventos climáticos cada vez mais violentos, as florestas estão a ser queimadas, os desertos estão a avançar, os glaciares estão a derreter. Mas o que é ainda mais grave, é que foi desencadeado um processo de aquecimento global que, se não intervirmos imediatamente, conduzirá a uma extinção em massa e a imensas catástrofes que tornarão a Terra inacessível durante milhares de anos! Muitos pensam que podem conter o aumento médio da temperatura global dentro de 2 por cento, mas estão muito enganados porque os governos nunca serão capazes de pôr em prática as medidas que seriam necessárias, porque são impopulares. Para os políticos são os votos que obtêm que contam e só procuram obter mais votos para as próximas eleições, pelo que têm o cuidado de não implementar políticas que seriam necessárias para o bem do planeta, mas que exigem sacrifícios da população. Mas mesmo os cidadãos têm os seus defeitos devido ao egoísmo e ao individualismo que prevalecem, não querendo desistir de nada. A COVID-19 infelizmente não trouxe ainda mudanças nessa mentalidade. Se não forem capazes de intervir drasticamente dentro de alguns anos para conter o aumento médio da temperatura global, e duvido muito que o façam, serão desencadeados automatismos naturais que levarão a um aumento da temperatura de pelo menos seis graus em poucas décadas e deixará de ser possível parar o processo mesmo que reduzamos a emissão de gases com efeito de estufa para a atmosfera a zero. Um aumento de seis graus seria verdadeiramente catastrófico e a Terra, neste momento tão bela, tornar-se-ia irreconhecível! Para agravar a situação a população mundial está continuamente a aumentar e fora de controlo. À medida que o planeta se aquece, animais grandes e pequenos, na terra e no mar, se dirigem aos polos para fugir do calor, o que significa que estão a entrar em contacto com outros animais, que normalmente não fariam, o que cria uma oportunidade para os patógenos entrarem em novos hospedeiros. Muitas das causas profundas das alterações climáticas também aumentam o risco de pandemias. O desmatamento, que ocorre principalmente para fins agrícolas, é a maior causa de perda de habitat em todo o mundo. A perda de habitat força os animais a migrar e, potencialmente, entrar em contacto com outros animais ou pessoas e compartilhar germes. As grandes áreas de criação de gado também podem servir como fonte de disseminação de infecções de animais para pessoas. A menor procura de carne animal e criação de animais mais sustentável podem diminuir o risco de doenças infecciosas emergentes e reduzir as emissões de gases de efeito estufa. Em locais onde a poluição do ar é um problema rotineiro, devemos prestar atenção especial aos indivíduos que podem estar mais expostos ou vulneráveis do que outros ao ar poluído, como os sem-abrigo, os que não têm filtragem de ar em suas casas ou aqueles cuja saúde está comprometida. Esses indivíduos podem precisar de mais atenção e apoio do que precisavam mesmo antes do surgimento do coronavírus. Ainda não temos uma noção do que a mudança do tempo significará para a COVID-19 e, portanto, não devemos depender de um clima mais quente para reduzir as transmissões. É preciso fazer tudo o que pudermos para retardar a propagação desta doença, o que significa que precisamos seguir os conselhos que os especialistas em saúde pública estão a dar-nos e praticar o distanciamento social, boa higiene das mãos, uso das máscaras, entre outras ações. As alterações climáticas tornaram as condições mais favoráveis à propagação de algumas doenças infecciosas, incluindo a doença de Lyme, doenças transmitidas pela água, como Vibrio parahaemolyticus, que causa vómitos e diarreia, e doenças transmitidas por mosquitos, como malária e dengue. Os riscos futuros não são fáceis de prever, mas as alterações climáticas afectam fortemente várias frentes que importam quando e onde os patógenos aparecem, incluindo os padrões de temperatura e precipitação. Para ajudar a limitar o risco de doenças infecciosas, devemos fazer tudo o que pudermos para reduzir amplamente as emissões de gases de efeito estufa e mesmo assim tentar limitar o aquecimento global a 1,5 grau. Observamos uma tendência de maior surgimento de doenças infecciosas nas últimas décadas. A maioria dessas doenças chegou às pessoas a partir de animais, especialmente animais selvagens. Essa tendência tem muitas causas. Temos grandes concentrações de animais domesticados em todo o mundo, alguns dos quais podem ser o lar de patógenos, como a gripe, que pode deixar as pessoas doentes. Também temos grandes concentrações de pessoas em cidades onde doenças transmitidas por espirros podem encontrar terreno fértil. E temos a capacidade de viajar ao redor do globo em menos de um dia e compartilhar germes amplamente. Mas uma observação mais atenta acerca das origens da COVID-19 revela que outras forças podem estar em jogo. No século passado, aumentamos a nossa procura sobre a natureza, de modo que estamos a perder espécies a uma taxa desconhecida desde que os dinossauros, junto com metade da vida na Terra, foram extintos há sessenta e cinco milhões de anos. Este rápido desmantelamento da vida na Terra deve-se principalmente à perda de habitat, que ocorre principalmente com o cultivo de plantações e criação de gado e com menos lugares para morar e menos fontes de alimento para se alimentar, os animais encontram alimento e abrigo onde as pessoas estão, e isso pode levar à propagação de doenças. Outra causa importante da perda de espécies é as alterações climáticas, que também pode mudar o local onde os animais e as plantas vivem e afectá-lo, onde as doenças podem ocorrer. Historicamente, crescemos como espécie em parceria com as plantas e animais com os quais vivemos. Quando mudamos as regras do jogo alteramos drasticamente o clima e a vida na Terra, e devemos esperar que afecte a nossa saúde. Podemos fazer muitos investimentos inteligentes para evitar outro surto. As instituições internacionais e nacionais podem apoiar a liderança em saúde pública e a ciência, podemos fornecer mais financiamento para as pesquisas necessárias, resposta precoce a surtos e suprimentos para testes. E podemos fazer muito mais para controlar o comércio ilegal de animais selvagens. Também precisamos tomar medidas climáticas para prevenir uma próxima pandemia, como prevenir o desmatamento que é uma causa fundamental das alterações climáticas e pode ajudar a conter a perda de biodiversidade, bem como a retardar as migrações de animais que podem aumentar o risco de propagação de doenças infecciosas. A recente epidemia de “ébola” na África Ocidental provavelmente ocorreu em parte porque os morcegos, que transmitiam a doença, foram forçados a mudar-se para novos habitats porque as florestas onde viviam foram derrubadas para o cultivo de palmeiras. Para combater as alterações climáticas, precisamos de diminuir drasticamente as emissões de gases de efeito estufa. Gerar eletricidade a partir de fontes de energia com baixo teor de carbono, como eólica e solar, diminui os poluentes atmosféricos prejudiciais, como óxidos de nitrogênio, dióxido de enxofre e dióxido de carbono, que levam a mais ataques cardíacos e derrames, bem como obesidade, diabetes e mortes prematuras que colocam mais tensões nossos sistemas de saúde. A preparação para pandemias também envolve manter as pessoas saudáveis no início do estudo. Se tivermos uma população nos Estados Unidos em que um terço de nossa população seja obesa e 5 a 10% das pessoas tenham diabetes, seremos imensamente mais vulneráveis. E se você observar por que as pessoas nos Estados Unidos não são saudáveis no início, isso tem a ver com nossa dieta, poluição e mudança climática. Temos aqui a oportunidade de reconhecer que a prevenção é, de longe, a melhor abordagem para proteger a saúde. Pessoas com condições crónicas de saúde, de baixa renda e comunidades de cor são desproporcionalmente impactadas pelo COVID-19 e pela mudança climática, e a poluição está no centro de ambos os problemas, como confirma um novo estudo da Escola de Saúde Pública de Harvard TH Chan. Sabemos que as comunidades afro-americanas estão desproporcionalmente expostas à poluição do ar e agora estamos vendo essa poluição levando a taxas de mortalidade mais altas de COVID-19. Devemos melhorar a saúde a todos e fazemos isso reduzindo as fontes de poluição que geram uma grande carga de doenças nos Estados Unidos e em todo o mundo. A superpopulação corre o risco de sufocar ainda mais o planeta com uma maior utilização de recursos, mais poluição e emissão de gases com efeito de estufa. Em vez de explorarem os amplos espaços disponíveis, tendem a concentrar-se em cidades cada vez maiores e a qualidade de vida deteriora-se drasticamente. É difícil compreender como podem lá viver. A sua economia não tem em conta os custos sociais e ecológicos dos produtos e serviços. O consumo aumenta constantemente com grande desperdício e considerável poluição do ar, água e do solo. Em vez de serem reutilizados e reciclados, produzem objectos que duram pouco mais tempo ou são mesmo descartados imediatamente após a sua utilização. De vez em quando há uma cimeira mundial sobre os problemas da terra e a preservação do ambiente que serve mais do que qualquer outra coisa para fazer os eleitores acreditarem que algo está a ser feito. Na realidade, estas reuniões servem apenas para fazer umas boas férias, porque os países participantes nunca concordam e as poucas e limitadas resoluções que são tomadas são desconsideradas. Assim, tudo permanece como antes e a solução dos problemas é adiada para a próxima cimeira. A civilização na terra é actualmente baseada na electricidade. Toda a sua indústria, serviços e os transportes não poderiam funcionar sem energia eléctrica. Os motores das fábricas parariam, os computadores deixariam de funcionar, as comunicações deixariam de ser possíveis e mesmo os veículos de combustão parariam sem electricidade. Mas não só, mesmo as armas mais modernas não poderiam ser utilizadas pois os aviões, navios, submarinos, mísseis, armas nucleares, todos têm uma parte electrónica mais ou menos importante que deixaria de funcionar. Até as donas de casa teriam de voltar a lavar a roupa e a loiça à mão. Em suma, sem electricidade, a Terra voltaria à Idade Média. Ainda que a solução seja idealista demais, em mundo em que a pandemia seja controlada e que poderá levar anos, deve passar pela consideração de que a primeira acção é obviamente trazer a paz à Terra para evitar mais destruição e sofrimento.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesPlano de estabilização económica para 2021 (II) A 15 de Março o Governo anunciou o lançamento do “Plano de Garantia de Emprego, Estabilização da Economia e Asseguramento da Qualidade de Vida da População para 2021”, que inclui comparticipação pecuniária, plano de promoção do consumo local (plano PCL), aperfeiçoamento das competências profissionais e medidas para beneficiar a população a nível individual e a nível empresarial. A semana passada, analisámos o plano de comparticipação pecuniária. Como o Governo ainda está a analisar o plano de descontos em cartão electrónico (plano DCE), vamos ignorá-lo. Hoje iremos falar sobre o plano para a alimentação, alojamento e viagens dos residentes de Macau (plano AAV). A terceira fase do plano para a Promoção do Consumo Local (plano PCL) centra-se na alimentação, alojamento e viagens para os residentes de Macau (plano AAV). O Governo espera vir a investir 120 milhões nesta fase. Será lançado em Abril e vai estar em vigor até ao final do ano, pelo que terá uma duração de 9 meses. O objectivo do plano AAV é o encorajamento das viagens, a estimulação do consumo e o apoio ao sector do turismo. Cada residente de Macau que participar neste plano recebe um subsídio de viagem de 280 patacas e outro de 200 para alojamento. O principal propósito desta acção é a promoção do turismo local. É certamente uma boa medida. Mas numa perspectiva a longo prazo, a indústria do turismo não pode depender apenas dos residentes de Macau. Sem turistas, este sector não sobrevive. Para atrair o turismo é necessário modernizar as infra-estruturas. Há algumas semanas atrás, nesta coluna, debatemos se seria boa ideia Macau apostar na construção de um grande resort turístico, que compreendesse um campo de golfe aberto ao público, de forma a que os hóspedes pudessem jogar enquanto desfrutam das suas férias. E será viável construir um grande labirinto? Vimos nos noticiários que em Pequim utilizam para transporte de turistas triciclos de passageiros. Em Macau, temos um modelo parecido, mas de quatro rodas. Será possível unir os triciclos e os “tetraciclos” num projecto comum e criar uma nova frota de tamanho reduzido para transporte de turistas? Com a epidemia vêm muito menos turistas a Macau, mas podemos encarar esta adversidade como uma oportunidade para renovarmos as nossas infra-estruturas turísticas. O dinheiro que for investido nesta renovação, pode ser encarado como um estímulo à economia e como uma forma de ajudar Macau a ultrapassar o mais rapidamente possível os efeitos nefastos da pandemia. Depois de o problema sanitário ter sido ultrapassado, as novas instalações vão atrair mais turistas a Macau e todos beneficiarão deste investimento. A renovação das infra-estruturas turísticas deve ser um projecto para os próximos anos, a ser considerado nos futuros Orçamentos do Governo, e não o foco do plano para 2021. O terceiro ponto do plano 2021 é o investimento nas competências profissionais (plano CP). O Governo espera investir 334 milhões. Será lançado em Maio e vai vigorar até ao final do ano. Terá uma duração de 8 meses. Destina-se a dar formação em diversas áreas profissionais aos trabalhadores para que aumentem as suas competências. Este plano integra os trabalhadores da indústria do jogo. Aqueles que estejam de “licença sem vencimento”, e que não tenham sido recomendados pelos seus empregadores, também se podem candidatar. Depois de terminar a formação, o trabalhador recebe um subsídio de 5.000 patacas. Este subsídio pode ajudar a colmatar as necessidades mais urgentes. Uma vez a formação terminada, e com novas competências, as pessoas podem regressar ao mercado de trabalho. Este é o objectivo principal deste plano, que se encarrega de velar pelos interesses dos trabalhadores a curto, médio e longo prazo. O sucesso deste plano depende da sua capacidade de reintegrar as pessoas no mercado de trabalho. Recentemente, cerca de uma centena de pessoas reuniu-se junto ao Serviço de Emprego para manifestar o seu descontentamento, esperando que este plano as possa ajudar. O último ponto do plano 2021, centra-se na redução de alguns impostos e nos benefícios de segurança social. O Governo espera investir 15.056 mil milhões. A redução da carga fiscal será lançada em Maio e estará em vigor até ao final do ano. Os benefícios para garantir uma melhor qualidade de vida serão implementados ao longo do ano. A redução fiscal centra-se sobretudo na devolução da taxa de ocupação, na redução do imposto sobre rendimento suplementar, na abolição do imposto de turismo etc. No que respeita à segurança social, as acções vão concentrar-se na implementação de vouchers de cuidados de saúde, subsídios à educação, fundos para ajuda financeira, subsídios para pessoas com deficiência, isenção de impostos sobre actividades comerciais, isenção de imposto de selo nas operações bancárias, etc. Como referi anteriormente, estas medidas não estimulam directamente o consumo, mas apoiam as pessoas necessitadas e ajudam a aliviar a pressão que sofrem devido à pandemia. Depois de uma análise detalhada, entendemos que o plano governamental 2021 visa apoiar a população e deve ser louvado. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola Superior de Ciências de Gestão/ Instituto Politécnico de Macau Blog:http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
Hoje Macau Ai Portugal VozesBarragens não sabem nadar António Costa não tem dormido bem. As insónias são muito mais que muitas e todas sobre o mesmo assunto. É água a cair-lhe em cima, cimento a desmoronar, barragens a entornar… barragens são as insónias do primeiro-ministro. Agora veio á baila um assunto de uma seriedade gravíssima e em primeiro lugar, confirmando que António Mexia nunca deveria ter dirigido os destinos da EDP. Este homem era conhecido internacionalmente pelos especialistas em finanças pelo “cambalacheiro” e a confirmação está aí em todos os órgãos de comunicação social, nos corredores ministeriáveis e nos passos perdidos da Assembleia da República. O caso é gravíssimo porque está em causa a corrupção moral do governo, deputados e dirigentes da EDP. É muito dinheiro que está em causa, mais de 100 milhões de euros que “voaram” e que a EDP não pagou ao Estado quando “vendeu” várias barragens. Portugal está repleto de barragens e tem das electricidades ao consumo das mais caras do mundo. O ministro do Ambiente Matos Fernandes tem passados os últimos dias a perguntar-se como é que se salva desta bronca. O Bloco de Esquerda acusou o governo de ter permitido “um esquema da EDP para fugir aos impostos” da venda de barragens e chamou ao parlamento os ministros das Finanças e do Ambiente. Esta posição refere-se ao contrato de concessão de seis centrais hidroeléctricas do Douro Internacional. O BE insistiu que que foi acrescentada uma adenda para “dar a forma de reestruturação empresarial – cisão e fusão – a um negócio que é uma venda pura e simples” da EDP aos franceses da Engie, com recurso a “uma empresa veículo”. Vejam bem que o cambalacho até meteu a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) que às ordens do governo até permitiu um esquema da EDP para fugir aos impostos, ao imposto de selo no valor de 100 milhões de euros, abdicou de exercer os seus poderes de forma a proteger o interesse público. Por seu lado o ministro do Ambiente meteu os pés pelas mãos quando teve a desfaçatez de afirmar na Assembleia da República “que nem os contratos conhecia”, apesar de ser obrigação do ministro conhecer este processo de ponta a ponta. E a maior vergonha é que actualmente a concessão das seis barragens é detida por uma empresa que tem apenas um trabalhador e que é apenas um veículo no negócio. Ai, Portugal, como tua andas. Este caso é dos mais escandalosos porque a EDP arranjou um estratagema, com a conivência do governo, para não pagar impostos de mais de 100 milhões de euros. E o caso até tem enquadramento mafioso quando a EDP realizou o negócio a 17 de Dezembro do ano passado e no dia anterior, imagine-se, a EDP constituiu a tal nova sociedade, empresa veículo, a que chamou Camirengia Hidroeléctricos, S.A. Lamentável foi o governo ter aceitado a trapaça da EDP como uma concessão e não como uma venda. O governo conhecia o negocia e tinha poder para alterar as condições em que este negócio foi feito, e não o fez. O negócio ainda está em curso e o governo tem a obrigação de ainda travar uma ilegalidade que só prejudica os portugueses. Para já, pelo menos, o fisco anunciou que já está a investigar a venda das seis barragens e a questão do não pagamento de imposto de selo. Já o ministro do Ambiente, Matos Fernandes, tinha que vir com uma desculpa de lana-caprina dizendo que a Agência Portuguesa do Ambiente, a inútil APA, acompanhou a operação de cedência das seis barragens nos termos das suas competências. Matos Fernandes lembrou que a avaliação de pagamento de impostos e as condições de transmissão das barragens não são da competência do Ministério do Ambiente, tirando a água do capote como não é digno num governante. É mesmo caso para dizer que as barragens não sabem nadar… Este texto foi escrito com a antiga grafia
Carlos Morais José Editorial VozesA rua anda perigosa Proibir manifestações em Macau por causa da pandemia soa a falso. Pode ser legal, pode ser já costume, mas soa a falso. Compreende-se que o Governo tenha medo de manifestações depois dos “anos loucos” de Hong Kong e as queira evitar a todo o custo, servindo-se para isso de argumentos legais mas de difícil credibilidade. Afinal, há um ano que não existem casos de covid nesta cidade. Além disso, Macau não é a ex-colónia britânica e a população de Macau também não é igual aos seus vizinhos do outro lado do Rio das Pérolas. Duvido muito que aqui surgissem reivindicações absurdas como as que surgiram nas manifestações de Hong Kong. Pelo contrário, o que estava em questão nesta manifestação é uma preocupação social e legítima da população. Ou seja, pede-se uma simplificação dos métodos de apoio económico que o Governo desenvolveu para este ano. E convenhamos: os manifestantes teriam razão. De tal modo que o próprio Governo já anunciou que vai rever o processo. Uma coisa é certa: o Executivo não quer manifestações. Seja por isso ou por aquilo, simplesmente não está para aí virado. E, sabendo que se trata de um direito expresso e garantido pela Lei Básica, vai-se servindo de vários argumentos legais para as proibir. O covid pode até ter vindo a calhar mas não pega. Claramente o Governo prefere resolver os problemas sem o uso de megafones, através de conversações, de consensos, de diálogo à porta semi-fechada. Contudo, talvez fosse bom pensarem também que, para manter a harmonia, são necessários escapes através dos quais o descontentamento popular possa ser expressado. E manifestações deste tipo não parecem apresentar perigo por aí além para a ordem social da cidade. Quem as organiza seria também melhor que demonstrasse alguma compreensão e não as convocasse por tudo e por nada e só o fizesse quando se torna claro não existir possibilidade de diálogo, que as decisões estão rigidamente tomadas e vão para a frente. O que nem era o caso. Ultimamente, entende-se por aqui, a rua anda perigosa.
João Romão VozesSakura Pouco sobrou das nossas rotinas habituais com a pandemia deste tempo histórico que nos calhou viver: actos aparentemente banais como ir ao supermercado, tomar um café, cumprimentar pessoas, conversar ou trabalhar assumiram de súbito formas radicalmente diferentes, desconhecidas, sistematicamente obrigadas a uma contenção que jamais tínhamos experimentado e que julgávamos impossível e irrealista fora dos cenários da ficção científica. Actos menos previsíveis, mais propensos a que se deixe correr o acaso, como viajar, passear sem destino muito definido, abrir o espaço necessário ao encontro com pessoas que não conhecemos ou deixar fluir os instintos e as seduções ficaram subitamente fora do campo das normais possibilidades quotidianas. Teremos sempre a natureza e os seus ciclos, no entanto, para nos lembrar que nem tudo se transformou e que há ainda sinais de uma certa estabilidade, de uma resiliente permanência, que nos asseguram algum horizonte de esperança para o que nos falta viver. Onde estou, são as flores brancas a brotar subitamente das cerejeiras que assinalam na sua brusca erupção a continuidade da vida e dos seus ciclos num planeta assolado, aprisionado e entorpecido. Apesar de tudo, a beleza destas flores irrompe implacável na cidade e nos campos a assinalar mais um ciclo, um recomeço, enfim, a sagração de mais uma primavera, que desta vez se segue a um inverso particularmente frio nos afectos e solitário nas vivências. Este sinal da emergência de um novo ciclo é efusivamente celebrado no Japão, com os rituais associados à “sakura”, de ancestral tradição na cultura do país. Este tributo à natureza inclui deslocações a locais com privilegiadas vistas para as flores, com abundante informação disponível sobre os lugares com melhores vistas, os dias mais privilegiados, que a temporada é curta, ou até as decorrentes informações de trânsito e outras necessidades turísticas. O país tem ainda uma particular configuração geográfica, com a ilha de Okinawa, a sul, já próximo do Trópico de Câncer, e a ilha de Hokkaido, a norte, em frente a Vladivostok, separadas por cerca de 20 graus de latitude, o que impõe ritmos específicos para cada região: em Okinawa a “sakura” acontece logo em Janeiro, como as algarvias amendoeiras em flor, mas em Hokkaido as flores das cerejeiras só mostram o seu branco esplendor em Junho, já no início do Verão. Em todo o caso, a cidade onde vivo tem uma “sakura” primaveril por excelência e estou a vivê-la nesta época precisa. É uma cidade onde confluem vários rios, em cujas margens se foram implementando passeios pedonais ajardinados, devidamente suportados por ciclovias, bancos que convidam ao descanso e à conversa ou parques infantis que promovem o convívio familiar e o entretenimento da criançada. Estão agora devidamente ornamentados de branco todos estes percursos ribeirinhos, ainda mais magníficos do que habitualmente. Na realidade, foi assim que encontrei a cidade quando cá cheguei, faz exactamente um ano. A “sakura” estava instalada para me receber, acolhedora e magnífica, a oferecer algum conforto numa situação de inusitada incerteza: vinha para começar nova actividade profissional, numa cidade onde só tinha estado durante um dia e meio, para a entrevista de emprego, que desconhecia completamente e onde não tinha qualquer amizade. Viviam-se tempos de grande intensidade pandémica, sobretudo na cidade de onde vinha, mas também naquela onde me começava a instalar. Com as limitações inevitáveis para deslocações e contactos, os preparativos foram mínimos e os cuidados máximos, com uma companheira grávida e tudo por organizar num universo desconhecido. Instalámo-nos num apartamento escolhido sem visitar num bairro que não conhecíamos, a “sakura” tornou a cidade mais acolhedora nesses dias, o novo trabalho complicou-se significativamente na medida da aceleração da propagação local do covid-19, com as inerentes implicações sobre métodos lectivos à distância, menos familiares e muito mais trabalhosos, e a nossa filha acabaria por chegar poucos meses depois, já sem “sakura”, mas com o verão a rebentar. Foi um ano difícil, portanto, e formidável, sobretudo, mas também imprevisível a cada momento: haverá mais ou menos restrições à mobilidade na próxima semana? Voltaremos a aulas em sala e terei finalmente oportunidade de conhecer as minhas alunas? Como se vive no nosso bairro? Será também assim sem covid? E a vida na cidade, como será depois da pandemia? A todas as incertezas, imprevisibilidades e maravilhas por descobrir na pequena criatura que se juntou a nós, tivemos outras incertezas em quase todos os domínios da nossa existência durante este último e inusitado ano. E, no entanto, ela cá está outra vez, a “sakura”, a assinalar a passagem regular dos ciclos, a persistência, a presença da natureza e da terra. Lembra-me que passou um ano e que tudo o que podia ter corrido mal afinal correu bem. E que há outro ciclo a começar: um novo ano lectivo, agora em salas de aula, mas com as desconfianças necessárias, uma cidade que vamos conhecendo aos poucos, uma miúda que nos enche os mundos para lá dos nossos limitados horizontes. Cá estaremos para mais uma volta. A “sakura” também estará, isso é certo, por pouco previsíveis que continuem a ser os dias.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA inatingibilidade dos 2ºC até 2100 “It is worse, much worse, than you think. If your anxiety about global warming is dominated by fears of sea-level rise, you are barely scratching the surface of what terrors are possible. In California, wildfires now rage year-round, destroying thousands of homes. Across the US, “500-year” storms pummel communities month after month, and floods displace tens of millions annually.” David Wallace-Wells The Uninhabitable Earth: Life After Warming Antes saber o que os governos estão a fazer, devemos lembrar-nos do que poderiam ter feito no passado e infelizmente não o fizeram. O primeiro grito de alarme foi lançado há muitos anos pelo Clube de Roma com o seu “Relatório sobre os Limites ao Desenvolvimento”, publicado em 1972, que previa que o crescimento económico não poderia continuar indefinidamente devido à limitada disponibilidade de recursos naturais, especialmente petróleo, e à limitada capacidade do planeta para absorver poluentes. Um grito que não foi ouvido. A 23 de Junho de 1988, James Hansen, um dos principais cientistas da NASA, disse ao Congresso dos Estados Unidos que o aquecimento global não se aproximava, mas que tinha chegado. Esse testemunho, levado directamente aos salões de poder da maior potência económica e industrial do mundo, foi o início oficial da era das alterações climáticas. Os políticos, infelizmente, apenas se preocupam com as próximas eleições, não com o que poderá acontecer nos próximos vinte anos. Tudo o que fazem é falar do PIB e do crescimento económico que deve aumentar todos os anos, sem ter em conta que o crescimento não pode ser ilimitado porque os recursos não são infinitos, e o crescimento infinito é característico do cancro. Todavia existem etapas principais a considerar no caminho para conter o efeito de estufa. Em 1992, o Tratado do Rio foi alcançado, mas não estabeleceu limites obrigatórios de emissões de gases com efeito de estufa para os países, mas estipulou que os signatários se reuniriam em conferências anuais especiais para assinar acordos destinados a reduzir a produção de CO2. A Conferência das Partes (COP na sigla inglesa) é a reunião anual dos países signatários da Convenção das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (UNFCCC na sigla inglesa) assinada em 1992 na Cimeira da Terra no Rio de Janeiro. Durante a conferência, os delegados analisam os progressos feitos na abordagem do fenómeno das alterações climáticas. A primeira COP foi realizada em 1995 em Berlim. O protocolo mais importante é o Protocolo de Quioto, adoptado em 1997. O seu objectivo declarado é “conseguir a estabilização das concentrações de gases com efeito de estufa na atmosfera a um nível suficientemente baixo para evitar interferências antropogénicas prejudiciais ao sistema climático”. Na conferência climática de 2015 em Paris, os Estados fixaram um objectivo ambicioso de limitar o aumento da temperatura global a 1,5 por cento em vez dos 2 por cento fixados pela conferência anterior em Copenhaga em 2009. A diferença de meio grau centígrado pode parecer pequena, mas na realidade a diferença seria substancial. Passar de +1,5°C para 2°C significaria muito mais milhões de pessoas a enfrentar a ameaça da subida das águas nas ilhas e zonas costeiras, mais milhões de pessoas passariam fome, os insectos polinizadores seriam duas vezes mais ameaçados, a acidez dos mares subiria e milhões de toneladas de peixe morreriam, os dias extremamente quentes e os incêndios florestais aumentariam, as colheitas seriam mais difíceis de cultivar. A COP24 que se realizou de 3 a 14 de Dezembro de 2018, foi a conferência sobre o clima que serviu para definir as regras de implementação do Acordo de Paris de 2015, e teve lugar em Katowice, na Polónia. Encerrou com a adopção do ‘Pacote Climático de Katowice’, ou seja, o há muito esperado ‘livro de regras’ com o qual se pretende implementar o “Acordo Climático de Paris”. O pacote estabelece primeiro como os países fornecerão informações sobre as suas contribuições nacionais para reduzir as emissões, incluindo medidas de mitigação e adaptação e pormenores sobre o financiamento climático para as economias em desenvolvimento. Este é um elemento chave que estabelece as normas que as Partes terão de obedecer, tornando mais difícil desviar-se do seu compromisso. O pacote inclui também directrizes para a definição de novas metas financeiras a partir de 2025 e para a avaliação do progresso no desenvolvimento e transferência de tecnologia. Na COP24, a atitude das principais potências em relação ao relatório científico do IPCC foi decepcionante. A pressão dos Estados Unidos, Arábia Saudita, Rússia e Kuwait fez-se sentir e no texto final de Katowice chegou-se a uma declaração de “compromisso” na qual as partes apenas saudaram a publicação do IPCC, em vez de reconhecerem e concordarem com as suas conclusões. Um dos tópicos controversos da COP24 sobre alterações climáticas acabou por ser a forma como os países irão aumentar as suas metas de redução de emissões. Na situação actual, as “Contribuições Determinadas a Nível Nacional (CND na sigla inglesa) ” garantiriam um aumento da temperatura global de 3°C em relação aos níveis pré-industriais, isto é, 1,5 graus mais do que o recomendado pelo último relatório do IPCC. Entre as questões ainda por resolver (e adiadas para a próxima Conferência das Partes) está a utilização de abordagens de cooperação e do mecanismo de desenvolvimento sustentável, contidas no Artigo 6 do Acordo de Paris. Esta passagem é suposto permitir aos países cumprir parte dos seus objectivos nacionais de mitigação através da utilização de “mecanismos de mercado”, tais como mercados de carbono ou contagem de créditos de CO2 ligados às florestas; contudo, posições divergentes na cimeira polaca impediram que estes instrumentos fossem definidos no pacote. A COP25 realizou-se em Madrid, de 2 a 13 de dezembro de 2019, incorporando a 25.ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC na sigla inglesa), a 15.ª reunião das partes do Protocolo de Quioto (CMP15 na sigla inglesa) e a segunda reunião das partes do Acordo de Paris (CMA2 na sigla inglesa). A COP25 tinha como objectivo finalizar os últimos elementos do regulamento de Paris e começar a trabalhar nos futuros objectivos de emissões e não se realizou em 2020 devido à COVID-19. Mas o momento crucial chegará na COP26, que se realizará em Glasgow, na Escócia, de 1 a 12 de novembro de 2021, sob a presidência do Reino Unido, quando os países tiverem de mostrar que cumpriram o prazo para os seus actuais compromissos de emissões e produzir novos objectivos para 2030. Há muitas indicações de que infelizmente o aquecimento global será inevitável e muito mais severo do que pensamos. As razões do pessimismo são variadas, primeiro devido à inadequação e ineficiência dos políticos e decisores políticos que não abordam as questões a longo prazo. Segundo, devido ao egoísmo individual e à resistência à mudança da grande maioria das pessoas. Terceiro, por causa dos interesses nacionais que são postos à frente dos interesses globais. Quarto, devido aos “feedbacks” negativos que parecem já ter sido desencadeados e que continuarão a fazer com que a quantidade de gases com efeito de estufa na atmosfera e, consequentemente, a temperatura média global aumente cada vez mais e rapidamente. Relativamente ao primeiro ponto, infelizmente o horizonte dos políticos está limitado ao das próximas eleições. O que poderá acontecer dentro de muitos anos tem pouco efeito sobre eles, porque não se sabe irá então governar e obtêm muito mais votos ao ostentarem questões que afectam directamente os interesses do povo do que os do ambiente. Quanto ao ponto dois, o homem é egoísta e possessivo. Desde muito cedo aprendeu a dizer “é meu”. A reacção mais comum das pessoas quando obtêm algo não é a satisfação, mas o desejo de ter ainda mais. A fidelidade ao dinheiro é uma religião. É melhor ter um ovo hoje do que uma galinha amanhã, porque agora estou vivo e saudável, e amanhã quem sabe. E depois a resistência à mudança, pois a nossa mente é habitual por natureza e por isso a mudança custa energia e esforço, e daí resiste. A mudança significa a quebra de um padrão, de uma forma de ser e de funcionar que é familiar, para passar para outro completamente novo e estranho. Estas são algumas das razões pelas quais, em vez de termos em conta que temos apenas uma Terra e de fazermos investimentos para um futuro melhor, nos lançámos no consumismo mais desenfreado, não nos preocupando com o ambiente e com o legado prejudicial que deixamos aos nossos filhos e netos. O terceiro ponto pode ser relacionado com o anterior, porque, no final, os países são governadas por indivíduos que pensam em termos egoístas a nível nacional e as pessoas apoiam-nas porque o nacionalismo prevalece. Quanto ao último ponto, é muito provável que, mesmo que amanhã tenhamos milagrosamente conseguido reduzir completamente todas as emissões de CO2, os automatismos e os “feedbacks” negativos que foram postos em marcha continuariam a provocar o aumento da temperatura média global, ainda que mais lentamente. Deve estar a perguntar-se como é que isto é possível. Os “feedbacks negativos” devem ser considerados e revistos, alguns dos quais são desconhecidos da maioria. Assim, quanto ao gelo derretido e calotas polares, 40 por cento do nosso planeta está coberto por gelo e neve, incluindo o Árctico, a Antárctida e vários glaciares como os dos Himalaias, Patagónia, Alasca e os Alpes. A neve e o gelo têm um alto poder reflector enquanto o solo, que é muito mais escuro, absorve mais calor. Quando o gelo derrete completamente e o solo permanece descoberto, a temperatura do solo aumenta consideravelmente, elevando o derretimento do gelo e assim por diante, resultando num aumento da temperatura global. Quanto ao derretimento do “permafrost” que é um termo inglês composto de “permanent” (permanente), e “frost” (geada, congelado) que, indica um terreno típico de regiões como a Sibéria, Alasca, Gronelândia e Canadá onde o solo é permanentemente congelado mesmo em profundidade, em média de trezentos a seiscentos metros. É um tipo particular de solo que ocupa dezanove milhões de quilómetros quadrados, cerca de 24 por cento do hemisfério norte da Terra. O “permafrost” contém quantidades muito grandes de metano. O metano é um dos quatro gases com efeito de estufa que contribuem para o aquecimento global, mas tem um efeito muito poderoso, estimado em vinte a trinta vezes o do dióxido de carbono. O aquecimento provoca o derretimento do “permafrost”. À medida que o “permafrost” derrete, a matéria orgânica começa a decompor-se, libertando metano, o que eleva ainda mais a temperatura. E assim por diante. Infelizmente, no Alasca, os cientistas notaram que vinte metros abaixo do solo a temperatura é 3°C mais elevada. O descongelamento do “permafrost” poderia reintroduzir uma grande quantidade de dióxido de carbono que tem estado congelado durante milénios na atmosfera, o que iria alimentar ainda mais o aquecimento global. Para piorar a situação, o resultado de um estudo recente, publicado na Nature Climate Change, revelou que o “permafrost” é 20 por cento mais sensível ao aquecimento global do que o anteriormente estimado. Se derretesse seria susceptível de causar um aumento mais rápido e mais elevado da temperatura da Terra do que anteriormente previsto e seria libertado na atmosfera o dobro do dióxido de carbono. Quanto à libertação de CO2, o aquecimento dos oceanos que absorvem 90 por cento do calor do aquecimento global, continuam a aquecer. O oxigénio e o dióxido de carbono são menos solúveis na água mais quente. À medida que o oceano aquece, estes gases tendem a ser libertados para a atmosfera, contribuindo para o aumento do CO2 global e desencadeando assim um ciclo vicioso. Quanto à dessalinização oceânica, à medida que o gelo da Terra derrete, a água doce que escapa penetra na água salgada do mar, reduzindo a sua salinidade. À medida que a concentração de sal é reduzida, as massas de água tornam-se mais leves e consequentemente têm dificuldade em descer para as profundezas para arrefecer o fundo do oceano e aumentar a sua temperatura. Quanto aos hidratos de metano no fundo dos oceanos, poucas pessoas sabem, a menos que tenham lido o livro de Frank Schätzing “O Quinto Dia”, que um dos maiores reservatórios de metano do planeta são os hidratos de metano. Estes são compostos semelhantes a gaiolas, ou seja, treliças de moléculas de água congelada que incorporam metano no seu interior e que são criadas sob condições de altas pressões e baixas temperaturas. Encontram-se geralmente no fundo do mar onde a água é muito fria e a pressão, devido à profundidade, muito elevada. A profundidade varia de acordo com a temperatura da água. No Pólo Norte, trezentos metros podem ser suficientes, enquanto em mares mais quentes formam até quatro mil metros. O fundo do oceano é rico, especialmente ao longo das margens dos continentes, onde a terra desce até às profundezas do oceano, graças à acumulação de material orgânico que se deposita no fundo. A reserva de metano contida nos hidratos é enorme. Estima-se que seja mais do dobro do equivalente em metano de todos os depósitos fósseis conhecidos (petróleo, carvão, gás natural). Formam-se a altas pressões e baixas temperaturas. À medida que a temperatura aumenta, o gelo pode derreter e dar lugar ao metano que subiria à superfície e depois passaria para a atmosfera. É de lembrar que o metano é um gás com efeito de estufa mais de vinte vezes potente do que o dióxido de carbono. A fuga de metano dos hidratos pode portanto criar um aumento perigoso do efeito de estufa, o que levaria a novos aumentos de temperatura e, portanto, à possível libertação de outros hidratos, com a libertação de mais metano, e assim por diante. Quanto à absorção de CO2 dos oceanos, o aquecimento da água e a redução da salinidade estão a diminuir a capacidade de absorção de CO2 dos oceanos. O mar Antárctico absorve até 40 por cento do dióxido de carbono produzido pelas actividades humanas. Esta convulsão ameaça comprometer um equilíbrio delicado e alimentar grande do mecanismo de “feedback”. Quanto ao aumento do vapor de água na atmosfera, os gases com efeito de estufa são responsáveis, como sabemos, pelo aquecimento global através da retenção da radiação térmica da Terra. Este mecanismo também aumenta a acumulação de vapor de água atmosférico, o que é considerado o derradeiro gás com efeito de estufa. Por sua vez, quanto mais vapor houver, maior será a humidade, que causa ainda mais calor, desencadeando um ciclo vicioso no processo de aquecimento. Quanto à espessura das folhas, como resultado do crescimento do dióxido de carbono na atmosfera, as plantas têm uma reacção curiosa, pois aumentam a grossura das suas folhas em até um terço, alterando parcialmente a sua capacidade de capturar CO2 e assim sequestrando menos carbono atmosférico. Até agora, ninguém tinha considerado as consequências deste fenómeno fisiológico sobre o clima global. Dois investigadores da Universidade de Washington incluíram esta informação em modelos climáticos globais que são responsáveis pelo aumento previsto do dióxido de carbono até ao final do século. As simulações mostram que as temperaturas globais podem aumentar mais 0,3 a 1,4 graus devido a este fenómeno, o que não é certamente pouco. Se acrescentarmos a tudo isto o aumento da população mundial, estimado em cerca de dez mil milhões de pessoas em 2050 (com o consequente aumento do consumo), a desflorestação, a desertificação e os incêndios para reduzir a capacidade de absorção de CO2 da Terra, o processo de aquecimento global só pode ser irreversível. Uma pesquisa da Universidade de Washington, que fez uma análise estatística das possibilidades que temos de reduzir o aumento da temperatura nas próximas décadas, mostra que o objectivo de manter o aumento da temperatura dentro de dois graus é agora inatingível. De acordo com a investigação publicada na revista Nature Climate Change, as probabilidades de até ao final do século o aumento da temperatura estar entre 2 e 4,9 graus são de 90 por cento. Tendo em conta os muitos efeitos de “feedback” referidos, estas são provavelmente também estimativas demasiado conservadoras. Os negacionistas, como o ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump e outros, sob o pretexto de ondas de geadas excepcionais, afirmam que o aquecimento global não tem fundamento. Os cientistas, por outro lado, apontam para o facto de que é o calor que está a trazer mais variabilidade, aumentando os eventos extremos. Assim, teremos ondas de calor e frio cada vez mais significativas. Algumas ondas frias podem até ser persistentes, e apresentam-se mesmo com grandeza histórica, e foi o que aconteceu na última década em várias regiões do planeta. O exemplo muito recente é a excepcional vaga de frio que atingiu os Estados Unidos no final de Janeiro de 2019, com 50°C abaixo de zero e o calor recorde na Austrália em meados de Janeiro com +50°C seguido de chuvas torrenciais que se estão a repetir no momento. À medida que o planeta aquece, globalmente não teremos invernos mais frios do que no passado, em vez disso a temperatura média planetária para a estação do Inverno será mais alta do que o normal e será maior no nosso Boreal do que no Hemisfério Sul.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesO mês das Mulheres O dia da Mulher foi no dia 8, o dia da Mãe em muitos locais do globo foi na segundo Domingo do mês de Março. Muitas são as pessoas que têm feito as suas homenagens às mulheres das suas vidas durante este período. Muitas são as pessoas que aproveitam para desbravar um território mais inclusivo para os temas da mulher. Ao contrário do que vos dizem, o campo está longe de ser simples. O mês dá azo a muita celebração e contestação porque a forma de sermos mulheres pode ser, e é, bastante discutida e posta em causa. A Cindy Lauper está bastante satisfeita que o seu clássico dos anos 80 tenha sido re-interpretado para dar luz a estes assuntos importantes. “Girls just wanna have fun-damental rights”, dizem os novos slogans. Um direito básico que tomamos como garantido nas sociedades modernas, um direito mais facilmente identificado como em falta em sociedades em desenvolvimento. Como e por que é que estes direitos ainda não estão totalmente garantidos em lado nenhum, obriga a uma análise cuidada das causas e consequências destas dinâmicas de desigualdade. Num mundo dado a olhar para coisas com a sua lente mui conhecida da heteronormatividade, ou seja, de presunção que a única constelação íntima e romântica é a heterossexual, olha-se para a desigualdade de género nas dinâmicas de um suposto polo feminino e masculino. Fala-se a partir de uma visão do mundo onde é claro quem é uma mulher (e um homem), em que se assume a posição da vítima e do abusador. Fala-se da força física dos homens, e da vulnerabilidade e pequenez das mulheres. Estes são adereços simbólicos que ajudam a simplificar o que é complexo – mas que não precisa de ser simplificado. O problema da simplificação é que peca pela exclusão. Inclusão, neste e em todos os contextos da nossa vida, é valorizar a diversidade. Não há nada mais justo do que a diversidade. As vulvas e as vaginas não são uma garantia de identificação de mulher. Ter um aspecto “feminino” também não é precondição. Ter a menstruação não é um traço definidor. Ter mamas também não. Houve quem celebrasse o tão recente dia da mulher com descrições idílicas das supostas rotinas matinais de cuidados de pele, maquilhagem, cabelo e roupa. Isso também não define o ser mulher. Mesmo assim, apesar de não definirem absolutamente nada, fazem parte da experiência, ainda que insistam numa ideia estereotípica da mesma. É preciso fazer mais. É necessário um olhar crítico para as formas de representação e linguagem que excluem a experiências das outras mulheres que não encontram legitimidade social para o serem. Num mês como este nota-se ainda mais a urgência de se criar um espaço, físico e simbólico, onde todas possam caber. A dificuldade, contudo, é que na tentativa de ser tudo, cai-se no erro de não se ser nada. Não se podem perder de vista as particularidades de tudo o que implica a desigualdade de género e a violência que ainda existe pelo que é fora da suposta norma. São cada vez mais necessárias visões sistémicas e integradoras dos fenómenos para perceber as muitas forças que moldam as expectativas e definições de género. Expectativas essas que moldam o preconceito por certas visões do mundo, frequentemente vangloriando as visões fisiológicas e biológicas como a solução para o mundo social. Quem dá sentido ao que é ser-se mulher, somos nós, seres pensantes, não são os genitais. Na constante reivindicação por uma definição de mulher verdadeiramente inclusiva, que se discutam com franqueza todas as outras formas de se ser. Porque para se ser mulher, basta sentirmo-nos mulheres.