Natacha Fidalgo, locutora

[dropcap style=’circle’]A[/dropcap]voz de Natacha Fidalgo não será estranha ao público de Macau. É ela que ocupa as tardes de sábado com o programa “Dois Dedos de Música” da Rádio Macau. Mas a cara por detrás da voz é iluminada por um sorriso que não significa facilidades na vida, mas antes uma força que lhe é intrínseca.
Esta menina da rádio está em Macau há cinco anos, mas a história é diferente da maior parte dos portugueses que vieram para a RAEM. “A minha história é tipo filipina”, ilustra ao recordar a sua chegada ao território.
A mãe de dois filhos (na altura com quatro e três anos) foi apanhada pela crise em terras lusas tendo deixado a família para trás. “Não era uma questão de opção, não havia alternativa se não pegar nas malas e ir em busca de sustento. Vim literalmente sem nada, aflita”, afirma com uma expressão que não esconde a forte memória.
O que lhe terá valido foi o bom acolhimento por parte de um casal amigo com quem viveu os primeiros meses. O início não foi fácil, já que Natacha “não tinha nada e passava os dias a bater de porta em porta”. Com formação em Recursos Humanos, mas com experiências de trabalho em várias áreas, “o que viesse à rede era peixe”.
Chegou no início de Junho para apanhar o final do ano escolar e tentar a sua sorte enquanto professora de Inglês. “Foi muito complicado”, recorda, enquanto fala das tentativas sucessivas e a distância dos filhos. O que fez “não foi um acto de coragem, foi sim um acto de desespero porque era a única alternativa”.
Ao mesmo tempo que lembra as saudades, Natacha Fidalgo conta uma história que não esquecerá e que acompanha a altura em que arranjou emprego e voltou a ter a prole perto de si.
“Fui a uma sapataria para comprar uns sapatos e consegui sair de lá com dois pares, um para cada um dos meus filhos. Lembro-me que, quando dei por mim, já na rua, as lágrimas abundavam por ter conseguido voltar a ter para as necessidades fundamentais, sem ter que decidir o que era mais urgente, estava feliz.”
Tinha arranjado emprego enquanto professora de Inglês numa escola chinesa e já “podia pôr o miúdo na bola e a menina no teatro”.
“Há muita gente que fala muito mal disto (Macau), mas eu não tenho nada que o fazer. Quando cheguei bati muitas vezes com a cara nas portas mas, agora, devo tudo a Macau”, afirma ao mesmo tempo que expressa que não entende o facto de outros cá estarem sem vontade. “Tenho um trabalho digno, tenho os meus filhos e faço o que gosto. Em Portugal, aos 35 anos, não me davam emprego por ser ‘velha’ e aqui senti que continuava a ter valor para ser digna e poder trabalhar. Estarei sempre grata por isso a Macau.”

“Portugueses tenho em Portugal”

A vida tem continuado e os projectos alargado. Até ao ano passado dava aulas de Inglês na escola chinesa de matriz cristã. Este ano mudou de rumo: está numa pequena escola chinesa de matriz confuciana e esta experiência com a comunidade local de origem chinesa só tem trazido “mais valias à vida”.
Quando refere que é professora, as pessoas presumem de imediato que está na Escola Portuguesa de Macau, ao que Natacha Fidalgo responde prontamente que “portugueses há em Portugal”, não lhe fazendo sentido que estar numa comunidade sem a entender, sendo este tipo de experiência fundamental.
Por outro lado, no ensino chinês, o professor é respeitado e a própria metodologia está a mudar. Não é contratada para “despejar e mais nada, as coisas estão a mudar e cada vez mais, dentro de alguns limites, uma das exigências que se fazem é mesmo que, por entre os conteúdos curriculares se ensinem estratégias de pensamento e de capacidade crítica por um lado, e por outro que se desenvolva a criatividade nas crianças. “Na comunidade chinesa não é fácil, mas é muito desafiante fazer parte desta mudança”, frisa.

Para além da rádio

Não contente em ser apenas a menina da rádio, mete-se em todo o tipo de projectos, desde a educação ambiental à sensibilização para a pobreza e a implementação de acções de solidariedade. São várias as áreas em que investe o seu tempo.
“As pessoas têm que fazer aquilo que gostam”, avança Natacha Fidalgo. Quando se fala na rádio relembra a “garota de 16 anos que animava uma pequena rádio pirata”. Com o passar do tempo, em Macau, quis encontrar este amor antigo.
“Não podia ser nada a sério porque não tenho formação e ninguém me aceitaria com um currículo cuja experiência era na adolescência em rádio pirata”, ilustra com uma gargalhada. “Para um programa de autor até podia dar”, confessou. Por gostar de pessoas e considerar que “todos são especiais” criou o “Dois Dedos de Música”, onde convida para cada edição alguém que fica encarregue de fazer a playlist do programa. “Com a música as pessoas ‘despem-se’ e acabamos por ficar a conhecer uma centelha da alma de cada um enquanto passamos uma boa tarde de sábado”, explica. Por outro lado, diz, esta é uma oportunidade para todos experimentarem “a magia da rádio”, da qual gosta tanto.

30 Set 2016

Phoebe Tong, artista: “Macau ainda não tem uma mente aberta”

[dropcap style≠’circle’]P[/dropcap]hoebe Tong estudava Marketing em Melbourne, na Austrália, e regressou há três anos ao lugar que a viu nascer. Formada em Artes, a jovem decidiu abrir caminho ao empreendedorismo e criou, para tal, uma página na rede social Facebook. “Tongbay Macau” oferece um serviço de desenho, caricaturas e retratos a quem quiser decorar a casa à sua maneira.
A ida para a Austrália teve como base a opinião da família. Melbourne é uma das cidades mais conhecidas no que toca à Arte, confessa a jovem ao HM, e essa é uma das razões por que optou por ir para a terra dos cangurus. Entre a vida e o desenho, Phoebe deixa espaço para outras coisas de que gosta muito, como dançar. Mas o desenho está presente desde a sua infância e, durante os estudos na Austrália, a forma como a Arte era apresentada pelos seus colegas levou a jovem a abrir a mente.
“Alguns amigos faziam espectáculos na rua e desenhavam caricaturas ou retratos. Achei interessante e comecei a fazer o mesmo”, explica, acrescentando que chegava a fazer retratos simples em cinco minutos, entre os intervalos das aulas.
“Como chegavam muitos turistas todos os dias àquela cidade, o ambiente artístico interessou-me imenso e comecei a oferecer serviços de desenho rápido na zona turística de Melbourne. Quando voltei a Macau, precisava de trabalhar, mas queria a continuar a desenhar, portanto criei a página na Facebook para receber os pedidos de desenho”, explica.
Mas Phoebe tem outros desejos. Gostaria de introduzir esta cultura no território, ainda que afirme compreender que ser artista de rua é uma profissão menos popular por cá e a arte não é algo visto como principal em Macau.
Ainda assim, Phoebe vai continuar, porque sente que as pessoas ficam “felizes por receber desenhos feitos à mão”. Algo que a jovem “adora” e vê como muito especial.

Momentos especiais

O sucesso, aparentemente, não se fez esperar. Phoebe recebeu vários pedidos locais, mas também de fora, como Taiwan e Hong Kong e da Europa. Algo que, confessa, a surpreendeu muito, porque não previu que o feedback para o seu trabalho levasse a tanta agitação. Nos últimos três meses, recebeu centenas de pedidos.
“Muitas pessoas até gostam de levar as minhas obras como um presente para os amigos finalistas das universidades”, diz, sorridente.
Mas Phoebe destaca um dos pedido que foi o mais inesquecível: a cooperação com a Richmond Fellowship of Macau, uma associação social sem fins lucrativos. A jovem faz desenhos e ajuda os deficientes mentais que estão a receber tratamento na instituição a fazer flores secas, combinado as duas para vender como um presente.
“Embora tivesse sido paga pelo trabalho, doei parte das receitas para esta associação social”, disse com satisfação. Outro dos pedidos que destaca é o de um fã de voleibol, que lhe pediu para fazer alguns cartazes para as jogadoras brasileiras durante o Grand Prix de Voleibol de Macau. A verdade é que os cartazes de Phoebe chegaram às mãos das jogadoras.

E o futuro?

Como trabalha numa empresa grande, na qual é responsável de Marketing, Phoebe ainda divide o seu tempo entre a Arte e a vida profissional. Questionada sobre se pensa em deixar o trabalho para se dedicar a 100% ao mundo dos pincéis, a jovem define prioridades: viver os nossos sonhos é algo que os jovens pensam muito hoje em dia, diz, mas tem de se ganhar o pão. A solução é “encontrar um equilíbrio entre os interesses pessoais e a vida profissional”, deixando, por agora, o seu tempo livre para desenhar.
Sobre a aceitação desta cultura como uma cultura de rua, Phoebe acha que Macau ainda não tem uma mente aberta suficiente. Falta promoção e um lugar onde possa, efectivamente, haver mostras de rua.

23 Set 2016

Airi Oguri, estudante japonesa de Português

[dropcap style=’circle’]A[/dropcap]ntes do boom desenfrado do turismo chinês em Portugal, já os japoneses gostavam de visitar o país e os seus lugares mais tradicionais. Airi Oguri, jovem estudante de Língua Portuguesa da Universidade de Macau (UM), confirma isso mesmo. “Portugal é um país muito semelhante ao Japão e é o melhor país para os japoneses morarem.”
A jovem apaixonou-se pela língua de Camões muito cedo, aos 16 anos. Em Macau encontrou o lugar certo para aprender e explorar todos os idiomas que aprendeu. Contudo, ainda fala Português de modo tímido, como quem tem medo de errar e necessita de analisar cada expressão portuguesa e cada palavra que ainda lhe é estranha.
“Estudei um ano no Brasil quando tinha 16 anos de idade. Depois entrei para a Universidade de Estudos Estrangeiros de Quioto para não esquecer o Português que tinha aprendido”, contou ao HM. Apesar de já ter visitado Portugal, há cerca de quatro anos, é para o Brasil que Airi quer voltar um dia, talvez por se sentir tão próxima do país das praias e do samba.
Natural de Wakayama, a sul da cidade de Osaka, Airi Oguri deseja também aprender Chinês. “Quero aprender esta língua porque também é importante para arranjar trabalho no futuro, por isso decidi vir para Macau.”
Neste momento a estudante encontra-se no Japão, mas é para a RAEM que deseja voltar. “Acho que só aqui posso aprender mais sobre as minhas outras línguas, como o Português, o Chinês ou o Inglês.”

Macau, terra desconhecida

Quando chegou à pequenina Macau, Airi Oguri não sabia os lugares para onde podia sair e onde podia comer. Esteve um ano aqui mas não conheceu apenas o pequeno território, tendo optado por viajar por outros países da Ásia.
“Passei seis meses em que estava muito pouco tempo em Macau e praticamente só viajava para outros países, porque as viagens aqui são muito mais baratas. Mas aqui também tive experiências interessantes. Comecei a ir muito às piscinas e saía com as minhas amigas. A minha experiência em Macau foi óptima”, revelou.
Dos lugares por onde passou, Airi Oguri tem mais saudades das Filipinas, “porque tem praias lindas”, e Taiwan, onde diz ter muitos amigos.
Macau até seria um bom território para viver, dado os elevados salários, aponta. “Vivi um ano como estudante e achei caro, tinha sempre de me preocupar com os preços para não gastar muito. Mas acredito que deva ser um sítio interessante para viver. Macau tem uma coisa boa que é o facto de ficar muito perto da China ou de Hong Kong. Foi um sítio onde fiz amigos de várias nacionalidades e não apenas chineses.”
Quando não está a estudar, Airi Oguri gosta de se exercitar no ginásio, para manter a boa forma. Enquanto espera por uma oportunidade, a jovem continua a sonhar com a sua profissão ideal.
“O meu sonho é ser consultora na área social e nos seguros, gostava de um dia poder ter a minha própria empresa.” Para atingir o seu objectivo, a jovem já tem o seu caminho bem definido. “Para realizar esse sonho tenho de estudar várias línguas e tirar vários cursos. É por isso que gostava de morar fora do Japão, para não me esquecer das línguas”, conclui.
Em Macau, Airi não deixou de frequentar bares bem portugueses e beber a típica cerveja com amigos lusos e estrangeiros. A cada palavra nova aprendida no decurso das conversas banais mostrou uma imensa curiosidade.
Para ela, esta entrevista, que a deixou muito feliz, também representou uma oportunidade para se dar a conhecer e para praticar mais a língua à qual já deu tanta dedicação, contou.
Quando lhe perguntamos como descreve Portugal, Airi Oguri utiliza uma palavra única, que nos define por inteiro e que não tem sequer tradução numa outra língua: a saudade. Apesar de a ter aprendido na sala de aula, numa terra que é chinesa e também portuguesa, é saudade que Airi Oguri parece sentir. Saudade de Portugal, que visitou há quatro anos com a irmã. Mas saudade também do Brasil, dono de um outro Português que lhe é familiar.

15 Jul 2016

Telmo Gongó, chef de cozinha: “Um dia senti o chamamento”

[dropcap style≠’circle’]T[/dropcap]elmo Gongó é o chef natural de Leiria que está a dirigir o leme da cozinha do Tromba Rija de Macau há cerca de dois anos e meio. O mundo da cozinha sempre foi um fascínio para o profissional de 34 anos. A paixão vem de família e as tardes passadas com a avó foram o primeiro passo para apurar o gosto pelo que se faz ao fogão.
“Cresci com a senhora minha avó, que estava sempre em casa e na cozinha. Foi ela que me ensinou a cozinhar arroz e me explicou como se cozinhava massa”, conta-nos.
Podia ter tido uma carreira no desporto, mas outros valores se levantaram. Aos 17 anos jogava andebol numa equipa de primeira divisão e “até iniciou os estudos para prosseguir com a carreira de professor na área”. Mas pelos vistos, os pratos é que marcaram golo e ganharam o campeonato num lance repentino e certeiro.
“Um dia senti o chamamento. Desisti de tudo e entrei para um curso de cozinha. Foi amor à primeira vista.”
Um amor que tende a durar sem divórcio à vista, até porque o prazer sentido por quem gosta de comer também parece ser comum a muitos.

Ásia na mira

Foi o gosto por ver o gosto dos outros pela arte de saborear que incentivou o chef para a “criação dos seus próprios pratos e receitas.” Criar sabores exige experiência, não só de cozinha, como de gentes, lugares ou de mundo, e foi neste contexto que Telmo Gongó arrumou as malas e veio, de repente, para Macau. O continente asiático até já estava na lista das visitas gastronómicas e quando surgiu o convite para dirigir a batuta da cozinha do restaurante situado na Torre de Macau a resposta foi inequívoca.
“Foi um  sim sem dúvidas ou hesitações e sem olhar para trás”, relembra.
Na origem da vontade que alimentava o sonho que agora faz parte da realidade estavam os “mercados de rua com as suas imagens e cheiros e possíveis sabores, o peixe vivo a saltar nas bancas e a variedade conferida pelas especiarias” que tanto fazem parte do continente e da sua gastronomia. Mas não há bela sem senão e Telmo Gongó aponta o dedo para a “falta de cuidados no controlo de higiene. Falta sem dúvida alguma dar esse passo”.
É também o peixe que faz os seus deleites quando pega no tachos por cá. “Gosto de cozinhar peixe, especialmente bacalhau e polvo, que são ingredientes muito apreciados aqui.”
Mas o menu muda quando está do outro lado da mesa, sendo que o que lhe apraz saborear é mesmo a galinha africana. Não se trata aqui unicamente de pupilas gustativas, mas sim de um conjunto de factores histórico-culturais que fazem deste prato “uma refeição ainda mais apetecível”.
Para Telmo Gongó a receita “é uma fusão das culturas trazidas pelos escravos e povos que vinham nos barcos do ultramar”, diz-nos, acrescentando que “é um prato que traz uma herança que se reflecte quando se come”.
Na Ásia, já deu um pulo à Coreia do Sul e ao Japão movido pela curiosidade gastronómica. Da Coreia retém a morcela de sangue com arroz, prato típico da cidade que o viu nascer e que, com espanto, voltou a saborear numa receita idêntica tradicional deste país do Oriente. O Japão não é uma escolha só para visita, mas sim um “lugar de sonho para viver” sendo “uma civilização, uma cultura e uma gastronomia maravilhosas”.

Macau de surpresas

Da experiência pela Terra do Nome de Deus sublinha a surpresa que tem diariamente ao verificar que todos os dias “aprende uma coisa nova”, o que lhe confere uma vida pouco rotineira e de somas de conhecimento. É neste sentido que, com a devida humildade, desconhece o que lhe falta ainda aprender estando sempre disposto a assimilar o que “os dias de hoje e amanhã têm na manga para ensinar.”
No entanto, e sem dúvida, o Mandarim é uma falha neste processo de aprendizagem, considera o chef: “aprender Mandarim dava muito jeito aqui”, diz, relembrando que as dificuldades na linguagem são uma constante para quem lidera uma cozinha e tem que comunicar diariamente com os funcionários locais sob risco de que as coisas não saiam como deveriam.
Por outro lado, o crescimento desenfreado e sem olhar a meios da região não lhe passa despercebido. Amante da natureza, vê Macau com potencial para ser um exemplo a nível mundial, não fosse a má ordenação do território. “Devia ser uma cidade verde”, remata.

8 Jul 2016

Vitória Fong, aluna de português: “Primeira impressão que tive da língua foi muito boa”

[dropcap style≠’circle’]V[/dropcap]itória Fong gosta de aprender línguas. No início, a agora jovem aluna finalista do curso de Língua Portuguesa não sabia porque decidiu estudar a língua de Camões. Mas o facto de ter sido transferida directamente da sua escola secundária para estudar na Universidade de Macau e de nesta instituição ter sido considerada uma das melhores alunas a Português permite, agora, perceber que a escolha foi bem feita.
Depois de quatro anos de estudos, fala fluentemente a língua em que escrevemos. A jovem até fez a candidatura também para estudos em Inglês, mas teve de se decidir por um dos cursos, já que a UM só permitia uma opção. Vitória explica-nos a escolha.
“Achei que o Português, sendo uma língua oficial, poderia trazer mais vantagens do que os estudos de Inglês, portanto, optei pela língua de Camões” diz-nos, com um sorriso.
Sobre a dificuldade de estudar esta língua, Vitória explica-nos que a atitude na aprendizagem é algo muito importante. “Mesmo que um estudante tenha recursos bons, como os professores, as matérias e outras, se não tiver uma atitude positiva, ou seja não tenha qualquer interesse em estudar a língua, não vai conseguir aprender bem o idioma”, exemplifica ao HM.
Vitória dá-nos um exemplo: um professor chinês de Língua Portuguesa é importante para os estudantes, porque “cria um base” para os alunos, ainda que os estudantes chineses não “possam depender tanto desses professores chineses, senão, a capacidade de falar a Língua Portuguesa não vai melhorar”.
“Comecei do zero em Português e a primeira impressão que tive da Língua Portuguesa foi muito boa, a minha professora foi muito simpática e isto quebrou o conceito que tinha sobre os professores, diz-nos a jovem local, que ganhou o prémio de Melhor Aluna da Casa de Portugal em 2015.
Além do galardão, Vitória conseguiu uma boa nota durante os estudos na UM. Qual o segredo para tal? “Uma grande atenção nas aulas”, diz-nos, juntamente com alguns esforços fora da sala. “Não sou muito trabalhadora, mas estou atenta a tudo o que os professores dizem, faço o que pedem e, às vezes, vejo e leio o que me interessa em Português. Só assim.”

O futuro na RAEM

Sobre o futuro para os finalistas de Português, Vitória diz que a maioria dos seus colegas aspira ser tradutor na Função Pública, mas nem isto é fácil: neste momento, podem apenas procurar emprego sem qualquer relação com a língua, confessa-nos, porque não existem muitas oportunidades. Além disso, alguns colegas consideram não ter uma qualificação suficiente para procurar um emprego que tem como base o Português, pelo que optam por outras áreas.
Mas, a jovem de 22 anos já tem os planos traçados: quer ser professora de Português, até porque já acabou a licenciatura e quer dedicar-se à área da Educação. Mas Vitória ainda tem muito que caminhar: vai continuar os estudos na UM e já se candidatou a um mestrado de Linguística, porque ainda não há um curso de Educação em Português no território.
“As instituições pedem uma qualificação elevada nesta profissão, como cinco anos de experiência educativa ou um certificado do curso de Educação em Português, mas no interior da China, o caso não é assim e alguns finalistas de mestrado podem ensinar nas faculdades ou nos colégios de línguas estrangeiras” diz-nos, acrescentando que o Governo deveria oferecer mais oportunidades de ensino para os residentes poderem fazer alguns estágios.

Entre Macau e Portugal

Nascida em Macau, Vitória reconhece que há uma diferença evidente entre a educação a Ocidente e Oriente. Conta-nos que fez um intercâmbio em Coimbra e relata que viu “que as crianças estavam muitos felizes a brincar” cá fora, algo que “nunca acontece em Macau, o que mostra que a forma de educar é muito diferente entre os dois territórios”. Ainda assim, a jovem preferiu estudar Português em Macau, porque acha que o território tem tudo o que Portugal tem no ensino do Português.

1 Jul 2016

Gordon Yu, Organizador de festas e DJ: “Gentes de Macau precisam abrir a cabeça”

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]asceu em Macau, tem 35 anos e organiza festas ou trabalha como DJ desde há mais há mais de 16 anos.
“Era uma loucura”, diz, “tinha uns 16 anos, era o tempo das ‘raves’ e havia muitas festas. Fiquei admirado com a música e a paixão por isto começou aí”, confessa Gordon, explicando ainda que “foi nessa altura que a música electrónica primeiro se fez sentir em Macau”.
Foi há quase 20 anos e, na altura, “não havia dinheiro para os pratos e a misturadora”, diz Gordon.
Com uns amigos juntaram algum e assim conseguiram comprar o primeiro conjunto de mistura. Aí surgiu o Kit Leong para os orientar.
“Posso considerar o Kit o meu mestre. Ensinou-nos a misturar e a organizar festas”.
Não é fácil organizar festas. A falta de espaços é o principal problema que Gordon encontra. Mas tenta.
“Ando sempre à procura de um local que ninguém se tenha lembrado para organizar uma festa. Mas geralmente acabamos sempre no LMA ou no Kam Pek”
Antes trabalhou na extinta Lótus (no Venetian) mas desde que o espaço encerrou tem agido por conta própria.
A atracção pela música fez com que desistisse da escola cedo no final do secundário mas admite voltar a estudar um dia
“Talvez venha a estudar para engenheiro de som ou algo assim”, confessa.

Álbum para breve

“A minha música preferida? Techno”, diz Gordon sem denotar a mínima dúvida.
“Começou com o Derrick May, o lendário DJ do techno de Detroit”, explica.
Mas para além de passar o que os outros produzem, Gordon dedicou-se recentemente a produzir um álbum de originais mas recorrendo a instrumentos antigos.
“Queria instrumentos electrónicos a sério”. Encomendaram-nos e aguardam com alguma ansiedade.
“Mandámos vir a Roland TR e o velhinho Mother 32 da Moog” diz, híper animado.
“Estamos a preparar um ‘live set’ e esperamos editar um vinil também com 10 faixas.” O trabalho deve estar concluído ainda este ano mas lastima a falta de apoios. Todavia, desconhecia o programa do governo de apoio à produção de álbuns.
“Concorri uma vez ao Fundo as Indústrias Culturais”, disse, “mas fiquei desmoralizado com o resultado.” “Disseram-nos que não era negócio”, explica. A ideia era montar um estúdio num prédio industrial para formação musical, gravação e com um espaço para apresentações ao vivo. “Tipo o “Boiler Room” da Mix Mag”, percebe? Mas isso para eles não era negócio.”
Para Gordon não existe um verdadeiro interesse em apoiar os artistas locais.
“A ideia que corre no meio artístico é que se não tiveres grandes contactos no governo nunca vais conseguir apoio nenhum”, lamenta.
Por isso, não pensa concorrer a fundos. A solução é ir tentando por ele mesmo.

Terra aborrecida, sem cultura

“Qualquer dia, vou para Berlim”, desabafa Gordon quando começámos a falar da vida em Macau, “pois talvez lá consiga desenvolver-me”, diz.
“Macau está para lá de aborrecido”, diz, atribuindo culpas à falta de cultura e à incapacidade dos locais em se aprimorarem.
Em relação à falta de cultura, Gordon atribui grande parte da culpa ao Governo.
“Apoiam pouco artistas como eu. Acham que música techno e electrónica é igual a drogas.”
Propusemos imaginar-se no lugar de Chefe do Executivo. “Mais cultura e mais apoios para quem a pretende desenvolver”, diz sem hesitar. “Percebo que os casinos façam falta. Mas não deixava abrir tantos. Prejudica a cultura”. “Não temos entretenimento, não temos cultura. As pessoas vêm para aqui apenas para jogar”, lamenta.
Mas a dificuldade é quando artistas internacionais lhe pedem para lhes mostrar sítios pitorescos que revelem a cultura local.
“Já não sei que dizer”, desabafa, “digo-lhes que Macau é só casinos e pronto”, explica Gordon que resume dizendo que ,“não temos orgulho em mostrar a terra. A vida nocturna é atroz. Os bares, horríveis… até os karaokes, a maioria tem maus sistemas de som. As pessoas de Macau não pensam muito no que fazem.”
Estávamos a entrar no cerne da questão. Mas a culpa seria apenas do Governo ou as pessoas também terão algo a ver com isso?
“Não se preocupam em fazerem bem”, diz Gordon em relação aos locais.
“Abrem negócios por ouvirem dizer que fazem dinheiro sem saberem o que estão a fazer. Passados uns meses já estão a passar o espaço”, indica.
Para o DJ, “as pessoas deviam preocupar-se mais em estudar os assuntos.”
“Temos internet, mas nem isso usam. Não há desculpa”, lamenta-se.
“Precisam de abrir a cabeça e deixar de ser preguiçosas”, conclui.

Nas chinesas não dá

Voltávamos à ‘movida’ de Macau, ou à falta dela. Com tanta gente nova em Macau porque não existe um seguimento mais forte da cena underground?
“Porque quando eu era novo não havia EDM. Era só música a sério”, diz.
“Às vezes vêm uns miúdos às nossas festas mas acham aborrecido.”
Será falta de promoção? Porque não levar as festas às escolas?
“Só se for na Escola Portuguesa”, diz Gordon sem hesitar.
Quisemos saber porquê.
“Conheço bem as escolas chinesas. Tentei muitas vezes. Só querem os estudantes a estudarem mais. Não fazem festas. Com eles é mais jantares em restaurantes chiques ou alunos a cantarem modinhas locais. Só a Escola Portuguesa teria atitude para uma coisa dessas”, e prometeu ir mesmo reflectir sobre o assunto.

24 Jun 2016

Marta Silva, estudante do curso de tradução português /chinês

[dropcap style=’circle’]C[/dropcap]hegou aos 18 anos com a vontade de abraçar um mundo que não era o seu, mas que acabou por fazer parte da sua vida. Marta Silva, estudante do curso de tradução e interpretação em português/chinês, viveu um ano em Pequim e tem estado em Macau e não se arrepende da decisão que tomou: a de conhecer uma cultura totalmente diferente da sua.
“Encarei isto como sendo a minha oportunidade, porque nunca tinha tido a oportunidade de viajar até tão longe. Este curso era perfeito pois estaria a estudar tradução e ao mesmo tempo estaria a vivenciar uma cultura completamente diferente”, contou ao HM.
Marta Silva viveu no meio do rebuliço que é Pequim. Apesar das dificuldades constantes, a estudante retirou o máximo da experiência de situações boas e menos boas. “Conheci pessoas espectaculares e outro tipo de consciencialização acerca do mundo e das pessoas. Mas ao início senti que tudo era estranho, porque nunca tinha andado de avião na vida. Fascinou-me estar num sítio que literalmente nunca pára, mas depois numa outra fase começou a ser chato tanta confusão, filas para tudo. Começou a ser chato não ter espaço para mim. Muitas vezes fiquei chateada por não perceber ou ver o sentido em certos procedimentos da cultura chinesa e a forma de pensar dos chineses. Mas depois acabei por me habituar a tudo isso”, frisa a estudante. martasilvaFB_3
“Numa experiência deste tipo temos muitas situações em que sentimos medo, queremos desistir e temos muitas saudades de casa. Mas esses momentos são necessários. Quando saímos da nossa zona de conforto é quando começamos a conhecer-nos a nós mesmos. Há quem diga que um curso destes não é para toda a gente, e de certa forma concordo com isso”, aponta.
Para além do desafio de viver na capital chinesa, Marta Silva começou a ter os primeiros contactos mais directos com os caracteres chineses, depois do arranque do curso em Portugal. “O mandarim não é mesmo nada fácil. Requer muito estudo e muita prática diária. As palavras têm sons muito curtos, o que nos pode deixar bastante perdidos quando ouvimos um chinês falar, porque parece uma maratona.”

Oásis português

Se em Pequim Marta Silva sentiu saudades da comida portuguesa e dos produtos típicos, a verdade é que em Macau acabou por se sentir no seu país. “Em Macau sinto-me perto de casa”, recorda. “Vivi nos dois sítios e percebi logo os contrastes. Temos as ruas com as típicas tascas e bancas de rua, onde se percebe que vivem as famílias mais pobres, e depois temos edifícios altamente luxuosos. Gostei um pouco mais de Macau pelo facto de ser o contrário de Pequim, por ser mais pequeno, por ter menos poluição, pelo facto das pessoas serem mais simpáticas.” “Aqui sinto-me mais perto da minha cultura, dos meus sabores, podendo continuar na China”, acrescentou.
Marta Silva destaca ainda a presença do património português. “Gosto de passear em Macau e ver o rasto da nossa história deixado por aqui. Por momentos esqueço-me que estou na China, pois muitas das ruas fazem-me lembrar a Lisboa antiga”, conta a estudante.
De Macau guarda a memória de um caso em que a polícia não a ajudou, mas confessa que um dia até gostava de ficar a viver neste pequeno território. “Identifico-me mais com Macau do que com Pequim. Não me importava nada de ficar aqui a viver.”
Com o curso ainda por acabar, a cabeça de Marta Silva já fervilha com alguns projectos que pretende realizar. Mas os entraves ainda existem. “Sinto que ainda preciso de melhorar muito o meu chinês se quiser mesmo trabalhar com este idioma. Quatro anos de curso não são suficientes para obtermos um bom nível. Gostava de trabalhar como tradutora freelancer ou ser intérprete de grupos de pessoas em viagens de negócios”, aponta.
Da Macau quase portuguesa Marta Silva leva também a percepção do lado mau das mesas de Jogo. “Há os esquemas da noite, os negócios ocultos, a lavagem de dinheiro, a corrupção, o crime, os contactos que são feitos por interesse. Mas penso que o facto de Macau ser uma cidade de Jogo lhe traz mais benefícios”, conclui.

17 Jun 2016

Ariel Tang, designer: “Saí para encontrar o que gosto”

[dropcap style=’circle’]P[/dropcap]arece que quem trabalha na área da arte e design não tem um caminho fácil. Não basta gostar, também é preciso ganhar dinheiro. Mas Ariel Tang rompeu com um estilo de vida estável, deixou o seu trabalho e dedica-se hoje à área do design. “Sempre gostei de desenhar e comecei a contactar com o mundo das artes desde a escola. Os professores deram-me essa oportunidade. Entre o sétimo e o décimo segundo ano eu e uns colegas fizemos os boletins de turma, os professores sabiam que eu gostava de fazer isso”, contou ao HM.
Em 2007 chegou a altura de escolher um curso superior e Ariel Tang considerou que as indústrias culturais e criativas ainda não eram muito desenvolvidas e poucas pessoas estudavam design. Então resolveu escolher o curso de gestão empresarial, respondendo às expectativas da família para garantir um bom emprego no futuro.
Contudo, a formação não trouxe grande satisfação à jovem. “Depois de acabar a licenciatura, trabalhei em várias empresas, o último emprego que tive foi num banco. A remuneração era relativamente boa, a vida estava tão estável que eu só pensei em fazer o que gosto mais”, apontou.
Em 2014, Ariel conseguiu a oportunidade de estar presente na Feira de Arte na Praça de Tap Seac sem pagar a concessão do espaço e então começou a vender as suas obras. São postais, calendários, capas para telemóveis ou estátuas de madeira cujo design é totalmente feito por Ariel, sempre com os gatos como inspiração.
“Tenho gatos em casa e sempre quis desenhá-los, penso que devem haver outras pessoas que gostem de animais. O resultado foi bom e vendi os meus trabalhos rapidamente”, lembrou.

Criar e gerir

Depois de várias participações na feira, Ariel criou a “Little DoDo NaNa”, uma página na rede social Facebook para desenvolver os seus próprios produtos. “Para além de saber desenhar, entendo que também é preciso saber como gerir a venda dos produtos. Combinando com os meus conhecimentos em marketing, surgiu-me a ideia de desenvolver os gatos como uma personagem e uma marca. Espero que no futuro alguém queira usar esta marca em outros produtos.”
Mesmo sendo bem sucedida no mundo das artes, Ariel continuou o seu trabalho no banco. Até que no final do ano passado tomou uma decisão. “O meu chefe no banco queria que eu aprendesse coisas novas mas disse que eu não estava muito entusiasmada. Sabia isso porque nunca gostei da área. Depois da segunda participação na desisti do trabalho e comecei a estudar design.”
Ariel teve sorte: conseguiu entrar na licenciatura em design gráfico do Instituto Politécnico de Macau (IPM) com uma bolsa de estudos. Já nessa altura a família estava preocupada com o facto da jovem poder vir a ficar sem rendimentos.
Hoje em dia a jovem artista continua a trabalhar como freelancer. Faz design de interiores e trabalhos de design gráfico como, por exemplo, cartões de contactos para vários negócios e pessoas. A jovem vende alguns produtos em lojas e num website com alguma projecção lá fora. Para ela, esses pequenos trabalhos e colaborações fazem com que ela consiga manter alguma estabilidade financeira. Quando acabar a licenciatura, Ariel pretende tornar-se numa verdadeira designer, com mais profissionalismo.
Depois da mudança de rumo, Ariel não se arrepende da decisão de estudar gestão empresarial, porque acabou por se revelar útil no seu actual negócio. Na feira do Tap Seac conheceu amigos e pessoas da área das artes, mas lamenta o grande número de desistências.
“Há pessoas que não olham para a arte de forma série e acham que não têm um elevado salário, por comparação à maioria das pessoas. São poucos os que têm vontade de se dedicar apenas a esta área porque estão mais preocupadas com o dinheiro. Isso é uma realidade em Macau”, notou.
Ariel considera-se ela própria um exemplo muito raro porque nem todos conseguem fazer o que ela fez: mudar de vida. Para ela, o que importa é ganhar dinheiro com o que se gosta, sem dar importância ao que os outros dizem.

10 Jun 2016

Ana Rita Amorim, tradutora e revisora

[dropcap style=’circle’]É[/dropcap] uma mulher do mundo e uma força da natureza. Ana Rita Amorim nasceu em Luanda, mas bem cedo voou para Portugal. “O meu pai era militar em Luanda e a minha mãe foi lá ter com ele. Por isso nasci lá, mas não estive muito tempo. Com três ou quatro ano voltámos para Portugal”, começa por contar ao HM.
Ana Rita Amorim é tradutora e revisora no Museu das Telecomunicações e não tem dúvidas de que Macau é a sua casa. “Eu sou de Macau, sinto-me como macaense. Esta é a minha terra”, aprontou-se a colocar os pontos nos “is”.
Foi aos 18 anos que Ana Rita, a viver em Portugal, decidiu “experimentar a vida”, fazer as coisas por ela. “Isto foi no início dos anos 90, foi numa altura em que Portugal ficou economicamente numa situação complicada, não se contratavam pessoas, era difícil arranjar um trabalho onde contratassem mais do que três ou seis meses. Havia trabalho, mas eram coisas temporárias, não nos dava segurança nenhuma”, recorda.
Em 1997, surge a oportunidade de vir até cá. “Se não gostasse, sabia que passado dois anos com a transferência [de soberania] voltaria para Portugal, para ao pé da família. Pensei que seria uma experiência interessante”, conta. Sem ter de tratar de toda a burocracia inerente às fronteiras e documentação necessária, Ana Rita Amorim não hesitou e comprou uma viagem de vinda para Macau.
“A ideia foi: ‘vou comprar um bilhete só de ida para me obrigar a ter que encontrar um trabalho lá para pagar o de volta’. Isto eu tinha de cumprir”, conta, mostrando o perfil de aventureira que tão bem a caracteriza.

Do outro lado

A chegada a Macau não se mostrou uma surpresa feliz. “Quando cheguei, odiei. Não gostei nada. Os dois primeiros três meses foram difíceis, não gostava de nada, estava tudo em obras, o clima não me agradava. Custou-me muito”, recorda.
Contrariamente ao que pensava, a comunidade também não se mostrou fácil de conquistar. “A pessoa que chegava a Macau, nos anos 90, sentia-se quase que isolada. Existiam muitos portuguesas, mas parece que quase não os via. Sentia-me perdida e não falar a língua não ajudou”, aponta. Facebook
A vida está sempre em mudança e, mesmo o que parece certo pode, de um dia para o outro, mudar. Foi isto que aconteceu com Ana Rita Amorim e a sua relação com o território.
“Aconteceu uma coisa muito engraçada. Depois de arranjar trabalho e de me estar a tentar a habituar à vida de casa, saí de Macau, fui viajar. Nesta primeira viagem de férias, dei por mim a sentir falta das pessoas daqui e de Macau. Houve uma mudança em mim”, recorda.

Amor para sempre

Entretanto as amizades começaram a ser cada vez mais fortes. “Quando dei por mim tinha-me apaixonado por Macau, pelas suas gentes, pelo trabalho, pelo cultura”, assume. Mais do que isso, Ana Rita Amorim encontrou o amor, um amor que momentos antes de poder ir estudar para a Escócia a fez ficar por aqui. Um amor que trazia consigo filhos e que Ana Rita Amorim assumiu como seus. “São meus filhos, são os meus filhos, todos”, faz questão de deixar claro.
Não esquece que depois da transferência da soberania o seu contrato de trabalho não foi renovado. “Na altura foi difícil encontrar emprego. Mas eu não podia ir embora, tinha aqui tudo, a minha família. Eu já era de cá”, explica. Entre trocas, foi nos Correios de Macau que assumiu funções nos últimos dez anos, estando nos últimos sete no Museu das Comunicações. Local em que, diz, adora trabalhar.

Vencer sempre

São 21 anos em Macau e de muita vida. “Eu já me sinto na cultura aqui, por exemplo, a minha passagem do ano é no Ano Novo Chinês. Visto-me de vermelho. As tradições que sigo são as de cá”, partilha.
Quem conhece Ana Rita Amorim percebe que a energia vive nela. Apaixonada por desporto, a tradutora não se recorda de uma modalidade que não tenha praticado. Aficionada por futebol, com 43 anos, é jogadora na equipa feminina de Macau Show di Bola. Mas, desengane-se quem ache que isto é tudo. É que Ana Rita não passa sem um bom treino de Crossfit. “Adoro desporto”, reforça.
O amor é tanto que a jogadora gostaria de passar para treinadora. “No futuro gostava de tirar um curso de treinadora de futebol ou assistente. Acho que Macau não investe muito na parte feminina do futebol. As mulheres jogam até muito tarde com os homens e depois são um bocadinho largadas. Gostava de pegar nessas jogadoras e trabalhá-las. Isto tem futuro em Macau, porque aqui é um ponto de culturas”, remata.
Mãe, mulher, profissional e atleta, Ana Rita Amorim veio para ficar e daqui não sai.

3 Jun 2016

Hallonia Lai: “Ninguém gosta deste Macau de agora”

[dropcap style=’circle’]P[/dropcap]ara quem se lembra das noites de Macau de há 15 ou 20 anos, no “Casablanca” (onde os 46 ou 47 portugueses restantes de 1999 se encontravam), e antes, do “Talker”, Hallonia Lai, Loni para os amigos, é uma figura icónica. Por cá cresceu e por cá passou grande parte da vida.
“Quando era pequena, as pessoas não eram ricas, mas remediadas”, começa por dizer ao HM. “O meu caso era especial porque o meu pai morreu quando nasci e não foi fácil para a minha mãe.”
Não era simples arranjar trabalho em Macau, “especialmente para mulheres de meia idade”, como diz Hallonia. Quando nasceu, a mãe tinha quase 40 anos. “Teve sorte de poder trabalhar em casa. Fazia partes de calças para uma pequena fábrica.”
O mais difícil acabava por não ser alimentar a criança, mas sim cuidar de uma ‘teen’ irrequieta. “Nunca me portei bem”, confessa-nos Hallonia. “Não era como as outras meninas, não cumpria ordens. Estávamos nos 70, percebe? Eu respeitava mas não ouvia”, diz-nos enquanto ri.
Aos 13 anos já desaparecia de casa para ir para a festa. “Sabia que ao chegar a casa a minha mãe me batia, mas não queria saber.”

Saudades do Macau antigo

As festas aconteciam em casa de amigos, muitas na zona da Coronel Mesquita. “Adorava”, diz, “não existiam estes prédios todos. Quase tudo eram vivendas, até nos Três Candeeiros onde só existiam prédios de dois andares”, recorda. Uma dessas vivendas serviu de palco a várias festas.
“Ouvia-se, música, namorava-se…”, frisa Hallonia, admitindo que não se lembra bem das músicas, “os hits de dança ocidentais”. Mas lembra-se bem dos Bee Gees, “para dançarmos agarradinhos”.
A casa da Coronel Mesquita deixou-lhe grandes recordações. “Era de uma família macaense”, adianta, “devia ir lá tirar umas fotografias senão ainda a deitam abaixo”, suspira, revelando saudades desse Macau perdido. “Agora detesto”, diz, “se as pessoas conhecessem o Macau antigo não iam gostar disto. Pode perguntar a qualquer pessoa que conheceu. Ninguém gosta.”
Voltámos à juventude. O grupo de amigos era quase exclusivamente chinês, alguns macaenses, mas os próximos eram chineses. “Os macaenses davam-se mas não havia muita intimidade. Só nas festas. Viviam no mundo deles”, diz.

Escolas de mulheres nem pensar

“Estudei na Leng Lam (perto da Guia), mas quando passei para a classe dos mais velhos a minha mãe tirou-me pois queria-me a aprender Inglês”. Foi o desastre. Acabou na Escola do Sagrado Coração. “Detestava”, confessa Hallonia, “mulheres por todo o lado, dava em maluca”, relembra divertida.
Não gostava das escolas unissexo e foi expulsa, como nos conta enquanto se ri muito. “A minha mãe ficou furiosa, claro.” Tentou a Luso-Chinesa mas “não a quiseram lá”. Foi para o Santa Rosa de Lima mas “era outra vez só mulherio”, diz, “e a reitora, uma freira sempre de nariz no ar. Detestava”.
Começou a trabalhar tinha 16 anos “num salão de beleza”. Gostou da experiência pois aprendeu muito e fazia dinheiro. Um ano depois engravidou, casou-se e trabalhou até a filha nascer. Depois teve de desistir.

Aventura em Hong Kong

“O meu marido era meio maluco como eu e andávamos aflitos com dinheiro”, conta a rir. Como não queria trabalhar para um casino, convenceu-o a ir para Hong Kong tentar uma vida melhor, pois lá podiam ter opções.
“Fui para um Night Club, imagine”, diz-nos, mais uma vez a rir. Fazia o papel de telefonista/recepcionista que conectava os clientes com as “mamasans”.
“Uma experiência incrível”, garante. “As coisas que se vê e ouve…”, relembra.
Lugar cheio de histórias e muito exclusivo, “enorme e para gente rica”, era um sucedâneo de um grande clube de Xangai que, à imagem da terra, tinha um perfil de opulência.
“Divertia-me com as histórias das raparigas. Ouvia coisas que… waaah!”, revela Hallonia recordando uma em particular: “Ia lá gente muito, muito famosa. Um desses marcou uma rapariga do turno da tarde.” As mais caras, soubemos, eram empregadas de escritório que ali faziam um dinheiro extra. O famoso marcou uma saída com a rapariga e “eram 500 HKD para irem jantar, dos quais 300 ficavam na casa”, como explica Hallonia, “e o fulano recusou-se a pagar”. Disse à rapariga que ser vista com ele em público era pagamento suficiente.
A experiência durou apenas um ano. O marido arranjou um bom emprego e Hallonia deixou de trabalhar. Mas aborrecia-se e um dia voltaram para Macau.

Mudando a noite

Pouco depois surgia o bar “Talker”, que viria a tornar-se numa lenda dos anos 90. Inaugurado em 1993, começou a reunir pessoas de várias origens. Ao princípio só ajudava aos fins-de-semana, mais tarde viria mesmo a tornar-se gerente. “Adorava a experiência de conhecer muitas pessoas e apaixonei-me pelo trabalho”, revela. Mas um dia o negócio começou a estiar “talvez por as pessoas quererem novidades.”
A zona dos NAPE estava a ser construída. “Eram apenas meia dúzia de ruas”, explica, e tinha aparecido o “Opiarium”, que estava a concentrar as pessoas.
“As lojas eram baratas, ninguém as queria, alugámos uma e montámos um bar que baptizei de 911”, diz a rir-se. O “Talker” acabou por fechar, o dono da empresa arrendou mais uma loja e assim apareceu o “Casablanca”.
Hoje está em casa “e trabalha mais que nunca”, garante, “a tomar conta da neta e do próximo neto que aí vem”. Se pudesse mudar algo na terra, “tornava as pessoas menos preguiçosas”, confessa-nos.
“Macau precisa de opções”, pois a excessiva dependência dos casinos não é boa para ninguém. “É tempo de trazer coisas novas para Macau. As pessoas gastam menos porque sentem-se inseguras. Não podemos estar dependentes disto. Temos de inovar”, conclui.

27 Mai 2016

Ana Choi, relações públicas: “A vida é curta e posso tentar mais”

[dropcap style=’circle’]E[/dropcap]studou e trabalha no ramo do Turismo e “tem uma boa imagem” para se mostrar a outros, como relações públicas que é. Ana Choi apresenta-se ao HM: explica que trabalha num hotel mas teve “uma experiência extraordinária” num concurso de beleza.
Há três anos, a jovem natural de Macau acabou o curso em Turismo e Gestão de Eventos na Suíça, num parte do país onde se falava Alemão, que acabou por aprender. Lá foi ainda o local onde praticou o Inglês: para Ana tratou-se de um desafio.
A jovem trabalha agora num resort, sendo o seu trabalho o de apresentar as instalações aos clientes e organizar de eventos. Mas a sua forma de pensar mudou muito, depois de ter vencido o concurso onde participou. Ana gosta de estudar Turismo porque considera esta uma área “viva”. Não fez os trabalhos de casa como os estudantes comuns: organizou eventos verdadeiros. Não estudou Filosofia “fixa”, até porque “os conhecimentos mudam” e o turismo tem a ver com pessoas e com movimentos. Os professores, diz, partilharam experiências, problemas para os quais encontraram soluções.
“Na universidade, penso que a situação é semelhante a Macau, porque a Língua Portuguesa é muito utilizada. Na Suíça, o alemão é também encontrado nos supermercados, nas ruas”, conta-nos Ana, que lamenta que quando voltou para Macau, não teve muitas oportunidades de falar Alemão e esqueceu-se.
O trabalho da Ana parece satisfazer a jovem e fazer surgir ideias para várias tentativas. Sendo uma seguidora do Macau Pageant Alliance, no ano passado Ana começou a pensar em participar em concursos de beleza, porque considera uma experiência interessante e especial.
“É muito raro ser possível representar uma região num concurso internacional. Mas fiz entrevistas e fui seleccionada”, conta-nos. Ana participou no ano passado pela primeira vez no concurso de beleza, o Miss International, que teve lugar no Japão. Foi considerada uma “Ambassador beauty” por um patrocinador.
 Antes de começar o concurso, Ana não tinha grande esperança. “Porque Macau não é foco dos concursos de beleza, mesmo que nos esforcemos muito. Treinamos a força física, aprendemos como fazer maquilhagem, etiqueta e como falar. Não fazia muito este tipo de trabalho, mas pensei em como a vida é curta e como posso tentar mais [coisas]”.
Ana recorda-se que o concurso foi cansativo, mas valeu a pena, diz, quanto mais não seja porque conseguiu fazer coisas que nunca pensou conseguir. A jovem diz-nos que durante as três semanas do concurso, conseguiu conhecer todos os dias novas amigas provenientes de 70 países diferentes, o que fez com que não ficasse sozinha e pudesse partilhar histórias. Há também outras vantagens. “Agora posso ir visitar muitos sítios onde moram as minhas amigas. Amizade foi o que ganhei no concurso”.
Depois da participação no concurso, Ana voltou ao mesmo trabalho, mas a forma como pensa a jovem mudou. “No concurso, aprendi como enfrentar [os problemas] e comunicar melhor com as pessoas, no meu trabalho é também preciso isso”.
O concurso foi importante para Ana porque a jovem ficou, diz, menos cobarde. “Como estudei numa escola onde estudam só meninas, muitas vezes não tinha coragem de falar, de expressar opiniões. Depois do concurso, estou mais corajosa  em expressar ideias, porque cada pessoa tem diferentes opiniões”, disse.
Fora do trabalho e do palco, Ana gosta de fazer desporto nos tempos livres. De correr, de nadar. Mas o que lhe interessa mais é a dança.
“Gosto de dançar Jazz, já aprendi há dois anos. Esta actividade é boa porque quando sigo os ritmos, estou muito concentrada nisso e fico relaxada, deixando as coisas más para trás. Sinto-me também um sucesso quando decoro uma coreografia e aprendo outra nova”.
Actualmente há pessoas que preferem a antiga Macau, que era mais calma e confortável. Mas para Ana, não é preciso dividir a antiga ou a actual Macau: a jovem gosta da forma como o território é em todas as épocas. 
“Antigamente Macau parecia mais livre, mais relaxado, com estilo português. Saía de casa e as ruas estavam mais vazias mas eram mais seguras, porque as pessoas conheciam-se umas às outras, brincávamos sempre em casa dos vizinhos mas agora há uma distância”.
Mas se Macau não se tivesse desenvolvido tanto, continua Ana, não teríamos tantas oportunidades de conhecer mais o resto do mundo e o mundo não conheceria Macau. “Não podemos sempre ficar com as coisas antigas.” 

20 Mai 2016

Niel Wong, profissional de comércio electrónico

Gosta de fazer dinheiro e tem muitas ideias. O jovem Niel Wong teve uma boa formação em Macau e na Europa e está a desenvolver-se na área de IT e comércio electrónico, sendo que está prestes a ser o seu próprio patrão.  
Desde a infância que Niel foi instigado ao desenvolvimento. “Na minha família, todos os adultos são empresários e os meus pais gostam de fazer negócios. Dentro desta atmosfera, naturalmente também gosto de fazer dinheiro”, conta-nos, mostrando que a sua determinação é grande.
A ideia de Niel em estudar Gestão Empresarial surgiu nos primeiros anos da escola secundária.
Niel estudou Comércio Electrónico na Universidade de Macau (UM). Quando questionado sobre o que o impressionou, Niel confessa-nos que não foram os estudos, mas sim a criação de uma associação de alunos de comércio electrónico, onde foram organizadas várias actividades, tais como uma competição de IT.
“Para um projecto correr bem, é preciso cooperação com os colegas e, sendo o presidente, tive de motivar todos a trabalhar comigo. Ainda bem que a competição correu bem e ganhei também na amizade, porque até ao momento mantenho contacto com os concorrentes”. 
O jovem natural de Macau confessa-nos ainda que ficou “rico em experiências” ao viver no estrangeiro. No terceiro ano da licenciatura, teve meio ano em Amesterdão, na Holanda, onde fez intercâmbio. Partilhou connosco que gostava de passar tempo na Faculdade de Business da universidade, conversando com colegas e professores. Mas admitiu que não foi um estudo muito sério. Nessa altura, o foco foi perceber mais o que fazem os europeus.
Quando voltou a Macau, antes de acabar o curso de licenciatura, começou a acreditar que consegue ver mais do mundo lá fora, além Macau. Assim candidatou-se ao curso de mestrado de Gestão Internacional na Universidade de Londres, onde passou dois anos da sua vida.
“Depois de viver na Europa, fiquei admirado com o facto de a economia da Inglaterra e da Holanda serem muito maiores que a de Macau. Pelo ângulo de um profissional, Macau não é o melhor sítio para ganhar dinheiro, porque aqui pode-se desenvolver qualquer negócio só porque se conhecem muitas pessoas, mesmo que não se tenha muitos conhecimentos. Vejo isso também porque as indústrias focam-se no Jogo, unicamente, e não conseguem atrair talentos de diferentes lados do mundo”.
Para Niel, Macau é tão pequeno que para aprender muito, só quando se está lá fora. Primeiro, a cultura e os hábitos diferentes. “Os estrangeiros costumam ter festas nas noites de sexta-feira. No início, não me habituei a isso, mas tive que me habituar o que demorou vários meses.”
Além disso, por ter estado lá fora, Niel compreende de forma mais abrangente a China. “Em Macau, leio mais os média de Hong Kong que mostram a imagem da China de forma negativa, mas na Europa, quando os europeus estudam a economia e dão exemplos, a China é sempre a primeira escolha, tanto a situação económica como os métodos de gestão. Eles olham para a China de forma competitiva, mas não de forma negativa. Portanto isso mudou a minha impressão sobre a China”. 
Actualmente Niel está a trabalhar como gerente de projecto de IT na companhia Laxino Systems, sendo responsável pela investigação e desenvolvimento de produtos de jogo electrónico, que serve o sector de Jogo.
Niel está sempre atento ao que acontece em Macau e Hong Kong, mas o que atrai mais o jovem é a área comercial.
“Quando leio jornais, a primeira coisa que tento perceber é se há a oportunidades de desenvolver qualquer coisa. Mas Macau é pequeno e a maioria das notícias [em Chinês] são muito aborrecidas”.
Mesmo que tenha estudado no estrangeiro, o jovem considera que o que a UM ou as universidades da Ásia ensinam não diferencia muito das instituições ocidentais, porque os modelos académicos são semelhantes.
Apesar disso, “o mundo é grande”, como nos diz Niel, e a sua sugestão para outros jovens que tenham capacidades especiais é que se desenvolvam no estrangeiro. 
Mas o jovem profissional prefere manter-se em Macau porque tem mais tempo para a sua família. “Toda a minha família está em Macau, as minhas raízes estão cá e, de facto, receio o sentimento de mudança, portanto desenvolvo-me no meu território”, confessa-nos.
E Niel Wong tem já pano para mangas no que a esse desenvolvimento diz respeito. Está a preparar-se para abrir uma empresa de consultoria de comércio electrónico e quer realizar as ideias que estão sempre a pairar na sua cabeça.
“Estou a pensar em fazer umas coisas que todos podem usar na sua vida diária. Mas por agora não posso revelar”.
Nos tempos livres, o jovem costuma relaxar durante encontros com amigos, jantar ou beber um copo. Mas o que considera importante é saber o que há de novo, o que os outros têm para contar e o que planeiam para o futuro. Afinal, diz, tudo é possível através de um “brainstorming” em conjunto.

13 Mai 2016

Carmo Pires, educadora de infância: “Macau está bonito”

Chama-se Carmo Pires e é uma cara bem conhecida de Macau. Recebeu-nos de braços abertos e sorriso rasgado, características que ninguém pode negar. Sempre muito disponível, a Educadora de Infância do Jardim D. José da Costa Nunes, veio há 32 anos para Macau, quando contava apenas com 22 primaveras.
“Sim, já passaram 32 anos”, relembra, arrastando o número de anos na voz. O facto do marido – na altura ainda namorado – ter “primos directos” no território facilitaram o processo.
“Eu moro em Almada, sempre morei. Quando acabei o curso fui colocada – apesar de na altura já ser difícil – em Porto Covo”, começa por partilhar com o HM.
A viagem no tempo continuou e Carmo, como gosta de ser tratada, guiou-nos até ao primeiro dia em que chegou à cidade Alentejana. “De Almada para Porto Covo era longe e eu não podia ir e vir todos os dias, portanto sabia que tinha que lá ficar. Em Setembro tive que me ir apresentar ao serviço e fui”, relembra.
E foi o que aconteceu: Carmo Pires apresentou-se ao serviço, mas imediatamente percebeu que não pertencia ali. “Como jovem que era gostava de sair à noite, ir a discotecas, estava cheia de vida, queria mudar o mundo. Apesar da terra ser muito bonita, não me senti bem. Por exemplo, em termos de transportes, se eu quisesse ir à cidade mais próxima, que era Sines, não podia, porque eram muito poucos. Comecei a imaginar-me ali no Inverno, sozinha, isolada de tudo, logo eu, que era uma pessoa tão viva. Pensei nisso tudo e disse ao meu namorado ‘não consigo ficar aqui, não posso’”, relembra.
Tomada a decisão, Carmo sabia que seria castigada pelo Ministério da Educação com dois anos de impossibilidade de se candidatar. A sogra ainda lhe deu uma ajuda em todo o processo.
“Comecei a procurar no privado, a minha sogra tinha um colega que abriu um jardim-de-infância e foi ali que comecei a trabalhar”, conta.
Trabalho este que apenas durou um ano. “O meu marido tinha família aqui em Macau e um dia lançaram a proposta para eu vir. É que na altura queriam abrir um novo jardim-de-infância no Monte da Guia. Foi assim que vim aqui parar”, brinca.

Aventura no sangue

Carmo Pires voou até ao outro lado do mundo para abraçar um projecto que ainda não tinha saído do papel. Ela e mais 18 novos educadores. “Éramos um grupo muito giro. Tudo miúdas novas, era uma equipa sensacional, todas cheias de energia e novas ideias”, aponta.
Carmo, como uma verdadeira aventureira, veio sem o marido e não nega que o primeiro impacto não foi o mais feliz.
“A minha primeira sensação de Macau foi muito má. Vim sem o meu marido, não queria nada ficar aqui. Estava sozinha, não conhecia ninguém, claro, estava em casa dos primos do meu marido. Quando cheguei ao barco nada me caiu bem – a humidade, o bafo quente, o cheiro. Fiquei sem ar, um choque”, relembra.
Um dia, partilha, comemorava-se a Festa da Lua e a prima do marido deu uma festa em casa. “Isto era assim, os amigos eram a nossa família, porque nós não tínhamos mais ninguém”, frisa.
Nessa noite, continua, um “advogado muito conhecido da nossa praça”, que estava na festa, tocou-lhe no ombro assim que a viu chorar na varanda. “Carmo não estejas assim porque vais ver que daqui a pouco tempo já vais gostar de Macau. É a primeira sensação que tu tens”, recorda. Carmo dizia apenas que “ia embora”. Desde aí quase 33 anos se passaram.

Sem saudosismo

Enquanto as mãos brincavam com um brinquedo “dos seus meninos”, durante a nossa conversa, Carmo admitiu ter alguma vontade de voltar para Portugal. “Pensei nisso em 99 com a transição. Com o corte nos portugueses muitos amigos meus foram embora. Foi muito difícil para quem cá ficou, vimo-nos muito sozinhos”, recorda. Mas a família decidiu ficar.
Depois desse processo, Macau “mudou muito”. Mas desengane-se quem pensa que Carmo lamenta. “Eu não sou muito dada a saudosismo, não fico agarrada ao antigamente, gosto da mudança e ao que me dá desafio. Estas mudanças que existiram e existem acho que tinham de acontecer. Macau não podia ficar tão pequenino como era, tínhamos de evoluir”, argumenta, lembrando que roupas, cultura e todos os outros bens eram adquiridos em Hong Kong.
“Macau está bonito. A confusão de gente nas ruas choca um bocadinho, é uma desvantagem. Mas a terra é bonita, vibrante, com variedade. Está bom assim”, remata.

Educar para amar

Milhares de caras passaram pelas mãos de Carmo. “Agora são homens e mulheres feitas”, brinca. Às vezes passa por eles na rua e não tem vergonha em abordar, conta. Apostando sempre na sua formação, Carmo nasceu para esta profissão. Os meninos, esses, são fonte de energia.
“Os problemas ficam lá fora”, aponta. Até porque educar para além de ser a tarefa mais difícil do mundo, é a mais apaixonante. E Carmo sabe fazê-lo como ninguém.

2 Mai 2016

Jana Dvorska, professora de Inglês

[dropcap style=’circle’]E[/dropcap]stá em Macau há cinco anos. Foi o amor que a trouxe e foi o amor que quase a levou. Mas isso são outras histórias porque a realidade é que Jana gosta de estar por cá: “é um sítio maravilhoso”, diz. “Mal cheguei, senti-me imediatamente feliz”, explica.

E foi em Outubro que chegou. Pois é, porque o pior viria a seguir. Primeiro com o frio e depois com as humidades. Mas é o frio, especialmente o deste último Inverno, que a mói mais: “foi horrível, detesto frio”. Isto apesar de ter crescido em Calgary, no Canadá, “onde temos seis meses de Inverno” diz Jana e, talvez por isso, tem uma paixão assolapada pela praia: “Imagino-me a escrever poemas na praia e a viver assim”, confessa Jana, em inglês, a língua que considera a sua principal. É também a que ensina, mas não a única que domina. Italiano, Francês, Português e, claro, Checo – Jana é checa – fazem parte do seu repertório.

Foi para o Canadá com a família aos cinco anos e aos 21, depois de se formar em Francês e Sociologia, voltou para República Checa sozinha, “porque precisava de experienciar a cultura”, conta.

Nasceu em Ostrava mas foi para Praga, “a Paris do Leste”, apelida, uma cidade que adora, “especialmente aquelas ruas medievais, o castelo, a ponte Charles..”, exemplifica. Foi aí que tudo começou a mudar quando conheceu um português que trabalhava na mesma empresa.

Meia volta ao mundo

Apaixonaram-se e mudaram-se para Manchester onde desenvolveu uma atracção pelo futebol pois, explica, “tínhamos um amigo que trabalhava para o Cristiano Ronaldo e ele foi simpático, assinou-nos umas T-Shirts e deu-nos bilhetes para um par de jogos”. Dois anos e picos depois seguiram para Lisboa onde viriam a estar um ano mas o suficiente para Jana dizer que o seu clube é o Benfica e para confessar que “talvez queira para lá voltar um dia”.

Desporto é algo que faz parte da sua vida. “Fazia muito ski e patins em linha em Calgary mas agora faço yoga, medito todos os dias e gosto de correr nos trilhos da Taipa e de Coloane”.

Voltávamos a Macau e, por falar em trilhos, Jana espera que as ideias de urbanização em Coloane não vão avante “porque é o único espaço verde que anda temos desimpedido e precisamos dele”. A falta de jardins e espaços verdes é mesmo o que ela menos gosta em Macau. “Percebo que a cidade é pequena mas talvez se pudesse fazer um esforço para termos mais jardins e espaços para andar a pé e de bicicleta”, diz.

Gosto pelo ensino

Quando falamos de sonhos Jana diz que vive perto deles, pois faz o que mais gosta: ensinar. “Fiz outras coisas na vida mas ensinar é a minha profissão, é o que mais gosto.” É professora na Escola Secundária Hou Kong, onde adora estar, depois de passar pelo Instituto Politécnico, pela Universidade de São José, pela Universidade Cidade de Macau (UCM) e pela Escola das Nações, esta uma experiência menor para ela porque “os estudantes vêm de famílias ricas e por isso são muito pouco respeitadores”.

A permanência em Macau “tem sido óptima para a minha própria educação”, diz, pois aqui tirou um mestrado em Educação e um diploma de pós graduação na mesma especialidade.

Decorar muito e opinar pouco

“A dificuldade de ensinar chineses é terem pouca confiança e poucas oportunidades para falarem. Passam a vida a memorizar. Por isso estou sempre a dar-lhes oportunidades para falarem, para nos conhecermos mutuamente”, diz Jana, considerando ser essa a principal pecha no sistema educativo local. “Memorizar datas, nomes é ridículo na era do Google”, afirma ainda Jana, que considera que os alunos chineses “têm poucas oportunidades para formarem uma opinião sobre os factos” – o que a jovem tenta providenciar nas suas aulas, pois. “Na minha classe quero é que eles participem, que falem. Não há nada para memorizar”.

Para a jovem professora a relação que se desenvolve com os alunos é, por isso, essencial: “ponho-os à vontade para falarem, para perguntarem o que entenderem. Até perguntas pessoais”.

Esse à vontade levou-a a um episódio que não esquece quando, ainda na UCM, uma aluna veio confessar-lhe que era lésbica, como a pedir conselhos, pois tinha medo de o confessar aos pais. Jana tranquilizou-a e deu-lhe coragem. Foram apenas dois semestres e nunca mais a viu pessoalmente mas segue-a pelo Instagram onde percebeu que ela tem colocado imagens com uma namorada nova. “Fiquei feliz. Deve estar tudo a correr bem”, esclarece.

Um privilégio

E viver em Macau? “Macau é um paraíso para adultos”, diz, mas foi logo adiantando que também permite “qualidade de vida e é um sítio fácil para encontrar os amigos e é segura. Isso é muito importante”. Além disso, “acontece muita coisa como o Festival de Cinema que aí vem, o Festival Literário, há música, muitas bandas locais”, aclara.

Também considera que a cidade “dá muitas oportunidades, é óptima para trabalhar, proporciona bons salários e várias oportunidades de trabalho. Também é uma boa base para explorar a Ásia”, conta. Tudo somado, “é um sítio especial e sinto-me privilegiada por aqui viver”, confessa.

15 Abr 2016

Ann Chan, artista de aguarelas: “Sempre tive interesse em pintar”

Conhecemos Ann Chan na feira “Sun Never Left”, organizada todos os sábados em frente ao Albergue SCM. Foi aqui que percebemos que a jovem de Macau é também artista: no local vendia muitas aguarelas e as imagens que pinta, de gatos, são tão delicadas que nos despertaram curiosidade.
“Tenho gatos em casa há muitos anos mas nunca os desenhava. Por acaso, um dia, os meus amigos perguntaram-me se pensava em desenhar gatos e naquele momento surgiu a ideia. Comecei por tentar desenhar os meus dois gatos, o Man Kei e o Tai Fei”, explica-nos Ann Chan quando a questionamos. A ideia, acrescenta ainda, surgiu em 2013 e, desde aí, nunca mais parou.  
A jovem, que nasceu e cresceu no interior da China, foi convidada para ser uma das artistas que apresentam as suas obras aos residentes e turistas na feira. No início, Ann não vendia as obras, optando antes por fazer retratos de pessoas. Contudo, confessa-nos, a reacção de clientes não foi tão positiva quanto esperava e a jovem decidiu mudar a forma de fazer as coisas.
Agora, Ann até recebe pedidos especiais para pintar. Clientes mostram fotografias de gatos que já faleceram, para que a jovem os pinte e estes fiquem, para sempre, na memória dos seus donos. A nós, a jovem confessa que gosta disto – até prefere ganhar menos com a venda das obras, só pelo prazer de ajudar outras pessoas a relembrar os seus amigos de quatro patas.

Da Arte à publicidade
Ann nasceu e cresceu no interior da China e relembra que, desde pequenina, que as aguarelas lhe despertaram interesse. Por isso mesmo, começou formação em Arte na escola secundária e tirou um curso para ser docente desta técnica em Cantão.
Apesar disso, quando começou a trabalhar, o caminho não foi o de artista nem o de professora e Ann decidiu trabalhar em publicidade.
“Não cheguei a ser professora porque comecei a ter outras ideias. Resolvi trabalhar em publicidade gráfica, no início no interior da China e depois em Macau”, conta-nos.
Ann veio para o território há sete anos e está a trabalhar na secção de Marketing de uma empresa de venda a retalho, mas continua a utilizar os seus conhecimentos profissionais. Os outros.
“Nunca deixei para trás o que estudei, porque é sobre estética. Acho que quem estudou Economia, pode não conseguir fazer publicidade. Faço muitos cartazes para a minha empresa, que precisa de mim”.  
Mas Ann tem agora ‘duas vidas’ uma de trabalho e uma artística. “São duas coisas separadas. Quando trabalho e quando desenho. Esforço-me muito no horário de trabalho e só crio nos tempos livres”.
Para Ann Chan, Macau tem muito mais recursos e maneiras de fazer Arte, comparativamente ao interior da China.
“Sempre tive interesse em pintar, mas quando trabalhei na China, não fazia arte por causa do ambiente, não existe uma atmosfera como em Macau. Muitos colegas meus também deixaram o meio artístico, a não ser os que são professores”.
Mas Ann não deixou o sítio onde nasceu só por causa disto. A área onde trabalha foi outra das razões, já que “é muito difícil trabalhar” em publicidade na China continental: trabalhava dia e noite por causa das exigências dos clientes, algo que a deixava exausta.
Mas teve sorte. Conseguiu trabalho em Macau e conheceu um mestre de aguarelas por cá, voltando a relembrar como se pinta. Ann Chan não se fica só pelos gatos e gosta muito de desenhar paisagens, objectos e retratos. 
A jovem diz que Macau dá muitas oportunidades a pintores e artistas. Ainda não é suficiente, diz contudo, questionando: “o que é mesmo uma indústria cultural e criativa? Não é apenas de quem sabe desenhar. É preciso um planeador para ajudar os artistas, criando a imagem deles e dando valor às suas obras. É verdade que existe um grupo de artistas em Macau e o Governo apoia muito, mas acho que está em falta um planeador em Macau, há uma desconexão entre os artistas e os consumidores”, disse.
No ano passado, Ann Chan organizou a sua primeira exposição: “Paint whatever you like”, onde mostrou principalmente aguarelas de gatos. A exposição foi inspirada por uma voluntária que ajuda felinos abandonados.
“Fiquei muito triste depois de visitar a voluntária, que adoptou um grupo de gatos em casa, algumas das fêmeas até estão grávidas. Acho que a sociedade deve dar atenção à importância de esterilização de animais abandonados para que não se reproduzam mais”.
Na exposição, Ann vendeu as suas obras e as receitas foram todas para ajudar a voluntária.  
No início deste ano, a jovem fez parte de outra exposição – “Brush Together” – com sete pintores locais. As obras de Ann foram novamente os gatos pintados a aguarela, duas paixões da jovem. Ann vai agora participar em mais uma exposição juntamente com outros artistas locais, mas desta vez as obras em exposição são paisagens, ainda que pintadas na mesma a aguarela.
Olhando para futuro, a jovem ainda não tem um plano muito claro, mas sabe que não quer continuar pelo caminho das exposições dos seus trabalhos. “Quero fazer uma pausa, pensar no caminho para o resto da vida”.

8 Abr 2016

Heron Sou, viajante: “A viagem dura até que a conta esteja a zero”

[dropcap style=’circle’]H[/dropcap]eron Sou é um jovem de Macau e está a caminho de uma viagem à volta do mundo. Inicialmente, o plano passava apenas por viajar para os países da América do Sul e da América Central, como México, Cuba, Brasil, Argentina e Chile.
Demorou três meses na sua viagem para a América, porque não comprou um bilhete de avião para regressar a Macau. Mas a curiosidade não o deixou desistir: Heron Sou decidiu continuar o seu caminho. “Acho que a minha viagem ainda não se parecia com uma viagem à volta do mundo e não queria acabar de viajar”, conta-nos.
Sou assegura-nos que “a viagem dura até “aparecerem zeros no saldo da conta”. Até porque o objectivo, confessa, é que os destinos vão cada vez aumentando mais.
A viagem começou porque Heron Sou não encontra nada de especial que o prenda a Macau. Este é um território, para o jovem, muito cheio e aborrecido, uma cidade pobre “que só tem dinheiro e mais nada”. Sendo de cá, Heron sente-se feliz por Macau ter transportes públicos que o levem a todo o lado e diversidade para consumos de qualquer apetite. Mas não há natureza. Não há mar transparente, nem montanhas, nem gelo.
O jovem é “um produto complemente feito em Macau”: desde o ensino infantil ao mestrado, fez todo o percurso no território. Foi atleta de Squash e representou Macau em jogos internacionais no estrangeiro. Fez um intercâmbio na Noruega, enquanto tirava a licenciatura, e foi essa experiência que lhe deu uma nova visão: o mundo é tão grande e as coisas não correm sempre ao sabor do vento de Macau. Nem ao seu estilo.

Do plano à prática

Apesar de nos repetir que Macau é aborrecido para quem é jovem, Heron Sou relembra que, quando tinha tempo livre, sempre foi um “jovem normal como os outros”: ia ao cinema, praticava desporto ou namorava, mas a falta de coisas para fazer por cá fazia-o, às vezes, optar por ficar em casa.
“Quando era criança, gostava muito de ver coisas com extraterrestres e civilizações antigas na televisão e isso também foi uma das razões principais que me atraíram para ir à América”, diz-nos.
Em Setembro do ano passado, o jovem finalizou o mestrado em Educação Física e Estudo do Desporto na Universidade de Macau (UM), onde trabalhava também como funcionário. Trabalhou na UM quatro anos, onde lidou com vários tipos de emprego desde a limpeza, à administração, segurança… sentia-se desafiado. Mas isso era algo que não o completava e Heron Sou queria algo mais na sua vida.
“Era um atleta de Squash, sou treinador e tenho uma licença de árbitro para esta modalidade, mas sentia-me como um estudante da escola primária quando olhava para o mundo. Precisava muito de sair daqui.”
O orçamento para a viagem era de dez mil dólares americanos, mas Heron também não queria visitar os países “como um vagabundo”: foi aos restaurantes para experimentar a gastronomia e ficou acomodado em hotéis. Mas agora que o plano mudou, o orçamento é uma coisa que já não tem valor para ele.
Os familiares não discordaram da viagem. Heron Sou falou aos pais sobre o plano, apresentou-lhe a ideia de mudar de emprego e de fazer uma viagem bem longe da família. Os amigos apoiaram-no e deram até sugestões para ter cuidado com a vida… e com a carteira.
Para o seu futuro, ainda não tem ideia do que quer fazer. “A maioria dos pessoas não imagina o que quer. Não sabia o que gosto de fazer. Pensei que podia encontrar o meu interesse durante a viagem, mas a realidade é que o mundo é cruel, precisamos do dinheiro para sobreviver, cada coisa que precisamos temos de a pagar. É horrível, não é?”
Heron começou a viagem sozinho, mas conheceu muitos amigos novos durante a viagem: foi o caso de um casal de Hong Kong que conheceu na Bolívia, um alemão no México e alguns amigos da Noruega que até o acompanharam em parte da viagem.
E as memórias ficam. A bem ou a mal. “Faço diários e vou preparar um álbum de fotografias que tirei durante as viagens. Isso é fixe”, disse ao HM.
O próximo destino já está marcado: Heron Sou vai para o Egipto, porque queria comparar as pirâmides egípcias às mexicanas. Neste momento, o jovem está a descansar em Espanha. É que a viagem ainda agora começou e Heron também quer visitar o Pólo Sul, depois de ter ido ao Árctico.

1 Abr 2016

Gonçalo Ferreira, colorista: “Trabalhar com Johnny To seria um sonho”

Antes de vir para Macau, Gonçalo trabalhou durante sete anos na Tóbis. Saiu por causa da privatização. Corrigiu a cor de filmes de vários realizadores como Manoel de Oliveira, Pedro Costa, Edgar Pêra ou João Botelho e, por cá, além de continuar na área, é também formador em workshops e dá um módulo na Universidade de São José.
Veio para Macau porque “o processo de privatização da Tóbis foi doloroso”. Uma situação que não entendeu pois, diz, “apesar de ser um processo difícil nós tínhamos trabalho. Eu estava a fazer 16 horas por dia…”, recorda. Mas não recebia a horas, a mulher estava na mesma empresa e, com filhos para criar, criou-se o cenário perfeito para a mudança. “Já cá tinha estado duas vezes e tinha gostado imenso. Depois tinha os filmes de Hong Kong no meu imaginário, cresci a vê-los, o Johnny To… e queria fazer um bocadinho parte disto”. Não pensava que conseguir manter-se como colorista por aqui, mas hoje, cinco anos volvidos, aos 39 anos de idade, Gonçalo confessa nunca ter pensado fazer tanta correcção de cor apesar de, lamenta, “a maioria ser publicidade e não cinema”. Isso fica a dever-se, na sua opinião, “filmar-se mais em Macau, apareceram as novas câmaras digitais que são muito complexas a nível de cor, e eu já tinha alguma experiência com elas..”, explica. Trabalho suficiente para já ter justificado o investimento numa estação de trabalho. Gosta de viver em Macau, não pensa ficar por cá, mas também não tem planos para se ir embora: “Sentimos saudades de Portugal; da família, dos amigos, do mar…” Tem 3 filhos, um de 12, outro de nove e uma menina de seis, a única sem memória de Portugal. A indecisão tem a ver com o facto de já ter sentido “mais esperança na vida em Macau”, porque, explica, “não é um sitio barato para viver”. O lado positivo são os amigos que tem feito e os vários destinos que se espraiam à volta como as Filipinas, o Japão, Taiwan ou a Tailândia que, de outra forma, seriam de difícil acesso.

Cinema, sempre

Sempre quis trabalhar em cinema e, especialmente, em pós produção. Via-se como editor mas o advento dos processos digitais abriu a nova profissão de colorista. Antes, explica Gonçalo, “era um processo físico, de revelação de película, onde era apenas possível definir se o filme seria mais claro ou mais escuro, mais quente ou mais frio”. Estavam estas novas ferramentas a surgir quando entrou nos laboratórios da Tóbis. Respondeu a um concurso onde apareceram 100 mas só entravam três, e conseguiu ser escolhido. Foi trabalhar num grande projecto de restauro da RTP e depois, “tive sorte”, confessa, “estava tudo a começar e acabei por ser formado pelos tipos da Da Vinci”.

Cor que conta histórias

“A correcção de cor é um complemento do guião, um suporte da história, a segunda parte do trabalho do director de fotografia, é o trabalho das sensações, do apuro da mensagem que o filme pretende passar”, elucida Gonçalo. Dando exemplos, refere-se aos “clichés do cinema de hoje onde as cenas quentes são geralmente amarelas, as frias mais azuladas, as de noite são esverdeadas ou azuladas…” Aí quisemos saber porque se convencionou que a noite seria azul e Gonçalo revela: “foi a técnica que os americanos desenvolveram nos westerns, a “American Night”. Filmavam de dia e depois tornavam tudo azul e mais escuro para parecer noite. Há mesmo imensos filmes desses, que se tornaram numa piada, em que se vê os actores a andarem à noite com sombras por todo lado”.

Costa e To

Pedro Costa é o cineasta preferido de Gonçalo. “Fiz a correcção de todos os seus filmes até ao momento”, diz orgulhoso, um trabalho que considera “dar-lhe um prazer especial porque as sessões com o Pedro Costa são muito diferentes, e porque gosto dos filmes dele”. Uma diferença que, para Gonçalo, acontece “porque ele abandonou a ideia de grandes equipas e prefere trabalhar apenas com grupos mais reduzidos, para aproximar mais a equipa, ele, a câmara e o actor. Um processo quase promíscuo, que depois também se reflecte na cor. Para além disso, com Pedro Costa percebi que o cinema pode ser muita coisa.”
Mas há algo que pode mesmo adiar significativamente uma eventual partida de Macau: Johnny To, o icónico realizador de Hong Kong, de quem Gonçalo se considera grande fã, e a oportunidade até pode estar próxima. Foi a propósito do filme de outro realizador, mas “o curioso é que tudo aconteceu à conta de Pedro Costa”, explica Gonçalo, pois o produtor do To é fã do realizador português e quis conhecer o Gonçalo: “um dia apareceu-me lá no estúdio para me conhecer e foi engraçado porque ele só me fazia perguntas sobre o Pedro Costa e eu só lhe fazia perguntas sobre o Johnny To” (risos). Para já, irá trabalhar num filme do mesmo produtor mas de outro realizador. Mas a pergunta ‘gostarias de trabalhar com o Johnny?’ já lhe foi colocada.

18 Mar 2016

Miguel Rosa Duque: “Partilhar conhecimentos é essencial e um prazer”

Miguel tem 39 anos, nasceu em Macau, é mestre em Design de Ambientes Virtuais pela Universidade de São José e bacharel em Multimédia (Artes) da Curtin University em Perth, Austrália. Foi para lá em 1999 após terminar o liceu em Macau pois, por estes lados, não existia qualquer oferta de formação na área da multimédia como ele pretendia.
Considera-se um escultor digital, que define como “uma forma de arte e um meio de exprimir a imaginação por via da tecnologia”. Para além disso, atenta que é uma actividade que lhe permite “trabalhar de maneira aleatória dando forma a várias [ideias] e pensamentos”.
Uma especialidade que, para além da aplicação na indústria cinematográfica pode, inclusivamente, gerar outras áreas de negócio: “imagina produzir a tua imagem num ambiente virtual e depois imprimi-la em 3D. Ficas com um bonequinho que és tu.” Produzir retratos realistas de pessoas em 3D é mesmo uma paixão “porque é um grande desafio”, considera. “Há inúmeros detalhes a que precisamos de ter atenção. E conseguir fazer algo em que a pessoas se reconhecem é um gozo”, garante.
Teve mesmo dois trabalhos em 3D que foram publicados em dois números diferentes da 3D Artist Magazine, uma revista britânica de impacto no sector. Eram elas “Alien Cherokee” e “Captain Beleza”.
Actualmente, trabalha como Director Criativo na Hogo Digital onde gere uma equipa de mais três designers, dedicando-se, não só mas especialmente, à produção de websites – uma actividade a que se dedica há 22 anos e na qual se especializou. Um sector que o jovem entende necessitar muito de evoluir em Macau, especialmente no que se refere à usabilidade e acessibilidade dos sítios, considerando que grande parte dos existentes têm graves lacunas a esse nível.
Para Miguel, facilitaria o trabalho de mudança de consciências para a necessidade de comunicar melhor se o Governo tivesse mais cuidado com os seus próprios sítios. “Vamo-nos deixar de bonecadas”, diz Miguel, “porque um website do Governo é feito para adultos, para informar e deve preocupar-se mais com a estrutura, com a forma, com a navegação e menos com decorações acessórias e ridículas”, explica. Um assunto, aliás, que na sua opinião, daria para um grande debate.

Daqui para Hollywood? Não

Trabalhar em Hollywood na produção de objectos digitais para cinema, “podia ser uma hipótese mas apenas como experiência”, diz Miguel Duque, porque o que gosta mesmo é de ensinar “e fazer pesquisa”, garante.
Foi professor durante quase cinco anos no Politécnico. Dava aulas nocturnas, em part-time, porque ainda não tinha o doutoramento, algo em que está realmente focado agora, inscrito no curso de Comunicação, com especialização em Negócios Online e Redes Sociais, da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade de Macau.
“Gosto é de dar aulas e espero fazê-lo a tempo inteiro”, confessa-nos. Para Miguel “partilhar conhecimentos é essencial e um prazer”. Além disso, como apaixonado pela pesquisa, foca-se na área das tendências do design no mundo online e em formas de comunicação tanto a nível pessoal e de relacionamentos como de negócio. Na experiência que teve como professor ficou a achar que “apenas uma mão cheia dos alunos sabe o que quer”. Para Miguel Duque “há uma falta de foco” na maioria dos aprendizes de designer, algo que desconfia estender-se também um pouco aos jovens de Macau em geral.

Quem sou

A mãe é de Santarém, o pai de cá… “macaense como eu, mistura”, explica Miguel, referindo ainda origens escocesas e, claro, chinesas, o que nos leva a pensar num dos assuntos do dia: a identidade macaense. Miguel enfrenta o debate de uma forma desassombrada dizendo: “nós estamos em vias de extinção porque o que faz o macaense é a fusão do chinês com o português e isso hoje acontece menos”, explica.
A extinção acontece “porque os portugueses já não olham tanto para os chineses de Macau, mas sim para os orientais de uma forma geral, de Taiwan à Tailândia”, diz Miguel.
Os porquês dessa realidade, ele atribui-os à mudança da sociedade de Macau que “tornou-se muito materialista”, diz, e talvez daí as razões de procurar amor noutras paragens.
Orgulhoso dos seus dois filhos – “tenho uma filha linda de 11 anos, em Inglaterra, de mãe inglesa e o meu chinoquinha, como eu lhe chamo, que tem uma mãe sino-americana, que vive cá e vai fazer 6 anos em breve” – Miguel considera que ser pai é uma grande responsabilidade, mas algo difícil em Macau pelo tempo e, especialmente, pelo dinheiro que isso requer. As questões económicas são mesmo a grande razão pela qual não pensa em ter mais filhos.
“É muito caro e as casas estão pela hora da morte”, diz-nos, adiantando que “ou o Governo se mete no meio ou estamos todos tramados com os preços das casas porque a tendência parece ser só subir”.
O que nos leva à sua opinião sobre viver por aqui. Macau, confessa-nos, é para si “o pior sítio para se começar uma família”. Para além do preço das habitações, a falta de espaços verdes “essenciais para que as crianças se liguem à Natureza” e a poluição do ar, que considera ser “do pior”, são factores decisivos para a sua opinião. “Agora até querem acabar com Coloane”, lamenta-se.
Mas nem tudo é mau, considerando que a grande vantagem de Macau “é ser pequeno” pois isso permite mais tempo para a família e amigos. Além disso, define a terra como um verdadeiro hub que permite partir para lugares completamente diferentes em muito pouco tempo e com viagens a preços acessíveis. “Essa é mesmo a maior vantagem de Macau”, garante.

11 Mar 2016

Matilda Ip, modelo  

[dropcap style=’circle’]T[/dropcap]em um rosto bonito e uma figura elegante. É jovem, natural de Macau, ainda que não tenha passado toda a adolescência aqui. Experimentou estudar fora e foi também no exterior que participou em concursos de beleza, onde havia, diz, muita concorrência. 
Matilda Ip estudou Psicologia na Universidade de Macau (UM) e tirou ainda um curso de mestrado em Hong Kong sobre “aconselhamento de jovens”. Mas Matilda nunca chegou a trabalhar exactamente nesta área. Em 2014, candidatou-se pela primeira vez a um concurso de beleza, o Miss Grand International, na Tailândia.
“No concurso, estavam cem raparigas provenientes de diferentes países. Era no Verão, suei muito, mas foi engraçado. Visitei vários sítios e contactei com vários patrocinadores e média”, conta ao HM.
Na altura, não pensava em trabalhar “em frente às câmaras”. Quando lhe foi sugerido por uma amiga, e foi escolhida para representar Macau no concurso, teve alguma formação de como desfilar em palco, fazer posturas em frente das luzes, câmaras e o público. Algo que, diz, gostou muito. todos por HM
“Foi como se fosse uma viagem com um grupo de raparigas, porque raramente estive assim com tantas pessoas. No início não nos conhecíamos umas às outras, mas quando ficamos mais próximas, consegui perceber que eram muito simpáticas. Quando acabou o concurso, tive muitas saudade da nossa amizade, porque raramente tive oportunidade de conhecer amigos da Ásia, Europa e EUA ao mesmo tempo. E agora, quando vou visitar alguns países, tenho uma “guia” que é também minha amiga lá, para me apresentar os sítios mais fixes”, diz. 
O pai não demonstra o que sente ao ver a filha participar num concurso de beleza, mas Matilda conta-nos que a mãe a apoia a fazer o que gosta, que passa também, confessa-nos, por conhecer mais o mundo.
 

Vida ideal

Matilda já usou vestidos bonitos, foi alvo de maquilhagens perfeitas, arrebatou palmas do público. Ser uma rapariga num concurso de beleza parece ter trazido outra vida a Matilda, sobretudo em frente das câmaras.
Em 2015, Matilda foi convidada a participar no seu segundo concurso de beleza, a Miss Supranational, que teve lugar na Polónia. No início, hesitou muito, porque precisou de deixar o trabalho durante várias semanas, o que levou à preocupação dos pais.
Mas a decisão foi tomada: Matilda vai passar o limite da idade de participação porque vai fazer 26 anos este ano. Assim, partiu logo para o país europeu.
“Foi muito competitivo, as raparigas de outros países eram muito boas”, confessa-nos, relembrando. Não ganhou o prémio nesses dois concursos, mas a jovem assegura que gostou muito da experiência. Estes concursos, considera, são mais que uma competição. “Não é apenas pela beleza, mas também para aprender mais, pelo menos conhecer um outro país”.
Mas, além de conhecer amigas e outros países, para Matilda, as participações são carregadas de uma missão: a de representar a sua cidade natal, Macau.
“Para mim, participar num concurso de beleza é uma forma de fazer com que os outros conheçam Macau, não pensem que é apenas casinos e um sítio como uma mini Las Vegas. Posso apresentar Macau através de outros aspectos”.
Matilda lembra-se muito bem quando andava numa escola no Canadá quando tinha 15 anos: os colegas não sabiam onde Macau é, alguns deles sabiam apenas que é “ao lado de Hong Kong”.
A jovem quer ainda que as considerações sobre concursos de beleza passem a ser diferentes. “Quando falamos em concursos de beleza, as pessoas de Macau dão apenas atenção aos concursos em Hong Kong e desconhecem-nos, às pessoas de Macau, quando participámos nesses concursos. A situação é diferente de outros países, onde as pessoas apoiam muito e votam nas candidatas, fazendo até anúncios na televisão para promover as suas candidatas. Aqui quase nada, as pessoas pensam que as raparigas apenas vão trabalhar para televisão.”
Depois destas experiências, Matilda começou a receber convites para trabalhar como modelo em Hong Kong e Macau, participando em filmes e também como maquilhadora freelancer.
Agora, a jovem acabou de chegar a Xangai, onde está a trabalhar como uma “account executive” numa empresa de publicidade. Matilda vai dedicar-se mais os trabalhos “atrás das câmaras”.
Até porque, conta-nos, gosta muito de comunicar com os outros, sobretudo as crianças, razão pela qual, aliás, decidiu estudar Psicologia. 
Mas como não gosta de trabalhar fixamente num escritório, e quer experimentar mais, não tentou ainda um trabalho nesta área. 
Talvez calhe quando acabar o trabalho em Xangai. Matilda tem, pelo menos, planos na manga.

4 Mar 2016

David Marques, professor | De Macau ao Canadá

David Marques tem um nome absolutamente português, mas só aprendeu o idioma durante dois meses na escola, quando era criança. Nascido em Macau e com amigos de diversas nacionalidades, David Marques fala com os amigos portugueses em Inglês, embora perceba uma ou outra palavra do que está a ser dito na língua de Camões. Percebe e sorri, piscando o olho, como quem brinca a um jogo de palavras.
Para contarmos a história de David Marques, teremos de ir ao Canadá muitas vezes e voltar. Teremos de ir buscar percursos familiares aqui e lá. David foi para o Canadá com a família quando tinha apenas nove meses de idade. Depois regressou a Macau e frequentou a escola durante algum tempo. Depois decidiu partir de novo.
“Estudei Ciência Política na Universidade de Calgary, em Alberta, no Canadá. A primeira vez que deixei Macau não tive escolha, tinha nove meses de idade e, assim, fomos para o Canadá. Quando tinha quase cinco anos fiz aqui a escola primária. Passei aqui a minha adolescência e quando tinha cerca de 14 anos decidi regressar e fiz lá a minha escola secundária. Porquê? Porque é muito mais divertido lá. E também me oferecia outras oportunidades. Fui para lá porque sentia também um pouco de nostalgia. Foi divertido, mas chegou a um momento em que era sempre a mesma coisa”, contou ao HM.
No Canadá viveu com a avó. “Foi assim que aprendi a cozinhar”, garante. Contudo, quando lhe perguntamos que pratos aprendeu, não são as receitas macaenses que vêm ao de cima. “Claro que a minha avó me ensinou a fazer creme brulée, uma receita muito importante. Também me ensinou a fazer puré de batata.”

Desconstruír a língua

Regressado ao território, David Marques dá aulas de Inglês a crianças em várias escolas e até ensina Chinês a estrangeiros com um método muito próprio. Na aula, cada caracter é desconstruído com recurso a desenhos e significados que levam a pessoa a memorizá-lo mais facilmente. A fazer um doutoramento em Educação na Universidade de São José (USJ), David Marques pretende, no próximo ano, realizar workshops na área criativa e deixar de lado as aulas.
O jovem tem uma resposta muito simples quando perguntamos porque é que aqui os expatriados demoram a aprender Chinês. “Não há um sistema de apoio para que as pessoas aprendam Chinês ou para o compreender. Não há programas de apoio à emigração, há alguns grupos, mas não há um apoio forte. No Canadá trabalhei com ONGs que ajudavam os emigrantes a integrarem-se no sistema do país.”
No seu caso, conta, nunca precisou de aprender Português. “E é como as outras pessoas, que não precisam de aprender Chinês, porque o nosso estilo de vida não exige isso. Em Hong Kong as coisas são diferentes, porque é fácil usar o Inglês também. Se formos para Zhuhai, temos de aprender Chinês numa semana.”

O legado em Coloane

Pelo meio, a Ciência Política foi ficando pelo caminho. David afirma que aquilo que aprendeu não se pode aplicar ao sistema político de Macau, embora, há muito tempo, tenha escrito artigos de opinião num jornal chinês. Mas a experiência não durou muito.
“Um dia escrevi um artigo sobre a necessidade de uma maior liberdade de imprensa, mas depois disseram-me no dia seguinte que estavam a reestruturar o jornal e que já não precisavam de mim”, diz com ironia. Confessa que há sempre um caminho a traçar para se ser Chefe do Executivo e que nem todos podem ou conseguem traçá-lo.
David Marques vive sozinho em Coloane na casa da família. Com frequência organiza festas para pessoas muito diferentes, mais ou menos próximos. O que interessa é que haja divertimento e uma boa conversa, porque aquilo que mais gosta de fazer é de conversar e partilhar pontos de vista. A vida no campo deu-lhe outros projectos.
“A casa é um legado da minha família, estou a aprender a desenvolver algumas capacidades enquanto projecto pessoal numa comunidade pequena.” A agricultura é um exemplo disso: às vezes trabalha ele próprio a terra.

26 Fev 2016

Geneveva Rodrigues, gestora de Marketing

[dropcap style=’circle’]D[/dropcap]e riso fácil e ar jovial, Geneveva Rodrigues veio a Macau apenas para renovar o BIR, porque a tia disso a lembrou, mas um assunto que era para uma semana transformou-se numa aventura de dois anos. “Estava uma óptima temperatura em Macau, apesar de ser Janeiro, há meses que estava um frio horrível em Portugal… e fui deixando-me ficar”, relembra ao HM. “Isto era tudo novo para mim, era como descobrir uma cidade nova e prorroguei a partida por mais três semanas”.
Surge entretanto uma oferta de emprego como gestora de vendas, e depois de contas, de uma empresa de marketing digital, a Hogo. Ainda cá está, agora como gestora de marketing do Clube Pacha. Mas, tudo começou há 35 anos, quando Geneveva nasceu em Hong Kong.
“Nos anos 80 isso era normal”, explica, “as pessoas não tinham muita confiança em ter bebés aqui e a minha mãe foi a Hong Kong”. Tem sangue chinês do lado do pai mas nunca o conheceu nem pretendeu alongar-se sobre o assunto. Depois seguiu-se a vida em Macau que durou até cerca dos 18 anos quando voltou para Portugal.
“Não tenho muitas recordações dessa altura”, diz-nos. A confissão deixa-nos um pouco surpreendidos, mas resolvemos tentar voltar ao assunto mais tarde. Entretanto tínhamos sabido que é do signo do Macaco, o que nos fez pensar em desejos para o ano. “Queria que me saísse o euromilhões”. Pelo dinheiro apenas?, quisemos saber. “Não, para dar volta ao mundo, pois não quero ter de trabalhar pelos sítios por onde passo” e isso “custa dinheiro”.
É que, para Geneveva, mochila às costas… “Não! Isso não faz parte do meu género”, garante entre gargalhadas, reconhecendo que este é um sonho distante.

Festas como trabalho

Quando voltou a Portugal voltou de vez. “Fui a última da família a voltar, já lá estavam todos, por isso, quando fui, nunca pensei em voltar”.
Foi estudar Farmácia porque estava na área de Saúde na secundária e tinha horror a sangue, pelo que Farmácia não lhe oferecia esse confronto. É farmacêutica, portanto, e foi formadora de delegados de propaganda médica. E responde com um “não faço comentários sobre isso” quando lhe perguntamos se acha a indústria farmacêutica saudável. geneveva
O seu coração, contudo, esteve sempre noutro lado: “A minha principal actividade sempre foi outra”, revela de repente. “Em boa verdade o que eu sempre fiz mais foi relações públicas e organização de festas”.
Organizou-as em Lisboa, no Algarve mas também em Miami onde viveu algum tempo. “A noite esteve sempre aliada a mim, desde os 16, 17 anos….” Aí apanhámo-la e voltámos ao assunto ‘crescer em Macau’: a palavra mágica, “noite”, tinha sido proferida e, de repente, as recordações da adolescência em Macau começaram a surgir em catadupa na cabeça de Geneveva. “Era mais em Hong Kong”, garante, “mas em Macau também havia festa”, reconhece, “era a altura da discoteca Mundial”…
Os tempos eram mais passados com os amigos, em Lan Kwai Fong, quando “aquilo se resumia a uma rua”, diz-nos. “Mas tinha o 97, o JJ, o Manhattan…”, revela com emoção. Agora percebíamos melhor como o Pacha se enquadra na sua vida. “O Pacha é uma velha paixão”, revela, adiantando que “quando morava em Portugal foi durante dez anos consecutivos ao Grand Opening em Ibiza”.
Por isso mesmo, para Geneveva, trabalhar no Pacha é um sonho tornado realidade ao ponto de considerar: “o meu local de trabalho é a minha sala de diversões”. Mas é também um desafio: “vamos ter de adaptar mais o clube à clientela asiática”, revela, reconhecendo que trabalhar no mercado asiático é uma experiência nova, além de “estarmos numa cidade muito particular, pois as pessoas vêm mais para o jogo do que propriamente para o entretenimento”. “Em Hong Kong seria diferente”, garante.
Contribuir para aperfeiçoar o plano de marketing do clube é uma das suas missões e a nova ponte não será a solução porque, diz, são precisos resultados agora”. “Não podemos ficar à espera da ponte, as soluções temos de as achar agora”, revela assumindo de repente um tom mais solene e garantindo que esse desafio é o que a agarra a Macau.
A jovem pretende poder dizer “missão cumprida”, mas não será por muito tempo. “Talvez mais um ano”, pensa, “mas ficar aqui não tenciono”, garante. “Tenho umas saudades imensas do mar, dos meus amigos, das festas nos terraços”…
Geneveva pareceu-nos convencida de que um dia vai mesmo ter de voltar para o reencontro com o Atlântico e com os amigos que não dispensa. E bebés?, pretendemos saber para fim de conversa. “Nunca tive esse desejo”, revela, “desde pequena nunca foi uma coisa importante para mim, de modo nenhum”, confessa, apesar de admitir que numa situação especial, com a pessoa certa, isso poderia acontecer. Nunca teve o sonho de ser mãe e continua “a não ter”, assegurou.
E deixámo-la como a encontrámos: no salão de beleza, a terminar o criterioso tratamento de unhas que percebemos não dispensar, num momento de pausa, onde acedeu falar connosco, na vida agitada de uma ‘marketeer’ do entretenimento.

19 Fev 2016

Annya Lai, estudante: “Macau é uma forma de poder ver o mundo”

Annya Lai é uma jovem estudante que nasceu do lado de lá das Portas do Cerco, mas isso não a impediu de transpor fronteiras para cá e sair da China que sempre conheceu, para descobrir o mundo. Deste pedaço de território onde se fala Português, Annya Lai garante que consegue ver tudo o resto.
“Desde que vim para Macau penso que posso ver mais do mundo e explorar mais coisas. Macau é um pequeno território mas tem muitos elementos… é a minha forma de poder sair da China para ver mais o mundo. Então penso que Macau é um bom lugar para mim”, contou.
Annya Lai sempre quis fazer todo o ensino superior na RAEM, mas acabou por frequentar a licenciatura de Comércio Internacional em Zhuhai. Hoje frequenta o Mestrado em Estudos Europeus na Universidade de Macau.
Da Europa, esse continente do qual permanecem pequenos laivos em Macau, a estudante garante gostar da história e da cultura.
“Escolhi esta área porque achei que seria muito interessante. Na licenciatura estudei Comércio Internacional e achei que não era assim uma área que gostasse muito, então decidi mudar. Antes de entrar no mestrado não prestava muita atenção às questões europeias, mas comecei a gostar da história e da cultura. São as coisas que mais acho interessantes no continente. Macau também tem esse lado europeu, da mistura das culturas chinesa com a portuguesa”, referiu a estudante.
Annya Lai garante que Macau é uma boa cidade para viver uma vida mais tranquila. Embora não aposte nos casinos, a estudante diz gostar do ambiente. “Não jogo e não gosto, mas gosto do ambiente dos casinos, acho que é algo único. Mas não me quero envolver nesse ambiente. Gosto das atracções, é como se fosse uma cidade de sonho para muitas pessoas. Macau é um óptimo sítio para as pessoas que querem ter uma vida mais confortável.”
Num território onde o Jogo é rei, haverá algo que atraia os turistas mais do que apostar nas mesas dos casinos? Annya Lai garante que sim. “As pessoas do continente acham que Macau é um lugar muito tranquilo e dizem que esta é uma cidade agradável. A cultura e todos esse elementos de Macau atraem os chineses a vir cá antes de visitarem outras cidades do mundo. Para eles também é como se fosse uma janela para verem o mundo. Aqui eles desfrutam de um ambiente que é totalmente diferente do que existe na China continental”, apontou.
Apesar disso, Annya Lai acredita que é preciso fomentar a criação de mais actividades culturais. Estas são “muito importantes para Macau para fazer desta uma cidade mais diversa, sem estar muito ligada ao Jogo. Aqui já existe naturalmente um ambiente mais virado para a cultura, mas é preciso que as pessoas percebam isso. É preciso que compreendam que Macau tem este lado”.

Mudar a política

Annya Lai ainda não sabe o que quer fazer quando se especializar em Estudos Europeus. Talvez faça Gestão ou seja profissional de Relações Públicas. Uma coisa é certa: a estudante não vai virar costas a um desafio profissional no território, apesar de considerar que o mercado de trabalho poderia estar mais aberto a receber pessoas de fora, sobretudo os finalistas do continente.
“Na área da Educação, Macau tem muitos recursos para os estudantes e seria bom para o Governo criar mais oportunidades para os estudantes do continente. Para além disso, eles podiam usufruir dos frutos do esforço do Governo ao partilhar esses recursos. Há ainda muitas restrições no mercado de trabalho para as pessoas da China continental, mas talvez isso venha a mudar no futuro, porque Macau precisa muito de pessoas de fora e até do estrangeiro. Macau precisa de mais pessoas para que o mercado se diversifique”, considerou.
Quando olha para o seu país, Annya Lai vê uma sociedade mais aberta, onde as pessoas já assumem uma postura totalmente diferente do conservadorismo do passado.
“Desde que a China se desenvolveu, tanto os jovens, como os pais têm uma mentalidade mais aberta e querem que os seus filhos tenham uma educação no estrangeiro. Isso também faz com que os mais jovens estejam mais abertos. Isso é algo bom, o facto do país estar cada vez mais envolvido nas questões internacionais. Ainda há muitas pessoas com uma visão algo limitada e então são os jovens que tentam mudar a mentalidade e levar o país para o caminho certo em termos de desenvolvimento”, rematou.

12 Fev 2016

Sam Wong, dono de restaurante: “Macau era muito mais solidário”

Tem 59 anos, nasceu em Macau um ano depois da mãe chegar de Cantão e tem a terra profundamente embutida na sua mente: “Penso em Macau a todo o momento. É o meu país. Amo-o.”
Nunca teve sonhos por aí além, do género ‘que-fazer-quando-for grande’ bem, isto se deixarmos passar o gosto pela música, “era baterista aos 14 anos e participei em dois grupos. A primeira banda era de heavy metal”, que ainda hoje é o seu estilo preferido. Deep Purple a banda favorita, mas também os Dream Theatre ou os Styx, “sabe, sou da velha guarda”, explica. Mas como a música não dava dinheiro teve de seguir outro caminho e aos 19 anos acabou mesmo por descobrir o que viria a ser o seu sonho: trabalhar em restaurantes “porque posso falar com muita gente”.
Começou no restaurante do Hotel Sintra na posição mais básica do serviço, “apanhava copos e levantava pratos” mas conseguiu chegar a gerente, o que considera a sua melhor memória de Macau, “fiquei orgulhoso”, confessa, “comecei de baixo e depois acabei a mandar naquilo tudo”. Na altura, poucos mais hotéis de categoria existiam em Macau pelo que era uma posição de relevo. Até que um dia veio uma administração nova de Hong Kong e resolveu despedir toda a gente, “não fui só eu”, garante, “até o contabilista foi para rua. Queriam colocar o pessoal deles e mandaram-nos a todos embora”, explica.
Aí passou 20 anos. Estávamos nos meados dos anos 90 e foi para Sun Tak, quando ainda ficava a três horas de distância. Foi como consultor de um amigo que estava abrir um restaurante com sauna, karaoke e discoteca mas a coisa durou apenas dois meses, “não aguentava aquilo. As pessoas não tinham o mínimo de educação. Andavam à tareia todos os dias. Peguei no dinheiro e vim-me embora” foi o “Platão” por quatro anos e depois voltou ao continente onde teve um café em Zhongshan e, cinco anos depois, voltou decidido a reformar-se. “Não tinha muito dinheiro mas dava e estava farto de trabalhar”. Mas a reforma não era a vida boa que pensava e apenas durou nove meses: “Estava aborrecido de morte e resolvi procurar trabalho” o que encontrou no restaurante que agora dirige. Ao princípio, o dono ao ver o currículo achou-o demasiado qualificado, Mas Sam estava disposto a trabalhar, era perto de casa, bom horário e lá ficou como gerente. Durou um ano até o japonês resolver fechar o negócio. Não estava a dar. “Claro que não dava, o homem não percebia nada de restauração, não ouvia ninguém, nem o cozinheiro” explica.
Passado um tempo a irmã sugeriu-lhe pegar no restaurante, ele recuperou o cozinheiro, também japonês, ouvi-o, usou-lhe o nome para baptizar o restaurante e “agora está tudo bem. Mudámos o menu. Dei liberdade ao Tabuchi e temos muitos clientes.” Claro que o sucesso não passou despercebido ao antigo dono que ainda tentou reaver o restaurante mas não teve sorte, afinal de contas Sam estava realizar o seu sonho, “Sempre quis ter um restaurante, já tenho, por isso não tenho mais sonhos. O meu filho está a ir bem, está tudo bem. Não ganho muito dinheiro mas chega para ser feliz”, assegura.

Hong Kong? Não vou lá há 30 anos”

O Macau de antigamente “era uma maravilha”, recorda Sam Wong, “Muito melhor do que agora. Calmo, sossegado, relaxante… agora é uma loucura. Anda tudo cheio de pressa, só pensam em dinheiro… Macau era muito mais amigo, muito mais solidário. Agora é uma confusão de gente.”
O futuro, ou mudar algo em Macau nem o faz pensar, “Não faço a mínima ideia. A minha vida é casa, trabalho, casa. Vejo-os a discutir todos os dias no parlamento, cansa. A nova geração que se preocupe com isso.” Mas recorda com alguma saudade o Macau antigo e, claro está, restaurantes que não existem mais como o Wa Lok Iun e o Ma Ien Hong na zona da Almeida Ribeiro, ou os vendilhões de fitas que se espalhavam pelas ruas, “alguns tinha um ‘ngao lam min’ fabuloso”, recorda.
Em relação aos portugueses diz que são “OK. Tenho muitos amigos macaenses, quando nasci isto era português e todos nós nos habituámos e aceitámos os portugueses.” Hong Kong é que já um caso diferente, “não vou lá há uns 30 anos. Antes, quando precisávamos de alguma coisa mais sofisticada, tínhamos de ir mas desde há muito que não é preciso. Também não tenho nenhum amigo lá que vou lá fazer? Para a confusão? Não obrigado”, remata. Os casinos também não o fascinam de todo, “nunca lá meto o pé”, garante, “não gasto nem 10 patacas num sítio desses”. O dinheiro serve para outras coisas mais queridas “comida, música e álcool, é onde gasto o meu dinheiro” e ri-se a bom rir.
Antes de deixarmos a sua companhia quisemos saber se haverá algo que o faça ir a Hong Kong mas Sam Wong não conseguia lembrar-se de nada. ‘E um concerto de heavy metal?’, sugerimos, “hmmmm…. aí pensava duas vezes. Acho que sim, acho que isso me faria ir a Hong Kong. Se fossem os Deep Purple então… Mas o Phil Collins ou a Sade Adu também era possível que me convencessem.

10 Fev 2016

Pedro Lemos, produtor de televisão

[dropcap style=’circle’]A[/dropcap]s imagens, reais ou imaginárias, fazem parte do seu dia-a-dia, seja no trabalho, seja nos tempos livres. Pedro Lemos, produtor de televisão, chegou a Macau há quatro anos e continua embrenhado naquilo que o apaixona desde sempre: o mundo das Artes. Licenciado em Som e Imagem pela Universidade Católica do Porto, Pedro Lemos conseguiu adaptar-se ao Oriente e compreender um território tão diferente de Portugal, apesar dos laços históricos que persistem.
“É uma sociedade diferente de lá, não tem o perfeccionismo europeu de que estamos sempre à espera, mas tem outras coisas. É difícil explicar por palavras quando vou lá [a Portugal] e as pessoas me perguntam como é. Por mais que descreva, é muito difícil, porque quando as pessoas cá vêm percebem que por mais palavras que use é complicado descrever esta realidade”, contou ao HM.
Para Pedro Lemos, Macau tem algo que não se encontra em territórios vizinhos como China, Hong Kong ou Taiwan. “Todos esses locais são diferentes. A força trabalhadora que trazem para cá faz com que esta sociedade seja claramente diferente de Hong Kong ou Taiwan. As pessoas que chegam trabalham em casinos ou obras, não é propriamente o género de pessoas que encontramos em Hong Kong, que têm ambições e o desejo de sucesso.”
Antes de se embrenhar pelo mundo das Artes, Pedro Lemos chegou a estudar Desporto, mas depressa percebeu que o seu caminho profissional não passava por aí. 29116P23T1
“Sempre tive queda para as artes no geral, desenhei a vida toda. Sempre tive esta necessidade de criar, de fazer coisas. Era um impulso inevitável, embora goste de praticar desporto. Mas o curso de desporto é mais virado para o ensino e achei que era uma área vazia para a minha personalidade”, apontou.
Terminada a licenciatura, Pedro Lemos teve várias experiências de trabalho, mas só na RAEM encontrou algo que o preenche. “Deram-me aqui a oportunidade de trabalhar nesta área. É mais interessante, não faço só produção”, contou. Em Portugal vivenciou a precariedade do mercado de trabalho. “Trabalhei como freelancer para empresas na área gráfica e também fazia alguns trabalhos de produção. Fazia um pouco de tudo dentro dessa área para sobreviver, não fui servir à mesa”, ironizou.

Desenhos nos tempos livres

Quando não está a editar imagens ou a produzir conteúdos, Pedro Lemos pega no lápis ou na caneta e desenha o que vê ou lhe passa pela mente. Os seus rabiscos mostram sobretudo caras e corpos de homens ou mulheres, ou remetem para algum tipo de mensagem.
“É um impulso, uma expressão muito natural em mim. Desenho tudo o que vejo e, às vezes, viro-me para o inconsciente e desenho o que me dá na cabeça, como caras e corpos. Surge espontaneamente, não tenho uma explicação natural. Há pessoas que escrevem, eu vou mais para o desenho para explicar alguma coisa. Viro-me muito para a figura humana, acho que é interessante. Gosto de misturar personalidades nas caras e nos corpos, nunca é alguém específico. Não estou sempre no mesmo género de desenho, às vezes vou mais para a banda desenhada. Acho que tenho várias personalidades no desenho”, revelou.
Para além do desenho, Pedro Lemos é um apaixonado por cinema. “Vejo bons e maus filmes. Gosto de ver maus filmes porque vê-se o que é mau, o que aconteceu de errado, e por isso é que há bons filmes. Só vendo o mau é que se consegue o bom.”
David Lynch é o primeiro realizador que lhe vem à cabeça, quando lhe perguntámos, pela sua forma diferente de fazer filmes. “Tenho muitos realizadores, apaixono-me por diferentes realizadores. Posso falar de alguns que me educaram, vou para o David Lynch em primeiro lugar, porque no fundo é um designer e usa isso na sonoplastia e na imagem. Usa isso para passar a emoção que quer, porque o cinema é isso, são emoções.”
Após alguns anos a viver na Ásia, Pedro Lemos garante querer continuar deste lado do mundo. “Estou a pensar continuar por aqui, para já. Não estou à espera de nada, estou numa onda mais budista (risos). Não penso tanto assim nisso. Tenho sonhos, sim, mas se mudar de sítio os sonhos continuam lá, não é o local que faz a diferença”, rematou.

29 Jan 2016