Extradição | Governo retira lei da AL. Deputados divididos

O Governo decidiu retirar do hemiciclo a proposta de lei de assistência judiciária inter-regional em matéria penal com Hong Kong e China, por forma a melhorar a lei. Deputados dizem não conhecer conteúdo do diploma

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] lei sobre os acordos de extradição dos infractores em fuga a celebrar com a China e Hong Kong, intitulada “lei de assistência judiciária inter-regional em matéria penal” foi retirada pelo Governo da Assembleia Legislativa (AL), um mês após a sua entrega. Segundo um comunicado oficial, Sónia Chan, Secretária para a Administração e Justiça, justificou a decisão com a necessidade de fazer melhorias na lei.
“Devido às grandes diferenças no regime de jurisdição de Macau, interior da China e Hong Kong, o tempo necessário para as negociações no âmbito de assistência judiciária em matéria penal tem requerido mais tempo do que o previsto. Para que a lei da assistência judiciária inter-regional em matéria penal possa ser funcional, foi decidido alterar a estratégia e o processo legislativo”, pode ler-se. Tudo para que a lei tenha mais operacionalidade, apontou ainda Sónia Chan.
De frisar que há cerca de um mês o presidente da AL, Ho Iat Seng, disse à Rádio Macau que o hemiciclo tinha rejeitado o diploma por conter falhas técnicas.
Os deputados com quem o HM falou afirmam desconhecer o conteúdo da lei, mas nem todos criticam a acção do Governo. José Pereira Coutinho e o seu número dois, Leong Veng Chai, são os mais críticos.
“É bastante estranho que esta lei tenha sido retirada antes de ser distribuída pelos deputados. O presidente da AL não está numa situação de poder para sugerir e tomas decisões sem antes consultar outros deputados. Acho que este é um mau precedente, todos temos interesse em conhecer o conteúdo original do projecto de lei do Governo”, disse Pereira Coutinho.
“Nunca tivemos nenhum contacto com a lei”, referiu Leong Veng Chai. “Não consigo adivinhar as razões pelas quais o Governo tirou a lei. Claro que o Governo não foi transparente o suficiente”, apontou ainda.

Processo natural

Opinião contrária tem Gabriel Tong, deputado nomeado. “É uma maneira de cooperação e trabalho entre o Governo e a AL. Neste ponto ainda não pensei bem no processo normal e não tenho qualquer comentário. A Secretária disse que tudo se deveu às diferenças (jurídicas) entre as partes e o Governo ainda tem de ponderar mais”, afirmou.
Também Zheng Anting, eleito pela via directa, considerou normal este processo de retirada do diploma. “O Governo tem as suas considerações, porque é uma lei que envolve o interior da China e Hong Kong, com diferentes jurisdições. Penso que é melhor que haja mais tempo para o Governo considerar melhor, a retirada da lei foi devidamente pensada. Se não há razões que sustentem o lançamento da lei se calhar este não é o momento certo para a apresentar. Não há problemas”, disse o deputado.

20 Jun 2016

Notários privados | Advogados não estão contra limites do Governo

Notários privados de Macau não se mostram contra limites impostos pelo Governo para novo Estatuto dos profissionais. Uma profissão que exige muita idoneidade, rigor e que está cada vez mais difícil. Neto Valente não acha elevado o número de sanções na última década

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]a passada semana, 23 advogados entregarem uma carta à 2ª Comissão Permanente da Assembleia Legislativa (AL), manifestando-se contra os limites, definidos pelo Governo, na candidatura para o curso de notário, a abrir ainda em data indefinida.
Em causa está, especificamente, a barreira na candidatura a todos os advogados que tenham sido condenados com pena disciplinar acima da censura.
Ana Fonseca, advogada e notária, está de acordo com as exigências do Governo. “Compreendo que se seja muito exigente em relação à idoneidade. A mim não me repugna que não se permita a advogados que tenham qualquer pena disciplinar superior a censura que lhes seja vedado o acesso ao notariado”, explica ao HM. É para na visão da profissional “ser notário implica uma idoneidade mais exigente”, algo que sempre esteve em discussão.
“Repare, a questão vem já do passado, quando foi criado o notário privado, com a própria acumulação de funções de advogado com notário privado. Ao ser-se advogado é suposto estar a intervir e a defender uma parte, como notário [o profissional age] como uma espécie de magistrado, com isenção e imparcialidade a documentar o negócio que ambas as partes querem”, referiu.
Uma decisão do Governo que “até faz sentido”, até porque, diz, com tantos possíveis candidatos é natural que o Governo queira seleccionar aqueles que nunca foram sancionados. “A partido momento que existe um universo de candidatos mais do que suficiente para as necessidades, ou para o número de vagas que possivelmente existirá, faz todo o sentido que eles [o Governo] estejam a limitar, ou a fazer passar à frente aqueles advogados que nunca foram objectos da sanção disciplinar”, refutou.
Ideia que não é partilhada pelo advogado Jorge Neto Valente que acredita que “com tantas exigências” a que a função de notário obriga não “haverá muitos interessados”.

Cara do Executivo

O ser-se idóneo parece ser o argumento mais forte para justificar a escolha do Governo. Diz o advogado Luís Almeida Pinto concordar com a decisão, sendo que é preciso frisar que “independentemente do dispositivo legal que venha a ser aprovado nesta matéria, a relevância social do exercício de tais funções de natureza pública, e a fé e credibilidade de que devem revestir todos os actos dos Notários Privados, exige que os Advogados em exercício de tais funções tenham um registo disciplinar muito próximo do impoluto, sob pena de se poderem estabelecer suspeições e incertezas sobre os actos por si praticados, em absoluto prejuízo da autenticidade e fé pública que os actos notariais têm que merecer.
Um notário representará sempre o Governo, aponta, e isso é crucial para o desenvolvimento da sua profissão. “O exercício da função de notário privado, em Macau, terá sempre que ser aferida pelas exigências e regras de competência e credibilidade das funções dos Notários Públicos. Jamais nos poderemos esquecer que o advogado que é notário privado representa o Estado, a RAEM, e que, em nome desta, assegura o controlo da legalidade e que a vontade das partes está de acordo com a lei aplicável ao acto, dando garantia de autenticidade aos actos em que intervém, como depositário e afirmador da fé pública, a qual é uma prerrogativa exclusiva do Estado, da RAEM”, apontou.
Nessa medida, todas as exigências de controlo e fiscalização terão que ser admitidas relativamente a esses profissionais, mas “tão somente quanto aos actos e exercício das suas funções de notário”. “O advogado que confunda o exercício da sua profissão liberal com a de notário, ou que incumpra regras fundamentais do exercício de autoridade pública delegada, pondo em causa a fé pública dos seus actos notariais, deverá ser sancionado e impedido de exercer tais funções de natureza pública. Tanto pelo órgão público tutelar, como pela Associação de Advogados de Macau (AAM), porque o advogado terá incorrido também, nesse caso, em incumprimento de regras deontológicas da profissão”, reforça. neto valente

Números em destaque

Jorge Neto Valente explica ainda ao HM que a “AAM limitou-se a concordar com o Governo”. “Não sei quem são [os advogados que assinaram e entregaram a carta] mas desconfio que seja para proteger alguém em especial”. Para o advogado a argumentação, por parte dos assinantes da carta, de que a associação a que preside atribui multas com muita frequência, não é verdadeira. “Há muita gente que pensa que punimos pouco. Eu até acho que há penas que não são muito penalizadoras. Não acho que nos últimos dez anos tenham sido muitas”, explicou. Entre 2006 a 2016, houve 17 casos de sanções disciplinares, envolvendo nove advogados e um estagiário. Registaram-se ainda sete suspensões de exercício de actividade envolvendo cinco advogados e um estagiário a quem não foi atribuída idoneidade para a prática da profissão. “Se há sanções é porque os advogados fizeram asneiras”, reforça ainda Neto Valente.

Um ponto de partida

Para o advogado João Encarnação é preciso ver a questão de uma forma mais ampla. “Os requisitos para admissão ao curso de notário e à sua função têm de ser definidos em algum ponto, se é na pena de advertência, multa, censura ou suspensão, em alguma delas terá de ser. Obviamente que os advogados e notários praticam uma função essencial à sociedade, nomeadamente os notários têm determinadas responsabilidades que lhes exige um grau de idoneidade muito elevado. Tem de exigir confiança por parte do Governo, portanto é preciso estabelecer que pessoas que tenham um currículo disciplinar que não se coaduna com a profissão, não possam exercer essa função”, começa por apontar.
João Encarnação assume que não tem um “padrão” para definir esse ponto, porque a argumentação pode atribuir razões a várias possibilidades. “Teremos sempre razões para achar que [os limites ao curso] devem ser a partir da advertência, multa ou mesmo só para quem tenha sido suspenso. Eu diria que a multa é um meio termo, a advertência seria muito pouco, porque toda a gente se pode enganar e às vezes a advertência surge por um descuido ou um engano praticado pelo advogado. A suspensão só existe por actos bastantes graves. E no meio está a multa. No meio está a virtude e é capaz de não ser mal pensado”, argumentou, admitindo que não tem uma opinião inflexível.
O mesmo diz Pedro Leal, também advogado, que defende que “a generalização que é feita, qualquer pena acima da censura pode não ter a ver com a qualidade técnica do profissional”, algo que dependeria de cada caso. “Analisar caso a caso, para perceber qual a causa da censura, iria implicar um esforço muito grande, mas deveria ser feito, porque há casos em que este tipo de sanção poderá não estar ligado à qualidade.”

No mesmo saco

João Encarnação faz notar a amplitude da aprovação da proposta. É que estas alterações vão fazer-se sentir em todos os profissionais, ao contrário do que a população poderá pensar. “Isto é um requisito que se vai aplicar a todos os advogados. Também se aplicará a todos os que já estão em funções, embora só a penas que tenham sido aplicadas já depois da entrada da proposta em vigor. Mas, qualquer que seja a determinação do Governo aplicar-se-á a todos os notários, sendo que a mim também, por isso, posso afirmar que não me repugna que o limite seja a partir da multa, mas poderia ser a partir da suspensão. É uma questão de ver quais são os argumentos do Governo”, rematou.

20 Jun 2016

Hovione | Empresa vai expandir-se. Moradores do Edifício do Lago queixam-se do fumo

Numa altura em que a empresa do sector farmacêutico se prepara para entregar um plano de expansão ao Governo, os moradores da habitação pública na Taipa mostram-se descontentes com os fumos da fábrica. Hovione garante que não são tóxicos

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]s moradores do Edifício do Lago, complexo de habitação pública na Taipa, estão preocupados com os fumos que diariamente saem das chaminés da Hovione, empresa local do ramo farmacêutico. Contudo, e segundo o canal chinês da Rádio Macau, a empresa descarta qualquer toxicidade dos fumos expelidos.
Eddy Leong, director-executivo da fábrica da Hovione, explicou que o fumo é oriundo “do sistema de abastecimento de gás”, sendo que nos dias em que os valores de humidade relativa no ar são mais elevados “é normal sair algum fumo branco”. “Passa-se o mesmo nos hotéis de luxo. Já apresentamos várias explicações junto do público e o Governo tem conhecimento disto”, referiu. Johnny Cheong, responsável pela parte de produção, referiu que é normal que o fumo contenha maus cheiro devido à utilização de alguns materiais, sendo que a Hovione faz testes antes da emissão dos fumos. Johnny Cheong também confirmou que os fumos não são tóxicos nem perigosos para a população.
O director-executivo frisou que é feita uma fiscalização rigorosa das instalações, sendo que a inspecção de segurança é feita por uma entidade de Hong Kong. A Hovione mantém ainda contactos estreitos com os Serviços de Protecção Ambiental (DSPA), enviando relatórios de forma regular ao Executivo, disse Eddy Leong.

Expansão em curso

A Hovione está entretanto a preparar a expansão da fábrica, tendo Eddy Leong confirmado ao canal chinês da Rádio Macau que o pedido está a ser feito ao Governo. A expansão será feita com recurso a um espaço vazio que a Hovione já possui, sendo que o processo tem vindo a ser pedido ao Governo desde 2001.
Eddy Leong explicou que tanto a produção como o número de trabalhadores têm vindo a aumentar nos últimos anos, pelo que a Hovione necessita de mais espaço. A empresa promete não pedir mais terrenos ao Governo, e planeia a abertura de mais laboratórios.
O director-executivo espera que a operação da Hovione possa continuar em Macau, pelo facto da maioria dos seus trabalhadores serem locais, afastando, para já, a hipótese de expansão para o interior da China. Eddy Leong referiu, contudo, que está aberto a outras localizações, esperando pelas condições que o Executivo irá oferecer no futuro. Segundo o website da empresa, a Hovione emprega cerca de 140 pessoas de Macau.

20 Jun 2016

Manuel Wiborg | Encenador, actor: “O teatro serve para fazer as pessoas pensar”

O actor e encenador português Manuel Wiborg esteve em cena ontem no Teatro D. Pedro V com “O jantar com o André”, peça que tem sofrido algumas peripécias e que aborda em si o pensar o próprio teatro e os seus actores

Como é que começou nos palcos?
Foi por acaso. Sou o oitavo de dez irmãos e os meus pais sempre cultivaram em nós o gosto pelas artes. Assistia às coisas que iam aparecendo novas em Lisboa desde a Pina Bausch ao François Truffaut. Os meus irmãos mais velhos pintavam, tocavam ou faziam artesanato , todos tínhamos um gosto pelas artes mas não no sentido profissional. Aos 17 anos no liceu também fiz a minha banda de rock com que estive cinco anos e demos vários concertos. Não éramos profissionais apesar de ganharmos já algum dinheiro com a música. Era também o vocalista e muito tímido. Dávamos os concertos mas achava que não fazia a performance que se deve fazer. Em 1988 surgem em Portugal os primeiros cursos de teatro apoiados pelos fundo social europeu. Frequentei um destes cursos, de dois meses, no Teatro Espaço, para me desinibir enquanto performer e cantor e é aí que me apaixono pelo teatro. Faço esse curso e aquilo começa a fazer mais sentido para mim.

Trocou a música pelo teatro?
Ser actor começou a fazer mais sentido do que ser cantor . Depois saltei para outro curso, entro para o conservatório, faço o primeiro ano e começo a receber convites para trabalhar o que fez com que o segundo ano tivesse três inscrições sem nunca o ter terminado. Comecei a trabalhar muito, tanto na televisão como no cinema. Comecei nas telenovelas na NBP, estive no nascimento dos Artistas Unidos, fiz parte do teatro da Malaposta e crio a minha própria companhia – Actores e Produtores Associados – em 97. Aos 40 anos fechei a companhia e agora sou freelancer. Desde 2008, a crise económica é grande e os subsídios são poucos mas lá vou fazendo as minhas peças.

As dificuldades de dar início a uma vida de artista são muito conhecidas, mas parece que no seu caso não se aplicam…
Na vida de um artista há sempre sorte. Ser bom ou mau nestas coisas é uma coisa relativa, porque depende da opinião de quem financia e do público. Essa é a fragilidade de um artista porque não se sabe se vão gostar do nosso trabalho ou se vai ser comprado. Mas a sorte cria-se, como diz o ditado “a sorte favorece os audazes” é preciso ser audaz também. Sempre fui uma pessoa muito disciplinada no trabalho, sempre trabalhei muito exactamente porque sei que é uma profissão de grande risco. Gosto muito dela e gosto de fazer as coisas à minha maneira e por isso senti a necessidade de criar a minha própria companhia para poder escolher com quem queria trabalhar. Acho que também sou um privilegiado.

Que conselho deixaria a esta gente nova que se está a ver “aflita”?
A única coisa que posso dizer é que não fiquem em casa à espera que os chamem para trabalhar. Esse é o grande problema dos actores: ficarem à espera que os chamem. Eu comecei como actor e tive a curiosidade de também fazer um curso de produção para aprender um bocadinho sobre isso e fiz o meu próprio projecto. Umas vezes batemos em portas e levamos negas, outras nem por isso. O conselho é esse, não podemos ficar á espera. Temos que perceber o que queremos fazer no teatro porque há muito teatro diferente. Temos que nos conhecer neste meio e perceber o que é o nosso gosto. Isso não é evidente nem surge de repente, vai-se aprendendo e refinando e temos que lutar por isso. wiborg1.sofiamota

Como é que apareceu esta peça que traz a Macau?
O interesse nasceu em 2002 quando ainda tinha a companhia. Achei na altura uma peça muito interessante mas não a produzi logo porque achava que não seria o momento mais pertinente para a fazer. Em 2013 quando o teatro começou a ser menos convencional e começaram a aparecer muitas coisas também ligadas à performance é também quando começa a aparecer um debate mais ligado ao próprio teatro. Ao observar esse fenómeno que acontecia em Portugal, e julgo, em todo o mundo, é que esta peça começou a fazer sentido.
A peça é um jantar entre dois artistas. Um, é um encenador de grande sucesso mas que chega a um determinado momento da vida e começa a colocar-se questões existenciais por achar que o que faz já não faz sentido. Abandona o teatro e vai em busca do desconhecido à procura de um sentido da vida e do teatro. O outro é um tipo que não tem dinheiro, um dramaturgo que não consegue vender as peças que faz e que também é actor para poder ganhar a vida. São dois artistas e actores muito diferentes mas que são amigos porque os dois pensam o teatro e colocam-no em causa. Numa altura em que se fazia isso em Portugal, fez-me sentido fazer a peça.

Era previsto “O meu jantar com o André” ser com o Diogo Dória…
Esta peça é uma grande história. Estreei-a em Novembro de 2013 no Teatro Taborda e inicialmente foi feita com o actor António Filipe. Entretanto, em 2015, tivemos um apoio à internacionalização mas o António adoeceu com um cancro quando já tínhamos agendado ir, em Abril, aos Estados Unidos e vir cá em Junho. Queira manter o António, adiei as apresentações internacionais para ver se ele recuperava e a podia fazer. A DGArtes dá-me um adiamento de seis meses, mas não foi o suficiente para poder tê-lo de volta. Solicito novo adiamento de mais seis meses e chamo o Diogo Dória para fazer a substituição. O texto é muito grande e muito complexo e demora muito tempo a decorar. Nos Estados Unidos fizemos uma leitura encenada mas prevíamos que aqui já apresentássemos o espectáculo acabado. O Diogo teve dificuldades em decorar o texto, acho que foi por isso, e de um momento para outro penso que por estar muito nervoso e inseguro , a uma semana de virmos para Macau, diz-me que não quer vir. Fiquei completamente em choque porque tenho os compromissos com uma série de instituições mas não podia fazer nada em relação ao Diogo. Liguei para Macau a saber se era possível fazer um espectáculo ainda não acabado. Disse à Ana Paula Cleto que dadas as características do espectáculo não se perderia muito em fazer uma leitura encenada em vez de uma peça acabada. Desde que a história se ouça bem as pessoas ficariam presas à peça e entrariam bem dentro da cabeça dos personagens. A Ana Paula achou que sim e pronto. Chamei o João Vaz e cá estamos. Perguntei também ao João se conseguiria decorar o texto em um mês e dez dias para que o levemos completo ao Porto , onde não pode ser uma leitura encenada. Ele disse que sim e já está também a trabalhar nisso .

Não tem receio de que desta forma desiluda o público que aqui o veio ver?
Depende das expectativas do público. Mas não sei bem responder a isso. Julgo que não, desde que a leitura seja muito bem feita e se entenda bem. Penso que as pessoas não se sentirão muito defraudadas se ouvirem esta peça e se entrarem dentro da cabeça dos personagens. Mas claro que quando dizemos que é uma leitura encenada e não um espectáculo as pessoas ficam a pensar que é menos. Mas não quer dizer que seja porque esta peça vive muito da audição do texto.

Conseguem contracenar tratando-se de uma leitura?

Sim. Quer dizer ele não poderá olhar muito para os meus olhos porque tem que olhar para o texto e isso perde-se mas estamo-nos a ouvir e a contracena passa muito por aí. E o ouvir é fundamental. Isso é a principal contracena.

Como escolhe as peças que faz?
Gosto de fazer peças sobretudo por duas razões. Uma é o que é que elas me dizem a mim, ou seja, muitas peças que encenei e em que era protagonista eram escolhidas porque gostava daquele papel. Outra das razões é conforme o que se passa no mundo, na sociedade e na arte, achar que determinado texto faz sentido ser levado naquele momento a cena.

Fazer teatro televisão ou cinema, tudo a mesma coisa?
É exactamente como se eu tivesse três filhos. Gosto dos três e tenho que trocar a fralda aos três, porque esse é o mercado de trabalho de um actor. Mas há sempre um que se gosta mais que o outro, mesmo que isso não seja politicamente correcto. De facto, gosto mais do teatro porque tem a grande diferença de ser ao vivo, não há cortes. Aqui está-se em directo com o espectador. Sente-se a vibração do público e isso dá uma outra maneira de estar e mexe connosco a nível de energia. O actor muda em função desse feedback. Essa relação energética, abstracta enublada que não sei definir é realmente uma coisa completamente diferente.

Para escolher as personagens e as peças que faz, qual o critério?
Porque gosto e porque me identifico. Nas personagens cativa-me o que são e o que dizem. Identifico-me com o que aquele personagem representa. Esse é o meu critério. Outro é porque acho que o que a sociedade está a viver tem a ver com aquele texto. O teatro serve para isso. Para fazer as pessoas pensar.

Como assim…
A arte no seu sentido mais essencial tem a haver com generosidade. A arte muda o mundo, muda as pessoas e serve para isso. Os artistas além de um ego forte têm que não se sentir confortáveis no mundo em que vivem, têm que inventar um novo mundo. Sinto isso, que vivo mais harmoniosamente no mundo da arte do que no real. Há também a necessidade de comunicar alguma coisa que sentimos no nosso íntimo e que não podemos fazer na vida real. Há quem diga que representamos na vida real porque estamos dentro de convenções e não podemos andar na rua a dizer tudo o que pensamos. O que o palco tem de fantástico é que ali posso ser absolutamente verdadeiro. Posso fazer e dizer o que me der na cabeça porque é um espaço sagrado e estou defendido. Ninguém me pode atacar por isso. Até posso fumar!

Primeira vez em Macau…
Em Macau e na China. O mais oriente que estive foi em Moçambique e ainda não tive oportunidade de conhecer Macau. Mas estou a gostar porque gosto muito de outras culturas. Aqui ainda estou a descobrir o que é isto e a tentar usufruir um bocadinho disso. Ainda não sei se as culturas diferentes que aqui vivem coabitam em harmonia ou não, mas deve haver quem viva e quem não viva.

Também tem ADN de outras culturas…
Sim e desde pequenino que sinto isso. Aliás acho que o meu gosto pela miscigenação e por outras culturas tem muito a haver com isso. O meu bisavô era norueguês e apaixonou-se por uma portuguesa. Não o conheci mas conheci a filha, a minha avó. Mas sempre senti que tenho aqui uma coisa diferente do português comum. Sou um português e sinto-me como tal mas acho que tenho uma costela de uma coisa que é nórdica.

Em que sentido?
Digamos que os nórdicos pensam mais à protestante e os portugueses à católico. O protestante é mais responsável pelos seus próprios actos e o católico tem sempre o perdão de Deus. Tenho um bocadinho dos dois.

20 Jun 2016

Função Pública | Funcionários falam de ambiente de medo e pressão

Um ambiente de medo e pressão. É assim que alguns funcionários públicos relatam o seu dia-a-dia. Chefes inflexíveis que só ouvem “amigos” prejudicam um local que deveria ser bom. Com consequências graves, é a estabilidade da família que os faz ouvir e calar

[dropcap style=’circle’]É[/dropcap] inegável. Trabalhar na função pública parece ser bastante bom. “Na nossa cultura é normal querermos ir trabalhar para o Governo. Os nossos pais passam-nos essa ideia, que trabalhar na função pública é mais estável, ganhamos mais dinheiro e não há muitos riscos. Não temos de trabalhar muito”, diz-nos Weng, jovem residente de Macau, que, como tantos outros, anseia o momento da publicação dos resultados da candidatura para a função pública. Tem 23 anos e não quer fazer outra coisa. “Quero trabalhar no Governo”, reforça.
Como ela, “quase todos” os seus amigos seguem-lhe os passos. A própria Weng está a fazer aquilo que muitos outros também fizeram. Mas será assim tão bom trabalhar na função pública? Um salário chorudo, horário fixo e leveza na densidade de trabalho serão motivos suficientes para dizer que este é o melhor emprego do mundo?
“É horrível! As pessoas não imaginam o que é trabalhar nos departamentos do Governo. Basta ir perguntar às pessoas, é normal que ninguém queira falar, mas as famílias, a sociedade sabe: não é bom trabalhar na função pública”, responde Ku, funcionário público há 10 anos, que prefere ocultar o departamento onde trabalha.

Silêncio, por favor

Ku começa por explicar que “nem todos os departamentos são maus” mas a realidade mostra que em “quase todos” os sectores registam casos de “abuso de poder”.
“O que reina, entre os funcionários, é o medo. Não podemos dizer nada, não nos é dada a hipótese de expormos as nossas ideias, darmos as nossa opiniões. Já para não falar das queixas. Se o fazemos sofremos consequências, já todos ouvimos histórias dessas e muitos de nós já sentiram as consequências na pele”, continua, afirmando que o próprio é um exemplo disso.
“O meu trabalho é bastante metódico. Escrevo muitos documentos. O nosso sistema informático é antigo, e não há vontade de actualizar, temos de trabalhar com o que há. Não é raro na escrita as vezes darmos erros, normalmente os softwares dão aviso de erro. O nosso não, portanto torna-se ainda mais comum que os documentos possam ter, por vezes, alguns erros. Aconteceu-me comigo, várias vezes. E com os meus colegas. Éramos constantemente repreendidos por uma coisa que podia ser facilmente resolvida. Resolvi apresentar uma sugestão à direcção para instalar um dicionário no nosso software e resolver o problema”, recorda o funcionário público.
A sugestão não foi bem vista pelas chefias que sem tolerância perante o funcionários decidiram atribuir-lhe um castigo, por este ter admitido que errou outras vezes. “Fui castigado, tiraram-me três dias de vencimento alegando que eu tinha errado. Não ouviram a minha sugestão e continuam a acontecer erros. Isso nota-se, por exemplo, nos comunicados à imprensa, ou em qualquer outro documento interno”, aponta, frisando que “fazer o bem quando se têm um chefe que se acha superior e perfeito não adianta”. “É melhor estar calado e deixar a máquina andar sem condutor”, lamenta.

Pressões e tragédia

Com a equipa do HM estão 10 funcionários públicos. Todos eles com relatos mais ou menos graves. O pior caso é a de uma jovem funcionária pública, contada pela boca de Lao, colega de trabalho da vítima. “É muito vulgar os superiores hierárquicos ralharam de forma indiscriminada. Por tudo e por nada, com ou sem razão. A nossa colega estava grávida e todos os dias era alvo de berros e a fúria do chefe. Todos os dias eram berros e mais berros. Muitas vezes lá ia ela para a casa-de-banho chorar. Um dia depois de uma sessão de berros foi para a casa-de-banho uma vez mais, mas demorou muito. Fomos ver o que se passava, estava desmaiada no chão. Infelizmente perdeu o bebé”, relata.
O silêncio invadiu a sala e as caras não pareceram surpresas. “Há muitas histórias como esta”, remata, Cheong, funcionário público com mais de 30 anos de serviço. Leong acrescenta que “seja homem ou mulher, um dia todos cedem e acabam por chorar, de nervos ou de estar farto”.

Amigos à parte

Leong relata ainda situações em que o chefe se torna “altamente inflexível”. “Nós que trabalhamos no terreno sabemos mais do que eles [chefes] e como vamos dar uma opinião ou uma sugestão se eles são inflexíveis? Não querem ouvir? Só se for amigo da pessoa, ou filho de alguém importante”, aponta.
Uma postura de chefe e nunca de líder, os funcionários descrevem um ambiente de pressão laboral. “Todos os dias vamos para o trabalho com medo. Se erramos vamos ouvir berros, é-nos tirado parte do ordenado”, partilha.
Questionados sobre uma possível mudança de trabalho, olham-nos com ar de surpresa. “Não há ordenados como na função pública. Como vamos alimentar as nossas famílias?”, responde Lao.

O “2 5”

Falar para a comunicação social é sempre “um grande problema” e a participação na vida social e política é melhor manter bem longe. Quase todos tinham marcado presença em pelo menos uma manifestação do 1º de Maio. Recordam o ano em que muitos foram de máscaras. “Sabemos que temos consequências se formos para as manifestações”, frisa Leong. Muitas vezes concordam com o que leva as pessoas à rua, mas é melhor ficar a ver, ao longe, para garantir a renovação do contrato de trabalho.
Pior que é isso é método “espião”, mais conhecido por “dois (2) cinco (5)”. “Ás vezes em jantares de trabalho e convívios há um espião, o dois cinco, enviado pelos chefes para tentar saber coisas. Nós pensamos que estamos num ambiente de amigos e até podemos desabafar sobre qualquer coisa, ou criticar os chefes e o espião vai contar tudo. Temos sempre de ter cuidado. Depois fazem-nos a vida negra”, conta um dos funcionários que preferiu não ser identificar.

Influência chinesa

Questionados sobre as possíveis diferenças entre a governação antes e depois da transferência da soberania, aqueles que trabalharam nos dois sistemas não têm dúvidas: “era muito melhor”.
“Com os portugueses podíamos debater assuntos, dar opiniões, havia estímulo, agora não, é mais estilo chinês, ordem e respeito ao chefe”, apontou um dos funcionários que conta com mais de 32 anos de serviço.
Questionado sobre as acusações António Katchi, ex-funcionário público, jurista e docente de Administração Pública no Instituto Politécnico de Macau (IPM), fundamenta a possível mudança de comportamento.
“Depois da transferência do exercício da soberania, Macau continuou a ter um regime político local formalmente semelhante, mas subordinado agora a um regime político nacional estalinista putrefacto, o qual reforçou aqui o poder da sua velha parceira de negócios, a oligarquia local. Tendo em conta este pano de fundo, creio podermos considerar compreensível – o que não significa “aceitável” – a evolução negativa que se registou, quer na faceta liberal do regime político de Macau – que está permanentemente sob ameaça e sofre frequentes facadas -, quer no ambiente interno da função pública”, afirmou ao HM. [quote_box_right]“Ás vezes em jantares de trabalho e convívios há um espião, o dois cinco, enviado pelos chefes para tentar saber coisas”[/quote_box_right]Com a transição o ensino primário e secundário continuou a ser “esmagadoramente dominado por escolas privadas diversas obediências, qual delas a mais conservadora: escolas católicas, escolas protestantes, escolas pró-Pequim, escolas pró-Taipé. Muitos dos alunos saídos dessas escolas foram estudar para universidades da China continental e de Taiwan (e recordemos que Taiwan vivia sob uma ditadura militar fascista até ao início dos anos 90)”.
“Ora, é deste caldo político-cultural que saíram muitas das pessoas que, a partir dos anos 90, começaram a ser apressadamente içadas para os altos cargos da Administração Pública, no âmbito do processo conhecido como ‘localização de quadros’. Algumas outras eram mesmo oriundas da China continental e, de entre estas, uma ou outra vinha directamente das fileiras ou do submundo do Partido ‘Comunista’ Chinês. Estes novos dirigentes, normalmente muito jovens e cheios de vontade de impor a sua autoridade a pessoas mais velhas, mais experientes e amiúde mais qualificadas, vieram substituir pessoas oriundas de Portugal, de onde vinham imbuídas, em maior ou menor grau, dos valores que se tornaram dominantes em Portugal após a Revolução de 1974. A tudo isto acresceu uma especial admiração do primeiro Chefe do Executivo, Ho Haw Wah, por vários aspectos – em geral, os mais negativos – do regime político e da Administração Pública de Singapura. Essa sua admiração, pelos vistos partilhada pela então Secretária para a Administração e Justiça, inspirou o Governo a iniciar uma política indiscriminada de “formação” de funcionários públicos, sobretudo de pessoal de direcção e chefia, em Singapura. Foi como se o farol da Administração Pública de Macau tivesse passado de Portugal para Singapura”, argumentou.

Para nada

As diferenças são então inegáveis, como por exemplo, no apoio à formação. Cheong conta que ele e os seus colegas são obrigados a frequentar formações que em nada lhes são úteis e, sempre, em horários pós laboral.
Este é também um dos exemplos que António Katchi partilha. “(…) Nos anos 90, [os] dirigentes encaravam muito positivamente a decisão dos trabalhadores de tirarem um curso de licenciatura e faziam o possível, dentro dos limites da lei e tendo em conta as necessidades dos serviços, para lhes facilitarem essa acumulação do trabalho com os estudos. A maioria dos actuais magistrados, quer judiciais, quer do Ministério Público, e muitos dos titulares de altos cargos na Administração Pública, beneficiaram desse encorajamento e dessas facilidades. Após a transferência do exercício da soberania, os novos governantes e muitos dos dirigentes da Administração Pública passaram a tentar barrar a ascensão educacional e profissional dos trabalhadores da Administração Pública: não só deixaram de os encorajar, como passaram a dificultar-lhes o estudo por diversas formas – impondo-lhes a prestação frequente de trabalho extraordinário, obrigando-os a frequentar cursos de “formação” inúteis ou de fraca utilidade para o serviço, impedindo-os de sair do serviço um pouco mais cedo para poderem comer e chegar às aulas a tempo e horas, proibindo-os de estudar no local de trabalho mesmo quando não têm nada para fazer, entre outros – , chegando mesmo ao ponto de violar direitos consagrados na lei, como as faltas para exame”, relata.

Mecanismo a caminho

Em reacção, o director dos Serviços de Administração e Função Pública, Kou Peng Kuan garantiu que “criar um bom ambiente de trabalho para os trabalhadores da função pública foi desde sempre uma preocupação do Governo”, daí o Executivo ter apresentado uma proposta para a criação de um mecanismo de tratamentos de queixas dos trabalhadores.
“Este mecanismo serve para fomentar o diálogo entre os trabalhadores e os serviços, resolver atempadamente os eventuais desentendimentos e conflitos entre as partes, criando, deste modo harmonia no ambiente de trabalho”, continuou.
O director explica ainda que o mecanismo prevê a criação de uma entidade imparcial, uma comissão, que “vai acompanhar o resultado do tratamento dos serviços das questões apresentadas pelos trabalhadores, com o objectivo de garantir a justiça e a imparcialidade no tratamento das queixas, e determinar que o trabalhador não pode ser prejudicado em virtude de ter apresentado queixa”.
Compete aos SAFP a formação de recursos humanos para essa averiguação. “O SAFP vai proporcionar formação e orientações aos trabalhadores dos serviços públicos responsáveis pelo tratamento de queixas assegurando um tratamento adequado das queixas, para que, desta forma, seja implementado o mecanismo de queixas e criado um bom e harmonioso ambiente de trabalho”, explicou o director.
“Quer dizer, é o próprio serviço que está a ser acusado que trata da queixa, ou que pede a alguém para tratar da queixa? Não, isto está errado. Este mecanismo de queixas tem que ser efectuado por outra entidade, uma de confiança. Que garanta a segurança do trabalhador. É preciso justiça. O que tem acontecido em Macau, nos seus serviços públicos, é que muitas vezes, quando há um problema a ser analisado, os directores já sabem o que vai acontecer, qual a decisão. Dizem que estão a avaliar mas não”, reagiu Cheong, trabalhador. [quote_box_left]“O que reina, entre os funcionários, é o medo”[/quote_box_left]
Com ou sem mecanismo, no fim, aponta, os mais prejudicados são os cidadãos. “O medo reina na função pública. Eu admito, se vir alguma coisa a acontecer a um colega de trabalho, nunca serei testemunha dele. Tenho medo de represálias e de perder o emprego. Temos medo, temos medo. Quem sofre mais são os próprios cidadãos. Se nós prestamos mal o serviço, como é que vai chegar à sociedade? Pior! O que acontece é que dados errados e informações incorrectas são atribuídas aos cidadãos por causa de todos estes erros e falhas no sistema”, rematou Cheong.

ATFPM recebe 50 queixas por dia

José Pereira Coutinho, presidente da Associação dos Trabalhadores da Função Pública de Macau (ATFPM), não se mostrou admirado quando confrontado com os casos. “É o prato de cada dia”, afirmou. A associação que dirige, conta, recebe “uma média de 50 casos por dia”. “Os trabalhadores da função pública sofrem muitas pressões desnecessárias, deixou de existir um diálogo honesto de olhos para olhos entre superiores e inferiores. A maioria dos trabalhadores são considerados como máquinas. Isto resulta pelo facto de que as pessoas escolhidas para cargos de direcção, e chefia, terem sido escolhidos sem preparação. Isto porque são, normalmente, amigos de amigos”, acusa. Em reacções ao mecanismo a ser criado, Pereira Coutinho não tem dúvidas: “é inútil”.

17 Jun 2016

Cartório Notarial | Santa Casa propôs renda mais baixa ao Governo

António José de Freitas, provedor da Santa Casa da Misericórdia, confirma que chegou a propor ao Executivo uma renda de 800 mil patacas, uma redução de 40%, para o espaço onde ainda se situa o Cartório Notarial, mas não voltou a ser contactado

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap] provedor da Santa Casa da Misericórdia (SCM), António José de Freitas, já tinha proposto uma redução da renda do rés-do-chão da SCM, onde funciona o 1º Cartório Notarial. Ao HM, António José de Freitas referiu que propôs uma redução do actual valor de 1,2 milhão de patacas para 800 mil patacas mensais, ou seja, menos 40%.
“Falei com a Secretária para a Administração e Justiça, Sónia Chan, num evento informal, e disse que a irmandade estaria disposta a reduzir a renda, caso o Governo tivesse intenção de continuar com o espaço. Mas esta intenção da SCM caiu em saco roto, até que, há dois dias, soube pela comunicação social da retirada do 1º Cartório Notarial. A SCM nunca foi tida nem achada. Também abordei o assunto com o Chefe do Executivo (Chui Sai On). Falei-lhe para reconsiderar a decisão, uma vez que a irmandade tem arrendado o espaço aos vários governos de Macau como cartório. É um espaço pioneiro para este tipo de serviços prestados à população”, disse António José de Freitas ao HM.
Com esta decisão, não são apenas as finanças da instituição que ficam afectadas. “Para além (da saída do cartório) representar um rombo às receitas da SCM, representa um menosprezo total pela história e tradições de Macau. Do ponto de vista da irmandade da SCM perdemos a confiança para com o Governo, porque não estamos a brincar. Temos a cargo responsabilidades para com a sociedade. Estamos a pagar mensalmente acima de dois milhões de patacas para salários do pessoal que trata de idosos, crianças e cegos. É um golpe muito forte e duro para as nossas receitas”, acrescentou.

De pé

O provedor lembra que a SCM sempre foi uma entidade que serviu sobretudo a comunidade chinesa e as suas necessidades. “A SCM vai continuar a existir e não é com o fim desta renda que vai acabar. Enquanto provedor vou fazer tudo para que se mantenha viva a instituição, que nasceu quase ao mesmo tempo que Macau e que é a única sobrevivente em toda a Ásia”, concluiu.
Em comunicado, a Direcção dos Serviços para os Assuntos de Justiça (DSAJ) já confirmou que esta foi uma saída ponderada e que na zona norte o Governo não terá necessidade de pagar renda pelo espaço.

Coutinho diz que saída do Cartório se deve a símbolos portugueses

José Pereira Coutinho, na qualidade de conselheiro do Conselho das Comunidades Portuguesas (CCP), disse ao HM que a saída do 1º Cartório Notarial das instalações da SCM se deve à presença dos símbolos portugueses no edifício. “O Governo tem de ser mais transparente e apresentar uma razão mais fundamentada. Algumas pessoas que estão no poder não gostam do edifício da SCM porque mantém sinais de colonialismo (é o único edifício que em Macau cujo frontão ostenta ainda as quinas de Portugal). Deve ser uma razão forte para o Governo retirar de lá um serviço público”, disse Coutinho ao HM. 17616P7T1
“Algumas das associações tradicionais e alguns extremistas radicais do Governo têm inveja do prestigio e da credibilidade da SCM, porque nunca foi um órgão subalterno do Governo que quer controlar tudo. Algumas associações tiveram que se render devido à falta de recursos financeiros”, acrescentou. “Se assim for lamentamos que ainda existam extremistas radicais que pensam desta maneira, o que em nada abona para a ligação das várias comunidades”, destacou.
António José de Freitas não confirma que esta possa ser uma das razões, mas recorda-se das pressões que sentiu após a transição. “Recebi várias chamadas de pessoas anónimas a reclamar a ostentação de símbolos portugueses na fachada e diziam-me que não deviam lá estar as armas de Portugal. Falei com o dr. Edmund Ho (ex-Chefe do Executivo) sobre isso, que me disse para não levar isso em conta pelo facto da irmandade da SCM existir há muito tempo. E o assunto ficou por aí, nunca mais ninguém reclamou”, disse.

Marreiros não acredita

Carlos Marreiros, que foi provedor da SCM antes de António José de Freitas, diz não acreditar nesta possibilidade. “Não acredito, mas a confirmar-se tenho de me mostrar muitíssimo preocupado e triste, porque está em causa a milenar amizade luso-chinesa. Caso seja essa razão pode-se tornar num incidente diplomático, o segundo sistema está a ser posto em causa e a população tem toda a razão para se insurgir e vir para a rua. Isto não afecta só a população lusófona mas também a chinesa, porque há muitos chineses que estão em Macau porque acreditam no segundo sistema”, referiu.
Marreiros adiantou ainda que o Governo poderia abrir um novo cartório notarial na zona norte sem transferir o actual. “A população está a crescer e vão ser necessários mais cartórios. Se é preciso um novo cartório não é necessário fechar um que funciona bem”, concluiu.

Indignação nas redes sociais

Uma breve visita a páginas do Facebook ou fóruns online permite chegar à conclusão de que a saída do 1º Cartório Notarial está a gerar muitas dúvidas junto da população. “Uma doação de 100 milhões para a China é pouco, mas uma renda anual de 14 milhões que vai para os residentes não é, quem é que o Governo serve afinal? As zonas do centro e sul têm falta de instalações”, lê-se num comentário na página de Facebook da publicação Macau Concelears, fazendo referência à doação feita à Universidade de Jinan. “A entidade vai ser prejudicada porque não tem fins lucrativos. A saída deste cartório é porque o Governo tem recebido queixas sobre os gastos com as rendas de escritórios”, lê-se no fórum iDREAMx.

17 Jun 2016

Notários privados | Advogados contra propostas do Governo

O Governo quer, mas os advogados não concordam. A 2ª Comissão Permanente recebeu uma carta dos profissionais que apresenta uma postura contra as limitações ao concurso para notários. Kwan Tsui Hang quer mais explicações

[dropcap style=’circle’]A[/dropcap]o todo são 23, os advogados que assinaram uma carta, entregue à 2ª Comissão Permanente, presidida por Kwan Tsui Hang, que mostra uma posição contra as condições propostas para as alterações ao Estatuto dos Notários Privados.
Em causa está a alteração avançada pelo Governo de colocar uma barreira na candidatura ao cargo de notário a todos os advogados que tenham sido condenados com pena disciplinar acima da censura.
Há advogados que estão contra a alteração por entenderem que foram multados com frequência pela Associação dos Advogados. Kwan Tsui Hang explica, em declarações à Rádio Macau, que “quando se trata de uma pena de advertência ou de censura, as pessoas podem candidatar-se ao curso de formação de notários privados. Mas acima de censura, se for multa, já não podem. Segundo esta carta, há muitos casos de multa a advogados. Por isso, quando se impõe esse requisito, não é tão adequado”.
Os dados oficiais, avançados pelo Governo, dizem que em dez anos, entre 2006 e 2016, houve 17 casos de sanções disciplinares, envolvendo dez advogados, um deles, estagiário.

Mais esclarecimentos

Em reacção, a Comissão pediu mais informações, pedindo ao Governo para revelar a razão das sanções disciplinares, percebendo se foram justas ou não. “Sabemos que o exercício de funções de notário privado requer o cumprimento de certas regras de deontologia. Há advogados que nunca foram penalizados e outros que foram. Temos de ver porquê”, explicou Kwan Tsui Hang.
Actualmente existem 57 notários, sendo que o último concurso de formação de notários privados foi aberto há 13 anos. Tal como confirmou Kwan Tsui Hang no início desta semana, o Governo não sabe quantas vagas irá abrir, nem quando acontecerá o concurso. Além da ausência de sanções disciplinares graves, a proposta do Governo limita o exercício da profissão aos advogados com mais de cinco anos de experiência.

 

17 Jun 2016

Lusofonia | Semana de Moçambique na RAEM está aí

Moçambique está quase a celebrar a sua independência e assinala a data com uma semana de gastronomia para “promover um encontro povo a povo”, explica o cônsul do país na RAEM. Para já, são apenas 50 os moçambicanos em Macau mas o diplomata espera que no futuro mais possam vir

[dropcap style=’circle’]M[/dropcap]oçambique celebra a independência dia 25 mas as celebrações já começaram com a organização de uma semana gastronómica.
Para Rafael Marques, cônsul geral do país no território, “as relações entre Moçambique e Macau são excelentes”.
A presença no Fórum de Macau é vista como crucial para as relações bilaterais com a China mas também como uma oportunidade para impulsionar a cooperação com a própria RAEM.
Segundo Rafael Marques, Moçambique tem beneficiado no âmbito dos diversos protocolos assinados, nomeadamente na área do turismo e da tributação fiscal evitando a taxação dupla.
A participação de moçambicanos em diversos colóquios e acções de formação do Fórum de Macau é outro dos pontos que o cônsul de Moçambique considera relevantes.
“Temos tido diversos bolseiros nas universidades de Macau e até cooperação na área da comunicação com o treino de quadros da televisão de Moçambique na TDM”.
Na perspectiva do cônsul, também a China tem beneficiado desta aproximação especialmente no âmbito das trocas comerciais, “que têm sido substanciais”, com diversas empresas chinesas a investirem no país.
“Há vantagens e benefícios mútuos”, garante o diplomata que desvaloriza
a instabilidade política no país pois “não tem afectado o investimento estrangeiro” até porque “é localizada na zona centro e o governo está a trabalhar a todo gás para resolver pelo diálogo”.

Mais moçambicanos

Entre estudantes, trabalhadores e corpo diplomático existem apenas 50 moçambicanos registados no consulado. Um número que o cônsul não se importaria de ver aumentado até porque não têm tido dificuldades na obtenção de vistos.
“Quanto mais moçambicanos mais experiência se colhe em Macau, especialmente na área do turismo que está bem desenvolvido”, explica Rafael Marques, adiantando mesmo que “é uma boa ideia virem para aqui mais moçambicanos para ganharem experiência com os locais”.
A possível vinda de mais nacionais para o território será, então, um processo normal faltando “mais divulgação das oportunidades que Macau oferece”, ainda numa fase precoce pois, explica, “o consulado é recente”, mas, acredita, “com o tempo e a circulação de pessoas, mais ficarão a saber e poderão vir à procura de oportunidades”.

Conquistar pelo estômago

A semana de divulgação que agora começa vai ser essencialmente dedicada à gastronomia.
“Trazer os sabores do país. Será um encontro povo a povo”, explica Rafael Marques que não vê com maus olhos a fundação de um restaurante moçambicano no território.
“As perspectivas estão abertas e, se alguém quiser enveredar por esse caminho, terá todo o apoio do consulado e do governo moçambicano”, garante.
No curto prazo, o cônsul espera “utilizar cada vez mais Macau como plataforma de cooperação com a China” e que mais empresas do território invistam em Moçambique.

17 Jun 2016

A doença e a virtude

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap]s cem milhões de patacas que a Fundação Macau doou à Universidade de Jinan saíram do bolso da população mas estão a custar cada vez mais caro ao Governo. Em causa está, uma vez mais, a sua imagem, a sua transparência e, sobretudo, os critérios de transferência de dinheiros públicos. Numa palavra, a sua credibilidade e virtude (德 de), conceito tão caro ao actual presidente chinês.
Poderão não ter violado a lei. Mas que lei é essa e quem a fez? E de que modo essa mesma lei facilita este tipo de “transferência”, com a mera aprovação daqueles a quem, de algum modo, se destinava?
A população, claramente, não gostou. A manifestação, organizada pela Associação Novo Macau, contou com cerca 3000 pessoas. É significativo para a RAEM. Sobretudo se tivermos em conta o grau de educação dos participantes, bastante mais elevado, em média, dos que participam na marcha do Ou Mun. Ou seja, pessoas com que Pequim tem de contar no futuro. É bom dar-lhes razões para virem para a rua gritar? Parece que não.
Não satisfeitos com a gritaria, as forças de segurança resolveram intimidar os organizadores da manifestação, fazendo-os comparecer na esquadra para prestar declarações e, eventualmente, encontrarem um modo de os acusarem de desobediência. Do lado da ANM, devem ter batido palmas. Ninguém poderia pedir melhor publicidade. Lá voltaram a Universidade de Jinan, os cem milhões, os curadores da escola, o pessoal da Fundação Macau e as acusações de perseguição política para as páginas dos jornais, para as rádios, para a televisão e, sobretudo, para as redes sociais, onde este Governo e a oligarquia que o rodeia é tratado com notável pouca consideração.
Ao invés de enterrarem o assunto, as autoridades de Macau, num arguto movimento, fazem questão de o trazer de novo à superfície. Se o haviam de fazer esquecer, empenham-se em relembrá-lo a toda a gente. Houve desobediência? Dos manifestantes? A sério? Soubesse a ANM organizar-se e tinham tido 500 pessoas a acusarem-se ontem, na mesma esquadra, do mesmo crime dos organizadores. Desta vez, estes esqueceram-se de carregar no botão…
Um dos problemas é que a ANM mudou. Ng Kuok Cheong e Au Kam San são hoje o que pode chamar de “democratas gordos”. Mexem-se pouco, é-lhes difícil actuar. Na sua história têm muito de protesto contra a falta de democracia mas, raramente, colocaram em questão os interesses da oligarquia ou fizeram-no de forma suave e pouco eficaz. Ou não percebiam o que estava realmente em jogo ou fingiam não perceber.[quote_box_right]“Gostará Pequim de arriscar tanta insatisfação, tanta desarmonia, tanta tinta a escorrer, tanta língua a dar a dar, tanta contestação, aparentemente desnecessária, na terra dos milhões?”[/quote_box_right]
Os novos líderes parecem ser de outra loiça. Daquela que se parte no choque com os que querem legislar e governar de acordo com o boletim meteorológico do seu mercado e, nesse sentido, pressionam sem maneiras o Governo. Passando as ditas “causas fracturantes” (cuja resolução, aliás, seria um sinal de progresso para a RAEM) para Jason Chao, outros poderão tratar do que realmente interessa à população, criando algum mal-estar em certos meios. Que força realmente terão é difícil de dizer. Tal dependerá da conjuntura, talvez de mais um extraordinário evento. Mas gostará Pequim de arriscar tanta insatisfação, tanta desarmonia, tanta tinta a escorrer, tanta língua a dar a dar, tanta contestação, aparentemente desnecessária, na terra dos milhões?
Também graças aos esforços das autoridades, o caso dos cem milhões doados à Universidade de Jinan teima em não desaparecer. É um caso perigoso. Está colado ao modo como por aqui se governa como uma doença má. Veremos até que ponto este corpo governativo a consegue rejeitar e com que cara lhe sobreviverá.

17 Jun 2016

Novo Macau | Scott Chiang chamado a prestar declarações na PSP

O presidente da Associação Novo Macau, Scott Chiang, foi convocado para prestar declarações na Polícia de Segurança Pública, alegadamente devido às manifestações promovidas a 15 de Maio que exigiam a demissão do Chefe do Executivo, na sequência da polémica da doação da FM à Universidade de Jinan

[dropcap style=’circle’]S[/dropcap]cott Chiang foi ontem chamado para prestar declarações às autoridades. O activista pró-democracia afirma ao HM desconhecer os motivos da polícia para a sua convocatória.
Segundo a Rádio Macau, um porta voz do corpo de Polícia de Segurança Pública (PSP) avançou que o presidente da Novo Macau é acusado de não cumprir a lei que regula as manifestações com a agravação de desobediência à polícia.
O processo estará relacionado com as manifestações de 15 de Maio contra o Chefe do Executivo, organizadas pela Associação a que o activista pela democracia preside, sendo que a PSP continua com as averiguações depois do Ministério Público ter avançado com um processo contra Scott Chiang. O activista revelou ao HM que foram vários os membros da Associação Novo Macau (ANM) convocados pelas autoridades sendo que as mesmas não terão adiantado detalhes. No entanto, Scott Chiang já suspeitava que estaria a ser preparada uma acusação contra si adiantando que “vários membros da ANM foram chamados pela PSP para falar acerca de um caso em determinada data que coincide com a manifestação de 15 de Maio” .
Para o líder da Associação o que está a acontecer é que se “está a fabricar um caso contra aqueles que saíram à rua contra a doação” referindo-se ao recente financiamento por parte da Fundação Macau à Universidade de Jinan de 100 milhões de patacas.
Os números facultados pela Novo Macau revelam que a manifestação agora em causa juntou mais de 3000 pessoas que pediram a demissão de Chui Sai On. Scott Chiang considera ainda evidente que o acto da PSP em convocar membros da Associação visa perseguir quem se opõe a esta doação bem como manifesta uma forma de repressão política de intimidação. “É desanimador ver que a administração não deu qualquer resposta à nossa exigência de reformas e de recuperação da doação, muito menos sobre a demissão” adianta, enquanto que “por outro lado estão a tentar criar um caso contra os denunciantes” afirma o visado.
Scott Chiang considera ainda que “a resposta natural da administração não é focar-se no problema mas perseguir aqueles que o denunciam”. As declarações foram agendadas para esta manhã e só depois das mesmas é que se saberá ao certo a acusação de que é alvo.

Dos recursos públicos

As declarações de Scott Chiang coincidiram com a conferência de imprensa convocada pela Novo Macau para o anúncio de uma consulta pública sobre reformas na Fundação Macau (FM).
Segundo a Rádio Macau, o objectivo é que a atribuição de subsídios seja mais transparente.
“ A estagnação da economia torna o uso apropriado de recursos públicos uma prioridade”, defende o colectivo que lançou ontem e até 30 de Julho uma consulta pública. A intenção é receber sugestões acerca de reformas ao mesmo tempo que pede propostas quanto ao método de votação. O presidente da Novo Macau fala em interesse público: “não deve haver um monopólio de opinião e por isso levamos esta matéria à sociedade em geral” considerando que “o processo de deliberação é tanto ou mais importante que a decisão pública final”. A referida consulta é ainda para perceber se vale a pena “tentar manter os requisitos e a restrições do referendo de 2014 ou se o tornamos mais aberto ao público para que mais pessoas possam participar”, acrescenta.
Em causa está o saber se deverá haver o mesmo grau de integridade utilizado no referendo de 2014 sobre as eleições para o Chefe do Executivo na altura em que se pedia o número dos bilhetes de identidade dos eleitores. A mostra de identidade esteve na origem da constituição como arguidos de alguns membros da organização da votação por violação da lei de protecção de dados.
“Cabe ao público decidir se desta vez as regras poderão ser diferentes bem como diferentes também devem ser as regras da atribuição de subsídios da Fundação Macau” sendo que “as propostas para receber subsídios deviam ser publicas para que a população decida se é, ou não, justo que determinada organização receba, ou não, dinheiro”, remata o activista. Para além da atribuição de dinheiros públicos, Scott Chiang considera ainda que é importante acompanhar a sua aplicação e os relatórios de actividades, sendo que os mesmos devem ser tornados igualmente públicos.

16 Jun 2016

Croupiers | Chui Sai On recebeu mais três petições. Exigida saída de Cheang Chi Keong do hemiciclo

As palavras de Cheang Chi Keong continuam a fazer mossa. Ontem três associações do sector do Jogo entregaram petições a pedir ao Chefe do Executivo para que mantenha a política de não introdução de não residentes para a profissão de croupier. Associações pretendem continuar a reagir e uma pede a saída do deputado da Assembleia

[dropcap style=’circle’]T[/dropcap]rês associações dirigiram-se ontem à sede do Governo para entregar petições a Chui Sai On. São mais reacções às palavras do deputado Cheang Chi Keong, que referiu ao jornal Ou Mun que o Executivo deveria ponderar a introdução de trabalhadores não residentes (TNR) para o cargo de croupier nos casinos.
A Forefront of Macau Gaming juntou-se à Associação dos Empregados de Jogo de Macau para entregar uma petição com mais de 12 mil assinaturas. Não só estão insatisfeitos com as palavras de Cheang Chi Keong (deputado eleito pela via indirecta à Assembleia Legislativa), como pedem uma redução de TNR em vários sectores económicos.
Dados do Governo mostram que já foram aprovadas mais de 210 mil quotas para TNR, sendo que as empresas locais já importaram mais de 180 mil TNR. Para os responsáveis das associações, este panorama faz com que os empregados portadores de BIR fiquem numa situação passiva na altura de discutir salários e condições de trabalho.
As duas associações sublinharam que, embora os croupiers ainda não tenham sido afectados pela entrada de TNR, a verdade é que também são trabalhadores e sentem-se preocupados com a possível mudança de política. Os assinantes da petição esperam que Cheang Chi Keong possa voltar atrás nas suas declarações, para que seja mantida a justiça no acesso ao emprego.
“A introdução de TNR não é adequada para o território”, disse Ieong Man Teng, presidente da Forefront of Macau Gaming. “Recolhemos as assinaturas dos trabalhadores do Jogo que se sentem descontentes com o discurso feito. O Governo já respondeu negativamente às declarações de Cheang Chi Keong e nós apoiamos isso, mas caso o Governo assuma outra posição, vamos ter novas acções”, frisou.

Feiras inspeccionadas

Ieong Man Teng exemplifica. “Numa feira de recrutamento organizada pela Melco Crown estavam imensos candidatos locais à procura de emprego, e o Governo não precisa de estudar a introdução de TNR. Vamos fazer alguns relatórios sobre estas feiras de recrutamento e vamos entregá-los ao Governo”, adiantou.
Nesta feira, “os candidatos começaram a chegar entre as sete e meia da manhã até às nove, tendo os responsáveis da operadora dito que as vagas já estavam preenchidas e que não havia mais quotas. Muitos dos candidatos não foram seleccionados através de uma entrevista e alguns deles ficaram muito insatisfeitos”, disse Ieong Man Teng.
Cloee Chao, membro da Forefront of the Macau Gaming e secretária-geral da Associação dos Empregados de Jogo de Macau, garantiu que têm recebido queixas de candidatos a vagas de emprego que participaram em mais de dez feiras mas que não receberam quaisquer respostas. Os locais suspeitam, assim, que essas feiras não sirvam, de facto, para o recrutamento.
Cloee Chao disse ainda que o sector dos croupiers está cheio e que algumas operadoras têm vindo a pedir aos empregados para gozarem os feriados ou licenças sem vencimento, ou então para saírem do trabalho mais cedo.
Ng Kim Yip, outro responsável da Forefront of the Macau Gaming, disse que vão “realizar mais relatórios sobre a fiscalização das feiras de recrutamento. A saída de TNR é um tema que reúne consenso na sociedade e isso terá uma influência positiva no preço das casas”, rematou.

Grande “reacção social”

A associação de trabalhadores “Macau Selfhelper” defendeu em comunicado que as declarações de Cheang Chi Keong originaram uma “grande reacção junto da sociedade” e que a introdução de TNR só deve acontecer quando há falta de recursos humanos locais.
Também esta associação fala dos pedidos de licença sem vencimento feitos aos croupiers, o que mostra que o sector não necessita de mais recursos humanos. A “Macau Selfhelper” espera que o Governo garanta de forma clara a protecção dos direitos dos trabalhadores locais, esperando uma revisão quanto ao número de TNR. A associação frisou que a maioria dos TNR ilegais vem dos países do sudeste asiático, o que traz consequências negativas para os locais que estão à procura de trabalho.

Grupo pediu saída de Cheang Chi Keong do hemiciclo

Um grupo intitulado “Poder do Povo” entregou ontem uma petição à Assembleia Legislativa (AL) a pedir a saída de Cheang Chi Keong do cargo de deputado. Segundo um comunicado enviado às redacções, o grupo considera que as declarações do deputado indirecto têm um efeito negativo para os trabalhadores do Jogo e representam um problema para o Governo. cheang chi keong
“Sabemos que Cheang Chi Keong não é eleito pela via directa e pelo público, não tem qualquer responsabilidade para com os cidadãos, então porque é que afirma coisas que podem tirar o ganha pão aos residentes?”, questionou o grupo. Este defende que os deputados recebem salários pagos pelos cofres públicos e que Cheang Chi Keong fez declarações que prejudicam o interesse público, afirmando que este não tem qualificações para se sentar na Assembleia Legislativa. O “Poder do Povo” considera que o sistema de recursos humanos em Macau é mau, dando como exemplo o sector da construção civil, onde, afirmam, a maioria dos trabalhadores são não residentes.

“Economicamente é um desastre”, dizem analistas

O medo de que trabalhadores não residentes (TNR) invadam o sector dos croupiers há muito que existe. Apesar do Governo ter referido sempre que a política não vai mudar, as acções de rua têm-se sucedido. Ao HM, Albano Martins garante que o deputado Cheang Chi Keong só agora veio levantar esta questão pelo facto da abertura dos casinos estar prestes a chegar.
“Esse deputado é um dos principais interessados nos casinos e sabe que os casinos precisam de mão-de-obra. A maior parte dos empresários sabe que não tem qualquer sentido económico qualquer profissão estar confinada a locais. Mais dia ou menos dia alguém tinha de acordar. Interpretaram que os croupiers e os condutores tinham de ser locais por mero interesse político de ganhar votos e evitar no período eleitoral que alguma população se virasse contra eles. O que ele diz faz todo o sentido, é das poucas coisas felizes que alguma vez disse”, referiu o economista. Albano Martins
Já o analista de Jogo Grant Govertsen não acredita numa mudança de política, e frisa que os casinos não estão por detrás destas declarações feitas ao jornal Ou Mun. “Os empresários, em geral, preferem um mercado aberto em vez de um mercado restrito, e os casinos têm a inteligência suficiente para perceber que esta medida poderá provocar polémica e que é difícil perseguir este objectivo. Não me parece que os casinos estejam por detrás destas declarações.”
“Penso que não é algo que o Governo vá considerar (uma mudança na política). Os locais vão ficar muito insatisfeitos se a política for alterada. Mas a realidade é que mais casinos vão abrir portas e não vão existir trabalhadores locais suficientes”, acrescentou.

Não dizer o que se pensa

Albano Martins defende o que tem vindo a defender desde o início. “Temos problemas complicadíssimos para resolver, não só a nível dos croupiers mas dos condutores de autocarros, e continuamos na mesma, não temos pessoas. Com a entrada em funcionamento dos novos casinos, vamos precisar de muitas mais pessoas e com essa medida tudo vai ficar mais complicado. Estão a criar uma situação difícil de pôr os residentes todos nos casinos, e isso não faz sentido. Economicamente é um desastre. É irracional que sectores estejam vedados à população do exterior. É absurdo e um pouco xenófobo e do ponto de vista económico é irracional.”
O economista acredita que muitos deputados da Assembleia Legislativa (AL) defendem a manutenção da medida por medo da perda de votos. “Chui Sai On vai mantendo essa política irracional. O Chefe do Executivo, que não vai ter mais mandato nenhum, devia ter assumido com coragem que isso é irracional. Mas a sua postura não é, do ponto de vista económico, a mais correcta. Está com medo da sombra. A maior parte dos deputados não diz o que pensa porque tem medo dos votos no período eleitoral e deixou-se a economia estar amarrada a um grupo de pessoas que não sabe bem o que quer”, concluiu.

16 Jun 2016

Despejos | Mak Soi Kun defende fim do recurso judicial para arrendatários

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap] deputado Mak Soi Kun entregou uma interpelação escrita ao Governo onde sugere a possibilidade dos arrendatários perderem o direito a recurso, caso uma acção de despejo de um imóvel chegue a tribunal.
“Há que introduzir alterações às actuais disposições do Código do Processo Penal (CPP), nas acções de despejo interpostas por não pagamento de rendas, para poder cancelar o direito de recurso dos arrendatários. Isto para que não possam apresentar recurso no sentido de reduzir uma série de procedimentos e tornar o processo mais rápido. O que pensa o Governo sobre esta situação?”, questionou.
Mak Soi Kun alerta ainda para a alegada ausência de eficácia na resolução deste tipo de casos através de um processo sumário. “De acordo com especialistas e académicos há que reconhecer a realidade. Um caso de não pagamento de rendas entra em processo sumário e quando o proprietário da fracção ganha a acção descobre que o arrendatário já não está na fracção, mas as portas e janelas estão bloqueadas e ainda lá estão os objectos do arrendatário. O que pode fazer o proprietário? O processo sumário teve os efeitos desejados? Atendendo às actuais rendas do sector imobiliário e com base em rendas de 12 meses, a maioria já excede 50 mil patacas, portanto “são poucos os casos de 50 mil patacas” a que se aplica o processo sumário. É possível que todo o caso possa durar três, cinco ou mesmo sete anos”, rematou o deputado.

16 Jun 2016

Ensino | Fim do modelo de memorização será gradual, dizem especialistas

Duas especialistas em educação defendem que o fim do modelo de memorização nas escolas vai acabar de forma gradual e que a mudança depende não só de professores mas da sociedade, por se tratar de algo cultural

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap] deputado Zheng Anting pediu o fim do modelo de ensino “duck stuffing”, em que os alunos se limitam a decorar aquilo que vai ser no exame. Os Serviços de Educação e Juventude (DSEJ), em resposta à interpelação do membro do hemiciclo, confirmaram que isso pode vir a acontecer.
Duas especialistas contactadas pelo HM consideram que o modelo de ensino baseado na memorização de conteúdos é algo cultural, defendendo que uma mudança irá ocorrer de forma gradual.
“Não se mudam as mentalidades nem dos professores, nem dos alunos ou da própria sociedade de um dia para o outro, porque o facto das escolas se basearem nesse método não tem apenas a ver com os professores. Tem também a ver com as expectativas das famílias. Toda a sociedade, aos poucos, há-de mudar”, disse Ana Correia, directora da Faculdade de Psicologia e Educação da Universidade de São José (USJ). A memorização das matérias “é uma questão cultural, os alunos desta região gostam de aprender dessa maneira. É um estilo de aprendizagem que tem muito a ver com a cultura local”, acrescentou ainda.
Teresa Vong, docente da Faculdade de Educação da Universidade de Macau (UM), também fala de uma mudança gradual. “Se o Governo quer reduzir esse sistema, tudo vai depender de como os professores estão preparados para isso ou se há métodos de ensino alternativos em uso. Não estou optimista porque há muitos professores que ainda usam a memorização como único método. Ainda há lugar para melhorar”, disse.
“O grupo profissional de professores em Macau é muito jovem e isso dá-nos esperança de que ainda estejam em idade de aprender de encontrar alternativas”, lembrou Ana Correia. “Com o apoio de medidas incluídas na presente reforma educativa penso que os professores vão ajustar-se a modelos pedagógicos que põem o ensino mais focado no aprender do que obter produtos que têm um valor a muito curto prazo. Os alunos preparam-se para os exames mas esquecem tudo duas semanas depois, e o que fica é muito pouco”, acrescentou a directora da Faculdade de Psicologia e Educação da USJ.

Acima da média

Tanto Ana Correia como Teresa Vong referem que a memorização no ensino é uma ferramenta útil para a compreensão e aprendizagem, mas não deve ser a única. Há até quem tenha bons resultados no seguimento da vida académica.
“Os alunos de Macau e desta região do mundo quando vão estudar para universidades estrangeiras obtêm geralmente resultados acima da média, comparando com alunos que pertencem a uma cultura não confuncionista. Os alunos que vêem das escolas de Macau para as universidades são muito variados. Há uns que, de facto, apanham bocadinhos das coisas e esses não conseguem depois partir do pormenor para o todo. Esses sim seguem pelo caminho da memorização. Mas há outros alunos, que apesar de se sentirem confortáveis com a memorização, são capazes depois de passar daí para a compreensão e até para uma perspectiva critica”, frisou Ana Correia.
Teresa Vong, que realiza visitas às escolas locais, fala de maus exemplos que continuam a ser o único modelo adoptado.
“Acredito que possamos promover um ambiente de ensino mais aberto e dar mais apoio aos alunos para que possam ter espaço para essa criatividade. Hoje em dia os estudantes não têm sequer uma voz. Em muitas aulas que observo há apenas uma forma de comunicação: o professor está de pé a falar até ao fim da aula e não há qualquer ligação com os alunos. Há muitos professores que forçam os alunos a memorizar o vocabulário em inglês, por exemplo”, rematou a docente da UM.
Na sua interpelação escrita, o deputado Zheng Anting fez várias críticas ao modelo “duck stuffing”, o qual “priva os alunos do seu tempo de descanso e da vida extracurricular, e resulta na sua falta de capacidade para pensar e analisar de forma independente, enfraquecendo a sua competitividade social”, concluiu.

No arranque dos exames nacionais a luta continua

É uma luta antiga. A Associação de Pais da Escola Portuguesa de Macau (EPM) continua a reunir esforços para que os horários dos exames nacionais sejam alterados em Macau.
Com o arranque ontem, os exames nacionais devem ser respeitar as regras do Ministério da Educação e por isso serem realizados à mesma hora. Acontece que com o fuso horário de Macau os alunos de cá realizam as suas provas às 16h30 e às 21h. “Todos os anos temos lutado para que a escola consiga falar com o Ministério da Educação de Portugal para que se conseguia resolver este problema”, começou por explicar, ao HM, Fernando Silva, presidente da Associação.
O representante recorda que “há dois anos”, com as provas de aferição, alunos do ensino primário que “tinham de fazer os exames à noite”. Isto, aponta, sem contar com os alunos de Timor, onde se acrescenta mais uma hora do que em Macau. “Levantamos sempre este problema, mais do que uma vez. Nesse ano o Ministério da Educação atendeu o nosso pedido e mudou o horário”, recorda.
No entanto, não é suficiente e a luta continua. “Temos tentado, a escola tem tentado expor o problema para ver se conseguimos reduzir um pouco as horas”, conta, assumindo “que tem sido muito difícil”.
Não é segredo, até “porque está pedagogicamente provado”, que fazer os exames quando começa o dia é melhor. “Para os alunos do 10ª e 11ª ano até pode ser menos difícil, mas o mesmo não acontece com os alunos mais pequenos”, explica. Mesmo assumindo uma “luta quase inglória”, Fernando Silva garante que os pais vão continuar no caminho para a mudança.

16 Jun 2016

Alexandre Marreiros expõe no MAM: “Uma leitura do tempo com T maiúsculo”

Arquitecto, mas apaixonado por desenho e pelo trabalho manual desde pequeno, Alexandre Marreiros foi para o Rio de Janeiro estudar os grandes arquitectos brasileiros contemporâneos mas acabou apaixonado pelas favelas. Um lugar onde “as coisas vão-se aniquilando mas sempre com um final feliz”. O resultado é “um registo documental que acabou na pintura”

[dropcap style=’circle’]“C[/dropcap]omo arquitecto interessa-me a arquitectura que se desenvolve de uma forma vernacular. A casa, o lugar onde nós como humanos nos sentimos seguros”, começa por nos contar Alexandre Marreiros.

Foi para o Rio de Janeiro estudar os grandes arquitectos contemporâneos brasileiros mas acabou, como ele diz “fulminado, de uma forma quase alérgica” pelas favelas. Um fenómeno urbano que descreve como “um manto bordado que cobria aquelas montanhas”.

É também esta ligação quase natural do construído pelo homem com o disposto pela natureza que interessou Marreiros.

“O Rio tem aquela topografia especial, montanhosa, e é admirável como pessoas sem know-how conseguiram adaptar-se ao local e o deixam falar por si, como a acção do homem se adapta ao que já lá estava”, diz Alexandre, confessando mesmo que “não conseguiria fazer um manifesto arquitectónico melhor”.

Naturalmente, Alexandre não acha a melhor forma de vida mas considera que “à medida de que vai sendo construída a história bate sempre certo, há uma relação com o lugar. As coisas vão-se aniquilando mas há sempre um final feliz”
Curioso por saber como tudo aquilo se desenvolvia passou grande parte dos seis meses que esteve no rio de Janeiro a deambular pelo Complexo do Alemão (o maior complexo de favelas do mundo) e na favela do Tabajaras.

Indo às origens

“Cnidosculos Quercifolius”, assim se designa a exposição, é o baptismo latim para – a planta favela, endémica do Brasil, que deu origem ao termo “favela” como fenómeno de habitação marginalizada, ilegal. Uma definição que, garante Marreiros, “deve-se a ao regresso dos soldados ao Rio de Janeiro após a Guerra dos Canudos, onde encontraram condições miseráveis de habitação na primeira favela do Brasil, o morro da Providência.

Mas, para Alexandre, as favelas também “são cor e são luz”, que assim começa por explicar ao HM como chegou a este trabalho.

O objectivo não é o de gerar grandes reflexões mas sim o de “proporcionar algumas pistas que possam conduzir as pessoas a descodificarem as histórias que existem na arquitectura e que são transportadas para a pintura”, explica.

O particular que forma o todo

“Tento apresentar ao observador a ideia de espaço que começa com um registo de desenho e um registo fotográfico exaustivo e acabou, por minha necessidade, na pintura”, adianta Alexandre, porque só a pintura consegue “transportar o registo para uma composição de cor, de espaço, de vazio, de afastamento entre as coisas que também podem ser lidas como um todo”.

A sua sensação da favela. Um local delimitado, onde em que o particular forma o todo.

A fita cola colorida, que pode ser observada nalguns dos trabalhos, surge pelo interesse plástico que o material lhe suscitou e por lhe aportar a cor da favela.

“Aparece de uma forma tosca porque ou faço as coisas muito certinhas ou muito toscas. Ando nessa procura”.

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Para Alexandre, “as favelas são como a construção de um quadro”.
“Um lugar onde existe um espaço e um limite, em que as formas, as linhas e as manchas se vão adequando a esse limite”, explica.

“A preocupação foi transportar para esta exposição o que entendo ser a arquitectura hoje em dia”.

Ou seja, para Alexandre a arquitectura é “a história das coisas construídas, vividas, habitadas e que manifestam sempre a sua cultura”.

Para o artista, “através da arquitectura podemos ler o nosso tempo. A favela não fazia sentido há 200 anos mas hoje é necessária. É uma leitura do tempo com T maiúsculo”.

Transformação fulminante

Macau não podia fugir da conversa e aproveitámos para saber como Alexandre Marreiros vê a cidade. A resposta não tardou.

“É fulminante a forma como se transforma”.

A falta de planeamento, todavia, é algo que o preocupa esperando que este venha a existir pelo menos nos novos aterros.

“Ainda consigo ler muitas histórias nesta tradição de conquista de terras ao mar. Afastar tecido antigo do que se foi desenvolvendo menos bem. É uma cidade que ainda me conta histórias bonitas mas com alguns capítulos mais negros de permeio.”

Mas também existem vislumbres do futuro que, para ele, será “uma massificação de descaracterização”, com alguma pena sua mas, como não acredita que a arquitectura seja intemporal, mas sim “muito efémera”, entende que a descaracterização que se adivinha será apenas uma marca do que foi este tempo de agora.

“Não é mau nem bom, mas talvez outro tipo de estratégia fosse mais adequado”. Algo o anima, todavia, a recente abertura da faculdade arquitectura dá-lhe esperança.

“Espero que. daqui a uns anos, (os novos arquitectos) possam ter uma opinião clara e, acima de tudo, competente da cidade.”

A culpa é do desenho

Nascido em 1984 em Cascais, Portugal, Alexandre Marreiros estudou artes no liceu, formou-se em arquitectura pela Faculdade de Arquitectura e Artes da Universidade Lusíada de Lisboa, onde posteriormente obteve o grau de mestre.
“O que me conduziu à arquitectura foi o desenho. Sempre gostei de desenhar. Fiz muitas cabanas , muitas árvores, muitos carrinhos de rolamentos. Tive um percurso de artes antes mas na altura de decidir optei pela arquitectura sem nunca me desligar muito das artes plásticas”.

Exibiu em exposições colectivas em Lisboa, individualmente na Galeria GivLowe e na Casa Lusitana. Recentemente, participou como artista convidado no Festival Silêncio de Lisboa e no Festival Literário de Macau. Em 2015 recebeu uma menção honrosa da Ilustração Contemporânea Portuguesa. Vive e trabalha em Macau.
A exposição inaugura hoje, pelas 18:30H no Museu de Arte de Macau.

16 Jun 2016

Pedofilia | Casos escondidos e sem protecção num território de lei curta

Vivem nas sombras. Nas mais escuras de todas. São famílias a esconder um problema que deveria ser “uma responsabilidade social”: a pedofilia. Uma psicóloga relata-nos casos. “Muitos, muitos casos”. Vergonha, medo e mundo que desaba levam a que se viva este drama em silêncio. Macau diz querer rever o Código Penal. Enquanto isso crianças vêm o seu mundo ser estilhaçado. Para sempre…

[dropcap style=’circle’]N[/dropcap]ão quer dizer quantos casos já lhe passaram pelas mãos. Nem estamos ali para isso. Recorda o primeiro e o choque que foi perceber o que tinha à sua frente. Mas agora já não é surpresa por, infelizmente, ser tão comum. Goreti Lima, psicóloga, conta que há “muitos, muitos, mas mesmos muitos casos de pedofilia em Macau”. Este não é um território especial. Aqui, como em qualquer parte do mundo, as crianças sofrem de abusos sexuais. Um drama que se vive em silêncio, que mora em casas com cortinas fechadas, portas trancadas e corações partidos.
Perceber o que leva uma família, uma mãe, uma avó, um pai ou alguém que ama uma criança, vítima de pedofilia, a esconder esta tragédia pode ser um desafio difícil de enfrentar. “O que leva os pais a esconder… bem, para já é super-difícil acreditar que isto [a pedofilia] está a acontecer. Então o que normalmente fazem é achar que a criança está a inventar ou que não é bem aquilo que ela diz ou que até está a fazer confusão. Isto porque aquela pessoa [que pratica pedofilia], por norma, até é uma pessoa amiga da família”, começa por explicar.
Um acto que é calculado, ao milímetro. “É maquiavélico, tudo é muito bem preparado. A actuação de um pedófilo é muito calculada. Não são casos rápidos. Vão conhecendo a criança, o seu ambiente, vão fazendo a preparação para o acto. Vão preparando a sua presa e isto leva o seu tempo. O grande alvo deste processo, por norma, é a família para minimizar todas as suspeitas. Quando a criança começa a deixar de querer estar onde aquela pessoa está, a família nunca pensa que é por isto, mas sim outra razão qualquer”, relata.

Um perfil definido

Os casos que trabalhou, e tantos outros que estudou, trazem uma infeliz certeza à psicóloga. A pessoa pedófila age de forma padronizada e respeita um perfil muito próprio, como por exemplo, vontades, desejos ou concretização dos seus ímpetos durante pelo menos seis meses.
Reconhecido como uma patologia no mundo da psicologia e psiquiatria, os doentes, “normalmente são pessoas muito bem vistas na sociedade. Têm posições de estatuto, são sempre muito amáveis, muito prestáveis, muito simpáticas e super metódicos. À partida não existe nenhum indício que leve a crer que aquela pessoa possa sequer ter actos pedófilos”, caracteriza, frisando que este perfil despista qualquer desconfiança.
Conquistando uma postura de confiança é nesse momento que se desenrola o crime. “Depois de conquistar a criança, de entrar no mundo dela e de lhe fazer entender os laços de carinho e amor que os liga, é aqui que o pedófilo actua”, aponta.

Será errado?

No outro lado da moeda, temos a criança, que nem sempre percebe que é errado. “O que acontece é que a criança sente-se muito baralhada”, aponta. Algo perfeitamente natural depois de tanto trabalho de conquista. “As crianças têm imensas dúvidas sobre sexualidade ou sobre as mudanças no corpo e eles normalmente fazem essa aproximação. Portanto, quando um dia tocam, mostram ou querem ver, não é uma coisa totalmente despropositada, porque eles já foram expondo a criança ao estímulo, ou seja, nunca é um acto totalmente descontextualizado”, indica. violence
Ainda assim, para a criança, é uma surpresa, porque lhe suscita dúvidas. “Se esta pessoa é minha amiga, está próxima de mim, diz que gosta de mim, será errado? É o pensamento da criança”, relata. No entanto, há sempre uma altura em que a vítima percebe que não está certo, mas sente vergonha por tudo o que aconteceu. “Ao mesmo tempo o pedófilo faz com que a criança sinta culpa no assunto, porque introduz-lhe ideias de que ela [a criança] o quis fazer, e teve prazer nisso”, continua, assinalando que os dados mundiais indicam que há mais pedófilos homens do que mulheres. “Mas há pedófilos homens e mulheres”, assinala.

Verdade escondida

Depois de, no início do mês passado, terem surgido dois casos de alegada pedofilia, envolvendo um português e um idoso chinês, a sociedade de Macau parece ter ficado chocada. “A verdade é que todos os dias há casos destes que nunca chegam a ser conhecidos”, garante Goreti Lima.
Fonte do HM, responsável por uma associação que acolhe crianças, confirma esta realidade. Existem muitos casos e algumas das crianças que o espaço acolhe são vítimas.
Os números oficiais em nada compactuam com estes relatos. Indica-nos a Polícia Judiciária (PJ), por email, que desde 2011, as autoridades receberam um total de 11 casos, quatro em 2012 e três no ano passado. Números que não batem certo com a realidade, porque a PJ garante que este ano ainda não recebeu qualquer acusação.

Assobiar para o lado

Em Macau, as crianças vítimas de pedofilia estão protegidas pelo Código Penal, mais precisamente pelo capítulo que diz respeito aos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexuais, mais especificamente nos artigos 166º ao 170º. Diz a lei que “quem praticar acto sexual de relevo com ou em menor de 14 anos, ou o levar a praticá-lo consigo ou com outra pessoa, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos”. Pena que poderá aumentar até aos 10 anos de prisão se o agente tiver cópula ou coito anal com menor de 14 anos.
No artigo seguinte é definido que “quem tiver cópula com menor entre 14 e 16 anos, abusando da sua inexperiência, é punido com pena de prisão até 4 anos, sendo que é alvo da mesma pena quem praticar coito anal. Violação sexual a crianças em momento algum é referido na lei. “É uma falha”, frisa a responsável pela associação de crianças. “Na lei não está definido se é ou não é criança, trata a violação de forma igual. Não pode ser assim, não deve ser assim”, argumenta.
As penas são também alvo de crítica. Goreti Lima aponta o dedo a um Direito que não protege as crianças. Já Song Pek Kei, deputada por sufrágio directo, caracteriza as penas de “muito leves” para crimes que mereciam “mãos mais pesadas”.
“Em Macau não existe uma punição muito exigente, como por exemplo a pena de morte, mas podemos abordar essa questão”, garantiu a deputada, ao HM. Para a legisladora, as notícias “de casos de abusos de crianças” têm sensibilizado a sociedade para este drama. “É preciso pensar nisto, admitirmos que existe este problema na nossa sociedade, ao fazê-lo será mais fácil tratarmos do assunto e evitar que mais casos venham acontecer. O que está a faltar é a consciencialização deste drama”, defende.
Para o advogado Miguel de Senna Fernandes, “nos tempos que correm”, apesar de não existir, em Macau, um alto registo de números de casos, há “todo o interesse em rodear o tratamento desta matéria com uma medida penal acentuada”. Para Goreti Lima, este devia ser uma “responsabilidade social”. A sociedade devia sentir que têm a obrigação de tornar estes casos públicos e puni-los. Numa conferência na Florida, Estados Unidos da América, a psicóloga espantou-se com a defesa de introdução do ensino sexual no jardim de infância. “Na altura pensei, que horror, esta gente está doida, estão a acordar quem está a dormir. Porque não estava a ver o outro lado da questão, que é quanto mais informação a criança tiver, mais alerta pode estar e pode dizer ‘isto não está certo’”, explica.

Abrir de olhos

É, por isso, que a solução passa sempre pela educação. “Tocar numa criança de forma a estimular os órgãos sexuais ou a própria criança é pedofilia”, garante Goreti Lim, indicando que muitas vezes as crianças “não sabem porque é que aquilo está a acontecer mas até gosta”. “São festinhas, é carinho, é mimo, portanto a criança gosta, mas não está preparada para saber se aquilo está certo. Mas não está. É errado”, frisa. “Temos de avisar que não é certo tocar nas suas zonas íntimas, nem que a criança toque em alguém”, remata.
Da sua experiência, a especialista não tem qualquer dúvida “todos nós temos à nossa volta casos de pedofilia, muitas vezes de pessoas já adultas que foram vítimas em crianças”. As consequências, aponta, são nefastas. Crianças que se tornam problemas com auto-estimas destruídas, com problemas relacionais, marcas profundas. Adultos que em crianças acreditaram numa pessoa amiga. Que, finalmente, lhes roubaram a possibilidade de acreditar e de sonhar.

15 Jun 2016

Tabaco | Diploma não está a ser arrastado, dizem deputados

Chan Chak Mo garante que a comissão do hemiciclo não está a arrastar propositadamente o debate sobre o fim das salas de fumo nos casinos. O deputado referiu que quebra das receitas não é a única razão para um retrocesso na política “tolerância zero”

[dropcap style=’circle’]E[/dropcap]stá longe de ficar concluído o debate na especialidade sobre a revisão do regime de controlo e prevenção do tabagismo. O diploma passou meses sem ser discutido e agora os deputados vão reunir uma quarta vez sobre as opiniões a serem entregues ao Executivo, através de um memorando.
Contudo, o deputado Chan Chak Mo garantiu ontem, no âmbito de mais uma reunião da 2ª Comissão Permanente da Assembleia Legislativa (AL), que não há qualquer intenção de arrastar o processo.
“É uma questão que preocupa toda a sociedade e temos de agir cautelosamente. São apenas sugestões. Não quer dizer que estejamos a arrastar o nosso trabalho”, apontou.
Chan Chak Mo destacou ainda o facto da quebra das receitas dos casinos não ser o único factor para que os deputados estejam contra a política da “tolerância zero” face ao fumo dos casinos, conforme defendeu Alexis Tam, Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura.
“Não é por pressão económica que propomos a alteração, é para fazer lembrar ao Governo algumas situações que têm de ser consideradas”, referiu Chan Chak Mo. “Tenho de dizer que não sou fumador e entendo que não se deve estar sujeito a um ambiente de fumo passivo. Não sei se as salas para fumadores são 100% estanques. Foram feitos largos investimentos e se os casinos entenderem que a criação de salas de fumadores ajuda a recuperar a quebra das receitas…Deu-se um grande passo em frente com a criação de salas para fumadores e temos de ver, por exemplo, qual a distância que os jogadores têm de percorrer para fumar. (A economia) é uma das considerações. A minha opinião individual é que dependemos de uma única actividade económica da proibição do fumo nos casinos e da origem dos jogadores.”

E os eleitores?

Questionado sobre o facto de ter sido aprovada na generalidade uma lei que deverá ser completamente diferente no seu conteúdo, Chan Chak Mo considerou essa situação normal. “É normal na generalidade ser-se a favor e na especialidade ser contra, cada um tem a sua justificação. Trata-se de uma decisão política e cada um tem que se justificar perante o seu eleitorado. Há várias propostas de lei que foram totalmente alteradas na especialidade. São as regras do jogo, há deputados que concordam e discordam, é normal. Todos sabem o que se está a passar e cada deputado tem o seu eleitorado. Esta é uma decisão política”, explicou o deputado indirecto.

Dúvidas e clarificações

O memorando que será agora entregue ao Executivo contém pedidos de clarificação dos deputados relativamente a questões como o cigarro electrónico ou a venda de tabaco em máquinas.
“Os produtos não podem ser expostos ou vistos de fora. Queríamos saber junto do Governo qual será o grau de aplicação. As tabaqueiras têm uma opinião contrária e isso vai afectar o negócio. Outra questão é a proibição de comercialização do cigarro electrónico. Agora é só proibida a sua comercialização, mas não quer dizer que seja proibido o seu consumo.”
Chan Chak Mo alertou ainda para a necessidade de clarificar a proibição de fumar junto aos autocarros. “Agora a proibição de fumar estende-se a menos de dez metros de distância das paragens. Entendemos que não é exequível essa medida e temos de pedir ao Governo para nos explicar como vai ser executado, porque as vias são muito estreitas e também é proibido fumar do outro lado. É difícil de pôr em prática”, concluiu.

15 Jun 2016

Notários | Governo não sabe quantas vagas vai abrir

A Assembleia Legislativa começou ontem a analisar o estatuto dos notários privados. A Secretária para a Administração e Justiça não sabe quantos concursos vão ser abertos. Deputados pedem mais inspectores

[dropcap style=´circle´]A[/dropcap]rrancou ontem a análise da proposta de lei relativa ao estatuto dos notários privados em Macau pela 1ª comissão permanente da Assembleia Legislativa (AL). Em discussão esteve a falta de profissionais na área e as directrizes para a reintegração de habilitados, para além da possibilidade de abertura de concurso que abranja a inspecção dos notários. A Secretária para a Administração e Justiça, Sónia Chan, disse aos jornalistas que ainda não sabe quantas vagas vão abrir para que novos notários possam concorrer.
Presidida pela deputada Kwan Tsui Hang, a comissão serviu para abordar as questões relativas à falta dos profissionais no território da RAEM bem como a possível reintegração de profissionais, para além da ausência de inspectores suficientes.
Actualmente existe apenas um profissional para monitorizar a qualidade profissional do serviço dos notários privados, número evidentemente escasso para os 57 notários. Neste sentido Kwan Tsui Hang adianta a possibilidade da presente proposta de lei poder vir a abranger um concurso para admissão ao curso de formação nesta área.
No que respeita à possível reintegração de profissionais já considerados habilitados pelo Regime Transitório que data da fase anterior a 1999, a presidente da 1ª Comissão Permanente adianta que neste momento há 15 pessoas nesta situação que não estão em Macau. Para estes casos, e assim que a proposta de lei for aprovada, será enviada uma notificação informativa em que é dado um prazo de três meses para os interessados informarem a sua intenção de exercer a profissão no território.

Mais formação

O diploma abrange ainda a abertura de um concurso para admissão ao curso de formação organizado pelo Centro de Formação Jurídica e Judiciária tendo em conta a escassez de notários privados na RAEM. Desde 2002 que não é aberto um curso de admissão para as funções, sendo que dos cinco cursos ministrados até essa data foram qualificados 99 notários privados. Hoje exercem na RAEM 57 profissionais que não garantem a necessidade de estabelecer o equilíbrio entre a procura de serviços notariais e a capacidade de resposta do sector com vista à eficaz satisfação das necessidades da população.

Cartório Notarial vai sair do Leal Senado

O Primeiro Cartório Notarial Público situado nas instalações da Santa Casa da Misericórdia no Largo do Senado vai mudar de casa. Kwan Tsui Hang revelou a decisão do Governo de mudar o serviço para a zona norte da cidade, não adiantando quaisquer informações acerca do destino do edifício que ocupa actualmente. Ao ser confrontado com a decisão, o provedor da Santa Casa da Misericórdia de Macau, António José de Freitas, em declarações à Rádio Macau, afirma que ainda não recebeu qualquer denúncia do contrato de arrendamento por escrito, salientando a preocupação com a situação: “Entendemos que o Governo deveria ter uma maior responsabilidade em zelar pela imagem daquele edifício.” Afirma ainda que lamenta que a Santa Casa seja a primeira vítima da política de austeridade do governo ao mesmo tempo que refere que a renda de um milhão e duzentas mil patacas que a Santa casa recebe anualmente do aluguer do espaço representa cerca de 1% dos cerca de 100 milhões de patacas que o Governo gasta em arrendamentos de vários espaços públicos de Macau É intenção da Santa Casa continuar a arrendar este espaço sendo que considera que o inquilino “deveria ser um departamento do Governo, ou então um banco ou qualquer coisa que não seja de comes e bebes” de modo a zelar pela imagem e dignidade do edifício em si, remata.

15 Jun 2016

Governo não divulga plano de contingência em caso de acidente nuclear

Após a polémica gerada pela central de Taishan, o Governo disse ter um plano de contingência em caso de acidente mas não explicou qual. O HM quis saber mais mas nada conseguiu. Jason Chao diz que o plano deveria até contemplar “uma nova localização para Macau”. Agnes Lam apela à “necessidade da população se sentir segura” e Wang Zhishi, especialista da UM, diz não acreditar em acidentes

[dropcap style=´circle´]“A[/dropcap] Direcção dos Serviços de Protecção Ambiental (DSPA) irá prestar estreita atenção à respectiva situação junto dos serviços competentes, e executar os devidos trabalhos para articular com o respectivo plano de contingência.”
Foi assim que a DSPA respondeu às questões que o HM colocou relativamente ao nível de preocupação que a população da RAEM deve ter relativamente às cinco centrais nucleares que a rodeiam, com especial ênfase para a central de Taishan ainda em construção, e que tantos protestos tem levantado junto de alguns sectores da população, ou não estivesse a apenas 67 km do território.
Do leque de perguntas formuladas pelo HM constava ainda o teor do plano de contingência.
Para Agnes Lam, docente universitária e dirigente da Energia Cívica de Macau, é compreensível que “exista matéria militar sensível que não possa ser divulgada”. Todavia, para a académica “deveria existir um plano de evacuação e, pelo menos parte dele, deveria ser divulgado para que a população se sinta segura”.
Na mesma linha, segue a Associação Novo Macau (ANM).
“O Governo responde em meia dúzia de linhas não, é?, pergunta ao HM Jason Chao da ANM, “não é aceitável”.

Mudar Macau de sítio

Jason Chao vai ainda mais longe dizendo que o plano não só deveria ser público como “em face da construção de tantas centrais à volta de Macau, a população deveria conhecer um plano para a relocalização de Macau”.
Chao justifica a sua posição com uma entrevista dada por Gorbachev.
“Vinte anos após Chernobyl, Gorbachev disse que uns dois dias depois do acidente foi-lhe dito que as centrais nucleares eram tão seguras como ferver água na Praça Vermelha”, diz Jason, afirmando ainda que “para além do risco que as centrais nucleares representam, não temos confiança nas práticas do Governo comunista”.
“Eles dizem-nos para estarmos tranquilos porque as centrais são geridas pelo Governo mas o Governo chinês é conhecido por esconder uma série de incidentes”, diz Jason.
No caso de Taishan, grande parte da crítica de diversos especialistas relaciona-se com o facto de elementos principais da central terem sido fabricados na China. Para Chao, “existe falta de confiança nas fábricas chinesas.”
Por isso mesmo, reforça que “devemos estar preparados para desastres nucleares e, particularmente no caso de Taishan, porque vai utilizar tecnologias novas e não provadas.”

A única possibilidade

É precisamente o facto de a central de Taishan utilizar tecnologias novas que descansa o professor Wang Zishi, da Universidade de Macau (UM), que nos foi indicado como, provavelmente, a voz mais autorizada neste tipo de assuntos em Macau.
“Desastres como Fukushima e Chernobyl não são possíveis nesta zona”, diz o professor alegando que “não existe historial de tremores de terra nesta região”. Quanto a Chernobyl, diz Wang Zhishi, “a fábrica era muito antiga. Não acredito que isso possa acontecer em fábricas modernas como a de Taishan”.
O professor da Faculdade de Ciências e Tecnologia da UM diz mesmo que “a energia nuclear é mais limpa do que combustíveis fosseis”, alegando ser a única solução possível para “responder às necessidades de desenvolvimento económico na região”.
Confrontado com a possibilidade de acidentes, Wang Zhishi, recusa-se a pensar nisso garantindo que “as fábricas foram construídas após estudos de impacto dos riscos”.
Relativamente à necessidade do Governo divulgar um plano de emergência junto da população, praticamente a única pergunta que o HM lhe endereçou, o académico acabou por dizer que “não sei que plano Macau deve ter mas deve existir alguma forma de contingência”, dizendo ainda que “devemos fazer uma avaliação rigorosa para perceber os riscos”.

Articular com Hong Kong

Para Agnes Lam o plano, a existir, deveria mesmo incluir Hong Kong.
“Os Governos de Macau e Hong Kong deveriam coordenar-se num plano de gestão de crises e prepararem exercícios de evacuação”, diz a académica.
Para Scott Chiang, da ANM, o Governo devia ser claro para convencer população que tem, em primeiro lugar, capacidade para desenvolver trabalhos de descontaminação e, em segundo, competência para assegurar o abastecimento de comida, água e outros bens vitais que podem vir a ser afectados em caso de um acidente em Taishan”. No fundo, diz Chiang, “apenas queremos saber se existem planos que nos permitam continuar a viver as nossas vidas”. A DSPA voltou a ser inquirida pelo HM sobre o plano de contingência e continuamos à espera de uma resposta.

15 Jun 2016

Henrique Nunes, treinador do Benfica de Macau: “Joga-se bom futebol para as condições que temos”

Aos 61 anos, e depois de uma vida dedicada ao futebol com títulos pelo meio, Henrique Nunes estava decidido a encerrar a carreira quando chegou o convite do Benfica de Macau. Uma experiência gratificante mas frustrante, pois a “falta de condições de treino não deixam nem atletas nem treinadores evoluírem”. Caso contrário, há jogadores locais que até poderiam ambicionar ligas mais competitivas

Várias vezes tem sido referido que a sua adaptação a Macau não foi fácil. Quer consubstanciar?
Não foi e continua a não ser. Vamo-nos adaptando, mas continua a ser muito difícil. A grande dificuldade é a falta de espaços para treino, que é diária, e o facto de mesmo os que temos serem extremamente duros. Reconheço que é igual para todos mas é difícil conviver com esta realidade. Além disso, o facto de os atletas locais não terem o culto do treino também não ajuda. Para eles, o futebol é algo lúdico. Não estava habituado a isso uma vez que sempre treinei equipas profissionais.

A falta de espaços é então o principal problema…
Sim, naturalmente. Veja o nosso caso esta semana: temos um jogo na quinta-feira e terça e quarta não pudemos treinar. Se quisermos fazer alguma coisa temos de ir para a pista correr quando a nossa finalidade é jogar futebol. Estas dificuldades fazem com que o futebol em Macau não tenha uma evolução maior. Mas, já disse e volto a dizer: em Macau joga-se muito bom futebol para as condições de treino que as equipas têm. henrique nunes facebook

Que solução vê para isso? Macau tem pouco espaço mas poderia ser feito algo diferente?
Sabemos que Macau tem problemas de espaço. Mas existem formas de contornar isso. A ideia do Desporto para Todos é muito boa mas, se realmente existe uma selecção de Macau e se se pretende evoluir a modalidade, deveria existir preferência de treino pelo menos para os dois principais escalões. Às vezes chegamos ao terreno do hóquei e estão lá seis ou sete amigos a tentarem acertar na barra… Se a ideia for fazer evoluir a modalidade em Macau deviam existir espaços garantidos para as equipas da primeira e da segunda divisões.

Têm de marcar campos todos os dias, não é?
Todos os dias e às 6 da manhã. Ainda assim, frequentemente chegamos a essa hora e os campos já estão marcados. Planear o microciclo semanal assim é muito difícil porque nem sabemos que tipo de campo vamos ter na semana seguinte. É uma anarquia. Comparando com equipas dos distritais em Portugal, lá quase todas têm mais de um campo para treinarem. Com relvados sintéticos, naturalmente.

A relva sintética seria a solução para Macau?
Acho que é a única solução. Especialmente se continuarmos a privilegiar o Desporto para Todos. Com a intensidade de utilização que existe actualmente, os relvados sintéticos de ultima geração iriam resolver muitos problemas e até darem mais horas às equipas para treinarem.

Que tipo de reacções têm da associação de futebol?
Reportamos isto à nossa direcção e eles comunicam à associação. Mas, pelo que me apercebo, a associação está muito mais preocupada com o Desporto para Todos do que com a evolução do futebol local.

Pelo que vê dos jogadores que treina e observa nas outras equipas, acha que alguns, reunidas as condições de treino, poderiam ambicionar ligas mais competitivas?
Acho que sim. Comparando com Portugal, onde treinei sempre, temos aqui jogadores com condições. Não para chegarem já à Primeira Liga mas claramente para a Segunda. E, com algum trabalho, penso que chegariam à Primeira com alguma facilidade. Mas também não há dúvida que os jogadores ao chegarem a Macau estagnam. Não pode haver evolução do futebol em Macau enquanto não existirem espaços para treinos diários.

É frustrante, ou não?
É muito. Os primeiros meses foram muito difíceis e pensámos várias vezes em irmo-nos embora. Tivemos foi a felicidade de apanhar um grupo de trabalho que está junto há muito e que nos ajudou a suprir as dificuldades. Hoje posso dizer não estar arrependido de ter ficado mas, mesmo do ponto de vista da evolução como treinadores, é muito frustrante. O exemplo do Tiago. Veio como treinador de guarda-redes. Mas como pode ele treiná-los num piso quase tão rijo como o mármore e com balizas de sete? É frustrante. Macau oferece muito poucas condições aos seus atletas.

Existem equipas a mais em Macau?
De forma global, não há dúvida nenhuma. Poderiam existir menos divisões com menos equipas mas muito mais estruturadas para podermos ter um campeonato mais forte. Mesmo no caso da Liga Elite, um campeonato de 10 equipas, deveria privilegiar um play-off com as quatro primeiras.

Que lhe passou pela cabeça quando recebeu o convite de Macau?
Estou com 61 anos e já tinha assumido o final de carreira. Todavia, fiquei a pensar no assunto, falei com muitos amigos, alguns com negócios na região e todos me diziam para vir porque Macau era interessante e até seria uma forma de acabar bem a carreira. Pensei e achei que se as condições fossem agradáveis, porque não, e acabei por vir.

Está mesmo decidido a encerrar a carreira, então?
Sim, mais um ou dois anos e acabo.

Não quer ser um Trapattoni, então?
Não, até porque tenho quatro netinhas e elas ocupam-me muito tempo. Também comecei como jogador aos 14 anos, depois dei aulas de educação física, fui bancário mas quando subi o Feirense à I Divisão acabei por me dedicar como profissional. Mas já são muitos anos e esta profissão é muito desgastante.

Mas já existe contrato para a próxima época, ou não?
Tudo aponta que ficarei pelo menos mais um ano mas provavelmente será a minha ultima época. Não está tudo definido, já conversámos mas tudo indica que vou ficar mais um ano em Macau.

Que é preciso para ser um bom treinador?
Ora bem…. Gostava de ser melhor do que sou…

Porque diz isso?
Nestas coisas os momentos contam. Reconheço que quando apareci no futebol e subo o Feirense à I Liga se fosse hoje se calhar teria chegado a uma equipa maior. Hoje com grande facilidade um treinador que ainda não fez nada aparece na I liga com uma facilidade tremenda porque os empresários dominam muito o desporto mas eu nunca tive um. Caso contrário talvez tivesse tudo uma ascensão maior. Mas não é fundamental ter-se sido jogador para se ser um bom treinador mas é um dos princípios. Há espaço para todos claro, até porque hoje um em dia um treinador sozinho não consegue dar conta do recado. Mas acho importante ter-se vivido o desporto como atleta, a vivência do balneário, do jogo, dos treinadores que tivemos. E depois é o gosto, o trabalho e as ideias de cada um.

E se depois lhe aparecer uma proposta de Portugal? Termina? Ainda pode vir a arranjar um empresário?
(risos) Já não. Isto cansa um pouco…

A sério?
(risos) De facto, apesar da idade que tenho ainda me sinto com força para treinar. E sinto essa necessidade. Uma das grandes razões que me levou a vir para Macau foi estar parado há quase um ano. Estava farto do sedentarismo e tinha saudades.

Há uma relação muito especial com o Feirense…
Há. Mais de metade da minha carreira foi passada lá e como sou natural de Santa Maria da Feira, é o clube do meu coração e o clube que mais gosto de representar. Como atleta representei sempre o Feirense. Deixei de jogar com 28 anos porque tive de colocar uma prótese na anca. Depois comecei a treinar a formação, felizmente com algum sucesso, e fui convidado a assumir a primeira equipa, tinha eu 32 anos. Logo no primeiro ano subimos à Primeira Liga.

Foi campeão quantas vezes?

Pelo Gondomar, Arouca e Feirense, onde subi duas vezes, uma à Primeira e a outra à Segunda Liga.

Qual o treinador com melhores ideias?
O Guardiola. Para mim é o melhor. Foi um homem que trouxe uma ideia de jogo completamente diferente do que estávamos habituados e com grande sucesso.

O Mourinho é mesmo um treinador defensivo?
Fez grandes épocas e é um grande treinador, isso nem está em discussão, mas gostei essencialmente dele no Porto e nos primeiros anos no Chelsea quando as equipas dele jogavam muito à bola. Claro que foi campeão europeu no Inter mas estas suas equipas mais recentes não praticavam um bom futebol.

Que se terá passado? O processo dele mudou? Os jogadores…
Não faço ideia mas, por exemplo, não gostava nada do futebol que praticava o Inter. Era uma equipa muito defensiva que, dizem, devia-se à idade elevada dos jogadores. Mesmo no Real Madrid, existiam muitos bons jogadores mas nunca vi a equipa com um fio de jogo para chegar ao golo. Acho que era mais fruto da qualidade individual dos jogadores do que propriamente outra coisa.

Para terminar o assunto Mourinho, foi uma boa aposta para o Manchester?
Sim, ele é sempre uma boa aposta. Além disso, vai numa boa altura. O Manchester não tem ganho nada e o Mourinho tem a capacidade para colocar a equipa a ganhar.

“Poderiam existir menos divisões com menos equipas mas muito mais estruturadas para podermos ter um campeonato mais forte”

Quais devem ser as primeiras coisas que um treinador deve fazer quando chega a um clube com as condições essenciais para trabalhar?
O princípio é sempre formar o plantel de acordo com os objectivos da direcção mas, claro, tendo em conta os orçamentos e a sua respectiva adequação.

Como se gere o processo quando um treinador diz que precisa de reforços para atingir objectivos? Como se gere isso com os jogadores que já lá estão? Não se sentem menorizados?
Por isso é que se deve montar o plantel no princípio. A meio da época deve ter-se algum cuidado.

Europeu. Como o está a ver?
Mal. Não tenho visto muitos jogos por causa do adiantado da hora. Mas dos que vi ainda não vi grandes jogos. O melhor terá sido o do País de Gales. De início achava a Espanha e a Alemanha como favoritos mas depois de ter visto a Espanha fiquei um bocado na dúvida em relação a eles. Já da Alemanha gostei.

E Portugal?
Não estou tão optimista como o Fernando Santos mas acho que podemos fazer um bom campeonato. A equipa tem uma boa mescla de jogadores novos e outros mais experientes, todos com muita qualidade.

Não está optimista então, porquê?
Porque ao longo dos anos as nossas selecções chegam a esta fase e vão-se abaixo. Mas pode ser que a mudança de mentalidades que chegou aos clubes tenha agora também chegado à selecção. Mas não tenho grandes expectativas. Temos capacidade, mas…

Porque há falta de pontas de lança no futebol português? Defeitos de formação, mentalidade dos treinadores, o quê?
É pena termos tantos jogadores de qualidade no meio campo e não surgirem pontas de lança. Mas passa pela formação, pela necessidade de vocacionar atletas para jogarem naquela zona porque, por norma, toda a gente quer jogar no meio campo. Tem-se mais bola, os defesas não andam tão em cima… Por norma, quem gosta de jogar futebol e tem qualidade, quer ir para o meio campo. Têm de andar mais mas sentem-se mais à vontade.

O Éder foi uma boa escolha para a selecção?
Acho que sim. Estou com o Fernando Santos. Pode não ser o ponta de lança de sonho que todos desejamos mas é o melhor que temos disponível.

“A associação está muito mais preocupada com o Desporto para Todos do que com a evolução do futebol local”

O treinador que lhe causou mais problemas em jogo?
Considerando equipas de nível equiparado, o Victor Oliveira. Só ele, por acaso, tem mais jogos na II Liga que eu.

Ele parece não querer outra coisa…
Ele é que está correcto. Assim, acaba por arranjar bons projectos para subir, exige o plantel que quer e ganha muito mais do que se estivesse na Primeira. Ele é pago na Segunda ao nível da Primeira.

Então é o mais difícil, porquê?
Porque monta equipas muito homogéneas. Não praticam um futebol exuberante mas são muito coesas. Não marcam muitos golos mas também não sofrem muitos. São equipas compactas, difíceis.

E o Jesus? É assim tão bom como ele diz?
(risos) Ele é um bom treinador. Gosto muito da forma como as equipas dele jogam mas no restante acho-o extremamente convencido. Por isso, acaba por não ser uma pessoa simpática no nosso meio. Há muitos de nós que não o vêem com bons olhos porque ele, para atingir os seus fins, se tiver que atropelar, atropela. E depois fala demais e acaba por dizer coisas que não deve.

A sua melhor recordação do futebol
Tive duas subidas à I Divisão com o Feirense. Uma como jogador, outra como treinador e esta foi, claramente, a que me deu mais gozo além de termos sido campeões nacionais da II Divisão.

15 Jun 2016

Estética | Saúde pública em risco devido à falta de legislação

Sempre gerou muita controvérsia na sociedade. A cirurgia estética é um prazer para uns, um erro para outros. Em Macau não há dúvidas: intervenções estéticas colocam em causa a saúde pública. Para evitar riscos é preciso legislar, frisam médicos

[dropcap style=’circle’]“Q[/dropcap]uando não acontece nada até o sapateiro pode ser médico”. A afirmação é de Fernando Gomes, médico, reagindo à falta de legislação para a especialidade de medicina estética.
Em termos práticos, o exercício da actividade privada de prestação de cuidados de saúde está regulada pelo Decreto de Lei 84/90/M, publicado em Dezembro de 1990, alterado em 1998 e 1999. Acontece que nada diz sobre medicina estética, mas não é por isso que não se deixa de a praticar em Macau.
“Não existe qualquer regulamentação sobre o exercício da especialidade, nem sequer da profissão. Qualquer um que tenha licença para o exercício o pode fazer [bastando ter uma licenciatura em medicina ou acreditação para tal], mesmo que não seja a sua especialidade”, começa por explicar Fernando Gomes. Reforçando a opinião está o também médico Rui Furtado que aponta esta “inexistência de lei” como uma “profundo risco para a saúde pública”.

Os culpados

O que seria suposto estar a acontecer em Macau, e no mundo da saúde, é que sempre que existe um acto médico o profissional deveria ser responsabilizado pelo mesmo acto, desde que praticado em instituições idóneas e responsáveis, e também responsabilizado pelo administrar medicamentos aos pacientes. Como? Com a assinatura da receita.
Em Macau só o hospital Conde São Januário é que passa estas receitas, sendo que todas as outras instituições não o fazem. “Como se sabe aqui ninguém passa receitas, tirando o hospital e, claro, aí há responsabilidade médica, na medicina privada não o fazem. O que acontece é que os utentes vão ao médico e no fim recebem uns comprimidos coloridos num saquinhos de plásticos (…) se houver algum problema, se o doente morrer ninguém sabe quem é que deu aquilo aos doentes. Portanto não há responsabilidade nenhuma de quem administrou aquilo ao doente”, exemplifica Rui Furtado, frisando que esta é a prática “normal em Macau”.
Apesar de ser um problema geral, a área da estética está claramente em destaque. Pelos piores motivos. “Aqui qualquer curioso vai a um centro de beleza e faz uma cirurgia estética, algo que só deveria ser feita por médicos credenciados, em hospitais”, continua.
“Em Macau qualquer curioso vai a um Centro de beleza e faz a cirurgia. Os procedimentos que têm de ser feitos pelos especialistas, por exemplo o botox, é feito por qualquer curioso, em qualquer lado. Portanto qualquer acto médico em Macau é feito sem responsabilidade nenhuma porque ninguém assina papéis”, acusa.

Pulso firme

A deputada Wong Kit Cheng, numa interpelação escrita, acusou o Governo de nada fazer num assunto bastante sério. “(…) os Serviços de Saúde (SS) afirmaram que já formaram grupos de trabalhos internos para investigar a regulamentação do serviço de medicina estética, incluindo a proficiência dos médicos, equipamentos, avaliação de risco, entre outros, mas até agora não foi anunciado qualquer progresso”, apontou, sublinhando que “os médicos inscritos não tem conhecimento profissional suficiente ou treino sobre medicina estética, pois o decreto-lei presente [Decreto-lei 84/90/M] não consegue garantir a qualidade do serviço relacionado”.
A deputada vai ainda mais longe e afirma que a sociedade estão mal preparada porque nem consegue “distinguir entre medicina estética ou actos de cosmética ordinários”. “Com a falta de informações correctas e claras, o direito e beneficio dos consumidores estão a ser afectados”, apontou.
Não são comuns, acrescenta ainda a deputada, casos infelizes de cirurgias em que a única pessoa lesada foi o paciente, sem qualquer responsabilização atribuída ao médico.
Fernando Gomes, exemplifica, com o mais recente caso na região vizinha, Hong Kong, da morte de uma paciente depois de desencadear uma reacção alérgica após uma cirurgia plástica.
“As pessoas aqui em Macau também correm risco de vida. Até o simples botox. Por exemplo, as pessoas fazem botox hoje em dia quase em cada esquina da rua. Claro que há pessoas que podem ter uma reacção negativa, ou seja, se precisarem de ser reanimadas, isto pode não acontecer porque estas clínicas podem não estar preparadas”, continuou.

Acreditação precisa-se

A solução está na aprovação do Regime Legal da Qualificação e Inscrição para o Exercício da Actividade dos Profissionais de Saúde, aponta Fernando Gomes. “Essa lei é que vem prevenir todos os casos (…) é preciso regulamentar o exercício de cada especialidade. As pessoas acreditam que por ser médico se pode fazer isso tudo, mas não. É preciso aprovar a lei para ver se conseguimos normalizar uma situação que hoje em dia não pode ser aceitável, principalmente no sector privado”, rematou. Ainda assim, mesmo com a possível qualificação é preciso depois controlar o exercício da especialidade dentro das próprias clínicas.
“Responsabilidade médica é um assunto que muito se tem debatido mas que nada se tem feito para alterar”, lamenta Rui Furtado. Enquanto a lei continua em análise e discussão, torce-se para que ninguém morra numa maca, só porque a beleza comanda o mundo.

14 Jun 2016

Lorcha Macau | Governo afasta hipótese do regresso da embarcação

Um ano depois de um relatório técnico ter declarado a Lorcha Macau como sendo sucata, a Fundação Oriente continua à espera de um orçamento e de uma decisão final para resolver o dossier de um barco a apodrecer. Da Secretaria de Alexis Tam descarta-se a hipótese de um regresso da histórica embarcação à terra mãe

[dropcap style=’circle’]A[/dropcap] Lorcha Macau foi, um dia, um símbolo da cultura portuguesa e chinesa em madeira a navegar no mar, tal como um dia se fez nos Descobrimentos. Hoje é um símbolo morto em Portugal sem possibilidade de regresso a Macau. Há um ano a Fundação Oriente (FO) divulgou um relatório que declarava a Lorcha Macau como sucata. Um ano depois, não há decisão. Em Macau ninguém pode ficar com ela, nem mesmo o Executivo.
“O Governo de Macau, através de vários serviços e departamentos, analisou com rigor a possibilidade de ficar com a Lorcha Macau mas, por questões várias, nomeadamente de natureza técnica, foi concluído que não há possibilidade de trazer a Lorcha para Macau”, confirmou o HM junto do gabinete do Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, Alexis Tam.
“A Lorcha Macau é uma situação irreversível”, defendeu recentemente ao HM Carlos Monjardino, presidente da FO. “Estamos à espera de um orçamento, mas quase de certeza não vai ser possível recuperar devido à idade que tem, quase 30 anos. Há um relatório das autoridades que foram fazer uma inspecção e que diz que a recuperação é impossível.”
Monjardino prefere não falar de destruição de uma embarcação que representou Macau na longínqua Expo 98, em Lisboa. “Pode-se chamar outra coisa qualquer. Iremos fazer o desmantelamento da Lorcha, se não encontrarmos entretanto outra solução. Acho difícil para a FO ou mesmo para a Fundação Stanley Ho (receber esse projecto). Havia quem estivesse em Macau interessado na Lorcha mas ultimamente não tem mantido muito interesse.”
O relatório, citado pelo jornal Ponto Final, fala do “estado geral de degradação da madeira” e a “deficiente manutenção dos principais equipamentos e sistemas de bordo”. De acordo com o relatório, só se aproveitam os motores de propulsão e alguns acessórios de navegação.
Construída na década de 80 e usada como símbolo em 1998, a Lorcha Macau está hoje em Portimão e tem vindo a ser afectada por uma praga de bichos de madeira desde 2011, sendo hoje impossível de navegar no mar. A FO gasta cerca de meio milhão de patacas por ano só na manutenção da embarcação, fora as duas milhões de patacas necessárias para tratar a praga na madeira. lorcha2_bibito henrique

Contactos de Lisboa

Carlos Monjardino ofereceu, por volta de 2012, a Lorcha Macau a Bibito Henrique, da empresa Macau Sailing, ou mesmo à Casa de Portugal em Macau (CPM). Daria a embarcação se, no território, se encontrassem os fundos necessários para todo o processo de transporte e aproveitamento (ver texto secundário).
Confrontado com a resposta do Secretário Alexis Tam, Bibito Henrique não se mostra surpreendido. “Não lamento, ao fim destes anos todos já sabia que seria muito complicado recuperar o barco, a partir do momento em que saiu o relatório que dá o barco como destruído.”
Amélia António, presidente da CPM, garante: “sendo o custo uma coisa viável, e uma vez que a Lorcha foi feita aqui, é um exemplar único, faria todo o sentido ela estar aqui e ser posta ao serviço do turismo local.”
“O doutor Monjardino, em tempos, mandou uma carta a oferecer a Lorcha à Casa de Portugal, e nós não demos seguimento a esse assunto enquanto não soubemos se o Governo estaria interessado em trazê-la para Macau, porque nunca nos iríamos meter numa aventura dessas. Não temos estruturas para tratar desse assunto, ficar com a Lorcha e tomar conta dela. Só se o Governo estivesse interessado nela é que daríamos o nosso contributo em termos de trabalho. Foi isso que transmiti ao doutor Alexis Tam e ao doutor Monjardino. O doutor Monjardino ficou de manter os contactos da empresa que a levou para lá, mas não tive feedback nem de um lado nem de outro.”
Bibito Henrique, que considera que ficaria mais barato fazer uma nova réplica da Lorcha, diz que a não aquisição do barco “não é falta de vontade política”. “É tudo muito novo e a política também se está a adaptar”, concluiu.

Muito acima de meio milhão

Réplica poderia enquadrar-se nas novas águas marítimas

Deparando-se, em 2012, com a venda da histórica embarcação, Bibito Henrique pôs mãos à obra e elaborou um projecto que visava o seu transporte e aproveitamento. Se na altura custava mais de 500 mil patacas (60 mil euros), hoje custaria, provavelmente, o dobro. A ideia era comemorar os 500 anos da chegada de Jorge Álvares à China, se bem que Bibito não sentiu receptividade por parte das entidades locais. lorcha4_bibito henrique
“Quando vim para Macau com o projecto senti que as minhas tentativas de falar com as entidades locais não estavam a correr bem, não estavam receptivas e as portas não estavam abertas. Percebi também que a minha ideia inicial de lembrar os 500 anos não estava a ter uma grande adesão por parte de Macau.”
“O barco iria servir para duas situações para as quais eu considero que Macau ainda tem espaço. A parte turística, de termos o barco para passeios, como há em Hong Kong, e a nível de história e cultura, para dar apoio a escolas, para servir de um equipamento vivo para os nossos estudantes e interessados nesta área para terem acesso a um museu vivo, com uma parte multimédia”, contou Bibito Henrique.
O responsável pela Macau Sailing fala da Lorcha como um bom exemplo para enquadrar na nova gestão das águas marítimas, que desde Dezembro de 2015 passaram a estar sob jurisdição de Macau.
“De repente temos este mar imenso, uma área imensa sobre a jurisdição, e temos uma economia do mar que passa por imensas coisas, e há inúmeras actividades que podem ser desenvolvidas. Ainda temos os técnicos em Macau, que estão todos na casa dos 60 anos, em Lai Chi Vun (povoação em Coloane). Do meu lado, com as parcerias que tenho na China, temos o saber fazer.”

14 Jun 2016

Fundação Macau | Deputados pedem alocação de verbas de jogo para Segurança Social

Os deputados Au Kam San e Ng Kuok Cheong pedem que as verbas do Jogo destinadas à Fundação Macau sejam alocadas no Fundo de Segurança Social para apoiar “as pessoas de Macau”
Com Ângela Ka

[dropcap style=’circle’]A[/dropcap] polémica doação de 100 milhões de renmimbi da Fundação Macau (FM) à Universidade de Jinan, de Guangdong, continua a gerar debate. Ontem os deputados Ng Kuok Cheong e Au Kam San exigiram, em conferência de imprensa, que o Governo mude os contratos com as operadoras de Jogo para que o Fundo de Segurança Social (FSS) passe a receber a parte de 1,6% das receitas dos casinos, em vez da própria FM.
Os deputados frisaram que neste momento as contribuições para o FSS não estão estáveis e as contribuições para o Regime de Previdência Central geram polémica. Ambos defendem que os recursos financeiros da FM são de Macau e devem ser aplicados às “pessoas de Macau”.
“Se neste momento não é estável a contribuição para o FSS, porque é que não se transferem a percentagem de 1,6% das receitas da FM para o FSS, para que não haja um abuso dos recursos?”, questionou Ng Kuok Cheong.
“Não se deve menosprezar os 1,6% das receitas, porque são sempre mais de mil milhões de patacas. Em 2014 as receitas de jogo foram superiores a 300 mil milhões de patacas, o que significa que a FM recebeu cerca de 5 mil milhões. O ano passado as receitas caíram e a FM ainda recebeu mais de 3 mil milhões”, lembrou Au Kam San.
“Antes da transferência de soberania pedi que fosse feita uma transferência de fundos para o FSS. Como o Governo referiu que o FSS pode ter uma crise de falta de capitais, vou voltar a pedir que seja feita essa transferência, porque o Governo ainda não tem um mecanismo financeiro para apoiar o FSS de forma continuada”, referiu Ng Kuok Cheong.

Dúvidas contratuais

Segundo os estatutos da FM, a fundação recebe, desde 2001, 1,6% das receitas dos casinos, com base nos contratos de Jogo. Contudo, os contratos das operadoras determinam que essa percentagem pode ser aplicada numa fundação pública que tenha por fim a promoção, o desenvolvimento e o estudo de acções de carácter cultural, social, económico, educativo, científico, académico e filantrópico. Não define, portanto, que tem de ser a FM. Edmund Ho, ex-Chefe do Executivo, determinou que seria a FM a beneficiária desse valor.
“Edmund Ho definiu que essa percentagem deveria ser atribuída à FM e depois ele próprio se tornou presidente do Conselho de Curadores (que decide apoios superiores a meio milhão de patacas). Será que ele colocou dinheiro no seu próprio bolso?”, acusou Au Kam San.
Ambos os deputados falam de abusos na FM. “O Chefe do Executivo (Chui Sai On) já disse que não recebe salário da Universidade de Jinan, mas vários membros da FM desempenham outros cargos noutras associações. Se os membros fizerem o que fez o Chefe do Executivo, vão ser cometidos abusos com o dinheiro da FM”, rematou Ng Kuok Cheong.

14 Jun 2016

Porto Interior | Governo salda dívida a empresa 14 anos depois

A Macau Professional Services, empresa ligada à CESL-Ásia, recebeu finalmente as mais de 600 mil patacas que lhe eram devidas após o Governo ter suspendido o projecto de requalificação da zona da Barra e do Porto Interior. O último pagamento tinha sido feito em 2002

[dropcap style=’circle’]M[/dropcap]ais vale tarde do que nunca. Este poderia ser o lema aplicado à história do “projecto de reformulação urbanística parcial do Porto Interior e da Barra”, que foi encomendado em 2001 pelo então Chefe do Executivo, Edmund Ho, à Macau Professional Services (MPS), ligada ao universo CESL-Ásia. Só ontem é que foi confirmado à empresa o último pagamento que a Administração tinha de fazer à empresa. O despacho publicado em Boletim Oficial (BO) revela que a MPS recebeu as mais de 626 mil patacas que ainda faltavam pagar, sendo que o último pagamento feito pelo Governo data de 2002 e está também orçado acima das 600 mil patacas. O contrato inicial tinha um valor superior a três milhões de patacas.
Ao HM, o director da MPS, Miguel Campina, explicou que este despacho representa o fim de um projecto há muito morto e enterrado, e que visava requalificar zonas que anualmente são afectadas por cheias. “Suspenderam o projecto e nunca mais quiseram saber disso. Fomos insistindo no sentido de sermos ressarcidos de alguns prejuízos em que incorremos, por todo o trabalho que fizemos. É fechar o assunto do ponto de vista financeiro, porque as questões que existiam são hoje muito mais graves e a resolução que devia ter sido feita na altura infelizmente não aconteceu, a zona continua a degradar-se e vão destruindo aquilo tudo”, disse Campina.

Afinal havia outra

Miguel Campina recorda um projecto que foi abandonado em prol da construção do actual Sofitel Ponte 16, da Sociedade de Jogos de Macau (SJM). “A encomenda foi feita, o projecto foi desenvolvido, as conclusões foram apresentadas, mas chegou-se depois à conclusão que a intenção não era a de pôr aquilo em prática. A conclusão era ter um pretexto para tomar uma decisão que veio a ser tomada pelo Governo para entregar o aproveitamento da Ponte 16 directamente à Sociedade de Turismo e Diversões de Macau (STDM). Naquela altura não havia uma entidade que estivesse designada para fazer a exploração daquilo”, referiu.
O director da MPS esteve directamente envolvido nessa intenção de requalificação que continua por concretizar. “Parte da estratégia que a STDM tinha pensado e posto em prática era segurar todos os terrenos em Macau para impedir a concorrência de se instalar. No Porto Interior, na sequência dos estudos que tinham sido feitos e nos quais eu tinha estado envolvido, de reformulação do Porto Interior e da Avenida Almeida Ribeiro, o Governo encomendou uma actualização desse estudo, o que aconteceu. Foram feitas uma série de propostas para que fosse feita a recuperação do Porto Interior e a zona da Barra. Mas tudo tinha um outro destino e uma outra razão. Ficou a dívida, que nunca tinha sido resolvida”, rematou.

14 Jun 2016

Alexandre Baptista, artista plástico: “O Homem é um bicho de difícil compreensão”

Alexandre Baptista está na RAEM para a inauguração de “Drawing is giving one’s heart” que acontece amanhã no Albergue SCM pelas 18h30. Traz consigo o tema que lhe dá mote à vida numa exposição provocadora que previa 40 trabalhos mas que devido à superstição com o número 4 passou a 38, não fosse o mau agoiro tecê-las

[dropcap]O[/dropcap] Alexandre é já um artista de sucesso e reconhecimento internacional. Como tem sido este percurso e quais os principais desafios?
Não tem sido nada fácil. Não é fácil apresentar o meu trabalho seja onde for. Nos últimos anos comecei a viver em sítios muito diferentes. Depois regresso a Portugal e resolvo ter mais um desafio. O sair constantemente da zona de conforto não é fácil. É penoso e tem imensas consequências.

Estas idas e vindas são importantes na sua criação?

São, porque é uma forma de conhecer outras realidades, outras pessoas e outras culturas. Começo a olhar para o mundo de um modo diferente e aprende-se muito com o bom e com o mau. Tenho a certeza que tudo isso acaba por ter um forte impacto no meu trabalho.

“Acho que os portugueses desperdiçaram Macau. Demos isto de mão beijada”

O seu trabalho é provocador…
Eu sempre fui muito provocador, mesmo quando não tinha razão tinha que encontrar forma de a ter.

alexandre.baptista.3_sofiamotaO que está na génese dessa vontade de provocar?
Acho que tem a haver comigo mesmo. Adoro provocar tudo. Lembro-me já na faculdade, no Porto, enquanto se tinha a ideia de que o artista é aquele que não tem cuidado nenhum com a imagem, eu ia para a escola de fato, gravata e a fumar charuto.

Tendo um trabalho marcado pela controvérsia, como tem sido a aceitação do mesmo?
Não é nada fácil. Tenho vendido, sim! Tenho exposto em vários sítios e países mas tem sido muito duro. As pessoas no início olham de lado para o meu trabalho. Por exemplo quando cheguei a Miami e comecei a correr as galerias até questionavam se aquilo era mesmo pintura. Pensavam que pela perfeição era stencil. Depois mostrava peças de pequeno formato em papel e que de facto era pintura. Não é para me gabar mas tenho consciência das minhas capacidades técnicas e das minhas limitações. Quando faço alguma coisa tenho que dominar o material para o trabalhar. Na altura tratei também de fazer umas peças em madeira e quando as viram naquele suporte ainda ficaram mais admirados. Foi aí que surgiram algumas exposições em Miami. Mas no início olhavam de lado. Em Portugal também. Lembro-me de uma vez levarem umas peças minhas para uma galeria para mostrar a um coleccionador e disseram que era colagem. As pessoas muitas vezes suspeitam mas tenho tido também alguma aceitação.

“Mesmo o que está subjacente à pintura, é desenho. Se uma pessoa não souber desenhar, não sabe fazer rigorosamente nada”

Não nos traz aqui pintura mas sim desenho. Porquê esta opção?
Para mim desenho também é pintura. Tenho uma relação muito forte com os materiais. Por exemplo, uma folha de papel, tenho que a sentir e que perceber a relação táctil. O papel tem outra coisa muito boa que é o som que o lápis ou o pincel produzem que também me toca. Depois usar um papel e partir do princípio que tenho que deixar uma grande parte deste suporte à vista é muito interessante enquanto desafio. Por outro lado tenho uma grande parte da minha obra desenvolvida só em papel. Se vejo em algum lado papéis que me interessam compro e guardo para depois os poder trabalhar.

Traz cá uma série de trabalhos que tem feito ao longo do tempo. Como foi a selecção do que traria a Macau?
A primeira ideia que tive para esta exposição foi a de misturar papel com outros suportes. Mas depois comecei a perceber algumas dificuldade em fazer exactamente o que queria do modo que achava mais correcto. A dada altura disse que só havia uma forma: tudo em papel. Depois o título desta exposição “Drawing is giving one´s heart” é uma espécie de mote de vida. Tenho uma relação muito forte com esta frase . O desenho para mim também é muito abrangente. Neste caso, e por exemplo em duas peças que fiz recentemente em Londres, é uma conjunção de fotografia, serigrafia e pintura sobre papel. E isso para mim é desenho. Mesmo o que está subjacente à pintura, é desenho. Se uma pessoa não souber desenhar, não sabe fazer rigorosamente nada.

Há um outro lado na sua obra que “mergulha” no ser humano. Porquê?
O Homem é muito interessante. Olho para o que se passa à nossa volta e há coisas que não entendo mesmo. A forma como reagimos e interagimos com outras pessoas às vezes são coisas tão absurdas e patéticas que me pergunto porquê? Sem qualquer conotação religiosa ou coisa do género, nós andamos aqui e vivemos o tempo que temos que viver e não percebo porque se criam tantos conflitos. Acho que viveríamos muito melhor e de consciência muito mais tranquila se não tivéssemos envolvidos em atritos. Não consigo perceber essa necessidade do Homem de criar problemas ao outro. O Homem é um bicho de difícil compreensão. Mesmo em relação a mim enquanto costumava fazer um exercício interessante em que estava atento a mim mesmo e acho que tenho vários “eus”. Parece um pouco os heterónimos de Fernando Pessoa, mas curiosamente um dos seus heterónimos era um tipo chamado Alexander Search com o qual me identifico. Há uma identificação não só do nome mas pelo facto de eu também andar sempre à procura.

Essa “fragmentação” também aparece no seu trabalho?
Sim. Por exemplo na minha pintura tenho o hábito de trabalhar em suportes separados e depois juntá-los. Cada suporte tem uma forma de trabalhar diferente e todos têm princípios distintos, mas quando os junto parecem que são unos. Também têm os meus vários “eus”. Se calhar esta vontade de me perceber também faz com que também trabalhe sobre o Homem.

Tem andado em movimento e agora está em Londres…

Agora estou “exilado” de Portugal. Estou em Londres há pouco mais de um ano e é uma espécie de exílio porque não contacto com Portugal ou com as comunidades portuguesas. Acho que para perceber melhor o meio onde estamos não há nada melhor do que conviver com as outras comunidades. A portuguesa já eu conheço. É igual em todo o lado. Depois estar longe é também pensar numa língua diferente que é sempre um exercício interessante, além do convívio com as pessoas de lá que é altamente desafiante.

Nesta procura permanente, tem algum projecto agora em mãos?
Tenho alguns projectos ambiciosos que gostava muito de colocar em prática. Um deles é muito complicado porque não é um tema fácil. Há uma peça dessa série que foi exposta em Macau em 2014 e é um trabalho que aborda a forma como vivemos a liberdade e a ausência dela. Quando somos castrados da nossa liberdade. A investigação começa em Auschwitz e vem até aos nosso dias e à sociedade contemporânea. Isto porque acho que vivemos numa sociedade extremamente hipócrita e castradora. Isso acontece nas questões raciais, religiosas que estão desde sempre associadas a guerras e a questões de modelação social, questões de género ou escolha sexual. Outro aspecto tem a haver com a imagem e ornamentação do corpo e o que isso interfere na nossa liberdade e julgamento. Este trabalho aborda todas estas questões. Dizemos que vivemos numa sociedade livre, mas não. Temos imensas regras que nos condicionam a nós e ao que dizemos. Estamos a viver num país onde se diz que a democracia está implementada mas isso é também uma pura fantochada. Para mim as pessoas devem viver a vida da forma que entenderem. Claro que reconheço que têm que existir algumas regras mas não deveremos castrar as pessoas das suas opções. Tenho um outro que tem a haver muito com a religião e a sua relação com o caos.

alexandre.baptista.5_sofiamotaComo assim?
Comecei a olhar para este conflitos todos mais recentes do médio oriente e comecei a recuar no tempo. Com a pesquisa sobressai o facto de todas as guerras que temos tido têm um princípio étnico-religioso. Acho que isso leva ao caos. Esse trabalho está todo feito, é uma instalação que está totalmente pronta na minha cabeça. É constituída por dez fotografias gigantes em que existe um altar a que chamo de “profanação do sagrado” e um espaço em que as pessoas interactivamente possam experienciar um estado caótico proporcionado pelo som que já está feito. Falta-me agora um espaço que possa acolher este projecto. Gostava de pôr estes trabalhos em prática mas, mais uma vez, não é fácil, até porque são delicados e controversos. Por outro lado também são projectos para pôr as pessoas a pensar e as pessoas cada vez mais não o querem fazer.

Tendemos para uma sociedade alienada?
Sim. É mais fácil as pessoas cada vez mais fugirem do pensar. Caminhamos para o individualismo exacerbado e pela indiferença pelos outros. Isto aliado a uma futilidade muito grande da sociedade de hoje com o culto da imagem. As pessoas só se preocupam com a imagem mesmo sem conteúdo. Não acho isso nada interessante. Não há consciência política nem de cidadania.

Em Macau sente a questão racial?
Não sinto esse confronto de forma explicita mas a comunidade chinesa e portuguesa vivem totalmente à parte uma da outra. Posso estar redondamente enganado mas para mim são dois mundos que coabitam no mesmo espaço e é só isso.

Já esteve em Macau com várias exposições. Como tem sido?
Não tenho razão de queixa de Macau. Todas as vezes que tive trabalhos aqui, vendi. Tenho ainda pessoas que sei que são seguidoras do meu trabalho e também tenho pessoas que considero minhas amigas. Em relação a Macau, a primeira coisa que penso é que “isto era nosso e porque é que não aproveitámos?”. Depois penso também que isto é muito pequeno. Quando aqui estive a primeira vez só havia o casino Lisboa e agora estão cá as operadoras americanas todas. Acho que os portugueses desperdiçaram Macau. Demos isto de mão beijada.

Que conselho dá hoje aos jovens artistas que se vêm com as dificuldades inerentes a um início de carreira?
Que façam aquilo que gostam e que não olhem para trás. Vale a pena correr riscos. Eu ainda continuo a corrê-los todos os dias. Como pessoa devo muito à pintura. Por exemplo lembro-me dos meus pais me darem dinheiro para comer na escola e eu só almoçava para poder poupar e gastar em material de pintura. Começaram aí os sacrifícios. Por outro lado o meu pai apoiava-me de uma forma estranha porque nunca dizia que o meu trabalho era bom. Mais tarde vim a saber por um tio meu que não o fazia para que eu não me acomodasse.

14 Jun 2016