O sucesso do Partido Comunista Chinês

“In accordance with the principle of Marxism, the economy is the foundation of all kinds of development. Therefore, as long as economic development is achieved, society will be relatively stable and the legitimacy of CCP governance will be strengthened.”
Mu Chunshan

 

Desde o início da civilização humana, a humanidade tem procurado a melhor forma de governo. Durante milhares de anos, os nossos sistemas políticos evoluíram constantemente com a mudança dos valores políticos e o progresso das civilizações humanas, até ao final dos anos de 1980 quando se afirmou que esta evolução tinha chegado ao fim.

O colapso dos regimes comunistas na Europa de Leste e na União Soviética parecia marcar o golpe de misericórdia do comunismo e sugerir a superioridade da democracia liberal ocidental. Desde então, a democracia liberal ocidental tem sido reivindicada como “o ponto final da evolução ideológica da humanidade” e “a forma final do governo humano”.

Parecia que, mais cedo ou mais tarde, a democracia liberal ocidental, o chamado “melhor” sistema político e a “última” conquista da humanidade iria derrotar todas as outras formas de sistemas políticos (de qualidade inferior) e tornar-se a única forma de governo no mundo. Pelo contrário, a sua resiliência tem colocado desafios sem precedentes ao domínio esmagador da democracia ocidental. Agora, mais de trinta anos após a queda do comunismo na Europa Oriental e na União Soviética, o partido comunista na China tem colocado um forte desafio à democracia liberal ocidental. Em vez de cair, como muitos esperavam durante décadas, o Partido Comunista Chinês (PCC) realizou um milagre económico notável além de um controlo inimaginável sobre a COVID-19.

Em 2011, a China ultrapassou oficialmente o Japão para se tornar a segunda maior economia do mundo. Com uma taxa de crescimento anual do PIB superior a 7 por cento, espera-se que a China se torne a maior economia mundial dentro de uma década. De acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), a China tinha, em 2014, substituído os Estados Unidos para se tornar a maior economia do mundo. Agora, mais do que nunca, o mundo tem-se interrogado se ou mesmo quando é que a China irá liderar o mundo. A 1 de Julho de 2021, o PCC celebrou 100 anos desde a sua fundação com uma série de eventos públicos destinados a legitimar o domínio do partido sobre a China e a autoridade absoluta do seu líder, o Presidente Xi Jinping.

O regime comunista da China atribui grande valor simbólico aos aniversários, pelo que o centenário é considerado uma data extremamente importante, e uma ocasião cuidadosamente preparada para recordar ao país e ao mundo as realizações do regime e durante uma cerimónia maciça diante de mais de setenta mil pessoas em Pequim, o Presidente Xi disse que nada podia deter a ascensão da China e que “só o socialismo pode salvar” o país. Sendo a única força política que governa com autoridade a segunda maior potência mundial, o PCC é sem dúvida o partido político mais poderoso do mundo, e a sua permanência no poder desde 1949 até ao presente tem desmentido e surpreendido muitos peritos ocidentais que ao longo das décadas previram o seu colapso. Hoje, todos acreditam que o poder do partido é sólido, graças a uma mistura de adaptabilidade, preparação e legitimidade por parte da liderança comunista, que aprendeu a equilibrar a autoridade com os benefícios derivados do crescimento económico excepcional.

O sucesso do Partido Comunista também foi reconhecido no estrangeiro. Para os Estados Unidos e o Ocidente, por exemplo, a China tornou-se não só um adversário estratégico, mas também um adversário ideológico, pois o modelo de governo apresentado pelo partido apareceu tão eficiente nos últimos anos que Joe Biden, o presidente americano, disse recentemente que o sucesso da China levou o mundo a perguntar “se as democracias são capazes de competir”.

De muitas maneiras, então, os membros do PCC poderiam celebrar o aniversário com satisfação. Mas apesar disso, o Partido nunca deixou de governar a China, com uma mistura de optimismo, preocupação e ansiedade.

O Presidente Xi Jinping, desde que chegou ao poder, forçou o aparelho do Partido a estudar o colapso da União Soviética, nos anos de 1990, para evitar cometer os mesmos erros. O PCC não foi realmente fundado a 1 de Julho de há cem anos. Esta data convencional foi escolhida nos anos de 1940 do século XX, mas a maioria dos historiadores concorda que a reunião secreta em que o Partido foi fundado teve lugar a 23 de Julho desse ano, numa casa da Concessão Francesa em Xangai, a área da cidade dominada pelos colonialistas franceses (nessa altura várias potências ocidentais tinham dividido a cidade, ocupando grandes áreas). O encontro contou com a participação de menos de quinze pessoas, incluindo o jovem Mao Tse Tung, que em poucos anos se tornou o líder indiscutível do Partido.

Em 1921 o Partido Comunista tinha apenas cerca de cinquenta membros, mas rapidamente cresceu e tornou-se uma ameaça para o Kuomintang, o partido nacionalista presidido por Chiang Kai-shek, que então governava a China. A rivalidade entre os dois partidos transformou-se numa guerra civil em 1927, durante a qual o Partido Comunista se viu à beira de poder ser destruido. Em 1934 veio a Longa Marcha, uma retirada maciça das forças comunistas lideradas por Mao, que ao longo de vários meses viajou nove mil quilómetros a pé para retirar-se ao exército do Kuomintang. A Longa Marcha é considerada como um acto de coragem excepcional. A guerra civil foi interrompida pela invasão da China pelo Japão em 1937, e pelo início da II Guerra Mundial em 1939, quando o Partido Comunista e o Kuomintang se aliaram para contrariar a invasão japonesa. Os conflitos civis recomeçaram após o fim da II Guerra Mundial em 1945, e as forças do Kuomintang, enfraquecidas pela guerra com os japoneses e desencorajadas pelo regime corrupto e ineficiente de Chiang Kai-shek, foram incapazes de responder ao avanço comunista, embora fossem apoiadas pelos Estados Unidos.

Em 1949 os comunistas entraram em Pequim, e a 1 de Outubro Mao anunciou a fundação da República Popular da China, enquanto Chiang Kai-shek e o que restava das forças nacionalistas fugiram para Taiwan. O período entre 1949 e a morte de Mao em 1976 foi marcado por uma enorme mudança. O Partido Comunista consolidou o seu poder sobre toda a China excepto Taiwan, mas sob a liderança de Mao existiram dois funestos períodos que foi o Grande Salto em Frente de 1958, tendo-se registado uma das maiores fomes da história e a Revolução Cultural de 1966. Após a morte de Mao, o líder mais importante do Partido Comunista (e da China como a conhecemos) foi Deng Xiaoping, que alcançou dois resultados importantes no espaço de poucos anos pois a partir de 1979, reformou gradualmente a economia chinesa para a abrir ao mercado e ao livre empreendimento, lançando as bases para o crescimento económico excepcional das décadas seguintes, que tirou centenas de milhões de pessoas da pobreza e também reformou o Partido para evitar desastres e instabilidade.

Pôs fim ao governo absoluto de Mao, tornando a gestão do Partido mais colegial; impôs um limite de dois mandatos e cinco anos aos cargos de presidente da China e secretário-geral do Partido (tradicionalmente ocupado pela mesma pessoa, indicando a identificação entre o Partido e o Estado); e eliminou o culto à personalidade que Mao tinha cultivado até à sua morte. O principal sucesso de Deng foi ter conseguido criar um novo pacto social entre o Partido Comunista e o povo chinês, segundo o qual o Partido garantiria o crescimento económico e a prosperidade, bem como um grau crescente de liberdade pessoal, em troca de um controlo absoluto sobre a vida política do país. Os dois sucessores de Deng, Jiang Zemin e Hu Jintao, respeitaram largamente a abordagem dada ao Partido e a estrutura política do país desenvolveu-se a partir de 1979, e inicialmente parecia que Xi Jinping, filho de um proeminente líder comunista que tinha feito a revolução com Mao também iria manter o status quo.

Nomeado Secretário-Geral do Partido em 2012 e Presidente da China em 2013, Xi provou ser o líder mais ambicioso e inovador desde Mao e Deng. No início do seu mandato, lançou uma grande campanha anticorrupção que colocou centenas de milhares de pessoas, incluindo muitos membros de alto nível do Partido, sob investigação, e nos anos seguintes limpou algumas das estratégias maoístas que tinham sido abandonadas por Deng. Apertou a disciplina ideológica, forçando os funcionários a sessões contínuas para estudar a teoria comunista, que entre outras coisas tem um forte elemento de revisionismo histórico, enquanto até há poucos anos atrás o debate sobre o legado de Mao era relativamente vivo mesmo dentro da China, e actualmente aqueles que questionam as primeiras três décadas de domínio comunista sobre o país são acusados de “niilismo histórico”.

O Presidente Xi reavivou o culto da personalidade e limitou a gestão colegial do Partido, que está em grande parte nas suas mãos. Mais importante ainda, em 2018, fez avançar a remoção do limite de dois mandatos para a presidência, sugerindo que permanecerá no poder depois de 2023, quando o seu mandato estiver prestes a terminar.

Tendo concentrado o poder dentro do Partido, o Presidente Xi Jinping estendeu a sua influência a numerosos estratos da sociedade como disse num discurso em 2017, “a leste, oeste, sul e norte, o Partido comanda tudo”. As empresas públicas voltaram a tornar-se centrais para a economia, e o governo criou gabinetes de controlo político geridos pelo partido na maioria das grandes empresas privadas. Muitos empresários famosos, como o fundador da Alibaba, Jack Ma, só recentemente revelaram que são membros do Partido. O poder do Partido estendeu-se a toda a sociedade sob a vigilância do Presidente Xi Jinping. Sob o domínio do Presidente Xi Jinping, o PCC chega aos 100 anos desde a sua fundação, aparentemente em excelentes condições. Governou a China durante 72 anos, e em dois anos, em 2023, ultrapassará o Partido Comunista da União Soviética como o Partido Comunista com o mais longo mandato no poder.

Tem mais de noventa e cinco milhões de membros e não faltam novos recrutas, porque a filiação no Partido é necessária para obter os empregos seguros e bem pagos na função pública e em empresas estatais. O Presidente Xi Jinping ordenou nos últimos anos que a taxa de novas admissões fosse reduzida, para diminuir o número de especuladores. Além disso, várias pesquisas independentes realizadas ao longo dos anos demonstraram que o nível de satisfação das pessoas com a administração pública é bastante elevado, e as grandes celebrações do centenário que começaram há meses com um enorme esforço levou à publicação de filmes patrióticos, à exibição de cartazes, à organização de inúmeras cerimónias públicas e de grandiosos eventos comemorativos transmitidos ao vivo na televisão que deveriam reforçar entre os chineses o sentimento de patriotismo e nacionalismo que o Presidente Xi Jinping cultiva há anos.

O segredo da longevidade do partido reside também numa mistura de “resiliência”, “adaptabilidade ideológica”, e a capacidade de redistribuir os lucros do crescimento económico ao contrário dos partidos dominadores que governaram outros países no passado, o PCC conseguiu conter pelo menos parte da corrupção e não se transformar numa cleptocracia. Apesar disso, o Partido foi capaz de resolver várias contradições perigosas. O Financial Times escreveu que o PCC dirige uma economia sofisticada, de alta tecnologia, animada por energias que teriam sido familiares a Milton Friedman (economista americano considerado um dos maiores campeões do mercado livre).

Segundo muitos estudiosos, o Presidente Xi Jinping e funcionários do Partido estão convencidos de que o apoio da população não está a mudar e que o contrato social estipulado no tempo de Deng e renovado até hoje é duradouro, porque a adesão do povo chinês ao domínio do Partido Comunista não é ditada pela ideologia ou convicção, mas pelas boas condições de oportunidade económica, prosperidade e autonomia pessoal que o Partido tem conseguido assegurar nas últimas décadas. Só se estas condições falhassem o que não é minimamente previsível, o Partido poderia entrar em colapso. Esta é também a razão pela qual desde que chegou ao poder o Presidente Xi Jinping citou repetidamente a União Soviética. O Presidente Xi despreza Nikita Khrushchev, o líder soviético que iniciou algumas tímidas reformas políticas nos anos de 1960, e especialmente Mikhail Gorbachev, que no final dos anos de 1980 e início dos anos de 1990 introduziu reformas que levaram ao “súbito e retumbante” colapso do Partido Comunista Soviético. O colapso aconteceu porque “ninguém era homem suficiente para se levantar e resistir”, disse o Presidente Xi num discurso interno do Partido no início do seu mandato, e é bastante claro que pretende ser esse homem.

Da varanda acima da Porta de Tiananmen, onde Mao declarou o início do regime comunista em 1949, o Presidente Xi Jinping abriu as celebrações para assinalar o centésimo aniversário do nascimento do PCC com o sorriso confiante de quem está consciente de que é o líder vitalício do único poder capaz de assustar os Estados Unidos e de ser o secretário do partido mais poderoso do mundo. O Presidente Xi espancou os “inimigos do povo”, tanto internos como externos. Vestido com um fato cinzento “maoísta” e mantendo a sua habitual atitude seráfica, o “Tio Xi”, como gosta de ser chamado pelo povo que realmente o teme por causa do seu superpoder e do seu punho de ferro contra a mais pequena forma de dissidência, fez um discurso apologético para com os fundadores do PCC e exaltou o desempenho do “Dragão”, que num século deixou de ser uma criatura pobre e atrasada para passar a ser uma muito rica e moderna.

No que diz respeito ao resto do mundo, o Presidente Xi reservou palavras de desprezo como nunca antes o tinha feito. Esta é uma reacção previsível, especialmente após a recente digressão do Secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, com o objectivo de reunir a Europa e todo o Ocidente contra o “Dragão”, mas o Secretário-Presidente acrescentou uma não pequena agressão por esta oportunidade. O líder advertiu que quem tentar intimidar a China “verá derramamento de sangue”. No seu discurso de tomada de posse foi o Presidente Xi quem apresentou uma agenda mais arrojada, para o dizer de forma suave, na esfera estrangeira, mas a selecta multidão aplaudida não parecia lembrar-se disso.

Afinal de contas, aqueles que participaram na cerimónia fazem parte do estabelecimento e concordam com a linha de pensamento do Presidente Xi. E se não estivessem de acordo, não o mostrariam. Durante uma hora, numa linguagem invulgarmente enérgica, o presidente também afirmou que a nação deve respeitar a regra do partido único, enfatizando o papel dos comunistas em trazer a China para a proeminência global. O Presidente Xi, que está a considerar um terceiro mandato como secretário do PCC a partir do próximo ano, recebeu os mais altos aplausos quando disse que o partido tinha restaurado a dignidade da China após décadas de subjugação às potências ocidentais e ao Japão nos séculos XIX e XX.

O Presidente Xi afirmaria que “O povo chinês não permitirá absolutamente que qualquer força estrangeira nos oprima ou nos escravize, e quem tentar fazê-lo enfrentará cabeças partidas perante a Grande Muralha de Ferro de 1,4 mil milhões de chineses”. O Presidente Xi também garantiu que o partido manterá o controlo absoluto sobre os militares, que agora tem o segundo maior orçamento anual do mundo, depois dos Estados Unidos.

“Transformaremos o Exército Popular num exército de classe mundial, com capacidades ainda mais fortes e meios ainda mais fiáveis para salvaguardar a soberania, a segurança e os interesses do desenvolvimento da nação”. Uma promessa aos chineses, uma ameaça para os povos do resto do mundo. É importante de realçar outras passagens do seu discurso como a de que “O renascimento da China é um processo histórico irreversível assim como o povo chinês acordou e os tempos em que poderiam ser pisados, ou sofrer e ser oprimidos nunca mais voltarão”.

“Nunca aviltámos povos de outros países e nunca o faremos, e não permitiremos que forças estrangeiras nos abusem, oprimem ou subjugam”. Aqueles que o tentarem fazer “encontrar-se-ão em rota de colisão” com Pequim. A China acolherá sugestões de outras culturas, mas não aceitará “pregações fanáticas” no seu caminho de desenvolvimento. “Vamos assegurar que o desenvolvimento da China permaneça firmemente nas nossas mãos”, acrescentou o Presidente XI. Qualquer tentativa de dividir o Partido do povo, advertiu, está condenada ao fracasso pois o PCC está enraizado no povo e representa os interesses fundamentais do povo chinês.

O presidente Xi prosseguiu dizendo que resolver a questão de Taiwan e conseguir a reunificação completa da ilha com a China é uma “missão histórica” do PCC. “Ninguém deve subestimar a determinação do povo chinês em defender a sua soberania nacional e integridade territorial”, e que “só o socialismo pode salvar a China, e só o socialismo com características chinesas pode desenvolver a China”. “O povo chinês, não só tem sido bom a destruir o velho mundo, mas também a construir um novo”; a China conseguiu a construção de uma sociedade moderadamente próspera em todos os aspectos.

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