A língua portuguesa é muito difícil

Há muitos anos que ouvimos dizer que a língua portuguesa ortograficamente falando é das mais difíceis do mundo. E concordamos plenamente. A língua portuguesa bem falada ou escrita tem de ser muito bem estudada e investigada.

Muito pouca gente em Portugal sabe escrever. Nós próprios temos a noção que somos limitados sobre o conhecimento devido da nossa língua, apesar de termos optado por um tipo de escrita que seja da compreensão da maioria dos nossos leitores. Em Portugal temos personalidades que são autênticos literatos porque a sua escrita é de um nível muito elevado e que, por vezes, nos obriga a ir abrir o dicionário. Escrevem com elevada simplicidade, mas de uma forma eclética e de alto nível, meia dúzia de portugueses e, isso, é desolador.

Escrever com alto nível é apresentar um conjunto de símbolos, sintáticos, com regras semânticas e palavras-chave que permite criar códigos com instruções para controlar as acções adquiridas pelo conhecimento. É o que acontece ao lermos António Lobo Antunes, Luísa Costa Gomes, Isabel Rio Novo, Gonçalo M. Tavares, Mário de Carvalho, Carlos Morais José, Miguel Sousa Tavares, António Barreto, Mário Cláudio, Miguel Esteves Cardoso, Valério Romão, João Reis ou José Luís Peixoto. São génios da escrita, de uma inspiração invulgar, possuidores de um dom quase sobrenatural. Escrevem como falam. Têm um conhecimento da literatura como nós não imaginamos. Um cantor tem o dom da voz, um carpinteiro produz obras que nem ele sabe como as conseguem obter. Um conhecedor profundo da língua portuguesa oferece aos seus leitores o prazer de aprender o desconhecido.

Toda esta conversa vem a propósito da campanha eleitoral que tem decorrido pelo país fora e onde nunca tínhamos ouvido tantos pontapés na gramática portuguesa. “Há meses atrás” é o habitual em ministros, deputados, líderes políticos, comentadores televisivos e personalidades de elite quando são entrevistadas. E nunca ninguém lhes perguntou que se o caso referido foi “há meses atrás”, então, e à frente? Mas nestas eleições fica para a história da língua portuguesa o erro crasso divulgado pelo próprio líder do partido “Iniciativa Liberal (IL)”, dos jornalistas de televisão e rádio, dos comentadores das redes sociais que têm passado todo o tempo de campanha a proferir a patacoada de dizer “a” Iniciativa Liberal. No feminino. Iniciativa Liberal é um partido político. É masculino. Tem de se pronunciar “O Iniciativa Liberal”. Mas não, não há alma viva na campanha eleitoral que não diga “A Iniciativa Liberal”.

O que é isto afinal? Analfabetismo, não vamos tão longe. Distracção? Indesculpável. Hábito? Hábito de quê, se o partido político tem tão pouco tempo de existência? Temos de concluir que todos os pontapés na nossa língua representam desinteresse em valorizá-la, representam mesmo sem rodeios alguma ignorância, tantas vezes proferida ou escrita por quem vive dessa mesma escrita. Esta ignorância sobre a língua portuguesa fez-nos recordar os editoriais de um sapo que durante anos nem sabia conjugar o sujeito com o predicado. Mas falam, escrevem, candidatam-se a deputados da nação sem saberem o mínimo da língua portuguesa. Uma vez perguntámos a um deputado a razão de ao fim de tantos anos nunca ter usado da palavra no Parlamento. A resposta foi inacreditável, ao dizer-nos que ainda não tinha arranjado quem lhe escrevesse o discurso porque de português bem escrito sabia muito pouco. E era advogado.

A campanha eleitoral tem tido como rainha a ignorância das palavras faladas ou escritas. Os candidatos são inúmeros. Os partidos políticos que concorrem às eleições do próximo dia 30 são tantos que nem os conhecemos a todos. Mas falam, falam por tudo o que é mercado, centro de cidade, restaurante alugado para o efeito. Entregam pelas ruas panfletos, que ao lermos alguns, logo pensamos que Camões desmaiava se visse tal desiderato. Panfletos num português que nem um aluno do segundo ciclo escreveria tão mal. Um horror. Uma tristeza confirmarmos que há muito pouca gente que apresente a língua portuguesa como ela merece, com estilo correcto, com diversidade e lógica mas com as regras devidas a serem cumpridas.

A língua portuguesa está hoje em dia patente em milhares de livros, na maioria chamados “cor-de-rosa”, romances de meia tigela, folhas cheias de asneiras ortográficas onde os próprios revisores nunca frequentaram uma Faculdade onde se ensinasse Literatura. Hoje em dia, toda a fulana que vai a um programa de televisão e que sente o seu ego bater nas nuvens, vai logo escrever um livro. E o pior é que muitas editoras rejeitam grandes obras, textos maravilhosos, mas para poderem ganhar rios de dinheiro apenas optam por lançar no mercado as vedetas da televisão e dos jornais. Desistimos de acompanhar as arruadas e as declarações aos jornalistas, os noticiários que são preenchidos pelas baboseiras de certos políticos.

A nossa mente que adora ler, que sente o que lê, que distingue o bom do mau, rejeita liminarmente os tais pontapés na língua portuguesa. Adorávamos saber escrever a nossa língua de uma forma que nos pudesse dar satisfação plena. Contudo, já nos damos por muito satisfeitos por conseguir enviar-vos estas crónicas, apenas com o intuito de vocês poderem acompanhar o que vai acontecendo pelo nosso Portugal. Como se aproxima aí o Novo Ano do Tigre recebam um abraço e Kung Hei Fat Choi.

*Texto escrito com a antiga grafia

27 Jan 2022

Olhe, não falaram de nós!

Os leitores imaginem a maioria dos pavilhões desportivos em Portugal. A sua lotação não dá para quatro mil espectadores. Quatro mil pessoas é muita gente. Por vezes, na televisão vemos manifestações de 500 protestantes e parece que estão presentes mil ou dois mil. Nós estávamos a falar com um jovem de 30 anos que veio a Portugal passar as férias de Natal e Ano Novo. Jovem enfermeiro que emigrou para os Países Baixos (Holanda) e assistimos juntos ao debate entre António Costa e Rui Rio, a maior audiência televisiva da semana. E no final, oiço o enfermeiro exclamar: “Olhe, não falaram nada de nós! Nós somos quatro mil enfermeiros que fomos embora nestes dois anos de pandemia”.

Quatro mil enfermeiros que Portugal perdeu? Isto é escandaloso, arrepiante e desolador. Emigraram por várias razões. O jovem enfermeiro disse-nos que a maioria tinha um salário de miséria em Portugal e não recebia as horas extraordinárias que a covid-19 provocava. Que ele próprio chegou a estar de serviço no Hospital de São João, no Porto, 24 horas interrompendo o serviço de enfermagem apenas para comer umas sandes. Não tinha contrato de trabalho e quando pressionou a gestão hospitalar disseram-lhe que tinha de aguardar por algum tempo. Resolveu logo ir-se embora.

Tinha um colega em Amesterdão e pegou na mala, beijou os pais e a irmã e foi ganhar três vezes mais, com casa e telemóvel gratuitos e ainda um subsídio para os transportes e alimentação. As horas extras são pagas a dobrar aos sábados, domingos e feriados. Obviamente, que a vida nos Países Baixos é mais cara, talvez por isso o nosso enfermeiro se sente feliz porque o contrato de trabalho inclui a residência gratuita. Na verdade, o debate da semana entre o socialista e o social-democrata estiveram mais de uma hora a falar de tudo menos da desgraça que vai pelo interior dos nossos hospitais. Um milhão de portugueses não tem médico de família e num centro de saúde chega-se a encontrar apenas dois enfermeiros.

O debate político foi uma caça ao voto, os dois políticos querem a cadeira de São Bento e apenas se preocuparam com o que muito pouco interessa ao povo. O desplante foi tão grande que António Costa até arranjou a desculpa de o Orçamento do Estado ter sido reprovado para não “oferecer” os prometidos miseráveis 10 euros aos pensionistas e Rui Rio afirmou que vai baixar os impostos quando todos os portugueses sabem que ainda vão pagar mais taxas no futuro.

Nada disseram da ferida enorme de quatro mil enfermeiros terem emigrado e de as nossas instituições hospitalares terem ficado numa aflição em matéria de recursos humanos. Quatro mil enfermeiros que decidiram ir embora dá muito que falar. Toda a gente pergunta porque é que o Governo não se decide pelo aumento de salários aos enfermeiros e ao pagamento imediato das horas extraordinárias. Os enfermeiros tiram um curso, estagiam e praticam a profissão para depois deixarem o que gostam de fazer no seu país, deixam os pais e irmãos, deixam os namorados e namoradas e alguns nunca mais pensam em casar porque terminam a ligação amorosa. Menos natalidade é um facto real que tem a ver com este problema.

São jovens enfermeiros que sonharam namorar, casar e ter filhos. Trabalharem no seu Portugal para bem de todos os que têm a fatalidade de entrar para um hospital. O debate político entre António Costa e Rui Rio foi uma desilusão, onde se preocupava Rio se Costa se ia embora se perdesse e Costa indagou o opositor como é que formava governo se ganhasse as eleições. Os problemas reais que estão a transitar o nosso país para um dos mais pobres da Europa, que observamos uma classe média a desaparecer, pois, amanhã só teremos ricos e pobres.

Os nossos enfermeiros têm emigrado essencialmente para o Reino Unido, Suíça, Espanha, Países Baixos e Emirados Árabes Unidos. É onde vivem como gente e ainda conseguem ajudar a família que reside em Portugal. Só no último ano (2021), o número total de enfermeiros que manifestaram intenção de emigrar corresponde a cerca de um terço dos novos enfermeiros formados anualmente pelas escolas portuguesas.

Assim, enquanto até Junho (de 2021) tinha havido 277 pedidos de emissão de declarações para emigrar, entre Junho e Dezembro esse número ascendeu a 636. E a emigração de enfermeiros não para, nem sequer reduz o número dos que se vão embora. E as nossas autoridades não sabem do que se está a passar? Não ouviram um dirigente da Ordem dos Enfermeiros dizer que está em perigo o funcionamento dos nossos hospitais por falta de enfermeiros? O assunto é grave e este tipo de emigração nada tem a ver com o do pedreiro ou dos motoristas. Estamos perante uma especialidade que trata da nossa saúde e que não podemos viver sem a sua presença nos nossos hospitais. No debate televisivo da semana entre Costa e Rio, naturalmente, que o tema deveria ter vindo a lume e cada um dos intervenientes tinha que se ter pronunciado o que faria para evitar a emigração de enfermeiros, caso subissem ao cargo de primeiro-ministro após o dia 30 deste mês.

*Texto escrito com a antiga grafia

17 Jan 2022

A política: A grande porca

A Paródia foi fundada em 1900 por Rafael Bordalo Pinheiro. O novo jornal dava conta, através da caricatura e do cartoon, dos principais acontecimentos políticos e sociais de então. Sob o título “A Política: a Grande Porca”, Bordalo Pinheiro inaugurou uma série de zoopolítica onde os grandes vícios da política e das instituições nacionais eram transfigurados em animais. Aqui, a política foi apresentada como uma grande porca que amamentava uma ninhada de bacorinhos, cada um deles representando partidos políticos e seus membros, identificados por siglas nos respectivos traseiros.

Pois, durante toda a semana passada só me lembrei de Rafael Bordalo Pinheiro ao assistir às dezenas de debates, e ainda faltam alguns, que decorreram por vários canais de televisão entre os políticos que vão a eleições no próximo dia 30. Os debates se decorressem em 1900 encheriam as páginas do jornal de Bordalo Pinheiro. Tivemos pena de não possuir um jornal humorístico porque esgotava diariamente pela certa. Os debates não foram debates. Dez minutos para cada interveniente, que passavam o tempo a lavar roupa suja, não chegaram para nada. Teria sido pelo tão miserável tempo concedido aos intervenientes que nenhum político falou do que interessava ao povo? Não se falou do problema da habitação, da saúde, do apoio social, das reformas miseráveis que existem em Portugal, do desemprego, dos impostos que aumentam mensalmente, das infraestruturas necessárias nas aldeias e algumas vilas.

Em nada se falou do que seria importante. Apareceram os líderes do PS, PSD, PAN, Bloco de Esquerda, PCP, Iniciativa Liberal, CDS e do Chega.

António Costa, sempre preocupado em conseguir os votos suficientes para uma maioria absoluta. Rui Rio, impreparado, não apresentou uma proposta governativa para bem do país no caso de ganhar as eleições e ainda se pôs a “namorar” com o líder do CDS. Sobre Inês Sousa Real não faço a mínima ideia como é que pode ter pensado em ser uma política em defesa de pessoas, animais e da natureza. Não disse uma palavra que defendesse a agricultura e nem sequer se lembrou de referir as muitas matas e residências que arderam nos últimos anos e que ainda não foi feita qualquer reflorestação ou sobre as famílias atingidas pelos fogos e que vivem das esmolas dos amigos ou de beneméritos como o empresário de futebol Jorge Mendes. O Cotrim Figueiredo tem dado a ideia de que não sabe o que quer. Ninguém percebe o que é Iniciativa Libera. O senhor dá a ideia que não sabe o que é o liberalismo, que não sabe ainda se se alia ao PSD para tentar uma maioria de governo de direita. O Francisco Rodrigues dos Santos, mais conhecido como o “Chicão”, ainda não se convenceu que devia dedicar-se a coleccionar soldadinhos de chumbo e pôr-se a fazer guerras com a bonecada. Ele bem quer guerrear os adversários de debate televisivo, mas o que diz ultrapassa o ridículo e tem mostrado bem que apenas anda na política para possuir um “tacho” sem se aperceber que o CDS está a definhar. Catarina Martins surpreendeu os auditórios. Calma, sabendo do que fala, apresentando propostas, estragou tudo ao não ter sido mais dura e falar de “homem para homem” com o neofascista André Ventura. Este, já chega. Já chega de tanta demagogia, de tanta trapalhada, de ser tão malcriado para certos adversários, chega de mentiras e de tentar arrebanhar a maioria silenciosa fascista que inequivocamente existe no país, chega de Ventura por não ter um bocadinho de ventura. Como lhe disse António Costa “não passará”. Jerónimo de Sousa tem estado a despedir-se, diz as suas verdades em defesa dos mais desprotegidos, prossegue com a linha cunhalista de sempre e as suas intervenções nos debates não vão conseguir que o povo lhe dê 10 por cento dos votos.

Enfim, a política é efectivamente em 2022 a mesma coisa que em 1900 quando Bordalo Pinheiro afirmou que era uma grande porca. Todos querem defender a ida para o poder. O poder dá dinheiro, influência, negócios obscuros, corrupção infindável. Todos os políticos têm-se portado muito mal porque o povo português na sua maioria está a cada vez mais pobre. E ainda por cima os preços dos produtos estão a aumentar assustadoramente. Os restaurantes estão vazios. A cultura nem se vê. O Ministério da Saúde não sabe o que fazer com o vírus ómicron e colocou as criancinhas a vacinarem-se. Para se ser político tem de se ser muito competente, sério, trabalhador e não estar a pensar constantemente quanto é que aquela adjudicação de um projecto de milhões me pode dar de comissão…

Se os debates eram para elucidarem o povo do que poderá melhorar a sua vida, nada disso aconteceu. As eleições estão à porta e nos debates nada foi anunciado para bem de todos nós. Nem o debate do próximo dia 13 entre António Costa e Rui Rio nos irá trazer qualquer solução. Ambos querem o poder e ambos não se importam de um dia se aliarem. Na verdade, a política é uma grande porca…


# Rafael Bordalo Pinheiro

*Texto escrito com a antiga grafia

10 Jan 2022

O Natal já vai longe

Chegamos a Dezembro e temos de pensar que no dia 25 não temos um café, um restaurante, uma padaria, um centro comercial aberto. Porquê? Ora, porque nos ensinaram a estar sentados à mesa no dia anterior a comer que nem uns alarves e a entregar prendas que nos custaram os olhos da cara. Chamam-lhes o Natal. Inventaram um Pai Natal para que o comércio ganhe muito dinheiro. No entanto, esqueceram-se que existem por todo o mundo uns vírus que pode estragar os planos dos comerciantes gananciosos e até provocarem pandemias que levam milhares à morte.

Disseram-nos na infância que é uma festa da família. Que horror nos dias de hoje pensar nesse ensinamento. Onde estão as famílias? Emigraram os pais, os filhos e já os netos. Cada membro da família vive em local diferente. A pandemia, o vírus, não permite que se juntem aqueles que ainda residem na mesma cidade. Nem o tal Pai Natal conseguiu entrar por chaminé nenhuma porque o pessoal às 10 da noite já dormia na tal noite chamada de consoada.

Há famílias que estão muito unidas, conseguem realizar testes à covid-19 e suas irmãs variantes e se resultar negativo comeram que se fartaram e beberam o dobro. Guiaram o carro com os copos e lá foram embater numa árvore deixando a família seguindo viagem numa ambulância. Há outras famílias que mal se falam, nem telefonam a desejar um bom tal Natal. Há muito que deixaram de ser família e até de acreditar no tal Natal. Poupam em prendas, em garrafas de vinho, em bacalhau e até em carrinhos de miniatura. O tal Natal não existe em milhares de casas, mas em Portugal o passado sábado foi um dia muito triste. Chuva intensa, muito frio, tempestade que provocou estragos, polícia por todo o lado a mandar parar os que já iam atrasados para o almoço do tal Natal. A pandemia está a piorar de uma maneira estrondosa e esperemos que não cheguemos ao ponto idêntico do que se passa em Inglaterra onde se verificaram 100 mil infectados num só dia. O tal Natal foi muito triste porque as televisões nada tinham para oferecer que covid, mais covid e ainda covid. Televisões que têm cada vez mais miúdos sem experiência e que nem uma reportagem se lembram de realizar pela cidade onde o tal Natal esteve a ser celebrado por corpos deitados no chão por todo o lado. Chamam-lhes os sem-abrigo. Que chocante é ver um jantar de luxo num casino e a uns metros ali perto outros humanos que nem um pão conseguiram arranjar.

Portugal fingiu que festejou mais um tal Natal, mas houve mulheres que na noite do tal Natal levaram sovas enormes de maridos completamente bêbedos. Houve filhos que deambularam à procura de um bar ou discoteca, mas nada encontraram a não ser uma mercearia aberta onde compraram uma caixa de cervejas e em pleno jardim foi até caírem para o lado. Tivemos lágrimas em milhares de casas porque os familiares estavam confinados devido à covid-19 e outros nos cuidados intensivos de um qualquer hospital. Hospitais onde o pessoal médico, enfermeiros e assistentes já não aguentaram tanto trabalho, tanta febre, tanta tosse, tanta dor de cabeça. Para esses profissionais a consoada foi de seringas, análises, exames cardiológicos, enfim, tentar salvar vidas porque não existe nenhum tal Natal se uma pandemia aparece de máscaras das mais variadas cores, mas que não evitaram a captação da doença que está a deixar o mundo completamente virado de pernas para o ar.

Mas, ninguém festejou o tal Natal? Sim, milhares de pessoas estiveram reunidas a comer, a beber e a dizer mal do Governo. Para esses, o tal Natal teve tudo: relógios de 50 mil euros, colares de pérolas de 20 mil, robots de 10 mil, rabanadas, sonhos, presunto, queijo da serra, bacalhau especial da Noruega, anel de diamantes, sapatos de dois mil euros e no dia seguinte, no dia do tal Natal almoçaram os restos que sobraram da consoada. E que remédio, porque tudo esteve encerrado. Nem um restaurante abriu a porta. Mas, nesta tristeza toda e num país encerrado por causa do tal Natal, viva à inteligência de um único homem na capital lisboeta. Um amigo nosso chinês que teve o seu restaurante aberto. Inteligente, esperto e benfeitor porque à porta do seu estabelecimento havia uma fila de clientes que ultrapassava as três dezenas. No meio disto tudo, temos de entrar na normalidade, infelizmente com uma pandemia que não nos larga, mas ainda bem que o tal Natal já vai longe…

*Texto escrito com a antiga grafia

30 Dez 2021

Marcelo malandreco tem nova namorada

Conheci Marcelo Rebelo de Sousa na redacção do semanário Expresso, logo no início da publicação com Francisco Pinto Balsemão em director. Era uma nova forma de jornalismo e continha algumas “bicadas” ao governo de Marcelo Caetano apesar de o pai de Marcelo Rebelo de Sousa ser um dos ministros. Marcelo sempre foi uma inteligência acima da média, o melhor estudante começou a escrever no Expresso ainda não tinha terminado o curso de Direito.

Os seus artigos davam que falar durante a semana. Criava factos políticos com uma facilidade que nunca ninguém soube provar se eram verdadeiros ou falsos. Sabia do que escrevia e no Expresso o seu nome passou a ter um peso enorme tendo criado uma intimidade com o director Balsemão que rapidamente o semanário passou a ser o jornal mais popular em vendas. Marcelo Rebelo de Sousa nunca foi um santinho, apesar de frequentar a missa dominical.

As jornalistas bonitas que apareciam na redacção (naquele tempo não eram muitas) ou as secretárias do jornal tinham sempre a atenção especial e de forma educada da parte de Marcelo Rebelo de Sousa. Era malandreco e, daí, tentar um ou outro namorisco com as donzelas do jornal. Uma das secretárias deu-lhe mesmo a alcunha de o “malandreco”. O jovem Marcelo fez-se homem, doutor, professor doutor e um dos melhores em Direito que Portugal jamais teve. Casou e teve dois filhos, um rapaz e uma rapariga, cuja consorte foi a senhora Cristina Motta Veiga. Marcelo nunca se quis divorciar por razões ligadas à religião que pratica. No entanto, o “malandreco” depois da separação matrimonial não se estava a ver sem uma namorada e foi de tal ordem a paixão que teve como escolha durante quase 40 anos a advogada e professora de Direito, Rita Amaral Cabral. Nunca decidiram viver na mesma casa apesar de viajarem juntos e passarem férias na mesma casa. A professora Rita conhecia Marcelo de ginjeira, como diz o povo, conhecia-lhe os gostos, tristezas, vaidades e ambições. Rita Cabral deve ter sido a primeira pessoa em Portugal que soube da intenção que Marcelo possuía em vir a ser Presidente da República. E a verdade, é que conseguiu e até hoje não tivemos nenhum Presidente em que o povo sentisse tanto afecto pelo seu trabalho para bem dos outros.

No entanto, Marcelo Rebelo de Sousa sempre foi grande amigo de Ricardo Salgado e Rita Cabral também esteve ligada ao BES. Há quem diga que as relações do que parecia um namoro eterno foram diminuindo desde que o BES entrou na ribalta pelas piores razões e porque as pessoas mais ligadas a Ricardo Salgado podiam vir a sofrer graves consequências. Marcelo, na qualidade de Presidente da República, teria manifestado à namorada que não contasse com ele para qualquer defesa. As mesmas fontes, acrescentaram-nos que a partir dessa posição do Presidente-namorado- Marcelo, Rita Cabral nunca mais teve a mesma paixão de 40 anos. E sendo verdade ou não, o que sabemos é que há alguns meses o namoro terminou e Marcelo limita-se a uns telefonemas com a sua ex-mais-que-tudo. O Presidente festejou recentemente os 73 anos e o pessoal do Palácio de Belém ficou a saber que algo de estranho se estava a passar. Marcelo deixou a casa de Cascais e passou a dormitar no Palácio de Belém. Passou a encomendar ramos de flores a toda a hora e hoje já se sabe que toda esta mudança de comportamento se deve à nova paixão de Marcelo Rebelo de Sousa. O Presidente está apaixonado e tem uma nova namorada, uma senhora bem resolvida na vida, que sabe o que quer e que corresponde com a mesma paixão que Marcelo sente por ela.

Inclusivamente a nova namorada está disposta a assumir publicamente o namoro a partir do momento que Marcelo assim o entenda.

A existência de uma nova figura feminina na vida de o “malandreco” já é do conhecimento dos amigos mais íntimos de Marcelo e mesmo dentro do Palácio de Belém, onde o assunto é comentado em surdina – ainda que a generalidade de quem conhece o “affaire” prefira não revelar a identidade da senhora, pelo menos até Marcelo decidir fazê-lo por sua iniciativa. O Presidente está apaixonado provando mais uma vez que no ser humano velhos são os trapos. Já no Verão passado todos os habituais companheiros de praia do Presidente tinham estranhado que Marcelo não apareceu nem um dia na praia do Gigi e nunca pernoitou no seu habitual hotel da Quinta do Lago. Marcelo prefere romanticamente estar por perto da sua nova amada, apesar de nos últimos dias ter sido ao contrário, já que o Presidente foi alvo de uma intervenção cirúrgica e que certamente foi a senhora que não deixou o quarto do Hospital das Forças Armadas onde o Presidente esteve internado. Esperemos apenas que o cupido obrigue Marcelo a falar menos e a criticar secretamente as jogadas políticas e económicas que tanto têm prejudicado o povo português.

*Texto escrito com a antiga grafia

20 Dez 2021

Crianças na berlinda

Agora Portugal está a discutir, sem que haja entendimento, a vacinação às crianças com idade entre os cinco e os 11 anos. A Direcção-Geral de Saúde decidiu que as crianças devem ser vacinadas. A partir desta posição tem sido o descalabro com a divergência total entre médicos, especialmente pediatras, e os especialistas que têm estado inseridos no processo de vacinação nacional. E os pais? Pior ainda. Há pais que concordam em absoluto que os seus filhos tomem a vacina contra o coronavírus alegando que na sua menoridade também levaram várias vacinas e nunca houve qualquer discussão de discordância nem quaisquer tipos de reacções maléficas para a as crianças.

E o que se tem passado? Por um lado, têm-se registado vários casos de crianças infectadas e foram divulgados casos em que uma criança de quatro anos de idade ficou infectada há mais de um ano e tem vivido muito mal e sem melhorar: não come, não tem forças para correr, está sempre triste, não consegue dormir e já disse aos pais que quer morrer. Uma directora do departamento médico que exerce o tratamento da covid-19 de um hospital do Porto, afirmou na rádio que deviam ser divulgados os casos tenebrosos que lhe têm passado pelas mãos. A médica afirmou que o número de crianças infectadas está a aumentar e que algumas têm ficado afectadas ao nível do foro mental. Por outro lado, temos clínicos que discordam da vacinação alegando que o risco é mínimo e que ao serem vacinadas adquirem doenças muito graves. Os médicos também se pronunciaram contra a medida de nas escolas quando aparece alguma criança infectada serem enviadas para casa todas as crianças. Discordam em absoluto e adiantam que o vírus não vai desaparecer e a prova é que muitas pessoas que foram vacinadas com duas doses, vieram a adquirir o vírus, foram hospitalizados nos cuidados intensivos e alguns morreram.

Os cientistas afirmam que a criança tem as mesmas características fisiológicas de um adulto e que os vírus e as suas variantes tanto podem atacar adultos como crianças e que estas devem também ser vacinadas. O debate tem sido imenso nas televisões e rádios. Toda a gente dá a sua opinião, dizem o contrário absoluto do seu interlocutor, chegam a insultar um médico que acabe de se pronunciar contra a vacina em crianças e logo de seguida ouve-se outro clínico a rebater o colega e a provar a importância de as crianças serem vacinadas. O imbróglio está a ser enorme, deixando a maioria das famílias sem saber o que decidir. Obviamente, que todos querem o melhor para os seus filhos, mas ao tomarem conhecimento médico de que tem havido imensas crianças com reacções graves após a vacinação, os pais pensam duas vezes no cumprimento da directriz do Ministério da Saúde.

A situação gerada não é de fácil solução. Os próprios pediatras, por exemplo, um deles no Alentejo, aconselhou todos os pais a não vacinarem os filhos com idade entre os cinco e os 11 anos. O pediatra foi alvo de ataques verbais de outros médicos e de muitos pais que concordam com a vacinação.

Muitas têm sido as autoridades associativas que têm tomado posição, incluindo a Ordem dos Médicos, cujas afirmações de um seu dirigente tem sido das mais críticas. A vacinação de crianças entre os cinco e 11 anos é “desproporcionada” e “desnecessária” e não aconteceria em “nenhuma outra doença” com “um terço da população já protegida”, disse o presidente do Colégio da especialidade de Pediatria. Jorge Amil Dias recordou alguns indicadores usados pelo próprio grupo de trabalho que recomendou a vacinação de crianças para sustentar o seu raciocínio. E acrescentou: “cerca de 70 mil crianças” que já terão sido expostas ao vírus – número que, segundo os estudos existentes, deverá ser o dobro ou o triplo, pois acredita-se que “por cada caso positivo identificado haverá dois ou três não identificados”. Portanto, concluiu o pediatra, “cerca de 200 mil crianças já contactaram com o vírus, já adquiriram anticorpos contra o vírus, porque o contacto com a infecção causa imunidade natural”. “Sabendo-se que existem 600 mil crianças entre os cinco e os 11 anos (segundo dados do Governo), pelo menos um terço das crianças desta faixa etária já estão naturalmente imunizadas”, assinalou, realçando que essas crianças “não ficaram doentes, nem morreram e só excepcionalmente, em quatro casos, precisaram de ser internadas em cuidados intensivos”.

“Outros indicadores referem que cerca de quatro mil crianças estão a ser inoculadas naturalmente pelo vírus em cada mês e não ficam doentes, concluiu. Palavras de um especialista mas que ainda não convenceram milhares de pais. O importante é que as crianças estão na berlinda e muitas delas sem fazerem a mínima ideia do que se passa. A vacinação às crianças ainda irá fazer correr muita água por baixo da ponte, mas o rio já transborda…

*Texto escrito com a antiga grafia

13 Dez 2021

Isto é uma bronca

A onda de vacinação contra o coronavírus sob a batuta do vice-almirante Gouveia e Melo correu às mil maravilhas. O número de infectados reduziu, o número de internados diminuiu tal como os internados nos cuidados intensivos e os que morreram. Pensou-se que a vacinação era de uma eficiência indubitável. Na verdade, o Ministério da Saúde e os especialistas decretaram medidas de desconfinamento e até assistimos a certos abusos, como por exemplo, não usar máscara em locais fechados. Mas, a “bronca” rebentou: temos cidadãos que foram vacinados com as duas doses e que estão internados com o vírus ou com uma variante qualquer. Os detractores do sistema já se pronunciaram no sentido de que a vacinação foi um fiasco. Contudo, a melhoria na saúde dos portugueses foi significativa. E por referirmos as variantes, a verdade é que anda por aí a ómicron que já fez estragos no tecido social e está a provocar uma tensão significativa com o número de infectados a aumentar, chegando ao ponto de a directora-geral da Saúde ter afirmado que por volta do Natal poderemos ter cerca de oito mil infectados diariamente.

Um jogador do Belenemses SAD foi à África do Sul e quando regressou deixou 15 colegas da equipa infectados. O encontro contra o Benfica constituiu um escândalo em toda a imprensa internacional. O Belenenses SAD jogou com nove atletas e um deles era o guarda-redes suplente. Obviamente, que o Benfica venceu por 7-0 em 45 minutos e o jogo terminou porque o Belenenses SAD já não tinha em campo o número regulado de jogadores. E de quem foi a culpa do escândalo? Da Liga de Clubes, do secretário de Estado do Desporto ou do Ministério da Saúde? E se em campo tivessem estado jogadores da equipa azul infectados como ficariam os jogadores do Benfica? Ainda na sexta-feira passada, dia do derby Benfica- Sporting muitos foram aqueles que colocaram a questão de não acreditar que no Benfica não houvessem jogadores infectados. Para o estádio da Luz os responsáveis da Saúde deram mais um péssimo exemplo de confiança no sistema de vacinação.

Obrigaram os milhares de adeptos a apresentar o certificado de vacinação e o documento comprovativo de teste profilático negativo. Então, se a pessoas levou duas e até três doses de vacina ainda tem de mostrar que não está infectado? Toda a gente discordou destas decisões que mais parecem ser tomadas em cima do joelho e a mostrar que não podemos ter confiança na vacina.

A variante ómicron já obrigou o Governo a tomar medidas confinantes como o regresso do estado de calamidade, sendo as máscaras obrigatórias em todos os locais fechados e nos restaurantes tem de se mostrar o certificado de vacinação. As pessoas andam desorientadas, receosas, sem confiança nas vacinas, rejeitando que os seus filhos dos cinco aos 11 anos sejam vacinados. As variantes vieram estragar o panorama que parecia de melhoria paulatina. Aconteceu que da variante alfa à ómicron, o coronavírus SARS-CoV-2 percorreu meio alfabeto grego na forma de variantes suspeitas de causar mais problemas do que as que já tinham proliferado.

Nem todas tiveram o mesmo impacto. Algumas permaneceram meras ameaças. E, de todas, a delta foi a única capaz de se impor em praticamente todo o mundo por causa da sua grande capacidade de contágio. Ninguém sabe o que vai acontecer com a ómicron, que agora mantém o planeta em tensão. Em poucos meses poderá ser esquecida, como aconteceu com a lambada (descoberta no Peru) ou a mu (na Colômbia), mas também, segundo nos esclareceu um especialista, poderá começar a substituir a delta e assumir o seu nicho ecológico.

Também não está claro quais seriam as consequências disso: não se sabe se produz uma doença mais grave e se escapa mais da acção das vacinas.

O que constatamos é que em alguns países o número da infectados está a aumentar provocando medidas de confinamento. Todos os países e territórios que estão a manter medidas severas de controlo à doença estão a realizar um bom trabalho em benefício das suas populações. Ao vermos o estádio da Luz com milhares de pessoas e sabendo que já se vendem certificados de testes falsos, sentimos um certo receio se no meio daquela multidão não teremos uma situação quase caótica e como dizia a directora da Saúde, Graça Freitas, um Natal com um número assustador de oito mil infectados em cada dia. No futebol e outras modalidades o caso é grave.

Jogadores, treinadores, membros de equipas médicas estão confinados em quarentena não se fazendo a mínima ideia a quantos colegas e adversários teriam pegado a doença. Tivemos um exemplo concreto: o jogador Coates do Sporting trocou impressões várias vezes durante o jogo com o Tondela com o guarda-redes Trigueira. Pois, o guarda-redes acusou a covid-19 e passados uns dias foi anunciado que o Coates também estava infectado. No interior das empresas o pânico também já se iniciou e tem havido casos em que numa fábrica com mais de 300 trabalhadores cerca de 20 já ficaram retidos em casa depois do teste ter dado positivo.

Tudo indica que o mundo mudou e desta vez para dar lugar a uma pandemia que parece não ter fim. A vida dos povos está a tornar-se um martírio e não vislumbramos nada nem ninguém que feche a porta a esta cambada de vírus que resolveu terminar com a palavra paz.


*Texto escrito com a antiga grafia

6 Dez 2021

Não era só o Benfica

Na semana passada falou-se muito de futebol. Não, não me refiro ao empate do Benfica em Barcelona, à derrota do FC Porto em Liverpool e à vitória surpreendente do Sporting ao Borussia Dortmund conseguindo seguir na Champions onde não punha as chuteiras há 13 anos. Falou-se muito de futebol, mas em termos judiciais. As autoridades não conseguem esconder a ajuda que o hacker Rui Pinto lhes tem estado a dar, certamente bem remunerado. De um mês para o outro, os clubes de futebol entraram na baila e os inspectores da Polícia Judiciária, os procuradores do Ministério Público e o super juiz Carlos Alexandre começaram a invadir as instalações clubistas, como o Sporting, Santa Clara, Vitória de Guimarães, FC Porto, Tondela e Sporting de Braga. E não só. As buscas domiciliárias e não domiciliárias atingiram jogadores, dirigentes de SAD’s de clubes, empresários de futebol e escritórios de advogados. Afinal, não era só o Benfica que vinha sendo acusado de irregularidades e negócios pouco claros na compra e venda de jogadores. No intocável FC Porto parece que desta vez o caso é grave e inclui o próprio filho do presidente Pinto da Costa, que obviamente aprendeu tudo sobre bastidores do futebol com o pai.

A gravidade das buscas pode envolver muitos milhões de euros que foram branqueados na compra e venda de jogadores, nas comissões que jogadores, dirigentes e empresários teriam recebido quando os contratos eram acordados. Imaginem que até o “deus” dos empresários, Jorge Mendes, que por ser o gestor de José Mourinho e de Cristiano Ronaldo logo pensou que tinha o rei na barriga e que poderia fazer o que lhe apetecesse. Com ele, vários advogados que mancharam a classe de uma forma vergonhosa. A polícia investiga, mas já tem os dados todos. Já sabe quantos milhões recebeu fulano ou beltrano. As pesquisas já apareceram nos computadores dos investigadores, que têm o apoio de Rui Pinto, e as lavagens de dinheiro, os depósitos em offshores e as falcatruas de intermediários e advogados já estão nos processos comandados por Carlos Alexandre. E tudo indica que desta vez o caso é muito sério e que alguns irão parar à prisão. O Ministério Público já tem suspeitas de negócios entre os clubes e terceiras entidades que podem ultrapassar os 15 milhões de euros e que tiveram em vista a ocultação de rendimentos do trabalho dependente, sujeitos a declaração e a retenção na fonte, em sede de IRS, envolvendo jogadores de futebol profissional. As investigações já começaram em 2020 e quando foi anunciado que Luís Filipe Vieira e o Benfica estavam em maus lençóis, logo houve risotas lá para as bandas do norte do país. Agora, vamos ver o que acontece quando o FC Porto é um dos clubes com maiores suspeitas de ilegalidades, nomeadamente, a fuga ao fisco. Os factos em investigação são susceptíveis de integrarem crimes de fraude fiscal, fraude à segurança social e branqueamento de capitais.

Quando veio a público que no FC Porto o Ministério Público tinha suspeitas gravíssimas, houve logo quem dissesse que Pinto da Costa é intocável. Vamos ver porque o Ministério Público está a investigar o pagamento de comissões superiores a 20 milhões de euros relacionados com transferências de futebolistas e efetuou 33 buscas, entre as quais na SAD do FC Porto e numa instituição bancária. Em comunicado, o Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) referiu que na investigação estão “factos ocorridos pelo menos desde 2017 até ao presente, com forte dimensão internacional e que envolvem operações de pagamento de comissões de mais de 20 milhões de euros”. O DCIAP acrescenta que as diligências “visam investigar a suspeita de prática de crimes de fraude fiscal, burla, abuso de confiança e branqueamento, relacionados com transferências de jogadores de futebol e com circuitos financeiros que envolvem os intermediários nesses negócios”.

Nada mais claro que há marosca e da grande no interior dos maiores clubes de futebol. A gravidade maior ao longo dos anos é o roubo que se tem feito ao Estado que somos todos nós. O procedimento criminal movimentou muitos milhares de milhões de euros. Houve jogadores que foram comprados por milhões e que nunca jogaram nos clubes que os adquiriram e que passado uns tempos eram vendidos pelo dobro que tinham custado.

Naturalmente que os sócios e os adeptos que pagam as suas quotas e bilhetes de ingress têm de se sentir envergonhados e tristes com os seus clubes que optaram pela vigarice. Afinal, pode perguntar-se se o futebol é um desporto ou um negócio. Possivelmente a maioria optava por afirmar que se trata de um negócio gigantesco e obscura que tem início na própria FIFA e UEFA onde os casos de corrupção têm levianamente vindo a público e não esquecendo o escândalo do Mundial que se realizará no Qatar, último lugar do globo para a prática de futebol devido à elevada temperatura e prejudicial à saúde dos praticantes.

Vamos aguardar pelo desfecho destas investigações que tendo o juiz Carlos Alexandre ao comando das operações não augura que os potenciais suspeitos se fiquem a rir desta vez…


*Texto escrito com a antiga grafia

29 Nov 2021

História Raríssima

Há histórias de vida profissional que são alvo do inacreditável. Lembram-se do caso da associação de assistência social “Raríssimas”? Lembram-se da presidente da referida associação, Paula Brito da Costa, ter sido acusada de desvio de dinheiros e de abusos na gestão da Raríssimas? Lembram-se que a senhora tinha um BMW ao seu serviço? Lembram-se que a senhora foi suspensa e demitida do cargo sem mais conversas? Lembram-se certamente que jornais, rádio e televisão andaram uma semana a falar da senhora, mas cometendo um crime que ficou impune. Mais do que salientarem o que se passou na Raríssimas a comunicação social preocupou-se mais com a vida particular da senhora, a sua privacidade foi estampada nas revistas que há muito deviam estar no lixo. Chegaram ao ponto de indicar que a senhora era amante do ministro Vieira da Silva, que tinha passado férias com outro ministro, que Maria Cavaco Silva abria-lhe todas as portas para sacar dinheiro para a instituição, mas que Paula Brito da Costa gastava o pecúlio angariado em luxos privados.

Tivemos a sorte de conhecer uma personalidade das mais prestigiadas em investigação e revisão das contas das grandes empresas e de instituições do Estado. Na nossa conversa veio à baila o caso da Raríssimas e começámos a insultar a senhora ex-presidente da instituição. De imediato o meu interlocutor provou-me por A, B e C que estávamos absolutamente enganados e que a senhora tinha sido alvo de uma cabala para a destruir como responsável superior de uma instituição que ela tinha criado com o seu dinheiro e de algumas amigas, apenas com o objectivo de fazer o bem. Corria o ano de 2002 quando Paula Brito da Costa, mãe de um rapaz portador de Síndrome de Cornélia de Lange, uma patologia rara associada a malformações congénitas e atraso do desenvolvimento psicomotor, e devido a isso, essencialmente, decidiu criar a Associação Nacional de Deficiências Mentais e Raras, a Raríssimas, por incentivo do especialista em genética e pediatria do hospital da Estefânia, Luís Nunes. O objectivo era partilhar experiências e defender os interesses dos portadores de doenças mentais e raras e seus familiares, sem quaisquer fins lucrativos.

Foi-nos transmitido que a gestão da Raríssimas estava em ordem e que nunca a senhora tinha desviado qualquer dinheiro da instituição para proveito próprio. Que o carro tinha sido comprado com o seu dinheiro. Que os pacientes da instituição adoravam a senhora. Que alguém que se portou mal no seio do trabalho na instituição e que foi despedida resolveu através de um amigo jornalista divulgar publicamente as maiores infâmias contra Paula Brito da Costa especialmente sobre a sua vida privada, o que todos nós sabemos que isso não é jornalismo. E não foi digno e ético o conceito que muitos órgãos de comunicação social, sem investigarem a fundo o que se passava, mais se dedicaram a divulgar: que a senhora gostava intimamente de X ou de Y. Mas, afinal, quantos ministros, secretários de Estado, deputados, autarcas e outras personalidades bem situadas na sociedade não têm as suas escapadinhas, as suas amantes, os seus namorados, com quem passam um fim de semana num resort à beira mar plantado? E alguém tem a ver com a vida privada dessa gente? Então, a que propósito pretenderam divulgar os muitos contactos e conhecimentos de Paula Brito da Costa? Muitos desses conhecimentos da senhora serviam apenas para apoio da instituição que dirigia.

A inveja e a maldade humana são sobejamente conhecidas. E muitas vezes têm destruído a vida de muitos de nós. A senhora Paula Brito da Costa sentiu-se injustiçada. Ela que tinha dedicado uma vida ao bem do próximo, especialmente de pessoas incapacitadas, resolveu actuar judicialmente, e para espanto dos energúmenos que a destruíram profissionalmente, a justiça deu-lhe razão no sentido de que tinha sido despedida sem justa causa e terá de receber uma indemnização de mais de 70 mil euros. Fez-se justiça a quem foi insultada, alvo de manobras invejosas, quem sabe por ser uma mulher bonita e interessante e que por esse motivo os invejosos, a quem a senhora nunca concedeu qualquer tipo de confiança, resolveram inventar que era uma funcionária corrupta, má gestora e malvista na associação que dirigia. Recorde-se que nos foi esclarecido que a senhora iniciou a actividade caritativa e benemérita da Raríssimas e que nunca um jornal ou outro órgão de comunicação social teve a seriedade de após investigar a fundo tudo o que a senhora fez pelo bem da associação, inserir nas suas páginas um esclarecimento ou um pedido de desculpas. Na nossa e em outras sociedades a comunicação social é o maior poder porque luta e sacrifica-se por trazer a lume as verdades dos assuntos que integram essas mesmas sociedades. A isso chama-se jornalismo sério. O contrário, não é merecedor de qualquer encómio e, talvez, por isso, a imprensa portuguesa diminui o número de leitores todos os anos.

 

*Texto escrito com a antiga grafia

22 Nov 2021

Comandos por lapidificar

O prestígio dos Comandos do exército português foi por água abaixo. Depois de anos e anos na guerra das colónias, depois de serem respeitados pelos portugueses como a tropa de elite, depois de terem centenas de militares comando condecorados com as mais altas insígnias, depois de serem escolhidos para missões internacionais, nomeadamente, na República Centro Africana, eis os Comandos a deixar o país perplexo por pertencerem a uma rede internacional de tráfico de diamantes, ouro, droga, armas e notas falsas. Ao longo de vários anos militares dos comandos e ex-comandos dedicaram-se a traficar, com a agravante do transporte das mercadorias ilegais terem sido feitas em aviões militares. Um escândalo. Uma vergonha. Um crime gravíssimo e estonteantemente nenhum militar superior de comando, nenhum chefe da Polícia Judiciária Militar, nenhum chefe de Estado-Maior, tenha tido qualquer conhecimento. Nem a secreta portuguesa, que ninguém sabe para que serve, conseguiu ter uma informação do crime desprestigiante para Portugal que estava a ser levado a efeito.

No meio desta vergonha, a mais grave é a atitude do ministro da Defesa, João Cravinho, que não deu conhecimento das investigações que estavam a decorrer ao primeiro-ministro e este ao Presidente da República. Como é isto possível? O Presidente da República é por inerência o Comandante em Chefe de todas as Forças Armadas. Tinha de ser a primeira personalidade a ser informada, porque se tratava de militares em acção no estrangeiro e sob a égide da ONU. Até o secretário-geral António Guterres se sentiu envergonhado. Mas os políticos em causa já vieram tentar sacudir a água do capote dizendo que os militares estavam ao serviço da ONU. Não, em primeiro lugar os militares são portugueses.

O tráfico era enorme. Os diamantes foram levados para Antuérpia, na Bélgica, aos milhares. O ouro resultou em venda de milhões de euros. As armas proporcionaram tanto lucro que um inspector da Polícia Judiciária disse-nos que ainda não fazem a mínima ideia do dinheiro que a venda rendeu e para que países foram. A droga foi espalhada pela Europa e na Holanda estavam os maiores receptores. Os 10 comandos e ex-comandos detidos pela PJ são suspeitos de traficarem 1,5 milhões de euros em ouro e diamantes. Os suspeitos compravam diamantes de sangue – pedras preciosas extraídas em zonas de guerra – na República Centro Africana durante as missões de “paz” das Nações Unidas em que Portugal tem vindo a desempenhar naquele país. Uma “paz” transformada em maná. A mercadoria era depois colocada em tubos de charutos na bagagem pessoal dos militares de regresso a casa nos aviões, inacreditavelmente, nos aviões da Força Aérea Portuguesa. Chegados ao aeroporto militar de Figo Maduro em Lisboa, o controlo era inexistente, logo facilitando a entrada da mercadoria ilegal. Uma vergonha no seio da organização militar nem sequer existir controlo no aeroporto militar. Quanto aos diamantes eram levados por estes suspeitos detidos em viaturas civis até Antuérpia para serem vendidos num dos maiores centros de negócios de diamantes a nível mundial. O esquema era depois concluído com a lavagem do dinheiro. Cerca de 40 indivíduos, já constituídos arguidos, aceitaram que nas suas empresas o dinheiro fosse depositado nas contas bancárias. Este dinheiro era depois usado para comprar moedas virtuais, limpando assim o rasto da origem do dinheiro.

O mais impressionante é que não existem suspeitas apenas ao nível de soldados, mas também de militares com patente superior, como major. A rede internacional pode ainda vir a ser muito maior do que as autoridades judiciais recolheram até ao momento, porque no caso do tráfico de droga que os militares efectuaram a ligação pode incluir traficantes de vários países, os quais teriam pago avultadas quantias aos militares portugueses.

No meio de isto tudo, o mais escandaloso é saber-se que o ministro João Cravinho informou a ONU em 2020 sobre as suspeitas do tráfico por parte dos militares portugueses. Em 2020? E até hoje nada disse ao primeiro-ministro? Não acredito. E António Costa nada disse ao Comandante em Chefe das Forças Armadas, o Presidente Marcelo? Inacreditável todo este comportamento político e toda esta pouca vergonha que agora veio a público. Afinal, o ministro João Cravinho depende de quem? Do chefe do Governo ou da ONU? Este ministro, assim que o caso veio a público e que o Presidente Marcelo e o primeiro-ministro disseram que não tinham conhecimento, tinha imediatamente de se demitir. Portugal não pode continuar a ser governado por indivíduos sem seriedade que se dão ao luxo de esconder um caso tão grave como este de tráfico de ouro, diamantes, droga, armas e notas falsas. No caso de a investigação a cargo do Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) de Lisboa ter tido início em 2020, então, a tutela da Justiça, ou seja, a ministra também não sabia de nada e nada transmitiu ao primeiro-ministro? A tudo isto se chama um “cambalacho” político que nos envergonha a todos. Esperemos que, desta vez, o Presidente da República actue com firmeza doa a quem doer.

15 Nov 2021

A Dissolução

Há um amigo meu que recebe o Hoje Macau em PDF e virou-se para mim e disse que eu era um grande analista político. Respondi que nem gosto de política e muito menos de políticos, mas que a minha colaboração para o jornal deveria visar os temas que preocupam os portugueses e que sejam tema na semana. Desta feita, lá volto à política, apesar das patetices proferidas pelo ministro Pedro Nuno Santos merecessem umas boas reguadas…

O Presidente Marcelo resolveu dissolver a Assembleia da República e marcar eleições para 30 de Janeiro do próximo ano. Uma data que parece só ter agradado ao próprio Presidente. Marcelo Rebelo de Sousa desde que começou a escrever para o Expresso e a criar factos políticos, por vezes, acontecimentos inventados por ele próprio, que sabe perfeitamente o que quer. A dissolução do parlamento não é inocente e o Presidente sabe que neste caso tem mesmo a faca e o queijo na mão. A sua experiência mostrou-lhe que António Costa só fez asneiras nos contactos que manteve com o Bloco de Esquerda e com o Partido Comunista. Costa já não tinha cumprido em vários assuntos a quando de geringonças anteriores. Desta vez, o experiente PCP resolveu virar as costas ao líder socialista porque o Orçamento do Estado era um saco de batatas. Com uma agravante: o Governo já andava a comprometer dinheiros da chamada bazuca e na da do pecúlio era para melhorar a situação social do povinho pobre e dos trabalhadores. E ora aí está o Presidente Marcelo, com o seu saber de malandrice, sábio em vários quadrantes nem que tenha de jogar em dois carrinhos como aconteceu com Paulo Rangel e confirmou logo que em próximas eleições, sem praticamente campanha eleitoral – porque o pessoal vai é estar preocupado com o Natal e a festa de fim de ano – não será possível que haja uma maioria absoluta de direita nem de esquerda. Ele próprio já a tem fisgada: nomeia um governo de índole presidencial e a tal bazuca que contém muitos milhões para distribuir será tudo controlado por ele. Não será um Bolsonaro, mas não sei não, como dizem os brasileiros.

O comportamento da maioria dos partidos políticos é a maior vergonha a que temos assistido. O CDS deveria realizar um congresso, mas assim que o seu líder soube que Nuno Melo pretendia o seu lugar, o “Chicão” suspendeu o congresso e marcou-o (a conselho de Rui Rio) para depois das eleições legislativas. Nuno Melo chamou a isso um “golpe de Estado” e a verdade é que vale tudo. No dia das eleições a 30 de Janeiro já nem Francisco Rodrigues dos Santos é presidente do CDS por ter terminado o seu mandato. Anteriormente dizia-se que o CDS era o partido do táxi, mas actualmente parece que o motorista vai ficar sozinho. António Pires de Lima, ex-vice-presidente do partido e Adolfo Mesquita Nunes, que poderia ser muito bem o presidente dos democratas-cristãos abandonaram o partido. Paulo Portas e Assunção Cristas, ex-líderes do partido, pronunciaram-se que o CDS pode batido no fundo e ter entrado no ocaso. Cecília Meireles, a melhor deputada do CDS, anunciou que vai abandonar a vida política. Um grande número de militantes do CDS já se vê nas acções do Chega. Os neofascistas, segundo as sondagens (se acertarem desta vez), estão a subir na tendência de voto de uma forma quase assustadora. Ainda ontem um casal que toda a vida votou PSD, ao encontrarmo-nos manifestei-lhe os parabéns pela vitória do seu Carlos Moedas. Respondeu-me o casal de imediato que eu estava enganado, porque eles votaram no Chega. Tudo indica que se André Ventura tiver bons conselheiros e não fizer uma campanha eleitoral, tipo feirante, pode ir buscar muitos votos ao PSD e CDS. Concluindo, maioria absoluta de direita não haverá se o desentendimento no seio dos partidos continuar. No PSD é gritante. Paulo Rangel saiu do armário e com unhas e dentes quer o lugar de Rui Rio. Estavam à porta eleições no seio do PSD. Rui Rio chegou a afirmar que o que se passa no PSD “é um absurdo”. Rio referia-se às eleições directas no interior do seu partido e ao congresso agendado. Antes, pensou-se que Rui Rio estava a evitar que Paulo Rangel lhe tirasse a cadeira do poder social-democrata, mas esclareceu que o ideal será antecipar o mais breve possível as eleições e o congresso no seio do PSD.

As divisões no interior dos partidos são flagrantes. No Partido Socialista o ministro Pedro Nuno Santos já proferiu afirmações que desautorizam o próprio primeiro-ministro. O homem do ‘Maserati’ quer de qualquer forma que António Costa desista para que ele possa ocupar o seu lugar. Mas, António Costa está disposto a prosseguir na luta pela moderação no partido e no Governo deixando a ideia de que poderá conquistar uma maioria absoluta. Costa está a pensar que imensos apoiantes do PCP e do Bloco ficaram chocados por estes dois partidos terem votado contra o Orçamento do Estado. Ouve-se constantemente por parte de apoiantes socialistas que a culpa do que se está a passar foi dos dois partidos mais à esquerda. É uma tentativa clara de levar eleitores do PCP e BE a votar no PS. Pessoalmente não acredito numa maioria absoluta socialista e como a extrema esquerda parece não estar virada para outra geringonça, temos de pensar que a dissolução da Assembleia da República foi mesmo muito e antecipadamente decidida pelo Presidente Marcelo, porque a solução que resta é um governo de iniciativa presidencial. É que Marcelo sabe nadar…

8 Nov 2021

O Divórcio

Portugal está na rua da amargura. A geringonça casou e na semana passada divorciou-se. O Partido Socialista, Partido Comunista e Bloco de Esquerda deram um mau exemplo a um povo que cada vez sofre mais e que tem um nível de vida dos piores da Europa.

Há seis anos o entendimento entre os três partidos foi total e deu para formar governo, ao qual os detractores habituais chamaram logo de “geringonça”. O Partido Socialista governou bem, mal ou assim-assim. É conforme a opinião de cada um. Os patrões queixam-se sempre que um governo de esquerda os prejudica, mas o salário mínimo nacional aumentou sempre miseravelmente com o apoio desses empresários que controlam a economia do país.

O Orçamento do Estado para 2022 foi a votos e o PCP e o BE resolveram pela primeira vez exigir o impossível e foi triste vermos uma votação onde a esquerda, a direita e os neofascistas estiveram unidos. Quem apoia o PCP e o BE nunca imaginou que os seus partidos de preferência não fossem capazes de se entender com o PS. O Orçamento foi chumbado e agora? Agora vira o disco e toca o mesmo com prejuízo para milhares de famílias. Aumentos da Função Pública e dos pensionistas, reforço de abonos e alterações aos escalões do IRS devem ter ido por água abaixo.

O chumbo do Orçamento trava ganhos de mil milhões de euros para as famílias. A direita política bateu palmas de contentamento com a derrota dos socialistas e pensa que vai eleger Paulo Rangel, para que todos unidos venham a ser governo. Rui Rio tem a mesma ideia: formar uma nova AD (Aliança Democrática) com o actual líder do CDS que conseguiu adiar o congresso e deixar Nuno Melo a ver a banda passar.

Pessoalmente não acredito nessa vitória da nova AD porque António Costa, como filho de um comunista, sabe bem que não soube negociar seriamente com o PCP porque tem ministros que são incompetentes, corruptos e mentirosos. António Costa só tinha uma coisa a fazer e fez. No seu último discurso no debate sobre o Orçamento do Estado começou já a apelar a uma maioria absoluta em próximas eleições. Eleições que o Presidente da República não desejava e terá de as marcar lá para Fevereiro, depois de se saber se Paulo Rangel conseguirá afastar Rui Rio. Um acto eleitoral que pode ser mais um fiasco, porque se o PS não obtiver a maioria absoluta lá teremos mais um Orçamento do Estado reprovado e assim sucessivamente. Ou então, o PS terá que saber negociar com o Partido Comunista.

Perguntar-me-ão que país é este em que os neofascistas sobem nas sondagens e o BE e PCP arriscam-se a ficar com o mesmo número de deputados do CDS e do PAN? É simples esclarecer o labirinto: as facções existentes no seio do PS estragaram tudo. Há gente que quer o lugar de António Costa por qualquer desígnio, mesmo traindo os princípios que aprenderam com Mário Soares. Digladiam-se no interior do partido para a ocupação do lugar de secretário-geral e como alguma dessa gente é ministro, tudo fez para que não houvesse acordo entre o PS e os partidos à sua esquerda.

O caldo está entornado e o cozinheiro Marcelo Rebelo de Sousa anda a ouvir os parceiros sociais, os partidos e os conselheiros de Estado, como se de uma prova oral se tratasse. Neste caso, com o país a ser governado em gestão e com as eleições antecipadas mais que decididas pela palavra do próprio Presidente da República, só é tempo perdido andar a fingir que a opinião generalizada de políticos, patrões e sindicalistas é algo de muito importante e decisivo, com a agravante de podermos apenas ter novo Orçamento lá para Maio.

O povo está descontente e triste porque o país não avança em nada, a não ser na injecção de milhões de euros na TAP e no Novo Banco. Os pensionistas e reformados iam receber uma miséria de 10 euros, mas sempre era qualquer coisinha, agora lamentam que nem isso vão obter de um governo que vai desaparecer. Façamos votos que nas próximas eleições, como tudo indica, se o PS vencer, que António Costa escolha ministros dignos, competentes, sérios e decididos a transformar o tecido social paupérrimo que existe de norte a sul. Ainda ontem, uma pessoa amiga com quem troco impressões numa rede social me dizia que está desempregada, que tinha um subsídio de 400 euros, mas já não tem, que não pode trabalhar porque sofre de várias doenças tais como artroses, tendinites, hérnias, ciática, fibromialgia, problemas na coluna vertebral e sendo mãe e avó está numa aldeia em casa de seus pais aguentando as dores porque não há médico a menos de 200 quilómetros.

Este é o país real que os deputados não conhecem nem querem saber. O que lhes interessa é abrir uma garrafa de champanhe ao jantar após terem votado contra a proposta do Governo e que deitou abaixo o que seria o próximo Orçamento do Estado.

Que Natal tristíssimo que Portugal vai ter com a governação sem poder realizar o que estava projectado. Nunca fui simpatizante do Partido Socialista, no entanto, é muito penoso constatar que só a ganância pelo poder ou a negociação radical e exagerada é que coloca um país no pântano, como dizia António Guterres. As próximas eleições, caso o PS não obtenha a maioria absoluta, serão mais um acto de lana-caprina, inútil, prejudicial ao progresso do país e que facilitará o ressurgimento da maioria silenciosa fascista que sempre andou na sombra de certos partidos à espreita do dia da redenção. Estivemos perante um divórcio político do mais lamentável que se podia imaginar numa hora em que até a União Europeia desejava ajudar Portugal a sair do buraco.

*Texto escrito com a antiga grafia

1 Nov 2021

A luta no preço dos combustíveis

É a grande luta. A grande discussão. A grande perplexidade. A grande manifestação. O grande protesto. Tudo por causa dos combustíveis. Se há sessenta anos não tivessem expulsado do Instituto Superior Técnico, o aluno de engenharia de petróleos por ter apresentado uma tese que deixou as petrolíferas em pânico, talvez nada disto estaria a acontecer. Há sessenta anos o engenheiro Jorge Cabral foi afastado por ter apresentado uma tese na qual defendia que a energia do futuro era o hidrogénio e que um automóvel com um depósito poderia ir de Lisboa a Moscovo e voltar. De imediato foi silenciado e ameaçado pela PIDE se voltasse a falar no assunto que iria preso. As petrolíferas nunca poderiam ser prejudicadas, eram e são ainda as donas do mundo económico. Os combustíveis, entretanto, provaram que têm danificado o planeta e apareceram os carros eléctricos e já estão as principais marcas de veículos, aviões e navios a testar os seus modelos a hidrogénio.

Enquanto os povos não estiverem esclarecidos do verdadeiro potencial do hidrogénio, a discussão e o descontentamento não acaba no que diz respeito ao constante aumento dos preços dos combustíveis. Em Portugal, é escandaloso. O preço tem vindo a aumentar dezenas de vezes nos últimos anos e na semana passada houve postos de abastecimento que chegaram a vender o litro de gasolina a dois euros por litro. Dois euros? Se um euro já seria um escândalo, imaginem a venda pelo dobro. Acontece que o Governo só pensa nos muitos milhões que consegue ganhar com o consumo de combustível e chegou-se ao ponto de no preço de cada litro de gasolina ou gasóleo, o Governo arrecada 65 por cento em impostos. É inacreditável, mas é a realidade. O povinho diz que não aguenta, mas continua a encher os depósitos. Os proprietários de camiões já tomaram a sua decisão: enchem em Espanha, onde o preço é muito mais barato e há camiões que levam cerca de 2000 litros.

A luta dos contribuintes inseriu uma manifestação de protesto. Nada serve ir para a rua com cartazes porque os ministros estão no golfe ou no ginásio. Os proprietários de carros, motos e camiões têm de se convencer que só existe uma solução: em todo o país não abastecer em determinada marca, que por exemplo pode ser a Galp. Neste caso, gerava-se o pânico nas hostes das petrolíferas e do Governo. Porquê? Porque nas petrolíferas ao não poderem escoar o combustível e não têm estruturas para o guardar, além de as refinarias não poderem suspender a produção, o caos estaria instalado e seriam obrigados a baixar de imediato o preço dos combustíveis substancialmente. Como é que se compreende que em 2014 o preço do crude esteve a 110 dólares por barril e agora está em 85 dólares e em 2014 nunca o preço dos combustíveis atingiu a actual plataforma caríssima.

O problema é grave quando ouvimos a associação dos proprietários de camiões a dizer que as suas empresas podem encerrar devido à impossibilidade de pagar os combustíveis a um preço tão elevado. Apelam ao Governo que baixe substancialmente os impostos sobre os combustíveis. O Governo fingiu que baixou e os preços continuam a subir. O presidente do Automóvel Clube de Portugal, Carlos Barbosa, chegou a assustar os cidadãos mais pacíficos, quando afirmou “As pessoas estão cada vez mais revoltadas e qualquer dia vão explodir”. Isto, não significa mais nada do que o vandalismo e a revolta podem estar à porta. Uma fonte policial adiantou-nos que já descobriram documentos que previam pegar fogo a várias gasolineiras, o que seria uma enorme tragédia. Portugal tem postos de abastecimentos junto a prédios com 10 andares e uma explosão numa dessas estações de serviços provocaria mortos e feridos.

O que se está a passar não é brincadeira e em termos políticos, pode ser o fim de António Costa, tal como deseja o seu ministro ‘Maserati’ Pedro Nuno Santos que a toda a hora tudo faz para denegrir a imagem do primeiro-ministro a fim de poder vir a ocupar o seu lugar como líder do Partido Socialista.

O preço exagerado dos combustíveis está directamente ligado ao ambiente político que se vive em Portugal, com toda a direita a puxar a carroça para o lado que atropele António Costa. Essa mesma direita política que sonha em juntar-se, liderada por Paulo Rangel, a fim de em próximas eleições legislativas subirem ao trono governamental, uma tese muito pouco viável porque essa direita tem que se definir no sentido se se une ao Chega ou não. A discussão sobre os combustíveis, podem crer, que não é inocente.

Alguém está por trás a desenvolver uma estratégia de descontentamento no seio do povo com o objectivo de derrubar o primeiro-ministro. A única dúvida é se a estratégia tem origem na direita política ou na facção socialista de Pedro Nuno Santos, um esquerdista que está desejoso de ser poder abertamente unido ao Bloco de Esquerda e ao Partido Comunista. Como diria o pensador Agostinho da Silva “está tudo ligado”…

*Texto escrito com a antiga grafia

26 Out 2021

Locura política em Portugal

Dá a ideia ao zé povinho que os políticos portugueses estão completamente loucos. De uma ponta à outra não se entendem. Nem no interior dos próprios partidos. No neofascista Chega há quem queira correr com o André Ventura. No CDS o eurodeputado Nuno Melo quer tirar o lugar ao líder Francisco Rodrigues dos Santos. No PSD o caso é grave. Carlos Moedas ganhou a Câmara Municipal de Lisboa e Rui Rio pensou que ficaria à frente do partido ad eternum. Enganou-se. Paulo Rangel, depois de sair do armário ganha cada vez mais apoiantes, além de todo o grupo gay do PSD, e na reunião do Conselho Nacional arrasou Rui Rio em todas as matérias. A reunião começou tensa, com uma ameaça de Rui Rio de que se “iria embora”, se não lhe fosse dada a palavra para uma intervenção inicial. O presidente da Mesa do Conselho Nacional, Paulo Mota Pinto, concedeu a palavra a Rio e foi a contestação geral. Ouviu-se um “bruá” na sala e quando as propostas várias foram a votação Paulo Rangel ganhou sempre. Rui Rio terá de pensar se valerá a pena concorrer nas eleições directas no partido, porque a maioria dos militantes prefere Paulo Rangel na liderança do PSD para combater António Costa.

No PS a situação é grave. Até já existem militantes apoiantes do ‘Maserati’ Pedro Nuno Santos que querem que António Costa abdique do cargo se o Orçamento do Estado for reprovado. As facções socialistas digladiam-se ao estilo da idade média. A ala forte maçónica está com o actual primeiro-ministro e pretende uma remodelação ministerial que afaste Pedro Nuno Santos, considerado o “amiguinho do Bloco de Esquerda”. António Costa reuniu-se com o grupo parlamentar do seu partido e pôs muitos pontos nos is e deu recados fortíssimos aos “chicos-espertos”. A reunião decorreu após o PCP e o Bloco terem anunciado que irão votar contra a proposta do Governo para o Orçamento do Estado. Se não houver entendimento entre o PS e os parceiros de esquerda a crise política está instalada. O Presidente da República, depois de se banhar nas águas de São Tomé, andou a semana passada toda a tentar convencer os partidos que se entendam e que compreendessem que eleições antecipadas seria um erro de palmatória e que de nada adiantaria. Alguns observadores viram nas palavras de Marcelo Rebelo de Sousa que no caso de se realizarem eleições legislativas antecipadas que o PS voltaria a ganhar e que o país apenas teria gasto milhões de euros que tanta falta fazem, por exemplo, na Saúde. Marcelo apelou ao bom senso e a todos os esforços dos partidos com assento parlamentar para evitar um chumbo do Orçamento. O Presidente deixou à vista um calendário político que grassa o ridículo e sublinhou que a haver eleições antecipadas seriam em Janeiro de 2022, sendo formado o Governo em Fevereiro e discutido um novo Orçamento do Estado lá para Abril. A única esperança com que se ficou dos encontros do Presidente da República com os dirigentes dos partidos foi a posição do PCP, a qual poderá ainda mudar e deixar passar o Orçamento. Segundo fontes credíveis o encontro entre o Presidente Marcelo e Jerónimo de Sousa foi “demasiado” cordial e frutuoso. Veremos.

O Partido Comunista e o Bloco de Esquerda têm uma importância vital nesta matéria e sabem bem que a reprovação do Orçamento do Estado é um enorme prejuízo para o país. As suas responsabilidades estão bem patentes e o povinho poderia vingar-se nas urnas em força pelo voto no PS. Obviamente que no Comité Central do PCP existam duas alas, uma mais radical e outra mais moderada. Esta última tem a noção do que acabámos de referir e possivelmente ainda consiga um acordo com o Governo.

Por seu lado, o Bloco de Esquerda tem mudado paulatinamente de posição política relativamente ao Governo. Tornou-se mais crítico e a sua coordenadora Catarina Martins parece não querer nada com António Costa. Todavia, o antigo líder do Bloco, Francisco Louçã, agora comentador de televisão, foi da opinião que seria muito negativo para os portugueses que o Orçamento do Estado não fosse aprovado. E é esta política de “loucos” com que temos de viver e substancialmente assistimos a discórdia atrás de discórdia em todos os quadrantes. Não só de política geral, mas no interior dos partidos como vos referimos no início, mas o que é preocupante é ver um PCP que nunca deixou sair para o exterior os seus segredos, vê-lo agora com as suas células a discutir a liderança do partido. Por um lado, há quem deseje a substituição de Jerónimo de Sousa pelo líder parlamentar João Oliveira, enquanto outros preferem que seja o actual eurodeputado e vereador da Câmara Municipal de Lisboa, João Ferreira.

Estes políticos parece que ainda não viram o quadro dos salários da Europa Ocidental, onde entre 19 países, Portugal está em último lugar com os salários mais baixos. Uma vergonha por se gastar tanto dinheiro como por exemplo no saco roto da TAP e não se usar esse dinheiro para a dignidade de quem trabalha. Só para ficarem com uma ideia, em primeiro lugar está a Suíça com um rendimento anual de 35 mil euros, enquanto Portugal na última posição tem um rendimento anual de 14 mil euros e com uma agravante, temos a sétima carga fiscal mais elevada sobre o trabalho, de 41 por cento. É obra.

*Texto escrito com a antiga grafia

19 Out 2021

Caos nos hospitais

Os amigos leitores que me acompanham há mais de um ano devem estar lembrados do que escrevi não há muito tempo sobre a situação dos médicos em Portugal. Afinal, o caso é muito pior. A situação está caótica e os hospitais pelo país fora, bem como os centros de saúde, estão a rebentar pelas costuras. A falta de médicos e a falta de condições para trabalhar é algo de gravíssimo. No Hospital de São Bernardo, em Setúbal, o director clínico tinha-se demitido por falta de condições para trabalhar e logo 87 médicos pediram a demissão por solidariedade. A situação em Setúbal é dramática e o hospital já não tem condições para servir a população. As queixas estendem-se a vários serviços e unidades. Na anestesiologia, por exemplo, só há 50 por cento das salas a funcionar e não há um número suficiente de anestesistas que permita sequer voltar à normalidade quanto mais compensar um défice que já existia antes. Os anestesistas por todo o Portugal são o maior problema. Como na maioria são mulheres médicas, naturalmente têm problemas de natalidade, de tratamento de filhos e outros problemas que não acontecem com os homens. Quase todos os hospitais estão com problemas graves.

Muitos dos médicos já nem se queixam dos maus salários, dos milhões de horas extraordinárias que realizam, mas sim da falta de colegas na estrutura global de uma unidade hospitalar. Há falta de médicos, apesar do país ter cerca de 40 mil clínicos. Há médicos que gostariam de permanecer no Serviço Nacional de Saúde (SNS) mas ao fim de muitos anos de andarem a falar para o boneco optam pelos hospitais privados ou pelo estrangeiro. Para terem uma pequena ideia, há médicos que levam para casa mil euros, enquanto na Alemanha, Bélgica, França, Holanda e outros países europeus os médicos têm um rendimento entre os seis e os nove mil euros. Assim não há médico português, tal como os enfermeiros e outros técnicos de saúde, que aguente um sistema que não tem qualquer organização e que não olhe para a Saúde de uma forma realista e sempre tomando em conta que os hospitais públicos devem ser a sustentação de vida de uma população.

O Ministério da Saúde está cheio de incompetentes a ganhar três e quatro vezes mais que um médico e a Ordem dos Médicos e o Sindicato Independente de Médicos dizem que o problema está a chegar ao fim. É gravíssimo que em Lisboa o Hospital Egas Moniz também esteja à beira da ruptura. As salas de cirurgia estão vazias por falta de profissionais e o hospital viu-se obrigado a contratar uma clínica privada para realizar as intervenções cirúrgicas. Ao ponto a que chegámos quando tudo isto é pago com o nosso dinheiro.

Há dirigentes federativos ligados à Saúde que já se pronunciaram que existe uma estratégia para acabar com o serviço público indo paulatinamente passando o serviço de Saúde para os privados.

Os hospitais de Beja e de Évora estão há anos a passar pelas maiores dificuldades e estão igualmente com falta de pessoal médico para poderem aceitar os doentes que para estas unidades são dirigidos. O problema é geral e os médicos de todo o país só apresentam queixas na gestão da Saúde e ameaçam em numerário assustador que se vão embora para o estrangeiro ou para os hospitais privados, os quais começam a aparecer no território nacional como cogumelos. O Governo tem de se compenetrar que médicos e enfermeiros não são alfaiates e sapateiros. São especialistas que obtiveram um dos cursos mais difíceis do mundo para salvar vidas. Obviamente que a sua remuneração não pode ser de mil euros. Conheço um dos melhores cirurgiões de oftalmologia que Portugal tem e ele opera diariamente num hospital público e à tarde vai descansar? Não, à tarde vai melhorar o seu salário dando consultas numa clínica privada. Sai de casa às seis horas e regressa às nove da noite. É vida para um dos melhores que temos? Perguntei-lhe porque não opta pelo estrangeiro? Respondeu-me que foi Portugal que fez dele médico e que tem de servir o seu povo.

A situação no sistema de Saúde é mesmo muito grave. A situação no Hospital de Leiria já levou a Secção Regional do Centro da Ordem dos Médicos a alertar para a situação grave devido à falta de médicos no serviço de urgência e pediu ao Ministério da Saúde uma solução imediata do problema. Esta não é uma situação que surgiu hoje, há vários anos que a Ordem dos Médicos tem denunciado a gravíssima carência de recursos humanos no Hospital de Leiria e de outros hospitais da Região Centro do país.

Uma situação que se agravou com a pandemia originária da doença covid-19. Os médicos foram requisitados para o combate ao vírus e os centros de saúde ficaram vazios. Os pacientes com outras doenças graves ficaram para trás e não tiveram consultas, cirurgias ou exames durante um ano e meio. Actualmente esses doentes, excepto os que entretanto morreram, tentam ser atendidos e ainda não existiu um planeamento que recupere o atendimento de milhares de portugueses.

*Texto escrito com a antiga grafia

12 Out 2021

A surpresa

O Partido Socialista venceu as eleições autárquicas realizadas em Portugal, mas teve uma surpresa. Uma surpresa directamente ligada a todos os jornais, revistas, televisões, empresas de sondagens, comentadores, cronistas, fazedores de opinião nos cafés, enfim, todo e qualquer cidadão que acompanhou a campanha eleitoral anunciou que em Lisboa o candidato Fernando Medina seria reeleito. Foi a grande surpresa na noite eleitoral quando se concluiu que Carlos Moedas tinha ganho por dois mil votos e que Fernando Medina tinha perdido cerca de vinte e cinco mil eleitores relativamente às eleições anteriores.

As empresas de sondagens nem quiseram acreditar, porque os números retirados dos inquéritos que realizaram nunca lhes deram Moedas próximo de Medina. Todos os cidadãos já aceitaram que a surpresa foi enorme, que estiveram errados, que confiaram nas sondagens anunciadas e já aceitaram que Fernando Medina não soube conduzir a campanha ou alguém por ele, como o primeiro-ministro António Costa apenas o prejudicou. A grande surpresa para todos até teve repercussões além-fronteiras. Já me informaram que um nojo de jornalismo que sempre foi praticado em Macau teve a rastejante veleidade de sujar o meu nome com uma citação maldosa e sem ética em jornalismo, porque eu na última crónica limitei-me a escrever o que todos fizeram. Inclusivamente tivemos um exemplo que bradou aos céus e, no entanto, nenhum outro jornal se lembrou de o criticar. Aconteceu com o semanário NOVO que tem uma linha editorial apoiante do PSD e do CDS e publicou na primeira página o possível resultado eleitoral em Lisboa, dando a Medina 46,6% e a Moedas 25,7% dos votos do povo lisboeta. Errar é humano. Sempre esteve imbuído na normalidade humana. O que nunca foi normal foram a existência de citações de jornais sem credibilidade a outros jornais cujos conteúdos lhes provocam inveja.

As eleições autárquicas tiveram um grande vencedor, o qual já começa a ser tristemente uma realidade. O vencedor foi a abstenção. O povo já não acredita nos actuais políticos, nas suas promessas. O povo está cada vez mais pobre, vive com as maiores dificuldades, os jovens não conseguem habitação nem emprego. E metade do povo resolveu ficar em casa ou ir passear para o jardim, mas longe de qualquer mesa de voto. E este facto devia levar os políticos a analisar e a modificar o comportamento político, tomando em conta que a maioria do povo não pode pagar por um almoço mais que cinco euros, incluindo a bebida e o café. Os políticos que estiveram dois mandatos no Parlamento Europeu sem fazer nada, cheios de mordomias, viagens de borla todas as semanas e que têm reformas vitalícias de 10 mil ou mais euros deviam anunciar a sua desistência. Deviam dar o exemplo a um povo pobre que ao constatar exemplos desses resolve não votar. A abstenção tem um significado infinito e não vemos ninguém nas televisões a ir ao âmago da questão e ter a coragem de indicar as verdadeiras razões, incluindo os falecimentos de milhares de pessoas que continuam a constar dos cadernos eleitorais.

Quanto aos resultados em si foi o que já se esperava com algumas pequenas surpresas. A surpresa pertenceu sempre ao confinamento de qualquer eleição. E daí, tivemos o líder do PSD a manter-se no lugar devido às suas escolhas Carlos Moedas e José Manuel Silva, este para Coimbra que foi sempre um bastião socialista. Surpresa também para o CDS, denominado o partido do táxi, e que conseguiu manter as seis câmaras que já tinha. Surpresa para a perda da maioria absoluta de Rui Moreira, no Porto. Surpresa no Bloco de Esquerda que elegeu um vereador pela primeira vez na câmara portuense. Surpresa pelo Partido Comunista não ter conseguido reaver a sua amada Almada e ter perdido o amante da Coreia do Norte, Bernardino Soares, da Câmara de Loures. Surpresa no Alentejo, onde na zona de Évora, o PSD conquistou quatro edilidades.  As surpresas foram muitas, mas o mais importante continua a situar-se no que escrevi na semana passada: a falta de tudo no interior do país, especialmente nas aldeias das montanhas. Ainda agora vi essa confirmação numa reportagem excelente na SIC onde mostra ao mundo como a miséria é grande no interior do país. A reportagem mostrou que há dezenas de idosos acamados sem apoio de ninguém, aldeias onde não vai um médico ou enfermeiro, onde os medicamentos não chegam, onde a comida é baseada nos víveres que conseguem ter no quintal, as habitações sem condições algumas de humanidade. Uma reportagem de Débora Henriques que deve ser premiada porque se tratou de jornalismo de qualidade, sério, digno e não de se preocupou em citar outros colegas por ódio e inveja. Surpresa também no resultado do neofascista do Chega que conseguiu eleger 19 vereadores. Surpresa em Faro onde os socialistas cada vez perdem mais para os sociais-democratas. Esperemos que todas estas surpresas contribuam para a redução da corrupção e do compadrio no poder local. Que a qualidade de vida das populações possa melhorar de forma vistosa. Dois pequenos exemplos. Que os autarcas se preocupem em forçar o Governo na instalação de médicos nos centros de saúde e que o autarca que tem a responsabilidade do maior lago artificial da Europa, o Alqueva, proíba nas suas águas barcos a motor e que só possam navegar embarcações a energia solar.

A partir de agora a política portuguesa vai entrar num período certamente de luta entre facções dentro dos partidos políticos para que nas próximas eleições hajam, ou não, as tais surpresas que pelos vistos só surpreenderam os infames pseudojornalistas que produzem um pasquim em Macau.

 

*Texto escrito com a antiga grafia

5 Out 2021

As eleições não conhecem o interior

Obviamente que vos estou a escrever antes das eleições autárquicas em Portugal. Foi uma semana triste, de perplexidade em alguns casos. A campanha eleitoral deixou os portugueses a gostar menos deste sistema político que tem sido oferecido aos eleitores. Uma campanha amorfa, sem vida, sem alternativas. Os candidatos passaram a semana a discutir. Foi só um lavar de roupa suja. A maioria dos presidentes de Câmara quer continuar com o “tacho” e todos nós sabemos as razões desse desejo tão estranho. Na direita política nem tudo foi entendimento. O PSD coligado com o CDS e outros partidos mais pequenos, como o Iniciativa Liberal não conseguiram convencer ninguém de modo a alterar o status quo, a não ser possivelmente em Coimbra, onde o PS pode perder o poder.

Tivemos o “banha-da-cobra”. Ventura que chegou a ter cinco pessoas à sua espera para um comício. Ele para a televisão bate em todos, mas o povinho já topou que Salazar chegou um. Rui Rio e Francisco Rodrigues dos Santos, respectivamente líderes do PSD e do CDS chegaram mesmo a dar o ar aos potenciais eleitores que a seguir às eleições vão de patins. A grande esperança do Partido Comunista nestas eleições é reconquistar Almada e levou o armamento pesado para a campanha de Maria das Dores Meira que tinha realizado em Setúbal um bom trabalho.

Em Almada está a grande dúvida e quando lerem esta crónica já são capazes de saber os resultados. Alguns deles já vos posso dar: no Porto, Rui Moreira ganha a brincar e na capital do país, o portuense-lisboeta Fernando Medina ganha com uma vantagem considerável sobre Carlos Moedas.

E o que fica destas eleições? Duas coisas lamentáveis: mais abstenção e propaganda política do primeiro-ministro que não devia ter andado pelo país a anunciar e a prometer melhorias ao povo, quando ele sabia perfeitamente que essas promessas apenas serão cumpridas com o dinheiro que vai chegando da União Europeia, o qual titularam de “bazuca”. António Costa não tinha necessidade nenhuma de se ter armado em feirante baixando o nível da sua imagem de primeiro-ministro. As eleições autárquicas têm uma importância vital para que o poder local possa melhorar o nível de vida dos portugueses, especialmente do interior. Mas, no interior é que estão os pobres, os velhos e os acamados. Nada se ouviu na campanha eleitoral que se iria construir habitação social de imediato, que os centros de saúde deixavam de ter pessoas que vão para a porta de madrugada a fim de recolher uma senha, que os médicos iriam ter o seu salário muito aumentado se fossem laborar para o interior do país. Não, os reformados que recebem uma miséria continuarão esquecidos, os estudantes sem bolsa de estudo ou residência na cidade onde está instalada a universidade que escolheram. A tão anunciada revolução no sistema ferroviário anunciado pelo ministro das Infraestruturas, não teve uma palavra de qualquer candidato a autarca no sentido de pressionar o governante, cuja única preocupação é continuar a passear no seu Maserati e a enterrar a TAP.

As eleições autárquicas podiam servir para revolucionar as lacunas existentes. Eleger candidatos de quem o povo gostasse, mas nada disso acontece. Os partidos é que mandam e colocam lá as suas figuras de proa para que possam ser eleitos, a fim de continuarmos a assistir à corrupção e compadrio existentes. No entanto, houve autarcas que realizaram bom trabalho. Loures e Cascais é um exemplo de que autarcas de ideologia completamente diferente, como o caso de Bernardino Soares (PCP) e Carlos Carreiras (PSD), podem apresentar obra que beneficiou quem votou neles e o mais certo é que continuem a votar. O pior de tudo são as promessas. Ouve-se um candidato a discursar e promete mundos e fundos. No final do mandato, mais de metade dos projectos ficaram na gaveta. E no poder local sempre assistimos aos cambalachos da mais diversa ordem. Alguns autarcas têm sido alvo de investigação criminal e até sentenciados. Há projectos nas Câmaras Municipais que são autênticas ilegalidades dentro da legalidade. Como assim? Constrói-se um prédio destinado a habitação para estudantes ou para pobres com rendimento reduzido, para as chamadas rendas acessíveis. Assim que as obras têm início e os interessados se dirigem à edilidade para se inscreverem no sentido de obterem um apartamento, é-lhes comunicado que a lista já está esgotada. Como foi? É que os funcionários superiores da edilidade, incluindo os presidentes, já destinaram as fracções para os amigos, ou amigos dos amigos, recebendo em troca uma óbvia compensação. Com autarcas desta natureza é natural que se vá perdendo a vontade de votar. E como ainda está um solinho agradável, a malta prefere ir até à praia. Ao menos aí votam todos num mergulhinho…

*Texto escrito com a antiga grafia

27 Set 2021

Electricidade é o cancro do povo

Há uns anos os ambientalistas provaram dois factos: que a construção de mais barragens e a instalação de energia eólica seriam um duro golpe no ambiente e em nada iria beneficiar os portugueses no sentido de possuírem um custo mais barato no consumo da energia. Os governantes nunca se incomodaram nada com o que dizem os ambientalistas e estes não entendem para que existe um ministro do Ambiente. A construção de uma série de barragens provocou uma onda de corrupção nunca vista e que, segundo algumas das nossas fontes, o Ministério Público tem andado atrás desses destruidores de valores históricos, tais como as incrustações do neolítico e paleolítico nas rochas das margens de certos rios. Recordo aqui uma visita que fiz em 1973 a Vila Velha de Ródão e ao Fratel. No Fratel o caso era de espanto: centenas de desenhos profundamente visíveis e significativos da vida daqueles tempos, inclusivamente eram visíveis seres humanos com arcos de flechas. Os arqueólogos tudo fizeram para que não fosse destruído um valor tão importante do que aconteceu com os nossos antepassados, mas nada conseguiram. A construção de uma barragem deixou a riqueza de Fratel submersa para sempre. O que se passou recentemente no Tua foi vergonhoso. Tínhamos um dos locais mais belos que percorrido de comboio deixava os turistas estonteados e os residentes locais tinham transporte para o trabalho. Mas a teimosia e a ganância pelo dinheiro levou a que os governantes seguissem para a frente com a construção de mais uma barragem que soterrou a linha ferroviária.

Os magnatas das empresas de energia não pensam no povo. O lucro está sempre em primeiro lugar. Quando se iniciou a instalação da energia eólica, alguns especialistas chamaram a atenção para os prejuízos que a inovação iria provocar, além dos milhões de euros que foram gastos no projecto incluindo o dinheiro que escorreu para certos autarcas autorizarem a instalação das eólicas nos seus terrenos. As eólicas têm sido um desastre ambiental e não só.

O movimento das pás gigantes tem destruído uma variedade de produções agrícolas e certos aldeões ficaram sem nada. O ruído dos geradores que foram instalados perto de habitações obrigou os pobres dos camponeses a mudar de local para poderem dormir. E o pior é pensar a longo prazo: as eólicas são do mais inestético que se pode ver no cimo de uma montanha, a paisagem natural levou uma facada cuja dor é imensa e o pior será daqui a vinte ou trinta anos quando as eólicas já não funcionarem e quem é que retira aquele lixo férreo do cimo das serras? Ninguém, obviamente. Por que não optaram as “cabecinhas pensadoras” em instalar as eólicas no mar, tal como acontece em vários países. Mais efeito energético e mais estético, sem prejudicar e matar o movimento migratório das aves. Têm sido mortas aves aos milhares quando embatem contra as pás das eólicas e nunca ouvimos ninguém da defesa dos animais a protestar contra a contínua instalação de eólicas.

Tudo isto foi anunciado ao povo de que a energia passaria a existir mais limpa e mais barata, e que consequentemente o consumidor teria a electricidade mais barata. Debalde. Somos o país com a energia mais cara da Europa. Como é possível tão triste desiderato num país tão pequeno e com tantas barragens e geradores com energia eólica?

E afinal, em que resultou o gasto de milhares de milhões de euros no sector da energia? A partir de Outubro o povo vai sofrer mais um aumento de 3 por cento no preço da electricidade. Vergonhoso e chocante, quando após uma pandemia milhares de famílias ficaram com a corda na garganta e certas empresas tiveram de fechar a porta. Dizia-me um empresário de uma fábrica de produção média de plásticos que paga 80 mil euros por mês de electricidade e que naturalmente que este aumento no preço da electricidade irá provocar um aumento na venda dos seus produtos ao consumidor. A Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) determinou uma subida de 1,05 euros por mês, para a maioria dos consumidores em mercado regulado. Isto é infame e os portugueses não entendem, tal como não percebem a razão de o preço de os combustíveis aumentar todas as semanas.

Por outro lado, com a energia eléctrica a bater no início da semana passada novos recordes sucessivos de preço no mercado grossista ibérico (Mibel) e a rebentar a escala com 130,53MWh, a dúvida mantém-se: o que vai acontecer às facturas da luz dos portugueses? A Deco já veio dizer que é certo que as facturas vão subir para todos, tanto no mercado regulado como no livre, mas o Governo promete descidas nas tarifas para 2022. Promessas… em tempo de eleições, porque a vergonha de nada fazer de bom para o povinho continuará para sempre.

20 Set 2021

Os aeroportos não se entendem

Todos nós sabemos os milhões de euros que envolvem a construção de um aeroporto e as centenas de interesses económicos que estão por trás da decisão final para a edificação de um empreendimento desta envergadura.

Portugal é um país tão pequeno e nunca se ouviu falar num número tão exagerado de possíveis aeroportos, já não referindo os aeródromos que poderiam ser transformados em aeroportos. Temos o aeroporto Sá Carneiro, no Porto, cujos gestores queixam-se a toda a hora da discriminação da TAP relativamente aquela unidade aeronáutica. Em Lisboa, está o busílis da questão, se atendermos que aeroporto de Faro é destinado a uns aviõezinhos destinados aos turistas que vêm mergulhar nas águas do Algarve. Em Lisboa, o aeroporto da Portela, agora denominado Humberto Delgado, é um verdadeiro milagre, possivelmente com origem em Fátima. Custa a acreditar como é que em tantos anos ainda não aconteceu uma tragédia enorme com a queda de uma aeronave no centro da capital, o que seria uma desgraça. O aeroporto de Lisboa está esgotado, não comporta mais o registo de aumento no seu movimento. Como dizia um comandante da TAP “Isto está a rebentar pelas costuras”. Ainda me recordo da primeira vez que aterrei no aeroporto de Banguecoque, na Tailândia, e demorei de autocarro uma hora a chegar ao hotel. O aeroporto tailandês estava situado a muitos quilómetros de distância da capital. Não se concebe que tenham passado décadas e os nossos governantes nunca tenham pensado numa solução viável e alternativa à pista existente na Portela.

De há uns poucos anos a esta parte é que se iniciou o reboliço sobre a construção de um novo aeroporto que servisse Lisboa. Lembram-se da Ota? Ui, o que foi aquilo. Um descalabro vergonhoso. Sem estudos realizados por grandes especialistas na matéria, começou-se a anunciar que a Ota iria ser a alternativas para Lisboa. Os amigos dos políticos governantes começaram a comprar terrenos ao redor da Ota que foi um fartar vilanagem. Compraram por 10 a pensar vender por 100. Acabaram por vender por 10 o que tinham comprado por 100. Um aeroporto na Ota veio-se a provar que não tinha viabilidade. Depois apareceu o nome de Alverca. Ah este sim, já tem uma boa pista da Força Aérea, está perto de Lisboa, já tem ligação rodoviária e ferroviária, Alverca é que será o ideal. Nem fazem ideia a especulação que se gerou de imediato no preço das vendas das casas e dos terrenos. Bem, afinal, vieram os estudos profissionais e as conclusões eram infrutíferas para que Alverca servisse de aeroporto de apoio ao de Lisboa. Mas aqui é que o gato vai às filhoses. Fala-se sempre na construção de um pequeno aeroporto de apoio ao da capital, quando Lisboa devia deixar de possuir um aeroporto no centro da urbe e com os aviões a passarem ao lado de prédios com 13 andares, como é o caso da avenida dos Estados Unidos da América e do Campo Grande.

De seguida, viu-se uma luz ao fundo do túnel: o ideal será no Montijo. Já é uma base aérea e com umas modificações estruturais será ouro sobre azul. Os abutres na caça dos terrenos apareceram logo e à volta do Montijo foi tudo vendido a um preço exorbitante. Os interesses económicos de certos políticos e seus amigos empresários já esfregavam as mãos de contentes porque o Montijo seria a solução. No entanto, esqueceram-se, como sempre, da defesa do ambiente e da dimensão da pista. A fauna ao redor da base do Montijo é única e os flamingos vermelhos nunca resolveriam deixar o Montijo. Quanto à pista de aterragem termina mesmo junto às águas do rio Tejo e não tinha possibilidade de um acrescento, cujos custos situar-se-iam no absurdo. O tribunal superior já decidiu, e bem, que no Montijo nem pensar. Bem, então temos Alcochete. Já começaram a ser vendidos terrenos à volta de Alcochete que os consultores de imobiliário nem querem acreditar. Mas, o problema é que a construção de um aeroporto em Alcochete também tem muito que se lhe diga e levará pelo menos uns dez anos a edificar. O problema do aeroporto de Lisboa devia ter sido resolvido ontem e não pensar agora numa estrutura que pode levar a construir em uma década. Alcochete, dizem os entendidos, está sobre aquíferos, águas subterrâneas que podem com o seu movimento dar início ao abatimento de terras. Ora, se existe um só aquífero que seja na área onde pretendem projectar o aeroporto de Alcochete será melhor desistir já da ideia.

Então, já que não existe entendimento para a construção de um aeroporto alternativo que sirva a capital lisboeta, ainda teremos algo de viável? Naturalmente que temos. Temos algo que ninguém dos corredores ministeriais quer ver, possivelmente porque não interessa aos abutres. Há muitos anos, não foi por acaso que os militares alemães construíram uma base aérea em Beja. E Beja, hoje em dia, tem um belíssimo aeroporto, onde acabou de aterrar o maior avião do mundo. Beja será o local ideal para com algumas modificações estruturais e a construção de hangares para a manutenção técnica, passar a ser o aeroporto ideal para transportar os passageiros para Lisboa.

Se é para se gastar algum dinheiro, então, que se construa uma ligação ferroviária de alta velocidade directamente a Lisboa e uma ligação à autoestrada que liga Lisboa e Algarve. Ainda por cima, os governantes só andam a pensar numa terceira ponte entre Lisboa e a margem sul. Pois bem, que essa ponte seja apenas para os comboios que façam a ligação directa a Beja.

Beja é um achado que existe e que tem todo o potencial de ser um grande aeroporto internacional a cerca de menos de uma hora de Lisboa. Quem discordar da alternativa Beja será porque pretende ganhar muitos milhões por baixo da mesa…

*Texto escrito com a antiga grafia

13 Set 2021

A marquise de um campeão

À ilha da Madeira chamam-lhe a “Pérola do Atlântico”. Uma pérola cheia de miséria humana por todos os bairros. A maioria da população é pobre e trabalhadora, vivendo em casas rudimentares que se misturam com os hotéis mais luxuosos que se possa imaginar. Nesta ilha, num bairro pobre, no seio de uma família sem posses e de vários irmãos, um menino não largava uma bola de trapos. Mais tarde, o seu pai alcoólico ofereceu-lhe uma bola parecida com as do futebol a sério. O pequeno madeirense não largava a bola de dia e de noite. No bairro, os outros miúdos começaram a vê-lo a manobrar a sua querida bola de uma forma diferente e quando era para fingir que realizavam um jogo, o pequeno driblava todos e marcava golos que começou a dar nas vistas dos adultos que se encontravam nas esquinas do bairro a beber as suas cervejas. Até que um dia, um desses adultos falou com os pais do miúdo e levou-o a jogar num clube de pequena dimensão da ilha da Madeira. Nesse clube, o miúdo que chegava aos treinos de sapatilhas rotas ou descalço, assim que se via com umas botas calçadas até parecia que tinha patins. O treinador começou a ficar de boca aberta pelas virtudes futebolísticas que o miúdo apresentava. Concluiu-se que tinham ali uma verdadeira pérola que poderia dar frutos ao pequeno clube. E na verdade, uns milhares já representava muito dinheiro e foi assim que o grande Sporting Clube de Portugal contratou o miúdo e com a mãe em lágrimas lá o viu partir para Lisboa, onde ficou instalado numa pensão com outros colegas que também pertenciam às escolinhas de futebol do Sporting. O miúdo começou a crescer e no tratamento com a bola era um caso muito sério. Era o melhor nos jogos-treino.

Um dia, o madeirense foi chamado a jogar na equipa principal do clube. O jovem entrou em campo e as bancadas aplaudiam todas as suas jogadas e golos. Estava ali uma futura estrela para o futebol mundial, pensaram muitos sportinguistas. E acertaram. Num encontro entre o Sporting e o Manchester United, o manager inglês, o mestre Alex Ferguson, passou todo o tempo a perguntar quem era aquele miúdo. Tanto lhe responderam que no final do encontro, os dirigentes do Manchester United já estavam reunidos numa sala com os seus congéneres do Sporting, no sentido do miúdo que jogava na Madeira com uma bola de trapos, fosse para Inglaterra contratado pelo clube de Manchester. O acordo foi firmado e o Cristiano Ronaldo viu-se, timidamente, na alta roda do mundo do futebol.

A carreira de Cristiano Ronaldo foi um êxito nunca visto. Há muito tempo que os amantes do futebol não viam golos de toda a espécie e feitio. Cristiano corria, driblava tudo e marcava golos. Cristiano colocava a bola a 40 metros da baliza para marcar um livre directo e a bola só terminava dentro das redes. Cristiano não falhava um penálti.

Cristiano foi campeão de Inglaterra três vezes, venceu a Supertaça e a Taça dos Campeões. O mundo passou a falar de Cristiano Ronaldo como um jogador sensacional e único. O Real Madrid não descansou enquanto não o contratou. Conseguiu levá-lo a troco de muitos milhões de euros, porque no mundo do futebol nunca se sabe ao certo quanto dinheiro é ao certo movimentado. Em Madrid, rapidamente Cristiano passou a ser um ídolo e as vendas das suas camisolas resultavam num lucro astronómico para os merengues.

Cristiano passou a fazer parte da lista dos maiores milionários do mundo e quando foi para a Juventus, deu-se ao luxo de escolher a melhor casa que existia em Turim e ao mesmo tempo resolveu ser proprietário de uma cadeia de hotéis para juntar ao Museu Cristiano Ronaldo que fora construído no Funchal. Capital madeirense onde se situa o aeroporto que passou a chamar-se Cristiano Ronaldo em sua homenagem. O jogador de futebol já era figura mundial quando começaram a aparecer de todo o mundo grandes homens da alta finança a solicitarem-lhe investimento nos seus países, tais como, Estados Unidos da América, Emirados Árabes Unidos, Inglaterra, Espanha e Itália. Cristiano optou por investir muitos milhões no seu país. Uma casa apalaçada junto a uma lagoa, uma casa de luxo em Cascais, outra casa na Avenida da Liberdade, um apartamento de luxo no valor de mais de oito milhões de euros em pleno centro de Lisboa junto ao hotel Ritz, fora as muitas casas e valores que ofereceu à mãe, irmãos, amigos e muitos milhões a instituições de beneficência, especialmente de crianças com doenças oncológicas.

Mas, o apartamento de luxo junto ao hotel Ritz é que veio estragar tudo. Num momento em que acaba de bater o recorde mundial de o jogador com mais golos marcados em selecções nacionais, eis que ainda se fala e não param de salientar na imprensa uma “marquise” que a vedeta mundial construiu no terraço da sua casa. Uma marquise idêntica a milhares existentes na região de Lisboa. E os invejosos foram logo embirrar com a marquise da residência de Ronaldo. Nada há mais importante neste país que ainda na semana passada viu o tribunal rejeitar a construção do aeroporto do Montijo quando o de Lisboa está a rebentar pelas costuras.

Cristiano Ronaldo não merecia que a edilidade lisboeta ordenasse a demolição da marquise de Cristiano Ronaldo, porque sendo assim teria que retirar todas as outras que apareceram como cogumelos nos terraços dos prédios ao longo dos anos. A ingratidão para quem tem promovido o nome de Portugal pelo mundo nunca será compreensível quando essa ingratidão se baseia numa marquise. Triste país este, onde falta tudo e a preocupação vai para a destruição de uma marquise.

 

PS – Ao director deste jornal, Carlos Morais José, e a todos quantos têm colaborado na publicação do Hoje Macau, endereço os meus parabéns pelos 20 anos de qualidade jornalística única em língua portuguesa.


*Texto escrito com a antiga grafia

6 Set 2021

Com os médicos não se brinca

Cinquenta crónicas que tive o prazer de vos enviar desde o centro de Portugal. Aproximadamente há um ano que iniciei este contacto com os portugueses que vivem em Macau e com os macaenses que amam a sua terra. Desejo ardentemente saudar todos os leitores que semanalmente se encontram com o Namora e se me permitem, manifestar a minha satisfação de escrever para um diário que tem um prestígio grandioso e onde trabalham profissionais do mais alto nível jornalístico.

Hoje, vou falar-vos de uma conversa que tive com um jovem médico que terminou a sua especialidade de cirurgião cardiovascular com a nota de 19 valores. Os seus mestres no Hospital de Santa Maria prestaram-lhe uma homenagem no fim de curso e esperavam tê-lo como colega no piso daquele estabelecimento hospitalar que tem fama internacional. Contudo, o novo especialista que me transmitiu todos os sacrifícios que a sua família fez para o ajudar a estudar, decidiu abandonar Portugal e aceitar um convite excepcional que lhe chegou de Londres. Em Inglaterra vão-lhe pagar três vezes mais do que auferiria no nosso país, irá habitar uma casa acolhedora paga pelo hospital, pagam-lhe a conta da luz, da água e do telemóvel. Todas as horas que trabalhe na urgência do hospital serão pagas a dobrar tal como as horas extraordinárias e ainda a dobrar será o pagamento de sábados, domingos e feriados. Ainda não acabei. Assim, que adquirir um automóvel, que diariamente o transportará para o trabalho, metade do preço da gasolina que encha o depósito será pago pelo hospital. As batas, máscaras, sapatilhas especiais e estereoscópios serão fornecidos pelo novo “patrão”. Em face do que ouvi, só me apeteceu dizer-lhe “se o hospital não lhe lavava o rabo com água de colónia”…

A verdade é que a situação do número de médicos em Portugal é grave. Cada vez mais os médicos que terminam a sua especialidade recebem propostas tentadoras no estrangeiro. Na Suíça sei de outro especialista que está a receber 20 mil euros mensais e passagens aéreas pagas a Lisboa todos os meses para ver a família. O Governo português ainda não se compenetrou que a profissão de médico é completamente diferente, especialmente os especialistas, porque o que está em causa é a vida de todos nós. Obviamente, que um especialista tem de ter um vencimento superior a um clínico de medicina geral, tem de ter um salário superior a qualquer função profissional. E em Portugal paga-se mal aos médicos e aos enfermeiros. Neste sentido, um grande número de estudantes de medicina durante os estudos já está a consultar a internet para indagar qual o país que lhe poderá dar mais vantagens.

Ainda recentemente, os serviços de Saúde promoveram um concurso para vagas existentes de médicos de família. Quase nenhum dos potenciais interessados concorreu, porque as condições eram deploráveis, se atendermos que um médico residente em Coimbra e se tiver que deslocar-se para Bragança a fim de exercer ali a sua profissão, logo desespera ao tomar conhecimento que nem residência lhe facilitam. O chamado SNS (Serviço Nacional de Saúde), que em boa hora o saudoso António Arnaut criou para todo o povo, não pode estar à míngua de um orçamento estatal que não compreendeu ainda que os médicos é que podem salvar as nossas vidas através de cirurgias cada vez com tecnologia e sabedoria mais avançada.

Um especialista médico, em princípio, não pode falhar no diagnóstico e na intervenção cirúrgica e para isso tem de ser bem compensado. Quando entramos no Instituto Português de Oncologia (IPO) é que damos valor aos profissionais que ali trabalham. A sapiência, coragem e aptidão que são necessárias para tentar salvar quem pensa que já não tem salvação, logo que sente os tratamentos de quimioterapia e de radioterapia. Custa-me imenso, choca-me e revolta-me mesmo, quando assisto ao peditório nacional pelas ruas do país na angariação de dinheiro para os IPO de Lisboa e Porto. Então, o Governo não sente vergonha que se chegue a tal ponto? O povinho, cheio de pena e caridade, lá contribui com o que pode, mas estou certo que será uma migalha do quantitativo necessário para fazer frente à aquisição de materiais de custos elevados. O peditório devia ser proibido pelo próprio Governo que tem a obrigação de contribuir com o pecúlio essencial e necessário nos institutos de tratamento dos cancros.

Dizia certo dia uma criança para o pai, ao entrar num hospital: – “Papá, com estes senhores da bata branca não se brinca, não é?”. O pai sorriu e deve ter pensado que o seu filho tinha razão, mas que as autoridades governamentais “brincam” e de que maneira…

*Texto escrito com a antiga grafia

30 Ago 2021

Fogos provam que drones e kamov são fiasco

Todos os anos é a mesma coisa. Chega o Verão e com ele o calor que ajuda a propagar grandes incêndios nas florestas portuguesas. Com uma agravante: os maníacos que pegam fogo às matas, ao ponto de este ano as autoridades policiais terem detectado um ex-bombeiro que já tinha ateado 40 fogos. Desta feita as populações de Castro Marim, Tavira e Ourique estiveram com as chamas a provocar-lhes o pânico. O incêndio de Castro Marim foi considerado o maior do ano até aos dias de hoje. As chamas feriram populares e bombeiros, destruíram casas, armazéns, reservas de animais e veículos ligeiros e agrícolas. Um prejuízo enorme que nunca tem compensação estatal. Está confirmado que a maioria dos incêndios é fogo posto. Uma bandidagem maníaca que grassa no nosso país que não tem vergonha em enfrentar o sistema de videovigilância instalado pelas florestas. Servem mais para detectar o início dos fogos.

Um início de fogos que devia ser anunciado através das imagens de um conjunto de drones que foi adquirido para a Força Aérea e que redundou num autêntico fiasco. Tal como os polémicos helicópteros Kamov que em 2006 custaram ao Estado 50,9 milhões de euros e que estão abandonados, os 12 drones adquiridos pela Força Aérea no ano passado custaram 4,5 milhões de euros e não têm tido utilidade alguma. Aliás, a queda de um destes aparelhos há uma semana fez com que a Força Aérea suspendesse todos os voos de drones das missões de vigilância florestal e detecção de incêndios. 12 drones para nada. Ai, Portugal, como é isto tudo possível? Não há dinheiro para se aumentar o salário mínimo nacional, para aumentar as reformas de miséria, para construir casas para pobres, mas gastam-se milhões de euros que no final atiram-se para o lixo. Isto, chegou ao ponto de Emanuel Oliveira, o consultor para organismos do Estado na área dos Riscos Naturais e dos Incêndios Florestais, ter afirmado à imprensa, surpreendentemente, “Creio que os drones pouco adiantam nos incêndios florestais. Hoje, com simuladores podemos fazer o mesmo. Ajudam tal como o sistema de videovigilância. Servem mais para apoiar a tomada de decisão em situações críticas. Não vejo que sejam muitos úteis”. E o consultor ainda lembrou que esta é a segunda vez que a Força Aérea suspende o voo dos drones no combate aos incêndios por terem sido registados quatro incidentes desde o Verão passado. E os 4,5 milhões de euros gastos na aquisição dos drones que têm sido um fiasco não foram alvo de um estudo profundo ou de uma consulta generalizada a vários especialistas antes de se gastar o dinheiro? E onde estão os responsáveis que só agora concluem que os drones não servem para nada e suspendem os seus voos? O que terá a dizer sobre esta vergonha no seio do orçamento estatal o chefe do Estado-Maior das Forças Armadas? Nada? Que se esqueça o assunto para as calendas? A verdade é que os incêndios estão a destruir as nossas florestas e nem drones nem helicópteros que custaram uma fortuna podem valer à tragédia. Inacreditavelmente, os seis helicópteros Kamov estão parados e continuarão assim. É um problema que se arrasta há anos sem existirem culpados. Este assunto insere variadíssimos problemas, incluindo com a Heliportugal, empresa que intermediou a venda dos Kamov, e onde as divergências subsistem sobre a contratação e a manutenção. Quem adquiriu os Kamov foi o Ministério da Administração Interna e ninguém tomou conhecimento que se tratavam de aparelhos muito pesados, que não servem para o terreno montanhoso português e que não servem para actuar em equipa. Não, apenas o que interessou foi comprar, gastar e certamente alguém receber a respectiva comissão pecuniária. Para o combate aos incêndios em Portugal, disse um especialista ao Hoje Macau, que “devem ser usados helicópteros de tamanho médio e ligeiros que têm outro tipo de respostas”. Entretanto, o país vai ardendo na floresta e nos cofres do Estado…

 

PS – Sem se saber onde começa a desconhecida Fundação Casa de Macau e onde acaba a Casa de Macau em Portugal propriamente dita, a Direcção da Casa de Macau, em Portugal, perdeu uma excelente oportunidade de estar calada. Enviou ao jornal um “Direito de Resposta”, sem qualquer fundamento. Um direito de resposta só tem direito a existir se for para contestar algo de inverdadeiro ou ofensivo que tenha sido publicado. A Direcção da Casa de Macau, em Portugal, iniciou a sua missiva inserindo que [Face à publicação recente de um artigo de opinião no jornal “Hoje Macau”, onde são apresentadas alegações infundadas e factos que não correspondem à verdade…]. Alegações infundadas e factos que não correspondem à verdade? Nada está referido no “direito de resposta” que demonstre ao leitor que o autor do artigo de opinião sobre a Casa de Macau, em Portugal, tivesse apresentado alegações infundadas ou factos que não correspondem à verdade. Pelo contrário, é a própria Direcção da Casa de Macau que confirma que o edifício está e tem estado encerrado, que está a precisar de obras de manutenção e nem refere quaisquer iniciativas culturais que tenha desenvolvido nos últimos anos ou convites a macaenses residentes em Portugal e a cidadãos que viveram em Macau no sentido de serem sócios. O autor do artigo de opinião sentiu-se ofendido pelo “direito de resposta” emitido pela Direcção da Casa de Macau, em Portugal, por esta ter denegrido a sua dignidade, ao redigir “factos que não correspondem à verdade”.
Este assunto só teve um lado positivo: a honra que é colaborar para um jornal tão importante que é lido em todo o mundo, especialmente em Portugal.

23 Ago 2021

Casa de Macau parece abandonada

Quando a revolução do 25 de Abril de 1974 veio para rua festejar a liberdade que não se sentia há cerca de quarenta anos, passei pelo largo do Príncipe Real, em Lisboa, e vi uns rapazolas, para não lhes chamar uns nomes muito feios, que atiravam para a rua o mobiliário e outros bens da Casa de Macau. Um absurdo que nada tinha a ver com a revolução que se vivia no país, onde a hora era de festejo. Alguns desses rapazolas, em vez de serem presos, foram para Macau e nunca mais ouvi falar deles, mas tenho os seus nomes na minha agenda. Pensei que a Casa de Macau tinha terminado os seus dias de convívio e de acções culturais que promoviam o nome da comunidade macaense.

Mas, há dias, ao visitar Lisboa, passei pela avenida do aeroporto e vi uma vivenda linda que tinha um letreiro junto do portão de entrada que dizia “Casa de Macau”. Fui investigar que imóvel era aquele? Qual não foi o meu espanto quando me disseram que aquela vivenda luxuosa estava praticamente abandonada depois de ter sido adquirida pelo Governo de Macau, durante a última administração portuguesa chefiada pelo general Vasco Rocha Vieira. Disseram-me que vieram muitos milhões de euros de Macau para que o imóvel ficasse a pertencer à comunidade macaense residente em Portugal.

A vivenda transformada em Casa de Macau parece que abriu as portas para uns almoços com um número ínfimo de sócios, a maioria composta por senhoras macaenses já de certa idade. Que a Casa de Macau nunca procurou contactar com muitas famílias macaenses e com cidadãos que continuam a amar e a ter saudades de Macau pelos anos que lá viveram. Ora, uma atitude de gestão desse tipo devia levar à imediata demissão.

Na pesquisa que realizei sobre uma instituição que devia ser acarinhada e promovida na sociedade portuguesa, como é a Casa de Macau, informaram-me que presentemente o presidente da instituição é um senhor chamado Faustino que esteve no Turismo em Macau e na delegação de Macau sob administração chinesa que desenvolveu a sua actividade na avenida 5 de Outubro, em Lisboa. Pois, o senhor Faustino devia imediatamente realizar um levantamento exaustivo das pessoas que nasceram e viveram em Macau. Procurar realizar um inventário que o levasse a convidar toda essa gente para sócios da Casa de Macau. E a partir daí, pensar na dinamização do nome de Macau por todo o Portugal através de iniciativas levadas a efeito nas instalações da Casa de Macau.

Por Macau, passaram pintores, escritores, poetas de renome, jornalistas, arquitectos, engenheiros, cozinheiros, empresários, historiadores, que muito mereciam que as suas obras ou as suas histórias fossem patenteadas na Casa de Macau. Temos de nos lembrar que Macau foi e é parte da história de Portugal. Que o nome de Macau não pode ser abandonado, especialmente, existindo uma instituição que custou aos macaenses milhões de euros e que está praticamente abandonada sem levar a efeito reuniões, exposições, palestra, seminários, convívios onde impere a culinária macaense e outras actividades que demonstrem que Macau continua vivo no coração dos portugueses que conheceram aquele enclave português inserido no Império do Meio.

O senhor Faustino tem uma grande responsabilidade depois de ter aceitado ser o presidente da Casa de Macau. Tem de se compenetrar que não pode fazer na Casa de Macau o que fez na 5 de Outubro, onde pessoas com mais de 20 anos de vivência de Macau lhe foram pedir patrocínio para escreverem livros sobre Macau e este mesmo senhor assobiou para o lado, porque o que lhe interessava eram as feiras de turismo que lhe proporcionavam benesses para a promoção do seu currículo de carreira. Quando me informaram da nova administração da Casa de Macau, acrescentaram-me logo, que ainda ninguém sabe que o senhor Faustino é o novo responsável por um marco tão importante da cultura macaense. Temos em Macau os mais diversos artistas plásticos, alguns dos melhores do mundo, por que não convidar alguns a expor as suas obras na Casa de Macau em Lisboa? Por que não convidar as cozinheiras e pasteleiras macaenses a virem a Lisboa para nos fazer saborear os seus pitéus excelentes? Por que não convidar historiadores, escritores e até antigos governantes que têm abordado a temática macaense ao longo das suas vidas e na Casa de Macau palestrarem sobre as suas experiências?

A dinamização da Casa de Macau com eventos de valor e bem promovidos a nível nacional é algo que se impõe. Macau merece não ser esquecido quando deu tanto a Portugal. É a hora de renascer o seu nome através de uma Casa de Macau que tem todas as condições para ser um vector de promoção de 500 anos de história digna e que nunca deixou o nome de Portugal nas ruas da amargura. O senhor Faustino que se lembre que Macau deu-lhe tudo o que é hoje e que a sua compensação para com o nome de Macau está agora nas suas mãos no sentido de realizar um trabalho que promova e que mantenha os laços de fraternidade que sempre existiram entre portugueses metropolitanos e macaenses. A Casa de Macau em Lisboa tem de passar a ser uma virtude constante do que foi e é Macau. Caso contrário, que se transforme o imóvel de luxo numa casa de repouso para os idosos que viveram e amam Macau.

*Texto escrito com a antiga grafia

16 Ago 2021

Os jovens não podem ter filhos

Muito se falou na semana passada pelo nosso Portugal no problema da natalidade. Parece mentira, mas o nosso país registou em 2020 o valor mais baixo de nascimentos desde 2015. Lisboa foi a cidade que rastreou mais recém-nascidos e Bragança o distrito com menor número de nascimentos. Digam-me lá como é que pode haver um número de nascimentos ao nível da Europa, se tudo está ligado: ao salário mínimo nacional, ao custo das rendas de casa, ao custo da aquisição de um imóvel, ao subsídio que o Estado facilita às novas mães, aos apoios que se dão a um casal que tenha um filho. Por essa Europa fora registam-se apoios de vulto por parte das autoridades governativas. Em Portugal, os jovens não podem ter filhos. Os jovens continuam a viver em casa dos pais. Os jovens não têm emprego.

Os jovens não têm apoio estatal para poder residirem em casas de renda acessível. Os jovens não podem comprar casa porque além de não terem dinheiro para tal, hoje em dia ninguém quer ser fiador da compra de um imóvel.

Nem os pais, a maioria deles sem possibilidades financeiras de ajudar os filhos. Uma jovem acaba o seu curso superior, tem um namorado, deseja casar ou ter um filho e desiste. Desiste porque não pode pensar em ter um filho porque não conseguirá sustentar o seu crescimento, não tem dinheiro para pagar a creche, não tem dinheiro para pagar os materiais da escola, o vestuário e quantas vezes a assistência na doença com que o filho já nasceu. Tudo isto, é o que os jovens sensatos começam a pensar e que lhes tira o sono. Como é que eu posso contribuir para o aumento da natalidade no meu país, se o meu país nada me ajuda, pensam os jovens assim que a cabeça encosta à almofada e não lhes vem o sono. Não conseguem dormir porque os seus sonhos vão todos por água abaixo. Que desgosto para um casal jovem que deseje ter um filho, ter de decidir que não é possível. É triste, chocante, desumano e traumatizante. Soube há cerca de um mês que uma jovem de 28 anos, suicidou-se quando concluiu que tinha de continuar a viver em casa dos pais e que não podia ter um filho por falta de sustento financeiro.

Quando olhamos para os números de nascimentos em 2020, o coração dói, porque é um número muito baixo, apenas cerca de 80 mil bebés vieram ao mundo em Portugal, o que não acontecia há mais de cinco anos. E os números são significativos. A realidade triste é que nasceram menos 1908 bebés do que em 2019. Lisboa e os seus subúrbios foi a cidade onde se registaram mais nascimentos, mas mesmo assim, menos 1267 comparativamente a 2019. Por todo o país o número de nascimentos diminuiu e não tenhamos dúvidas que o triste fenómeno está ligado à impossibilidade de sobrevivência de um casal jovem. Conheço pessoas com 45 anos que continuam a viver em casa dos pais, porque têm sobrevivido do subsídio de desemprego e de uns biscates que vão fazendo pelas casas e garagens dos amigos.

E depois verificou-se um fenómeno que deixou os especialistas surpreendidos. Para aqueles que pensavam que o confinamento devido à covid-19 iria encorajar os casais a procriar, enganaram-se redondamente. O ter ficado sentado no sofá a ver televisão o dia inteiro pode ser uma das causas de que o confinamento só prejudicou o crescimento populacional. A gravidade da pandemia provocou, inclusivamente, retraimento nos casais. Uma pesquisa sobre planos de fertilidade na Europa mostrou que 50% das pessoas na Alemanha e na França que planearam ter um filho em 2020 adiaram a decisão. Na Itália, 37% disseram em plena pandemia ter abandonado totalmente a ideia de ter filhos. Nove meses após o início da pandemia, França, Coreia, Taiwan, Estónia, Letónia e Lituânia relataram números mensais de nascimentos que foram os mais baixos em mais de 20 anos. E o caso da diminuição da natalidade é grave. No futuro, se houver menos pessoas em idade activa, haverá menos recolhimento de impostos para pagar aos reformados e os cuidados de saúde para os idosos que, por sua vez, estão vivendo mais anos. Para este problema são apontadas algumas soluções, tais como, aumentar a idade de aposentação ou encorajar a imigração, apesar de Portugal continuar a discriminar com laivos racistas todos aqueles que vêm de outros países.

E temos ainda outro problema grave, o relacionado com as mulheres que estão a ter filhos já com uma idade avançada, o que por vezes, segundo os médicos especialistas, tem criado graves problemas para os recém-nascidos.

E muitas mulheres já decidiram congelar os seus óvulos para terem filhos mais tarde, a fim de, segundo elas, proteger os idosos. Não sei se estão no caminho certo, o que sabemos é que o número da população jovem está a diminuir e isso é imensamente preocupante se pensarmos a longo prazo.

*Texto escrito com a antiga grafia

9 Ago 2021