Olavo Rasquinho VozesO Oceano, o clima e o tempo O Dia Meteorológico Mundial (DMM) é celebrado em 23 de março desde 1961, no mesmo dia em que entrou em vigor a Convenção da Organização Meteorológica Mundial (OMM), em 1950. Anualmente é escolhido um tema, que é desenvolvido para chamar a atenção das autoridades e do público para um determinado assunto. O tema deste ano, “O Oceano, o Clima e o Tempo”, serve de pretexto para enfatizar a interdependência entre a hidrosfera e a atmosfera, as quais, conjuntamente com a criosfera, a litosfera e a biosfera, compõem o sistema climático. Quando nos referimos ao “tempo”, pensamos em nuvens, vento, chuva, céu limpo ou nublado, frio ou calor, etc., que poderão ocorrer hoje, amanhã ou, em geral, num período relativamente curto. Já quando nos referimos ao clima, a imagem que nos vem ao espírito é a do tempo médio num período mais longo. Normalmente, para caracterizar o clima de uma região, recorre-se aos valores médios dos parâmetros meteorológicos registados durante um determinado período, de preferência 30 anos no mínimo. Nunca é demais realçar a importância dos oceanos para o tempo e o clima. A sua proximidade atua como que um íman que atrai as populações. Estima-se que cerca de 40% da população mundial habita numa faixa de 100 km junto ao mar. Por outro lado, aproximadamente 90% do comércio mundial é feito através de rotas marítimas. Neles são despejadas diariamente milhares de toneladas de efluentes domésticos, industriais e agrícolas, frequentemente não devidamente tratados. Os derramamentos de óleo e a exploração mineira oceânica também contribuem para a sua poluição. Os oceanos ressentem-se do aquecimento global devido à crescente injeção de gases de efeito estufa na atmosfera, aumentando a sua temperatura, o que potencia a fusão do gelo marítimo, o aumento do nível do mar e a danificação de ecossistemas, como os recifes de coral, de grande importância para a reprodução de numerosas espécies piscícolas. A OMM conta com 193 membros, em que 187 são Estados e 6 são Territórios Membros. Macau foi admitido como Território Membro em 23 de janeiro de 1996, ainda sob administração portuguesa. Curiosamente, para certos assuntos, o voto de um Território Membro vale tanto como o de um Estado Membro. É o caso, por exemplo, da nomeação do Secretário-Geral, que é feita durante os congressos, de 4 em 4 anos, com base no resultado da votação de todos os Estados e Territórios Membros. Assim, para este efeito, o voto de Macau conta tanto como o voto de um grande país, como o Canadá ou a Federação Russa. Pode-se então afirmar que a China tem direito a 3 votos para a eleição do Secretário-Geral, o cargo executivo mais importante da OMM. Os votos de Macau e de Hong Kong são teoricamente independentes dos da China, mas é natural que haja um acordo informal para que convirjam no mesmo candidato. No XIV Congresso da OMM (Genebra, 5-24 maio 2003), o delegado do México criticou este processo de nomeação do Secretário-Geral, tendo pedido esclarecimento por que razão a China tinha direito a 3 votos, o que a colocava em vantagem em relação aos outros países (neste congresso foram apenas 2 votos, por a delegação de Macau não ter podido participar devido à pneumonia SARS). Perante este comentário, o Secretariado da OMM explicou que a China e o Reino Unido haviam solicitado ao XII Congresso (Genebra, 30 maio-21 junho 1995), a inclusão de Hong Kong com a designação “Hong Kong, China” como Território Membro, e que a China e Portugal procederam de igual modo no XIII Congresso (Genebra, 4-26 maio 1999). Ambos os pedidos foram aceites, na medida em que estas regiões administrativas possuem Serviços Meteorológicos próprios, condição para que pudessem usufruir desse direito, conforme estipulado na Convenção da OMM. A China não é caso único, atendendo a que há outros países que também têm direito a mais do que um voto, como, por exemplo, o Reino Unido e a França, devido a administrarem territórios ultramarinos, considerados Territórios Membros. Ninguém acreditaria que os Territórios Caribenhos Britânicos, ou a Polinésia Francesa, votariam de maneira discordante das respetivas potências administrantes. A realidade é que, nos corredores da sede da OMM, durante os congressos, os representantes de alguns países continuam a comentar este processo de eleição. Voltando ao tema do DMM deste ano, é importante salientar a necessidade de assegurar o equilíbrio entre as várias componentes do sistema climático, com especial ênfase para os oceanos e a atmosfera, que têm vindo a sofrer degradação das suas características. Os oceanos cobrem cerca de 70% da superfície da Terra e constituem o maior condicionador das condições meteorológicas. A alteração das suas características repercute-se no comportamento do tempo e, consequentemente, do clima. O aquecimento global, que se atribui à injeção de gases de efeito de estufa resultantes de atividades antropogénicas, afeta não só a atmosfera mas também os oceanos. O aumento da temperatura da água do mar potencia a evaporação, o que implica transferência de energia do mar para a atmosfera, sob a forma de calor latente de evaporação. Perante esta realidade, é natural que haja tendência para uma maior frequência e (ou) intensidade de ciclones tropicais. O que aconteceu na estação dos furacões de 2020, no Atlântico Norte, favorece esta interpretação, na medida em que houve 30 ciclones tropicais aos quais foram atribuídos nomes próprios (tempestades tropicais e furacões), o que fez com que se esgotassem os nomes da lista previamente elaborada pelo Comité dos Furacões (com sede em Miami), entidade homóloga do Comité dos Tufões (com sede em Macau). As listas dos furacões são usadas rotativamente de 6 em 6 anos. Assim, a lista usar em 2021 será a mesma de 2026, exceto no que se refere a eventuais ciclones tropicais cujos nomes virão a ser retirados, devido à sua forte atividade e consequências nefastas. Estas listas constam de 21 nomes de pessoas, alternadamente femininos e masculinos, em ordem alfabética, sem usar 5 letras (Q, U, X, Y e Z), pouco utilizadas como primeiras letras de nomes próprios. A estação dos furacões de 2020 foi, desde que há registos, a mais ativa de sempre. A seguir ao último nome da lista teve de se recorrer, pela segunda vez, a letras gregas para os designar. Foram 9 os ciclones tropicais que excederam a lista: Alpha, Beta, Gamma, Delta, Epsilon, Zeta, Eta, Theta e Iota. Curiosamente, a primeira destas (Alpha) foi atribuída a uma tempestade subtropical que se dissipou sobre Portugal, em 18 de setembro de 2020. A primeira vez que se recorreu ao alfabeto grego foi em 2005, em que ocorreu a segunda estação de furacões mais ativa. A seguir à letra “W” (Wilma) teve de se designar os ciclones tropicais seguintes por Alpha, Beta, Gamma, Delta, Epsilon e Zeta. Foi neste ano que o furacão Vince, anterior ao Wilma, afetou a Madeira e o sul de Portugal continental, já como tempestade tropical. Note-se que têm havido discussões no Comité de Furacões para acabar com a prática de designar as tempestades tropicais e os furacões por letras do alfabeto grego, o que levou à decisão de que, de futuro, não serão mais usadas. Chegou-se à conclusão que as populações têm tendência a subestimar a perigosidade destes sistemas meteorológicos quando não se lhes atribui nomes próprios. Assim, no Atlântico Norte, se na próxima estação de furacões o número de ciclones tropicais ultrapassar 21, aplicar-se-ia uma lista suplementar já estabelecida para esse efeito, com o mesmo número de nomes da lista inicial. O 22º ciclone tropical passaria a chamar-se “Adria” e o último da lista suplementar teria “Will” como nome. É de salientar que os ciclones tropicais se formam sempre sobre os oceanos, em zonas em que a temperatura da água é mais elevada (estatisticamente no mínimo 26,5 graus Celsius), e que, apesar de serem fenómenos por vezes extremamente violentos, são imprescindíveis para o equilíbrio do sistema climático, fazendo com que haja transporte de energia das latitudes mais baixas para as mais altas. Nunca foi tão importante como agora compreender a interação entre os oceanos, o tempo e o clima, na medida em que, sem este conhecimento, não se poderá concretizar o objetivo nº 14 da “Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável”, adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 2015: “Conservar e usar de forma sustentável os oceanos, mares e recursos marítimos para o desenvolvimento sustentável”. A ONU, atenta a esta realidade, deu início este ano à “Década da Ciência do Oceano para o Desenvolvimento Sustentável (2021-2030)”.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesAlterações climáticas não se corrigem por leis e tratados “Over the last half-billion years, there have been five mass extinctions, when the diversity of life on earth suddenly and dramatically contracted. Scientists around the world are currently monitoring the sixth extinction, predicted to be the most devastating extinction event since the asteroid impact that wiped out the dinosaurs. This time around, the cataclysm is us.” Elizabeth Kolbert The Sixth Extinction: An Unnatural History De acordo com investigações publicadas na revista “Geology”, a Terra está a preparar-se para uma nova extinção em massa. Há anos que temos vindo a ver esses sinais nas notícias. Fenómenos extremos tais como furacões de intensidade crescente, trombas de água, inundações, seca prolongada, frio polar, CO2 na atmosfera, gelo derretido, etc., que são tudo consequências do aquecimento global progressivo. Houve cinco grandes extinções na história da Terra durante as quais mais de metade das espécies animais conhecidas desapareceram. Pelo menos duas parecem ter sido causados por um impacto de meteorito, enquanto as outras foram causadas por uma grande alteração ambiental. A maior extinção em massa foi a extinção do Permiano-Triássico, para a qual há provas de grave aquecimento global, acidificação dos oceanos, e falta de oxigénio. Ocorreu há cerca de duzentos e cinquenta e dois milhões de anos. Foi o mais grave evento de extinção em massa jamais ocorrido na Terra, com 81 por cento das espécies marinhas e 70 por cento das espécies terrestres a desaparecerem. Haverá uma sexta extinção em massa? Se a temperatura média global atingir 6°C em comparação com os tempos pré-industriais, certamente que sim. Seis graus mudariam o mundo. Desertos por todo o lado, glaciares e calotas polares completamente desaparecidos, grandes regiões costeiras e ilhas submersas, falta de água potável e alimentos, cidades abandonadas ou com mais metros de água, eventos naturais extremos na ordem do dia, extinção de um número muito grande de espécies. A Terra tornar-se-ia irreconhecível para um homem do nosso tempo. A investigação levada a cabo por um exército de cientistas e estudiosos confirma uma conclusão alarmante. A de que não é possível “corrigir” as alterações climáticas através de leis e tratados circunscritos ou pequenas modificações tecnológicas. É um fenómeno demasiado vasto em termos de espaço, tempo e complexidade. Além disso, as emissões que a provocam são uma consequência bastante directa da superpopulação do planeta, actualmente habitado por cerca de 7,5 mil milhões de pessoas, que dentro de algumas décadas se tornarão quase 10 mil milhões. Houve inúmeros apelos de cientistas aos quais a “Encíclica Laudato Sì 2015” do Papa Francisco foi acrescentada, pregando o respeito pelo ambiente. Apelos que infelizmente não foram ouvidos ou subestimados pela política. Os mais importantes e significativos deram-se em 1972, tais como “The Limits of Development”, publicado pelo Clube de Roma e escrito por jovens investigadores do MIT que afirmaram que o planeta é limitado e que o desenvolvimento económico não pode continuar indefinidamente sem colidir com os limites físicos do planeta. A “Union of Concerned Scientists”, em 1992, publica o primeiro “World Scientists’ Warning to Humanity” assinado por mais de mil e quatrocentos cientistas, incluindo muitos vencedores do Prémio Nobel. O documento relatou indicadores alarmantes, desde a desflorestação aos recursos hídricos e ao crescimento populacional, sendo que as actividades humanas estavam a destruir ecossistemas, levando a própria humanidade a uma crise global sem precedentes e em 2017, mais de quinze mil cientistas de cento e oitenta e quatro países assinam um segundo aviso de que “estamos perto de fazer danos irreversíveis ao planeta Terra”. A Terra é um dos nove planetas do Sistema Solar, o único desse sistema onde a vida criou raízes, mas em troca é de uma beleza inimaginável, pois é rica em água e recursos naturais, a biodiversidade atingiu níveis muito elevados e existem inúmeras espécies vegetais e animais, as zonas climáticas são tão variadas que todas estão representadas, a inclinação do eixo da Terra faz com que as estações do ano variem em todos os cantos deste mundo, os oceanos cobrem dois terços do globo e a Terra está dividida em cinco continentes com um enorme número de rios, lagos, montanhas e florestas. Quando se chega perto do planeta, aparece um azul intenso manchado pelo verde e castanho da terra e pelo branco das formações de nuvens. Em suma, um espectáculo que nos deixa literalmente sem fôlego. O problema é que nesse planeta uma espécie tomou a liderança, cujas características estão a pôr em perigo a existência do próprio planeta e das suas formas de vida. Esta espécie, segundo muitos derivada de uma família de animais primitivos chamados macacos, é chamada “Homem”. O Homem acredita ser superior a outros animais, mas na realidade é o ser mais feroz e sangrento que evoluiu na face da Terra. Os animais matam apenas por comida e por vezes para se defenderem. O homem, por outro lado, mata apenas pelo prazer de matar e gosta de torturar outros tanto física como psicologicamente. Só para dar um exemplo, na sua história recente, no período da II Guerra Mundial, havia um personagem chamado Adolfo Hitler, que sob o pretexto de purificar a raça, assassinou literalmente à escala industrial seis milhões de pessoas só porque o incomodavam por terem ganho poder nos campos económico e financeiro. Depois, para não ser demasiado conspícuo, até queimou os seus corpos! Um total de cinquenta e cinco milhões de pessoas pereceu nessa guerra. Os vários povos estão sempre em guerra uns com os outros pela sede de poder e dinheiro dos seus líderes políticos e os períodos de paz servem na realidade para preparar as forças para conduzir uma nova guerra. O homem inventou e acumulou armas tão destrutivas que são suficientes para destruir o seu mundo dezenas de vezes e como se isso não fosse suficiente fabricaram armas químicas e bacteriológicas que poderiam causar grandes epidemias e sofrimento a milhões de pessoas. Mas os homens não são todos iguais, pois houve homens extremamente maus como Hitler, mas também houve homens profundamente bons como S. Francisco. No meio, encontram-se todas as “nuances” possíveis. Infelizmente os ímpios prevalecem sobre os bons porque são mais ricos e têm nas suas mãos as alavancas do poder. A lei do mais forte prevalece. Segue-se que tanto a nível individual como nacional, os ricos estão a ficar mais ricos e os pobres estão a ficar mais pobres. Há pessoas que são tão ricas que nunca poderão gastar o seu dinheiro em toda a sua vida. Mas se pensa que estas pessoas estão felizes, está enganado. Também estão infelizes porque querem sempre mais. Dois terços dos habitantes da Terra, por outro lado, têm pouco ou nada e todos os dias milhares morrem de fome, enquanto nos países avançados morrem pela razão oposta. O que é realmente louco é como ainda não compreenderam que se os enormes esforços e investimentos feitos para os exércitos e armamentos fossem utilizados para o progresso dos países mais pobres e para a investigação científica, o mundo seria mais justo, pacífico e próspero e, portanto, não haveria necessidade de exércitos. Estão tão cegos pelo egoísmo e tão sedentos de dinheiro e poder que não conseguem ver para além dos seus próprios narizes. Não conseguem fazer planos a longo prazo mas, em vez disso, querem ter tudo e agora, sem se preocuparem muito com as consequências das suas acções, não só para os seus filhos e para as gerações vindouras, mas até para si próprios. Os poucos que se preocupam com o estado actual das coisas e o futuro, se ousarem fazer algo para mudar o mundo no melhor dos casos, não são levados em consideração ou são rotulados como idealistas, sonhadores, utópicos, pessoas fora do mundo e da realidade. Mas não só o Homem está a destruir-se a si próprio, pois o que é ainda mais grave é que está a pilhar, a poluir e a destruir o ambiente em que vive e a fazer muito pouco para remediar estes problemas, de tal forma que milhares de espécies animais e vegetais estão a ser extintas a um ritmo implacável todos os anos e dentro de algumas décadas mais de 60 por cento das espécies vivas terão desaparecido. Estão a ocorrer eventos climáticos cada vez mais violentos, as florestas estão a ser queimadas, os desertos estão a avançar, os glaciares estão a derreter. Mas o que é ainda mais grave, é que foi desencadeado um processo de aquecimento global que, se não intervirmos imediatamente, conduzirá a uma extinção em massa e a imensas catástrofes que tornarão a Terra inacessível durante milhares de anos! Muitos pensam que podem conter o aumento médio da temperatura global dentro de 2 por cento, mas estão muito enganados porque os governos nunca serão capazes de pôr em prática as medidas que seriam necessárias, porque são impopulares. Para os políticos são os votos que obtêm que contam e só procuram obter mais votos para as próximas eleições, pelo que têm o cuidado de não implementar políticas que seriam necessárias para o bem do planeta, mas que exigem sacrifícios da população. Mas mesmo os cidadãos têm os seus defeitos devido ao egoísmo e ao individualismo que prevalecem, não querendo desistir de nada. A COVID-19 infelizmente não trouxe ainda mudanças nessa mentalidade. Se não forem capazes de intervir drasticamente dentro de alguns anos para conter o aumento médio da temperatura global, e duvido muito que o façam, serão desencadeados automatismos naturais que levarão a um aumento da temperatura de pelo menos seis graus em poucas décadas e deixará de ser possível parar o processo mesmo que reduzamos a emissão de gases com efeito de estufa para a atmosfera a zero. Um aumento de seis graus seria verdadeiramente catastrófico e a Terra, neste momento tão bela, tornar-se-ia irreconhecível! Para agravar a situação a população mundial está continuamente a aumentar e fora de controlo. À medida que o planeta se aquece, animais grandes e pequenos, na terra e no mar, se dirigem aos polos para fugir do calor, o que significa que estão a entrar em contacto com outros animais, que normalmente não fariam, o que cria uma oportunidade para os patógenos entrarem em novos hospedeiros. Muitas das causas profundas das alterações climáticas também aumentam o risco de pandemias. O desmatamento, que ocorre principalmente para fins agrícolas, é a maior causa de perda de habitat em todo o mundo. A perda de habitat força os animais a migrar e, potencialmente, entrar em contacto com outros animais ou pessoas e compartilhar germes. As grandes áreas de criação de gado também podem servir como fonte de disseminação de infecções de animais para pessoas. A menor procura de carne animal e criação de animais mais sustentável podem diminuir o risco de doenças infecciosas emergentes e reduzir as emissões de gases de efeito estufa. Em locais onde a poluição do ar é um problema rotineiro, devemos prestar atenção especial aos indivíduos que podem estar mais expostos ou vulneráveis do que outros ao ar poluído, como os sem-abrigo, os que não têm filtragem de ar em suas casas ou aqueles cuja saúde está comprometida. Esses indivíduos podem precisar de mais atenção e apoio do que precisavam mesmo antes do surgimento do coronavírus. Ainda não temos uma noção do que a mudança do tempo significará para a COVID-19 e, portanto, não devemos depender de um clima mais quente para reduzir as transmissões. É preciso fazer tudo o que pudermos para retardar a propagação desta doença, o que significa que precisamos seguir os conselhos que os especialistas em saúde pública estão a dar-nos e praticar o distanciamento social, boa higiene das mãos, uso das máscaras, entre outras ações. As alterações climáticas tornaram as condições mais favoráveis à propagação de algumas doenças infecciosas, incluindo a doença de Lyme, doenças transmitidas pela água, como Vibrio parahaemolyticus, que causa vómitos e diarreia, e doenças transmitidas por mosquitos, como malária e dengue. Os riscos futuros não são fáceis de prever, mas as alterações climáticas afectam fortemente várias frentes que importam quando e onde os patógenos aparecem, incluindo os padrões de temperatura e precipitação. Para ajudar a limitar o risco de doenças infecciosas, devemos fazer tudo o que pudermos para reduzir amplamente as emissões de gases de efeito estufa e mesmo assim tentar limitar o aquecimento global a 1,5 grau. Observamos uma tendência de maior surgimento de doenças infecciosas nas últimas décadas. A maioria dessas doenças chegou às pessoas a partir de animais, especialmente animais selvagens. Essa tendência tem muitas causas. Temos grandes concentrações de animais domesticados em todo o mundo, alguns dos quais podem ser o lar de patógenos, como a gripe, que pode deixar as pessoas doentes. Também temos grandes concentrações de pessoas em cidades onde doenças transmitidas por espirros podem encontrar terreno fértil. E temos a capacidade de viajar ao redor do globo em menos de um dia e compartilhar germes amplamente. Mas uma observação mais atenta acerca das origens da COVID-19 revela que outras forças podem estar em jogo. No século passado, aumentamos a nossa procura sobre a natureza, de modo que estamos a perder espécies a uma taxa desconhecida desde que os dinossauros, junto com metade da vida na Terra, foram extintos há sessenta e cinco milhões de anos. Este rápido desmantelamento da vida na Terra deve-se principalmente à perda de habitat, que ocorre principalmente com o cultivo de plantações e criação de gado e com menos lugares para morar e menos fontes de alimento para se alimentar, os animais encontram alimento e abrigo onde as pessoas estão, e isso pode levar à propagação de doenças. Outra causa importante da perda de espécies é as alterações climáticas, que também pode mudar o local onde os animais e as plantas vivem e afectá-lo, onde as doenças podem ocorrer. Historicamente, crescemos como espécie em parceria com as plantas e animais com os quais vivemos. Quando mudamos as regras do jogo alteramos drasticamente o clima e a vida na Terra, e devemos esperar que afecte a nossa saúde. Podemos fazer muitos investimentos inteligentes para evitar outro surto. As instituições internacionais e nacionais podem apoiar a liderança em saúde pública e a ciência, podemos fornecer mais financiamento para as pesquisas necessárias, resposta precoce a surtos e suprimentos para testes. E podemos fazer muito mais para controlar o comércio ilegal de animais selvagens. Também precisamos tomar medidas climáticas para prevenir uma próxima pandemia, como prevenir o desmatamento que é uma causa fundamental das alterações climáticas e pode ajudar a conter a perda de biodiversidade, bem como a retardar as migrações de animais que podem aumentar o risco de propagação de doenças infecciosas. A recente epidemia de “ébola” na África Ocidental provavelmente ocorreu em parte porque os morcegos, que transmitiam a doença, foram forçados a mudar-se para novos habitats porque as florestas onde viviam foram derrubadas para o cultivo de palmeiras. Para combater as alterações climáticas, precisamos de diminuir drasticamente as emissões de gases de efeito estufa. Gerar eletricidade a partir de fontes de energia com baixo teor de carbono, como eólica e solar, diminui os poluentes atmosféricos prejudiciais, como óxidos de nitrogênio, dióxido de enxofre e dióxido de carbono, que levam a mais ataques cardíacos e derrames, bem como obesidade, diabetes e mortes prematuras que colocam mais tensões nossos sistemas de saúde. A preparação para pandemias também envolve manter as pessoas saudáveis no início do estudo. Se tivermos uma população nos Estados Unidos em que um terço de nossa população seja obesa e 5 a 10% das pessoas tenham diabetes, seremos imensamente mais vulneráveis. E se você observar por que as pessoas nos Estados Unidos não são saudáveis no início, isso tem a ver com nossa dieta, poluição e mudança climática. Temos aqui a oportunidade de reconhecer que a prevenção é, de longe, a melhor abordagem para proteger a saúde. Pessoas com condições crónicas de saúde, de baixa renda e comunidades de cor são desproporcionalmente impactadas pelo COVID-19 e pela mudança climática, e a poluição está no centro de ambos os problemas, como confirma um novo estudo da Escola de Saúde Pública de Harvard TH Chan. Sabemos que as comunidades afro-americanas estão desproporcionalmente expostas à poluição do ar e agora estamos vendo essa poluição levando a taxas de mortalidade mais altas de COVID-19. Devemos melhorar a saúde a todos e fazemos isso reduzindo as fontes de poluição que geram uma grande carga de doenças nos Estados Unidos e em todo o mundo. A superpopulação corre o risco de sufocar ainda mais o planeta com uma maior utilização de recursos, mais poluição e emissão de gases com efeito de estufa. Em vez de explorarem os amplos espaços disponíveis, tendem a concentrar-se em cidades cada vez maiores e a qualidade de vida deteriora-se drasticamente. É difícil compreender como podem lá viver. A sua economia não tem em conta os custos sociais e ecológicos dos produtos e serviços. O consumo aumenta constantemente com grande desperdício e considerável poluição do ar, água e do solo. Em vez de serem reutilizados e reciclados, produzem objectos que duram pouco mais tempo ou são mesmo descartados imediatamente após a sua utilização. De vez em quando há uma cimeira mundial sobre os problemas da terra e a preservação do ambiente que serve mais do que qualquer outra coisa para fazer os eleitores acreditarem que algo está a ser feito. Na realidade, estas reuniões servem apenas para fazer umas boas férias, porque os países participantes nunca concordam e as poucas e limitadas resoluções que são tomadas são desconsideradas. Assim, tudo permanece como antes e a solução dos problemas é adiada para a próxima cimeira. A civilização na terra é actualmente baseada na electricidade. Toda a sua indústria, serviços e os transportes não poderiam funcionar sem energia eléctrica. Os motores das fábricas parariam, os computadores deixariam de funcionar, as comunicações deixariam de ser possíveis e mesmo os veículos de combustão parariam sem electricidade. Mas não só, mesmo as armas mais modernas não poderiam ser utilizadas pois os aviões, navios, submarinos, mísseis, armas nucleares, todos têm uma parte electrónica mais ou menos importante que deixaria de funcionar. Até as donas de casa teriam de voltar a lavar a roupa e a loiça à mão. Em suma, sem electricidade, a Terra voltaria à Idade Média. Ainda que a solução seja idealista demais, em mundo em que a pandemia seja controlada e que poderá levar anos, deve passar pela consideração de que a primeira acção é obviamente trazer a paz à Terra para evitar mais destruição e sofrimento.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesPlano de estabilização económica para 2021 (II) A 15 de Março o Governo anunciou o lançamento do “Plano de Garantia de Emprego, Estabilização da Economia e Asseguramento da Qualidade de Vida da População para 2021”, que inclui comparticipação pecuniária, plano de promoção do consumo local (plano PCL), aperfeiçoamento das competências profissionais e medidas para beneficiar a população a nível individual e a nível empresarial. A semana passada, analisámos o plano de comparticipação pecuniária. Como o Governo ainda está a analisar o plano de descontos em cartão electrónico (plano DCE), vamos ignorá-lo. Hoje iremos falar sobre o plano para a alimentação, alojamento e viagens dos residentes de Macau (plano AAV). A terceira fase do plano para a Promoção do Consumo Local (plano PCL) centra-se na alimentação, alojamento e viagens para os residentes de Macau (plano AAV). O Governo espera vir a investir 120 milhões nesta fase. Será lançado em Abril e vai estar em vigor até ao final do ano, pelo que terá uma duração de 9 meses. O objectivo do plano AAV é o encorajamento das viagens, a estimulação do consumo e o apoio ao sector do turismo. Cada residente de Macau que participar neste plano recebe um subsídio de viagem de 280 patacas e outro de 200 para alojamento. O principal propósito desta acção é a promoção do turismo local. É certamente uma boa medida. Mas numa perspectiva a longo prazo, a indústria do turismo não pode depender apenas dos residentes de Macau. Sem turistas, este sector não sobrevive. Para atrair o turismo é necessário modernizar as infra-estruturas. Há algumas semanas atrás, nesta coluna, debatemos se seria boa ideia Macau apostar na construção de um grande resort turístico, que compreendesse um campo de golfe aberto ao público, de forma a que os hóspedes pudessem jogar enquanto desfrutam das suas férias. E será viável construir um grande labirinto? Vimos nos noticiários que em Pequim utilizam para transporte de turistas triciclos de passageiros. Em Macau, temos um modelo parecido, mas de quatro rodas. Será possível unir os triciclos e os “tetraciclos” num projecto comum e criar uma nova frota de tamanho reduzido para transporte de turistas? Com a epidemia vêm muito menos turistas a Macau, mas podemos encarar esta adversidade como uma oportunidade para renovarmos as nossas infra-estruturas turísticas. O dinheiro que for investido nesta renovação, pode ser encarado como um estímulo à economia e como uma forma de ajudar Macau a ultrapassar o mais rapidamente possível os efeitos nefastos da pandemia. Depois de o problema sanitário ter sido ultrapassado, as novas instalações vão atrair mais turistas a Macau e todos beneficiarão deste investimento. A renovação das infra-estruturas turísticas deve ser um projecto para os próximos anos, a ser considerado nos futuros Orçamentos do Governo, e não o foco do plano para 2021. O terceiro ponto do plano 2021 é o investimento nas competências profissionais (plano CP). O Governo espera investir 334 milhões. Será lançado em Maio e vai vigorar até ao final do ano. Terá uma duração de 8 meses. Destina-se a dar formação em diversas áreas profissionais aos trabalhadores para que aumentem as suas competências. Este plano integra os trabalhadores da indústria do jogo. Aqueles que estejam de “licença sem vencimento”, e que não tenham sido recomendados pelos seus empregadores, também se podem candidatar. Depois de terminar a formação, o trabalhador recebe um subsídio de 5.000 patacas. Este subsídio pode ajudar a colmatar as necessidades mais urgentes. Uma vez a formação terminada, e com novas competências, as pessoas podem regressar ao mercado de trabalho. Este é o objectivo principal deste plano, que se encarrega de velar pelos interesses dos trabalhadores a curto, médio e longo prazo. O sucesso deste plano depende da sua capacidade de reintegrar as pessoas no mercado de trabalho. Recentemente, cerca de uma centena de pessoas reuniu-se junto ao Serviço de Emprego para manifestar o seu descontentamento, esperando que este plano as possa ajudar. O último ponto do plano 2021, centra-se na redução de alguns impostos e nos benefícios de segurança social. O Governo espera investir 15.056 mil milhões. A redução da carga fiscal será lançada em Maio e estará em vigor até ao final do ano. Os benefícios para garantir uma melhor qualidade de vida serão implementados ao longo do ano. A redução fiscal centra-se sobretudo na devolução da taxa de ocupação, na redução do imposto sobre rendimento suplementar, na abolição do imposto de turismo etc. No que respeita à segurança social, as acções vão concentrar-se na implementação de vouchers de cuidados de saúde, subsídios à educação, fundos para ajuda financeira, subsídios para pessoas com deficiência, isenção de impostos sobre actividades comerciais, isenção de imposto de selo nas operações bancárias, etc. Como referi anteriormente, estas medidas não estimulam directamente o consumo, mas apoiam as pessoas necessitadas e ajudam a aliviar a pressão que sofrem devido à pandemia. Depois de uma análise detalhada, entendemos que o plano governamental 2021 visa apoiar a população e deve ser louvado. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola Superior de Ciências de Gestão/ Instituto Politécnico de Macau Blog:http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
Hoje Macau Ai Portugal VozesBarragens não sabem nadar António Costa não tem dormido bem. As insónias são muito mais que muitas e todas sobre o mesmo assunto. É água a cair-lhe em cima, cimento a desmoronar, barragens a entornar… barragens são as insónias do primeiro-ministro. Agora veio á baila um assunto de uma seriedade gravíssima e em primeiro lugar, confirmando que António Mexia nunca deveria ter dirigido os destinos da EDP. Este homem era conhecido internacionalmente pelos especialistas em finanças pelo “cambalacheiro” e a confirmação está aí em todos os órgãos de comunicação social, nos corredores ministeriáveis e nos passos perdidos da Assembleia da República. O caso é gravíssimo porque está em causa a corrupção moral do governo, deputados e dirigentes da EDP. É muito dinheiro que está em causa, mais de 100 milhões de euros que “voaram” e que a EDP não pagou ao Estado quando “vendeu” várias barragens. Portugal está repleto de barragens e tem das electricidades ao consumo das mais caras do mundo. O ministro do Ambiente Matos Fernandes tem passados os últimos dias a perguntar-se como é que se salva desta bronca. O Bloco de Esquerda acusou o governo de ter permitido “um esquema da EDP para fugir aos impostos” da venda de barragens e chamou ao parlamento os ministros das Finanças e do Ambiente. Esta posição refere-se ao contrato de concessão de seis centrais hidroeléctricas do Douro Internacional. O BE insistiu que que foi acrescentada uma adenda para “dar a forma de reestruturação empresarial – cisão e fusão – a um negócio que é uma venda pura e simples” da EDP aos franceses da Engie, com recurso a “uma empresa veículo”. Vejam bem que o cambalacho até meteu a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) que às ordens do governo até permitiu um esquema da EDP para fugir aos impostos, ao imposto de selo no valor de 100 milhões de euros, abdicou de exercer os seus poderes de forma a proteger o interesse público. Por seu lado o ministro do Ambiente meteu os pés pelas mãos quando teve a desfaçatez de afirmar na Assembleia da República “que nem os contratos conhecia”, apesar de ser obrigação do ministro conhecer este processo de ponta a ponta. E a maior vergonha é que actualmente a concessão das seis barragens é detida por uma empresa que tem apenas um trabalhador e que é apenas um veículo no negócio. Ai, Portugal, como tua andas. Este caso é dos mais escandalosos porque a EDP arranjou um estratagema, com a conivência do governo, para não pagar impostos de mais de 100 milhões de euros. E o caso até tem enquadramento mafioso quando a EDP realizou o negócio a 17 de Dezembro do ano passado e no dia anterior, imagine-se, a EDP constituiu a tal nova sociedade, empresa veículo, a que chamou Camirengia Hidroeléctricos, S.A. Lamentável foi o governo ter aceitado a trapaça da EDP como uma concessão e não como uma venda. O governo conhecia o negocia e tinha poder para alterar as condições em que este negócio foi feito, e não o fez. O negócio ainda está em curso e o governo tem a obrigação de ainda travar uma ilegalidade que só prejudica os portugueses. Para já, pelo menos, o fisco anunciou que já está a investigar a venda das seis barragens e a questão do não pagamento de imposto de selo. Já o ministro do Ambiente, Matos Fernandes, tinha que vir com uma desculpa de lana-caprina dizendo que a Agência Portuguesa do Ambiente, a inútil APA, acompanhou a operação de cedência das seis barragens nos termos das suas competências. Matos Fernandes lembrou que a avaliação de pagamento de impostos e as condições de transmissão das barragens não são da competência do Ministério do Ambiente, tirando a água do capote como não é digno num governante. É mesmo caso para dizer que as barragens não sabem nadar… Este texto foi escrito com a antiga grafia
Carlos Morais José Editorial VozesA rua anda perigosa Proibir manifestações em Macau por causa da pandemia soa a falso. Pode ser legal, pode ser já costume, mas soa a falso. Compreende-se que o Governo tenha medo de manifestações depois dos “anos loucos” de Hong Kong e as queira evitar a todo o custo, servindo-se para isso de argumentos legais mas de difícil credibilidade. Afinal, há um ano que não existem casos de covid nesta cidade. Além disso, Macau não é a ex-colónia britânica e a população de Macau também não é igual aos seus vizinhos do outro lado do Rio das Pérolas. Duvido muito que aqui surgissem reivindicações absurdas como as que surgiram nas manifestações de Hong Kong. Pelo contrário, o que estava em questão nesta manifestação é uma preocupação social e legítima da população. Ou seja, pede-se uma simplificação dos métodos de apoio económico que o Governo desenvolveu para este ano. E convenhamos: os manifestantes teriam razão. De tal modo que o próprio Governo já anunciou que vai rever o processo. Uma coisa é certa: o Executivo não quer manifestações. Seja por isso ou por aquilo, simplesmente não está para aí virado. E, sabendo que se trata de um direito expresso e garantido pela Lei Básica, vai-se servindo de vários argumentos legais para as proibir. O covid pode até ter vindo a calhar mas não pega. Claramente o Governo prefere resolver os problemas sem o uso de megafones, através de conversações, de consensos, de diálogo à porta semi-fechada. Contudo, talvez fosse bom pensarem também que, para manter a harmonia, são necessários escapes através dos quais o descontentamento popular possa ser expressado. E manifestações deste tipo não parecem apresentar perigo por aí além para a ordem social da cidade. Quem as organiza seria também melhor que demonstrasse alguma compreensão e não as convocasse por tudo e por nada e só o fizesse quando se torna claro não existir possibilidade de diálogo, que as decisões estão rigidamente tomadas e vão para a frente. O que nem era o caso. Ultimamente, entende-se por aqui, a rua anda perigosa.
João Romão VozesSakura Pouco sobrou das nossas rotinas habituais com a pandemia deste tempo histórico que nos calhou viver: actos aparentemente banais como ir ao supermercado, tomar um café, cumprimentar pessoas, conversar ou trabalhar assumiram de súbito formas radicalmente diferentes, desconhecidas, sistematicamente obrigadas a uma contenção que jamais tínhamos experimentado e que julgávamos impossível e irrealista fora dos cenários da ficção científica. Actos menos previsíveis, mais propensos a que se deixe correr o acaso, como viajar, passear sem destino muito definido, abrir o espaço necessário ao encontro com pessoas que não conhecemos ou deixar fluir os instintos e as seduções ficaram subitamente fora do campo das normais possibilidades quotidianas. Teremos sempre a natureza e os seus ciclos, no entanto, para nos lembrar que nem tudo se transformou e que há ainda sinais de uma certa estabilidade, de uma resiliente permanência, que nos asseguram algum horizonte de esperança para o que nos falta viver. Onde estou, são as flores brancas a brotar subitamente das cerejeiras que assinalam na sua brusca erupção a continuidade da vida e dos seus ciclos num planeta assolado, aprisionado e entorpecido. Apesar de tudo, a beleza destas flores irrompe implacável na cidade e nos campos a assinalar mais um ciclo, um recomeço, enfim, a sagração de mais uma primavera, que desta vez se segue a um inverso particularmente frio nos afectos e solitário nas vivências. Este sinal da emergência de um novo ciclo é efusivamente celebrado no Japão, com os rituais associados à “sakura”, de ancestral tradição na cultura do país. Este tributo à natureza inclui deslocações a locais com privilegiadas vistas para as flores, com abundante informação disponível sobre os lugares com melhores vistas, os dias mais privilegiados, que a temporada é curta, ou até as decorrentes informações de trânsito e outras necessidades turísticas. O país tem ainda uma particular configuração geográfica, com a ilha de Okinawa, a sul, já próximo do Trópico de Câncer, e a ilha de Hokkaido, a norte, em frente a Vladivostok, separadas por cerca de 20 graus de latitude, o que impõe ritmos específicos para cada região: em Okinawa a “sakura” acontece logo em Janeiro, como as algarvias amendoeiras em flor, mas em Hokkaido as flores das cerejeiras só mostram o seu branco esplendor em Junho, já no início do Verão. Em todo o caso, a cidade onde vivo tem uma “sakura” primaveril por excelência e estou a vivê-la nesta época precisa. É uma cidade onde confluem vários rios, em cujas margens se foram implementando passeios pedonais ajardinados, devidamente suportados por ciclovias, bancos que convidam ao descanso e à conversa ou parques infantis que promovem o convívio familiar e o entretenimento da criançada. Estão agora devidamente ornamentados de branco todos estes percursos ribeirinhos, ainda mais magníficos do que habitualmente. Na realidade, foi assim que encontrei a cidade quando cá cheguei, faz exactamente um ano. A “sakura” estava instalada para me receber, acolhedora e magnífica, a oferecer algum conforto numa situação de inusitada incerteza: vinha para começar nova actividade profissional, numa cidade onde só tinha estado durante um dia e meio, para a entrevista de emprego, que desconhecia completamente e onde não tinha qualquer amizade. Viviam-se tempos de grande intensidade pandémica, sobretudo na cidade de onde vinha, mas também naquela onde me começava a instalar. Com as limitações inevitáveis para deslocações e contactos, os preparativos foram mínimos e os cuidados máximos, com uma companheira grávida e tudo por organizar num universo desconhecido. Instalámo-nos num apartamento escolhido sem visitar num bairro que não conhecíamos, a “sakura” tornou a cidade mais acolhedora nesses dias, o novo trabalho complicou-se significativamente na medida da aceleração da propagação local do covid-19, com as inerentes implicações sobre métodos lectivos à distância, menos familiares e muito mais trabalhosos, e a nossa filha acabaria por chegar poucos meses depois, já sem “sakura”, mas com o verão a rebentar. Foi um ano difícil, portanto, e formidável, sobretudo, mas também imprevisível a cada momento: haverá mais ou menos restrições à mobilidade na próxima semana? Voltaremos a aulas em sala e terei finalmente oportunidade de conhecer as minhas alunas? Como se vive no nosso bairro? Será também assim sem covid? E a vida na cidade, como será depois da pandemia? A todas as incertezas, imprevisibilidades e maravilhas por descobrir na pequena criatura que se juntou a nós, tivemos outras incertezas em quase todos os domínios da nossa existência durante este último e inusitado ano. E, no entanto, ela cá está outra vez, a “sakura”, a assinalar a passagem regular dos ciclos, a persistência, a presença da natureza e da terra. Lembra-me que passou um ano e que tudo o que podia ter corrido mal afinal correu bem. E que há outro ciclo a começar: um novo ano lectivo, agora em salas de aula, mas com as desconfianças necessárias, uma cidade que vamos conhecendo aos poucos, uma miúda que nos enche os mundos para lá dos nossos limitados horizontes. Cá estaremos para mais uma volta. A “sakura” também estará, isso é certo, por pouco previsíveis que continuem a ser os dias.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA inatingibilidade dos 2ºC até 2100 “It is worse, much worse, than you think. If your anxiety about global warming is dominated by fears of sea-level rise, you are barely scratching the surface of what terrors are possible. In California, wildfires now rage year-round, destroying thousands of homes. Across the US, “500-year” storms pummel communities month after month, and floods displace tens of millions annually.” David Wallace-Wells The Uninhabitable Earth: Life After Warming Antes saber o que os governos estão a fazer, devemos lembrar-nos do que poderiam ter feito no passado e infelizmente não o fizeram. O primeiro grito de alarme foi lançado há muitos anos pelo Clube de Roma com o seu “Relatório sobre os Limites ao Desenvolvimento”, publicado em 1972, que previa que o crescimento económico não poderia continuar indefinidamente devido à limitada disponibilidade de recursos naturais, especialmente petróleo, e à limitada capacidade do planeta para absorver poluentes. Um grito que não foi ouvido. A 23 de Junho de 1988, James Hansen, um dos principais cientistas da NASA, disse ao Congresso dos Estados Unidos que o aquecimento global não se aproximava, mas que tinha chegado. Esse testemunho, levado directamente aos salões de poder da maior potência económica e industrial do mundo, foi o início oficial da era das alterações climáticas. Os políticos, infelizmente, apenas se preocupam com as próximas eleições, não com o que poderá acontecer nos próximos vinte anos. Tudo o que fazem é falar do PIB e do crescimento económico que deve aumentar todos os anos, sem ter em conta que o crescimento não pode ser ilimitado porque os recursos não são infinitos, e o crescimento infinito é característico do cancro. Todavia existem etapas principais a considerar no caminho para conter o efeito de estufa. Em 1992, o Tratado do Rio foi alcançado, mas não estabeleceu limites obrigatórios de emissões de gases com efeito de estufa para os países, mas estipulou que os signatários se reuniriam em conferências anuais especiais para assinar acordos destinados a reduzir a produção de CO2. A Conferência das Partes (COP na sigla inglesa) é a reunião anual dos países signatários da Convenção das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (UNFCCC na sigla inglesa) assinada em 1992 na Cimeira da Terra no Rio de Janeiro. Durante a conferência, os delegados analisam os progressos feitos na abordagem do fenómeno das alterações climáticas. A primeira COP foi realizada em 1995 em Berlim. O protocolo mais importante é o Protocolo de Quioto, adoptado em 1997. O seu objectivo declarado é “conseguir a estabilização das concentrações de gases com efeito de estufa na atmosfera a um nível suficientemente baixo para evitar interferências antropogénicas prejudiciais ao sistema climático”. Na conferência climática de 2015 em Paris, os Estados fixaram um objectivo ambicioso de limitar o aumento da temperatura global a 1,5 por cento em vez dos 2 por cento fixados pela conferência anterior em Copenhaga em 2009. A diferença de meio grau centígrado pode parecer pequena, mas na realidade a diferença seria substancial. Passar de +1,5°C para 2°C significaria muito mais milhões de pessoas a enfrentar a ameaça da subida das águas nas ilhas e zonas costeiras, mais milhões de pessoas passariam fome, os insectos polinizadores seriam duas vezes mais ameaçados, a acidez dos mares subiria e milhões de toneladas de peixe morreriam, os dias extremamente quentes e os incêndios florestais aumentariam, as colheitas seriam mais difíceis de cultivar. A COP24 que se realizou de 3 a 14 de Dezembro de 2018, foi a conferência sobre o clima que serviu para definir as regras de implementação do Acordo de Paris de 2015, e teve lugar em Katowice, na Polónia. Encerrou com a adopção do ‘Pacote Climático de Katowice’, ou seja, o há muito esperado ‘livro de regras’ com o qual se pretende implementar o “Acordo Climático de Paris”. O pacote estabelece primeiro como os países fornecerão informações sobre as suas contribuições nacionais para reduzir as emissões, incluindo medidas de mitigação e adaptação e pormenores sobre o financiamento climático para as economias em desenvolvimento. Este é um elemento chave que estabelece as normas que as Partes terão de obedecer, tornando mais difícil desviar-se do seu compromisso. O pacote inclui também directrizes para a definição de novas metas financeiras a partir de 2025 e para a avaliação do progresso no desenvolvimento e transferência de tecnologia. Na COP24, a atitude das principais potências em relação ao relatório científico do IPCC foi decepcionante. A pressão dos Estados Unidos, Arábia Saudita, Rússia e Kuwait fez-se sentir e no texto final de Katowice chegou-se a uma declaração de “compromisso” na qual as partes apenas saudaram a publicação do IPCC, em vez de reconhecerem e concordarem com as suas conclusões. Um dos tópicos controversos da COP24 sobre alterações climáticas acabou por ser a forma como os países irão aumentar as suas metas de redução de emissões. Na situação actual, as “Contribuições Determinadas a Nível Nacional (CND na sigla inglesa) ” garantiriam um aumento da temperatura global de 3°C em relação aos níveis pré-industriais, isto é, 1,5 graus mais do que o recomendado pelo último relatório do IPCC. Entre as questões ainda por resolver (e adiadas para a próxima Conferência das Partes) está a utilização de abordagens de cooperação e do mecanismo de desenvolvimento sustentável, contidas no Artigo 6 do Acordo de Paris. Esta passagem é suposto permitir aos países cumprir parte dos seus objectivos nacionais de mitigação através da utilização de “mecanismos de mercado”, tais como mercados de carbono ou contagem de créditos de CO2 ligados às florestas; contudo, posições divergentes na cimeira polaca impediram que estes instrumentos fossem definidos no pacote. A COP25 realizou-se em Madrid, de 2 a 13 de dezembro de 2019, incorporando a 25.ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC na sigla inglesa), a 15.ª reunião das partes do Protocolo de Quioto (CMP15 na sigla inglesa) e a segunda reunião das partes do Acordo de Paris (CMA2 na sigla inglesa). A COP25 tinha como objectivo finalizar os últimos elementos do regulamento de Paris e começar a trabalhar nos futuros objectivos de emissões e não se realizou em 2020 devido à COVID-19. Mas o momento crucial chegará na COP26, que se realizará em Glasgow, na Escócia, de 1 a 12 de novembro de 2021, sob a presidência do Reino Unido, quando os países tiverem de mostrar que cumpriram o prazo para os seus actuais compromissos de emissões e produzir novos objectivos para 2030. Há muitas indicações de que infelizmente o aquecimento global será inevitável e muito mais severo do que pensamos. As razões do pessimismo são variadas, primeiro devido à inadequação e ineficiência dos políticos e decisores políticos que não abordam as questões a longo prazo. Segundo, devido ao egoísmo individual e à resistência à mudança da grande maioria das pessoas. Terceiro, por causa dos interesses nacionais que são postos à frente dos interesses globais. Quarto, devido aos “feedbacks” negativos que parecem já ter sido desencadeados e que continuarão a fazer com que a quantidade de gases com efeito de estufa na atmosfera e, consequentemente, a temperatura média global aumente cada vez mais e rapidamente. Relativamente ao primeiro ponto, infelizmente o horizonte dos políticos está limitado ao das próximas eleições. O que poderá acontecer dentro de muitos anos tem pouco efeito sobre eles, porque não se sabe irá então governar e obtêm muito mais votos ao ostentarem questões que afectam directamente os interesses do povo do que os do ambiente. Quanto ao ponto dois, o homem é egoísta e possessivo. Desde muito cedo aprendeu a dizer “é meu”. A reacção mais comum das pessoas quando obtêm algo não é a satisfação, mas o desejo de ter ainda mais. A fidelidade ao dinheiro é uma religião. É melhor ter um ovo hoje do que uma galinha amanhã, porque agora estou vivo e saudável, e amanhã quem sabe. E depois a resistência à mudança, pois a nossa mente é habitual por natureza e por isso a mudança custa energia e esforço, e daí resiste. A mudança significa a quebra de um padrão, de uma forma de ser e de funcionar que é familiar, para passar para outro completamente novo e estranho. Estas são algumas das razões pelas quais, em vez de termos em conta que temos apenas uma Terra e de fazermos investimentos para um futuro melhor, nos lançámos no consumismo mais desenfreado, não nos preocupando com o ambiente e com o legado prejudicial que deixamos aos nossos filhos e netos. O terceiro ponto pode ser relacionado com o anterior, porque, no final, os países são governadas por indivíduos que pensam em termos egoístas a nível nacional e as pessoas apoiam-nas porque o nacionalismo prevalece. Quanto ao último ponto, é muito provável que, mesmo que amanhã tenhamos milagrosamente conseguido reduzir completamente todas as emissões de CO2, os automatismos e os “feedbacks” negativos que foram postos em marcha continuariam a provocar o aumento da temperatura média global, ainda que mais lentamente. Deve estar a perguntar-se como é que isto é possível. Os “feedbacks negativos” devem ser considerados e revistos, alguns dos quais são desconhecidos da maioria. Assim, quanto ao gelo derretido e calotas polares, 40 por cento do nosso planeta está coberto por gelo e neve, incluindo o Árctico, a Antárctida e vários glaciares como os dos Himalaias, Patagónia, Alasca e os Alpes. A neve e o gelo têm um alto poder reflector enquanto o solo, que é muito mais escuro, absorve mais calor. Quando o gelo derrete completamente e o solo permanece descoberto, a temperatura do solo aumenta consideravelmente, elevando o derretimento do gelo e assim por diante, resultando num aumento da temperatura global. Quanto ao derretimento do “permafrost” que é um termo inglês composto de “permanent” (permanente), e “frost” (geada, congelado) que, indica um terreno típico de regiões como a Sibéria, Alasca, Gronelândia e Canadá onde o solo é permanentemente congelado mesmo em profundidade, em média de trezentos a seiscentos metros. É um tipo particular de solo que ocupa dezanove milhões de quilómetros quadrados, cerca de 24 por cento do hemisfério norte da Terra. O “permafrost” contém quantidades muito grandes de metano. O metano é um dos quatro gases com efeito de estufa que contribuem para o aquecimento global, mas tem um efeito muito poderoso, estimado em vinte a trinta vezes o do dióxido de carbono. O aquecimento provoca o derretimento do “permafrost”. À medida que o “permafrost” derrete, a matéria orgânica começa a decompor-se, libertando metano, o que eleva ainda mais a temperatura. E assim por diante. Infelizmente, no Alasca, os cientistas notaram que vinte metros abaixo do solo a temperatura é 3°C mais elevada. O descongelamento do “permafrost” poderia reintroduzir uma grande quantidade de dióxido de carbono que tem estado congelado durante milénios na atmosfera, o que iria alimentar ainda mais o aquecimento global. Para piorar a situação, o resultado de um estudo recente, publicado na Nature Climate Change, revelou que o “permafrost” é 20 por cento mais sensível ao aquecimento global do que o anteriormente estimado. Se derretesse seria susceptível de causar um aumento mais rápido e mais elevado da temperatura da Terra do que anteriormente previsto e seria libertado na atmosfera o dobro do dióxido de carbono. Quanto à libertação de CO2, o aquecimento dos oceanos que absorvem 90 por cento do calor do aquecimento global, continuam a aquecer. O oxigénio e o dióxido de carbono são menos solúveis na água mais quente. À medida que o oceano aquece, estes gases tendem a ser libertados para a atmosfera, contribuindo para o aumento do CO2 global e desencadeando assim um ciclo vicioso. Quanto à dessalinização oceânica, à medida que o gelo da Terra derrete, a água doce que escapa penetra na água salgada do mar, reduzindo a sua salinidade. À medida que a concentração de sal é reduzida, as massas de água tornam-se mais leves e consequentemente têm dificuldade em descer para as profundezas para arrefecer o fundo do oceano e aumentar a sua temperatura. Quanto aos hidratos de metano no fundo dos oceanos, poucas pessoas sabem, a menos que tenham lido o livro de Frank Schätzing “O Quinto Dia”, que um dos maiores reservatórios de metano do planeta são os hidratos de metano. Estes são compostos semelhantes a gaiolas, ou seja, treliças de moléculas de água congelada que incorporam metano no seu interior e que são criadas sob condições de altas pressões e baixas temperaturas. Encontram-se geralmente no fundo do mar onde a água é muito fria e a pressão, devido à profundidade, muito elevada. A profundidade varia de acordo com a temperatura da água. No Pólo Norte, trezentos metros podem ser suficientes, enquanto em mares mais quentes formam até quatro mil metros. O fundo do oceano é rico, especialmente ao longo das margens dos continentes, onde a terra desce até às profundezas do oceano, graças à acumulação de material orgânico que se deposita no fundo. A reserva de metano contida nos hidratos é enorme. Estima-se que seja mais do dobro do equivalente em metano de todos os depósitos fósseis conhecidos (petróleo, carvão, gás natural). Formam-se a altas pressões e baixas temperaturas. À medida que a temperatura aumenta, o gelo pode derreter e dar lugar ao metano que subiria à superfície e depois passaria para a atmosfera. É de lembrar que o metano é um gás com efeito de estufa mais de vinte vezes potente do que o dióxido de carbono. A fuga de metano dos hidratos pode portanto criar um aumento perigoso do efeito de estufa, o que levaria a novos aumentos de temperatura e, portanto, à possível libertação de outros hidratos, com a libertação de mais metano, e assim por diante. Quanto à absorção de CO2 dos oceanos, o aquecimento da água e a redução da salinidade estão a diminuir a capacidade de absorção de CO2 dos oceanos. O mar Antárctico absorve até 40 por cento do dióxido de carbono produzido pelas actividades humanas. Esta convulsão ameaça comprometer um equilíbrio delicado e alimentar grande do mecanismo de “feedback”. Quanto ao aumento do vapor de água na atmosfera, os gases com efeito de estufa são responsáveis, como sabemos, pelo aquecimento global através da retenção da radiação térmica da Terra. Este mecanismo também aumenta a acumulação de vapor de água atmosférico, o que é considerado o derradeiro gás com efeito de estufa. Por sua vez, quanto mais vapor houver, maior será a humidade, que causa ainda mais calor, desencadeando um ciclo vicioso no processo de aquecimento. Quanto à espessura das folhas, como resultado do crescimento do dióxido de carbono na atmosfera, as plantas têm uma reacção curiosa, pois aumentam a grossura das suas folhas em até um terço, alterando parcialmente a sua capacidade de capturar CO2 e assim sequestrando menos carbono atmosférico. Até agora, ninguém tinha considerado as consequências deste fenómeno fisiológico sobre o clima global. Dois investigadores da Universidade de Washington incluíram esta informação em modelos climáticos globais que são responsáveis pelo aumento previsto do dióxido de carbono até ao final do século. As simulações mostram que as temperaturas globais podem aumentar mais 0,3 a 1,4 graus devido a este fenómeno, o que não é certamente pouco. Se acrescentarmos a tudo isto o aumento da população mundial, estimado em cerca de dez mil milhões de pessoas em 2050 (com o consequente aumento do consumo), a desflorestação, a desertificação e os incêndios para reduzir a capacidade de absorção de CO2 da Terra, o processo de aquecimento global só pode ser irreversível. Uma pesquisa da Universidade de Washington, que fez uma análise estatística das possibilidades que temos de reduzir o aumento da temperatura nas próximas décadas, mostra que o objectivo de manter o aumento da temperatura dentro de dois graus é agora inatingível. De acordo com a investigação publicada na revista Nature Climate Change, as probabilidades de até ao final do século o aumento da temperatura estar entre 2 e 4,9 graus são de 90 por cento. Tendo em conta os muitos efeitos de “feedback” referidos, estas são provavelmente também estimativas demasiado conservadoras. Os negacionistas, como o ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump e outros, sob o pretexto de ondas de geadas excepcionais, afirmam que o aquecimento global não tem fundamento. Os cientistas, por outro lado, apontam para o facto de que é o calor que está a trazer mais variabilidade, aumentando os eventos extremos. Assim, teremos ondas de calor e frio cada vez mais significativas. Algumas ondas frias podem até ser persistentes, e apresentam-se mesmo com grandeza histórica, e foi o que aconteceu na última década em várias regiões do planeta. O exemplo muito recente é a excepcional vaga de frio que atingiu os Estados Unidos no final de Janeiro de 2019, com 50°C abaixo de zero e o calor recorde na Austrália em meados de Janeiro com +50°C seguido de chuvas torrenciais que se estão a repetir no momento. À medida que o planeta aquece, globalmente não teremos invernos mais frios do que no passado, em vez disso a temperatura média planetária para a estação do Inverno será mais alta do que o normal e será maior no nosso Boreal do que no Hemisfério Sul.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesO mês das Mulheres O dia da Mulher foi no dia 8, o dia da Mãe em muitos locais do globo foi na segundo Domingo do mês de Março. Muitas são as pessoas que têm feito as suas homenagens às mulheres das suas vidas durante este período. Muitas são as pessoas que aproveitam para desbravar um território mais inclusivo para os temas da mulher. Ao contrário do que vos dizem, o campo está longe de ser simples. O mês dá azo a muita celebração e contestação porque a forma de sermos mulheres pode ser, e é, bastante discutida e posta em causa. A Cindy Lauper está bastante satisfeita que o seu clássico dos anos 80 tenha sido re-interpretado para dar luz a estes assuntos importantes. “Girls just wanna have fun-damental rights”, dizem os novos slogans. Um direito básico que tomamos como garantido nas sociedades modernas, um direito mais facilmente identificado como em falta em sociedades em desenvolvimento. Como e por que é que estes direitos ainda não estão totalmente garantidos em lado nenhum, obriga a uma análise cuidada das causas e consequências destas dinâmicas de desigualdade. Num mundo dado a olhar para coisas com a sua lente mui conhecida da heteronormatividade, ou seja, de presunção que a única constelação íntima e romântica é a heterossexual, olha-se para a desigualdade de género nas dinâmicas de um suposto polo feminino e masculino. Fala-se a partir de uma visão do mundo onde é claro quem é uma mulher (e um homem), em que se assume a posição da vítima e do abusador. Fala-se da força física dos homens, e da vulnerabilidade e pequenez das mulheres. Estes são adereços simbólicos que ajudam a simplificar o que é complexo – mas que não precisa de ser simplificado. O problema da simplificação é que peca pela exclusão. Inclusão, neste e em todos os contextos da nossa vida, é valorizar a diversidade. Não há nada mais justo do que a diversidade. As vulvas e as vaginas não são uma garantia de identificação de mulher. Ter um aspecto “feminino” também não é precondição. Ter a menstruação não é um traço definidor. Ter mamas também não. Houve quem celebrasse o tão recente dia da mulher com descrições idílicas das supostas rotinas matinais de cuidados de pele, maquilhagem, cabelo e roupa. Isso também não define o ser mulher. Mesmo assim, apesar de não definirem absolutamente nada, fazem parte da experiência, ainda que insistam numa ideia estereotípica da mesma. É preciso fazer mais. É necessário um olhar crítico para as formas de representação e linguagem que excluem a experiências das outras mulheres que não encontram legitimidade social para o serem. Num mês como este nota-se ainda mais a urgência de se criar um espaço, físico e simbólico, onde todas possam caber. A dificuldade, contudo, é que na tentativa de ser tudo, cai-se no erro de não se ser nada. Não se podem perder de vista as particularidades de tudo o que implica a desigualdade de género e a violência que ainda existe pelo que é fora da suposta norma. São cada vez mais necessárias visões sistémicas e integradoras dos fenómenos para perceber as muitas forças que moldam as expectativas e definições de género. Expectativas essas que moldam o preconceito por certas visões do mundo, frequentemente vangloriando as visões fisiológicas e biológicas como a solução para o mundo social. Quem dá sentido ao que é ser-se mulher, somos nós, seres pensantes, não são os genitais. Na constante reivindicação por uma definição de mulher verdadeiramente inclusiva, que se discutam com franqueza todas as outras formas de se ser. Porque para se ser mulher, basta sentirmo-nos mulheres.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesPlano de estabilização económica para 2021 (I) A 15 de Março o Governo anunciou o lançamento o “Plano de Garantia de Emprego, Estabilização da Economia e Asseguramento da Qualidade de Vida da População para 2021”, que inclui distribuição de verbas, plano de promoção do consumo local (plano PCL), aperfeiçoamento das competências profissionais e medidas para beneficiar a população a nível individual e a nível empresarial. O primeiro ponto do plano 2021 é a comparticipação pecuniária. O Governo espera, a partir de Abril, vir a investir 7,235 mil milhões de patacas, atribuindo a cada residente permanente 10.000 patacas anuais e 6.000 a cada residente não permanente. O Plano de Comparticipação Pecuniária, que já vigora em Macau há vários anos, mantém-se este ano e continua a ser muito bem recebido. Embora tenha havido rumores de que este montante iria ser atribuído na forma de cartões de consumo, esta modalidade acabou por não prevalecer e o apoio continua a ser dado em dinheiro. Anteriormente, o cartão de consumo tinha um limite de 300 patacas diárias, e era difícil pagar bens ou serviços de valor superior a este limite. Além disso, as 10.000 patacas anuais que cada residente permanente recebe já se tornaram parte integrante do orçamento das famílias. O cancelamento desta comparticipação só iria desconcertar as pessoas. A manutenção do Plano de Comparticipação Pecuniária prova que o Governo de Macau tem em consideração a vontade popular. O segundo ponto do plano 2021 é a promoção do consumo local (PCL), e subdivide-se em três acções: descontos no cartão de consumo (DCC), descontos para séniores e ainda alimentação, alojamento e viagens para os residentes de Macau. O Governo espera investir no plano DCC, a lançar em Maio e que estará em vigor até ao final do ano, 5 mil milhões de patacas. Terá a duração de 8 meses. Os residentes, os trabalhadores imigrados, e os estudantes de fora de Macau também podem ser integrados neste plano. Após gastarem 50 patacas, podem receber 5 cupões de 10 patacas cada; se gastarem 100 patacas podem receber 10 cupões, e assim sucessivamente. Posteriormente, depois de gastarem 30 patacas podem usar um cupão de 10; se gastarem 60, podem usar dois cupões, sempre nesta proporção. Os cupões são válidos por 15 dias. O limite mensal em cupões é de 600 patacas e o limite diário de gastos que podem usufruir deste benefício é de 200 patacas. Com base nas 600 patacas diárias, cada residente de Macau pode obter 4.800 patacas em cupões ao longo destes 8 meses. O objectivo do plano DDC é triplicar o consumo. Este plano é muito bom. Estimula a economia premiando exponencialmente o consumo. Mas, mesmo assim, ainda há quem lhe aponte alguns defeitos. Os críticos afirmam que a pandemia afectou profundamente várias pessoas. Se não houver um subsídio ao consumo inicial (para além da comparticipação pecuniária), como é que as pessoas podem obter os cupões subsequentes? Mas mesmo que haja este subsídio, subsiste a necessidade de estar constantemente a fazer cálculos aritméticos para perceber a melhor forma de obter cupões, que expiram ao fim de 15 dias. Todos estes inconvenientes podem diminuir a vontade de consumir. Assim, a melhor maneira seria poder deduzir os cupões directamente na primeira compra. Não seria uma novidade, porque o cartão sénior funciona desta forma. Claro que se voltássemos aos cartões de consumo eliminaríamos estes problemas. No entanto, os cartões de consumo que usámos o ano passado não triplicavam o valor das compras. Do ponto de vista da recuperação da economia e da promoção do consumo, o plano dos cupões será melhor do que os cartões de consumo. Continua na próxima semana. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola Superior de Ciências de Gestão/ Instituto Politécnico de Macau Blog:http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog
André Namora Ai Portugal VozesOs baldios valem milhões Eles aí estão! Os candidatos a presidentes de Câmara e de Junta de Freguesia começaram a perfilar-se na luta por um lugar ao sol. Infelizmente, neste Portugal é na máquina autárquica que reina a maior corrupção. É preciso licença para tudo e mais alguma coisa por parte das edilidades. São os concursos, licenciamentos, aprovação de projectos… tudo tem de meter envelope por baixo da mesa. Há alguns autarcas que abusam e vão parar ao tribunal. Ser-se edil, infelizmente, na maioria dos casos vão pela mão dos partidos políticos e quando os independentes tentam candidatar-se não conseguem dinheiro para a campanha eleitoral. Ainda me recordo de um autarca que mandou comprar um Audi do modelo mais luxuoso, para vir do centro do país até Lisboa a fim de jogar no Casino Estoril. Como era possível gastar tantos milhões? Acontecia que a sua vila foi promovida a cidade e os prédios pareciam cogumelos a crescer por todo o lado. Os partidos políticos já escolheram os seus homens de mão e não é por acaso que muitas vezes as zangas entre os militantes potenciais candidatos a autarcas são uma autêntica peixeirada. Naturalmente, que nem todos são corruptos, mas no interior das Câmaras existem engenheiros, arquitectos, desenhadores e chefes de serviço que ficam ricos em pouco tempo. E não disfarçam: compram uma vivenda com piscina, um Mercedes e viajam para Punta Cana, na República Dominicana. Outros, assim que são eleitos e sentam-se na cadeira nobre, enchem a edilidade de familiares. Alguns, até já arranjaram emprego para a mulher como secretária. O povo sabe disto tudo. Sabe que nada consegue nas Câmaras ou nas Juntas de Freguesia sem cunhas e sente-se impotente para modificar o paradigma. Os tribunais em nada ajudam. Exemplo? O que se passa há décadas com os baldios. Os baldios são terrenos destinados a servir de logradouro comum dos vizinhos de uma povoação ou de um grupo de povoações. Destina-se à satisfação de certas necessidades individuais, como a apascentação de gado, a apanha de lenha ou o fabrico de carvão de sobro. A sua origem resulta da necessidade que os moradores de aldeias rurais, vivendo da exploração familiar, tinham de dispor de espaços incultos onde pudessem exercer as actividades agrárias. Nos termos da lei, são baldios os terrenos possuídos e geridos por comunidades locais, definidas com o conjunto dos compartes. Não sendo propriedade privada das juntas de freguesias, nem pertence ao domínio do Estado, os terrenos baldios fazem parte do sector comunitário, ou seja, a sua proprietária é a própria comunidade. Mas, isto é tudo balelas. Criou-se a ideia que os baldios pertencem ao Estado e que os gestores são alguns chicos-espertos presidentes de juntas de freguesia. Os baldios em grande parte estão abandonados, cheios de entulho, com o capim enorme, lugar para toxicodependentes e até lugares ideais para estacionar o carro com o fim de levarem a efeito relações sexuais. Os baldios têm dado grandes escândalos, porque os tais presidentes de juntas de freguesias conseguem vender esses terrenos onde têm sido construído toda a espécie de imobiliário, armazéns e afins. Quem compra paga à junta de freguesia e em certos casos criaram-se movimentos de protesto que já alertaram as autoridades governamentais e certos deputados. A verdade é que pouco ou nada têm conseguido. Os baldios vão desaparecendo e o seu fim raramente é cumprido. Um desses movimentos contra a venda de baldios já teve problemas. Alguns dos seus membros viram carros incendiados, casas assaltadas ou animais envenenados. Os baldios têm sido uma fonte de riqueza inimaginável para certos autarcas. Não é por acaso que em certas localidades do país até já aconteceram cenas de pancadaria entre potenciais candidatos às eleições autárquicas. Os baldios é uma das razões fortes para se lutar por uma cadeira no poder autárquico. Por exemplo, na zona de S. Martinho do Porto foi criado um movimento que tem desmascarado todas as ilegalidades cometidas sobre os baldios. No entanto, a “incriminação” que os vendedores de baldios recebem é a reeleição no lugar para o qual concorrem em eleições autárquicas. A palhaçada no interior dos partidos políticos já começou e os “gladiadores” já começaram a defender a sua escolha. Estamos perante algo que não passava pela cabeça de ninguém, mas que movimenta milhões de euros anualmente numa base de fraude, mentira, compadrio, corrupção e incumprimento da lei. *Texto escrito com a antiga grafia
Paul Chan Wai Chi Um Grito no Deserto VozesFragmentação ou crescimento? Hong Kong adiou as eleições para o Conselho Legislativo e ainda não é certo que se realizem em Setembro próximo. Entretanto, o Governo da RAEM anunciou que as eleições para a 7.ª Assembleia Legislativa estão marcadas para 12 de Setembro, sem quaisquer alterações ao Regime Eleitoral da Assembleia Legislativa e enfatizando a implementação plena do princípio “Macau governado por patriotas”. Se compararmos com as mudanças de fundo que estão para ser feitas no regulamento eleitoral para o Conselho Legislativo de Hong Kong, compreenderemos que Macau é realmente muito diferente. A partir do momento em que o Chefe do Executivo anunciou a data das eleições, todos os procedimentos subsequentes seguirão o regulamento eleitoral. A garantia de que as eleições para a 7.ª Assembleia Legislativa serão justas e transparentes, e que toda a corrupção eleitoral será eliminada, terá de ser dada pela determinação do Governo da RAEM e pelo empenho de todos os eleitores. A Assembleia Legislativa tem 12 deputados eleitos por sufrágio indirecto e 7 nomeados pelo Chefe do Executivo. Segundo os dados estatísticos, estão recenseados mais 20.000 eleitores para a 7.ª Assembleia Legislativa do que nas eleições para a 6.ª Assembleia Legislativa. Dado que existe um número limitado de deputados eleitos por sufrágio directo, acredito que a luta por estes lugares vai ser mais renhida nestas eleições do que nas anteriores. De entre os deputados eleitos por sufrágio directo na actual Assembleia Legislativa, apenas Au Kam San já veio anunciou que não se irá recandidatar, e Ng Kuok Cheong declarou que será o segundo da lista de candidaturas, e não o primeiro. Os restantes deputados eleitos por sufrágio directo não anunciaram qualquer alteração, por isso haverá pelo menos 11 nomes na Lista de Candidaturas à eleição para a 7.ª Assembleia Legislativa. Além disso, se os deputados que não foram reeleitos para a 6.ª Assembleia Legislativa concorrerem agora para a 7ª Assembleia, e ainda considerarmos outros nomes que se candidatam pela primeira vez, a Lista de Candidatura pode incluir até 25 aspirantes a deputados. A disputa deverá ser intensa nas eleições para a 7.ª Assembleia Legislativa. Macau é de facto uma cidade dominada por Associações. As maiores têm recursos abundantes, com uma variedade de serviços e actividades regulares, já estabeleceram enormes redes de apoio a determinados candidatos. Os que partem com estas vantagens, desde que não violem os regulamentos eleitorais, serão certamente eleitos. Quanto aos candidatos propostos pelo campo não governamental, a sua posição será mais complicada. Desde 2013, o chamado “campo aberto e liberal” conheceu cisões por motivos vários, e aquando das eleições para a 6.ª Assembleia Legislativa, estava mais do que fragmentado, estava destroçado. Felizmente, as fundações do “campo aberto e liberal” são bastante sólidas, especialmente devido ao apoio dos eleitores mais jovens. O seu desempenho em termos gerais é bastante progressivo, mas não obteve muitos votos. Para as eleições da 7.ª Assembleia Legislativa, dois membros do “campo aberto e liberal”, que estiveram na Assembleia Legislativa durante muitos anos trataram de não vir a ser reeleitos. Uma das maiores preocupações das pessoas que se interessam pelo que se passa na Assembleia Legislativa é precisamente se o campo não governamental vai passar do estado de fragmentação ao estado de crescimento. Acredito que esta é uma oportunidade para o campo não governamental se erguer das cinzas. Quando os destroços almejam o renascimento e o crescimento, desde que o crescimento não seja explosivo, o efeito combinado destes dois estados pode ser o ideal. Como antigo membro e ex-presidente da Associação de Novo Macau, presenciei o desenvolvimento desta Associação com os meus próprios olhos. A saída de um membro tem certamente impacto na Associação mas não é decisiva. A chave do sucesso da Associação está na aspiração dos seus membros para servir o povo, na sua determinação de mover montanhas e na vontade de passar o facho à geração seguinte. É muito pouco provável que as eleições para o Conselho Legislativo de Hong Kong venham a ter lugar em Setembro. Macau tem tudo para ser o novo modelo do princípio “um país, dois sistemas”. Ninguém quer abalar a estabilidade, que é o equivalente a não querer que uma linda bola de sabão rebente. No entanto, existem muitas variáveis e qualquer coisa é possível. Desde que as eleições para a Assembleia Legislativa venham a ser justas e transparentes, e venham a ter a participação activa e séria dos eleitores, pode ser que os milagres aconteçam.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesComo reduzir o aquecimento global? “Stabilizing global temperature near its current level requires eliminating all emissions of heat-trapping gases or, equivalently, achieving a carbon-neutral society in which people remove as much carbon from the atmosphere as they emit. Achieving this goal will require substantial societal changes in energy technologies and infrastructure that go beyond the collective actions of individuals and households to reduce emissions.” David Herring Há muitas coisas que poderiam ser feitas para contrariar o “efeito estufa”, como por exemplo, abolir a agricultura intensiva, reformar e proteger as florestas existentes, replantar muitas árvores em áreas urbanas, aumentar a eficiência energética em todos os campos, incentivar os sistemas de transporte não poluentes, aplicar o “imposto de carbono”, dar incentivos às energias renováveis e retirá-las dos combustíveis fósseis, incentivar as tecnologias de baixo impacto ambiental, recuperar e reciclar o máximo possível, resolver o problema do cimento, capturar CO2 e implementar uma política de controlo de natalidade. Tudo isto deve ser posto em prática a nível mundial. O primeiro que poderia ser feito para reduzir a extensão do aquecimento global sem custos, com efeitos muito incisivos quase imediatos com efeitos positivos na saúde humana e no ambiente é pouco ou nada falado como abolir a agricultura intensiva e reduzir drasticamente o consumo de carne seguindo a “verdadeira” “dieta mediterrânica”, dos nossos avós. Porque se fala pouco sobre o assunto? Simplesmente, porque há enormes interesses económicos em jogo, especialmente os dos criadores, dos fornecedores de rações, da indústria da carne e da distribuição. É por isso que poucas pessoas sabem que a primeira causa do aquecimento global é precisamente a criação intensiva de bovinos, suínos e aves de capoeira. De facto, a pecuária intensiva contribui até 20 por cento para o efeito de estufa, ou seja, mais do que o transporte terrestre, marítimo e aéreo em conjunto! Basta dizer que na Terra é criado um número enorme de animais, estimado em cerca de vinte e quatro mil milhões, para fornecer a carne que consumimos todos os dias. De acordo com um estudo da FAO em 2013, estima-se em 2,1 mil milhões de ovinos e caprinos, 1,6 mil milhões de bovinos, e quase mil milhões de suínos, enquanto, no que respeita às aves de capoeira, em 2018 o World Watch Institute estimou 19,7 mil milhões de espécimes para a produção de ovos e carne. Entretanto, estes números aumentaram indubitavelmente como resultado do aumento da população mundial e da melhoria do nível de vida de países muito populosos como a China, Índia e o Brasil, e deverão dilatar no futuro pelas mesmas razões. Um número tão grande de animais deve ser criado intensivamente, caso contrário não haveria espaço suficiente para todos. Para dar uma ideia melhor, cerca de 24 por cento da superfície da terra é ocupada, directa ou indirectamente, por gado. Como pode a criação de gado ser a causa? Uma percentagem dos chamados “gases com efeito de estufa”, como o CO2 (dióxido de carbono) é devida à respiração dos animais; o metano, por outro lado, que contribui para o efeito de estufa vinte e quatro vezes mais do que o CO2, é produzido pelos processos digestivos de bovinos, ovinos e caprinos e pela evaporação dos gases contidos no estrume que, em vez de ser utilizado no lugar de fertilizantes químicos, fica sem ser utilizado para evaporar na atmosfera. As explorações pecuárias são responsáveis pela elevada presença de CO2 na atmosfera, também devido à destruição de milhares de hectares de florestas para dar lugar a pastagens e como sabemos, as plantas têm a capacidade de capturar dióxido de carbono e transformá-lo em oxigénio através da fotossíntese da clorofila, mas centenas de milhares de hectares de florestas foram diminuídos, reduzindo perigosamente um elemento defensivo contra o CO2. Se fosse um problema aboli-los completamente, deveríamos pelo menos tributar fortemente os gases que emitem ou forçá-los a serem recuperados para produzir energia e colocar no mercado o estrume produzido para ser utilizado na fertilização. Outra acção possível seria a de educar os cidadãos para um menor consumo de carne que beneficiaria a sua saúde. As árvores absorvem dióxido de carbono durante a sua vida, libertando-o quando são cortadas ou queimadas. Bastaria cuidar melhor dessas terras, gerir melhor o abate de espécies arbóreas e sobretudo preocuparmos em replantá-las, para evitar a emissão para a atmosfera de mais de sete mil milhões de toneladas de CO2 por ano. E se quisermos fazer uma comparação, plantar novas árvores nas florestas poderia ser equivalente a remover seiscentos e cinquenta milhões de carros poluentes por ano, ao mesmo tempo que evitar a desflorestação valeria o mesmo que eliminar seiscentos e vinte milhões de veículos. De acordo com o estudo apresentado no fórum de Oslo pelo World Resources Institute (WRI), a preservação e restauração das florestas tropicais, bem como dos mangais e das turfeiras, seria uma forma eficaz e rentável de atingir uma quota de 23 por cento de reduções de emissões necessários até 2030. Uma árvore pode absorver até cento e cinquenta quilogramas de CO2 por ano, pelo que as árvores são essenciais para reduzir as emissões de CO2 mas também o “smog” nas grandes cidades. Em cada cidade e em cada município há terras não cultivadas ou áreas verdes, onde a erva cresce e muitas vezes não é cortada devido à falta de fundos. Plantar árvores e arbustos em todas essas áreas não só absorveria muitos poluentes, atenuaria o clima, daria mais oxigénio, tornaria as áreas mais decentes e agradáveis, mas acima de tudo contribuiria significativamente para a redução do aquecimento global. Seria um excelente investimento para o futuro das gerações vindouras. É possível melhorar a eficiência energética, desde um melhor isolamento térmico das nossas casas e edifícios públicos até à eficiência dos aparelhos domésticos e meios de transporte, passando pelas máquinas das empresas familiares e muito mais. Algo está a ser feito em algumas áreas, mas muito mais precisa de ser implementado. Os investimentos em eficiência energética pagam-se a si próprios com as poupanças de energia, além de criarem novos empregos. Se não tiver de ir muito longe e possuir tempo, a primeira sugestão é poupar energia movendo-se a pé ou de bicicleta. Andar a pé ou de bicicleta, tem efeitos benéficos surpreendentes. Pode combater o colesterol e a diabetes, controlar o seu peso e agir positivamente no seu estado de espírito. As nossas pernas são o meio de transporte mais sustentável do mundo. Os incentivos à utilização poderiam ser feitos com aplicações especiais que nos creditam uma certa quantia de dinheiro por quilómetro percorrido por bicicleta ou a pé. Dinheiro que poderia então ser gasto em compras. Devemos também investir na educação para a poupança de energia a todos os níveis e idades. Nas grandes cidades, uma boa solução seria investir na partilha de bicicletas. Para facilitar a sua utilização, um investimento indispensável é em pistas para bicicletas. As últimas novidades em sustentabilidade são os “hoverboards” ou os monovolumes eléctricos, que também devem ser encorajados. Estes meios de transporte são fáceis de utilizar e não ocupam muito espaço, tornando a deslocação pela cidade confortável e divertida. Outro meio de transporte ecológico a ser encorajado seria a “scooter eléctrica” que, para além de não ser poluente, ocupa pouco espaço e pode ser estacionada facilmente. Os autocarros de turismo e públicos tornam-se ecológicos ao adoptarem novas tecnologias, sendo o hidrogénio uma delas. Outras boas práticas a serem difundidas e encorajadas são o “car pooling” e a partilha de automóveis. Os automóveis eléctricos e o hidrogénio (especialmente os táxis) devem ser encorajados ao máximo. Para estas duas soluções são também necessários investimentos maciços na rede de reabastecimento. O comboio, em vez do avião, é a escolha certa para longas distâncias. Com uma poupança de energia de cerca de 90 por cento, os comboios batem os aviões como o meio de transporte mais amigo do ambiente. No entanto, os preços dos bilhetes devem ser reduzidos. A investigação mostrou que os aviões são o meio de transporte mais poluente com a maior taxa de emissões. O “imposto do carbono” é aplicado sobre produtos e serviços energéticos, que provocam emissões de dióxido de carbono para a atmosfera. Muitos países que o introduziram infelizmente nunca o implantaram na realidade. O objectivo é reduzir a emissão de gases com efeito de estufa e induzir os estados e os consumidores finais a preferir soluções mais ecológicas e, portanto, menos poluentes. O montante do imposto a pagar aumenta à medida que a quantidade de poluição produzida aumenta. É da maior importância dar incentivos a todas as fontes de energia renováveis (fotovoltaica, hidroeléctrica, geotérmica, eólica, biomassa, biogás) que tenham passado todas as avaliações ambientais exigidas pelas regulamentações nacionais. Para a energia fotovoltaica, os investimentos privados podem ser atraídos através da criação de cooperativas para a produção local de energia até 20 kWp. Os incentivos às incineradoras e a tudo o que não seja energia renovável devem ser removidos. A relação entre tecnologia e ambiente é um dos tópicos a ter em grande consideração para limitar as emissões de CO2 e reduzir a poluição. Desde a pré-história, o homem tem vindo a modificar o ambiente em que vive para melhorar a qualidade de vida. Com a industrialização da produção no século XIX, as actividades de fabrico atingiram elevados volumes de produção a fim de satisfazer a crescente procura de produtos à escala nacional ou global, com os consequentes “feedbacks” negativos para o ambiente. Cada tecnologia é caracterizada por um impacto ambiental mais ou menos elevado. Há necessidade de investir na investigação e de encorajar tecnologias “suaves” com baixo impacto ambiental. As tecnologias suaves são geralmente inovadoras e permitem uma exploração mais racional dos materiais que estão a ser processados. Um exemplo de tecnologias leves é as que se baseiam na utilização de recursos renováveis. Neste caso, o impacto ambiental da tecnologia pode mesmo ser positivo. Deve ser aplicada o mais possível a regra dos 4 “R” como “Reduzir, Reutilizar, Reciclar e Recuperar”. A maioria dos países desenvolvidos e muitos em desenvolvimento está a praticar em parte, mas numa medida claramente insuficiente. No resto do mundo existem alguns países na vanguarda, como a Alemanha, mas infelizmente existem muitos outros, como a Roménia, que enviam quase tudo para aterros. Os resíduos podem tornar-se um recurso e criar numerosas oportunidades de emprego. Existem quase novecentos mil empregos que poderiam ser criados na União Europeia se a Europa dos vinte e sete (+ Inglaterra pré-Brexit) tivesse perseguido até 2020 o objectivo de 50 por cento de recolha separada de produtos de resíduos, tal como exigido pela Directiva da UE 2008/98/CE. Até 2030, a reciclagem deverá ser aumentada para pelo menos 70 por cento a fim de eliminar os aterros. A indústria global do cimento polui mais do que países como a China e os Estados Unidos, com cerca de 2,8 mil milhões de toneladas de dióxido de carbono libertados para a atmosfera num ano, ou 8 por cento do total de emissões. Com o esperado “boom” da construção nos próximos anos, após a melhoria da situação económica mundial criada pela Covid-19, ligado à expansão das áreas urbanas em muitos países, especialmente na Ásia, a produção de cimento poderá aumentar 25 por cento até 2030, elevando assim para mais de quanto mil milhões de toneladas/ano. Assim, a indústria da construção deveria tentar utilizar materiais novos e mais “sustentáveis”. Infelizmente, é muito difícil reduzir o impacto ambiental do cimento, porque cerca de metade das emissões provém da reacção química (calcinação) necessária para fabricar o “clínquer”, um dos seus principais componentes; portanto, a única forma de reduzir estas emissões é substituir pelo menos parte do “clínquer” por diferentes ingredientes. Para reduzir as emissões de CO2 da indústria cimenteira, pode-se começar com o tipo de combustível utilizado para aquecer os fornos, em que o processo de calcinação tem lugar a temperaturas muito elevadas, por exemplo, tentando substituir o carvão por fontes alternativas, tais como biomassa e resíduos. Além disso, a eficiência energética dos fornos pode ser melhorada. Algumas empresas estão a desenvolver cimentos baseados em materiais sintéticos (geo-polímeros) capazes de absorver CO2, mesmo, em alguns casos, mais do que o emitido no processo industrial, tornando-se assim “carbono negativo”. No entanto, a maioria destas soluções não conseguiram atingir a maturidade plena, sendo travadas principalmente por barreiras económicas, tais como a falta de financiamento necessário para comercializar cimentos inovadores em grande escala. Consequentemente, o cimento é um dos sectores considerados mais difíceis de descarbonizar. A fim de limitar o seu impacto ambiental, será necessário concentrar-se nos métodos de economia circular, que incluem, por exemplo, a reciclagem-reutilização de materiais e a concepção de edifícios mais leves, duráveis e eficientes graças às técnicas de construção ecológica. A conclusão é que, em qualquer caso, a melhor forma de libertar menos CO2 na atmosfera devido ao cimento é construir menos, bem como recuperar o “stock” de edifícios existentes. A utilização de sistemas “CCS (Carbon Capture and Storage)” para capturar as emissões de CO2 das instalações industriais, neste momento, não parece ser uma solução viável a curto prazo, devido às muitas incógnitas sobre os custos e a eficácia de tais sistemas. Os sistemas de captura de CO2 são poucos no mundo e muito caros. Uma vez capturado, o CO2 teria então de ser armazenado em segurança. O armazenamento geológico de dióxido de carbono (CO2) consiste na injecção em formações geológicas profundas ou em reservatórios de hidrocarbonetos esgotados. A menos que sejam descobertas soluções inovadoras viáveis, estes sistemas podem ser úteis e utilizados, mas apenas de forma limitada. Depois, existe a tecnologia “Direct Air Capture (DAC)” para capturar CO2 directamente do ar, que tem sido discutida durante décadas. Até há pouco tempo, este sistema era considerado demasiado caro para ser implementado. Mas a empresa canadiana Carbon Engineering, depois de gerir uma instalação piloto DAC durante três anos, mostrou como os custos são muito mais baixos do que se pensava. A instalação não só está a remover dióxido de carbono do ar, mas também a produzir um combustível líquido. Se os custos puderem ser reduzidos ainda mais, esta solução poderá ajudar a reduzir o efeito de estufa. A população mundial está a aumentar de uma forma descontrolada. Se é verdade que nascem muito poucas crianças e a população está a envelhecer na Europa, em muitas outras partes do mundo, especialmente nos países mais pobres, estão a nascer demasiadas crianças. Prevê-se que em 2050 a população mundial se aproximará dos dez mil milhões de pessoas. Se não pusermos fim a este crescimento, não só consumiremos ainda mais os nossos escassos recursos e poluiremos mais o planeta, como também os gases com efeito de estufa libertados para a atmosfera aumentarão em resultado disso, com efeitos cada vez mais negativos. Uma política correcta de controlo de natalidade com incentivos e apoio para aqueles que limitam os nascimentos, o fornecimento gratuito de contracepção e aconselhamento, educação sexual nas escolas e muito mais, é essencial para combater o aquecimento global. Aqueles com interesses instalados acusam frequentemente este tipo de intervenções de tirar empregos a muitas pessoas, mas não é este o caso, pelo contrário, com a reciclagem, recuperação, reflorestação, novas tecnologias e fontes alternativas seriam criados muito mais empregos do que os perdidos. O que é verdade é que muitas pessoas terão de mudar de emprego, mas tal não altera nada porque, de qualquer forma, aconteceria devido à progressão exponencial do desenvolvimento tecnológico.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesO adeus às fitas No passado dia 8, a Hong Kong UA Cinemas anunciou o fecho da sua actividade, mas a Macau Galaxy UA continua a funcionar, bem como a sua congére China UA, que actua no continente. Devido à pandemia, os cinemas de Hong Kong viram-se obrigados a fechar as portas por três vezes. Emboras as salas tenham reaberto a 18 de Fevereiro, a pouca afluência de público levou ao seu encerramento. O comunicado de imprensa da Hong Kong UA mencionava: “Mr. Ira Kaye criou a UA cinema em Hong Kong, em 1985. Durante 36 anos, a UA acompanhou o nosso crescimento, esteve connosco ao longo das várias etapas da nossa vida, durante incontáveis momentos mágicos de luz e sombra, e tornou-se parte da vida de todos…” Nada podia ser mais verdade do que estas afirmações. Quem é que nunca namorou no cinema? No tempo em que não havia Internet, um dos melhores programas de fim de semana era ir ao cinema. Nas pausas de Natal e de Ano Novo, nas férias de Verão, sempre houve estreias de filmes. Os filmes devem ser vistos no cinema. A UA tinha uma sala no centro de cada distrito de Hong Kong. A facilidade de transportes atraía um grande número de clientes. Não é de admirar que a maior parte da população de Hong Kong frequentasse as salas de cinema da UA. Para além de excelentes localizações, a UA dispunha de serviços de grande qualidade. Foi a primeira cadeia de cinemas a criar condições para que os invisuais pudessem desfrutar dos filmes que exibia. Normalmente as salas de cinema são frias por causa do ar condicionado. Para ultrapassar este problema, a UA tinha um serviço de aluguer de mantas. Estes calorosos serviços só poderão a partir de agora viver na nossa memória. A Internet afectou todas as indústrias. Hoje em dia as pessoas já não vão ao cinema ver filmes, descarregam-nos e vêem-nos em casa. As salas de cinemas situadas no centro pagavam alugures muito altos. Perante uma acentuada diminuição das receitas e um aumento das despesas, os espaços da Hong Kong UA foram drasticamente reduzidos. É inegável que a Internet, permite ver filmes no telemóvel ou no ecrã da televisão, mas isso não quer dizer que a existência dos cinemas tenha deixado de fazer sentido. O grande ecrã aumenta o prazer de assistir a um filme e é o suporte por excelência para a sua exibição. Não se pode substituir por telemóveis e televisões. Mas é claro que o elevadísssimo preço das rendas em Hong Kong dificulta muito a actividade do sector da exibição. As pessoas que continuam a ir às salas de cinema, e a pagar bilhete para assistir aos filmes, são a prova do que acabou de ser dito. Claro que o mesmo filme também pode ser visto no telemóvel ou na televisão. Os menos apreciadores da experiência completa do cinema, vêem os filmes em suporte digital e deixam de ir às salas e consequentemente de comprar bilhetes. Os lucros descem. Quando a Internet se pode substituir ao negócio, este vê-se ameaçado. Por isso, as empresas devem tentar oferecer serviços que não possam ser fornecidos online. As empresas deste sector devem também fazer um esforço para controlar os custos dos alugueres das salas, em vez de estarem instaladas em grandes espaços centrais, devem mover-se para salas em centros comerciais necessariamente mais baratas. O encerramento das salas da UA em Hong Kong provocou o colapsar dos locais de que todos guardamos tão boas memórias, mas também é a prova de que os negócios não podem vingar se não tiverem clientela suficiente. A UA continua a operar na China continental. Por cá, ainda podemos continuar a ir ao cinema. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola Superior de Ciências de Gestão/ Instituto Politécnico de Macau Blog:http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
Hoje Macau VozesMelhorar o Sistema Eleitoral de Hong Kong O Único Caminho para Salvaguardar de Longo Prazo – a Prosperidade e a Estabilidade de Hong Kong Por Liu Xianfa Comissário do Comissariado do Ministério dos Negócios Estrangeiros da República Popular da China na Região Administrativa Especial de Macau Em 11 de março, foi aprovado por maioria de votos na 4ª sessão anual da 13ª Assembleia Popular Nacional (APN), Decisão da Assembleia Popular Nacional sobre a melhoria do sistema eleitoral da Região Administrativa Especial de Hong Kong(RAEHK). O governo central rever e melhorar a nível nacional o sistema eleitoral de Hong Kong, a fim de implementar integralmente o princípio de “patriotas governam Hong Kong”, vai preencher as lacunas do sistema , e será o único caminho para salvaguardar de longo prazo a prosperidade e a estabilidade de Hong Kong . Melhorar o sistema eleitoral de Hong Kong é da competência e responsabilidade da Autoridade Central. A Autoridade Central determinar o sistema eleitoral local é um sistema constitucional e uma prática política comum de todos os Estados Unitários. A China é um Estado Unitário. Hong Kong é uma região administrativa especial da República Popular da China. É do poder da Autoridade Central a criação duma região administrativa especial e a sua ordem. A Autoridade Central, conforme a Constituição e a Lei Básica, tem o poder constitucional, e assume a responsabilidade constitucional para determinar o sistema eleitoral de acordo com as circunstâncias reais de Hong Kong. Melhorar o sistema eleitoral da RAEHK pela Assembleia Popular Nacional e o seu comité permanente atua em plena conformidade com as disposições da Constituição e da Lei Básica. Isto é um acto legítimo, razoável, constitucional e legítimo. Liu Xianfa Melhorar o sistema eleitoral dirigido pelo princípio de “patriotas governam Hong Kong” corresponde com o princípio de “um país, dois sistemas” e a prática global comum. “Patriotas governam Hong Kong” é um requisito necessário e um conceito essencial do princípio de “um país, dois sistemas”, uma exigência inevitável para retomar o exercício da soberania de Hong Kong, uma pre-condição para a plena implementação da política de “um país, dois sistemas”, bem como uma garantia fiável para manter a prosperidade e a estabilidade de Hong Kong a longo prazo. Exigências rigorosas no patriorismo e nas qualificações políticas dos governantes é uma regra global comum . “Patriotas governam Hong Kong” não é de alto padrão, mas sim um padrão mínimo de “Hong Kong a ser governado pelo povo de Hong Kong”. Este requisito também não é exclusivo de Hong Kong, mas sim uma regra aplicável geral em todo o mundo. Melhorar o sistema eleitoral de Hong Kong é o único caminho para um desenvolvimento saudável da política democrática de Hong Kong. Hong Kong não tinha democracia alguma durante a época colonial e só depois da sua devolução é que começou de verdade o processo de desenvolvimento democrático. Mas nos últimos anos, especialmente após a turbulência sobre o projeto de emenda de decreto de Hong Kong em 2019, os elementos anti-China e desestabilizadores em Hong Kong, em conspiração com forças hostis externas, têm espalhado propostas de “independência de Hong Kong”, aproveitado as plataformas eleitorais da RAEHK e as plataformas de deliberação do Conselho Legislativo e dos Conselhos Distritais ou suas posições como funcionários públicos para paralisar, a todos os meios possíveis, o funcionário do Conselho Legislativo e obstruir a administração baseada na Lei do governo da RAEHK, tentando em provocar a Autoridade Central e tomar nas suas mãos, o poder de administrar a cidade. Os tumultos e turbulências revelam que o sistema eleitoral de Hong Kong tem brechas e deficiências claras. As últimas medidas tomadas pela Autoridade Central sirvam para promover o desenvolvimento saudável e ordenado da política democrática em Hong Kong. Melhorar o sistema eleitoral de Hong Kong é uma importante garantia da prosperidade e da estabilidade a longo prazo de Hong Kong. O 14º Plano Quinquenal e os Objetivos de Longo Prazo até o ano de 2035, adoptados pela Assembleia Popular Nacional , define uma série de objectivos importantes para manter a prosperidade e a estabilidade de Hong Kong a longo prazo, bem como uma implementação concreta para aprofundar a cooperação entre o interior da China e Hong Kong, demonstrando a firme determinação da Autoridade Central em manter a prosperidade e a estabilidade de Hong Kong. Os tumultos e as confusões por dentro vão fazer perder a oportunidade de desenvolvimento. Agora, a Autoridade Central está a tomar medidas para melhorar o sistema eleitoral e aplicar o princípio de “Patriotas governam Hong Kong”, tudo isso serve para patriotas leais liderarem Hong Kong a sair do predicamento. Agora, muitos países do mundo estão a tentar em agarrar as oportunidades do desenvolvimento da China, ao mesmo tempo no caso de Hong Kong que fica com apoios da pátria e uma visão global e que tem muitas condições favoráveis e vantagens competitivas únicas, não há razão perder as oportunidades, nem ser desorientado no grande progresso do país. Melhorar o sistema eleitoral de Hong Kong pela Autoridade Central é amplamente compreendida e apoiada pela comunidade internacional. O governo da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM) e todos os setores da sociedade também se expressam os seus apoios para a decisão e as medidas da Autoridade Central. Com a liderança da Autoridade Central, a RAEM tem gradualmente desenvolvido a sua política democrática de acordo com a Constituição e a Lei Básica, construído uns sistemas eleitorais de chefe do executivo e de Assembleia Legislativa correspondentes à realidade, protegido os direitos dos residentes, formando uma boa situação de “Patriotas governam Macau”, assegurando o princípio de “um país, dois sistemas” continuar a seguir no rumo certo. O Comissariado vai continuar a manter uma vigilância rigorosa e a conter com firmeza a interferência de forças externas nos assuntos de Macau, tal como orientado pela Autoridade Central e pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, a fim de salvaguardar resolutamente a excelente situação de Macau e defender inabalavelmente a prosperidade, a estabilidade, uma boa governança e uma segurança de longo prazo da RAEM.
André Namora Ai Portugal VozesConfinamento aumenta divórcios Nunca os portugueses pensaram pronunciar tantas vezes a palavra “confinamento”. Uma pandemia que obrigou à decisão das autoridades governamentais a obrigar as pessoas a ficar em casa para evitar o vírus. Tudo uma treta. Em quantas cidades, vilas e aldeias que o vírus corona entrou pelas casas adentro e os moradores foram parar ao hospital. O confinamento foi uma ilusão, disse-me um cientista que me explicou a razão do abaixamento dos números de infectados e de óbitos. É que ainda ninguém falou nas televisões que um vírus também tem o seu tempo de vida. Pode é morrer um e nascer outro vírus que provoca outra pandemia. Mas, o confinamento é que está em causa. São centenas de “filmes” que foram rodados por este país fora. As mulheres fartaram-se de cozinhar, fartaram-se de ouvir os gritos dos filhos, fartaram-se da preguiça dos maridos. Os homens fartaram-se de estar fechados, fartaram-se de as mulheres lerem as suas mensagens no telemóvel, fartaram-se de não ir tomar um copo com os amigos ou com uma amante, fartaram-se das perguntas dos filhos, fartaram-se de nunca terem a casa de banho livre, fartaram-se das mulheres que perguntavam após uma chamada telefónica “quem era?”, fartaram-se dos vizinhos baterem à porta a pedir isto e aquilo. O confinamento deixou casais em estado depressivo. Uma psicóloga transmitiu-me que o confinamento foi gravíssimo em termos mentais entre os casais. Na maioria dos casos estavam habituados verem-se ao levantar e voltarem a beijar-se ao deitar. O dia inteiro sem se verem. No confinamento os casais tiveram de se aturar durante 24 horas durante meses. Há quem seja que o confinamento teve laivos de exagero e que um dia será provado que o número de infectados não baixou por terem metido quase toda a gente na gaiola. Durante o confinamento assistiu-se a todo o género de acontecimentos que quebraram as regras, desde declarações autorizando a deslocação falsas e até pagas. Os jovens, e não só, realizaram festas e festinhas até chegar a polícia e acabar com o regabofe. Na semana passada, Marcelo Rebelo de Sousa foi reempossado no cargo de Presidente da República e começou logo a falar em confinamento. A discórdia com o primeiro-ministro em alguns aspectos sobre como desconfinar no futuro, foi de tal ordem que o Presidente amuou, não disse nada após o jantar que teve com António Costa e pirou-se logo para o Vaticano, onde o Papa Francisco lhe deu mai uma bênção e o lembrou que Fátima tem de voltar a encher. Marcelo seguiu para Espanha e o encontro com o rei Felipe VI bateu na tecla do confinamento porque agora não há mais nada para dizer, qual central nuclear às portas de Elvas, qual carapuça. Mas que raio de confinamento este do Presidente Marcelo em andar a passear? Assim vale a pena estar confinado e se o encontro com o rei de Espanha tivesse sido em Valência lé tínhamos o Presidente a dar um mergulho na praia… Não brinquemos porque esta história do confinamento é algo de muito sério. Temos a miudagem muito afectada, depressivos, revoltados com tudo e à frente de um computador que lhe dizem ser a escola. Os pais entraram em delírio. As mães vão ao psiquiatra e ambos têm ido aos notários. Um notário meu amigo confirmou-me que o caso é gravíssimo e que já existem dados de que o confinamento tem provocado um grande número de divórcios ou de separações. O confinamento fez sofrer o pai, a mãe e dos filhos nem falar. Os miúdos choram diariamente com a separação dos pais e o trauma é inevitável. Nos tempos modernos criou-se a ideia de que a separação dos pais era algo de natural e as crianças que se habituassem. Não é bem assim. Há separações conjugais civilizadas e os cônjuges continuam amigos. Por outro lado, há casos em que o litígio é enorme e os filhos começam a andar num mundo distorcido de todas as lógicas e os psicólogos e psiquiatras concordam que na maioria dos casos o fututo das crianças está completamente afectado. Agora, o governo anunciou que o desconfinamento será realizado a conta-gotas e que, por exemplo, os restaurantes, talvez abram em Maio. Refiro-me aos restaurantes por se tratar de um confinamento triste e trágico para tantos desempregados e proprietários. As falências têm sido muitas e as dívidas serão pagas para as calendas. Confina, desconfina, confina, desconfina. Por este andar ainda elegem “confinamento” como a palavra do ano… *Texto escrito com a grafia antiga
João Romão VozesHistória por contar Não faz parte das minhas leituras técnicas necessárias e habituais mas chamou-me a atenção – num momento em que estas discussões têm ganho tanta visibilidade pública – a publicação de um artigo científico, na área da história, com uma análise detalhada da produção de café com base em trabalho escravo durante o século 18, com a decorrente identificação da importância dessa actividade para a centralidade da Holanda nas cadeias globais de produção que caracterizam as economias contemporâneas. Não é assunto, a escravatura que caracterizou o período colonial que se seguiu à Idade Média, sobre o qual encontre com muita frequência produção científica, pelo que segui a pista aberta pela autora – conhecida dos meus tempos na belíssima Amesterdão – que divulgou o trabalho numa popular “rede social” dos universos digitais em que nos movemos. A pista que segui tinha vários elementos de interesse: desde logo a revista onde o artigo era publicado, com o título “Slavery & Abolition”, editada desde 1980 e propriedade de uma das mais reputadas corporações do multimilionário negócio das publicações académicas. Não se trata então de uma publicação obscura e marginal, antes pelo contrário: é uma revista devidamente instituída nos meios académicos internacionais e com bastante razoáveis pergaminhos históricos. Outro elemento de notório interesse foi o volume especial da revista em que o artigo era publicado, exclusivamente dedicado ao papel da Europa nas redes globais de escravatura e o seu impacto no desenvolvimento económico do continente entre 1500 e 1850: desde o início dos chamados “Descobrimentos” até à consolidação da Revolução Industrial, só possível graças à acumulação gerada pelos fluxos comerciais globais que a antecederam e que viria a abrir caminho à hegemonia da Europa na economia global. O interesse do tema e a relativa profusão de trabalhos de investigação publicados internacionalmente contrasta com a escassa atenção que ainda hoje á dada pela sociedade portuguesa a um assunto que, se não constitui tabu absoluto, é certamente remetido para uma certa marginalidade para a qual se olha com desconfiança. Não deixa de ser curioso que neste volume especial haja um artigo produzido por uma investigadora portuguesa, mas que trabalha numa instituição holandesa. De resto, percorrendo as publicações dos últimos 40 anos na tal revista “Slavery & Abolition”, são muito poucos os trabalhos com origem em universidades portuguesas, apesar da manifesta importância histórica que o colonialismo português teve na criação, consolidação e exploração de redes de escravatura. São certamente muitos os documentos, temas e perspectivas possíveis para olhar para o assunto a partir da experiência histórica portuguesa. O mesmo se passa nos Países Baixos, aliás: com um papel extremamente activo nas navegações e no comércio internacional do período que se seguiu à Idade Média, também foram protagonistas centrais da exploração de trabalho escravo. Mas, apesar de tudo, há na sociedade actual uma abordagem mais frontal e transparente do que isso representou e das implicações que teve – quer dos manifestos benefícios que a Holanda conseguiu, quer do papel subalterno e dependente que as economias dos países colonizados foram assumindo na chamada “divisão internacional do trabalho” ou nos processos de especialização no quadro da economia global contemporânea. Essa frontalidade também se reflecte na museologia, outro tema recorrente e permanente adiado na sociedade e na opinião pública em Portugal: devem os museus de História reflectir aspectos como a escravatura quando documentam e mostram o chamado período dos “Descobrimentos”? Parece haver sempre um generalizado consenso, mais ou menos interrompido por manifestações esporádicas de desacordo, em relação a uma suposta necessidade de preservar uma certa boa imagem do país, atirando para baixo do tapete as poeiras que possam conspurcar a gloriosa aura da nação, fechando as janelas a olhares críticos sobre a história e parte das suas consequências sobre a contemporaneidade – a exploração que se mantém em modos diferentes e pós-coloniais alicerçada em posições de controle e dependência ou o racismo sistemático e estrutural que ciclicamente se torna mais evidente, quando as crises e a falta de emprego apertam. Também nisso encontrei uma diferença nos meus tempos de vida na Holanda, em que ocasionalmente visitava o Museu dos Trópicos, designação eventualmente pouco feliz para o belo edifício que em tempos foi o “Museu das Colónias”. O nome e os conteúdos programáticos do museu viriam a ser alterados, passando à actual designação, ainda que o termo “trópicos” não tenha um sentido geográfico demasiado estrito. Na realidade, o museu está aberto a diferentes formas de arte popular não europeias. Na última vez que o visitei, tinha duas belas exposições temporárias: uma sobre a moda em África e outra sobre a cultura da manga no Japão. Já a exposição permanente sobre o papel da Holanda nos circuitos globais da escravatura entre os séculos 15 e 19 continuava, informativa, detalhada, inalterada e inquestionada, no mesmo sítio onde sempre a vi. É verdade que nem a produção científica nem o museu resolvem os problemas actuais de dependência económica, exploração sistémica e sistemática, ou racismo omnipresente e estrutural. Na realidade, movimentos políticos abertamente racistas e neo-fascistas até emergiram no século 21 holandês bastante antes do que aconteceu em Portugal. Mas há apesar de tudo, uma liberdade diferente para se falar destes assuntos nos espaços públicos, que se traduz, também, em decisões políticas com impacto óbvio no quotidiano. Por exemplo, na imprensa holandesa é proibido referir a nacionalidade das pessoas quando se noticiam crimes. Não se trata de um apelo à cidadania nem de ética profissional, mais ou menos reflectida numa qualquer carreira profissional: é uma lei que tem que ser cumprida para se protegerem as comunidades dos estigmas que este tipo de notícia pode criar. Não resolve tudo, certamente, mas desconfio que em Portugal não se consegue sequer discutir a criação de uma lei deste género.
Carlos Morais José A outra face VozesO amargo fedor do sucesso O pior que pode acontecer a alguém é ter sucesso. Ser o orgulho dos parentes, reconhecido pelo vulgo, cumprimentado pelos amigos. Experimenta produzir qualquer coisa que agrade aos outros, que te catapulte ainda que por quinze minutos para alguma fama e, mesmo que te faça entrar na carteira algum dinheiro inesperado, verás o sarilho em que inesperadamente te embrulhaste. E não se trata aqui de lidar mal com a falta de anonimato, que isso é chato, mas na verdade não importa. Nem sequer de sentir a inveja alheia a morder-te os calcanhares, as facas a entrarem nas costas, quando tu, simplesmente, estás a passar a manteiga pelo pão. Não. É muito pior do que isso tudo junto. O Andy Warhol inventou os tais quinze minutos de fama. Mas ele sabia muito bem no que se estava a meter. Só que não alertou ninguém para o que realmente interessa no assunto. Como bom rato que era, ficou calado e a roer queijo, a ver se esquecia a própria fama entre festas e festinhas. O primeiro problema é que na nossa sociedade ter sucesso parece ser um objectivo primordial e imprescindível, algo de obrigatório, sem o qual não és ninguém. Mal nascemos e gatinhamos, que nos gritam ao juízo a sua necessidade, a imperiosa precisão. O sucesso é a cenoura que nos impõem para que corramos sem saber muito bem para onde, ainda que nos digam para quê. Sussurram que para o alcançar vale tudo e que se chega lá por quase nada. O sucesso é a justificação em si mesma seja lá do que for, nem que sejam as piores atrocidades. Chega a ser da dor que a outro indiferentes provocamos, sem que isso a nós possa causar qualquer dano. Pode ser de ter vendido a alma por dez réis de mel orgânico, raramente por ter escrito o texto mais belo do mundo. No fundo, o sucesso é o que importa, é a porta sempre querida, não importa se merecida e quase sempre fechada, que a custo entreabrimos. E para quê? Ah… se soubéssemos o que nos espera além, nunca um passo seria dado, uma corrida encetada, uma finta executada, enfim, nada. Ficaríamos parados, a contar os nossos berlindes nesse saco sem fundo a que chamamos existir. Ou então, simplesmente, descansados, que é hoje tão difícil quão subir um Himalaia. “O menino não é ambicioso. O menino não faz pela vida. O menino não merece o pão que come mas, no entanto, tem fome. Onde é que já se viu?” Não pode ser. Insistimos em vencer, em ser conhecidos, famosos e, por esses quinze minutos, quase capazes de matar. Se não o outro, a nós mesmos de tanto nos afogarmos nesse mar de tentativas. E repetimos baixinho: é por mim, é por mim… e que se lixe o vizinho. Truz, truz, truz… bato à porta sem temor. A porta abre e eu entro, entre clamores de uma turba que, à falta de ser real, transporto nesta cabeça, antes que o mundo adoeça e a coisa seja vã. Mas… o que há do outro lado? Tu mesmo e chateado de nada de importante em ti ter realmente mudado. Conseguiste, chegaste lá, enriqueceste ou és conhecido no pequeno charco onde nadas. Mas isso o que significa, quando fechas a porta de casa e mergulhas na solidão com franqueza? O que mudou o sucesso de importante na tua vida? Na verdade, tudo parece agora mais distante: o amor, as amizades, o mundo, as cumplicidades que, num só dia, se esvaem. Num primeiro momento, quase não dá para acreditar. Não é este o reino que nos fora prometido. Depois advém o vazio e a obrigatoriedade de guardar o que a tanto custo se conquistou. Uma trabalheira infernal e o que em ti era espontâneo passa ser algo fatal, do qual dependes para te manter nesse topo imaginário, nessa torre de cristal na qual és, afinal, prisioneiro. Mas o pior de tudo é quando olhas o espelho e já não te reconheces. Não sabes quem é aquele, ali semi-reproduzido, nem tens a certeza dos próximos passos a dar. Vês o abismo como caminho. E, acredita, mais que nunca estás sozinho, que o sucesso é feito a sós e as gentes não têm dó quando te virem cair. É quando um cheiro mau, repugnante, se evola – meio podre, meio a ti – que ao corpo e à mente se cola. Nunca mais te deixará, por mais cara que seja a colónia que agora usas. Não podes voltar atrás, ainda que tudo percas, nisto não há retrocesso. Todos o sentem e conhecem, mas garantem que é perfume. Não é, sabemos bem: é o amargo fedor do sucesso.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesO aquecimento global pré-COVID-19 “Before the COVID-19 pandemic of 2020, emissions of carbon dioxide were rising by about 1% per year over the previous decade, with no growth in 2019. Renewable energy production was expanding rapidly amid plummeting prices, but much of the renewable energy was being deployed alongside fossil energy and did not replace it, while emissions from surface transport continued to rise.” Nature Climate Change volume 10, pages647-653 (2020). Desde pequeno sempre me fiz perguntas que a maioria das pessoas não pensa: como é que o Universo teve origem e como vai acabar, como se formou a vida e será o futuro, até onde iremos? Tenho sido um fã da ficção científica, em particular da que imaginava viagens entre as estrelas e a descoberta de novos mundos. Sou apaixonado pelos problemas do mundo em vez do futebol ou outros desportos, e sonho com um mundo muito diferente do verdadeiro, onde não há guerras, nem fome, nem ultra-ricos o ambiente é respeitado. Ao longo dos anos, fiquei convencido de que, devido à natureza do Homem, estes poderiam estar destinados a permanecer apenas utopias. Na verdade, o Homem sempre foi egoísta e possessivo. Desde muito cedo aprende a dizer: “É meu”. A reacção mais comum das pessoas quando obtêm algo não é a satisfação, mas o desejo de ter ainda mais. E depois a resistência à mudança pois a mente é habitual por natureza e, portanto, a mudança custa energia e esforço, por isso resiste. A mudança significa a quebra de um padrão, de uma forma de ser e de funcionar, agora familiar, para passar para outro completamente novo e estranho. Estas são algumas das razões pelas quais, em vez de ter em conta que existe apenas uma Terra e de fazer investimentos para um futuro melhor, houve uma corrida ao consumismo mais desenfreado, sem considerar os danos para o ambiente e o legado prejudicial deixado às gerações futuras. Mesmo os países são governados por indivíduos que pensam em termos egoístas para o seu país e o povo apoia-os porque o nacionalismo prevalece. O homem é um animal que graças à sua adaptabilidade e capacidade de colaborar, conseguiu prevalecer sobre os outros animais e desenvolver uma inteligência tal que o tornou o senhor absoluto do planeta Terra, explorando plenamente os seus recursos naturais a fim de satisfazer as suas necessidades. Se nas épocas anteriores o impacto humano na natureza tinha sido mínimo, desde a primeira Revolução Industrial, há mais de duzentos anos, com as suas actividades e comportamentos, o Homem modificou profundamente o clima e o ambiente. Nos últimos anos tem havido um animado debate sobre o aquecimento global e as suas causas e efeitos. Actualmente, a grande maioria dos cientistas afirmam e demonstram que o aquecimento global em curso se deve a actividades humanas. Há muito poucos que o negam e que têm interesses económicos e/ou políticos significativos, como o ex-presidente americano Trump, que não desistia mesmo quando confrontado com a evidência dos efeitos nocivos sofridos pelo seu país. Há algumas décadas muito poderia ter sido feito para o evitar, mas, em vez disso, continuou-se sem medo ao longo do caminho do consumismo e do desperdício. Hoje ainda podemos fazer algo, pelo menos para limitar os danos, mas devido aos egoísmos individuais e nacionais não conseguiremos sequer abrandar o ritmo. O aquecimento global poderá tornar-se inevitável e mais acelerado do que pensamos, com as consequentes catástrofes naturais devido a fenómenos cada vez mais extremos, tais como chuvas intensas, furacões e grandes secas que provocarão inundações, destruições, desertificação, incêndios, derretimento do gelo e subida dos mares que farão desaparecer enormes superfícies cultiváveis ou habitadas, perecerão flora e fauna, tanto terrestre como marinha, até chegar a uma nova extinção em massa. Entretanto, haverá migrações de populações inteiras, guerras pela água e pela terra cultivável, mortes, doenças e sofrimento. A única esperança de parar ou pelo menos abrandar o aquecimento global é agir incisivamente “AGORA” a nível global tentando fazer com que as utopias se tornem realidade. O comboio está a partir e para não o perder temos de o apanhar à pressa. Não podemos esperar que a ciência, com os seus desenvolvimentos futuros, encontre uma solução prática para resolver o problema ou que seres extraterrestres venham e nos façam mudar radicalmente o nosso estilo de vida. Também não se pode esperar que a política resolva tudo. Se não fizermos todos um esforço para adoptar um estilo de vida diferente e assumirmos um compromisso político, mesmo apoiando partidos que defendem o Ambiente, será difícil mudar o estado das coisas. Pode-se sempre fazer algo por muito pouco que seja como instalar painéis fotovoltaicos no telhado, cultivar um pedaço de terra com uma horta e pomar, seguir uma dieta principalmente vegetariana nos passos da dieta mediterrânica dos nossos avós, tentar andar a pé ou de bicicleta o máximo possível, mas isto não é suficiente porque são muito pouco a fazer. Os cientistas dizem que ainda temos nove anos até que o processo de aquecimento global se torne irreversível. O que tem sido feito até agora é insuficiente e não será capaz de conter o aumento da temperatura média global. Só se todos remarmos em sincronia conseguiremos conduzir os nossos netos para um futuro onde possam viver em paz e harmonia com a natureza. É de fazer um apelo especial aos jovens em particular, porque são eles que mais sofrerão com as consequências das alterações climáticas. Rebelem-se tomando parte activa na política ou, em todo o caso, dando o seu apoio aos partidos que assumem a responsabilidade pelos problemas ambientais. O aquecimento global é um fenómeno climatológico que tem afectado o nosso planeta desde a segunda metade do século XX, o que implica um aumento da temperatura média da superfície do planeta, incluindo tanto a atmosfera da Terra como as águas dos oceanos, causado pelo efeito de estufa e atribuível à actividade humana. O efeito estufa, como o nome sugere, é comparável ao que acontece numa estufa ou num carro exposto ao sol com as janelas fechadas. O ar no interior é aquecido pelos raios solares enquanto as janelas do carro ou as folhas transparentes da estufa o impedem de irradiar e entrar em contacto com o ar mais frio do exterior, fazendo com que a temperatura interna suba consideravelmente. No caso da Terra, a função do vidro ou da folha transparente é realizada principalmente pelos chamados “gases com efeito de estufa”. Os mais conhecidos e mais utilizados são o dióxido de carbono (CO2) e o metano (CH4), enquanto o mais influente é o vapor de água, que é de origem natural. Tal como numa estufa, a Terra aquece mais do que o normal. O aumento das temperaturas médias globais provoca o derretimento dos glaciares e o aumento do nível do mar. O aquecimento climático, contudo, tem efeitos diferentes de região para região e as suas influências locais são muito difíceis de prever. O que é certo, porém, é a natureza extrema dos fenómenos meteorológicos e o seu aumento de frequência. As consequências do aquecimento global são numerosas e aumentam em gravidade à medida que a temperatura média global aumenta como chuvas fortes, furacões, inundações, deslizamentos de terras, seca extrema, desertificação, fome, incêndios, derretimento do gelo, subida dos mares, extinção de espécies, migração de populações inteiras, guerras por causa da água e terras aráveis. Estas catástrofes naturais, no entanto, não atacam de forma homogénea. Um continente pode sofrer de seca extrema, enquanto outro pode sofrer chuvas fortes, inundações ou furacões. A situação actual até ao aparecimento da Covid-19 (Janeiro de 2019) quanto à temperatura atmosférica era de que os últimos quatro anos tinham sido os mais quentes desde 1880, pois a concentração de CO2 na atmosfera foi a mais elevada em oitocentos mil anos (410 partes por milhão) e está a aumentar. O aquecimento global era actualmente cerca de 1 grau acima dos níveis pré-industriais. Isto soa como um não cerebral, mas está longe disso. Mesmo a mais pequena mudança importa e pode trazer mudanças drásticas. O ano de 2018 foi o mais quente desde 1800 para a maioria dos países da Europa do Sul +1,58°C acima da média. Dos trinta anos mais quentes desde 1800, vinte e cinco foram desde 1990. Em vários estados europeus, particularmente na Alemanha, França, Suíça, Áustria, Hungria e Finlândia, 2018 foi também o mais quente registado desde que foram feitas observações, assinalando temperaturas recordes como, por exemplo, na Finlândia, onde as temperaturas de Verão excederam os 30°C. O ano de 2018 foi o ano mais quente de sempre porque, o fenómeno El Niño estava em curso, amplificando eventos climáticos extremos já exacerbados pelas alterações climáticas. Quanto a eventos extremos, 2018 tem até uma dúzia de acontecimentos excepcionais, a começar pelos Furacões Florence e Michael, que foram os mais destrutivos e dispendiosos da história dos Estados Unidos. Os incêndios na Califórnia são também considerados como os mais destrutivos e dispendiosos em termos de vidas na história do estado. No Japão, inundações e deslizamentos de lama causaram duzentos e trinta mortes e destruíram milhares de casas, seguidas por ondas de calor excepcionais, com cento e cinco mortes só em Tóquio. A China também sofreu chuvas torrenciais com mortes e danos consideráveis. Finalmente, a Austrália, Argentina e a área da Cidade do Cabo na África do Sul foram atingidas por uma seca excepcional. A situação para o gelo e glaciares não é certamente melhor pois o gelo da Gronelândia está a derreter mais rapidamente do que o esperado e o fenómeno, que começou em meados do século XIX, é o mais pronunciado em quatrocentos anos. Glaciares de todo o mundo estão a retroceder. Basta pensar no glaciar Marmolada que está a desaparecer, bem como em todos os glaciares Dolomitas e Alpinos cujo recuo não pára, apesar de uma estação de Inverno e Primavera caracterizada por uma boa pluviosidade. As más notícias também vêm de glaciares suíços vizinhos. Entre 1973 e 1985, a superfície dos glaciares suíços permaneceu praticamente inalterada, enquanto de 1985 a 2000 foi reduzida em 18 por cento. No Ticino, entre 1985 e 2009, a superfície dos glaciares foi reduzida em 70 por cento, desaparecendo abaixo de uma altitude de 2100 metros acima do nível do mar. A Antárctida detém 90 por cento das reservas de gelo do planeta e desempenha um papel fundamental no clima da Terra. É daqui que o ciclo começa, o que permite que a temperatura da superfície terrestre permaneça constante e evite o sobreaquecimento. Entre 1992 e 2017, a Antárctida perdeu três triliões de toneladas de gelo. O derretimento do gelo árctico levou a uma subida do nível do mar de cerca de dez milímetros. A emergência dos refugiados climáticos está a tornar-se cada vez mais alarmante, pois estamos a falar de mais de um milhão de pessoas forçadas a abandonar as suas casas devido à erosão e às tempestades causadas pela subida do nível do mar. Este número poderia aumentar significativamente, uma vez que muitas comunidades costeiras recorrem à migração interior como medida preventiva. Está a acontecer na Louisiana, Brasil, Nova Iorque, Austrália, Tailândia, Filipinas e Alasca. Em Veneza, por exemplo, o nível do mar está a subir a um ritmo recorde e “la Serenissima” poderia estar debaixo de água até 2100. Isto é revelado no capítulo dedicado ao clima do volumoso “Relatório Estatístico 2018” divulgado pela Região de Veneto. O nível do mar Adriático em Veneza subiu “significativamente acima da média global” e mesmo “quase o dobro do de Trieste”. A subida do nível do mar causada pelo aquecimento global está a acelerar e, no final do século e cerca de 7 por cento da população mundial poderá terminar submersa, com imensos danos e inconvenientes. O novo alarme, que reforça ainda mais os precedentes sobre o derretimento do gelo, vem de um grupo de investigadores da Universidade de Boulder, no Colorado. Estes cientistas calcularam que o nível médio do mar nos últimos vinte e cinco anos aumentou sete centímetros, e mostraram que a velocidade de crescimento deste nível não é a mesma em cada ano que o anterior (três milímetros por ano), mas é dada pelo anterior adicionando quase um milímetro para cada ano. Por isso, é como se mantivesse o pé no acelerador de um carro cuja velocidade continuaria sempre a aumentar. O texto foi desenvolvido utilizando dados fornecidos desde 1993 até 2018 por vários satélites em órbita da Terra, tais como TOPEX/Poseidon e Jason-1 a 3. O ano de 2018 é também um ano recorde para o aquecimento dos oceanos. De facto, foi o ano mais quente de que há registo, com uma acumulação recorde de calor. A investigação publicada na Nature, utilizou um método novo e mais fiável para calcular os efeitos do aquecimento global nos mares e oceanos e descobriu que os oceanos estão a aquecer muito mais rapidamente do que se pensava anteriormente. Um factor chave que está a exacerbar o aumento das temperaturas, que é o aumento constante dos níveis de vapor de água na atmosfera. A investigação mostra que os seres humanos, com as suas actividades diárias, são largamente responsáveis pela crescente “hidratação” na atmosfera superior. Nos últimos trinta anos, o nível de humidade na troposfera superior (de 4,8 a 11,2 quilómetros), tem tido uma constante tendência ascendente principalmente devido a actividades humanas. A presença de florestas desempenha um papel muito importante na manutenção do equilíbrio do ecossistema. Através do processo de fotossíntese, as plantas removem o dióxido de carbono do ar, libertando oxigénio em seu lugar. Enquanto a destruição das florestas produz enormes quantidades de CO2, o seu crescimento absorve-o, fazendo da sua protecção um dos elementos-chave na luta contra as alterações climáticas, especialmente as tropicais, cujo crescimento ocorre ao longo de todo o ano. Em vez disso, estamos infelizmente a perder treze milhões de hectares de floresta todos os anos. A este ritmo, mais de duzentos e trinta milhões de hectares desaparecerão até 2050. Apesar dos esforços para reduzir a desflorestação tropical, a taxa de perda de árvores quase duplicou ao longo dos últimos cinco anos. A desflorestação acrescentou 7,5 mil milhões de toneladas de dióxido de carbono à atmosfera em 2017, de acordo com estimativas do World Resources Institute (WRI), 50 por cento mais do que as emissões produzidas pelo sector energético dos Estados Unidos. A desertificação, tal como a desflorestação, reduz a capacidade da vegetação para absorver CO2. As causas são múltiplas, devido tanto a causas naturais (aumento das temperaturas, seca, degradação do solo e transporte devido ao efeito de chuvas fortes) como antropogénicas, ou seja, causadas por actividades humanas (uso insustentável de aquíferos, remoção de solos férteis e impermeabilização do solo devido à urbanização, lavra em encostas, etc.). Globalmente, uma área com metade do tamanho da União Europeia (4,18 milhões de quilómetros quadrados) é degradada todos os anos. A África e a Ásia são os continentes mais afectados. Em menos de um século, o número de animais que vivem no nosso planeta diminuiu praticamente para metade. Actualmente, cerca de seiscentas espécies animais estão ameaçadas de extinção do que já é conhecido, como constituindo uma longa lista vermelha com noventa mil entradas. A biodiversidade é um património precioso para a vida na Terra que deve ser preservado a todo o custo. Basta pensar nas preciosas abelhas que polinizam e fertilizam as nossas árvores de fruto. Se, devido ao aquecimento global, se extinguissem, seria extremamente prejudicial para a agricultura, pois não só faltaria mel, mas também fruta, legumes e forragens para animais. Seguir-se-iam grandes fomes, pondo em risco a nossa própria sobrevivência.
David Chan Macau Visto de Hong Kong VozesDireito à reparação A lei que garante o direito à reparação de produtos, aprovada em Novembro de 2020 pela União Europeia, entrou em vigor no passado dia 6 deste mês. A lei garante que o consumidor tem o direito de reparar os artigos que adquiriu, nomeadamente artigos electrónicos. Após a lei entrar em vigor, os fabricantes têm de garantir que, nos sete anos posteriores à compra, têm suficientes peças sobresselentes para substituir as que se estragam. Após receber a encomenda, o fornecedor tem de fazer a entrega num prazo de 15 dias. A lei cobre produtos eléctricos, tais como máquinas de lavar roupa, máquinas de lavar loiça, frigoríficos, câmaras de vigilância, mas exclui telemóveis e computadores. Por outras palavras, esta regulamentação estipula que o consumidor tem direito a obter peças, ferramentas e informação, eliminando assim os obstáculos que se colocam à manutenção dos artigos e garantindo a possibilidade de fazer ele próprio os arranjos necessários. Na ausência desta garantia, os consumidores viam-se obrigados a deitar fora os artigos que se avariavam e a ter de comprar outros. Com o direito à manutenção, os consumidores podem usar os produtos por mais tempo, reduzir a aquisição de produtos novos, e os fabricantes não podem monopolizar o mercado das reparações, que se assim se expande para outros sectores. Os motivos para os fabricantes se oporem a esta lei são óbvios. Se as pessoas não conseguissem arranjar os equipamentos, os fabricantes monopolizavam o mercado das reparações. Além disso, podiam decidir se fabricavam ou não peças sobresselentes. Desta forma determinavam o ciclo de vida dos produtos, que não é muito alargado pois a sua prioridade é a venda de novos produtos. Neste cenário, os consumidores teriam de deitar fora os produtos avariados e comprar outros novos. Em 2019, o novo coronavírus reduziu os contactos directos, criou o tele-trabalho e activou as comunicações globais online, mas o que não se esperava é que também tivesse impulsionado o direito dos consumidores à reparação dos artigos. Exemplo disso são os ventiladores. Os fabricantes estipulavam que quando um destes aparelhos se avariava, só podia ser reparado por técnicos da marca. Proibia terceiros de fornecer peças e equipamentos para reparação. Após o surto da epidemia, os fabricantes viram-se obrigados a reduzir as equipas técnicas, o que levou os hospitais a não conseguirem reparar os ventiladores sempre que se avariavam, pondo assim em risco a vida dos pacientes. Em 2020, o senador democrata Ron Wyden e a representante Yvette D. Clark propuseram o “Regulamento de 2020 para a Reparação de Equipamento Médico Crucial”, o que permitiu que os hospitais recorressem ao serviço de terceiros para reparação de equipamentos durante a pandemia, que incluía a colocação de peças, o desbloqueio de restrições do software e a obrigação do fabricante de fornecer informação e ferramentas. Esta foi a primeira vez nos Estados Unidos que um Governo Federal criou uma Ordenança de reparação de produtos. Em Janeiro de 2021, antes da União Europeia implementar o direito à reparação, a França introduziu uma lei anti-desperdício. Passou a haver uma etiqueta nos produtos eléctricos onde se lista todas as possibilidades de reparação. A lista tem vários indicadores, como a capacidade de desmontagem, o preço das peças, etc. Os itens listados estão avaliados de 0 a 10. Quanto mais baixa for a avaliação, menor será a capacidade de reparação do produto. Reparar os produtos permite usá-los durante mais tempo. Para além de pouparmos dinheiro, podemos também reduzir os impactos ambientais. Prolongar a vida dos produtos electrónicos, significa a redução da produção dos seus substitutos e a Terra agradece. O fabrico de produtos electrónicos provoca a emissão de gases que aumentam o efeito de estufa e também a poluição do ambiente. Assim sendo, quanto menos produtos electrónicos forem fabricados, menos danos provocamos no ambiente. No que diz respeito à protecção do ambiente, estejamos nós onde estivermos, devemos sempre dar o nosso melhor. A pandemia alterou as tecnologias, mas as nossas políticas e as nossas legislações devem acompanhar os tempos. Só quando colaborarmos uns com os outros em pleno, poderemos criar um ambiente melhor para todos. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola Superior de Ciências de Gestão/ Instituto Politécnico de Macau Blog:http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk
André Namora Ai Portugal VozesO Alqueva pode não chegar para todos Hoje vou contar-vos uma história surreal. Encontrei um amigo alentejano e falou-me do maior lago artificial da Europa, o Alqueva. Todos devem estar lembrados de como começou o Alqueva, com a possibilidade de as águas virem a submergir algumas aldeias ali existentes e até se construiu uma aldeia semelhante a uma que ficou debaixo de água. O meu amigo contou-me que na altura de se retirarem pessoas e bens da aldeia, o seu pai estava no hospital. Ele levou para sua casa montes de caixas e objectos da família. Nas caixas de papelão encontravam-se imensos escritos de seu pai que o meu amigo resolveu mexer mais tarde até porque o senhor seu pai veio a falecer. Recentemente, resolveu começar a rasgar papéis e encontrou uma carta do pai onde estava escrito que tinha construído um alçapão por baixo da sala da lareira e que no seu interior encontrava-se o dinheiro (muito) de uma vida. Naturalmente, que o meu amigo quase enlouqueceu porque a aldeia e o dinheiro estão lá muito no fundo das águas do Alqueva. E um lago que é o maior da Europa, local já de grande turismo, com barcos-casas, com aviões a amarar, com uma praia fluvial lindíssima, com tudo isto, está em perigo de não chegar para todos no Alentejo. Um reservatório gigante de água pode vir a ter restrições severas e imediatas para aqueles que actualmente são servidos. A barragem do Alqueva é um sonho com séculos dos alentejanos que foi concretizado apenas na década passada. As obras começaram em 1996 e as comportas foram encerradas em 2002. Neste momento, com a muita chuva que tem caído, está apenas a três metros do seu limite de enchimento. A quantidade máxima de água é de 4 150 000 000 000 litros de água, uma monstruosidade, mesmo assim este volume é da mesma ordem de grandeza de todo o consumo anual de água em Portugal incluindo todo o regadio, o abastecimento humano e a indústria. A título de exemplo, olhando para as disponibilidades do Guadiana vemos um rio muito artificializado e explorado do lado espanhol, mas que faz chegar à barragem de Alqueva, por ano e em média, de cerca de 2000 hm3 e logo a sua albufeira pode armazenar cerca de 2 anos de escoamento médio. Na verdade, o Alentejo parece outro, há hectares verdinhos e onde nunca mais faltará água. Mas, há um problema bicudo: o Alqueva pode não chegar para todos. Como assim? Acontece que os responsáveis pela barragem têm os seus clientes e os acordos para determinados regadios e esses clientes começaram a estragar tudo em 2019. Esses proprietários que já estão beneficiados têm naturalmente, outra perspectiva pois acreditam que a expansão pode lhes ser confiada para estenderem as suas redes privadas de distribuição de água às áreas vizinhas. Muitos deles já concretizaram essa expansão explorando as chamadas “áreas precárias”. Segundo os técnicos é essencial travar o crescimento de essas “áreas precárias” que já somam cerca de 18 mil hectares, quando o total da rega atinge 95 mil hectares. A água do Alqueva não é ilimitada, mas com os cenários de consumo e eficiência que hoje conhecemos será suficiente para garantir o abastecimento de todos os clientes actuais – integralmente em áreas exploradas pelos responsáveis da barragem e reforçando os sistemas confinantes ligados – bem como toda a expansão projectada que já começou a ser concretizada e conta com financiamento assegurado. O que o Alqueva nos deixa a pensar é como antes, durante décadas, os alentejanos viviam com as secas e iam à fonte com o recipiente de barro buscar água para beber e para a horta e nos tempos de hoje já se pensa na ganância total para se ficar rico expandindo a água por onde lhes apeteça. O Alentejo está lindo com o Alqueva, mas é importantíssimo pensar que a água é um bem indispensável com tendência mundial a desaparecer. *Texto escrito com a antiga grafia
Carlos Morais José Editorial VozesEm Macau é diferente É totalmente absurdo da parte das potências ocidentais julgarem que poderiam utilizar Hong Kong ou Macau como plataformas para atacarem o governo central da China. Contudo, foi a esta tentativa que assistimos nos últimos anos. Não em Macau, onde a lei e o costume não deram azo a tal desiderato, mas com sucesso em Hong Kong, onde uma poderosa campanha anti-China causou a paralisia e o caos na ex-colónia britânica. As forças separatistas de Taiwan, apoiadas pelos EUA de Donald Trump, conseguiram introduzir em Hong Kong um cavalo de Tróia chamado lei da extradição, a propósito da fuga para a RAEHK de um criminoso comum, fomentando ao mesmo tempo numerosas manifestações contra essa mesma lei, tendo os manifestantes “esquecido” que não fora proposta pelo governo central. Rapidamente essas acções alteraram o seu mote para exigir mais autonomia ou mesmo independência. Apoiadas por uma extensa e bem financiada campanha mediática local e globalmente, as forças anti-China em Hong Kong conseguiram seduzir um elevado número de jovens locais, que se deixaram arrastar durante meses em reivindicações tão irrealistas quão absurdas, impedindo o normal funcionamento da cidade. Foi, contudo, debalde que tentaram estender o mesmo movimento a Macau. Por aqui não resultaram o mesmo tipo de manobras, nem a cidade conheceu a mesma agitação social. Aparentemente, a população local não se deixou manobrar como os seus compatriotas de Hong Kong pelos interesses estrangeiros que cuidavam fazer das duas regiões plataformas para desestabilizar a RPC e impedir o seu desenvolvimento e abertura. A partir de certa altura, tornou-se imperativo acabar com a situação em Hong Kong que se tornara insustentável. A RPC fê-lo através da lei de segurança nacional e não, como alguns pareciam desejar, através da força. Agora a implementação do princípio “HK governado por patriotas” surge como constituinte óbvio do “um país, dois sistemas”, pois como poderia existir “um país” num local em que se conspira pela independência e se pretende como ponta de lança no ataque ao governo central? Que outra nação qualquer admitiria isto no seu seio? Já em Macau este problema não existe, nem nunca existiu. A RAEM implementou a sua lei da segurança nacional sem precisar de Pequim, de acordo com a Lei Básica, e os seus habitantes nunca tiveram quaisquer veleidades separatistas, incluindo os residentes estrangeiros. Em Macau é diferente.
Paul Chan Wai Chi Um Grito no Deserto Vozes3,5 mil milhões de patacas Durante a tarde do quinto dia do Novo ano Lunar (16 de Fevereiro), o Chefe do Executivo, depois de ter informado vários órgãos de comunicação social, visitou as Ruínas de São Paulo e o Bairro da Horta da Mitra. Fez-se acompanhar pelo secretário para a Economia e Finanças e por vários chefes de departamento. Nessa altura, estava eu na Rua das Estalagens a cumprimentar os residentes. O Novo Ano Lunar não trouxe qualquer melhoria para os comerciantes dos bairros antigos de Macau, o consumo local continua fraco e as ruas desertas estão repletas de lojas vazias. O Chefe do Executivo deve ter consciência de que as saudações que distribuiu durante a sua visita, para além de terem levado algum conforto aos comerciantes que continuam à espera de clientes, não tiveram a capacidade de melhorar os negócios dos bairros antigos, vítimas do impacto da pandemia. A previsão de que a economia de Macau seria a primeira da Ásia a recuperar acabou por não se verificar. O que importa de momento é encontrar forma de ajudar a população da cidade a ultrapassar as dificuldades económicas durante os próximos seis meses. Alguns deputados propuseram ao Governo que se começasse de imediato o debate da moção relativa à terceira ronda de medidas de apoio económico ao combate à epidemia. A moção será com certeza aprovada pela Assembleia Legislativa, e a terceira ronda de medidas de apoio económico ao combate à epidemia será certamente apresentada depois da visita do Chefe do Executivo aos bairros antigos, e apoiada por vários deputados. Com a total cooperação entre o poder legislativo e o poder administrativo, acredito que nas eleições de Setembro, os candidatos do movimento “Amar a Pátria, Amar Macau” serão claramente eleitos. A melhor altura para anunciar o lançamento da terceira ronda de medidas de apoio económico ao combate à epidemia foi Novembro último, altura em que o cartão de consumo electrónico ainda estava activo. Penso que o momento ideal para implementar a terceira ronda seja por meados deste ano, e não durante o período em que a confiança dos cidadãos e a sua capacidade de consumo estão tão em baixo. Uma mentalidade excessivamente conservadora empurrou a economia da cidade para uma situação muito complicada, e a excessiva manipulação política transformou recursos sociais em despesas eleitorais. Quem beneficia com estas políticas são sempre os mesmos, o resto da população continua a sofrer em silêncio. Na segunda fase do “plano de subsídio de consumo” (cartão de consumo electrónico), foi atribuído a cada residente um subsídio de consumo no valor de 5000 patacas, o que totalizou um montante de cerca de 3,6 mil milhões de patacas. Mas será que 3,6 mil milhões de patacas representam assim tanto dinheiro? Só para o projecto da Extensão da Linha do Metro Ligeiro na Ilha de Hengqin, o Gabinete para o Desenvolvimento de Infra-estruturas alocou 3,5 mil milhões de patacas. Quem apoia este projecto do Governo acredita que vai estar pronto num prazo de quatro anos e que vai promover o crescimento do sector do turismo. Não me oponho à construção da Linha do Metro Ligeiro na Ilha de Hengqin, mas sou de opinião que o Governo da RAEM deveria investir pelo menos 3,5 mil milhões de patacas para implementar a terceira ronda de medidas de apoio económico ao combate à epidemia nos próximos três meses, para dar aos residentes a oportunidade de encararem os meses de Verão com outro ânimo. O projecto do Metro Ligeiro de Macau foi considerado pelo secretário para os Transportes e Obras Públicas como tendo “zero benefícios”. Mas lembro-me que quando o Metro Ligeiro de Macau foi construído o Governo declarou que iria beneficiar 50.000 residentes por quilómetro, e que iria ter uma determinada taxa de utilização. Elogiar sempre as políticas governamentais e expressar sistematicamente apoio ao Governo não é de facto uma manifestação genuína de “Amar a Pátria, Amar Macau”. O Governo da RAE gastou 3,5 mil milhões de patacas para financiar o Grupo Nam Kwong na construção da Linha do Metro Ligeiro na Ilha de Hengqin. No entanto, quantos postos de trabalho vai criar este projecto para a população desempregada de Macau? E será que os residentes de Macau vão ter capacidade financeira para adquirir casas na Ilha de Hengqin? Se a economia da cidade continuar retraída nos próximos seis meses, terá a bela Linha do Metro Ligeiro na Ilha de Hengqin, concluída daqui a quatro anos, capacidade de proporcionar aos habitantes de Macau meios para viverem confortavelmente? A taxa de desemprego dos residentes de Macau é sempre superior à média geral. Diz-se que a importação de trabalhadores não-residentes se destina apenas a colmatar a falta de recursos humanos locais. Será uma piada? Lembro-me que durante o período da administração portuguesa, quando a taxa de desemprego local estava perto dos to 3.8%, o então secretário anunciou imediatamente que Macau deixaria de importar trabalhadores não residentes. Nessa altura, tomei parte numa acção de protesto contra a importação de trabalhadores não residentes. Mas, hoje em dia, com muitas pessoas a partilharem um sentimento de patriotismo, Macau tornou-se apenas uma das pequenas cidades da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau. Estou agradecido ao Governo Central pelo forte apoio que tem dado a Macau depois do regresso à soberania chinesa, e Macau deve dar a sua contribuição à Mãe Pátria sempre que necessário. No entanto, também peço que o governo da RAE aloque imediatamente pelo menos 3,5 mil milhões de patacas a fundos públicos para ajudar a população de Macau, depois de tão generosamente ter alocado 3,5 mil milhões de patacas à commissão do Grupo Nam Kwong para construir a Linha do Metro Ligeiro na Ilha de Hengqin. Quando os peixes vivem num lago que está a secar, morrem passados seis meses. Torna-se-lhes absolutamente impossível esperar pelas chuvas que irão cair daí a quatro anos.
Olavo Rasquinho VozesNão há planeta B O nosso planeta, com a idade aproximada de 4,5 mil milhões de anos, é um pequeno corpo celeste, comparado com os milhares de milhões de astros que se distribuem pelo universo, que, por sua vez, já conta com cerca de 13,8 milhares de milhões de anos. O acaso fez com que o sistema solar se encontre na Via Láctea, uma dos muitos milhões de galáxias que se distribuem pelo espaço. Este sistema, de que a Terra faz parte, orbita a cerca de 26 mil anos-luz da zona central da galáxia, onde existe o imenso sorvedouro que é o buraco negro Sagittarius-A*. Tivemos a sorte de o nosso planeta ter massa suficiente para gerar a atração gravítica necessária para não deixar escapar a camada gasosa que o envolve para o espaço exterior. A vida à superfície não poderia existir com as características atuais, se a Terra não estivesse protegida por filtros naturais constituídos pela camada de ozono estratosférico, que filtra radiações na banda do ultravioleta, e por um campo magnético que impede que a radiação cósmica nos atinja. Assim protegidos, as várias espécies animais e vegetais foram-se espalhando e reproduzindo. Algumas destas espécies sofreram extinções, grande parte destas associadas ao aumento das concentrações de dióxido de carbono e a outros fatores, entre os quais o choque de um asteroide há cerca de 65 milhões de anos. Entretanto, há alguns milhões de anos, certos primatas deram origem a hominídeos, que evoluíram, sendo o homo sapiens o resultado mais recente dessa evolução. Nómadas, os sapiens sobreviviam como caçadores-coletores até que introduziram a prática da agricultura, há cerca de 12 mil anos, passando, a partir daí, a interferir de maneira cada vez mais acentuada com o meio ambiente. Esta influência passou a ser muito mais intensa a partir de meados do século XVIII, com o início da revolução industrial, passando a serem injetadas na atmosfera quantidades cada vez maiores de gases de efeito de estufa (GEE), entre os quais o dióxido de carbono (CO2). Para termos uma ideia deste aumento, não será demais mencionar que a concentração média global anual do CO2, o principal dos GEE, aumentou desde a revolução industrial, de cerca de 280 partes por milhão (ppm) para 410 ppm em 2019 (de acordo com o WMO Greenhouse Gas Bulletin). Através de medidas preconizadas pelo Protocolo de Montreal, relativo às substâncias que empobrecem a camada de ozono, que entrou em vigor em 1989, a humanidade conseguiu inverter a tendência para a diminuição do ozono estratosférico, restituindo-lhe a concentração necessária para impedir que os raios ultravioletas atinjam a superfície do globo terrestre com intensidade prejudicial à vida. Este Protocolo é considerado um dos mais bem-sucedidos no que se refere à intervenção humana em prol do ambiente. O mesmo já não se pode afirmar em relação ao Protocolo de Quioto (entrado em vigor em 2005), que não surtiu efeito no que se refere ao seu objetivo principal: diminuir a injeção de GEE na atmosfera. Sucedeu-lhe o acordo de Paris (que entrou em vigor em 2016), o qual está a ser motivador de medidas que estão a ser tomadas a nível global, embora ainda sem grande convicção por parte de alguns governos. Se fizermos uma análise ao comportamento humano através dos tempos, concluiremos que a nossa espécie tem atuado sem o devido cuidado para preservar as condições que nos foram oferecidas pelo acaso, injetando quantidades elevadas de GEE na atmosfera, danificando o ambiente que nos rodeia e, consequentemente, reduzindo drasticamente a biodiversidade do nosso planeta ao contribuir avassaladoramente para a extinção de outras espécies animais e vegetais. Como é do conhecimento geral, o assunto “alterações climáticas” é dos que mais preocupam os cientistas, grande parte dos governos e o público mais esclarecido. Há, no entanto, quem considere, mesmo no meio científico, haver um exagero nas estimativas levantadas por numerosos estudos no que se refere aos valores da subida da temperatura do ar e do nível médio do mar. Existem mesmo lóbis, pagos por magnatas da exploração de combustíveis fósseis e da exploração florestal, no sentido de desacreditarem esses estudos e tentarem inculcar a ideia de que o aquecimento global é uma farsa. Os negacionistas do aquecimento global estão em geral associados a movimentos de extrema direita, tendo mesmo alcançado algum sucesso no que se refere a ajudar políticos a conseguirem lugares cimeiros a nível governamental. Veja-se, por exemplo, os êxitos obtidos em eleições democráticas pelo atual presidente do Brasil, e pelo prévio presidente dos EUA, que alcançaram o sucesso com a ajuda desses lóbis, recorrendo frequentemente a redes sociais, difundindo fake news. É aceitável que haja gente, menos esclarecida, que duvide da influência das atividades humanas sobre o aquecimento global e, consequentemente, sobre as alterações climáticas. Os próprios cientistas que estudam este assunto não falam em certezas absolutas. As conclusões do IPCC são expressas em termos de probabilidades de diversos graus, e não de certezas. Assim, nos seus relatórios, são usados, entre outros termos, “provável” e “muito provável”, que correspondem às probabilidades de 66 a 100% e de 90 a 100%, respetivamente, de determinados valores de parâmetros climáticos virem a ser atingidos. Suponhamos que os negacionistas têm razão e que as atividades antropogénicas nada têm a ver com as alterações climáticas. Mesmo assim, valeria sempre a pena recorrer a fontes de energia renovável em vez de combustíveis fósseis, na medida em que há algo que não pode ser negado, que se baseia na observação do que já aconteceu, e não em projeções para o futuro: são injetadas na atmosfera, anualmente, milhares de milhões de toneladas de GEE, que, juntamente com outros poluentes, provocam anualmente cerca de 9 milhões de mortes precoces, devido à sua inalação. Está provado estatisticamente que uma em cada cinco mortes precoces são causadas direta ou indiretamente pela inalação de gases resultantes da combustão de combustíveis fósseis, nomeadamente dióxido de enxofre (SO2), dióxido de azoto (NO2) e monóxido de carbono (CO). Seguindo o acordado internacionalmente, utiliza-se a expressão “dióxido de carbono equivalente” (CO2e) para designar a medida da quantidade de GEE equivalente à quantidade de CO2, em termos de potencial de aquecimento global. Seguindo este critério, pode-se afirmar que são emitidos anualmente cerca de 50 mil milhões de toneladas de CO2e. Será que, perante o perigo de um desastre climático, haverá condições de habitabilidade fora da Terra? Existem, de facto, outros planetas fora do sistema solar, os chamados exoplanetas, mas até agora não foi possível descobrir nenhum relativamente perto, cujas condições de habitabilidade se aproximem das existentes na Terra. Um dos mais próximos, designado por Gliese 832 c, encontra-se a cerca de 16 anos-luz da Terra, isto é, se fosse possível uma nave espacial voar à velocidade da luz, demoraria 16 anos a lá chegar. Como estamos muito longe dessa possibilidade, é melhor convencermo-nos que não existe um planeta B ao nosso alcance, como afirmou o ex-Secretário-Geral da ONU, Ban Ki-moon, numa alocução na Universidade de Stanford, em janeiro de 2013: “There can be no Plan B because there is no Planet B”. Perante esta realidade, se se quiser que haja condições propícias a uma vida saudável no nosso planeta, há que seguir o preconizado pelo Acordo de Paris, cujo objetivo principal consiste na tomada de medidas, a nível global, no sentido de que o aumento da temperatura média do ar seja inferior a 2 graus Celsius no final do século XXI e, tanto quanto possível, inferior a 1,5 graus, tendo como referência os níveis pré-industriais.
Tânia dos Santos Sexanálise VozesO amor não é turismo Há todo um movimento que reivindica o amor em tempos de pandemia. As burocracias da mobilidade têm vindo atrapalhar esse singelo gesto de amar além fronteiras. Nestes novos significados de mobilidade e imobilidade a que a pandemia nos obrigou, isto é, que só se movimenta a quem de direito de residência ou nacionalidade, esquecem-se que há outros critérios tão ou mais importantes. As relações amorosas não são todas desenhadas em constelações perfeitas, nem passíveis de serem burocratizadas. Há namorados que se encontram em continentes diferentes, há quem tenha filhos com alguém do outro lado do mundo. As maravilhas da globalização tornaram todo este amor e sexo sem fronteiras uma realidade para muita gente. Sem que casamentos ou formalidades fossem um obstáculo. Foi mais ou menos há um ano que as fronteiras começaram a fechar-se gradualmente, e muitos casais bi-nacionais ficaram a ver navios. Ou ficaram a ver cidades vazias, porque transporte foi coisa que deixou de existir. Na impossibilidade de se dar relevância à vida amorosa das pessoas, notou-se a clara prioridade dada ao sentido de homogeneidade que define ideias de nação, amor, família e até de sexo. Há coisas que achamos supérfluas e outras mais relevantes. O que importa são relações duradouras de anos; aquelas que se mostram nas relações simbólicas institucionalizadas, como o casamento ou a união de facto. O que é tudo o resto? O resto talvez seja prazer, e nós sabemos como as sociedades pós-modernas ainda encaram o prazer. O prazer é o que se faz nas horas vagas, enquanto não se dá corpo à produtividade e ao crescimento económico – de onde os conceitos do amor, família e sexo tradicionais se vão alimentar. Para os casais bi-nacionais, separados pelo tempo e espaço, contam-se os dias de separação com pesar. Bebés nasceram sem os seus pais por perto porque, em muitos países, nem o direito à família não-formal foi permitido. Por causa destas injustiças o movimento pelo “amor que não é turismo” surgiu. Esta foi uma forma de alertar os governos que nem todos os casais vivem no mesmo lugar, nem todos os casais se formalizam como tal, e que isso não pode ser um obstáculo ao direito da sua cidadania íntima nestes tempos globalizados e pandémicos. Em Portugal, por exemplo, existe o direito à mobilidade para os amantes e apaixonados, se a polícia da fronteira assim o entender. O procedimento é este: chega-se à fronteira portuguesa e é preciso provar que se está a movimentar por amor. Se a polícia não ficar convencida, a pessoa pode ser recambiada de onde veio. Acrescendo, assim, os custos de uma viagem que não tem garantias à partida. Claro que ninguém sabe exatamente os critérios de decisão pelos quais a polícia se baseia. Por certo que cairá no cliché do compromisso, exclusividade e longevidade da relação amorosa. Porque, supostamente, o amor só existe quando é “sério”. As formas de intimidade amorosas podem ter formas muito distintas das que estão reguladas, é certo. Mas também parece que há um esquecimento colectivo que qualquer relação séria e duradoura, e nos moldes que as sociedades contemporâneas tentam definir, pressupõe fases menos sérias ou casuais. Como se apagassem os passos para o amor nas suas formas múltiplas e incertas, que não precisam de se mostrar em oposição das outras tais mais oficiais, mas que também são parte integrante. Não permitir que um cidadão americano e outro porto-riquenho namorem à vontade, obrigando-os a casar (!) para, pelo menos, garantirem estar na presença um do outro em tempos de fronteiras selectivas, é de quem não percebe como é que o amor funciona. O amor e o sexo precisam de liberdade para serem expressos – e precisam de fronteiras abertas para isso.