Rendas | Coutinho retira projecto e une-se a Chan Meng Kam

Do dia para a noite, Pereira Coutinho decidiu retirar o seu projecto de lei sobre o arrendamento e unir-se a Chan Meng Kam. A notícia chegou com surpresa, mas tem um propósito: reunir o maior número de deputados para que seja aprovado algum diploma que controle as rendas. Coutinho aceita mas quis, em retorno, apoio na aprovação da Lei Sindical

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap] deputado José Pereira Coutinho surpreendeu tudo e todos quando anunciou a retirada do seu projecto de lei sobre o arrendamento – apresentado na semana passada à Assembleia Legislativa (AL) e pronto para ir a votos na segunda-feira – para se unir ao deputado Chan Meng Kam.

“Sim, é verdade. Decidi unir-me ao grupo de deputado que também vai apresentar um projecto similar e com objectivos idênticos ao meu projecto”, começou por confirmar José Pereira Coutinho ao HM, enumerando pontos em comum entre os dois diplomas. “Os aspectos de controlo das rendas e referências no sentido de combater as pensões ilegais [são semelhantes]”, diz.

Assumindo que está a aliar-se a forças diferentes dentro da AL, o deputado – viu o seu colega do hemiciclo rejeitar alguns dos seus projectos – admite que esta aliança poderá ser benéfica para todos.

“Atendendo que o objectivo é aprovar a lei em causa, acho que seria importante eu subscrever este novo projecto e retirar o meu com o objectivo de que os residentes de Macau passem a ter uma Lei de Arrendamento num futuro próximo”, argumenta, esclarecendo que Chan Meng Kam conseguirá reunir mais votos a favor dos outros deputados.

A carta de pedido de retirada do projecto de lei foi enviada ontem a Ho Iat Seng, presidente da AL. “Acabei de assinar o projecto de lei [da equipa de trabalho de Chan Meng Kam] e acabei de enviar uma carta ao presidente da AL para solicitar a retirada do meu projecto”, confirmou ao HM, no final da conferência de imprensa organizada na Associação dos Trabalhadores da Função Pública de Macau (ATFPM) sobre a Lei Sindical.

Unir forças

[quote_box_right]“Atendendo que o objectivo é aprovar a lei em causa, acho que seria importante eu subscrever este novo projecto e retirar o meu com o objectivo de que os residentes de Macau passem a ter uma Lei de Arrendamento num futuro próximo” – Pereira Coutinho, deputado[/quote_box_right]

Pereira Coutinho não nega que a união traz algum interesse, já que assegura que recebeu uma garantia por parte de Chan Meng Kam de apoio ao projecto da Lei Sindical. “Foi uma das contrapartidas que lhe fiz e espero que [Chan Meng Kam] cumpra a promessa”, afirma.

Questionado sobre o número de vezes que Chan Meng Kam votou contra os projectos de lei encabeçados por Pereira Coutinho, o presidente da ATFPM justifica que “às vezes é necessário dar passos para a frente ou para trás, faz parte da vida, [que] é feita de muitas surpresas”.

“Vejo [esta união] de forma positiva, desde que [Chan Meng Kam] apoie o projecto da Lei Sindical tudo bem para mim, são mais apoiantes e aumentam as possibilidades da lei vir a ser aprovada. Apesar de ainda existirem algumas dificuldades”, argumenta.

Equipa de votos

A união a Chan Meng Kam vem ainda trazer mais votos. Pelo menos é nisso que acredita Pereira Coutinho. “Porque ao ser do Chan Meng Kam os outros dois [Song Pek Kei e Si Ka Lon] também vão apoiar, em princípio, sendo da mesma equipa, daí mais votos”, explica.

Recorde-se que um projecto de lei sobre esta matéria há muito tem sido anunciado pela deputada Song Pek Kei, que encabeçou um grupo de trabalho dedicado a este projecto. Também Gabriel Tong esteve envolvido, ajudando na parte jurídica. Questionada pelo HM, a deputada confirmou que irá assinar o projecto de lei em causa por fazer parte da equipa de Chan Meng Kam. “Se o deputado José Pereira Coutinho já falou com o deputado Chan Meng Kam faremos uma equipa. O que de nós os três [Chan Mang Kam, Si Ka Lon e Song Pek Kei] assinar o projecto está a representar toda a equipa. O que queremos é impulsionar a lei”, disse ao HM.

Sobre o projecto elaborado pela deputada, Song Pek Kei afirmou “que não está decidido quem poderá assinar esse projecto”, não dando qualquer informação extra sobre se o documento será ainda submetido à AL.

Num email enviado ao HM, Chan Meng Kam esclarece que avançou com o projecto com o objectivo de “desenvolver de forma saudável o mercado de arrendamento”. Sobre o convite ao deputado Pereira Coutinho, Chan esclarece que faz parte de uma tentativa de “angariar mais apoio” a um só projecto de lei.

12 Jun 2015

S. Januário | Rui Furtado e António Martins terão saído por burla de administrador

Limpezas no hospital?

12615P9T1[dropcap style=’circle’]R[/dropcap]ui Furtado e António Martins não viram o seu contrato renovado com os Serviços de Saúde (SS) devido ao envolvimento no caso do administrador do Hospital São Januário. Pelo menos é o que diz um comunicado dos Serviços de Saúde (SS), que refere que “posteriormente, os contratos [dos] dois cirurgiões não foram renovados”.

Recorde-se que Rui Sá, ex-administrador do Centro Hospitalar Conde de São Januário, foi condenado por crime de falsificação de documentos e burla. Tal como escreveu o HM, o responsável teria pedido a dois médicos cirurgiões que passassem receitas em nome dos pacientes, para depois recolher os medicamentos – para doenças crónicas – e apropriar-se deles. Os dois médicos não foram acusados, tendo servido apenas de testemunhas no caso. Contudo, agora é público que estes são Rui Furtado e António Martins, ambos ex-funcionários do São Januário.

Ora, os SS apresentam um comunicado assegurando não ser tolerantes face a infracções e anunciando melhorias na fiscalização do hospital. Mas, no mesmo comunicado, referem que a saída destes dois médicos se deveu ao envolvimento no caso e que Rui Sá foi despedido com justa causa.

“O réu obteve dezenas de prescrições de medicamentos através de dois ex-cirurgiões da nacionalidade portuguesa, apropriando-se, por vezes, com grandes doses de medicamentos para tratamento de insónia, Alzheimer e doenças do foro mental. (…) Posteriormente, os contratos destes dois cirurgiões não foram renovados”, pode ler-se.

Os Serviços de Saúde reafirmam que não são indulgentes com as infracções e têm exigido de forma rigorosa aos trabalhadores, que devem ser regulares na permanência no seu posto de trabalho, realizando de forma periódica palestras que visam a reforçar o cumprimento rigoroso da lei e da integridade por parte dos trabalhadores. Os Serviços de Saúde têm também realizado a revisão e aperfeiçoado permanentemente o mecanismo interno de fiscalização. O lançamento do rigoroso do regime de sistema electrónico na vertente de entrada, saída e de ausência permite a eliminação de actos ilícitos.

Análises e bloqueios

[quote_box_right]“O réu obteve dezenas de prescrições de medicamentos através de dois ex-cirurgiões da nacionalidade portuguesa, apropriando-se, por vezes, com grandes doses de medicamentos para tratamento de insónia, Alzheimer e doenças do foro mental. (…) Posteriormente, os contratos destes dois cirurgiões não foram renovados” – Comunicado dos SS[/quote_box_right]

O HM tentou contactar Rui Furtado, mas não foi possível até ao fecho desta edição. Não foi possível também contactar António Martins.

No comunicado à imprensa, o SS esclarecem que têm realizado a revisão e aperfeiçoado permanentemente o mecanismo interno de fiscalização e que, depois do caso do ex-administrador, as autoridades de saúde “efectuaram uma análise auto-crítica sobre regulamentos vigentes no que ao levantamento de medicamentos [diz respeito], de modo a bloquear eventuais lacunas”. Confirmando que denunciaram a situação “após a detecção das respectivas situações, tendo colaborado no julgamento na qualidade de assistente do processo”, os SS solicitam também que todos “os médicos dependentes dos Serviços e Unidades devem observar de forma rigorosa as respectivas regras, quando prescrevem medicamentos aos doentes”.

As autoridades esclarecem ainda que a administração se tem esforçado para reforçar o cumprimento rigoroso da lei e da integridade por parte dos seus trabalhadores, realizando a revisão e aperfeiçoamento permanentemente o mecanismo interno de fiscalização. “O lançamento do rigoroso do regime de sistema electrónico na vertente de entrada, saída e de ausência permite a eliminação de actos ilícitos”, concluem os SS.

12 Jun 2015

Viriato Soromenho Marques: “A nossa política doméstica é hoje política europeia”

Viriato Soromenho Marques, professor de Filosofia da Universidade de Lisboa, tem um extenso currículo, não apenas académico. Esteve em Macau para promover o seu novo livro intitulado “Portugal e a Queda da Europa”, no qual defende a abolição do Tratado Orçamental da UE e que o federalismo europeu não seja apenas penitência mas também salvação.

[dropcap style=’circle’]A[/dropcap] pontou diversos erros na construção da União Europeia, fazendo um diagnóstico não muito favorável. Por outro lado, apontou um outro caminho que seria mais federalismo. Isso faz-me lembrar o que Nietzsche diz de Kant: a raposa que destrói a sua jaula para a seguir construir outra e se meter nela…
(Risos) Refere-se à passagem da Crítica da Razão Pura para a Crítica da Razão Prática, não é?

Sim. Da crítica “radical” da possibilidade de conhecer à emergência do “radical”, “terrorista” imperativo categórico (risos).
De facto, penso que há uma consistência na minha afirmação, isto é, a construção europeia foi efectuada através de uma metodologia que, desde o início e para os observadores mais atentos, estava “impregnada” de deficiências de design, ou seja, de construção. Temos vários marcos das críticas que foram feitas. As críticas foram feitas em diferentes períodos: um deles que foi na década de 70, porque a ideia de uma união monetária – que é hoje a zona Euro – já vem bastante de trás. Praticamente, desde que a comunidade europeia se constituiu, em 1958, com um dos Tratados de Roma, que temos várias tentativas de a construir. A primeira – e a mais consistente – é de 1970 e tem o nome do Primeiro-Ministro do Luxemburgo [Pierre Werner], que ficou encarregue de fazer o esboço e é o Plano Werner, que consiste em fazer uma união monetária de 70 a 80, ou seja, em dez anos. Este é muito parecido com aquele que está actualmente em vigor. Tendo sido objecto de críticas válidas, se o plano actual é muito semelhante, as críticas são igualmente válidas. As deficiências que hoje vemos claramente são fruto do choque daquela estrutura com a realidade. A primeira crítica é a seguinte: uma união monetária só pode sobreviver se tiver uma grande solidariedade política e por isso é que as uniões monetárias – que a História verifica e que sobreviveram – são as que tinham o suporte de uma união política, geralmente de recorte federal ou aparentado…

Pode dar um exemplo, para entendermos melhor o que é realmente para si essa necessidade…, digamos, federal.
O exemplo mais puro é o do Federalismo Americano. Temos a Constituição Federal de 1787, aprovada e em vigor em 88, mas não temos o dólar nem nenhum banco central. No entanto, tinham já uma Constituição comum dizia as competências do Governo comum. Só timidamente, à medida que a realidade ia evoluindo, é que eles começaram a introduzir o dólar – em 1792 – e houve várias tentativas falhadas de fazer um banco central.

[quote_box_left]“Uma união monetária só pode sobreviver se tiver uma grande solidariedade política e por isso é que as uniões monetárias – que a História verifica e que sobreviveram – são as que tinham o suporte de uma união política, geralmente de recorte federal ou aparentado…”[/quote_box_left]

Está então a dizer que existem erros estruturais, conjunturais e também eventos dramáticos…
Um outro caso, a que eu chamo de império federal, foi o II Reich, de Bismarck. A Alemanha tinha 30 e tal unidades políticas e a Prússia liderava a unificação depois da vitória sob a França. Só em 1876 é que foi possível unificar todos os bancos centrais que existiam nos estados alemães e que na altura se chamava Reich Bank. Em 1871 fizeram a Constituição. Digo que [isto] era Imperialismo Federal na medida em que os estados continuavam a estar representados parlamentarmente; a única questão é que o imperador era sempre da Prússia. O Império Austro-Húngaro – que também tem traços democráticos – tinha uma união monetária que passava pelo crivo do Parlamento. Como era um império constituído por dois reinos, de dez em dez anos havia uma sessão especial do Parlamento que se debruçava sobre a renovação da união monetária… Nós nunca tivemos nada disto na zona Euro.

Sem união política, considera então impossível a união monetária?
Que funcione, sim. A união política permite criar uma esfera de Governo comum e a Comissão Europeia não é um governo comum, até porque precisam de ter um orçamento comum que permita fazer investimentos, políticas contra-cíclicas quando os Estados estão com dificuldades. Num governo federal, quando há uma expansão económica, o governo tende a contrair.

Quando fala de federalismo, está a falar de política, mas a verdade é que o Tratado Orçamental, que impõe a intromissão na definição dos orçamentos nacionais, não é só um instrumento económico mas, sobretudo, de economia política. No fundo, já existe federalismo através deste tratado…
Existe uma caricatura, na medida em que só existe o federalismo como penitência e não como salvação. Uma questão central tem que ver com o orçamento comum e a capacidade de políticas de coordenação económicas, que são duas coisas que efectivamente ainda não existem na Europa. O orçamento comunitário da UE corresponde a 1% do PIB e, quando o [Jean-Claude] Juncker e o [Durão] Barroso se sentavam com os chefes de Estados dos Governo, tínhamos 1% do PIB europeu sentado à mesa de 45% do PIB europeu, que é sensivelmente aquilo que os orçamentos dos governos representam. Temos uma desproporção absolutamente brutal. Para podermos falar de federalismo económico de um governo que tivesse capacidade de fazer as tais medidas, precisaríamos de ter um orçamento europeu, no mínimo, de 4% a 5%. Isto para um federalismo “low-cost”…

[quote_box_right]“Vale a pena ler o documento das propostas apresentadas por Juncker, depois destes quatro meses de negociação com Tsipras. É como se nada tivesse acontecido, as mesmas coisas. É o IVA a aumentar, exclusões de sectores de pessoas com problemas…”[/quote_box_right]

Isso significaria mais impostos para os povos europeus?
Neste momento temos 1% e não dá. Como é que vamos arranjar os tais 5%? Através da superação de uma outra desvantagem que a actual situação traz: não só não temos política de coordenação económica, como temos uma competição fiscal – no sentido português da palavra – terrível. Isto provoca situações como as empresas do nosso PSI 20 pagarem impostos na Holanda. A vantagem da coordenação económica é que obriga a algum federalismo fiscal. Isto significa simplesmente que o orçamento comum é baseado nos impostos e toda a gente percebe. Se perguntar como é que funciona o orçamento europeu, só um técnico é que sabe responder. Mas esta baseia-se no princípio de garantir que algumas economias são contribuintes líquidas e outras beneficiárias: é de paternalismo fiscal. A ideia é manter sempre sete ou oito países à frente.

É essa Europa que quer federalizar ainda mais, dando mais poder a estes países? Se já temos um federalismo na prática…
O que temos é uma “consolidação de Estado”, ou seja, uma forma de hegemonia misturada com uma partilha de soberania monetária e cambial, mas que é um federalismo só com desvantagens e sem a solidariedade e o desenvolvimento. É um sistema monstruoso e que, na minha perspectiva, não vai sobreviver muitos anos. O BCE é que tem salvo a Europa de uma desagregação que teria acontecido em 2010 ou 2011. A grande reforma que precisamos não são na Grécia ou Portugal, mas sim da zona Euro e a prova disso é o BCE. O próprio resgate da Grécia e Portugal era proibido pelo artigo 125 [Tratado de Lisboa] e é muito interessante, porque o mecanismo que foi encontrado é o da ambiguidade e falta de coragem de se dirigir ao cidadão. O artigo 125 é uma espécie de cadáver que está no Tratado… E o artigo 123, que proíbe o financiamento monetário. Ou seja, enquanto os bancos centrais de outros países compram as suas obrigações do tesouro no mercado primário e consegue fazer um financiamento político, o BCE compra a dívida que está sobretudo na posse dos bancos, no mercado secundário.

Então, pelos vistos, interpretando esse artigo do Tratado de Lisboa, conclui-se que os políticos europeus estão nas mãos desses bancos, fazem-lhes as vontades. Vamos federalizar mais para lhes dar ainda mais poder, para expandir e dar uma dimensão final às doutrinas neo-liberais?
Não. A proposta que defendo é a explicitação do federalismo e isso implica ser capaz de voltar ao princípio, à ideia de um tratado constitucional, definindo claramente as competências da esfera europeia, fazer uma reforma fiscal que permita habilitar esse governo a ser eleito pelos cidadãos com os recursos orçamentais necessários e impedir esta situação em que temos o Conselho Europeu a controlar o processo. A Comissão Europeia está neste momento na posição de “serva” do Conselho Europeu e não tem tido capacidade de iniciativa. Os tratados recomendam que todo o processo legislativo começa na Comissão e agora é ao contrário: todo ele começa nas reuniões do Conselho Europeu, por sua vez dominado pela Alemanha, às vezes com o apoio da França. Temos que fazer esse caminho – claro que a política é a procura da liberdade possível – mas também procurar evitar a “física política” – que é quando se faz a única coisa que se pode fazer. Estamos a ver que a política na Europa está a estreitar-se tanto que qualquer dia já só temos física, sendo só administrada a desordem.

[quote_box_left]“O que temos é uma ‘consolidação de Estado’, ou seja, uma forma de hegemonia misturada com uma partilha de soberania monetária e cambial, mas que é um federalismo só com desvantagens e sem a solidariedade e o desenvolvimento. É um sistema monstruoso e que, na minha perspectiva, não vai sobreviver muitos anos”.[/quote_box_left]

Neste enquadramento, também deu a ideia de que prefere uma solução que passe pelos partidos políticos tradicionais do que pela emergência de novas forças políticas ou novos conceitos, que acontecem em países como a Grécia, a Espanha ou a França. Em que sentido prefere os tradicionais?
O que prefiro é que exista uma consciência colectiva dos europeus no sentido de não voltarem as costas à Europa, porque é a casa que nós temos e, se ela se fragmentar, as ruínas caem-nos em cima. Julgo que tudo é possível porque entramos numa zona – com a Grécia – em que as regras já não se aplicam e é uma situação nova, porque é a primeira vez que um país da OCDE não cumpre os planos do pagamento do FMI e é, de facto, grave. É, sobretudo, feito num contexto em que não sabemos se vai haver acordo, pelo que se não houver, a Grécia terá que criar uma nova moeda. No entanto, isto vai ser uma confusão muito dolorosa para a Grécia e para o resto da Europa, porque não é só a questão dos credores oficiais, mas também da inserção deste país no mercado europeu, na medida em que os importadores e exportadores vão, certamente, ficar numa situação em que deixarão de estar interessados em vender produtos à Grécia, país com nova moeda e que vai ter que renegociar tudo com toda a gente.

Mas a dívida infinita também não é uma opção viável…
Não. Temos que ser rigorosos. Vale a pena ler o documento das propostas apresentadas por Juncker, depois destes quatro meses de negociação com Tsipras. É como se nada tivesse acontecido, as mesmas coisas. É o IVA a aumentar, exclusões de sectores de pessoas com problemas…

Não existe um regime de federalismo político assumido: com eleições, governo, presidente da Europa, nada… Mas há uma dúzia de bancários e políticos de determinados países que jogam no mercado financeiro e impõem aos países determinadas medidas.
Não lhe parece que podíamos aproveitar a Grécia para, pacífica e politicamente, começarmos a mudar as coisas? Era interessante. Essa racionalidade fazia sentido e julgo que os países que deviam ter logo aproveitado com a questão grega eram Portugal, Espanha e a Itália. O que eu acho inadmissível – e que os eleitores vão ter que punir estes governos nas próximas eleições – é que os governos de Portugal e Espanha não tivessem aproveitado, até porque sabemos que os ministros das finanças português e espanhol foram mais papistas que o Papa no Eurogrupo e isto significa que tanto em Portugal como em Espanha o que tivemos foram dirigentes partidários e não nacionais. Pensaram no seguinte: se conseguirmos ganhos por causa da Grécia, significa que toda a oposição que temos à nossa esquerda, vai ganhar as eleições porque vão perguntar porque não fizemos o que a Grécia fez. – É preciso que corra mal na Grécia para que nos corra bem a nós – é precisamente o discurso de Passos Coelho.

[quote_box_right]“Os ministros das finanças português e espanhol foram mais papistas que o Papa no Eurogrupo e isto significa que tanto em Portugal como em Espanha o que tivemos foram dirigentes partidários e não nacionais”[/quote_box_right]

Mas estes partidos do arco da governação são aqueles que defende…
Não exactamente. A reforma do sistema partidário pode assumir várias dimensões. Falamos dos casos grego e espanhol, onde está a ver-se uma reforma ao lado dos partidos tradicionais. Todavia, julgo que também é possível vislumbrar uma reforma da parte dos partidos tradicionais. Podemos conceber um processo misto, com o aparecimento de partidos convencionais que sejam capaz de dar a volta e ajustar contas com o seu passado, renovando-se, com novos partidos. No caso português, temos no espaço da direita uma certa renovação, com uma coligação que vai aguentar até ao fim e que vai partir outra vez para as eleições. A direita foi capaz de fazer uma coisa que a esquerda tem muita dificuldade em fazer, que foi unir-se, sempre com a perspectiva da manutenção do poder. Em relação à esquerda, vejo dois partidos mais pequenos – o PCP, que é um partido clássico que mantém basicamente as mesmas posições e o BE, que está numa posição de grande incerteza em relação ao futuro –, o aparecimento de uma força que vai disputar votos à esquerda, à direita e ao centro – que é Marinho Pinto – e a questão do PS, que é um grande enigma. Aparentemente, teria condições para se renovar e até produziu, com a equipa de Seguro, as primárias – que era um desígnio já muito antigo –, mas está a ser perturbado por uma grande dificuldade em não apenas calibrar o seu discurso programático mas também da narrativa do seu passado. A situação de ter um ex-primeiro-ministro preso não facilita a situação. Um dos grandes problemas do PS vai ser conseguir a demarcação muito clara relativamente à figura do anterior primeiro-ministro, mas também do método de fazer política que foi predominante durante esse período.

As Legislativas 2015 estão à porta e há a possibilidade do Governo mudar. Em que medida é que uma possível alteração de partido poderia influenciar a forma como Portugal se posiciona na Europa?
Julgo que a verdadeira escolha está, essencialmente, na compreensão de que a nossa política doméstica é hoje política europeia, tal como para Espanha, Grécia ou Itália. Qualquer possibilidade de contrariarmos a austeridade, que tem feito cair o investimento público a níveis tão baixos que só têm paralelismos históricos se recuarmos décadas, de ter capacidade para lutar contra a fragmentação financeira da UE, que faz com as nossas empresas tenham condições competitivas piores do que empresas da Europa Central… Tudo isto só será possível mudando as regras do jogo europeu. A melhor política que um novo governo pode fazer, pelo bem do nosso país, será a de dialogar extensivamente com forças de outros países. Temos algum tempo, mas não temos todo o tempo do mundo, partindo do princípio que a situação da Grécia não vai escalar muito mais. Aquilo que temos mesmo discutir é a questão do tratado orçamental e a minha posição é radical: este devia ser abolido, porque é um instrumento que não serve à UE. Se tivermos que encontrar uma posição intermédia, teremos que rever aquelas metas absolutamente irrealistas do défice e da dívida pública que nos condenariam a uma austeridade por, pelo menos, mais 20 anos.

[quote_box_left]“Um dos grandes problemas [do PS] vai ser conseguir a demarcação muito clara relativamente à figura do anterior primeiro-ministro, mas também do método de fazer política que foi predominante durante esse período.”.[/quote_box_left]

Disse que Portugal não tem uma lógica de projecto colectivo. Em que medida seria possível contornar esta sua ideia?
Maurice Duverger dizia uma coisa muito interessante quando aderimos à UE: ao entrarem na comunidade europeia, vocês, portugueses, parecem estar a reformar-se da História. Isto significa que Portugal não amadureceu suficientemente o seu desígnio estratégico, depois de termos rompido com uma tradição secular. A maioria dos portugueses e políticos não se apercebeu da mudança sísmica da revolução de 74: é que, nesta altura, não nos limitámos a substituir uma ditadura por um regime de democracia representativa. Já a tínhamos tido na Primeira República e na Monarquia. Em 74 interrompemos um ciclo em que a nossa identidade estratégica dependia de um apoio externo, que era o imperial. Em 74 estava em causa precisamente esta questão: onde é que vamos buscar este apoio externo? O país continuou a precisar disso… Adriano Moreira diz isso e eu apoio. Julgo que a Europa foi isso mesmo, mas não fomos capazes de perceber que a Europa era um espaço de luta e não de repouso. Devíamos ter negociado os termos de amarração na Europa.

Uma espécie de projecto nacional, como houve com os Descobrimentos… Resumimo-nos agora à selecção nacional de futebol e, esporadicamente, tivemos Timor, que foi um caso de sucesso.
Exacto. O falhanço nacional principal foi o Tratado de Maastricht. Em 1986 a negociação e as condições de entrada foram bem conseguidas. O que a democracia conseguiu não é nada que o Estado Novo não tivesse já pensado, até porque o primeiro pedido de adesão à comunidade europeia foi feito em 66, e não foi com Marcelo Caetano mas sim com Salazar, que pediu a adesão discretamente. Foi De Gaulle que se opôs porque tinha acabado de criar a sua política agrícola comum. Olhou para Portugal e pensou que era um país pequeno mas demasiado parecido com França: tinha muito agricultores. A vocação europeia não é nenhuma descoberta democrática, mas sim lógica.

Haveria outras alternativas?
De entre várias outras, há um projecto mais audaz, que seria o de uma união lusófona, que faria de Portugal um país descentrado da Europa, com uma base europeia, mas fundamentalmente centrado em África, que era o projecto de Norton de Matos. Nova Lisboa era o embrião de uma capital em África, o que seria uma experiência absolutamente extraordinária. O que falhou? O que falha actualmente: não se pode fazer isto nem um regime federalista sem democracia plena. Julgo que a actual crise que estamos a viver é também um momento para um despertar da nossa consciência nacional, de não estamos condenados à fatalidade, de pensar o país como um processo de venda a saldo do capital construído, dos bens imóveis, até que não exista mais nada. Este governo tem vendido tudo aquilo que constituía um suporte da nossa capacidade de autonomia em caso de sermos obrigados a seguir o nosso destino. No fundo, o nosso país está a ficar um país de assalariados.

[quote_box_right]“Temos que estreitar a cooperação com os PALOP, mas Portugal não pode pertencer a uma lusofonia mais forte se não tiver alguma coisa para oferecer. Devemos manter o projecto europeu, porque o que nos valoriza junto dos moçambicanos, brasileiros e angolanos é a nossa pertença à Europa.”[/quote_box_right]

O investimento chinês tem estado particularmente presente na área de investimento português. Como vê a influência da China em Portugal e que futuro augura?
A China é claramente uma potência que tem uma visão estratégica mundial, já não é só asiática, e também não tem estados de espíritos: partidos republicanos e democráticos, políticas conjunturais, nem presidentes burros ou inteligentes… Tem um projecto estratégico de décadas. Outro aspecto: a China não faz caridade e está a investir em Portugal porque neste momento é um bom negócio com empresas bastante válidas e estruturas lucrativas. Parece-me também que na perspectiva de projecção de poder no mundo, a China prefere a aliança e a parceria ao confronto e à dominação. Estando nós numa situação tão incerta e insegura em que a nossa permanência na zona Euro pode estar em perigo, é conveniente termos outras amarrações geopolíticas e geoestratégicas do ponto de vista económico com outras zonas do mundo. Temos que estreitar a cooperação com os PALOP, mas Portugal não pode pertencer a uma lusofonia mais forte se não tiver alguma coisa para oferecer. Devemos manter o projecto europeu, porque o que nos valoriza junto dos moçambicanos, brasileiros e angolanos é a nossa pertença à Europa.

Como aos olhos da China…
Faz todo o sentido fazermos parcerias com a China em vários sectores e talvez se tenha exagerado um pouco na percentagem de capital de cada sector que foi negociado e a culpa foi do nosso Governo. A Índia é também muito importante, mas os EUA também não devem ser esquecidos, tal como outros países. Diria que, à semelhança do que a região de Macau representa, também no que diz respeito ao investimento chinês em Portugal, o governo que vem a seguir deverá manter uma boa cooperação com a China.

com Leonor Sá Machado
leonor.machado@hojemacau.com.mo

12 Jun 2015

Angola e China “podem ir mais longe” na cooperação

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap] Presidente de Angola, José Eduardo dos Santos, manifestou-se esta terça-feira empenhado em “estreitar as relações com a China”, afirmando que os dois países “têm imensas potencialidades para valorizar” e “podem ir mais longe” na cooperação bilateral.

“A história tem demonstrado que é na base da confiança e do respeito mútuos que se forjam relações sólidas e duradouras, como a parceria estratégica com a China”, disse José Eduardo dos Santos no início das conversações com o homólogo chinês, Xi Jinping.

“Os laços de amizade e de solidariedade entre os nossos povos e países são muito fortes e queremos continuar a estreitá-los”, acrescentou.

As conversações decorreram no Grande Palácio do Povo, no centro de Pequim, depois de uma cerimónia de boas vindas com guarda de honra, salvas de canhão e o hino nacional dos dois países tocado por uma banda militar.

Dezenas de crianças agitando bandeiras de Angola e da China saudaram os dois presidentes.

Na avenida que passa no topo norte da praça Tiananmen, frente à imponente tribuna de cor de púrpura que dá o nome do local – Porta da Paz Celestial (Tiananmen) -, os candeeiros estavam ornamentadas com as bandeiras dos dois países.

“A China foi o país que mais depressa compreendeu a situação difícil de Angola no final da guerra, em 2002, e qual a ajuda que poderia dar à reconstrução nacional”, realçou o Presidente angolano.

Numa entrevista feita ainda com os jornalistas presentes na sala, salientou também que “em poucos anos, Angola conseguiu grandes progressos” e que “a China é hoje o maior importador de petróleo angolano”.

O velho amigo

José Eduardo dos Santos iniciou na segunda-feira uma visita de seis dias à China, acompanhado por nove ministros.

É a sua quarta visita àquele país em 27 anos, o que faz do Presidente angolano “um velho amigo da China”, como lhe chamou o homólogo chinês.

“Esta visita injectará novo ímpeto na parceria estratégica entre China e Angola”, disse o presidente chinês, que é também secretário-geral o Partido Comunista Chinês (PCC), o cargo político mais importante do país.

Xi Jinping definiu “o aprofundamento das relações com Angola” como “uma política consistente da China”, afirmando que esse relacionamento “é um modelo da cooperação mutuamente vantajosa” que o seu país mantém com África.

“África é um amigo seguro da China e a China fará o seu melhor para que África alcance a paz e o desenvolvimento económico”, declarou.

Orgulho e estratégia

[quote_box_right]”A China foi o país que mais depressa compreendeu a situação difícil de Angola no final da guerra, em 2002, e qual a ajuda que poderia dar à reconstrução nacional” -José Eduardo dos Santos, Presidente angolano[/quote_box_right]

Evocando o 40.º aniversário da independência de Angola, que se assinala em Novembro próximo, o Presidente chinês disse que o MPLA, o partido no poder, e o povo angolano “devem estar orgulhosos” pelas “extraordinárias mudanças” entretanto ocorridas no país.

O programa de José Eduardo dos Santos na China inclui ainda uma deslocação a Tianjin, o maior porto do norte do país, a cerca de 150 quilómetros da capital, e um fórum económico com quase 200 participantes.

Xi Jinping visitou Angola em 2011, quando era vice-presidente da China, e foi também nesse ano que os dois países assinaram um “acordo de parceria estratégica global”.

Devido à acentuada diminuição do preço do petróleo no mercado mundial, no primeiro trimestre deste ano, o valor das exportações angolanas para a China caíram cerca de 50% em relação a igual período de 2014.

A China anunciou que ajudará financeiramente Angola a “superar as dificuldades” criadas por aquele fenómeno, mas não especificou o montante da ajuda.

Segundo fontes chinesas, o volume dos empréstimos e das linhas de crédito concedidos pela China a Angola desde 2004 rondará os 15.000 milhões de dólares.

11 Jun 2015

Visita | Secretário de Estado da Justiça reúne hoje com Sónia Chan

Podem vir aí mais oportunidades de alargar a cooperação judiciária e judicial entre Macau e Portugal. Sem discutir pormenores, António Costa Moura frisou a possibilidade de as duas regiões poderem colaborar no que à adopção de crianças diz respeito. Ideias que ainda não passam disso, mas que estarão hoje em debate

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap] Secretário de Estado da Justiça, António Costa Moura, vai debater hoje com Sónia Chan diversas ideias no âmbito da cooperação judicial e judiciária, onde se encaixam algumas que já estão em andamento, mas também novas, como é o caso da cooperação no âmbito da adopção.

Realçando o facto de não se querer adiantar às entidades de Macau, Costa Moura disse ao HM que poderá haver a possibilidade de cooperar para que seja possível agilizar o processo de adopção de crianças dos dois locais. “A ideia é eventualmente [discutir] a área da adopção, através da qual podemos enriquecer o relacionamento bilateral. Temos uma lei da adopção que é aberta ao mundo e é uma ideia, mas não é algo que queria lançar sem falar com as entidades [de Macau]”, frisou em declarações ao HM, à margem da recepção oferecida pelo Consulado de Portugal à comunidade portuguesa, que ontem teve lugar.

Costa Moura realça que “não há qualquer acordo firmado” ainda sobre este assunto, sendo que no encontro com Sónia Chan se vai fazer um balanço sobre os acordos que estão, esses sim, já em vigor.

O Secretário de Estado fez questão de deixar firme “a ideia de que o Governo de Portugal quer seguir o trabalho na área dos serviços prisionais, formação de magistrados, segurança pública e no cumprimento escrupuloso dos dois acordos de cooperação”, que versam sobre a transferência de pessoas condenadas e na cooperação em matéria jurídica e judiciária.

Questionado pelo HM sobre se há algo mais que pode ser aprofundado nesses acordos, Costa Moura foi peremptório: há sempre.

[pull_quote_left]O Governo de Portugal quer seguir o trabalho na área dos serviços prisionais, formação de magistrados, segurança pública e no cumprimento escrupuloso dos dois acordos de cooperação[/pull_quote_left]

“A cooperação tem de ser um exercício de dois movimentos, não pode ser imposta por um ou outro lado. Tem de ser querida e tem de resultar em vantagens para ambas as partes. Temos algumas áreas, nomeadamente a prisional – como formação e técnicas de reinserção social – em que estamos já a fazer coisas em conjunto. Mas não há nada que impeça que este quadro de cooperação possa ser alargado a outras áreas do sistema prisional. Mas ainda é prematuro, antes de falar com entidades, isto são [apenas] ideias que temos”, ressalva.

Costa Moura encontra-se também hoje com a Associação dos Advogados de Macau (AAM) e assegura ao HM “estar aberto para discutir” o que os advogados quiserem. O Secretário, que representou Portugal no Dia 10 de Junho, afirma que haverá “uma franca troca de ideias”.

Sereno elogiado, Sónia elogia

António Costa Moura fez ainda questão de agradecer ao cônsul Vítor Sereno pela competência na representação de Portugal em Macau. Sem esquecer “as autoridades locais e a comunidade”, o “profundo agradecimento” mais destacado foi para o cônsul “pelo profissionalismo, competência e dedicação” na sua carreira e na causa pública que é servir os interesses do Estado português no exterior. “Confirmei ao longo desta tarde [ontem] o cumprimento disso mesmo”, disse.

Entre mais de 200 pessoas que ontem encheram a residência consular, discursou ainda Sónia Chan, Chefe do Executivo interina – já que Chui Sai On está fora de Macau. Chan referiu, novamente, a utilização de Macau como plataforma entre a China e os PLP, elogiando os “resultados positivos” das diversas entidades criadas para esse efeito.

Caso disso é o Fórum Macau, que “contribuiu para elevar a influência internacional de Macau e promoveu uma diversificação adequada das indústrias de Macau”, como disse no seu discurso.

[pull_quote_right]A cooperação tem de ser um exercício de dois movimentos, não pode ser imposta por um ou outro lado. Tem de ser querida e tem de resultar em vantagens para ambas as partes[/pull_quote_right]

A também Secretária para a Administração e Justiça assegurou que o Governo da RAEM vai continuar empenhado na promoção do “desenvolvimento dos empreendimentos dos PLP em Macau e no interior da China”, bem como vai “incrementar, em conjunto com o [continente], a cooperação com os PLP, a União Europeia e os países latinos”.

Promessas ainda de que o Executivo vai continuar a respeitar a “multiculturalidade, a promover a economia e a melhorar a qualidade de vida, criando melhores condições de vida e de trabalho para toda a população, incluindo os portugueses residentes em Macau”.

Vítor Sereno, que se fazia acompanhar no palco pelos Conselheiros das Comunidades Portuguesas José Pereira Coutinho e Fernando Gomes – que faltaram às comemorações da manhã por “motivos de trabalho”, segundo a Rádio Macau – prometeu melhorar o trabalho no Consulado.

 


 

Alexis Tam e a importância da comunidade lusa
“Uma coisa é certa. Todos nós pensamos [no Governo] que os portugueses são elementos essenciais para Macau”, afirmou Alexis Tam, em declarações à Rádio Macau, ontem, durante a recepção à comunidade na Residência Consular. Destacando ainda o contributo da comunidade portuguesa para a história e para o património do território, o Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura garantiu que o Governo tem criado “as condições” para a comunidade portuguesa se “sentir bem” no território e que a ideia é promover o uso do Português no território. “Estou com esperança que mais tarde a língua portuguesa ainda vai ser muito falada em Macau. É este o meu trabalho e eu faço o melhor possível para chegar a este objectivo”, disse à rádio.

Banda da PSP toca o hino
A banda do Corpo de Polícia de Segurança Pública (CPSP) voltou a tocar o hino português durante o hastear da bandeira de Portugal, nas cerimónias oficiais do dia 10 de Junho. “Pela primeira vez, em 15 anos, tivemos a banda ao vivo. Estou muito grato ao senhor Secretário para a Segurança e ao senhor comandante do CPSP por este gesto de cortesia, de boa vontade, que evidencia claramente o nível de excelência que a RAEM tem com Portugal. Estou muito satisfeito com isso”, afirmou o cônsul-geral de Portugal, Vítor Sereno, aos microfones da Rádio Macau. O Grupo de Escuteiros Lusófonos também marcou presença, bem como seis escolas chinesas e portuguesas.

11 Jun 2015

Português | Mais de metade dos discursos de Chui Sai On sem tradução integral

Desde que assumiu funções como Chefe do Executivo que Chui Sai On nunca fez um discurso em Língua Portuguesa e mais de metade do que disse em público só mereceu uma tradução “do conteúdo essencial”. Agnes Lam mostra-se “surpreendida” com esse facto, enquanto que Amélia António defende uma tradução completa das palavras do governante

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap] Gabinete do Chefe do Executivo confirmou ao HM que, em mais de cinco anos à frente dos destinos da RAEM, Chui Sai On fez um total de 202 discursos em público, tendo 192 sido proferidos em Chinês. Mais de metade, 116, não mereceram contudo a tradução integral para o Português, a segunda língua oficial do território. Apenas 76 discursos foram traduzidos para Português na sua totalidade.

Por discursos oficiais contam-se não apenas as vezes em que Chui Sai On discursou perante uma audiência específica, mas também as ocasiões públicas em que respondeu a perguntas da imprensa chinesa em eventos públicos. O facto de 116 discursos não terem sido traduzidos na sua totalidade para a língua de Camões significa que as informações passaram por uma selecção prévia antes de serem divulgadas junto da comunicação social.

Segundo a nota oficial enviada ao HM, “o Gabinete de Comunicação Social (GCS) traduziu o conteúdo essencial dos mesmos, publicando-os sob forma de comunicados de imprensa”.

No que diz respeito ao Inglês, “do total de 202 discursos, ao considerar as exigências ditadas pela ocasião, o Chefe do Executivo proferiu dez discursos directamente em língua inglesa (não incluídas as traduções feitas da língua chinesa)”.

A resposta enviada ao HM surge no seguimento do artigo “Isto aqui não é Hong Kong”, que analisava o uso do Português por parte do Governo, com base num artigo publicado no South China Morning Post. Este jornal denunciava uma descriminação face ao Inglês na região vizinha, mas analistas locais consideram que o Português não sofre este tipo de problemas em Macau, sendo que representantes de altos cargos do Governo o usam em situações públicas.

Apesar da inexistência de traduções integrais de algumas palavras de Chui Sai On em público, o Governo considera que “sempre respeitou o uso da Língua Portuguesa na RAEM, atribuindo-lhe alto valor”.

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[quote_box_right]“Isto surpreende-me bastante, porque nunca pensei que não fosse providenciada a tradução integral. Penso que o Chefe do Executivo tem de ser mais consciente em relação a este aspecto” – Agnes Lam, docente da UM[/quote_box_right]

Confrontada com os números, Agnes Lam, docente da Universidade de Macau (UM) na área da Comunicação Social, e ex-candidata às eleições legislativas, mostrou-se surpreendida com a situação.

“Isto surpreende-me bastante, porque nunca pensei que não fosse providenciada a tradução integral. Penso que o Chefe do Executivo tem de ser mais consciente em relação a este aspecto, porque o fornecimento de informações à comunidade deve ser uma prioridade. Há recursos para isso e deveria ser feito, não é justo que não seja providenciada a versão integral.”

A docente lembra, contudo, que a existência de constrangimentos ao nível dos recursos humanos pode ditar que muitas palavras cheguem mais tarde à comunidade portuguesa.

“Claro que a melhor solução seria providenciar toda a informação em Chinês e Português ao mesmo tempo, uma vez que são ambas as línguas oficiais e é esse o protocolo. Compreendo que podem haver constrangimentos ao nível da tradução, mas mesmo que não haja uma tradução integral no momento, os meios de comunicação social portugueses deveriam ter acesso à versão completa mais tarde”, disse Agnes Lam.

Amélia António, presidente da Casa de Portugal em Macau (CPM), refere que a língua mais importante “é, obviamente, o Chinês, dado que a população em geral é o público a que se destinam [os discursos]” e defende que é compreensível que o líder do Executivo fale em Chinês. Contudo, aponta que “fazer a tradução integral em Português seria simpático e era um contributo e uma afirmação do estatuto de língua que o Português tem”.

Uma das representantes da comunidade portuguesa em Macau salienta, no entanto, que não se podem estabelecer comparações com o anterior Chefe do Executivo, Edmund Ho, que dominava o Português. “Estamos perante pessoas com personalidades e maneiras de estar diferentes. Não se pode avaliar o interesse pela comunidade dessa forma. Edmund Ho é uma pessoa com um grande à vontade e com um temperamento muito amigável e expansivo e sempre teve um modo de lidar com a comunidade muito franca e aberta. O actual Chefe do Executivo é uma pessoa mais reservada e com uma forma de estar mais formal”, concluiu Amélia António.

11 Jun 2015

Da Primavera e do Outono

[dropcap]E[/dropcap]m 1046 a.C., há cerca de 3.500 anos, em plena Idade do Bronze, os Shang travavam a mais crucial batalha contra os Zhou, onde é hoje a província de Henan, na bacia do Rio Amarelo, berço da civilização chinesa.

A batalha de Muye opôs o exército dos Shang, de 700.000 homens, contra os Zhou, possuidores de uma força de 4.000 carros de guerra e 48.000 homens, ditando a queda dos primeiros.

Esta batalha iria dar origem à mais longa dinastia da China, a dos Zhou, nada mais que 790 anos (1046 – 256 a.C.), dividindo-se em complicados sub-períodos, nem por isso menos interessantes.

É no período chamado “Primavera e Outono” (770 a.C. – 476 a.C.) que se afirmam, na falta de outro termo, as quatro escolas filosóficas chinesas: o Taoísmo, o Confucionismo, o Mozismo e o Legalismo.

Conta a lenda que Lao Tzu, antes de transpor as portas de Luoyang para desaparecer no horizonte Ocidental, deixou escrito o Tao te Qing, os fundamentos do Taoísmo, que contém este belo trecho, entre tantos outros:

[pull_quote_center]Havia algo de indeterminado antes do nascimento do Universo.
Essa qualquer coisa vagueia sem cessar.

Como não lhe conheço o nome, chamo-lhe Tao (Caminho, Via)
Com um nome deve ser a Mãe de todas as coisas
Sem nome, é o Antepassado dos deuses.[/pull_quote_center]

Do legado Taoísta, à benevolência do Confucionismo, segue-se a entrada do Budismo na China dos Han (206 a.C. – 220 d.C.) pela Rota da Seda, estabelecendo-se uma como que trindade de crenças, onde ao conceito cósmico, dinâmico e abstracto do Taoísmo se conjugam os princípios éticos do Confucionismo e a oportunidade da extensão temporal por via da crença Budista na roda das encarnações.

No Império do Meio o tempo passa a ter uma outra dimensão.

O tempo do tempo

Das altas montanhas debruadas de nuvens, às magnificentes capitais e à grandeza dos seus inventos, dir-se-ia que toda a longa história da China parece ter sido tecida – pura ilusão – para desembocar num conceito que lhe era exógeno, o da República.

[quote_box_right]Este breve olhar sobre a história milenar de um país que, nas últimas décadas, assistiu a uma transformação quase ímpar no desenrolar da história do mundo, fez-me lembrar um outro, no Extremo Ocidental da Europa, que, também há poucas décadas, teve o ensejo de se poder metamorfosear em um país democrático, moderno e desenvolvido, mas, dessa Primavera, resta-lhe apenas, apesar do céu azul, um ar Outonal. [/quote_box_right]

A República mais não significou que a primeira tentativa de resgate de um sistema decadente e corrupto cujo final, protagonizado pela Regente Ci Xi, mostrou a distância e o alheamento com que o Império era (des)governado.

Após o período revolucionário liderado por Mao Zedong, a China percorre em 30 anos, como país mais populoso do mundo, um caminho em direcção ao que Deng Xiao Ping apontou: “Socialismo não tem de significar pobreza”. E nos subsequentes planos quinquenais e no estabelecimento do princípio Um País Dois Sistemas conduzem com firmeza o país a uma Economia Socialista de Mercado, um dos conceitos-chave que iriam, num curtíssimo período, criar uma classe média de 400 milhões, uma classe milionária assinalável, e colocar a economia chinesa no topo da escala mundial. Apesar dos quase 100 milhões que vivem ainda abaixo da linha de pobreza, das migrações e da sustentabilidade ambiental constituírem um desafio para o governo central, a República Popular da China é hoje uma presença mundialmente poderosa.

Este breve olhar sobre a história milenar de um país que, nas últimas décadas, assistiu a uma transformação quase ímpar no desenrolar da história do mundo, fez-me lembrar um outro, no Extremo Ocidental da Europa, que, também há poucas décadas, teve o ensejo de se poder metamorfosear em um país democrático, moderno e desenvolvido, mas, dessa Primavera, resta-lhe apenas, apesar do céu azul, um ar Outonal.

11 Jun 2015

Pesca em Macau | Até que a morte os identifique

[dropcap style=’circle’]N[/dropcap]ascer a bordo de um barco e nunca ter sido registado faz deles, à luz das leis, imigrantes ilegais, pessoas sem certidão de nascimento, passaporte ou sequer terra natal. Muitos dos pescadores que atracam barcos nos cais do Porto Interior tiveram uma vida difícil, sendo forçados, pela vida, a trabalhar desde muito novos, quando a maioria brincava no parque e aprendia as regras da Matemática e dos caracteres chineses. Ká che é apenas uma de entre centenas de pescadores que passaram por esta experiência, apenas descrita como “uma de tantas outras”. Agora, na casa dos 60 anos, a actual gestora do cais “Hip Lei” – ou Ponte 30 – conta com a ajuda de mais meia dúzia de sexagenários para a confecção das refeições diárias e mais uns quantos ajudantes que facilitam a aproximação e estacionamento dos barcos junto ao cais.
Macau foi, desde o início, uma cidade particularmente virada para o mar. A pesca insere-se no sector primário, juntamente com a agricultura. Uma vez que a cidade era rodeada pelo rio, os habitantes fizeram por usufruir disso mesmo. No início do século XX, cerca de 1/3 da população local vivia nos barcos, ainda que muitos se ficassem pelos cais e não estivessem no mar a tempo inteiro. Actualmente, o sector tem vindo a perder adeptos, tanto no caso de trabalhadores, como de compradores. A grande maioria do peixe aqui consumido provém do continente e das águas do território vizinho, sendo também pescado por embarcações destes locais. No entanto, o Governo tem vindo a desenvolver uma série de projectos de apoio ao sector, de forma a ressuscitar a pesca em Macau.

É tudo uma questão de peixe

Ká gere aquele local, cobrando uma taxa diária aos barcos que por ali quiserem atracar. “cada dia de atra- cagem neste cais custa 120 patacas por barco e há espaço para seis”, ilustra a pescadora reformada, que conseguiu a residência permanente em Macau devido a um acordo entre o sector e o Governo, que data já das décadas de 40 e 50, quando a grande maioria dos pescadores nascia no mar, mas tinha família de Macau.

[pull_quote_right]Existem mais de dez pessoas [na nossa família] que nasceram no mar e o meu pai é residente de Macau, mas a minha mãe não e por isso não tem identidade. – ‘Ká che, ex-pescadora actual gestora do cais “Hip Lei”’ [/pull_quote_right]

A vida destas pessoas é feita nos barcos e alguns têm mais de 70 anos, mas não têm coragem de sair para as ruas por causa dessa falta de identidade.[/quote]A agora idosa passa os seus dias entre ferro-velho, redes de pesca usadas e peixes em processo de seca, aguardando pela chegada dos seus dois irmãos, ambos dedicados ao mar. No entanto, Ká che não esquece a sua história, já que hoje em dia o tempo é muito e as memórias infinitas. “A vida no mar é muito difícil e eu comecei a trabalhar com 10 anos de idade”, começa por contar. Ao HM confessa ainda que o horário de trabalho nunca é definido, já que só acaba quando o mar assim dita. Entre explicações e ensinamentos, Che deixa fugir uma confissão: “eu também nasci no mar”. No entanto e ao contrário de vários dos seus sobrinhos, a ges- tora do cais Lei Hip conseguiu, ao falta de identidade”, confessa a antiga profissional de pesca. A esperança é, alegadamente, a única a morrer, mas Che conta que, devido à falta de conheci- mentos de leitura e escrita destes pescadores, é pouco provável que o Executivo lhes forneça permissão de residência.

TNR que estão lá para ajudar

“Este negócio já tinha desaparecido se não fosse pelos TNR da China que trabalham nos barcos”, confessou Fung Hee. O presidente da Associação de Auxílio Mútuo dos Pescadores de Macau abre a porta da sede a todos os curiosos da profissão. unnamed-2
Naquele primeiro andar ou- vem-se peças de majong a ser baralhadas e o cenário é logo ali imaginado: um grupo de homens a passar o tempo livre enquanto o mar não chama por eles. “Em média, há seis ou sete TNR em cada barco e neste momento há em circulação cerca de 160 barcos, o que contrasta com os 600 que havia na década de 80”, explica o dirigente. No total, cada embarcação não leva mais de dez pessoas, dois deles sendo frequentemente o casal proprietário do transporte.

Longe da poluição

Neste momento, as águas preferidas dos pescadores locais estão perto de Hong Kong e a norte da China. Há ainda quem opte por se ficar por Hainão, uma ilha bastante mais longe do território. É o caso da família de Sze Lam, residente em Macau e filha de pescadores. “O meu pai tem um barco juntamente com dois irmãos e passa a maioria do tempo em alto-mar”, começa a jovem por explicar. Hoje em dia, algumas coisas parecem ter sido facilitadas, como são os regressos do pai e dos tios ao território em ocasião de festivi- dades como o Ano Novo Chinês. “Quando há datas importantes, eles vêm muitas vezes de avião porque é mais barato do que voltar no barco”, conta. Sze nunca teve uma relação próxima com o mar nem trabalhou na embarcação da família, mas a sua voz denota felicidade quando refere que hoje em dia vê o seu pai mais vezes, em termos anuais, do que há uma década. Na associação e nos cais, as tardes vão-se enchendo de jogos chineses, conversas de café e bafos de cigarro, enquanto o enjoo de estar em terra não assola o estômago dos mais sensíveis. Hee, o presidente da associação, também já foi pescador.

“Dantes gostava muito do que fazia, mas hoje reconheço que a água está muito mais poluída, o que implica mais tempo de viagem para encontrar peixe”, refere. A poluição obriga a mais gastos de combustível, algo que Sze diz influenciar bastante o lucro de todos os meses. O pai da jovem tem 50 anos e percorre rio e mar durante vários meses, na esperança de dar à sua família um nível de vida aceitável. Shantou – zona do Mar da China do Sul – é outras das áreas preferidas para a actividade piscatória.

Emprestar para suprir a escassez

Vida de pescador é, como referido, passada entre mar e terra, ondu- lação e chão firme. Este método faz com que apenas seis meses do ano potenciem lucros, deixando a restante metade à mercê da sorte, dependente do número de peixe vendido. Para tentar minorar esta dificuldade, a Direcção de Serviços para os Assuntos Marítimos e de Água (DSAMA) desenvolveu uma série de ajudas destinadas ao sector piscatório. “Dantes gostava muito do que fazia, mas hoje reconheço que a água está muito mais poluída, o que implica mais tempo de viagem para encontrar peixe”, disse Hee.

Normalmente acordava de madrugada, perto das quatro. O almoço faz-se às oito da manhã e o jantar às quatro da tarde. — Fung Hee Presidente da Associação de Auxílio Mútuo dos Pescadores de Macau
Um dos mecanismos dá pelo nome de “plano de formação para pescadores durante o período de defeso da pesca” e pretender ajudar estes profissionais durante o período “morto” da profissão. “Este programa pretende reduzir as dificuldades económicas dos pescadores que não têm ordenado durante a interregno da actividade, bem como ajudá-los a elevar as competências e dominar outras técnicas”, refere a DSAMA em resposta ao HM. De acordo com a entidade, foram mais de 400 pessoas as que integraram o programa do ano passado. Há ainda o Fundo de Desenvolvimento e Apoio à Pesca, que distribui dinheiro ao sector. A DSAMA explica que foram investidas mais de 50 milhões de patacas desde a sua criação, em 2007. A justificação para a existên- cia deste fundo é, de acordo com o Governo, “a importância do sector piscatório” para Macau. Já no ano passado, foram aprovados apenas dez casos com um investimento de 5,7 milhões de patacas. Ao todo, a DSAMA diz ter aprovado e investido em 159 casos desde a criação desde fundo.

À parte dos dois modelos referidos, Hee conta que há ainda a possibilidade de pedir emprésti- mos ao Executivo, podendo estes chegar às 800 mil patacas. “Além do empréstimo, que é fácil de pedir e obter, também temos isenção de imposto”, revela o presidente da associação. No entanto, há que lembrar o caso já referido, de pescadores sem identidade nem passaporte, que por não saberem ler nem escrever, são forçados a permanecer anónimos, presos pelo vergonha de sair à rua.

O ferry de hoje foi o peixe de ontem

Fung Hee conta como se faz a vida lá fora, até porque se há coisa que não falha é a memória. “Normal- mente acordava de madrugada, perto das quatro. O almoço faz-se às oito da manhã e o jantar às quatro da tarde”, começa por explicar. A cama recebe os pescadores perto das seis da tarde, hora em que descansam os braços e a redes, apenas para recomeçar as lides algumas horas depois. Se, por um lado, algumas profissões foram facilitadas pelo tecnologia, a pesca não parece ter sido uma delas. As queixas são várias e entre elas está a necessidade de percorrer mais quilómetros para encontrar peixe de qualidade e, consequentemente, um maior gasto de combustível. “Dantes, havia muito peixe naquela que hoje é a rota do ferry entre Macau e Hong Kong”, diz Hee. Os tipos de peixe, esses, são variados, mas no caso de Hee, eram enguias e Peixe Dourado que mais caíam na sua rede. As ruas do Porto Interior, onde estamos, não são tão barulhentos como a zona que lhe antecede, do Patane. O Rio das Pérolas não cheira ao Tejo e o céu não é o de Lisboa, mas é precisamente isso que faz daquele local único, um dos mais marcantes da cidade e que melhor a define.

2 Abr 2015