Sofia Margarida Mota Eventos MancheteCarlos Botão Alves, autor de “O Oriente na Literatura Portuguesa”: “Uma cultura procura na outra o que lhe falta” “O Oriente na Literatura Portuguesa – Antero de Quental e Manuel da Silva Mendes” é o mais recente trabalho de Carlos Miguel Botão Alves, professor e investigador no Instituto Politécnico de Macau. É uma análise de textos dos autores portugueses com vidas e reconhecimentos diferentes mas, que em comum, têm uma forte influência da cultura oriental, e dos princípios budistas e taoistas Como é que escolheu a temática deste livro? Vem na linha de várias discussões que tive com professores de Portugal que me alertaram, desde a minha formação inicial na Universidade Católica, para a necessidade de explorar não tanto a filosofia, porque não é um saber racional autónomo no Oriente, mas antes a sabedoria oriental que tem vindo a ser aperfeiçoada. Depois, em Paris, quando fiz a minha formação específica em Tradução, o estudo foi melhorado com o diálogo muito próximo com a professora Helena Carvalhão Buesco. Apareceu uma área de estudo de Antero de Quental que teria que ver com o Budismo. Eram pesquisas do final de séc. XIX e tinham uma perspectiva assumidamente eurocêntrica. Quando fui leitor de português em Deli, de 1993 a 1995, tive ocasião de apurar ainda mais o campo de estudo da influência budista e pude delimitar mais concretamente o âmbito da minha análise. Foi um trabalho que esteve a marinar e a ser desenvolvido desde 2001/02 até 2014/15, quando acaba por ser redigido. E porquê o paralelismo com Manuel da Silva Mendes, autor que viveu em Macau? Tive contacto com os textos de Manuel da Silva Mendes já em Macau em 1990. Apercebi-me que o que se tinha escrito até à data sobre ele tinha muito que ver com a vertente da reflexão política e, sobretudo, com a análise que fazia pelo empenhamento que tinha na política portuguesa. Era republicano, do Norte, e com génese num proletariado que poderia existir na época. Explorava-se muito os seus escritos no sentido da análise de um socialismo utópico e mesmo anárquico. Mas muito pouca coisa, ou mesmo quase nada, apareceu relativamente aos textos que fez e a que chamo de ensaios. São artigos que publicava dedicados à exploração que fazia das temáticas da filosofia oriental. Quando comecei a colocar a par os textos de Antero de Quental e os de Manuel da Silva Mendes pensei que faria todo o sentido aproximá-los no sentido de criar linhas de leitura que pudessem ser exploradas por quem quisesse estar interessado pela sabedoria do Oriente. Esta parceria entre os autores pode parecer um pouco desequilibrada porque Antero de Quental tem um lugar mais que estabelecido no panorama literário português e Manuel da Silva Mendes nem tanto. Mas a literatura comparada tem também este objectivo, o de trazer para o palco autores não tão conhecidos por via de outros já reconhecidos. Pensei ainda que seria interessante fazer este paralelismo porque desenvolvi a minha vida em França e Portugal, e depois em Macau e na índia. Aqui tenho os dois mundos. Tive sorte por ter dedicado mais de dez anos a leituras para poder escrever o livro. Tive uma mulher que tomava conta de mim e das crianças, o que é muito importante. Pude analisar os textos em profundidade e dar uma visão cultural da segunda metade do séc. XIX e da primeira do séc. XX. O virar do século é fundamental na formação de consciências tanto a Oriente, como a Ocidente. São dois autores empenhados politicamente, ou seja, o que fazem não é uma mera reflexão filosófica, não é uma satisfação individual, quase egoísta. São autores que procuram precisamente, no aliar da tradição ocidental com a oriental, instrumentos de análise para poderem ter uma praxis. São homens extremamente activos, homens que escrevem, que insultam, que vão para os jornais. Mas, ao mesmo tempo, eram pessoas que percebiam que esta prática intensa só faria sentido se fosse bem grudada na realidade, e a realidade é reflexiva. Não se trata de uma mera erupção intelectual e é isso que está pouco estudado na literatura portuguesa. Em Portugal não temos muitos exemplos de autores que estejam no entrecruzamento dos registos literário e filosófico. Literariamente somos riquíssimos mas, do ponto de vista de uma reflexão metafísica e ético-moral, será bastante difícil encontrar nomes. O virar do século proporcionou alguns enquanto excepção: o Feijó, o Quental, o Silva Mendes em Macau e, mais tarde, o Luís Gonzaga Gomes. Os textos em que me baseei foram precisamente os da compilação de Luís Gonzaga Gomes. Era o principal discípulo de Manuel da Silva Mendes, no sentido de que é filho da terra e tinha a riqueza de poder ler e escrever a “outra língua”. O livro começa precisamente com uma frase do Umberto Eco acerca da tradução de conceitos. Como é que estes autores, do final do séc. XIX, desenvolviam estes conceitos que, muitas vezes, não existiam na sua própria cultura? O despertar dos estudos orientais acabou por ser um conceito abusado no sentido mais negativo de uma imposição europeia face ao outro, para o minimizar. Os estudos orientais eram uma tentativa de tornar o Oriente manejável e dominável aos olhos de um Ocidente que imperava. Muito além disso, os estudos orientais começam precisamente pela análise filológica, primeiro em França e depois nas universidades alemãs, no final do séc. XVIII, início do séc. XIX. Na viragem do séc. XIX para o séc. XX temos um retorno à filologia. Temos uma tentativa de procurar nos textos uma verdade, ou aspectos dessa verdade, percebida como o entendimento que o Homem pode ter de si na realidade, baseando-se na compreensão dos textos orientais por defeito da filosofia e do pensamento europeu. Digamos que é por deficiência, mas os contactos culturais são sempre assim, uma cultura procura na outra o que lhe falta. Institucional e politicamente, os impérios estendiam-se pelo Oriente mas, culturalmente, estes homens não tinham uma pretensão de domínio. Silva Mendes sentava-se nos templos de Macau a falar com os monges. Estes homens estavam numa tentativa de procurar, na cultura oriental, o que não era visível e podia colmatar deficiências que, naquele momento, a cultura europeia tinha – uma cultura muito marcada pela industrialização e pelo positivismo que também teve o despontar da procura do novo homem com Feuerbach e Nietzsche. Antero de Quental e Silva Mendes procuravam, aqui, um novo sopro de espiritualidade que a Europa não teria de forma tão vibrante. É essa confluência que quero mostrar quando falo de tradução cultural. Não é propriamente uma tradução de termos, mas sim a procura que uma cultura faz de elementos na outra cultura por deficiência e a capacidade que determinados autores têm de se apropriarem desses conhecimentos que observam na outra cultura, e de os trazerem e tornarem palavras na própria para que façam sentido. É o que me parece que estes dois autores fizeram: uma leitura do mundo e do percurso humano. São homens muito empenhados na renovação do ser humano com ideias de igualdade. Um pensamento ainda muito actual? Deveríamos voltar às línguas clássicas. A gritaria que se passou em França pela tentativa de tornar opcionais as línguas clássicas europeias, como o grego e o latim, é um exemplo dessa necessidade. Há uma urgência em voltar a encontrar a origem e o sentido de determinadas culturas num mundo que pode vir a perder sentido quando demasiadamente globalizado. Quando a ênfase da globalização reside na mera globalização – e a globalização não é propriamente uma troca ou um encontro, mas antes o esbater de características –, podemos correr um risco e, daí, a actualidade dos estudos deste tipo. Há a necessidade de procurar num mundo globalizado, não só as nossas raízes, mas também aquelas que temos através do confronto, do contraste e do diálogo com a alteridade. Para o fazer, é necessário estarmos conscientes daquilo que somos. Só há diálogo quando há troca e só há troca quando temos alguma coisa para dar. São autores que fazem uma reflexão própria e a tradução cultural que operam não é só de termos budistas e taoistas para análise metafísica mas, sobretudo, para orientações ético-morais. São autores de charneira e formativos da nossa cultura. O texto da não-acção, por exemplo, tem uma ressonância extremamente oriental, mas se lermos os textos pré-socráticos o conceito já lá está. Claro que os franceses vão de imediato dizer: “Pois, mas os textos pré-socráticos são da Ásia Menor”. A não-acção não tem a ênfase no não, mas sim na acção. Não é não fazer nada mas é, sobretudo, a promoção máxima do ser humano em reflexão. É isso que é o Oriente. A procura que o sujeito faz dentro de si e da sua própria natureza. Quando isso acontece, a acção exterior, a do fazer, deixa de ter sentido porque passa a ficar orientada por esse autoconhecimento. O “conhece-te a ti mesmo do Sócrates”, não é se não isto. Os autores de Macau são muito pouco conhecidos internacionalmente e este é um livro que tenta promover um deles. Porque é que a literatura feita cá não chega a Portugal? Macau tem autores diferentes. Tem pessoas que pensam sobre determinadas questões e fazem-no de uma forma diferente. Na Índia é a mesma coisa, existem vários autores que não são conhecidos de todo em Portugal, no Brasil, etc., porque as edições portuguesas não são feitas para serem publicadas nos lugares onde se fale o português. Se olharmos para a Oxford University Press e para a Cambridge University Press, promovem um mesmo título e uma edição aparece ao mesmo tempo nos vários centros do mundo anglófono. Nós não temos essa tradição, não temos a divulgação feita e agilizada de tal forma que permita que o mundo de língua portuguesa lhe aceda. É um mundo muito vasto, o que é bom, mas muito disperso geograficamente e sem essa ligação de editoras, de crítica textual e de academias. Outra questão é a da tradução. Os meus colegas, por exemplo da Universidade de Hong Kong, não conhecem as obras de autores portugueses porque não estão traduzidas. Se nos quisermos dar a conhecer, temos de dar o texto preparado com outras linguagens e não podemos fugir à tradução para as línguas principais: o inglês e o francês. A língua portuguesa tem um papel fundamental no diálogo entre Oriente e Ocidente. Foi a primeira a chegar e a última a ir embora, mas tem de saber traduzir-se para outras línguas. A língua, quando comunica, comunica também a cultura. A língua é sobretudo cultura, é uma visão do mundo. Ao se conhecer uma língua percebemos o mundo de uma forma diferente, mais rica.
António Conceição Júnior Entrevista MancheteIsabel Machado e a escrita histórica: “Há em Macau uma constância surpreendente” Isabel Machado não é uma estranha a Macau. Muito pelo contrário, aqui trabalhou na TDM entre 1989 e 2000, tendo sido igualmente professora de português no ensino secundário e de português como língua estrangeira, em Lisboa Regressou a Portugal no final de 2000. Depois de oito anos a trabalhar no Canal Parlamento, na Assembleia da República, em 2012 lançou o seu primeiro romance histórico “ISABEL I DE INGLATERRA E O SEU MÉDICO PORTUGUÊS”. Seguiu-se “VITÓRIA DE INGLATERRA, A RAINHA QUE AMOU E AMEAÇOU PORTUGAL”. Sempre na mesma editora, Isabel lançou o seu terceiro romance histórico, “CONSTANÇA, A PRINCESA TRAÍDA POR PEDRO E INÊS”, em 2015 e, recentemente, a sua última obra, “A RAINHA SANTA”. Pelas redes sociais pude aperceber-me do primeiro, depois segui o percurso do segundo e, finalmente, comprei o terceiro cujo conteúdo saboreei. Na sua breve visita à RAEM, foi possível conversarmos sobre alguns aspectos do seu percurso como autora de romances históricos. [dropcap]Q[/dropcap]uais as suas impressões de Macau depois de 10 anos de ausência? As minhas impressões de Macau são sempre, em primeiro lugar, emotivas. Desta vez não foi diferente. A estranheza pelo excesso de construção, de gente nas ruas ou de ruído foi muito rapidamente subjugada pelo encanto de voltar a casa, é sempre um voltar a casa, do odor característico e de que sempre gostei, da textura. Macau é, para mim, uma sensação física de textura, que é boa porque é familiar, mesmo que não goste nada da humidade… Sobrepõem-se muito rapidamente as sensações boas, as recordações maravilhosas prolongadas no presente porque tudo mudou mas há em Macau uma constância surpreendente também, pelo menos no mundo português de Macau. E há os amigos que são o melhor de tudo. É por eles que voltarei sempre. São as pessoas e o que vivemos com elas que fazem os sítios e as memórias e o mais emocionante do regresso é senti-los aqui, no mesmo sítio onde estavam há 10 anos, isto é, sem que o tempo beliscasse a nossa intimidade, a cumplicidade que vivemos juntos num tempo muito marcante. A Isabel Machado começou por chamar a atenção de quase todos os telespectadores da TDM pela sua beleza física. Porém o tempo deu a conhecer uma mulher sensível, delicada e inteligente. Sente que a beleza física pode ser um anátema? Pode. Porque há uma pré-avaliação que, idealmente, nunca deveria ser feita sobre os outros. E essa avaliação imediata, que se sobrepõe a qualquer critério racional sobre a pessoa em causa, é, muitas vezes, injusta e preconceituosa. Quem é, num primeiro momento, avaliado pela aparência tem sempre de provar mais do que os outros. Mas, claro que não é tudo mau. A beleza também pode abrir portas. Como é lidar com o êxito, com os sucessivos lançamentos? Já estão na calha outros romances? Não sei se posso chamar êxito. É muito importante para mim que o que escrevo chegue às pessoas, nunca me esqueço que estou a contar uma história e isso é que é uma sensação extraordinária: saber que vamos partilhar muitas horas de muitas vidas de que não sabemos nada, mas a quem podemos levar encanto, conhecimento, desfrute, alheamento dos problemas ou das tragédias que as afligem. Os leitores escrevem-me coisas muito bonitas. Eu gosto de críticas construtivas também, mas de tudo o que já me disseram o que mais me emocionou foi uma carta escrita à mão, enviada por uma jovem, aluna de Mestrado de Literatura, que me disse: os seus livros curam. Isto abalou-me profundamente. Esta jovem tinha estado com um problema grave, internada durante muito tempo e, por acaso, foi um dos meus livros que a acompanhou na fase mais crítica. Saber que aquela história lhe levou esperança ou a fez afastar-se da gravidade da sua situação durante umas semanas foi uma coisa que nunca esquecerei. Sim, já comecei a trabalhar num novo livro, não necessariamente um romance, desta vez… Como surgiu na sua escrita o romance histórico e quanto de investigação cabe em cada obra e quanto de criação nela se incorpora? Surgiu por acaso, como quase tudo tem acontecido na minha vida. Através de um amigo de há muitos anos, recebi um desafio de uma editora, A Esfera dos Livros, para fazer um romance histórico sobre um tema da minha escola. Disse logo que sim. Sempre gostei de escrever, a minha área de formação é a literatura não o jornalismo, ao contrário do que muitas pessoas pensam, sempre adorei História também e achei imediatamente que me sentiria bem naquele registo. Mas foi brutal. Chegava a acordar sobressaltada a meio da noite a pensar na loucura em que em tinha metido e isto só passou a partir do terceiro romance! A investigação é fundamental e é sempre a primeira parte do trabalho, embora nunca a abandone totalmente, mesmo quando já estou em pleno na escrita. Passo meses inteiros a estudar, a pesquisar documentos, cartas, se as houver, livros, testamentos, tudo é importante. Para ser credível, a ficção histórica tem de estar assente numa boa pesquisa e não estou a falar apenas dos factos. Falo de tudo. Dos costumes, da alimentação, do vestuário, do mobiliário, da linguagem… A partir daí, construo a ficção, seguindo a estrutura que estabeleci, o fio condutor que quero dar ao romance. No fundo, segundo a minha história dentro da História. Romance, em português, significa ficção e o romance histórico deve ser, acima de tudo, ficção. Por isso, o espaço para a criação é imenso, inesgotável, sem freio, o que é maravilhoso. No entanto, gosto de respeitar a História e tenho imenso cuidado com isso. É notório que nos seus livros existe uma decidida preferência por personagens femininas. Esta escolha pode significar também o que se vem designando como escrita no feminino? Nunca tenho uma resposta convicta para essa pergunta. Não sei se a escolha pode significar exactamente isso, é certo que o mundo feminino é-me, naturalmente, menos enigmático…Tenho optado por personagens femininas mas isso não quer dizer que rejeite a ideia de ter uma personagem principal masculina, aliás já tive. No meu primeiro romance, a minha escolha recaiu numa mulher que eu sempre admirei, Isabel I Inglaterra, e nas suas ligações com Portugal na época na perda da independência, mas tinha como segunda figura, uma segunda figura muito importante, um homem, um médico judeu português fugido à Inquisição e que acabou na corte de Isabel I, como médico e espião. Esta pessoa existiu, não há quase nada sobre ele, teve uma vida fascinante e trágica, e quase metade do livro é na pele deste português praticamente desconhecido em Portugal, Rodrigo Lopes. Há quem diga que o meu romance mais feminino é Constança… Não sei, prefiro deixar essa avaliação para os leitores. Macau poderá ser cenário para um próximo romance? Haverá alguém aqui nascido ou radicado que a possa motivar a criar um personagem? Claro que pode, mas não é ainda o próximo! Há muitos aspectos da História de Macau que me seduziriam para escrever um romance. E pessoas aqui nascidas também.
Hoje Macau China / Ásia MancheteCrise na Coreia | Esforço diplomático pode prefaciar a guerra Estados Unidos, China, Japão, Rússia e Coreia do Sul ainda acreditam ser possível chegar a acordo com Pyongyang por via diplomática. Mas entre a política errática de Trump e os caprichos de Kim, há quem esteja à espera da guerra a qualquer momento [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] último ensaio balístico da Coreia do Norte falhou – o míssil explodiu quatro segundos depois de levantar vôo – mas a comunidade internacional está, de uma forma ou de outra, a perder a paciência para o regime de Pyongyang. O vice-Presidente dos Estados Unidos declarou que a “era da paciência estratégica acabou” em relação à Coreia do Norte, perante a indisponibilidade do regime para eliminar armas nucleares e mísseis balísticos. Aos jornalistas que o acompanharam na visita à fronteira entre as duas Coreias, Mike Pence disse que o Presidente norte-americano, Donald Trump tem esperança que a China use a sua “influência extraordinária” para pressionar a Coreia do Norte a abandonar as armas. Mas Mike Pence recomendou ontem a Pyongyang para não testar a “determinação” de Donald Trump em relação aos programas balísticos e nucleares norte-coreanos. “É melhor para a Coreia do Norte não testar a determinação e o poder das Forças Armadas dos Estados Unidos nesta região”, disse Pence durante uma conferência em Seul em que esteve presente o chefe de Estado sul coreano, Hwang Kyo-Ahn. “Nas últimas duas semanas, o mundo testemunhou o poder e a determinação do nosso novo presidente [Donald Trump] com as operações lançadas na Síria e no Afeganistão”, declarou Mike Pence referindo-se aos ataques dos Estados Unidos contra o regime de Damasco e ao lançamento da bomba GPU-43 em território afegão. Tratar do problema à la Trump Donald Trump que na quinta-feira afirmou que o “problema” norte-coreano vai ser “tratado” já tinha anunciado o envio do porta-aviões norte-americano Carl Vinson para a península coreana, escoltado por três navios lança-mísseis e submarinos. No sábado, o regime da Coreia do Norte afirmou que o país está preparado para “responder à guerra total com a guerra total” e que um “ataque nuclear terá como retaliação um ataque nuclear”. Mike Pence está desde domingo na Coreia do Sul tendo-se deslocado hoje à zona de fronteira, uma das zonas mais militarizadas do mundo. “Nós destruiremos todos os ataques e vamos responder de forma esmagadora e eficaz a todo o tipo de utilização de armas convencionais ou nucleares”, disse também o vice-presidente norte-americano. Pence exortou a “comunidade internacional” a pressionar a Coreia do Norte. Por outro lado, Mike Pence, apesar de considerar positivas as posições de Pequim sobre a Coreia do Norte, acrescentou que os Estados Unidos estão “inquietos” em relação às medidas económicas adotadas pela República Popular da China contra a instalação do sistema antimíssil (THAAD) norte-americano na Coreia do Sul. Assim ou assado O vice-presidente norte-americano disse que os Estados Unidos e aliados vão atingir os seus objectivos através de “meios pacíficos ou, em última instância, quaisquer meios necessários” para proteger a Coreia do Sul e estabilizar a região. Mike Pence, qualificou hoje de “provocação” o lançamento falhado de um míssil efectuado horas antes pela Coreia do Norte, uma acção que fez prevalecer o clima de tensão na península coreana. “A provocação desta manhã do Norte é simplesmente o último acto dos riscos que cada um de vós enfrenta diariamente”, disse Pence Pence visitou uma base militar perto da Zona Desmilitarizada (DMZ), na fronteira coreana, Bonifas, onde se encontrou com militares e com as tropas norte-americanas ali estacionadas. Cerca de 28.500 militares norte-americanos estão actualmente estacionados na Coreia do Sul. A resposta será terrível A visita surge numa altura de particular tensão na península coreana. Na manhã de domingo, Pyongyang realizou um teste de um míssil de médio alcance, que explodiu entre quatro a cinco segundos depois de ser lançado, de acordo com um responsável da Casa Branca. No sábado, antes do desfile militar organizado para comemorar o 105.º aniversário do nascimento do fundador da Coreia do Norte, Kim Il-Sung, o “número dois” do regime norte-corano, Choe Ryong-hae, prometeu que a Coreia do Norte estava preparada para dar “uma resposta nuclear a qualquer ataque nuclear”. Pyongyang lança regularmente mísseis de curto alcance, mas está a desenvolver mísseis de médio e longo alcance para tentar atingir as tropas norte-americanas na Ásia e, eventualmente, território norte-americano. A Coreia do Norte realizou cinco testes nucleares, incluindo dois no ano passado. Imagens recolhidas por satélite sugerem que o país poderá estar pronto a efetuar um novo teste nuclar subterrâneo a qualquer momento. “A era da paciência estratégica acabou. Queremos ver a Coreia do Norte a abandonar o imprudente caminho de desenvolvimento de armas nucleares, e também o uso contínuo e teste de mísseis balísticos, que é inaceitável”, afirmou. Que a China nos valha Em paralelo, o conselheiro para a segurança nacional do Presidente norte-americano Donald Trump afirmou que os dirigentes chineses trabalham “estreitamente” com os EUA para resolver a questão nuclear norte-coreana. “Existe um consenso internacional, incluindo com os chineses e os dirigentes chineses, para dizer que a situação não pode durar”, declarou o general H. R. McMaster em entrevista à cadeia televisiva norte-americana ABC, a partir do Afeganistão, onde está deslocado. O militar sublinhou por diversas vezes a inquietação, segundo disse, dos dirigentes chineses. “Trabalhamos com os nossos aliados e parceiros, e com os dirigentes chineses, para desenvolver um leque de opções”, precisou. Pequim quer ajuda da Rússia para solucionar crise A China quer colaborar com a Rússia para “ajudar a aliviar a situação (da Coreia do Norte) o mais rápido possível”, disse o ministro dos Negócios Estrangeiros chinês, Wang Yi, ao seu homólogo russo Sergueï Lavrov. “O objectivo comum dos nossos dois países é fazer voltar todas as partes à mesa das negociações”, disse Wang durante uma conversa telefónica com Lavrov, segundo comunicado divulgado na página de Internet do ministério. O chefe da diplomacia chinesa disse que “a China está preparada para se coordenar estreitamente com a Rússia para ajudar a acalmar a situação na península e encorajar as partes envolvidas a retomarem ao diálogo”. Wang Yi fazia alusão às negociações a seis (Coreias, Japão, Rússia, China e Estados Unidos), as quais estão suspensas há anos. “Impedir a guerra e o caos na península está de acordo com os interesses comuns” de Pequim e Moscovo, sublinhou. Este apelo surge numa altura em que as relações entre a Coreia do Norte e os Estados Unidos estão extremamente tensas. Neste contexto, o ministro dos Negócios Estrangeiros chinês, Wang Yi, advertiu que quem provocar uma guerra na península coreana “deverá assumir as suas responsabilidades históricas e pagar o preço”. “Se houver uma guerra, o resultado será uma situação em que todos perdem e ninguém sairá vencedor”, afirmou Wang, numa conferência de imprensa conjunta com o ministro francês dos Negócios Estrangeiros, Jean-Marc Ayrault. Devido ao aumento da tensão na região e ante um possível ensaio nuclear na Coreia do Norte, o ministro chinês desafiou todas as partes a retomarem o diálogo e a “não deixarem que as coisas evoluam até um ponto irreversível e incontrolável”. Pequim pediu contenção, enquanto Pyongyang ultima os detalhes para as celebrações do aniversário do nascimento do fundador do país, este fim de semana, quando se teme que possa levar a cabo um teste nuclear. “A China opõe-se sempre com firmeza a qualquer acção susceptível de aumentar as tensões”, afirmou Wang, assinalando que, nesta crise, “o vencedor não será o que faça afirmações mais duras ou exiba mais músculo”. Wang Yi recordou o dizer chinês “as oportunidades estão sempre nas crises”, para afirmar que o agravamento da tensão devolve actualidade à proposta chinesa de que todas as partes suspendam os ensaios, manobras e actividades militares, como um passo prévio para retomar o diálogo. “Esta é a oportunidade que devemos de procurar e aproveitar”, disse Wang, sublinhando que Pequim está disposto a “escutar qualquer proposta útil”. Um porta-voz do ministério dos Negócios Estrangeiros, Geng Shuang, considerou que um teste nuclear por parte de Pyongyang seria “perigoso e irresponsável”. Shinzo Abe pede diplomacia O primeiro-ministro do Japão, Shinzo Abe, defendeu a diplomacia como meio para desarmar a Coreia do Norte, um dia depois do mais recente teste com um míssil de Pyongyang. “A Coreia do Norte está a mostrar o seu poder militar, mas é importante manter a paz através de esforços diplomáticos”, afirmou Abe durante uma reunião do comité do orçamento da Câmara Baixa da Dieta (parlamento), ao ser questionado sobre o mais recentemente lançamento de um míssil. De acordo com a emissora pública japonesa NHK, o chefe do executivo japonês pediu a Pyongyang que evite realizar mais provocações e considerou ser “necessário exercer mais pressão para que a Coreia do Norte responda seriamente ao diálogo”. Abe disse que para se conseguir estabilidade na região é necessário que Pequim, o principal aliado de Pyongyang, use a sua influência, e que Washington e Seul façam o seu papel, salientando ainda a ideia de cooperação com a Rússia. A Coreia do Norte efetuou no domingo um lançamento falhado de um míssil, que coincidiu com a chegada à Coreia do Sul do vice-presidente norte-americano, Mike Pence. Os Estados Unidos decidiram enviar para a península coreana o porta-aviões nuclear ‘Carl Vinson’ e a frota de ataque, após o lançamento de outro projétil a 05 de abril. Entretanto, mais a sul… A campanha para as eleições presidenciais na Coreia do Sul de 9 de maio, na sequência da destituição da Presidente Park Geun-hye, começou ontem com o candidato liberal Moon Jae-in a liderar nas sondagens. No total, 15 políticos registaram-se oficialmente como candidatos à presidência (o que supera o recorde de 12 nas presidenciais de Dezembro de 2007) e vão participar na campanha eleitoral de 22 dias, que termina na véspera da votação. Moon Jae-in, do Partido Democrático (com mais assentos no parlamento sul-coreano), é dado como o favorito para substituir no cargo Park Geun-hye, destituída a 10 de Março passado. Park está em prisão preventiva desde 31 de Março devido a ligações com um caso de corrupção. A campanha eleitoral deve centrar-se quase exclusivamente na luta contra a corrupção ou na limitação do poder dos grandes conglomerados empresariais sul-coreanos, a maioria dos quais implicados no escândalo que levou à destituição e detenção da antiga chefe de Estado. Uma possível reforma constitucional que diminua o perfil presidencialista do Estado ou a instalação do escudo norte-americano antimísseis THAAD vão estar também em foco durante a campanha. Entre os principais candidatos, contam-se Ahn Cheol-soo, do Partido Popular (centro-esquerda), Hong Joon-pyo, do conservador Partido da Liberdade da Coreia (da ex-presidente Park), e Yoo Seong-min, do também conservador Partido Bareun. Moon Jae-in, que perdeu as presidenciais de 2012 contra Park, e Ahn Cheol-soo reúnem 80% das intenções de voto, de acordo com as últimas sondagens. Moon lidera as sondagens desde o início, apesar de na última semana a vantagem em relação a Ahn ter ficado reduzida a três pontos percentuais, segundo estimativas. Park Geun-hye foi a primeira chefe de Estado que a Coreia do Sul destituiu em democracia, pelo que estas serão as primeiras eleições antecipadas no país, desde que a junta do general Chun Doo-hwan autorizou a realização de eleições democráticas em dezembro de 1987.
Hoje Macau Manchete PolíticaHo Iat Seng defende menos deputados no Conselho Executivo O presidente da Assembleia Legislativa defende que o número de deputados que compõe o Conselho Executivo é elevado. Ho Iat Seng mostra disponibilidade para continuar no hemiciclo para evitar “especulações” quanto à possibilidade de ser candidato a Chefe do Executivo [dropcap style≠’circle’]H[/dropcap]o Iat Seng, presidente da Assembleia Legislativa, reconheceu ser “bastante elevada” a proporção de deputados que integra o Conselho Executivo, órgão que adjuva o líder do Governo, entendendo que o número podia ser menor. “Acho que não há nenhum conflito” na acumulação de funções e “está consagrado na Lei Básica”, mas a proporção actual é “bastante elevada”, admitiu Ho Iat Seng em entrevista à agência Lusa. Ho Iat Seng recordou que a Lei Básica contemplou essa possibilidade para que “as vozes do órgão legislativo possam ser transmitidas ou veiculadas no Conselho Executivo” e para que “as opiniões ou políticas governamentais possam ser trazidas para o órgão legislativo”, mas o resultado pode estar aquém do pretendido. “Ainda temos que analisar bem, estudar melhor” o resultado dessa forma de funcionamento, observou Ho Iat Seng, que foi membro do Conselho Executivo durante cinco anos até renunciar a esse cargo, em 2009, quando foi eleito deputado pela via indirecta. Actualmente, o Conselho Executivo é composto por 11 membros, dos quais quatro são deputados (Cheang Chi Keong, Chan Meng Kam, Chan Chak Mo e Leonel Alves). “A Lei Básica não estipula o número, [mas] acho que o limite deve ser fixado em dois ou três”, defendeu. Evitar especulações Relativamente às eleições, marcadas para 17 de Setembro, Ho Iat Seng – que manifestou já vontade de continuar como deputado e, se os seus pares o desejarem, como presidente do hemiciclo -, não antecipou “alterações em termos substanciais” na composição da AL. Sobre outras eventuais ambições políticas – dado que chegou a ser apontado no passado como potencial candidato a Chefe do Executivo – afirmou que manifestou a vontade de voltar a participar na corrida eleitoral ao hemiciclo “exactamente para evitar essa especulação”. Sobre a metodologia para a constituição da AL, Ho Iat Seng afirmou não ver “grande probabilidade de alteração”. “Estou numa posição em que não me posso pronunciar”, respondeu, apesar de afirmar “estar de acordo com esse modelo” que pode, com efeito, ser alterado desde que reúna “consenso da sociedade” e haja “intenção ou vontade do Executivo” nesse sentido. Para além de presidente do hemiciclo, Ho Iat Seng é também um dos 175 membros do Comité Permanente da Assembleia Popular Nacional (APN), um cargo que desempenha há 17 anos. “É um trabalho muito desafiante e a responsabilidade é diferente. É mais aliciante” do que ser presidente da AL de Macau, sublinhou. “Macau é um território de dimensão reduzida e esse emaranhar de interesses também é um desafio para o trabalho da Assembleia. Todos os dias estamos a resolver questões de confrontação e correlação de interesses, mas na APN não são questões destas que se colocam [porque] os grupos de interesses não são representados no órgão central da APN”, concluiu. Fiscalização aumentou Na entrevista, o presidente da AL assegurou também que houve “avanços” no trabalho de fiscalização por parte dos deputados e que hoje é maior do que no passado, apesar de haver “limitações”. “Agora temos muito mais fiscalização – é um facto”, afirmou, reconhecendo que “muita matéria” do trabalho governativo “pode ser alvo de fiscalização”. “Dadas as limitações em termos de recursos humanos”, a AL apenas pode focar-se nas “consideradas fundamentais”, como os Assuntos de Terras e Concessões Públicas, Finanças, e Administração, três áreas que têm respectivas comissões de acompanhamento, disse. A aprovação pelo plenário é outra questão, dependendo muito do ‘lobby’, ainda mais atendendo a que em Macau não existem partidos políticos, considerou. “Qualquer iniciativa legislativa que entre para apreciação tem de passar por um período de correlação de forças”, disse, dando o exemplo da lei sindical que se confronta com a força opositora do sector patronal. “Cada deputado está a representar o interesse do seu eleitorado – isso é natural em todo o lado do mundo”, afirmou. “É raro vermos uma iniciativa que não seja alvo de oposição ou de crítica – não seria saudável se isso não existisse”, argumentou ainda. Sem passividade Ho Iat Seng também rejeitou críticas relativamente a uma posição passiva do hemiciclo face a diplomas do Governo, ao sustentar que “há todo um processo de apreciação para que os diferentes interesses possam discutir”, além de que “cada deputado tem de assumir a responsabilidade pelo acto de ‘carregar no botão’”. “Não pode dizer que foi enganado. Ninguém pegou numa arma ameaçando-o para votar em determinado sentido. (…) Pode abster-se ou votar contra” e mesmo “usar do direito de fazer uma declaração de voto”, frisou. Relativamente às mexidas, por vezes substanciais, que as propostas de lei sofrem entre a fase da generalidade e da especialidade, Ho Iat Seng considerou que tal surge como “fruto dessa correlação de forças”. “O que sucede em todos os parlamentos”, sublinhou, defendendo que “a maioria das iniciativas tem obedecido à política ou intenção legislativa inicial”, estando plasmadas no parecer as razões pelas quais foram introduzidas alterações e todos os pontos de vista manifestados pelos deputados.
Andreia Sofia Silva Manchete SociedadeEfeméride | Declaração Conjunta Luso-Chinesa assinada há 30 anos Há três décadas Portugal e a China assinavam o documento que decretou a transferência de soberania de Macau. Em 1987 começou o chamado período de transição em que foi preciso arregaçar mangas para formar, legislar, traduzir. Anos depois, analistas garantem que os direitos e liberdades foram garantidos, tal como a continuação da presença portuguesa. Falta apenas um sistema político mais representativo [dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]m 1987 a China espreitava o mundo por uma janela em bicos dos pés, e ninguém imaginava o gigante em que se tornaria. Portugal administrava Macau, mas era altura de preparar a entrega do território. Há 30 anos, Cavaco Silva, presidente da República portuguesa, e Zhao Ziyang, chefe do Governo da República Popular da China (RPC), assinaram, em Pequim, a Declaração Conjunta Luso-Chinesa. Estava dado o pontapé de saída para aquilo que Macau é hoje. Criou-se, a partir daí, o Grupo de Ligação Luso-Chinês, responsável por fazer tudo o que faltava na área da justiça e da Administração pública. Não havia tempo a perder: Macau passaria para a China em 1999, transformando-se na RAEM, com autonomia política e administrativa face à China, e regida pela Lei Básica, segundo o princípio “Um País, Dois Sistemas”, até ao ano de 2049. O deputado Leonel Alves recorda ao HM que a China não era obrigada a assinar acordo algum. “Macau e Hong Kong sempre foram territórios chineses. E se a China entendeu celebrar acordos com Estados soberanos estrangeiros [Portugal, no caso de Macau, e Reino Unido, no caso de Hong Kong] foi uma forma de mostrar a sua vontade de firmar os seus compromissos internacionais.” Em 12 anos foi necessário fazer a chamada locação dos quadros, de forma a garantir que a Administração pública da RAEM teria funcionários públicos bilingues em número suficiente. Foi preciso formar pessoas e, sobretudo, fazer a locação a nível jurídico, pois as leis feitas em Portugal deixariam de estar em vigor depois de 1999. Para além da adaptação das leis seriam elaborados os cinco principais códigos, ainda hoje a vigorar. “Foi um período em que se lutou contra o tempo e também se aproveitou para modernizar o sistema jurídico de Macau”, lembrou Leonel Alves. “A Administração de Macau não estava devidamente preparada para, daí a uns anos, o exercício de soberania ser transferido e protagonizado por outras pessoas.” Leonel Alves considera ainda que, a partir de 1987, começou “um período em que o Governo de Macau fez um grande esforço, e com muito mérito”. “Preparou-se muitos quadros bilingues nestas duas vertentes. Formaram-se técnicos chineses, muitos deles bilingues, e magistrados. Acreditava-se que a transição tinha de ser pacífica. Era preciso ter tudo em condições para que, no dia da transferência de soberania, o território pudesse continuar a ser a mesma Macau de sempre nos próximos 50 anos”, disse o também advogado. Incertezas do futuro Para Anabela Ritchie, que à época estava no Leal Senado, tendo sido presidente da Assembleia Legislativa, a Declaração Conjunta Luso-Chinesa “foi um documento de carácter geral que tinha as potencialidades necessárias para uma elaboração posterior”. O clima era de ansiedade e de algum receio do que poderia acontecer após 1999. “As pessoas não tinham certezas, estavam na expectativa, porque ninguém sabia o que ia acontecer no processo de transição. Era algo novo. Iam ser tomadas decisões importantes para Macau e para a vida de todos em particular. Não foi um período isento de incertezas.” Independentemente dos medos, tudo correu da melhor forma, na óptica do académico Arnaldo Gonçalves, ex-assessor do secretário-adjunto para a Educação, Saúde, Assuntos Sociais e Económicos, Francisco Murteira Nabo e do secretário-adjunto para a Coordenação Económica, Vítor Rodrigues Pessoa. “Com a Declaração Conjunta os objectivos de Portugal foram atingidos. Por um lado manteve-se a identidade de Macau, ligada ao património e à língua portuguesa, e isso tem-se conseguido”, apontou o também presidente do Fórum Luso-Asiático. Ao nível da garantia dos direitos dos residentes, Arnaldo Gonçalves defende que, “no essencial, são preservados”, não tendo sido “minimamente beliscados”. “Há liberdade de expressão e de associação, liberdade de imprensa, de religião, liberdade de participação política”, apontou. Mundo português garantido Para Arnaldo Gonçalves, todos estes anos mostraram que a comunidade portuguesa ganhou o seu lugar, com o devido respeito por parte do Governo local. Ainda assim, o académico alerta para a necessidade de maior trabalho por parte de algumas instituições de matriz portuguesa, como é o caso da Fundação Oriente (FO) e do Instituto Português do Oriente (IPOR). “Felicito as instituições chinesas, como o Instituto Politécnico de Macau ou a Universidade de Macau [ao nível do ensino do português], mais do que propriamente a FO e o IPOR, que teriam a obrigação institucional de ter outra determinação na preservação do legado. Nos últimos 17 anos não vi isso acontecer. São instituições que funcionam um pouco de forma burocrática.” Larry So, analista político, olha para a Declaração Conjunta Luso-Chinesa como um documento que “transformou Macau naquilo que é hoje”, ao abrigo da política chinesa “Um País, Dois Sistemas”. “Houve desenvolvimento económico nos últimos anos e uma tentativa de integração regional na China. Há 30 anos havia esta ideia.” O facto dos chineses nascidos em Macau terem obtido a cidadania portuguesa é, para Arnaldo Gonçalves, a “primeira vitória do processo de negociação”. “Queríamos preservar a nacionalidade portuguesa e essa era uma questão de honra para nós. Os cidadãos chineses nascidos em Macau deveriam ser portadores de um passaporte português, e aí fomos profundamente diferentes e melhores do que a Grã-Bretanha, que deu aos seus cidadãos nascidos na colónia um passaporte de segunda classe.” E a democracia? Apesar do desenvolvimento económico e da transição pacífica, Larry So lamenta que, 30 anos depois, o território não tenho percorrido um caminho mais rápido em prol da democracia. “Se olharmos para trás podemos dizer que tivemos desenvolvimento económico, mas não podemos ficar satisfeitos com o lento progresso a nível político. Não temos eleições directas e uma democracia, e para muitos de nós isso não é satisfatório”, defendeu o analista. Larry So não acredita mudanças profundas até 2049, altura em que os efeitos da Declaração Conjunta deixarão de se fazer sentir. “Não vejo nenhumas mudanças a acontecer, especialmente se falarmos de uma verdadeira democratização. Há o controlo de alguns deputados na Assembleia Legislativa e não vejo um progresso nesse sentido. Se tivermos mais deputados eleitos pela via directa muitos interesses serão confrontados e eles vão tentar controlar o mais depressa possível.” Arnaldo Gonçalves prefere ir ao passado para explicar a ausência do sufrágio universal para eleger o Chefe do Executivo e os deputados da AL. “Essa é uma tentativa de aplicação do mindset de Hong Kong a Macau. Uma questão que ficou clara no processo de negociação é que Macau era um caso singular que não se comparava a Hong Kong.” As diferenças políticas revelaram-se desde cedo. “Hong Kong tinha, como colónia, associações políticas, que se tornaram em partidos políticos. Nós não tínhamos isso. Tínhamos meras associações cívicas, que não são estruturas de partidos políticos. Há disposições legais em Hong Kong que indicam que a eleição do Chefe do Executivo e a composição do LegCo deve ir no sentido democrático, mas nós não temos essas disposições.” Arnaldo Gonçalves explica que, em 1987, essa questão acabou por se tornar secundária. “Não temos [essas disposições] porque a sociedade de Macau, na altura, também não sugeriu, ou não impôs aos negociadores portugueses. Era difícil estarmos a assumir uma posição de firmeza perante essa questão, quando a população não o queria.” Ainda assim, “gostaríamos de ter um sistema de representação mais democrático, com maior representação simbólica da população”, apontou o académico. “Não temos, mas é o que é possível. Deputados eleitos, os que representam associações e os que são designados pelo Chefe do Executivo, temos o compósito possível, mas representam de certa forma a sociedade de Macau”, acrescentou Arnaldo Gonçalves. Leonel Alves mantém a posição que a maioria dos deputados da AL mantém: o sufrágio universal chegará quando houver condições para isso. “É preciso garantir a estabilidade social e o desenvolvimento económico. Qualquer alteração ao figurino político e do funcionamento de Macau não pode prejudicar a estabilidade e o desenvolvimento.” Na opinião do deputado, “a própria sociedade civil que tem de demonstrar que já encontrou um patamar de desenvolvimento que permita que haja uma nova forma de gerir a coisa pública através da eleição ou da modificação das leis eleitorais. É a própria sociedade civil que tem de reflectir”, conclui.
Sofia Margarida Mota Manchete PolíticaEleições | Comissão pode eliminar conteúdos online A ordem para remover conteúdos online ilegais durante o período eleitoral em que a propaganda é proibida, pode ser dada às operadoras de comunicação pela Comissão de Assuntos Eleitorais para a Assembleia Legislativa. A medida foi ontem admitida por Tong Hio Fong após o encontro com os deputados para apresentação das instruções eleitorais [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] Comissão de Assuntos Eleitorais para a Assembleia Legislativa (CAEAL) vai poder dar instruções às operadoras de comunicação, nomeadamente à CTM, para que eliminem os conteúdos online ilegais. A ideia é que, no período em que a campanha eleitoral não é permitida, a CTM possa, quando detectadas publicações online, ser removida. A medida vai ter luz verde “porque de acordo com a lei eleitoral, só se pode fazer propaganda durante um período limitado”, disse o presidente da CAEL, Tong Hio Fong, após o encontro entre os representantes da comissão e do Comissariado Contra a Corrupção (CCAC) com os deputados à Assembleia Legislativa, numa sessão que constou da apresentação sobre instruções eleitorais. As acções que impliquem informação capaz de promover ou denegrir candidatos, fora do tempo definido por lei, e que representem propaganda eleitoral, serão excluídas das partilhas na internet. A medida não é apenas uma ideia e já está definida. “É uma indicação vinculativa e se a CAEL verificar que existe alguma coisa considerada irregular pede à CTM ou a outras companhias responsáveis para que procedam à eliminação da informação online”, explicou o presidente. No entanto Tong Hio Fong garante que a remoção de conteúdos só acontece depois de uma análise de cada ocorrência. “Sempre que existam este tipo de situações fazemos uma avaliação e temos uma reunião para deliberar tendo em conta a opinião de todos os membros da comissão”, disse. Trabalhos profissionais Durante a reunião, o presidente sublinhou, tendo em conta as directrizes dadas à imprensa, que podem ser feitos trabalhos jornalísticos desde que não tenham ligação à candidatura política. “Podem existir reportagens acerca de um deputado e do seu trabalho desde que em nada entrem no âmbito da propaganda ou publicidade”, referiu. Ainda nas instruções dadas ontem, com a revisão da lei eleitoral há algumas alterações relativamente aos processos eleitorais anteriores. A atenção passa a ser dada às acções de pessoas colectivas que têm, a partir de agora, o chamado dever de declaração. A ideia, disse Lam Chi Long, adjunto do comissário do CCAC, é evitar situações do passado. “Houve casos em que as pessoas colectivas, entre elas sociedades, associações e fundações, que realizaram actividades para beneficiar algum dos seus membros”. Agora tanto as pessoas colectivas como os candidatos têm de declarar as actividades eleitorais que vão ter lugar entre 2 e 12 de Setembro, a 30 de Agosto. As actividades têm ainda um âmbito definido e constam de “qualquer uma que não seja de propaganda eleitoral, mas destinada a atribuir benefícios aos membros e que proporcione comidas e bebidas, viagens, entretenimento, subsídios e presentes”.
João Luz Manchete SociedadeLai Chi Vun | Conselho do Património Cultural apoia processo de conservação Estão dados os primeiros passos para a protecção dos estaleiros de Lai Chi Vun. Durante a reunião do Conselho do Património Cultural foi sugerida a candidatura da zona a património cultural da Unesco. Também foram discutidas as melhorias de habitabilidade da povoação [dropcap style≠’circle’]C[/dropcap]om a hipótese de demolição dos estaleiros afastada, iniciaram-se os trabalhos para saber exactamente a forma como conservar os estaleiros de Lai Chi Vun e devolver-lhes utilidade pública. O planeamento da recuperação está nas mãos da Direcção das Obras Públicas em parceria com um vasto leque de entidades, entre elas o Instituto Cultural (IC), a Direcção dos Serviços de Turismo (DST), a Direcção dos Serviços Marítimos e da Água (DSAMA), assim como o Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais (IACM). Um autêntica colectânea de serviços públicos a trabalhar com o mesmo objectivo. O Secretário dos Assuntos Sociais e Culturais, líder de um dos organismos do Governo que mais se mostrou a favor da preservação, destacou à saída da reunião do Conselho do Património Cultural o carácter intergovernamental desta matéria. “Nós somos uma equipa, por isso temos de planear em conjunto e cumprir a lei”, disse Alexis Tam. Acrescentou ainda que para qualquer classificação como património de interesse cultural contam as opiniões do conselho a que preside, para de seguida se avançar para a consulta pública. O processo de classificação na etapa seguinte traz o assunto de regresso ao conselho para emissão de parecer, que esperará autorização do Chefe do Executivo. Nesse sentido, o presidente do IC, Leung Hio Ming, diz que será feita avaliação, sem que isso afecte os habitantes. O instituto irá contactar a DSAMA para marcar uma reunião e fazer uma visita ao local já depois das férias da Páscoa. Apesar de serem necessários alguns passos administrativos, o presidente do IC está confiante de que a consulta pública poderá ser feita para meados de Junho. Leung Hio Ming quer o processo avance o “mais rapidamente possível e, como os terrenos são do Governo, pode-se poupar tempo”. Isto porque numa perspectiva de classificar património é preciso ter em conta as opiniões dos proprietários. Agir em harmonia Para já a urgência de acção prende-se com a chegada da vinda dos tufões, como foi argumentado por Lei Ip Fei, membro do conselho. Carlos Marreiros, também com assento no Conselho do Património Cultural, considera que a zona de protecção desenhada actualmente não é suficiente por não incluir a baía. O arquitecto tem uma visão de Lai Chi Vun que ultrapassa os estaleiros e os integra na atmosfera circundante. Além da madeira e do metal, “o ambiente, a zona costeira, a água, tudo isso constrói a alma desta zona”. Marreiros, que desenhou várias vezes a área, é da opinião de que todo o projecto deve interagir com a ecologia. Outro dos pontos tocados pelo arquitecto, e que tiveram a concordância de Alexis Tam, foi a necessidade propiciar conduções de higiene aos habitantes de Lai Chi Vun. Nesse aspecto, o secretário concordou que se deveria ter em conta a situação da povoação, que se encontra sem saneamento básico, ou canalização. “O planeamento das Obras Públicas deve melhorar as condições de vida das pessoas de Lai Chi Vun, um dos pontos mais importantes que temos a considerar”, avança Alexis Tam. Para a preservação dos estaleiros, Lee Hay Ip, outro dos membros do conselho, referiu ter realizado um pequeno estudo preliminar às condições das infra-estruturas, tendo concluído que as reparações de madeira e metal teriam um custo entre os 20 e 30 milhões de patacas. Neste sentido, Carlos Marreiros considera que a confirmar-se um valor desta ordem, o Governo deveria avançar imediatamente. No entanto, destaca que instalações em madeira têm o problema de serem sempre temporárias e de elevado grau de degradação. Como tal, o arquitecto confessa que não tem grande “confiança que seja possível, a nível técnico, proteger todos os estaleiros”. Porém, Alexis Tam considera que os dois estaleiros que foram demolidos podem ser de novo construídos. Ao longo da reunião do Conselho do Património Cultural as opiniões dos membros revelaram unanimidade na aprovação do projecto de classificação da zona. Algo que o Secretário dos Assuntos Sociais e Culturais fez questão de frisar. “Tanto para a qualidade de vida dos cidadãos, como para o desenvolvimento da economia, é importante preservar o património” de Macau. Os estaleiros de Lai Chi Vun são um desses marcos de passado que importa conservar.
Andreia Sofia Silva Manchete SociedadePortas do Entendimento | Autor lamenta fraca utilização pública do monumento João Charters de Almeida e Silva, artista plástico, lamenta a pouco utilização do monumento Portas do Entendimento, que edificou no final dos anos 90, por encomenda do Governo de Vasco Rocha Vieira. Para Charters de Almeida, verifica-se mesmo um “desperdício” do espaço [dropcap style≠’circle’]J[/dropcap]á muito se escreveu sobre a pouca utilização do monumento Portas do Entendimento, erguido quando Macau ainda era portuguesa e que visa representar as relações entre Portugal e a China. Segundo o Jornal Tribuna de Macau, a reparação do monumento vai mesmo avançar, numa altura em que o local tem estado ao abandono, com a queda de várias placas, o que constitui um perigo para a segurança. Em declarações ao HM, o autor do monumento, o artista plástico João Charters de Almeida e Silva, diz lamentar que o espaço por si concebido esteja a ter pouca utilização por parte da população e dos turistas. “Lembro-me do monumento ser utilizado. Tenho fotografias do monumento cheio de pessoas, a ser visitado”, começou por dizer, em entrevista via telefone. “Depois fez-se aquela via rápida e [o monumento] acabou por desaparecer um pouco. Mas a peça está feita para dialogar com o tecido urbano, não para ser tratada como um bibelot. Está estudada e foi congeminada para ser uma peça de integração urbana”, disse. Charters de Almeida diz ainda que, se as Portas do Entendimento não recebem visitas, é porque não há acessos. Actualmente o monumento, localizado na zona da Barra, perto da Torre de Macau, tem apenas uma via de acesso pedonal. “Se não há pessoas para visitar, é porque não há acessos, e isso deve competir ao Governo e a quem toma essas decisões. Lamento, pois é um trabalho público, foi feito para o espaço público, e tem uma simbologia que é de uma actualidade absoluta: entendimento, o que precisamos de hoje em dia, porque ninguém se quer entender”, acrescentou o artista plástico. “É um desperdício não se colocar esse espaço ao serviço daquilo para que foi pensado e encomendado. Acho que deve haver muita gente que lamenta isso, e se não houver é estranho que não haja”, frisou Charters de Almeida. Quanto ao facto do monumento necessitar de reparações, o autor considera isso “natural”. “O desgaste é natural que aconteça. Se com o passar dos anos as coisas não forem tratadas…nós próprios se não formos ao médico acabamos por morrer com uma gripe”, exemplifica. Em resposta ao Jornal Tribuna de Macau, a Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT) explicaram que “face à actual situação do monumento, o Governo, brevemente, vai vedar a entrada para as pessoas não entrarem no local, facilitando simultaneamente a realização de trabalhos de inspecção”. O organismo apontou ainda ao diário que “concluída a inspecção, o Governo vai dar início à obra de reparação e terá em consideração várias questões, nomeadamente questões técnicas, os materiais de reparação, entre outras, a fim de definir um projecto de reparação adequado”. Sem imposições As Portas do Entendimento foram inauguradas em 1993, quando o Executivo do Governador Vasco Rocha Vieira já estava na fase final. Apesar de ser uma peça com um forte teor político, que se espelha através da arte, Charters de Almeida assegura que nunca recebeu indicações especiais para o seu trabalho. “Em termos políticos, se foi uma decisão política, não me impuseram coisa nenhuma. Já naquela altura achava que era preciso enfatizar o sentido de entendimento entre as pessoas. E continua a ser esse o nosso problema com o mundo”, apontou. As torres em tons negros nunca geraram consenso relativamente à sua aparência, e o monumento acabou por ficar esquecido e escondido com a construção da ponte Sai Van. Ainda assim, Charters de Almeida fala na importância do simbolismo que as Portas do Entendimento contêm. “Para passarmos daqui para ali precisamos de uma porta. As portas decidem trajectos, para percorrer trajectos. Se as pessoas que percorrem os trajectos e não se querem entender, os prejudicados são as pessoas. As que gostam e as que não gostam.” Para além disso, trata-se de um “património com um poder simbólico especial”. “Foi pensado durante o período de transição para a China, e simbolicamente é uma referência de Macau, independentemente se se gosta ou não do lado estético”, concluiu o artista plástico. Em Portugal Charters de Almeida é um artista plástico de renome, com peças erguidas em vários pontos do país. Ganhou, em 2013, um doutoramento Honoris Causa pela Universidade de Lisboa, possuindo outra distinção semelhante atribuída pela Universidade Lusíada de Lisboa. Reparação foi uma “orientação do Governo da China” Falar das Portas do Entendimento é falar de um monumento que é bem mais do que isso: representa os longos anos de presença portuguesa em Macau e a continuação do legado lusófono a Oriente. Na visão do académico Arnaldo Gonçalves, os trabalhos de reparação que o Governo quer levar a cabo no local partem de uma “orientação do Governo da China para as autoridades de Macau”. “Tem-se verificado, nos últimos anos, uma maior atenção das autoridades da República Popular da China em relação a Portugal. Há vários sinais vindos de Pequim de que há necessidade, da parte da Administração da RAEM, de estabelecer uma relação mais intensa com Portugal”, começa por dizer ao HM. “Esta iniciativa do Governo em reanimar o espaço é bem vista. Vejo-a com a aposta da China no reforço da ligação com os países de língua portuguesa, a defesa e progressão do português em Macau, com orientações claras para o Governo da RAEM nesse sentido”, apontou. “Não vejo isto como uma ideia isolada do Governo da RAEM”, acrescentou Arnaldo Gonçalves, que acredita que a China quer tornar mais evidente aquilo que Macau tem de diferente em relação às províncias do sul do continente. “Vejo uma orientação clara das autoridades para que se tire partido dessa entidade de Macau, por forma a diferenciar o território de outras partes da China. É uma aposta na singularidade de Macau, virada para o turismo, para reforçar a componente portuguesa, na língua, na cultura e nas artes. Não vejo isto como uma ideia isolada do Governo da RAEM”, frisou o académico. Sobre a falta de aproveitamento do monumento e do espaço envolvente, Arnaldo Gonçalves prefere falar das especificidades de Macau ao nível do planeamento urbanístico. “O Governo da RAEM sempre foi mais sensível aos interesses locais e dos proprietários”, disse. Isso fez com que, após 1999, as “questões de identidade, dos vários símbolos da presença portuguesa em Macau”, nunca tenham sido alvo de uma “preocupação extrema por parte das autoridades da RAEM”, alerta Arnaldo Gonçalves. “Há uma protecção do centro histórico pela UNESCO, foram dados passos significativos, mas não houve consequências em termos de renovação urbana, do tipo de obras que se podiam fazer, da preservação do espaço.” Casinos e desleixo Para o arquitecto Francisco Vizeu Pinheiro, “não houve um desleixo intencional” por parte do Governo face às Portas do Entendimento. “O que aconteceu é que o desenvolvimento de Macau ultrapassou estas estruturas e a febre da construção dos casinos levou a que muitos desses monumentos fossem esquecidos.” Vizeu Pinheiro defende que deveria apostar-se na ligação entre um monumento de cara lavada e o “já muito debatido plano de tornar a zona do lago Sai Van mais frequentada pela população”. “Poderiam ser criados mais circuitos para bicicletas e zonas pedonais”, acrescentou. “O espaço é pequeno, é mais para ser visto do que para ser usado. Poderia ter mais coisas. Neste momento é um monumento que ficou diminuído por causa da dimensão da ponte (Sai Van), poderia ganhar se tivesse mais coisas à volta, como bares, cafés, estruturas de desporto e de entretenimento”, disse ainda o arquitecto, que diz preferir monumentos com uma mensagem bem mais directa. “Este é um monumento algo abstracto, não tendo uma ligação directa entre o titulo e aquilo que a obra de arte comunica. Sou mais a favor de monumentos ou obras de arte que comunicam de forma mais directa a presença e a amizade com Portugal”, rematou. A necessidade de uma intervenção no monumento já foi um tema levantado na Assembleia Legislativa. Há cerca de seis anos a deputada Melinda Chan abordou o assunto, tal como a deputada Chan Hong o fez mais recentemente, através de uma interpelação escrita.
Andreia Sofia Silva Manchete PolíticaInformações fiscais | Dados partilhados a partir de 2018 Foi ontem aprovado na generalidade o regime jurídico da troca de informações em matéria fiscal, que se aplica apenas aos cidadãos estrangeiros com bens e contas bancárias em Macau. O sistema arranca dia 1 de Julho deste ano, por forma a garantir que a primeira troca de informações fiscais comece já em 2018 [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Governo quer começar a fazer a troca de informações fiscais com outras jurisdições, ao abrigo da OCDE, já a partir do primeiro trimestre de 2018. Para isso, o novo sistema terá de entrar em vigor a 1 de Julho deste ano. O primeiro passo foi dado ontem com a aprovação na generalidade do regime jurídico da troca de informações em matéria fiscal, algo que acontece dias depois da visita oficial a Macau de Fernando Rocha Andrade, secretário de Estado dos Assuntos Fiscais do Governo português. Durante o debate alguns deputados manifestaram dúvidas sobre o âmbito de aplicação desta proposta de lei. O Governo garantiu que o diploma versa apenas sobre os cidadãos estrangeiros que vivam em Macau e que possuam no território bens ou contas bancárias. “Na troca automática de informações não vamos enviar informações relativas aos residentes da RAEM. Apenas vamos enviar as informações de residentes fiscais estrangeiros”, explicou na Assembleia Legislativa o director dos Serviços de Finanças, Iong Kong Leong. À espera de Hong Kong Aquando da sua passagem por Macau, Rocha Andrade acabou por não firmar nenhum acordo nesta área, apesar de o ter feito em Hong Kong. A razão deveu-se ao facto da região vizinha já ter aprovado a devida legislação em Junho de 2016. Lionel Leong, secretário para a Economia e Finanças, disse ontem no hemiciclo que Macau teve de esperar por esta aprovação para avançar com o seu trabalho legislativo. “Se a RAEM e a RAEHK tiverem grandes diferenças no funcionamento das regras haverá um impacto significativo em todas as instituições financeiras locais”, começou por dizer. “Uma vez que as leis relevantes só foram aprovadas em Junho de 2016 na RAEHK, só então a RAEM teve a referência para a sua própria prática. Os originais das normas foram escritos em inglês e francês, necessitando de uma tradução técnica. Por essa razão só hoje é que tenho condições para apresentar esta proposta de lei junto da AL”, adiantou Lionel Leong. Confidencialidade garantida Uma vez que cabe aos bancos a transmissão das informações fiscais dos titulares das contas bancárias, sempre em coordenação do Governo, o deputado Mak Soi Kun questionou a garantia de confidencialidade. “Quem vai providenciar o sistema de confidencialidade? São as instituições financeiras de Macau? Quem é que vai garantir que as nossas instituições financeiras vão dispor de um sistema de alta confidencialidade?”, questionou. Iong Kong Leong referiu a compra de um sistema já este ano. “Estamos a adquirir um sistema independente de alta protecção, por forma a salvaguardar que os dados sejam transmitidos com toda a confidencialidade. Ainda este ano vamos pedir a certificação do ISO, um padrão de confidencialidade certificado pelo fórum global. Creio que o sistema consiga então salvaguardar a confidencialidade das informações.” A proposta de lei introduz a troca recíproca de informações com jurisdições para responder às regras do Fórum Global sobre Transparência e Troca de Informações para Fiscais, da Organização para a Cooperação do Desenvolvimento Económico (OCDE). Esta troca pode ser feita de forma automática e espontânea, bem como através de um pedido específico. Só serão transmitidos dados relativos aos últimos cinco anos.
João Luz Manchete SociedadeMetro ligeiro | Gastos na Taipa sobem mil milhões de patacas Prossegue a discussão em torno do Metro ligeiro, enquanto as obras continuam a ter como prioridade a linha da Taipa e as ligações à Barra e a Seac Pai Van. Os custos da linha da Taipa foram actualizados, tendo crescido mil milhões de patacas este ano o que, de acordo com Raimundo do Rosário, esteve dentro do previsto [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]inda não se sabe quanto custará um bilhete do metro ligeiro de Macau, apesar de haver vozes que apontam para que possa dali advir um encargo que pode causar reacções da população. No entanto, para o Secretário das Obras Públicas ainda é cedo para meter os bois à frente das carruagens. “Para já, o que está previsto é que a linha da Taipa comece a sua operação em 2019, portanto, ainda é muito cedo para dizer o preço dos bilhetes”, confirmou Raimundo do Rosário à saída de uma reunião da comissão de acompanhamento às obras do metro. Depois de uma visita aos vários estaleiros de obras, os deputados que compõem a comissão de acompanhamento reuniram com membros do Governo para se inteirarem do andamento do projecto. O Secretário adiantou à saída da reunião que o Executivo está “neste momento, concentrado em terminar a Linha da Taipa, incluindo o parque de materiais de oficinas”. Neste local vão ser estacionadas as carruagens fabricadas pela japonesa Mitsubishi. Neste parte da obra, Raimundo do Rosário adiantou que até agora foram gastos na linha da Taipa 9,2 mil milhões de patacas, um valor dentro do previsto pelo Governo. Carga de trabalhos As prioridades, para já, passam também pelo início das obras para a estação da Barra, assim como a linha de Seac Pai Van, ou seja, o ramal que ligará o metro a Coloane. A outra prioridade para as Obras Públicas é a criação da empresa concessionária. Raimundo do Rosário adiantou “é pouco provável que numa fase inicial haja parceria com privados na concessão”. Para já, avança o trabalho legislativo que regula este mecanismo de gestão que estará encarregue do projecto de construção e operação do metro. De momento, estes são os trabalhos em mãos, o que configura, na óptica do Secretário, “um desafio muito grande”, sendo que o objectivo continua a ser o início do funcionamento do metro ligeiro em 2019. Quanto ao trajecto de Macau, Raimundo do Rosário acrescenta que gostaria de que o metro começasse a funcionar plenamente, em todo o território, mas lembrou que este tipo de rede de transportes é construída progressivamente em todo o mundo. Porém, a intenção de trazer o metro ligeiro para a península é algo que se mantém na agenda do Governo. Neste capítulo, o responsável pelas Obras Públicas adianta que não será realizado nenhum estudo sobre trajecto, uma vez que esta fase da obra não é prioritária. Como tal, seria um estudo votado à desactualização, sem tempo útil de aproveitamento prático. No entanto, Raimundo do Rosário reiterou que “vai haver metro em Macau”, apesar de não existir ainda calendário para o alargamento do projecto. Outra das interrogações que se manteve foi a capacidade da Ponte de Sai Van para aguentar a passagem do metro ligeiro. Nesse sentido, Hoi Io Sang, presidente da comissão que acompanha o assunto diz que os deputados estão preocupados com esse aspecto. Porém, coloca água na fervura com as garantias dadas pela empresa que ganhou o concurso da construção das carruagens, a Mitsubishi, e as próprias afirmações do Executivo. “O peso das carruagens fornecidas pela Mitsubishi são mais leves e o Governo incumbiu uma empresa de consultoria de estudar as condições da ponte para suportar o metro”, explica o deputado. Foi também afastada a necessidade de reforço dos canos de metal que suportam a estrutura. No entanto, o presidente da comissão diz que o Executivo não facultou aos deputados os resultados do estudo que garantiu a segurança da passagem das carruagens pela Ponte de Sai Van.
Victor Ng Entrevista MancheteAu Kam San, deputado: “As pessoas dizem ‘façam vocês por nós’” A população de Macau percebe a importância da democracia, mas não se mexe para que o contexto político mude. É por isso que, justifica Au Kam San, não é fácil chegar a bom porto na causa que abraçou há várias décadas. Candidato às próximas legislativas, sabe apenas que vai concorrer ao lado de Ng Kuok Cheong, sem qualquer associação na retaguarda. Quanto à Novo Macau, já era. O deputado garante que não saiu em ruptura com Jason Chao. Mas não se habituou ao novo modelo de funcionamento da associação que fundou Que balanço faz do trabalho desenvolvido na Associação do Desenvolvimento Comunitário de Macau (ADCM)? A Associação do Desenvolvimento Comunitário de Macau não é uma associação política. Está focada nos trabalhos sobre o desenvolvimento comunitário. No entanto, é um facto que esses trabalhos requerem um alto grau de profissionalismo e vários participantes. A ADCM foi criada em 2015 mas, até agora, ainda não desempenha bem o seu papel, por ter falta do que é necessário. O conceito do desenvolvimento comunitário é prestar auxílio aos cidadãos em áreas diferentes e juntar pessoas para expressar as queixas. Acreditamos que o Governo vai compreender as necessidades e as expectativas dos cidadãos através da interacção; dessa forma pode reforçar a justiça e a transparência. Isso é uma das direcções da associação. Apesar disso, para atingir esses objectivos, é necessário profissionais de qualidade. Para já, temos falta de recursos humanos e, por isso, estamos numa fase de formação de mais talentos na área de desenvolvimento comunitário, através da organização de cursos. A ADCM já entrou em funcionamento há mais de um ano, mas não vejo ainda o fruto do nosso trabalho. Mas não estamos ansiosos, uma vez que achamos que os trabalhos na área do desenvolvimento comunitário não podem ser feitos em pouco tempo. É com esta associação que se candidata às eleições este ano? Não, não vou candidatar-me com esta associação. Esta associação não é uma associação política, algo que ficou bem definido no início. A associação só está focada no desenvolvimento comunitário. Quanto às eleições, eu e Ng Kuok Cheong vamos participar nas legislativas. Trabalhamos em conjunto há muitos anos e acreditamos que não precisamos de uma associação que nos lidere nas eleições. Na altura certa, vamos recolher assinaturas dos cidadãos e constituiremos uma comissão de candidatura, através da qual entregaremos uma lista para nos candidatarmos à Assembleia Legislativa (AL). Que expectativas deposita nas eleições deste ano? A AL vai ter rostos novos? É difícil prever se vai haver rostos novos na AL porque isso depende de escolha dos eleitores. Mas, pelo menos, do nosso ponto de vista, existem alguns factores novos nas eleições que aí vêm. Este ano, há mais 30 mil eleitores, metade dos quais são jovens com idade inferior a 25 anos. Nesse sentido, é possível que seja a primeira vez que essas pessoas vão votar. Caso haja novas formas de pensar entre esses jovens, a decisão deles pode influenciar muito o resultado das eleições. Esperamos que esses jovens tenham ideias e objectivos novos, e que fomentem a participação nas eleições, quer sejam eleitores ou candidatos. Nas últimas eleições, tivemos um resultado não muito satisfatório. Não estou a dizer que tivemos menos votos. Normalmente, os assentos dos deputados eleitos por via directa são divididos por três grupos políticos. A ala mais próxima de Pequim – a Federação das Associações dos Operários de Macau (FAOM) e os Kaifong –, ocupa basicamente cerca de um terço dos lugares na AL. O segundo grupo é mais independente e aberto, incluindo as associações sindicais independentes, bem como o grupo democrático. O outro é dos empresários, que geralmente têm relações com os casinos. Começaram a participar nas eleições em 1996 e, como investiram muitos recursos, conseguiram alguns assentos na AL. Digo que o resultado nas últimas eleições não foi satisfatório porque os empresários garantiram sete assentos na AL, de entre um total de 14. Conquistaram metade. Por isso, a proporção na AL tornou-se anormal. Este resultado também está ligado ao que se passava na altura, com a indústria de jogo a ganhar lucros significativos. As operadoras queriam também “jogar” as eleições. Este grupo tem uma característica: quanto mais investem, mais assentos obtêm. Nesse contexto, em 2013, para mim o resultado não foi satisfatório. Por isso, espero que este ano a proporção de grupos políticos na AL possa voltar ao normal, uma vez que, com a diminuição de receitas nos casinos, a situação é agora diferente. Acredito que as operadoras de jogo não vão investir tanto dinheiro como em 2013. É um facto que, actualmente, existem vários empresários na AL, quer entre os deputados eleitos por via indirecta, quer nos nomeados pelo Chefe do Executivo. Caso a maioria de deputados eleitos por sufrágio directo seja proveniente do empresariado, a AL vai estar sempre do lado dos capitalistas, o que não é bom, nem permite garantir um equilíbrio. Mesmo que eu não consiga continuar a ser deputado, espero que a AL tenha uma situação equilibrada entre as várias alas. Jason Chao foi a principal razão por que saiu da Associação Novo Macau (ANM)? A minha saída não teve nada que ver com uma pessoa em particular. Sou um dos fundadores da associação, conheço muito bem os princípios e objectivos da criação da ANM. Tentámos reunir o maior número possível de pessoas de associações independentes e oferecíamos-lhes apoio, de modo a alargar o poder do grupo independente. No entanto, depois houve uma mudança nessa tradição. Além disso, surgiu uma nova regra no jogo, à qual não me consegui habituar, e não quis continuar com esse ambiente. Por isso, acabei por sair da associação. Eu e Ng Kuok Cheong insistimos na ideia de que era preciso dar uma oportunidade aos jovens para que crescessem e conseguissem substituir-nos. Somos dos anos 50. Na ANM, existia um problema: havia poucas pessoas dos anos 70 e dos anos 80. Em 2009, apareceram jovens que queriam e tinham coragem para assumir essa grande responsabilidade, pelo que lhes demos a plataforma para que pudessem subir. A associação passou a ser liderada por esses jovens e nós já não estávamos na direcção. Quando os jovens assumiram a responsabilidade de liderar a ANM, é óbvio que o fizeram com a sua ideologia. Ou seja, em Macau, também há gente que critica Ng Kuok Cheong e Au Kam San porque, apesar de terem lutado pela democracia durante tantos anos, nada conseguiram. É verdade que isso depende do contexto político. Quanto à democracia em Macau, não temos apoios fortes para avançar nesse sentido. Mas tentámos criar cada vez mais condições para que fosse possível lutar pela democracia. Quando surgiu uma nova maneira e uma nova ideologia na ANM, achámos que isso seria bom, pelo que lhes demos uma oportunidade para que tentassem. No entanto, a ANM passou a estar contra as outras associações independentes. Não consegui habituar-me a essa nova regra e saí do jogo. Por isso, a minha saída não teve nada que ver com uma pessoa em particular. Além disso, como senti que já havia alguém capaz de assumir as minhas responsabilidades, achei que era a altura adequada para sair. Carrie Lam foi eleita Chefe do Executivo em Hong Kong. Acredita que o processo democrático e as eleições por sufrágio universal na região vizinha vão ser mais difíceis? Não é de agora. As eleições por sufrágio universal têm sido difíceis por duas razões. Em primeiro lugar, há muitos países e vários grupos de pessoas que escolhem Hong Kong como destino para “combater” à China. O Governo Central gosta de Hong Kong por ser uma cidade internacional, mas também entende que isso pode ser uma ameaça ao Governo Central. Na minha opinião, não causa qualquer ameaça à China. Nasci numa família de esquerda e fui membro de uma subunidade da FAOM, pelo que tenho bastantes conhecimentos sobre a ideologia da República Popular da China. Por isso, sei que quando a democracia em Hong Kong avança um pouco, a China vai monitorizar a situação e limitar o desenvolvimento da democracia. Esta é uma das razões. Depois, antigamente, o povo de Hong Kong pensava que bastava ter liberdade, não se preocupava com a democracia. Depois da transferência da soberania, o Reino Unido afastou-se do território e as pessoas começaram a lutar pela democracia. Em Macau, a maioria dos cidadãos compreende a importância de democracia mas, no que toca à luta, as pessoas dizem “façam vocês por nós”. Em Hong Kong, o povo tem poder: basta olhar para o Occupy Central que levou mais de 100 mil pessoas para a rua. No Conselho Legislativo de Hong Kong, a ala pró-democrática ocupa 60 por cento dos assentos e o grupo próximo do Governo Central tem 40 por cento. Caso o sufrágio universal seja uma realidade em Hong Kong, é possível que seja eleito um Chefe do Executivo sem proximidade política a Pequim. Aos olhos da China, seria um grande desastre. Por isso, é difícil haver democracia em Hong Kong. Quanto à eleição de Carrie Lam, é simples: vai consolidar o fruto do trabalho de C.Y. Leung. Porque é que C.Y. Leung foi nomeado vice-presidente da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês? Porque teve uma relação muito má com a sociedade, não pôde continuar a ser Chefe do Executivo. Mas, do ponto de vista da China, C.Y. Leung fez um bom trabalho, porque nos últimos cinco anos conseguiu destruir vários regimes em Hong Kong. Carrie Lam teve todo o apoio porque vai continuar o caminho de C.Y. Leung. Acha que a subida ao poder de Carrie Lam pode trazer algum impacto na luta pelo sufrágio universal em Macau? Não vejo qualquer impacto. Macau é um caso completamente diferente de Hong Kong. O Gabinete de Ligação do Governo Central não precisa de agir em Macau da mesma maneira. Na RAEM, há 400 membros da Comissão Eleitoral, sendo que 125 são do sector comercial, industrial e financeiro. E só me refiro a este sector. Como é que estes membros são eleitos? A Associação Comercial de Macau fecha a porta e faz uma reunião para determinar a lista. Tenho experiência de mais de 30 anos como professor. A Comissão Eleitoral tem cerca de 20 membros do sector da educação. Como é que essa gente foi eleita? Não sei. Quem são eles? Também não faço ideia. Mesmo que haja uma eleição, será feita dentro desse grupo de gente. Sendo assim, a Associação Comercial de Macau manda os membros da Comissão Eleitoral votar em determinado sentido. Por isso, a tomada de posse de Carrie Lam como Chefe do Executivo não vai ter qualquer influência em Macau.
Andreia Sofia Silva Manchete PolíticaJason Chao cria plataforma para receber queixas sobre eleições [dropcap style≠’circle’]J[/dropcap]ason Chao já esteve do outro lado da barricada como candidato às eleições para a Assembleia Legislativa, em 2013, pela Associação Novo Macau. Este ano o activista resolveu despir essa camisola e criar uma plataforma de recepção de queixas no âmbito das eleições. O “Project Just Macau” vai funcionar na plataforma JustMacau.net e promete ser um receptor de queixas dos residentes sobre casos suspeitos de corrupção ou outro tipo de ilegalidades cometidas durante o processo de campanha eleitoral. Jason Chao quer, assim, fazer um trabalho de monitorização das eleições semelhante ao que já é feito pela Comissão para os Assuntos Eleitorais da Assembleia Legislativa (CAEAL), apesar desta entidade “ter o poder legal para investigar e impor sanções”, defendeu ao HM. O JustMacau.net será apenas um website para garantir que as autoridades “estão a fazer o seu trabalho”. “As eleições dos candidatos pelo via do sufrágio directo para a AL são a única forma de os cidadãos terem uma verdadeira posição sobre a política local”. Jason Chao convida todos os residentes que estejam interessados em construir uma Macau mais justa a usarem esta plataforma para serem os “guardiães da justiça nas próximas eleições”, aponta um comunicado ontem divulgado. Jason Chao admite que “o número de cidadãos a participar não será aquele que estou à espera, mas estou sobretudo à procura de informação em termos de qualidade”. Contra o anonimato O activista explica que o novo website representa “um canal aberto e seguro para que todos possam submeter as suas informações e queixas”. “Apesar das autoridades terem canais oficiais para a utilização do público em caso de suspeita de actividades ilegais nas eleições, a falta de transparência na forma como essas queixas são tratadas faz com que a justiça no processo seja questionável”, pode ler-se. Contudo, o mentor do JustMacau.net apela ao fim do anonimato na submissão das queixas. “Compreendemos que há o risco de represálias se as identidades forem reveladas. Contudo, o anonimato enfraquece, na maioria das vezes, a credibilidade da queixa. Por norma, o contacto com a fonte exige mais informações ou confirmações para que se possa constituir um caso sólido. Deixem sempre um canal [de contacto] após a submissão da queixa. De outra forma, o JustMacau.net pode não conseguir fazer as devidas acções de acompanhamento”. Um elo de ligação O website JustMacau.net não quer apenas constituir-se como uma plataforma de recolha de queixas, mas pretende também ser um meio de ligação entre os residentes e a CAEAL. “Os residentes que confiarem no website podem submeter queixas às autoridades através da nossa plataforma. Todas as queixas entregues através do nosso website serão contadas e enviadas às autoridades, sendo mantido um registo público das mesmas”, explica o comunicado. Para além disso, “os residentes podem entregar queixas às autoridades pela sua própria iniciativa e entregar-nos uma cópia para que fique publicamente registada”. Para Jason Chao, o facto da plataforma JustMacau.net manter este sistema de registo, acessível a todos, constitui “uma chave de monitorização mesmo se as autoridades levarem os casos a sério”. O activista considera que “enquanto a existência de actividades ilegais nas eleições são um ‘segredo aberto’, na maioria dos casos as autoridades falharam ao não atribuir responsabilidades aos candidatos sem escrúpulos, mas poderosos”.
Andreia Sofia Silva Manchete PolíticaAL | Comissão quer rever processo de interpelações ao Governo A Assembleia Legislativa está a recolher opiniões dos deputados sobre uma possível alteração ao Regimento e à forma como as interpelações são apresentadas ao Governo. Coutinho teme mais restrições. Ella Lei e Kwan Tsui Hang querem mudar a forma de emissão de voto [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]s deputados têm até ao próximo dia 18, terça-feira, para apresentarem as suas opiniões junto da Comissão de Regimento e Mandatos da Assembleia Legislativa (AL), presidida por Vong Hin Fai. O motivo? A “possibilidade de introduzir aperfeiçoamentos ao Regimento da AL”, ao nível do “processo de interpelação da acção governativa”. José Pereira Coutinho confessou ao HM que teme mais restrições sobre o tempo de uso da palavra pelos deputados durante o debate. “Todas as vezes que a comissão solicita a nossa opinião não é para nos ajudar, mas sim para restringir o direito de expressão na AL”, disse o deputado ao HM. Para Coutinho, é importante mudar uma regra existente: quando o deputado intervém numa discussão sobre uma proposta de debate, não pode depois apresentar a sua declaração de voto. “Essa é uma das questões que, de facto, impede o bom desempenho dos deputados”, acrescentou o deputado. Já Kwan Tsui Hang afirma que a forma de apresentação das emissões de voto tem de mudar. A deputada recorda o exemplo do voto de pesar pela morte de Mário Soares, uma proposta feita por José Pereira Coutinho, para explicar que não existe tempo suficiente para a preparação dos deputados. “A decisão da proposta de emissão de voto é feita por um grupo de funcionários da AL e penso que esta não é a forma mais exigente para o fazer”, defendeu ao HM. “Muitas vezes só tomamos conhecimento de que temos de tomar uma decisão minutos antes do debate, quando estamos sentados na sala. Não sei porque é que o processo pode ser feito de maneira tão simples”, apontou ainda. À data da votação, Kwan Tsui Hang acabaria por se abster de votar a favor ou contra do voto de pesar pela morte de Mário Soares. “Os assuntos relacionados com a emissão de votos não deveriam ser tão simples. Não temos tempo para pensar, nem podemos ter uma discussão rigorosa. Em termos políticos temos de ter tempo para abordarmos a questão e para nos prepararmos, mas os deputados só têm alguns minutos para falar.” Antecedência, precisa-se Ella Lei, também eleita pela FAOM, disse que muitas vezes só teve conhecimento de que iria votar um pedido de emissão de votos em cima da hora do debate. “Não existem regras definidas para a distribuição do texto da proposta. Os proponentes só precisam de entregar o texto ao presidente da AL antes da sessão plenária, e depois o presidente distribui no início da reunião.” “O processo de emissão de votos precisa das nossas votações, e é necessário termos tempo suficiente para pensar. Os textos deveriam ser entregues aos deputados com alguma antecedência para pensarmos sobre o assunto”, rematou Ella Lei. À data, a deputada também se absteve de votar na proposta de voto de pesar pela morte de Mário Soares. O HM contactou ainda o deputado Ng Kuok Cheong, que não quis fazer qualquer comentário face à possibilidade de rever o Regimento da AL.
João Luz China / Ásia MancheteAnálise | Cimeira entre Trump e Xi Jinping marcada por ataque a base síria O encontro entre os líderes das duas maiores economias mundiais tinha inúmeros assuntos quentes para discutir. No entanto, foi marcado pelo ataque a uma base aérea síria, em plena cimeira. Uma jogada ousada que ameaça ser repetida na Coreia do Norte, depois de Trump ter enviado um porta-aviões e navios de guerra para a península coreana [dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]ra esperado um encontro protocolar, que pusesse água na fervura no plano geopolítico e foi isso que transpareceu cá para fora. Poses amistosas e um discurso padronizado sem grande conteúdo. Porém, antes do jantar do primeiro dia de cimeira, Donald Trump deu luz verde para o bombardeamento de uma base aérea síria, reforçando a aura de imprevisibilidade do recém eleito Presidente e a força da posição americana no xadrez geopolítico global. A muito antecipada reunião vinha sendo vista como uma oportunidade para o Presidente chinês demonstrar força, maturidade diplomática e reforçar o seu lugar como um poderoso líder mundial. Depois de terem sido lançados 59 mísseis Tomahawk sobre Shayrat, os pratos da balança penderam para o lado de Washington, sem que Pequim tivesse reagido oficialmente. No entanto, o assunto passou ao lado dos discursos no fim das conversações. Dois dias depois da reunião, Donald Trump enviou para as águas da península coreana um porta-aviões e uma frota de navios de guerra. Porém, no rescaldo da cimeira, os assuntos bélicos não foram tocados. “Fizemos tremendos progressos na relação com a China.” Esta foi a forma como o Presidente norte-americano caracterizou a cimeira de dois dias com Xi Jinping. Em contrapartida, de acordo com um comunicado no site do Ministério dos Negócios Estrangeiros chineses, Xi Jinping terá dito a Trump que “existem mil razões para melhorar as relações entre a China e os Estados Unidos e nenhuma razão para as estragar”. Este tom conciliatório, assim como as fotos de circunstância que rodearam o encontro na Florida, parece estar a milhas de distância do discurso inflamatório que prometia incendiar o plano internacional durante a corrida à Casa Branca. Trump, repetidas vezes, apelidou os chineses de serem os “campeões de manipulação cambial” e de violarem os Estados Unidos em matéria de comércio externo. Além disso, estendeu a mão ao poder político de Taiwan, quebrando uma tradição diplomática com décadas, criticou a militarização do Mar do Sul da China, assim como a falta de pulso forte a lidar com o regime da Coreia de Norte. Bombas à sobremesa Donald Trump, durante a campanha, apelidou inúmeras vezes a política externa norte-americana de previsível, logo votada ao insucesso. Apesar do ataque às forças de Bashar al-Assad poder representar um desastre a todos os níveis, a imprevisibilidade da nova política externa norte-americana será um problema difícil de deslindar para Xi Jinping. Principalmente, depois das repetidas ameaças de acção militar para travar o desenvolvimento do programa nuclear norte-coreano. Esta posição de Washington é uma mudança de paradigma em termos de política externa. Tradicionalmente, a imprevisibilidade é uma arma usada pelos países mais fracos, que tem sido afastada das grandes potências desde a Guerra Fria. Outro aspecto a reter foi o timming do ataque, tendo em conta que o líder chinês se aproximava mais da posição de Moscovo do que de Washington na questão síria. É de salientar que Pequim tem rejeitado, consecutivamente, as resoluções do Conselho de Segurança da ONU contra o regime sírio. “O primeiro ataque norte-americano às forças de Assad deram credibilidade e poder negocial a Trump”, avançou ao The Guardian Paul Haenle, conselheiro das administrações Bush e Obama. A questão aqui é o que fazer com Kim Jong-un. A China compra 90 por cento das exportações norte-coreanas, um factor que não agrada a Washington. Porém, Pequim tem usado esse ascendente comercial como um tampão que pretende prevenir uma vaga de refugiados norte-coreanos para o seu território e uma destabilização ainda maior de Pyongyang. Nesse sentido, o Secretário de Estado norte-americano, Rex Tillerson, lembrou que ambas as nações acordaram em refrear as ambições nucleares de Kim Jogn-un. Apesar de confirmar que “não houve nenhum pacote de medidas acordadas”, Tillerson adiantou que Washington pode agir sozinho, se a China se sentir constrangida a fazê-lo. Do outro lado do tabuleiro, o Ministro dos Negócios Estrangeiros chinês, Wang Yi, diz que é necessário livrar a península coreana de material nuclear. Mas acrescentou ainda, à agência Xinhua, que se deve evitar intervenção militar contra Pyongyang. Estas eram as posições até domingo, quando o presidente norte-americano enviou para as águas da península coreana um porta-aviões e uma frota de navios de guerra de forma a dar resposta à que considera ser a maior ameaça na região. Guerra comercial Durante a campanha Trump prometeu ser implacável com Pequim em termos comerciais. Sob o lema de trazer os empregos de volta a solo norte-americano, fez promessas de rotular, oficialmente, a China como manipuladores cambiais. No entanto, esta retórica parece ter acalmado para um tom mais reconciliador. Um dos indícios disso mesmo é a perda de força nos últimos tempos da ala mais isolacionista da Casa Branca, como o prova o afastamento de Stephen Bannon do Conselho de Segurança Nacional. Estas manobras parecem aproximar mais a administração Trump de uma posição mais tradicional republicana na abordagem ao comércio internacional. Daí podem advir boas notícias para Xi Jinping. Numa altura em que Trump atravessa uma impopularidade histórica em termos estatísticos, terá de mostrar algo ao eleitoral operário, em particular do “Rust Belt” que lhe deu a eleição em bandeja enferrujada. Como tal, não é de estranhar que o líder chinês faça algumas concessões comerciais a Washington. Entre as ofertas discutidas estará o aumento de importação de gás natural líquido americano, produtos agrícolas e automóveis por parte de Pequim. Algo que não representará uma grande concessão por parte de Xi Jinping, enquanto Trump pode puxar dos galões perante o eleitorado norte-americano como exímio homem de negócios. O líder chinês regressa a Pequim com a questão de Taiwan enterrada e algo para mostrar internamente no próximo Congresso do Partido Comunista Chinês de Outubro. No entanto, complexas questões comerciais não se resolvem em dois dias. “Normalmente, estas discussões, em especial entre os Estados Unidos da América e a China, desenrolam-se ao longo de múltiplos anos”, comentou o Secretário do Comércio norte-americano Wilbur Ross no final da cimeira. Nesse sentido, vão ser encetadas conversações multilaterais ao longo de 100 dias. Ross acrescentou que “é uma meta temporal ambiciosa, mas que representa uma enorme mudança nas relações entre a China e os Estados Unidos”. Para a administração Trump o grande objectivo será reduzir o superavit chinês na balança comercial. Em declarações à agência Xinhua, Xi Jinping afirmou que “usará os novos canais de comunicação e cooperação estabelecidos para atingir objectivos concretos”. O Presidente chinês afirmou ainda que ficou a promessa de uma visita de Estado de Trump à China. Questões territoriais Taiwan parece ser um assunto arrumado nas relações sino-americanas, o que representa um bónus para Xi Jinping, depois de Trump voltar atrás e defender que não se opõe à política “Uma Só China”. Antes da cimeira e da demonstração de força da nova administração norte-americana, as mudanças de opinião de Trump em relação à Formosa tornaram-no num “tigre de papel” aos olhos de algumas facções das elites políticas chinesas. Uma questão que poderá ser mais difícil de contornar é a “alegada” militarização do Mar do Sul da China e os territórios em disputa com o Brunei, Filipinas, Malásia, Vietname e Taiwan, ou seja, uma autêntica embrulhada diplomática. Apesar de Pequim ter afastado a hipótese de fortificar as ilhas artificiais construídas nas concorridas águas territoriais, imagens de satélite mostraram sistemas antimísseis e baterias de armamento anti-aéreo. Bonnie Glaser, directora do Projecto China Power, do Centro de Estratégia e Estudos Internacionais em Washington, considera que “a relutância de Barack Obama em agir em termos bélicos encorajou a China estabelecer-se militarmente nos territórios disputados”. A analista do think-thank norte-americano considera que esta posição de relativa liberdade por parte de Pequim pode mudar com a administração Trump. Esta é uma das muitas questões que ficaram por resolver, algo que não é de estranhar numa reunião introdutória. As relações bilaterais entre as duas maiores potenciais económicas vão prosseguir, enquanto ambos os líderes enfrentam importantes desafios internos. Apesar da dureza de algumas palavras, as relações entre a China e os Estados Unidos parecem ter estabilizado. Vejamos se nenhuma tempestade de tweets lança pelos ares o trabalho diplomático conseguido, ou se não há intervenção militar na península coreana. Para já, em termos de geopolítica, a incerteza parece ser a única constante.
Andreia Sofia Silva Manchete PolíticaAperfeiçoamento contínuo | Nova fase do programa até 2019 A terceira fase do programa de desenvolvimento e aperfeiçoamento contínuo já foi anunciada, e vai durar até 2019. O montante de apoio para os cursos mantém-se nas seis mil patacas, estando previsto um gasto de 700 milhões com este projecto [dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]stá aí a terceira fase do programa de desenvolvimento e aperfeiçoamento contínuo, que permite a todos os que são portadores do Bilhete de Identidade de Residente frequentarem cursos de formação nas mais variadas áreas, promovidos por associações locais ou universidades. Será ainda subsidiada a realização de exames de credenciação realizados fora de Macau que possuam “reconhecimento internacional”, tal como o IELTS e TOEFL, a título de exemplo. O regulamento administrativo que legisla esta fase do projecto foi apresentado pelo Conselho Executivo e prevê a permanência do programa até ao ano de 2019. O subsídio para a frequência dos cursos continua a ser de seis mil patacas, sendo que o Governo planeia gastar um total de 700 milhões de patacas. As candidaturas para a organização de cursos por parte das entidades interessadas terminam em Setembro. Da parte do Executivo, os objectivos principais desta edição passam pela “elevação das qualidades e competências individuais [dos residentes]”, o acompanhamento do “desenvolvimento diversificado da economia e das indústrias”, bem como levar à “criação de uma sociedade de aprendizagem”. Na terceira fase deste programa, o Governo quis simplificar o processo de candidatura dos residentes. Caso um aluno esteja a frequentar cursos em instituições do ensino superior de Macau ou a fazer exames de credenciação em universidades estrangeiras, apenas terá de apresentar o comprovativo de pagamento das despesas efectuadas. Questionado sobre a possível falta de verificação de frequência do curso por parte dos subsidiados, o responsável da Direcção dos Serviços de Educação e Juventude (DSEJ) explicou que a simplificação do processo, com menos documentos, apenas visa torná-lo “mais atractivo”. “Estaremos mais atentos para avaliar caso a caso. Se houver reincidência [de ilegalidades] estaremos atentos”, apontou. Poucos crimes Na conferência do Conselho Executivo foram ainda apresentados os dados estatísticos desde o arranque do programa de desenvolvimento e aperfeiçoamento contínuo. As acções de fiscalização resultaram na detecção de 2957 irregularidades. Apenas 11 casos foram alvo de investigação criminal, sendo que, na maioria dos casos (2466), foram feitas “recomendações orais” às instituições que realizam os cursos. Só 12 processos foram instaurados. Quanto às formas de fiscalização, o método mais utilizado foi a realização de exames aleatórios (mais de 67 mil). A verificação de documentos surge em segundo lugar, bem como a vistoria “in loco” e visitas aos locais. Entre 2014 e 2016, o plano foi utilizado sobretudo por pessoas com idades compreendidas entre os 25 e os 39 anos, ou seja, 41,8 por cento. Os beneficiados com este programa com mais de 60 anos representam apenas 9,1 por cento dos subsídios. Quem pede apoio para frequentar os cursos gasta, por norma, todo o dinheiro atribuído: 32,9 por cento dos utilizadores gasta na totalidade as seis mil patacas, sendo que 20,4 por cento despende entre cinco a seis mil. Apenas 5,7 por cento gasta menos de mil patacas nos cursos que frequenta. A DSEJ dá hoje mais explicações sobre o programa. Distribuição de gases combustíveis com novas regras O Conselho Executivo concluiu também a análise do regulamento administrativo relativo às redes de distribuição de gases combustíveis em baixa pressão. Estas regras visam responder ao melhoramento futuro da distribuição do gás natural, bem como à evolução das tecnologias e novas regras de segurança da distribuição de combustíveis. As medidas devem ser aplicadas nos gasodutos de transporte e em todas as redes de distribuição de gases combustíveis. O objectivo é “reforçar a segurança do transporte de gases combustíveis e das redes de conduta de distribuição”, para que o novo regulamento esteja de acordo com a restante legislação já em vigor.
Andreia Sofia Silva Manchete SociedadeLei de Terras | Governo vai ter em conta propostas dos deputados sobre Pearl Horizon O Chefe do Executivo reuniu este sábado com 11 dos 19 deputados que assinaram a carta com novas propostas para resolver o problema do edifício Pearl Horizon. O governo garante que vai ter essas ideias em linha de conta na hora de tomar uma decisão, mas afirma esperar pela decisão do tribunal [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]s deputados apresentaram soluções, o Governo trocou com eles opiniões “de forma honesta e aberta”, mas não há, para já, uma decisão concreta sobre o terreno onde deveria ter sido erguido o edifício habitacional Pearl Horizon. Após um total de 19 deputados da Assembleia Legislativa (AL) terem assinado uma carta com propostas que não passam pela revisão da Lei de Terras, o Chefe do Executivo reuniu com 11 deles este sábado, juntamente com Sónia Chan, secretária para a Administração e Justiça, e Liu Dexue, director dos Serviços para os Assuntos de Justiça. Esteve também presente o vice-presidente da AL, Lam Heong Sang, bem como o porta-voz do grupo de assinantes, Ng Kuok Cheong. Segundo um comunicado oficial, o Governo vai continuar à espera da decisão do tribunal, mas terá em conta as sugestões apresentadas. “A direcção a seguir, das várias propostas apresentadas pelos deputados, foi pensada e estudada de forma aprofundada. Alguns problemas e pontos de vista manifestados pelos deputados vão inspirar, de alguma forma, o Governo numa resolução futura”, disse Chui Sai On. Contudo, o Chefe do Executivo afirmou que as propostas “não só abrangem muita complexidade como também há várias dificuldades que vão surgindo, [bem como] a existência de limitações legais”. Já Sónia Chan referiu que existe “uma forte complexidade e várias dificuldades”, sendo que “as autoridades continuam empenhadas na procura de resoluções viáveis”. Li Canfeng, director dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, também presente no encontro, referiu que “as autoridades têm analisado os articulados por forma a permitir uma solução viável”. Ainda assim, “muitas das propostas deparam-se com diferentes graus de dificuldades e problemas”, sendo que muitas delas, aquando da sua implementação, poderão conter “limitações legais”. Agir antes do tribunal Em declarações ao HM, o deputado Ng Kuok Cheong explicou que os signatários da carta esperam que o Governo possa agir antes da decisão do tribunal sobre a concessão do terreno à Polytec. “Neste momento o Governo está a considerar as nossas propostas. Depois deste encontro ficou mais claro que o Governo está consciente da necessidade de resolver este problema de acordo com a Lei de Terras. Mas está apenas à espera da decisão do tribunal, e por isso esperamos que possa mudar algo antes disso.” Ng Kuok Cheong adiantou ainda que uma das propostas apresentada este sábado passa pela criação de um concurso público, por forma a concluir o edifício, cuja construção já foi suspensa. “Pedimos para que haja uma actuação de acordo com o que está na Lei de Terras, e que possa ser feito um novo concurso público. Seria uma situação em que o Governo ficaria com o direito de manter o mesmo edifício e o projecto que já está em desenvolvimento. [Esse concurso público] teria ainda condições específicas para os novos promotores finalizarem o edifício e o acordo já feito com os investidores”, rematou Ng Kuok Cheong.
Andreia Sofia Silva Manchete ReportagemReportagem | Os rostos por detrás do investimento do Pearl Horizon Afirmam que não são ricos. Uns são engenheiros e advogados, outros são reformados e comerciantes. Venderam o que tinham para comprarem uma casa melhor. Quem adquiriu apartamentos em regime de pré-venda no edifício Pearl Horizon, cujo terreno o Governo quer reaver, não sabe o que esperar do futuro [dropcap style≠’circle’]H[/dropcap]á cinco anos, o mercado imobiliário parecia promissor. Os empreendimentos no Cotai estavam a ser construídos a todo o vapor e comprar uma casa era visto como o investimento mais acertado a fazer. Na zona da Areia Preta, o edifício Pearl Horizon prometia casas de luxo com vista para a China. Chan, que trabalha na produção de tofu, nem pensou duas vezes. Ele e a mulher decidiram que era altura de aplicar as poupanças de uma vida. “Quando decidi comprar o apartamento, pensava que o preço das casas ia aumentar continuamente e que o promotor [Polytec] tinha capacidade para fazer o projecto. Não sabia muito sobre a lei, e decidi vender a minha casa antiga para dar a entrada na nova casa”, contou ao HM. O empréstimo foi pedido e autorizado. O sonho de ter um andar de luxo para si e para a sua família desfez-se alguns anos depois. “Agora tenho de pagar mais de 30 mil patacas por mês ao banco, nem sei quando é que acaba o meu empréstimo. Não tenho qualquer esperança”, assume. Se os dias de Chan se tornaram agitados, as noites transformaram-se num pesadelo. “Acordo sempre de madrugada e não consigo dormir. Só resta um vazio, para mim tudo isto é como se fosse o fim do mundo.” Dias hipertensos Desde que o Governo decidiu reverter o terreno concessionado à Polytec, após ter terminado o prazo de 25 anos de concessão, que as noites dos que compraram as casas em regime de pré-venda se transformaram num pesadelo. Vários investidores que falaram com o HM têm um discurso semelhante: os comprimidos para dormir tornaram-se nos seus melhores aliados. Sam começa a falar e mostra de imediato todo o arsenal de comprimidos que toma diariamente. As lágrimas caem-lhe do rosto. “Comecei a tomar isto há um ano. Vou à clínica por ter o tratamento gratuito, mas já me disseram que não conseguem curar as minhas doenças e querem passar-me para o Centro Hospitalar Conde de São Januário. Tenho hipertensão e problemas de coração.” Esta reformada de 60 anos, com quatro filhos, pensou que poderia ter uma casa com as poupanças que conseguiu juntar, mais a ajuda dos filhos. “Agora perdi a casa que tinha e os meus filhos não me vão ajudar a pagar o empréstimo, porque têm de pagar a renda das casas onde vivem. Neste momento tenho uma mensalidade de 30 mil patacas.” Actualmente, Sam vive com mais quatro pessoas numa casa. Dos quatro filhos, dois ainda estão a estudar. Um deles divorciou-se há pouco tempo e precisa de sustentar a filha. “Somos vítimas” A Lei de Terras entrou em vigor em 2013 e poucos adivinhavam o que iria suceder. O Governo e os deputados à Assembleia Legislativa (AL) aprovaram o diploma sem que tenha ficado escrito, preto no branco, o que iria o Executivo fazer no caso de ser o responsável pela falta de aproveitamento dos terrenos concessionados. Havia o passado Ao Man Long e os anos de inércia que se seguiram: quem trabalhava no sector queixava-se publicamente da incapacidade de decisão no seio das Obras Públicas. A apatia que se apoderou de quem tinha de dar andamento a plantas e projectos chegou a ser amplamente debatida na AL. Nalguns terrenos que, nos últimos tempos, o Governo tentou recuperar, já estavam a decorrer construções, muitas poupanças já estavam a ser investidas, à espera das chaves que iriam mudar vidas. Sonny é engenheiro e clarifica de imediato: “Nenhum de nós que está aqui é rico, não somos ricos”. Sobre o caso Pearl Horizon, Sonny lamenta que exista a ideia de que quem teve dinheiro para avançar para a aquisição das fracções tem hoje uma vida sem preocupações financeiras. “Decidi comprar a casa para a minha filha, que ainda está na universidade. Nós é que somos as vítimas de tudo isto. Vendemos casas, pedimos dinheiro emprestado ao banco e muitos de nós ficaram na rua”, vinca. “Ainda estou a trabalhar, ganho cerca de 20 mil patacas por mês e vou precisar de pagar a educação da minha filha.” Sonny afirma que este foi o caso que mais o fez sentir-se desiludido em relação ao Executivo. “O Governo não nos deu qualquer resposta e não toma uma decisão sobre o que vai fazer. Isso é lamentável. Respeitamos a lei para comprar esta casa, pedimos ajuda a um advogado, mas o Governo ainda vem dizer que temos de cumprir a lei. Não tem em consideração as necessidades das pessoas”, acusa. Este engenheiro aponta o dedo também aos deputados. “Foi a Assembleia e o Governo que criaram esta lei e que a aprovaram, mas não tiveram em consideração o que poderia acontecer. Deviam ter pensado no futuro das pessoas. Sei que uma mulher morreu há cerca de três meses por causa disto, mas o Governo nunca teve essa percepção.” Ir à confiança No debate mais recente da AL, na semana passada, a Lei de Terras voltou a ser tema central de uma discussão que durou quase duas horas. Um pequeno grupo de investidores do Pearl Horizon foi ao hemiciclo em representação das 300 famílias que estão envolvidas no caso. Delia foi uma das pessoas que aplaudiu todas as intervenções dos deputados. Filha de um casal que tem uma empresa de importação de roupas de grandes marcas do mundo da moda, Delia chegou a trabalhar no Reino Unido e não entende como é que a implementação de uma lei pode originar um problema desta natureza. “Quando decidimos comprar um apartamento no Pearl Horizon sabíamos que a Polytec é uma empresa listada na bolsa de Hong Kong, e que já tinha construído vários empreendimentos em Macau. Eu própria vivo num prédio construído pela Polytec. Em 2011 foi feito o primeiro pagamento. Naquela altura todos queriam comprar uma casa e muitos estavam a investir”, recorda Delia. “Em todo o mundo, quando se decide comprar uma casa, é o mesmo sistema. Seguem-se as regras, contrata-se um advogado. A minha família confiou no projecto e no sistema jurídico”, disse ainda. Choi sabia que comprar uma casa quando o edifício ainda não está totalmente construído poderia ser um risco, tinha conhecimento de casos antigos. Ainda assim, avançou. Tudo apontava para um investimento com um final feliz. “Sabíamos dos problemas que podiam acontecer com as fracções e perguntámos quando é que poderíamos ter a nossa casa. Quando nos confirmaram a data do início das obras, decidimos comprar. Não percebíamos nada de leis, mas pedimos ajuda a um advogado e o Governo recebeu os nossos impostos. Achámos que isso seria uma garantia”, notou o investidor. Choi também chora quando conta todo este percurso, iniciado em 2014. “Perdemos a casa e o meu filho de 27 anos já não tem um sítio para morar. Contribuímos com o nosso dinheiro e as nossas reformas. A culpa não é nossa. Agora só podemos pedir ajuda ao Governo.” Leong, já idosa, vivia num prédio de cinco andares e quis ter uma nova casa com elevador, para poupar as pernas. “Queria viver com os meus filhos num prédio com elevador. Vendi a minha casa e usei esse dinheiro para pagar a primeira tranche do empréstimo. Mas agora aconteceu isto e não sabíamos nada sobre a concessão de 25 anos.” A idosa não se lembra de história assim: “Nunca pensámos que o Governo iria reverter o terreno. Em Macau nunca aconteceram essas coisas”. A reformada recorda que antes “havia o medo de que o promotor recebesse o dinheiro das pessoas sem acabar a construção do prédio”. Mas, observa Leong, com a Polytec aconteceu tudo de forma diferente. “O promotor sempre quis construir o prédio e o Governo decidiu recuperar o terreno. O que vamos fazer com o dinheiro que já gastámos? Gastámos o dinheiro que juntámos toda a vida. Estou a falar com as mãos a tremer, comecei a ter problemas de coração”, disse. Com o processo do Pearl Horizon ainda em tribunal, o Governo afirma nada poder fazer, embora as críticas não parem de chegar. No último debate na Assembleia, vários deputados falaram da falta de tecto de muitos, dos problemas de saúde que se acumulam, de pequenas tragédias que vão acontecendo. Os representantes do Governo disseram apenas que, até ao momento, nenhum pedido de apoio psicológico chegou ao Instituto de Acção Social. Mas do outro lado, a realidade é outra, sem que haja quaisquer perspectivas de futuro ou de recuperação do dinheiro investido. Muitos já deixaram de pagar os seus empréstimos aos bancos, desconhecendo-se a reacção da banca a este episódio que mudou a vida da sociedade e com impactos difíceis de calcular para a própria economia.
Hoje Macau Manchete SociedadeInstituto Cultural | Alexis Tam garante fim das irregularidades detectadas pelo CCAC Já deu instruções ao Instituto Cultural e alargou as directrizes a todos os serviços da tutela. Mas o relatório do Comissariado contra a Corrupção continua a fazer com que Alexis Tam se pronuncie. O secretário garante que o que estava mal já foi corrigido [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, Alexis Tam reiterou ontem que o relatório de trabalho divulgado recentemente pelo Comissariado Contra a Corrupção (CCAC) merece todo o seu respeito, tendo assegurado que os serviços “procederam, de imediato, à devida rectificação, depois de tomarem conhecimento das opiniões do CCAC”. O governante garantiu ter dado instruções a todos os serviços da tutela reiterando “o dever de seguir, no processo de recrutamento de pessoal, os princípios de justiça, igualdade e transparência, não sendo permitido o nepotismo ou situações injustas”, lê-se em nota à imprensa do Gabinete de Comunicação Socia. “Caso haja algum problema, este deve ser corrigido o mais rápido possível”, indicou ainda Alexis Tam aos vários serviços da pasta dos Assuntos Sociais e Cultura. O secretário falava à margem da reunião anual da Comissão Conjunta de Trabalhos para Impulsionar a Construção de Macau num Centro Mundial de Turismo e Lazer. Instado a comentar a parte do relatório do CCAC referente à Direcção dos Serviços de Turismo (DST), explicou que “a DST assinou um contrato individual de trabalho com uma ex-chefia, após consultar o parecer da Direcção dos Serviços de Administração e Função Pública, o qual obteve a respectiva concordância”. No entanto, mais tarde, o CCAC enviou, uma vez mais, uma recomendação à DST, que procedeu à rectificação e resolução do caso, de acordo com o conteúdo da recomendação feita. Experiência vs capacidade Quanto ao caso da nomeação de duas chefias do Instituto Cultural, nomeação essa que não correspondia ao requisito legal que obriga a um mínimo de cinco anos de experiência profissional, Alexis Tam explicou que as duas pessoas em causa foram altamente recomendadas pelo ex-presidente do IC. Tinham “experiências valiosas na área e capacidade para o exercício das funções”, o que fez com o secretário tivesse respeitado a opinião dada. Atendendo aos reparos feitos pelo CCAC, “o Instituto Cultural já procedeu à devida rectificação”. A rematar, o governante frisou estar “muito atento” à situação de eventuais irregularidades em cada caso. No entanto, sublinhou que, “apesar de haver falhas em alguns casos, não violam a lei”. Não obstante, garantiu ter já exigido aos dirigentes dos serviços que façam “um controlo mais rigoroso, reforçando os conhecimentos jurídicos, bem como intensificarem os trabalhos de gestão na área administrativa, pessoal e financeira, não sendo permitida a ocorrência de mais situações irregulares”.
Sofia Margarida Mota Manchete SociedadeTurismo | Gabinete de Ligação sugere voos directos para o espaço lusófono A representação de Pequim em Macau propôs ontem o investimento da RAEM em voos directos com os países de língua portuguesa. A ideia é usar a situação privilegiada do território para multidestinos turísticos. O Governo Central quer ainda estabelecer mecanismos de ajuda na criação de um produto turístico próprio [dropcap style≠’circle’]M[/dropcap]acau deve estudar a possibilidade de ter voos directos entre o território e os países de língua portuguesa. O recado foi deixado ontem pelo subdirector do Gabinete de Ligação do Governo Central, Yao Jian, na reunião anual de 2017 da comissão conjunta de trabalho para impulsionar a construção de Macau num centro mundial de turismo e lazer. “Macau é uma plataforma importante entre a China e os países de língua portuguesa e, por isso, devem ser desenvolvidas actividades que envolvam o intercâmbio entre o Continente e estes países”, disse o responsável. Para o efeito, “deve estudar a possibilidade de explorar voos directos com os países de língua portuguesa, de modo a atrair mais visitantes destes países para o território e, ao mesmo tempo, dar oportunidade a estes turistas para que possam transitar para outros destinos na China”, explicou. No final da reunião, o secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, Alexis Tam, não acrescentou qualquer informação acerca da vontade do Gabinete de Ligação, sendo que, garantiu, seria uma iniciativa acarinhada pela sua tutela. “É uma boa ideia, mas é necessária ainda uma análise. Não falámos dela durante a reunião, o que não significa que não a vamos desenvolver no futuro”, afirmou. Acção conjunta De acordo com Li Shihong, vice-presidente da Administração Nacional do Turismo da China, o Governo Central está disponível para ajudar nas políticas do território que tenham como fim a promoção de um turismo diversificado e “a criação de um produto internacional de grande procura”. “O desenvolvimento do território está no bom caminho e temos, em conjunto, de depositar confiança no Governo local e ajudar na colaboração com províncias chinesas”, sublinhou. A ideia do responsável do turismo do Continente vai no sentido de fomentar tempos de estadia maiores no território e, em simultâneo, explorar o turismo para multidestinos. “O Governo Central já o faz e podemos associar Macau às políticas aplicadas a outras províncias chinesas.” Por outro lado, Li Shihong considerou que é importante que as medidas a serem tomadas sejam práticas e concretizáveis. “Discutimos acerca das políticas em que podemos apoiar Macau na elevação da indústria turística, e como aprofundar os serviços e fiscalização numa cooperação integrada de todos os sectores”, disse. A entrada facilitada no território também esteve em discussão na reunião de ontem. A ideia é que os turistas não tenham de pagar para entrar em Macau, prática que, segundo o Alexis Tam, tem sido desenvolvida à margem da lei. É fundamental, disse o secretário, “aumentar a fiscalização das actividades turísticas, sendo que a abertura da ponte Hong Kong-Macau-Zhuhai é também uma grande oportunidade para o desenvolvimento da cooperação”. De acordo com Li Shihong, o Governo Central está a estudar, com Fujian e Guandong, uma cooperação conjunta com o território. No bom caminho O secretário para os Assuntos Sociais e da Cultura não deixou de se mostrar particularmente entusiasmado com as iniciativas que a sua tutela tem desenvolvido. “Desde a celebração do acordo entre o Interior da China e Macau sobre a criação de uma comissão conjunta, em Junho de 2015, bem como a realização da reunião anual de trabalho desta comissão em Fevereiro do ano passado, o Governo e a China Continental aceleraram a cooperação. Tem sido aprofundado tanto o nível, como o conteúdo, no âmbito do turismo”, recordou. Na prática, Alexis Tam refere alguns dos trabalhos que o Governo tem vindo a desenvolver em cooperação com o Continente, entre eles “a participação nas acções de promoção conjuntas para itinerários multidestinos, a implementação do projecto pioneiro de turismo individual com embarcações de recreio Macau-Zhongshan, o reforço de cooperação com a Administração do Turismo da Província de Guangdong e vários serviços turísticos de outras cidades da China na fiscalização da qualidade turística para assegurar o desenvolvimento saudável no mercado”. Para o secretário, o turismo local atingiu uma fase de estabilidade. “Actualmente, a indústria turística de Macau encontra-se numa fase de desenvolvimento estável. Em 2016, mesmo havendo factores externos de instabilidade económica, o número de visitantes manteve-se em mais de 30 milhões, registando-se um ligeiro acréscimo em termos anuais”, afirmou. De sublinhar, para o secretário, é a formalização, com o apoio do Ministério da Educação da China, da candidatura de Macau à Rede de Cidades Criativas da UNESCO, enquanto Cidade Gastronómica.
Isabel Castro Manchete ReportagemReportagem | Faltam psicólogos forenses em Macau Há falta de psicólogos de justiça no território. A falha assume maior relevância quando chegam aos tribunais crimes de natureza sexual que envolvem menores. A Assembleia Legislativa está a rever o Código Penal, mas a qualidade da perícia local não parece ser uma preocupação [dropcap style≠’circle’]M[/dropcap]acau não tem, que se saiba, psicólogos forenses, uma especialidade da psicologia clínica que faz a ponte para a justiça e que pode ser um contributo da máxima importância para os casos que envolvem crimes de natureza sexual. A falha é detectada por vários operadores de Direito com quem o HM falou. O retrato que aqui se faz acerca desta especialização profissional em Macau é o possível: ou não recebemos resposta a perguntas colocadas há mais de uma semana, ou as respostas são vagas. Numa troca de emails sobre o assunto, a Associação de Psicólogos de Macau (APM) explica que há membros da organização que são chamados pelos tribunais para a realização de perícias, mas não faz qualquer referência às competências técnicas destes profissionais. “A nossa associação tem membros que trabalham como psicoterapeutas que poderão ser convidados pelos tribunais como peritos”, diz a presidente da APM, Cintia Chan. “Também temos associados que trabalham em departamentos jurídicos que providenciam serviços de aconselhamento aos funcionários da frente.” Questionada acerca da formação específica destes psicoterapeutas, a responsável pela associação não se pronuncia. “Tanto quanto sei, há dois psicólogos na Polícia Judiciária (PJ) no campo das investigações criminais, mas nenhum deles é membro da APM”, indica apenas. O HM tentou, junto da PJ, perceber se estes psicólogos, mencionados por Cintia Chan, têm algum tipo de preparação na matéria, mas a Judiciária não respondeu à pergunta que lhe tinha sido colocada: tem esta polícia psicólogos de justiça? No esclarecimento enviado, diz-se apenas que “na situação de caso envolvendo menor, a PJ faz a devida informação à Direcção dos Serviços de Educação e Juventude ou ao Instituto de Acção Social”. No site da PJ são especificadas as áreas de trabalho da Divisão de Peritagem de Ciências Forenses, sendo que fica de fora a psicologia. O departamento trabalha em bioquímica, toxicologia, físico-química, balística e documentoscopia. Não há qualquer outra indicação no portal que deixe pistas sobre a presença de especialistas em psicologia forense no seio da Judiciária. Fazer as vezes Também os Serviços de Saúde não responderam a tempo da publicação deste texto, pelo que fica por saber com toda a certeza se, entre os profissionais do Centro Hospitalar Conde de São Januário, existem psicólogos forenses ou psicólogos de justiça (definição mais abrangente que inclui não só a avaliação, mas também o acompanhamento posterior). Pelo que o HM conseguiu apurar, não há ninguém com este tipo de formação. No São Januário, existem apenas psicólogos clínicos e há, foi-nos garantido por fonte conhecedora da matéria, psiquiatras que fazem perícia forense. Fica a ressalva da falta de uma confirmação oficial. O Instituto de Acção Social (IAS) tem um serviço específico de apoio aos tribunais mas, pela resposta que foi dada ao HM, não parece também haver aqui psicólogos forenses, a pergunta específica que tinha sido endereçada e que não foi respondida de forma directa. Por email, fomos informados de que existem no IAS psicólogos “nas áreas da justiça, aconselhamento clínico e educação, e também assistentes sociais com estudos em justiça criminal, etc.”. Mas, a talhe de foice, o instituto explica que “os relatórios de investigação social que o IAS fornece ao Ministério Público (MP) e aos juízes são redigidos pelos assistentes sociais ou especialistas em aconselhamento”. Esses relatórios, continua, “estão focados principalmente na explicação das relações familiares, apoio social, circunstâncias profissionais ou académicas, situação financeira, etc., das pessoas envolvidas nos casos apresentados”. Não se percebe qual o contributo destes relatórios em termos processuais. Dada a vagueza da resposta em relação à especialização dos profissionais, perguntámos quantos psicólogos de justiça trabalham no IAS, mas a resposta não chegou a tempo. Tínhamos ainda questionado o IAS em relação ao papel que desempenha no que toca à perícia em tribunal, na avaliação de arguidos e de alegadas vítimas, em casos relacionados com crimes de natureza sexual. Pela réplica obtida, o instituto presta este serviço apenas no âmbito da reinserção social. “De acordo com o Código Penal (CP) e com o Código de Processo Penal de Macau (CPP), o Departamento de Reinserção Social sob a administração do IAS é responsável pela implementação de medidas não tutelares e providencia relatórios de contexto social em relação a transgressores, precedentes ao julgamento, em resposta a pedidos dos tribunais e do MP.” O organismo especifica que estes “relatórios de contexto social” podem dizer respeito a reclusos que cumprem pena pelos mais variados tipos de delitos, incluindo crimes de natureza criminal. Na resposta por escrito, especifica-se ainda que a preparação deste relatórios pode envolver “toda a equipa de profissionais e diferentes inventários”, elencando em seguida uma série de testes usados na avaliação da personalidade de transgressores. Queixas sem crime De acordo com o Código de Processo Penal de Macau, “a prova pericial tem lugar quando a percepção ou a apreciação dos factos exigirem especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos”. É no âmbito da perícia que adquirem particular relevância o trabalho e as competências do psicólogo forense. À semelhança do que aconteceu em Portugal há um par de anos, o Governo decidiu recentemente rever o Código Penal, que data de 1996, em matéria de crimes contra a liberdade e autodeterminação sexuais. As alterações, que estão a ser alvo de análise em sede de especialidade na Assembleia Legislativa (AL), têm entre os objectivos principais o reforço da protecção de menores. Entre os artigos do CP que sairão reforçados está o abuso sexual de crianças: de acordo com dados fornecidos ao HM pela Polícia Judiciária, só em 2016 foram investigados 11 casos deste tipo de delito, mais de um terço das ocorrências verificadas nos últimos cinco anos (ver texto nestas páginas). Se foram manifestadas preocupações em relação a crimes como a importunação sexual – a ser introduzido pela nova lei –, com alguns sectores a mostrarem-se preocupados com a possibilidade de falsas acusações poderem levar à condenação de inocentes, certo é que, tanto quanto o HM conseguiu apurar, não foi até agora discutida, no seio da comissão da AL, a qualidade da perícia. Por outras palavras, a lei será em breve reforçada, mas o funcionamento efectivo do sistema não é, aparentemente, uma preocupação de quem legisla. O abuso sexual de crianças é um dos crimes em que a perícia pode dar um contributo significativo para a decisão tomada por um juiz. Acontece, com alguma frequência, as queixas darem em coisa nenhuma. Os números de Portugal são demonstrativos: em 2014, por exemplo, foram acompanhados mais de 73 mil processos de alegados abusos sexuais de menores por familiares, mas 37.422 foram arquivados. Não é de todo invulgar que, neste tipo de crime, não existam provas físicas de que tenha sido efectivamente cometido. Os exames médicos não apontam para a existência do delito e não há testemunhas oculares. É neste contexto que a avaliação de um psicólogo forense tem um peso significativo. A perícia evita que, em tribunal, haja uma inversão do ónus da prova e que o arguido tenha de demonstrar a inocência, quando deve ser a acusação a provar a culpa. O cirurgião certo Ricardo Barroso, professor universitário em Portugal, é especialista em psicologia clínica e forense, tendo como principal área de investigação o estudo das características e especificidades de agressores, com particular foco em casos de natureza sexual. É ele que nos ajuda a perceber a importância da especialização neste campo da psicologia. Quando em questão está a palavra da alegada vítima contra o alegado agressor, a participação do perito “é crucial”. “Não cabe ao psicólogo dizer se aquela pessoa é culpada ou não”, acautela. “No fundo, o psicólogo forense é um braço direito, um dos elementos técnicos de apoio à decisão do juiz. O pedido do juiz é, por norma, no sentido de se perceber se o discurso é compatível com os factos.” Ao psicólogo compete averiguar, “através de um conjunto de técnicas e de estratégias”, se o discurso da vítima, por exemplo, “é compatível com os factos da circunstância de abuso sexual”. Por outras palavras, o psicólogo forense ou de justiça averigua sobre a veracidade dos factos. Esta averiguação é feita com recurso a entrevistas especializadas, “não pode ser uma entrevista qualquer, tem de ser focada”. No caso de abusos sexuais de crianças, exemplo utilizado por Ricardo Barroso, o processo começa com uma entrevista aos pais, sendo que, utilizando “um conjunto de estratégias muito específicas”, é avaliado também “o ajustamento global da criança”. “Há também uma avaliação dos sintomas e das dinâmicas que possam acontecer, uma avaliação do apoio familiar, uma avaliação do risco, se for esse o caso, e o que fazer”, continua o especialista. “O protocolo dos casos de abuso sexual é muito específico. Para se chegar à conclusão de que o discurso da vítima é compatível com a circunstância ou com factos relacionados com abuso sexual, é necessária uma análise muito grande de um conjunto de informações”, vinca Ricardo Barroso. Em Portugal, existe um protocolo para a avaliação feita pelos psicólogos chamados a apoiar o sistema judicial. O investigador afirma que se consegue, “com alguma facilidade, diferenciar se o discurso é compatível com a verdade”. A Ordem dos Psicólogos Portugueses avançou com a especialização dos profissionais que dela fazem parte. A psicologia de justiça é considerada uma “especialidade avançada”. Ricardo Barroso explica por que razão existe esta diferenciação profissional: “Estamos a pegar nos casos mais sensíveis, que têm de ser tratados com pinças”. Uma analogia com a medicina ajuda a perceber a especificidade da tarefa: nem todos os cirurgiões estão habilitados para intervir em determinadas áreas do corpo humano. Com os psicólogos, a situação é semelhante. “A área forense é muito específica, com muitos contornos, com influências de várias ordens – pessoal, social, cultural e legal.” O professor universitário recorre, de novo, aos casos de abusos sexuais, realçando que “é uma intervenção muito especializada”, pelo que “nem todos os psicólogos devem pegar neste tipo de casos”. No caso de psicólogos com pouca experiência, “é preferível que encaminhem os casos para colegas mais especializados”. Não é uma área em que se aconselhe “experimentar caminhos e hipóteses”. Nas realidades portuguesa, europeia e norte-americana, aquelas que Ricardo Barroso melhor conhece, a especialização na área forense faz-se depois de uma formação de base em psicologia. Depois, a “especificidade” das questões que são suscitadas aos psicólogos leva à necessidade de uma “especialização pormenorizada”. “No contexto português, cada vez mais as pessoas vão entrando para uma especialização ao nível do doutoramento”, refere. Dentro da psicologia de justiça, é cada vez mais comum haver ainda quem se especialize em vítimas e quem aposte no estudo de agressores, apesar de ser “importante perceber a dinâmica dos dois”. Em suma, “é desejável que haja uma especialização”, aconselha Ricardo Barroso. O que diz uma avaliação Os psicólogos forenses fazem diferentes tipos de avaliação, consoante aquilo que está em causa. Tal como em Portugal, também o Código de Processo Penal de Macau dispõe especificamente em relação à perícia sobre a personalidade, uma área em que estes especialistas são chamados a intervir. A perícia “pode relevar nomeadamente para a decisão sobre a revogação da prisão preventiva, a culpa do agente e a determinação da sanção”, lê-se no CPP. Trata-se de um tipo de estudo que é feito em adultos e, por norma, em adultos agressores, decifra Ricardo Barroso. “É pedida no sentido de perceber como é que aquele indivíduo funciona no quotidiano. É uma análise tripartida: como é que funciona consigo próprio, como é que funciona com os outros e como é que vê o relacionamento com o mundo, a percepção do seu contexto social.” O especialista explica qual a razão de a perícia sobre a personalidade ser feita apenas em adultos. “Não existe, nas crianças e nos adolescentes, a estruturação da personalidade”, observa. “A personalidade é um padrão de funcionamento relativamente estável. Não é avaliada a personalidade das crianças ou dos adolescentes porque não há este padrão estável.” Para se chegar à verdade com as crianças, é preciso ir por outros caminhos. Quando em causa estão crianças com mais de 12 anos, não existem, à partida, obstáculos a que sejam ouvidas em tribunal; nos casos em que ainda não perfizeram esta idade, podem ser ouvidas pelos juízes, mas é do entendimento dos juristas que é necessário ponderar bem acerca do contributo que poderão dar para o caso. É preciso saber se têm “capacidade e dever de testemunhar”, um conceito previsto no CPP de Macau. A perícia forense para a avaliação da capacidade e dever de testemunhar é pedida no caso em que se duvida das competências cognitivas da pessoa em causa, explica Ricardo Barroso, ou então com crianças mais novas. “Aquilo que se pede é saber se há a noção, naquela criança, de um conjunto de conceitos básicos, o que é fundamental para se perceber a veracidade das alegações.” Nestas avaliações, o especialista tenta perceber “a fase em que a criança se encontra, se percebe conceitos básicos, como ‘quem, quando, onde, quantas vezes’”. É levada a cabo “uma análise do ponto de vista cognitivo-desenvolvimental”. “Este trabalho faz-se a partir de entrevistas, às vezes até de desenhos, pede-se para contar determinada circunstância, se percebe a sequência. Se ela tiver estas competências cognitivas, tem de contar uma história – a história do abuso – e essa história tem de fazer sentido”, acrescenta o investigador. Ricardo Barroso sublinha que as crianças mais pequenas não relatam “uma história com princípio, meio e fim”, ou seja, há que ir juntando as peças. “Pouco a pouco, vai contar essa história.” A promessa Quando em causa estão crimes que envolvem crianças, as avaliações feitas por psicólogos forenses às alegadas vítimas não se fazem numa única entrevista. “Normalmente, são seis sessões demoradas. Este protocolo de avaliação, normalmente, contempla entre seis e oito consultas”, acrescenta o especialista. O processo de avaliação “envolve avaliar outras pessoas e ter informações de outros avaliadores que não só a criança”. São feitas entrevistas aos pais e a outros cuidadores, e contactos com pessoas que directa ou indirectamente tenham conhecimento do caso, como os professores. “Muitas vezes são os próprios professores que detectam algo estranho na escola e que fazem a denúncia”, contextualiza Ricardo Barroso. “Duvido que, em uma ou duas sessões com a criança, o resultado da avaliação seja muito concreto. Da minha experiência parece-me impossível.” Depois, há ainda o processo de adaptação das crianças ao psicólogo. “As crianças não passam directamente do colo da mãe para o colo do psicólogo, há uma transição. Às vezes pode pedir-se à mãe para vir connosco, entra na sala, enquanto brincamos e conversamos sobre um conjunto de assuntos.” O especialista diz que, na presença dos progenitores, não se toca no motivo que levou a que o processo de avaliação fosse desencadeado. Quando a criança já está mais preparada, “a mãe sai e a criança fica com o psicólogo ou os psicólogos”. É então que se fala do crime, “quando as crianças estão sozinhas”. Em Macau, desconhece-se que tipo de protocolo é aplicado e quem é que o utilizará. Questionado pelo HM sobre a falta de peritos nesta área, o secretário para os Assuntos Sociais e Cultura – que tem na sua tutela serviços que contribuem para o sistema de justiça – deixa uma garantia. “Se se constatar que não há, em Macau, determinadas especialidades e se os serviços respectivos nos comunicarem essa necessidade, o Governo, por certo, encontrará soluções”, diz Alexis Tam. Abuso sexual de crianças aumenta A Polícia Judiciária investigou, nos últimos cinco anos, 199 casos de crimes de natureza sexual. A violação é o delito mais comum: de 2012 a 2016, chegaram à PJ queixas sobre 88 casos. De acordo com as estatísticas fornecidas, segue-se a coacção sexual, com 42 ocorrências. Depois, está o abuso sexual de crianças, com 29 casos contabilizados, sendo que 11 dizem respeito ao ano passado.
Hoje Macau Manchete PolíticaInformações fiscais | Portugal e Macau ainda não assinaram acordo Portugal e Macau ainda não chegaram a acordo sobre a troca de informações fiscais, medida que tem de começar a funcionar a partir de 1 de Julho deste ano. A legislação sobre essa matéria já deu entrada na Assembleia Legislativa, mas ainda não foi agendada a data para votação na generalidade [dropcap style≠’circle’]U[/dropcap]ma semana depois de Macau ter anunciado a intenção de começar a trocar informações fiscais com Portugal a partir do dia 1 de Julho, o Governo português disse ontem que a matéria “não é urgente” e ainda não há uma data para o acordo. “O que nos informaram é que havia empenho da região de Macau no processo relativo às trocas de informações no âmbito da norma comum da OCDE. Também nos foi dito que não tinham sido concluídos os procedimentos do lado de Macau, portanto a República Portuguesa reafirmou a sua disponibilidade para o fazer”, disse aos jornalistas em Macau o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Fernando Rocha Andrade. “Não é uma questão para nós de muita urgência e, portanto, continuamos disponíveis para assinar, para chegar a um acordo”, acrescentou. Fernando Rocha Andrade esteve ontem em Macau em visita oficial, depois de ter assinado um acordo bilateral de troca de informações fiscais com Hong Kong. A 28 de Março, o Conselho Executivo apresentou uma proposta de lei sobre o regime jurídico de troca de informações, sendo que o diploma deu há dias entrada na Assembleia Legislativa. Ainda assim, não está ainda agendado o debate para a sua votação na generalidade. O objectivo é o alinhamento com um padrão acordado pelos membros do G20 e União Europeia, que além da actual troca de informações fiscais a pedido, inclua trocas automáticas e espontâneas. A norma internacional obriga a que o sistema comece a funcionar em 2018, pelo que é necessário Macau começar a recolher informações antes, a 1 de Julho. Ontem Fernando Rocha Andrade esclareceu que “a data, tal como outras questões, depende naturalmente do acordo que vier a ser assinado”. “Do nosso ponto de vista – aliás vamos este ano começar a trocar dados com outras jurisdições – não há nenhum obstáculo em relação a este início”, afirmou. Nacionalidade “não é relevante” Sobre o acordo em negociação, Fernando Rocha Andrade disse que “o facto de ter nacionalidade portuguesa não é relevante”, e que “o que importa é a residência e origem dos rendimentos”. “Quem vive e trabalha em Macau não está sujeito ao IRS português (…) Portanto, Portugal não receberá informação financeira relativamente às pessoas que vivem e trabalham em Macau”, disse. O secretário de Estado deu o exemplo no caso dos portugueses residentes na região chinesa: “Macau recebe informação financeira de Portugal relativamente às contas financeiras em Portugal, e Portugal recebe informação relativamente aos seus residentes, àqueles que residam em Portugal e tenham contas financeiras em Macau”. A agência Lusa questionou as autoridades de Macau mas não obteve uma resposta em tempo útil. Rocha Andrade esteve ontem reunido com representantes do Banco Nacional Ultramarino. Segundo um comunicado, o encontro serviu para ser feita uma “breve apresentação do banco”, numa mera “visita de cortesia”.
Andreia Sofia Silva Manchete SociedadeCCAC concluiu menos investigações. ONU voltou a sugerir lei contra tráfico de influências O CCAC apresentou ontem o seu relatório anual. Os números indicam que menos casos foram investigados e o próprio organismo admite ter deixado na gaveta uma lei sugerida pela ONU: contra o tráfico de influências [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] Convenção da Organização das Nações Unidas (ONU) contra a Corrupção sugeriu que a RAEM deveria criminalizar o tráfico de influências, através da criação de uma lei sobre o assunto. Isto em 2013. Mas o Governo nunca chegou a legislar sobre a matéria. Na última avaliação feita a Macau pela convenção, em Junho e Novembro do ano passado, voltou a ser sugerida a criação desse crime. Estando as coisas neste ponto, segundo o relatório de actividades do Comissariado contra a Corrupção (CCAC), publicado ontem, é sugerido que “a RAEM deve adoptar uma série de medidas no sentido de fortalecer e consolidar a eficácia do funcionamento dos mecanismos anti-corrupção”, tais como a criação de “um novo crime independente para punir os indivíduos que negoceiem com recurso ao tráfico de influências”. Em 2016, o CCAC assumiu não ter ainda legislado o crime de tráfico de influências por não existir uma obrigatoriedade, em termos internacionais, para o fazer, apesar de, em 2013, nas vésperas da última avaliação da ONU, ter chegado a existir uma proposta de lei preparada, que nunca avançou. Este documento deverá continuar silencioso na gaveta, tendo em conta a resposta contida no mais recente relatório de actividades do organismo. “O CCAC irá proceder à análise das sugestões e opiniões em causa, e tomará as mesmas como referência, no sentido de procura de melhoramento dos regimes”, lê-se. Na reunião ocorrida em Viena, Áustria, foi ainda sugerido que “seja adoptado um regime jurídico específico da protecção das vítimas e testemunhas” em casos de corrupção. Aos olhos da ONU, o CCAC deveria adoptar também “um sistema de recolha de dados que permita o levantamento do sigilo bancário em determinados casos”. As recomendações falam ainda da necessidade de alargar o “âmbito da responsabilidade criminal das pessoas colectivas”. Mais serviços públicos envolvidos No que toca a números, segundo o relatório, o ano passado o CCAC recebeu um total de 910 queixas, sendo que 252 casos tiveram natureza criminal e 658 casos natureza administrativa. O problema é que foram concluídas apenas 182 investigações, um decréscimo de 29 por cento face aos 256 casos registados em 2015. Uma das investigações concluídas foi a que envolveu Ho Chio Meng, antigo procurador da RAEM, que actualmente responde em tribunal pela suspeita da prática de mais de 1500 crimes de corrupção e abuso de poder. O CCAC fala de uma maior diversidade de serviços públicos envolvidos nas investigações, sendo que os casos de índole criminal “referiram-se, na sua maioria, a crimes praticados por trabalhadores da Função Pública”. “Em comparação com o ano passado, em que um grande número dos trabalhadores envolvidos pertenciam a corpos disciplinares com funções militarizadas, em 2016 os serviços públicos são mais abrangentes, envolvendo serviços públicos de diferentes áreas”, descreve o CCAC, dando como exemplo o Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais, Serviços de Saúde, Instituto da Habitação (IH), Instituto de Acção Social e Direcção dos Serviços para os Assuntos Marítimos e da Água. Como exemplo, o CCAC fala do caso de um casal de trabalhadores do IH e do gabinete do procurador do Ministério Público que já tinha um apartamento em Zhuhai mas que não o declarou na hora de se candidatar a uma casa do Governo. São ainda relatados casos de fraude para a obtenção de subsídios do Governo, não só por parte das empresas mas também dos próprios trabalhadores. No geral, “destacaram-se os crimes de corrupção na área da adjudicação de obras, bens e serviços da Administração Pública envolvendo situações de conluio entre os suspeitos e pessoas alheias aos serviços que tiraram proveito de lacunas em regimes jurídicos e mecanismos de fiscalização. Esta situação deve merecer grande atenção do Governo e dos seus serviços públicos”, conclui o CCAC. Pelo recrutamento “imparcial” No seu relatório de actividades, o CCAC destaca as falhas existentes ao nível do recrutamento dos funcionários públicos, através de concurso público. “O júri não revelou total compreensão das disposições legais, e não apreciou rigorosamente as condições de candidatura dos candidatos, o que fez com que surgissem vícios processuais nos concursos públicos, e pôs em causa a imparcialidade dos procedimentos de recrutamento”. “O CCAC espera que todos os serviços recrutadores responsáveis pela realização da avaliação das competências profissionais possam executar o seu trabalho de acordo com a lei, e realizar as acções de recrutamento de forma aberta, imparcial e justa”, alerta ainda. Mais casos no privado O relatório de actividades do CCAC dá ainda conta da ocorrência de mais casos de corrupção no sector privado. “Verificou-se um aumento de casos relacionados com o sector privado e uma maior consciência sobre o direito de queixa referente a crimes de corrupção por parte das entidades privadas.” A maioria das situações está relacionada com a gestão dos edifícios habitacionais. “Verificaram-se algumas queixas relacionadas com o conselho de administração dos prédios e empresas de gestão dos mesmos, destacando-se a existência de conflitos complexos entre as empresas de gestão dos prédios, os proprietários e o conselho de administração do prédio. Tal resulta na verificação de que o regime jurídico sobre a gestão predial necessita de um aperfeiçoamento urgente”, aponta o CCAC.
Isabel Castro Entrevista MancheteJason Chao, activista: “Os jovens de Macau são muito mimados” Entra em funcionamento no domingo o projecto Just Macau, a plataforma de Jason Chao para monitorizar as eleições deste ano. Em entrevista ao HM, o ex-presidente da Associação Novo Macau explica por que é mais activista do que político, conta o que esteve na origem da ruptura com Au Kam San e deixa críticas a Ng Kuok Cheong, que é candidato às legislativas, mas não pela organização liderada por Scott Chiang. Faz ainda um retrato da comunidade local, uma sociedade que gostaria que fosse diferente Deixou a Associação Novo Macau (ANM) na semana passada. Depois de 11 anos, qual é a sensação que fica? Não posso negar que a ANM foi uma parte importante da minha vida. Gostei muito do período em que trabalhei para a associação. Mas, depois de uma cautelosa ponderação sobre as necessidades de Macau, percebi que, se continuasse a ser um dos líderes da ANM, iria sentir alguns constrangimentos. A ANM é uma organização política e vai ter membros a concorrer às eleições legislativas. A sociedade de Macau é muito rica, precisa de diversidade e de mais pessoas a desempenharem diferentes papéis. As legislativas são este ano e vou desempenhar um papel na monitorização destas eleições. Em actos eleitorais anteriores, ninguém desempenhou este papel. Várias pessoas ficaram surpreendidas com a sua saída. Alguns académicos e analistas tiveram dificuldade em acreditar na minha decisão, ficaram, de algum modo, surpreendidos. Sei que muitas pessoas foram apanhadas de surpresa. Mas isso também me surpreende: fiquei surpreendido com o facto de as pessoas terem ficado surpreendidas. A razão tem que ver com o modo como se vê o mundo. Quanto maior é o horizonte, maior é a capacidade de perceber as opções. As pessoas de Macau terão, talvez, horizontes pequenos, ao pensarem que se se luta por algo e se se entregam petições, é porque o objectivo é ser eleito deputado ou ter outro tipo de envolvimento no sistema político. É uma forma de pensar muito conservadora. A sociedade local deve começar a ter uma visão mais global. Em Hong Kong, em tantos outros sítios, uma democracia que funciona bem precisa de muitos sectores a trabalharem em conjunto. Os políticos são uma parte do sistema; precisamos de representantes eleitos, mas também precisamos de uma sociedade civil com grupos que possam monitorizar o Governo e os políticos. A surpresa com que a notícia foi recebida terá que ver com o facto de as pessoas pensarem que é um político. Podemos dizer que é, acima de tudo, um activista? Noutras situações, defini-me como activista. É difícil encontrar uma definição concisa para o termo ‘político’, em cantonês a palavra carrega uma conotação negativa. Mas sempre me posicionei como activista. Há quatro anos, quando me candidatei à Assembleia Legislativa (AL), disse nas entrevistas aos media que mantinha a minha posição. O modo como me candidatei teve como objectivo apresentar aos cidadãos a minha plataforma. Se os cidadãos entendessem que eu merecia um assento na AL para implementar o meu programa político, deveriam então eleger-me. O que não aconteceu. Não aconteceu. Essa lógica, essa ideia, não funcionou em Macau. O eleitorado de Macau é mais conservador, continua a valorizar a imagem dos candidatos e as relações interpessoais. Sei que há pessoas mais capazes na ANM que devem candidatar-se às legislativas. Eu devo usar as minhas forças e não as minhas fraquezas no meu compromisso com a coisa pública. Embora alguns possam lamentar a minha saída, e acharem que estou a desistir de tudo, isso não é verdade. O único objectivo da minha participação nas actividades da ANM foi fazer de Macau um local melhor, um local mais em consonância com as práticas internacionais. Continuo no mesmo caminho. Ser eleito ou não nunca foi a principal meta, mas sim um meio. Tivemos muitas discussões na ANM por causa desta questão. Havia uma confusão entre objectivos e meios. O objectivo dos activistas ou dos membros da ANM deve ser propor ideias políticas; tentar um assento na AL é apenas um meio e não um fim. Não devemos confundir isto. Até académicos ficaram surpreendidos com a minha decisão – diria que seguiram a forma de pensar dos cidadãos comuns de Macau. Mas eu não sou um residente de Macau comum, sou marginalizado, não estou no ‘mainstream’. Se assumem que o meu objectivo no envolvimento com os assuntos públicos é conquistar um assento na AL, terão provavelmente feito assunções erradas acerca do meu carácter. Tem muitos anos de trabalho na ANM e contribuiu, de forma significativa, para mudanças profundas na associação. Até aparecer, Au Kam San e Ng Kuok Cheong eram a Novo Macau. Chegou com novas ideias e uma forma de estar diferente. O que é que aconteceu com Au Kam San? É uma questão muito interessante. Em termos gerais, posso dizer que quanto mais se trabalha em conjunto, mais diferenças se descobrem. As diferenças atingiram um ponto em que já não havia forma de construir uma ponte entre o fosso. Decidiu deixar a associação porque não tinha qualquer influência na direcção da ANM. Houve vários pontos de viragem desde que assumi a presidência. Acho que o primeiro momento teve que ver com a proposta para a chamada reforma política, o “+2+2+100” [em 2012]. Naquela altura, os líderes mais jovens da ANM entendiam que era preciso criticar também o campo tradicional – as organizações que iriam beneficiar com a proposta. Já Au Kam San e Ng Kuok Cheong insistiram que se devia criticar apenas o Governo por não estar a fazer uma consulta pública imparcial. Mas nós sabíamos que, nesse aspecto, havia uma cooperação entre o campo tradicional e o Executivo. Era inútil criticar apenas o Governo e não incluir também aqueles que fazem a opinião pública. Foi então que começámos a ficar divididos. O segundo ponto de viragem teve que ver com os direitos LGTB. Ng Kuok Cheong e Au Kam San têm tendência para serem muito conservadores. Mas, para minha surpresa, apesar de Ng Kuok Cheong ser católico, Au Kam San é ainda mais conservador. Não havia forma de contornar esta diferença. A divisão começou a aumentar de tal modo que não havia forma de a resolver. Não foi minha intenção – a minha função era lançar acções externas à ANM, lutar por direitos na sociedade. Criar conflitos internos não é a minha forma de trabalhar, mas aconteceu. Quando há pessoas que nos atacam dentro das estruturas, tem de se dar resposta. No início, não respondi bem mas, quando Sulu Sou foi eleito, tentaram tirar-me dos cargos que ocupava. Os membros mais novos tiveram de dar as mãos para se defenderem dos ataques irrazoáveis. Defendemos não só as nossas posições, mas também as nossas ideias e o modo como fazemos as coisas. E Ng Kuok Cheong? Não abandonou a Novo Macau, mas já não é tão próximo quanto era. Sim. É uma pessoa muito interessante. Numa fase inicial, disse-nos que queria manter uma boa relação com Au Kam San, pelo que iria ter o seu gabinete de deputado juntamente com ele, mas continuaria a participar nas reuniões da ANM e responder à direcção da associação. No entanto, na semana passada, mesmo antes de deixar a ANM, recebi uma mensagem oficial da direcção. Ng Kuok Cheong tinha dito aos jornalistas que a sua candidatura este ano estava dependente do seu estado de saúde, disse que ia ver “como Deus decidia”. Duas semanas antes, contou a um dos membros da associação que o médico lhe tinha dito que estava bem, dando a entender que iria recandidatar-se. Os líderes da ANM abordaram-no e perguntaram-lhe se se juntava à Novo Macau. Disse que não, que queria candidatar-se em conjunto com Au Kam San. Ng Kuok Cheong e Au Kam San são parceiros políticos há muitos anos. O argumento que usou não tem qualquer lógica. Disse que, de modo a poder usar o mesmo gabinete de Au Kam San, não iria utilizar os recursos da Novo Macau para tentar a reeleição. Mas não é compreensível, atendendo à relação que ambos mantêm? Do ponto de vista político, percebemos o que estava a acontecer. Na minha perspectiva, foi um argumento tonto. Será que não poderia ter arranjado uma desculpa melhor? Para esta falta de entendimento entre os mais velhos e os mais novos, não poderá ter contribuído o facto de haver um choque geracional? Não houve uma geração pelo meio para fazer a ponte. Concordo plenamente. É interessante a justificação para este fenómeno. Há várias explicações para esta falha de 20 anos. Uma delas é a absorção, pela Função Pública, de intelectuais e das elites na década de 1990. Quando a ANM começou, atraiu intelectuais e profissionais de diferentes áreas para se tornarem membros. Mas, mais cedo ou mais tarde, essas pessoas deixaram de ter uma participação nas actividades da associação. Gradualmente, passaram a fazer parte da Administração. Au Kam San e Ng Kuok Cheong eram as duas pessoas que representavam a ANM nas eleições e no Leal Senado. Compreendo perfeitamente que a sociedade civil seja fraca. Não existem programas de formação política para fazer com que os membros jovens das associações possam suceder aos mais velhos. Numa associação fraca como a ANM, somos nós que levamos o nosso conhecimento e capacidades para contribuirmos para a organização e para a sociedade, em vez de aderirmos e recebermos formação. Depende da nossa motivação para nos envolvermos com assuntos públicos e do quão preparados estamos. Quando lidamos com questões jurídicas, somos nós que vamos ver as leis. Claro que também temos consultores, mas a dependência em relação a estes apoios é reduzida pela nossa preparação. Mas estamos a mudar: antes de sair da ANM, fizemos workshops e seminários para os nossos voluntários. Onze anos depois, a sociedade de Macau é diferente. A sociedade de Macau transformou-se, mas se vai ou não na direcção certa já é outra questão. Vemos que as pessoas da nossa idade tiveram esta experiência do boom económico e muitas oportunidades relacionadas com a economia. A maioria dos meus colegas de liceu casou e comprou um apartamento, algo com que não sonham sequer pessoas desta geração que vivem noutras regiões. Os jovens da nossa geração são como os de Hong Kong no início dos anos 1980. Estamos a beneficiar do boom económico e, de forma bastante tradicional, os jovens de Macau têm tendência para prestar mais atenção às obrigações familiares: casarem, criarem os filhos, organizarem uma família. A ideia de que as pessoas de Macau adoram estabilidade está bastante entranhada no ADN dos residentes. A maioria dos pais encoraja os filhos a arranjar um emprego na Administração. Em Hong Kong, o ambiente encoraja a competição, o autodesenvolvimento, negócios que permitam ganhar muito dinheiro. É esta a mentalidade de Hong Kong, que não me parece que se aplique em Macau. Os jovens daqui querem encontrar um emprego que seja suficiente estável e que dure toda a vida. Os jovens de Macau têm medo da competição? Não digo apenas medo – não são capazes de competir. Os jovens de Macau são muito mimados! Temos oportunidades em demasia. É por isso que temos este ambiente de discriminação em relação às pessoas que vêm de fora e que se vê até na AL, com deputadas jovens como Song Pek Kei e Ella Lei? Diria que é apenas um dos factores. A residência de Macau é um sistema muito fechado. Não é aberto à migração, como em Hong Kong. Os detentores de ‘bluecard’, mesmo que trabalhem aqui durante muitos anos, não são considerados cidadãos de Macau. Além disso, a sociedade de Macau é muito conservadora. Há imigrantes do Sudeste Asiático que estão cá há mais de 20 anos, sem qualquer apoio social. O acesso à saúde custa o dobro do preço para os residentes, a escola para os filhos também. Isto é uma sociedade justa? Estamos a tocar no ponto essencial. A justiça e o primado da lei não são os valores principais da sociedade de Macau. São defendidos por uma mão cheia de intelectuais e jornalistas, não é algo que seja uma preocupação da maioria da população de etnia chinesa. É um facto. Publiquei uma análise sobre esta situação e diria que o único valor real das pessoas de Macau é o interesse colectivo. Os políticos têm de trabalhar para esse interesse colectivo para serem reconhecidos. Que tipo de interesse colectivo? Dou um exemplo: as oportunidades de emprego ou o proteccionismo na obtenção de trabalho. É um interesse colectivo. O que espera, em termos gerais, das eleições deste ano? É difícil dizer. Há um aumento do eleitorado jovem, mas vamos ver se aparecem para votar. Como estou à frente de um sistema de monitorização e como pretendo geri-lo de forma imparcial, não devo pronunciar-me sobre candidatos. Mas o resultado da eleição directa será uma representação da sabedoria colectiva dos residentes de Macau. Se virmos serem eleitas pessoas de quem não gostamos ou que achamos que não merecem estar na AL, não devemos culpar os candidatos, mas sim quem votou neles. Vamos ver o que vai acontecer. Tem uma equipa? Vou ser director deste projecto. Vou liderar uma mão cheia de voluntários que vão ajudar-me a recolher informação. Para ser imparcial, tenho de manter distância em relação a outros grupos. Não é uma tarefa fácil manter essa imparcialidade quando em causa está a ANM. Sei que há especulações em torno disso, mas vamos ver. É difícil convencer quem quer que seja fazendo apenas promessas, mas o meu trabalho vai demonstrar a minha imparcialidade.
Andreia Sofia Silva Manchete PolíticaLei de Terras | Chefe do Executivo apoia decisão do presidente da AL Chui Sai On reagiu num comunicado à rejeição da proposta do deputado Gabriel Tong, que propôs uma nova interpretação da Lei de Terras. José Pereira Coutinho considera “inútil” a audição que está a ser feita às gravações das reuniões que analisaram o diploma na especialidade [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Chefe do Executivo “apoia” o despacho do presidente da Assembleia Legislativa (AL), do passado dia 10 de Março, em que Ho Iat Seng “rejeita liminarmente” a proposta apresentada por Gabriel Tong sobre a norma interpretativa que o deputado gostaria que fosse feita a um dos artigos da Lei de Terras. O apoio de Chui Sai On a Ho Iat Seng foi manifestado numa nota à imprensa enviada pelo gabinete do porta-voz do Governo. No mesmo comunicado, recorda-se que, de acordo com a Lei Básica, a apresentação de projectos de lei por deputados à AL que envolvam políticas do Governo deve obter consentimento prévio e escrito do Chefe do Executivo. De frisar que Gabriel Tong, também director da Faculdade de Direito da Universidade de Macau, é um dos sete deputados nomeados pelo Chefe do Executivo. Ouvir gravações é “inútil” Ainda este mês ficará concluído o processo de audição das gravações das reuniões da comissão permanente onde foi analisada, na especialidade, a proposta relativa à Lei de Terras. Para o deputado José Pereira Coutinho, “é inútil ouvir as gravações”, disse ao HM. “É apenas uma forma de, por um lado, satisfazer uma parte da sociedade a fim de resolver o problema do Pearl Horizon, e por outro lado dar seguimento ao que o presidente da Assembleia Popular Nacional (APN) da República Popular da China disse, aquando do encontro com os deputados da APN.” “[O presidente da APN disse que] dois dos principais problemas que Macau enfrenta, e que o Governo deveria resolver, têm a ver com os terrenos e com os transportes. Os terrenos e os transportes são matéria crucial e têm criado enormes problemas para a população. O presidente da AL, ao decidir pela audição das gravações, deu seguimento à proposta do presidente da APN, de que Macau tem de resolver os problemas por si próprio”, acrescentou Coutinho. Para o deputado e presidente da Associação dos Trabalhadores da Função Pública de Macau (ATFPM) , a posição de Ho Iat Seng foi apenas no sentido de “dar seguimento ao que tem sido feito, porque ouvir as gravações é inútil”, volta a frisar. “Mesmo que tivessem dado razão a alguns deputados, esta lei nunca deveria ser alterada, porque a proposta é do Governo.” Coutinho continua confiante na reunião que será agendada com o Chefe do Executivo, conforme noticiou o HM esta semana. “Os problemas dos terrenos têm de ser resolvidos de acordo com a Lei de Terras, que não é para mexer, e tem de se encontrar uma solução, que é aquela que tínhamos proposto há mais de um ano, que o terreno deve ser alvo de concurso público e o Governo, no caderno de encargos, deve proteger os investidores”, rematou o deputado.