Justiça | Manuela António alerta para falta de transparência  

A falta de transparência na justiça é o problema maior do sector. A advogada Manuela António salienta a necessidade de um melhor entendimento entre advogados e magistrados

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] maior problema da justiça local é a forma de relacionamento entre os seus intervenientes, nomeadamente entre magistrados e advogados. A constatação foi feita por Manuela António, à margem de uma conferência sobre a protecção de dados pessoais, iniciativa que assinala a comemoração dos 30 anos do escritório da advogada.

Para Manuela António, as relações no seio do sistema judicial passaram de “excelentes” a “distantes”, o que coloca questões no que respeita à transparência no sector.

“Quando comecei a advogar em Macau, as relações entre magistrados e advogados eram excelentes, de um grande respeito e reconhecimento recíprocos. Hoje as portas dos tribunais, e sobretudo dos magistrados, estão completamente fechadas para os advogados”, lamenta.

A advogada não compreende a distância dos magistrados relativamente aos causídicos, “porque os advogados têm uma experiência e uma cultura de um bom e respeitoso relacionamento com os magistrados e não é salutar o que se está a passar”. “É necessário definir uma estratégia clara ao nível da justiça e da forma como a querem tratar em Macau”, remata.

Ainda assim, Manuela António considera que os problemas de relacionamento entre as partes são mais um obstáculo na história do sector em Macau e que, como tem acontecido, poderá ser eficazmente resolvido.

A par da transparência, a advogada não deixa de mencionar outros problemas na área da justiça. “Há problemas de morosidade, de pouca independência, sobretudo relativamente à Administração”, explica, sem deixar de referir a escassez de recursos humanos que ameaça a prossecução da boa e rápida justiça.

Ho Chio Meng: Tempo para tudo

Manuela António acha surpreendente que “Ho Chio Meng tenha tido tempo, sem que ninguém à sua volta tenha dado conta, para cometer mais de 1500 crimes”. Relativamente ao facto de a defesa do ex-procurador ter visto ser recusada a confiança do processo, Manuela António considera que é mais um facto “lamentável”. “Não se compreende porque é que os tribunais podem ter o tempo que entendem para tomar as suas decisões, e que muitas vezes ultrapassa os prazos legais, e que a defesa tenha de cumprir os prazos e sem acesso ao exercício dos seus mais elementares direitos.” A situação, na perspectiva de Manuela António, reforça a desigualdade entre os agentes da justiça. “Todos têm prazos para praticar os seus actos. As partes, quando não os praticam dentro dos prazos, perdem o direito aos actos. Os magistrados não perdem o direito e praticam-no sem qualquer consequência”, explica.

GPDP: Não há datas para comissariado

A conferência de ontem, subordinada ao tema da protecção de dados pessoais, foi marcada pela ausência de agenda no que respeita a uma revisão do diploma actual e para a passagem do Gabinete de Protecção de Dados Pessoais (GPDP) a comissariado. Acerca da legislação, Vasco Fong, director do GPDP, reitera que “ao fim de mais de dez anos da entrada em vigor do diploma em causa, há alguns aspectos que se revelam insuficientes em relação à realidade com a qual temos de lidar”. “Se tiverem reunidas as condições, não se afasta a possibilidade de se avançar com um projecto de revisão da lei”, diz. No entanto, não há planos concretos e tudo depende de várias condições, em que se incluem os recursos humanos do gabinete e da agenda legislativa”. O mesmo acontece com a passagem do gabinete a comissariado, em que “depende da agenda do Governo”. “O diploma está basicamente concluído e tudo depende do Governo. Posso dizer que o diploma está concluído.” Relativamente aos desafios no que respeita à protecção de dados, Vasco Fong considera que “são grandes” e que, “com o aperfeiçoamento e introdução de equipamentos mais sofisticados, a vida está mais facilitada, mas os seres humanos passam também a estar controlados por estes equipamentos”.

18 Nov 2016

EUA | Senadores republicanos querem lei que puna a China

Primeiro foi uma comissão do Congresso, depois dois senadores. Os dias conturbados que se vivem na antiga colónia britânica são motivo de preocupação em Washington. Pequim só já pensa em Trump

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]s senadores norte-americanos Marco Rubio e Tom Cotton apresentaram esta semana uma proposta de legislação que visa punir quem tente restringir a democracia em Hong Kong.

A Lei da Democracia e dos Direitos Humanos de Hong Kong irá “renovar o compromisso histórico dos Estados Unidos com a liberdade e a democracia em Hong Kong, numa altura em que a sua autonomia tem vindo a ser colocada cada vez mais em causa”, defendeu Cotton, num comunicado reproduzido pelas agências internacionais de notícias.

Com esta proposta, pretende-se definir “medidas punitivas contra as autoridades de Hong Kong ou da China Continental responsáveis por atentarem contra a liberdade” na antiga colónia britânica, “especialmente no caso dos sequestros de certos editores e livreiros”.

A legislação – que tem ainda de ser aprovada – irá, entre outros aspectos, servir para pedir ao Presidente norte-americano que identifique aqueles que foram responsáveis pela “vigilância, sequestro, detenção e confissões forçadas” de editores e jornalistas de Hong Kong. O objectivo é congelar bens que possam ter nos Estados Unidos e impedir que entrem no país.

Tom Cotton considera que os Estados Unidos devem liderar o mundo no que diz respeito às exigências em relação à China: Pequim tem de cumprir o acordo supranacional sobre a autonomia de Hong Kong que firmou com o Reino Unido.

“A lei irá dar poderes ao Presidente para que Pequim seja responsabilizado, e enviar uma mensagem forte às autoridades chinesas que tentam acabar com a liberdade em Hong Kong e violam os compromissos sem que haja quaisquer consequências”, sublinhou o republicano.

Para o senador, as grandes vantagens da antiga colónia britânica estão a ser desperdiçadas pelo Governo Central: “A identidade única, a tradição de liberdade, o Estado de Direito e a economia de mercado podem ser um modelo para a China, para que seja um actor mais importante no mercado internacional”.

Marco Rubio encontrou-se esta semana com o activista pró-democrata Joshua Wong (ver texto nestas páginas), nos Estados Unidos, e teceu elogios ao papel que o jovem de 20 anos tem desempenhado “na luta pela democracia”.

“Joshua Wong é um jovem impressionante que, juntamente com os seus colegas activistas, representa o futuro de Hong Kong – um futuro que não pode seguir o caminho do autoritarismo falhado e do partido único de Pequim”, atirou o senador republicano.

Rubio acrescentou que, nos últimos tempos, o Governo Central chinês tem colocado em causa o princípio “um país, dois sistemas” e violado a liberdade dos residentes da região administrativa especial, um direito que devia estar garantido.

“Isto foi revelado no último ano através do sequestro dos editores de Hong Kong e com o que aconteceu com o juramento na sequência das eleições legislativas de Setembro”, apontou. “E culminou na semana passada, com a intervenção sem precedentes de Pequim no sistema legal de Hong Kong, que impede dois deputados democraticamente eleitos de ocuparem os seus assentos.”

Mau para a economia

A iniciativa legislativa dos dois senadores republicanos acontece na semana em que um painel do Congresso norte-americano apresentou um relatório sobre um “alarmante aumento” da ingerência da China em Hong Kong – o documento levanta mesmo questões sobre a continuidade do território enquanto plataforma financeira em termos mundiais.

A comissão do Congresso responsável pela elaboração do relatório reflecte, sobretudo, o sequestro e detenção dos cinco livreiros que trabalhavam na antiga colónia britânica, dando ainda destaque ao que entende serem as pressões nos media e na liberdade académica.

No documento de 33 páginas defende-se uma investigação do Departamento de Estado sobre a autonomia e a liberdade em Hong Kong, sugerindo-se ainda um acompanhamento da situação por parte do Congresso.

“O posicionamento tradicional de Hong Kong enquanto centro financeiro tem implicações económicas importantes para os Estados Unidos, uma vez que as relações comerciais e os investimentos entre ambas as partes são substanciais”, salientam os autores do relatório.

No que diz respeito aos livreiros, a comissão escreve que “o incidente ameaçou a manutenção do princípio ‘um país, dois sistemas’”, acrescentando que as eleições de Setembro passado para o Conselho Legislativo aconteceram num clima de receio em relação a uma “alarmante interferência do continente em Hong Kong”.

O documento foi apresentado numa altura sensível das relações entre Pequim e a antiga colónia britânica. Esta semana, o Supremo Tribunal da região deu razão à reivindicação do Governo de C.Y. Leung sobre os dois deputados eleitos pró-independentistas que não cumpriram os requisitos do juramento – não vão poder tomar posse. A decisão do tribunal de Hong Kong vai ao encontro da interpretação da Lei Básica que já tinha sido feita pelo Comité Permanente da Assembleia Popular Nacional.

Hong Kong já reagiu ao relatório – as autoridades da região pedem que os países estrangeiros se abstenham de interferências nos assuntos internos do território.

Mais amigos

Entretanto, nos Estados Unidos, o embaixador chinês no país defendeu que Pequim e Washington devem evitar suspeitar das intenções estratégicas um do outro, numa mensagem que é já dirigida à presidência de Donald Trump.

O republicano vencedor das eleições do passado dia 8 não foi meigo em relação à China durante a campanha eleitoral – os analistas entendem que será bem provável que mude de atitude quando chegar à Casa Branca.

Para já, fica a declaração do diplomata Cui Tiankai: é importante construir o consenso e identificar prioridades comuns. “Temos de fazer esforços maiores para promover o entendimento mútuo e temos de ser cuidadosos para evitar suspeitas acerca das intenções de cada país”, vincou.

“É inevitável que surjam problemas e desafios nos próximos quatro anos, mas acredito que, em termos gerais, no geral, a relação vai avançar de forma estável pelo caminho certo”, acrescentou o embaixador.

Donald Trump e o Presidente Xi Jinping falaram no início desta semana ao telefone. O líder chinês defendeu que a cooperação é a única hipótese para as duas maiores economias do mundo, com Trump a comentar que ficou criado um “mútuo respeito claro”.

Como terá acontecido um pouco por todo o mundo, a eleição do republicano gerou incertezas em Pequim, onde também se preparam mudanças ao nível da liderança política.

Para já, e enquanto Trump não assume o cargo para se ver qual será a estratégia em relação ao país, os Estados Unidos vão mostrando a Pequim que há um lado da China que estão dispostos a contestar.

O recado de Joshua a Trump

O jovem activista pró-democracia de Hong Kong Joshua Wong instou o Presidente eleito norte-americano a apoiar os direitos humanos na antiga colónia britânica, com o argumento de que estão sob ameaça de Pequim.

“Sendo um empresário, espero que Donald Trump possa conhecer a dinâmica em Hong Kong e saiba que, para manter os benefícios do sector empresarial em Hong Kong, é necessário apoiar plenamente os direitos humanos para manter a independência judicial e o Estado de direito”, afirmou.

Wong falava num evento em Washington, no Capitol Hill, organizado pelo painel do Congresso norte-americano que monitoriza os Direitos Humanos na China.

Em 2014, Joshua Wong, na altura com 17 anos, foi o rosto dos protestos em prol do sufrágio universal em Hong Kong, que culminaram na ocupação durante 79 dias de algumas zonas da cidade. Já este ano, foi co-fundador do partido Demosisto, que defende um referendo sobre a “autodeterminação” e o futuro estatuto da região.

O jovem activista disse ainda que a comunidade internacional tem a responsabilidade moral de “manter os olhos em Hong Kong”, alegando que o Governo Central está a atacar as liberdades consagradas no acordo que sustentou a transferência de administração.

Joshua Wong afirmou também que os sete milhões de habitantes de Hong Kong merecem a democracia.

18 Nov 2016

Governo tem 36 estudos em curso, DSPA lidera lista

O relatório das Linhas de Acção Governativa para 2017 revelou, pela primeira vez, o número de estudos que estão a ser efectuados pela Administração. São 36 no total, sendo que alguns arrancaram há alguns anos. Os Serviços de Protecção Ambiental lideram, com oito projectos por concluir

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] população ficou finalmente a saber quantos estudos está o Governo a efectuar no total. O relatório das Linhas de Acção Governativa (LAG) para o próximo ano contém uma novidade em relação ao documento de 2016: especifica quantos estudos estão a ser efectuados por todos os departamentos públicos. No total são 36 os estudos que faltam concluir, não tendo sido revelados os valores gastos com estas análises, muitas delas realizadas por empresas de consultadoria.

Em primeiro lugar surge a Direcção dos Serviços de Protecção Ambiental (DSPA) com um total de oito estudos por finalizar, sendo que muitos deles dizem respeito a políticas a adoptar até 2020. A DSPA está a estudar a revisão intercalar do planeamento da protecção ambiental de Macau desde 2010, bem como a estudar a realização de um inquérito sobre a qualidade dos serviços de limpeza urbana e transporte de resíduos.

Está ainda a ser estudada a viabilidade da expansão da central de incineração dos resíduos sólidos ou a viabilidade da construção de uma estação de tratamento de águas residuais com gorduras e óleos alimentares. Além do estudo ao tratamento do ambiente da zona costeira da areia preta e dos resíduos alimentares, a DSPA está ainda a realizar um “estudo complementar das fontes de poluição sonora e respectivas políticas de controlo”.

Chutar para a frente

Para o deputado José Pereira Coutinho, “criou-se uma cultura de estudos e pareceres externos, usando abusivamente o erário público, enquanto forma de atrasar a tomada de decisões ou de desresponsabilizar governantes pela tomada de decisões”.

Ao HM, o deputado defendeu que, “no geral, e olhando também para a DSPA, são demasiados os estudos realizados neste momento, tendo em conta que não estamos a ver que Macau tenha aproveitado o melhor possível desses estudos e que haja melhorias em termos de qualidade ambiental”.

Coutinho defende mesmo a criação de um portal, no âmbito dos Serviços de Administração e Função Pública (SAFP), que contenha todos os estudos em realização. “Muitas vezes há estudos concorrentes, estudos de diversas entidades para a mesma finalidade. Seria importante que o Governo publicitasse os estudos que foram encomendados e qual é o valor de cada um. Em termos de transparência governativa é importante que o Governo crie um portal para os estudos, no âmbito dos SAFP.”

GIT em segundo lugar

O Gabinete de Infra-estruturas de Transportes (GIT), que deverá ser extinto no próximo ano em prol da criação de uma empresa pública que venha a gerir o metro ligeiro, está em segundo lugar na lista de estudos por concluir, com um total de cinco. Todos eles dizem respeito ao metro ligeiro, estando a ser analisado o fluxo de passageiros, os benefícios socioeconómicos e a viabilidade da linha de Seac Pai Van, Hengqin e ligação leste entre Macau e Taipa.

Na terceira posição surge o Gabinete para o Desenvolvimento de Infra-estruturas (GDI), com quatro grandes estudos, que se debruçam sobre a quarta travessia entre Macau e Taipa e a sua viabilidade de construção, sem esquecer a ponte Hong Kong-Zhuhai-Macau.

Com igual número de estudos está a Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego (DSAT), que está a analisar a “qualidade do serviço de táxis”, a optimização dos cruzamentos com semáforos nos bairros da Areia Preta e Iao Hon e a criação de um sistema de controlo do tráfego centralizado.

Organismos como o Instituto de Habitação (IH), que está a pensar sobre as “necessidades de habitação”, os Serviços de Correios ou o Gabinete para o Desenvolvimento do Sector Energético estão no fim da tabela, com apenas um estudo por concluir. A Autoridade de Aviação Civil está a avaliar a “viabilidade de liberalização do transporte aéreo de Macau”, pedido há muito feito por vários sectores e deputados.

18 Nov 2016

Metro ligeiro | Travessia na orla costeira será mais fácil de executar  

Chui Sai On admitiu a construção do metro ligeiro na península apenas junto à orla costeira. Ainda que não haja uma decisão oficial, dois arquitectos defendem que seria uma solução mais fácil de concretizar

[dropcap style≠’circle’]F[/dropcap]oi uma hipótese deixada em aberto na última conferência de imprensa após a apresentação do relatório das Linhas de Acção Governativa (LAG) para 2017. O Chefe do Executivo, Chui Sai On, admitiu que o segmento do metro ligeiro na península de Macau poderá fazer-se apenas pela orla costeira e não pelo centro da cidade. Dois arquitectos contactados pelo HM consideram que esta até pode ser a solução mais viável, resolvendo igualmente os problemas de tráfego.

Dominic Choi, presidente da entidade Arquitectos sem Fronteiras, esteve ligado à concepção de algumas estações de metro no segmento da Taipa e considera que “há algumas questões técnicas a ter em conta quanto à construção do metro ligeiro no centro da cidade”. “Penso que não será possível termos o percurso do metro ligeiro no centro da cidade, a não ser que seja subterrâneo”, adiantou.

“No centro não é tecnicamente possível construir o metro ligeiro e isso iria trazer um grande congestionamento. Se olharmos para a península, a parte mais fácil para construir seria junto à orla costeira, porque existe a passagem de transportes públicos e serão desenvolvidos novos aterros. Do ponto de vista do planeamento, penso que as pessoas poderiam, no centro da península, usar outros meios de transporte, como autocarros ou até bicicletas, por forma a reduzir o tráfego e o congestionamento”, defendeu.

Dominic Choi considera que a construção junto à orla costeira vai servir residentes e turistas. “Para muitos moradores de certas áreas será difícil chegar ao metro ligeiro. Em Hong Kong, por exemplo, o sistema do metro já chega a muitas áreas da cidade mais remotas, e aí as pessoas têm de lá chegar através de carro ou autocarro. Não será possível ter um sistema de metro ligeiro que possa chegar a todas as pessoas. Se os turistas utilizarem o sistema do metro ligeiro isso já vai aliviar a pressão do centro da cidade. Ainda assim, há muita gente a residir junto à orla costeira, então um metro ligeiro junto do rio não ficará assim tão afastado das pessoas.”

Decisão “está tomada”

Para o arquitecto Miguel Campina a decisão final, que está prometida até Dezembro, há muito que está tomada. “Nesta altura o Chefe do Executivo já sabe muito bem o que foi decidido, basta apenas escolher a melhor altura para o anunciar. É a chamada gestão do tempo em política. As questões técnicas já foram levantadas há muito tempo”, referiu ao HM.

Miguel Campina considera que a construção junto à orla costeira “será mais fácil de executar do ponto de vista técnico”. “É estranho que se passe a usar um meio de transporte de massas com duas características distintas, mas é preferível encontrar uma solução mista, que melhor sirva os interesses dos residentes em termos de mobilidade, do que apenas uma que sirva os turistas.”

O arquitecto lamenta que se tenha demorado tanto tempo com um projecto desta natureza. “Já é mais do que altura de tomarem uma decisão. Vão evocar novamente os constrangimentos que existem por via das características específicas do tecido urbano de Macau, sobretudo as dificuldades relacionadas com a falta de dimensão das vias, densidade de construção, qualidade do solo e subsolo. O que pensávamos é que já tivessem sido feitos os estudos suficientes para encontrar as soluções ideais em termos de mobilidade”, concluiu.

Após a apresentação das LAG, Chui Sai On reuniu com os jornalistas e o metro ligeiro acabou por ser uma das grandes questões levantadas. “Não há um cancelamento total do metro em Macau. Em pormenor, depende das opiniões e dos estudos. Vamos finalizar a parte da Taipa e, depois, fazer a ligação a Seac Pai Van, à Ilha da Montanha. A partir daí vamos estudar: se é pela orla costeira, se é [seguindo] outras soluções”, disse o líder do Governo.

18 Nov 2016

DocLisboa | O Chá Gordo de Catarina Cortesão Terra e Tomé Quadros

Fazem documentários sobre Macau porque é neste exercício onde a realidade toca a ficção que vão, também eles, pensando na cidade onde vivem. Catarina Cortesão e Tomé Quadros encontraram no chá gordo a formação de uma comunidade de fusão, o tempo do território. Para que a memória, que ainda existe, se viva já.

[dropcap]“C[/dropcap]há Gordo de Memórias” é apresentado hoje ao final da tarde no âmbito da extensão a Macau do DocLisboa, uma iniciativa organizada pelo Instituto Português do Oriente. Não é o vosso trabalho mais recente.
Catarina Cortesão (C.C.) – Não, não é. Este documentário foi feito no âmbito do Macau DocPower, com o apoio do Centro Cultural, em 2013/2014. Pelo facto de haver tempos muito curtos para a apresentação da ideia, filmagem e edição, dentro dessas limitações e do apoio que nos deram, iniciámos o projecto sobre o chá gordo. Começámos a fazer a nossa pesquisa, começámos a falar com vários intervenientes da comunidade macaense para nos informarmos sobre quem eram os grandes cozinheiros. Munimo-nos do nosso conselheiro, Fernando Sales Lopes, que estuda a gastronomia macaense há vários anos – tem uma tese de mestrado, é um investigador ligado a essa área, na vertente da gastronomia macaense como sinal identitário da própria comunidade. Tivemos várias conversas com ele, foi-nos apontando caminhos, também construímos os nossos. Fomos vendo quem eram os cozinheiros mais emblemáticos – Aida de Jesus, Graça Pacheco Jorge, Rita Cabral, Carlos Cabral, Cíntia Conceição Serro. Destas conversas que fomos tendo, mais questões foram surgindo em relação à gastronomia macaense e o projecto cresceu. E cresceu numa determinada direcção.

E que direcção foi essa?
C.C. – Não queríamos fazer uma mera peça jornalística, esclarecedora do que é o chá gordo dentro da gastronomia macaense – pelo contrário, queríamos fazer uma narrativa fílmica a partir da mesa do chá gordo, onde estão os principais pratos da gastronomia macaense. Olhamos para a mesa do chá gordo, que é extensa, e nela vemos definidos não só o percurso e o que é a comunidade macaense, mas também o percurso dos portugueses até chegarem a Macau. Verifica-se o uso de ingredientes de Malaca, de Goa, de Angola, de Moçambique, e modos de confecção que, por sua vez, reflectem a aliança entre a cultura portuguesa gastronómica com a cultura chinesa, que também é bastante marítima. Daqui nasceu a primeira gastronomia de fusão, que é a gastronomia macaense.

Dizia que, quando se olha para a mesa do chá gordo, vê-se a comunidade.
C.C. – Vê-se a comunidade e a história de Macau dos últimos 300 ou 400 anos. Isso é muito notório logo na primeira percepção e mais ainda quando se tenta saber de onde vêm os pratos e se fala com as cozinheiras, quando elas apresentam os livros de receitas. São autênticos tesouros, na medida em que vão circulando entre as melhores cozinheiras ou são cedidos às pessoas da família com mais apetência para continuar esse espólio e dar bom nome à família através dessa mesa. Quando as pessoas achavam que não havia alguém que pudesse continuar com esse testemunho de uma forma destacada na comunidade macaense, levavam os livros de cozinha para a cova. Ou seja, não transmitiam as receitas, não as partilhavam. Há receitas da Graça Pacheco Jorge, do livro que era da tia, em que está escrito em baixo ‘não partilhar esta receita com qualquer pessoa’.

Como é que se faz uma abordagem mais cinematográfica a um tema que facilmente pode cair, em termos de tratamento, num documentário do género jornalístico?
Tomé Quadros (T.Q.) – Procuramos, de alguma forma, seguir a máxima de John Grierson, quando diz que o documentário deve ser abordado de uma forma criativa – isto dito no final da década de 20 do século passado. Significa que pretendemos fugir do documentário como uma peça jornalística e encará-la como narrativa fílmica tout-court. Procuramos com isso introduzir mecanismos da ficção no documentário, procuramos dirigir os nossos entrevistados, na medida do possível, como se de actores se tratassem, procuramos ter um cuidado estético bastante grande – e não só, em termos de continuidade, de racord também –, para que tudo faça sentido. Desta forma, introduzimos um narrador presente – a Nair Cardoso, uma jovem macaense – que, no fundo, conduz o espectador pelas diferentes estórias que fecham este todo que é a narrativa fílmica acerca do chá gordo. Temos um fio condutor, uma história, que coincide com a realidade: a Nair regressa a Macau passados alguns anos de ter ido para Portugal e vem à procura de um livro de receitas que era do avô macaense. O livro tinha sido escrito pela avó chinesa, que tinha aprendido para que toda esta gastronomia macaense existisse em casa. Há um dia em que encontra este livro no sótão da casa e guarda-o. Vai procurar, através do livro, as raízes da identidade, memória e cultura macaenses. Claro que houve uma transformação muito grande da simbiose homem-cidade, mas essa memória, a cultura e a identidade perduram.

É um documentário para memória futura?
T.Q. – No fundo, o que procurámos com o documentário é que sirva como um espelho, que a própria comunidade se veja ao espelho. Por exemplo, na questão das receitas, é muito complicado ter acesso e foi um dos maiores obstáculos, mais do que até ganhar confiança da parte dos intervenientes. Assistimos a um momento talvez único: a Cíntia Conceição Serro cedeu aos arquivos do Instituto Cultural todo o espólio que tinha herdado em termos de receitas e manuscritos escritos. Temos isso no documentário. É interessante ver que também há uma tomada de consciência por parte dos intervenientes, de que afinal esta memória deve ser mantida.

Não são realizadores profissionais, na medida em que têm outras ocupações. Há vários anos que fazem documentários sobre a cultura de Macau. Como é que conseguem ir trabalhando nesta área, que exige todo um processo de pesquisa? Sentem muitas dificuldades?
C.C. – Temos bastantes dificuldades pelo facto de sermos uma equipa muito pequena. Eu e o Tomé fazemos 80 por cento do trabalho. Depois contamos com o Daniel Saraiva para o som e agora temos uma nova pessoa que nos está a ajudar, o João Cordeiro. Temos ajuda nas filmagens e coloração. Nestes processos temos arranjado sempre alguém que nos ajuda por ser especialista na matéria. É muito difícil porque temos vidas profissionais exigentes e as nossas famílias. Isso faz com que exista alguma pressão, e de alguma forma, o tempo nos escape. O tempo que é dado aos projectos no Centro Cultural é muito pequeno, em seis meses temos de fazer tudo, o que cria muita pressão, mas são opções que fazemos. Temos de gerir muito bem o tempo. Somos bastante curiosos e gostamos de ter a percepção daquilo que acontece. Em Macau ainda não existe essa memória construída em termos de narrativas fílmicas. Sobre o chá gordo não há nada, apenas alguns episódios em que as pessoas descrevem o que poderá ser, mas algo muito insípido. O grande desafio é que adoramos filmar e editar, e apreciamos o produto final. Depois de estar feito, passamos para outro, porque queremos fazer cada vez mais. Já estou a pensar no projecto seguinte.

T.Q. – O cinema foi o lugar que nos deu a conhecer um ao outro e foi onde a memória futura teve lugar. A Catarina tinha alguma formação e trabalho feito em fotografia, com uma grande base no teatro, e com grande desejo de desenvolver algo na área do cinema. Partilhávamos o mesmo olhar e as mesmas preocupações, e procurávamos fazer cinema em conjunto. Eu trazia a formação da Escola das Artes do Porto, em som e imagem. Se calhar trazia um olhar mais formatado e menos livre, e a simbiose com um olhar mais livre e outro mais técnico resultou. O documentário surgiu como o modelo de pensar o cinema mais apropriado porque nós, além da questão do cinema, tínhamos a vontade muito própria de falar de Macau, que nos apaixona. Sentimos que havia um vazio por preencher. Havia que começar a trabalhar sobre a memória, cultura e identidade de Macau, e encontrámos o formato certo.

Já estão a pensar no próximo documentário?
T.Q. – Temos o “Time of Bamboo”, que está quase terminado, foi o projecto deste ano, que vem na sequência da memória de Macau. Há um paralelismo com o chá gordo em termos do conhecimento que passa de geração em geração. Não há um livro do saber do bambu, como as estruturas são calculadas. Tentamos fazer uma ponte entre o legado e aquilo que pode vir a ser o futuro do bambu.

C.C. – Em relação a projectos de futuro, ando interessada sobre a questão linguística. Ando a reflectir porque é que é difícil ao estrangeiro falar chinês e as crianças não têm acesso à aprendizagem da língua. Não são apenas os portugueses, mas os estrangeiros em geral. Porque é que isso não acontece nas escolas? Qual é a questão, o problema? Tem que ver com uma questão de vivência? Acho que seria um tema interessante para fazer um documentário. Apetece-me fazer um documentário sobre crianças e jovens dentro dessa questão linguística, das diferenças das línguas, o ‘lost in translation’. Comecei a escrever um guião, embora seja para uma curta-metragem, que reflecte essa faixa etária. Mas é uma história que tem algumas aventuras, à volta dos portugueses, chineses e macaenses. É sempre esse o meu ponto de reflexão.

18 Nov 2016

LAG 2017 | Habitação e classe média dominaram debate com deputados  

A maioria dos deputados directos questionou o Chefe do Executivo sobre a necessidade de mais medidas de apoio à classe média, além de mais e melhores habitações públicas. Chui Sai On admitiu que os actuais salários são incapazes de comportar a elevada inflação

[dropcap style≠’circle’]É[/dropcap] chamada a classe média ou a classe sanduíche. A ela pertencem as famílias com rendimentos de 20 mil a 40 mil patacas que, por auferirem esses salários, não têm direito a apoios sociais ou a uma habitação do Governo. Ainda assim, não conseguem comprar casas no mercado privado. Foi a essas famílias que a maioria dos deputados directos prestou atenção ontem no debate com o Chefe do Executivo, um dia depois da apresentação das Linhas de Acção Governativa (LAG) para o próximo ano.

Chan Meng Kam deu o pontapé de saída. “Nos últimos anos os residentes [ao nível do agregado familiar] ganharam em média 50 mil patacas por mês e é uma classe sanduíche que não consegue aceder aos apoios sociais concedidos pelo Governo. Existe apenas o conceito de índice mínimo de subsistência. Tem medidas para apoiar os trabalhadores pobres?”, questionou. Zheng Anting foi outro dos deputados que questionou Chui Sai On sobre o assunto. “Os preços elevados da habitação são as grandes razões do descontentamento dos jovens. Os que vivem apenas dos seus rendimentos não conseguem comprar casa.”

O líder do Governo admitiu as pressões financeiras sentidas pela maioria das famílias de classe média que arrendam uma casa e que estão sujeitas à mobilidade do mercado imobiliário.

“O peso dos rendimentos destinados à habitação é elevado e é de facto uma grande pressão para as famílias. Os valores são superiores ao que esperávamos, pois cerca de 40 por cento dos rendimentos vão para uma casa”, disse o Chefe do Executivo que, no entanto, não apresentou novas medidas, tendo-se baseado na redução do imposto profissional, medida anunciada em 2012 e que se mantém inalterada para 2017.

“O Governo vai fazer todos os esforços para reservar terrenos para a habitação pública e privada, espero que haja equilíbrio na procura e oferta. Espero que haja um maior equilíbrio e que os preços possam descer. Estamos a estudar a revisão da lei de habitação económica e temos de encontrar terrenos suficientes, fazer uma avaliação efectiva para resolver este problema a longo prazo.”

Em resposta à deputada Melinda Chan, o Chefe do Executivo garantiu ainda uma revisão dos regulamentos sobre o imposto profissional e o imposto do selo. “A classe média está sujeita a estes impostos, mas o seu rendimento não é elevado. Vamos estudar como é que os trabalhadores da classe média podem ter acesso a alguns apoios com a redistribuição da riqueza.”

O peso dos materiais

Chui Sai On voltou a ser confrontado com os atrasos sentidos pelos candidatos a uma habitação pública, bem como com a falta de qualidade de muitos dos edifícios. Au Kam San falou do exemplo do Edifício do Lago, na Taipa, que tem elevadores que não funcionam e azulejos a cair das paredes.

“Qualquer comerciante que tenha ética presta serviços pós-venda, nem vamos falar do Governo! Alguns residentes pediram-me para lhe entregar uma carta. A qualidade das habitações económicas é algo que merece a nossa preocupação”, lançou o deputado.

O Chefe do Executivo lembrou que o peso dos materiais é algo a ter em conta na altura de construir casas públicas. “Queremos criar um bom ambiente de habitação e encontrar as soluções para reduzir os problemas. Quanto à queda de tijolos, há que ter em conta o peso e o tamanho desses materiais e vamos proceder aos testes de resistência. O Governo vai trabalhar nos materiais para melhorar as condições dos edifícios para que as obras sejam da melhor qualidade. Se se verificarem problemas com o empreiteiro vai ser imputada a responsabilidade nos termos contratuais”, concluiu.

17 Nov 2016

Portugal | Orçamento para 2017 aprovado. País regista crescimento económico

 

Bruxelas deu ontem luz verde para o orçamento português para 2017, numa altura em que Portugal regista o maior crescimento da zona euro e atinge níveis de recuperação económica de há três anos. A geringonça afinal funciona

 

[dropcap style≠’circle’]P[/dropcap]arecem ser bons resultados após um período de incerteza. O Governo português, de coligação entre o Partido Socialista (PS), o Partido Comunista Português (PCP) e o Bloco de Esquerda (BE), viu ontem seu o Orçamento de Estado para 2017 ser aprovado pela União Europeia.

Na terça-feira, o Instituto Nacional de Estatística (INE) revelou que a economia portuguesa cresceu 1,6 por cento no terceiro trimestre deste ano em termos homólogos e 0,8 por cento face ao trimestre anterior, acima das previsões dos analistas. Estes valores, de acordo com o Eurostat, para os 21 Estados-membros relativamente aos quais há dados disponíveis, colocam Portugal com o maior crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) no terceiro trimestre do ano face ao trimestre anterior, juntamente com a Bulgária (0,8 por cento), enquanto o crescimento da economia portuguesa em termos homólogos esteve precisamente em linha com a média da zona euro (1,6 por cento).

A Comissão Europeia disse ontem acreditar que os riscos de incumprimento que identificou no plano orçamental português para 2017 “não se materializarão” e saudou os dados sobre crescimento económico conhecidos na véspera.

Na conferência de imprensa de apresentação dos pareceres da Comissão sobre os projectos de orçamento para 2017 dos Estados-membros da zona euro, o vice-presidente responsável pelo Euro, Valdis Dombrovskis, e o comissário dos Assuntos Económicos, Pierre Moscovici, congratularam-se também com a “boa notícia” que representa a decisão de Bruxelas de não propôr uma suspensão parcial de fundos a Portugal devido ao défice excessivo.

Moscovici apontou que, de acordo com a análise da Comissão, o esboço orçamental de Portugal para o próximo ano “coloca um risco de incumprimento” tendo em conta as exigências para 2017 a que o país está obrigado, mas o desvio encontrado tem uma “margem muito estreita”.

“E aí entram os dados que conhecemos ontem (terça-feira), que mostram claramente que os riscos parecem contidos, desde que as necessárias medidas orçamentais sejam tomadas. Em termos concretos, isso significa que Portugal não precisa de apresentar medidas adicionais para 2017 desde que os riscos identificados não se materializem, e temos hoje uma esperança razoável de que não se materializem”, declarou Moscovici.

O comissário dos Assuntos Económicos acrescentou que, de resto, a evolução que vê “é mais no sentido ascendente, com bons números para o crescimento para o quarto trimestre” de 2016.

Quanto à decisão da Comissão de não propor qualquer suspensão parcial de fundos (a Portugal e Espanha), Moscovici afirmou que, embora já fosse esperada, não deixa de constituir “boas notícias para ambos os países, nos quais o financiamento da UE desempenha um papel importante” para apoiar o investimento e ajudar a retoma económica.

País dentro dos limites do défice

A Comissão Europeia afirmou ainda que Portugal deverá “respeitar o valor de referência” para o défice orçamental de três por cento “este ano”, podendo encerrar o Procedimento por Défices Excessivos (PDE) se realizar uma correcção “atempada e sustentável”.

Apesar de avaliar o esboço orçamental para 2017 como contendo um “risco de incumprimento” das regras orçamentais a que o país está obrigado, a Comissão Europeia refere, numa comunicação divulgada ontem, que o desvio encontrado tem “uma margem muito estreita” e admite que Portugal “respeite o valor de referência” para o défice orçamental, de três por cento do Produto Interno Bruto (PIB), “este ano, como recomendado”.

O executivo comunitário defende ainda que Portugal, que está actualmente no braço correctivo do Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC) por ter um défice orçamental superior a 3%, “poderá ficar sujeito ao braço preventivo a partir de 2017, se for alcançada uma correcção do défice excessivo atempada e sustentável”. Na prática, isto quer dizer que a Comissão Europeia acredita que Portugal poderá encerrar o PDE com base na execução orçamental de 2016.

Centeno vs. Gaspar

Antes da aprovação do Orçamento de Estado para 2017, o ministro das Finanças português, Mário Centeno, tinha admitido que “foram e são enormes os desafios” orçamentais de 2016 e de 2017. Esta terça-feira admitiu que Portugal “sairia do Procedimento por Défices Excessivos” (PDE)”.

Centeno reconheceu que “foram e são enormes os desafios relacionados com os exercícios orçamentais de 2016 e 2017” e sublinhou uma “responsabilidade acrescida” do Governo neste período: “retirar Portugal do processo de sanções e de cancelamento dos fundos”.

“Conseguimos também esses sucessos para a nossa economia e para o nosso país. E o país sairá do Procedimento por Défices Excessivos, algo que almejávamos há tanto tempo”, reiterou o ministro.

Numa intervenção pública, o ministro referiu-se, sem o nomear, a Vítor Gaspar para argumentar que a sua proposta orçamental para o próximo ano “consagra o princípio da estabilidade”. “Recentemente, um antigo responsável das Finanças concluía, talvez tarde demais, que não se consegue controlar a dívida com aumentos de impostos. Pois bem, este orçamento consagra o princípio da estabilidade que tantos vinham pedindo há tanto tempo, que visa a promoção do investimento e a criação de novos postos de trabalho”, afirmou.

Num texto assinado com o economista Julio Escolano e publicado no final de Agosto deste ano, Vítor Gaspar, que foi ministro das Finanças do governo de Pedro Passos Coelho até Julho de 2013 e que é actualmente director do Departamento de Assuntos Orçamentais do Fundo Monetário Internacional (FMI), defendeu que, “após um elevado aumento do rácio da dívida, os impostos devem ser aumentados apenas na medida necessária para estabilizar a dívida”, uma vez que “aumentar a carga fiscal mais que o necessário, apenas para reduzir a dívida, não seria eficiente”.

 

Coelho pessimista

O líder do Partido Socialista Democrata (PSD) considerou ontem “positivo” que a Comissão Europeia tenha dado ‘luz verde’ à proposta de Orçamento para 2017, mas reiterou que existem “riscos de incumprimento que são efectivos”. “Isso é sempre positivo e deve-se saudar que seja assim”, afirmou o presidente social-democrata, Pedro Passos Coelho, quando questionado sobre a decisão da Comissão Europeia anunciada ontem.

Contudo, acrescentou, apesar da ‘luz verde’, a Comissão Europeia chama a atenção para “alguns riscos de incumprimento que são efectivos” e que também já tinham sido apontados pelo Conselho de Finanças Públicas e pela Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO). “Mas o importante é que o projecto de orçamento não tivesse sido rejeitado, como poderia ter chegado a acontecer”, frisou o líder do PSD.

17 Nov 2016

Jogo | Audição a contas vai trazer pressão ao sector VIP

 

O Chefe do Executivo anunciou nas Linhas de Acção Governativa para 2019 que serão feitas auditorias às contas dos promotores de jogo. Analistas defendem que a medida é positiva mas que vai ter repercussões no segmento VIP dos casinos

 

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]nalistas de jogo consideram que o plano do Governo de Macau de, em 2017, auditar as contas dos angariadores de grandes apostadores para os casinos manterá o segmento VIP sob pressão, mas que é “positivo” para regular o negócio. Segundo as Linhas de Acção Governativa (LAG) para o próximo ano, o Governo de Macau vai “desencadear uma auditoria específica” às contas de cada promotor de jogo, termo pelo qual são oficialmente designados os angariadores de jogadores VIP comummente conhecidos como junkets.

A auditoria deverá iniciar-se em Fevereiro e terminar em Dezembro e surge no quadro do reforço da regulamentação e fiscalização das contas dos junkets. “Não conheço as especificidades do que estão a planear fazer diferente, mas penso que é seguro dizer que há uma razão pela qual nós prevemos que o [o segmento] VIP [dos casinos] continue a decrescer em 2017”, disse à agência Lusa Grant Govertsen, analista da Union Gaming, à margem de uma conferência sobre jogo integrada na Macau Gaming Show.

Embora sem o fluxo de outrora, o jogo VIP ainda gera mais de metade das receitas dos casinos de Macau, capital mundial do jogo e o único lugar na China onde os casinos são legais. “A nossa previsão actual é de um declínio de cerca de quatro por cento nas receitas, apesar de o segmento VIP estar potencialmente a crescer um pouco. Por isso, a nossa previsão assume, de facto, que há um risco adicional para o segmento VIP de uma perspectiva reguladora”, observou Grant Govertsen.

“Em última análise, os investidores gostariam de ver mais transparência, mas isso ganha-se à custa das receitas e do dinheiro dos impostos. Mas, claramente, isso é algo que o Governo pensou”, acrescentou Govertsen, para quem “a boa notícia é que o segmento de massas parece ter entrado numa boa fase de crescimento”.

Dores de regulamentação

Já Marcus Liu, analista da CLSA, disse que a medida “vai ser positiva” para o mercado “sub-regulamentado durante muito tempo”. “Apesar de inicialmente poder implicar alguma ‘dor’ para os junkets, a longo prazo vai ser bom para o negócio destes”, afirmou, à margem da mesma conferência.

Nos últimos dois anos, têm sido noticiados desfalques em salas de grandes apostas, com os fundos desviados a envolverem milhões de euros. “Vimos todos estes incidentes com as dívidas de jogo que deram uma má imagem [dos junkets], por isso é bom haver mais regulação; isso vai proteger um pouco mais o mercado”, acrescentou.

Macau tem 141 promotores de jogo autorizados a exercer actividade durante 2016, o número mais baixo desde 2006, um reflexo da conjuntura dos casinos e, em particular, do mercado de grandes apostadores.

E as licenças?

Na abertura da Macau Gaming Show, na terça-feira, o director da Inspeção de Jogos, Paulo Martins Chan, disse que 19 junkets têm de melhorar os respectivos sistemas de contabilidade, sob pena de perderem as licenças para operar, segundo o jornal Tribuna de Macau.

Para Marcus Liu, o risco de alguns promotores perderem as licenças pode não ter um impacto significativo. “O negócio dos junkets é muito fragmentado, mas os quatro ou cinco grandes detêm uma quota de mercado de 80 por cento ou 85 por cento. Não penso que faça uma grande diferença se esses 19 saírem do mercado. Assumo que estes 19 em risco de desaparecer estarão no final da ‘tabela’ dos cerca de 140 junkets actuais”, explicou.

17 Nov 2016

Web Summit | Duas startups locais relatam a experiência em Lisboa

 

 

A Bee Sports e a Garsland foram duas das quatro startups locais que estiveram presentes na Web Summit, em Lisboa, embora como participantes apenas. Ao HM relatam a experiência de poderem ir além do mercado chinês e de estarem num evento tão diferente da MIF

 

[dropcap style≠’circle’]F[/dropcap]oram quatro as empresas locais que se deslocaram a Lisboa para a recente edição do Web Summit, após a participação num concurso de startups que se realizou em Macau, em Outubro. Conforme o HM noticiou, o grupo de empresários não contou com o apoio do Instituto de Promoção e Comércio (IPIM) mas, ainda assim, a ida a Portugal deixou uma porta aberta para o futuro.

A Bee Sports, criada este ano tinha, até à edição do Web Summit em Lisboa, os contactos e parcerias limitados à China. O projecto tem como objectivo o “despertar a área do jogo electrónico em Macau”, explicou Sunny Kam. A empresa, que tenciona tirar partido da diversificação do turismo local, tem como meta trazer as grandes competições do sector a Macau.

De Lisboa trazem uma mão cheia de contactos com os mercados europeus e americanos. Apesar destes destinos de negócio estarem adiantados no que respeita ao jogo electrónico, “a sua popularização é ainda inferior à que se regista no mercado chinês”, explica Sunny Kam. Para o responsável do projecto, com a experiência em Lisboa, “os europeus vêem a China como a galinha dos ovos de ouro, pelo que demonstram muito interesse em estabelecer negócios com o país”, mas do Web Summit a Bee Sports traz uma outra perspectiva em que, dos conhecimentos feitos no evento, é realmente possível vir a obter ajuda para os projectos da empresa.

Sunny Kam considera ainda que a participação de projectos locais no Web Summit deveria ser prioritária nos apoios e incentivos por parte do Governo. Ao contrário de outro tipo de eventos, a cimeira tecnológica ainda não é caracterizada pela “galinha dos ovos de ouro chinesa” e em que é proposto um intercâmbio diferente entre os participantes. Por outro lado, Sunny Tam considera que os contactos directos entre empresas estrangeiras e empresas da China não são fáceis. Se Macau for a ponte no meio de tudo isso, as possibilidades de entendimento são maiores. “Os investidores e empresas que desejam entrar no mercado chinês podem encontrar possibilidades através de nós.”

Para o representante da Bee Sports, um evento como o Web Summit é fundamental para criar a possibilidade de apoios por parte de empresas europeias ou americanas, pelo que recomenda que Macau possa estar representado com mais projectos. “Penso que mais companhias deviam ir para ver o evento e para estarem expostas. Ser expositor, na prática, até se revela mais frutífero no que respeita a contactos”.

Sunny Kam lamenta ainda a fraca adesão de Macau nesta edição do evento. “Este ano não encontrei expositores de Macau. As companhias locais que foram ao evento eram apenas quatro (incluindo a minha) e só enquanto participantes, o que acabou por ser uma pena”, explica.

Arrumar o turismo

Fei Ng Tam foi outro dos participantes que esteve na Web Summit com a Garsland, um projecto que se dedica a uma nova distribuição de turistas. “A intenção é resolver o problema de alguns locais estarem sobrelotados, enquanto outros estão vazios.” A empresa não é apenas um site da internet sobre turismo, mas sim uma “oportunidade de dar a conhecer uma Macau diferente enquanto se resolvem problemas associados ao sector”, explica.

Fei Ng Tam faz um balanço positivo do evento por ser um momento que “permite ter contacto directo com os residentes locais, experimentar a vida como ela é noutra cidade”. O empresário considera ainda que é uma forma de “recrutar investidores e parceiros internacionais”.

As diferenças entre um Web Summit e uma Feira Internacional em Macau (MIF) é que o primeiro “está cheio de inovação, investimento e tecnologia”. Para o empresário, que já marcou presença na MIF enquanto expositor, não sentiu que existisse nenhuma destas características no evento de Macau. “A MIF e o Governo precisam realmente de trabalhar mais nesse sentido”, afirma.

Por outro lado, Fei Ng Tam sublinha a importância de mais medidas de incentivo às grandes empresas, como por exemplo ao sector do jogo, para que apoiem os pequenos projectos locais. “O Governo podia incentivar as companhias maiores e do sector do jogo a criarem um fundo de investimento rentável, porque apenas com o apoio do Governo é difícil motivar a conjuntura, cabe às grandes empresas conseguirem fazer mais alguma coisa”, remata.

Para além da Bee Sports e da Garsland, participaram a IMMO, de Manuel Correia da Silva, e a Phantom. Tal como o HM noticiou, a IMMO pretende ser uma app que gere o tempo livre de cada um. A Phantom não respondeu às questões do HM até ao fecho da edição.

17 Nov 2016

Mandatários de Ho Chio Meng não tiveram confiança do processo

Um dia depois de o Tribunal de Última Instância ter dado a entender que Ho Chio Meng teve tempo para se defender, os advogados do ex-procurador da RAEM falam nas dificuldades de acesso ao processo. Há mais de 30 mil páginas para ler em muito pouco tempo

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]s mandatários de Ho Chio Meng, antigo procurador da RAEM, só podem preparar o julgamento durante o horário de funcionamento do Tribunal de Última Instância (TUI). De acordo com o que apurou o HM, foi-lhes negada a confiança do processo, ou seja, os advogados não podem levar os volumes referentes ao caso para o escritório, de modo a prepararem o julgamento.

“Temos o direito de requerer a confiança do processo”, apontou a advogada Lee Kam Iut, que confirmou que o pedido foi feito na semana passada, um dia antes de ter sido tornada pública a data de início do julgamento, marcado para 5 de Dezembro. “Só podemos consultar o processo nas instalações do tribunal.”

O caso de Ho Chio Meng arrisca-se a entrar para a história judicial de Macau como sendo o maior de sempre, em termos físicos: são mais de 30 mil páginas, contando com os 36 volumes da acusação principal e os 81 volumes de apensos. Só o despacho de pronúncia tem mais de mil páginas. Ao todo, o ex-procurador responde por 1536 crimes.

Atendendo à complexidade e tamanho do processo, o tempo escasseia para os mandatários. “Para defendermos um cliente, temos de estudar bem um processo. Se não o fizermos, não temos dados suficientes”, assinala a advogada, questionada sobre a possibilidade de a defesa de Ho Chio Meng estar, desde já, comprometida.

As dificuldades sentidas pelos mandatários começaram logo na fase da instrução. Diz a lei processual de Macau que, após a notificação da acusação, o arguido tem dez dias para requerer a abertura da instrução. Durante esta fase, explica Lee Kam Iut, só foi autorizada a consulta do processo nas instalações do tribunal – mais uma vez, no horário de expediente do TUI – sem que tivesse havido a possibilidade de serem tiradas fotografias ou cópias. Ou seja, as notas que os mandatários recolheram foram escritas à mão. “Não conseguimos analisar bem o processo”, diz Lee Kam Iut. “Até ao debate instrutório, não conseguimos consultar todo o processo.”

A dimensão do caso e o facto de os volumes não saírem do edifício do TUI torna ainda mais difícil a existência de uma contestação à acusação, que teria de ser feita até ao próximo dia 29.

Outra versão

Os esclarecimentos de Lee Kam Iut surgem na sequência de uma nota à imprensa feita pelo TUI na passada segunda-feira, em resposta “a alguns órgãos de comunicação social portuguesa” que reflectiram “a preocupação de alguns advogados pelo facto de a audiência de julgamento do ex-procurador da RAEM se iniciar a 5 de Dezembro próximo”.

No comunicado, o tribunal presidido por Sam Hou Fai não só explicava que os julgamentos com arguidos presos têm prioridade em relação aos restantes, como salientava que o TUI tem em mãos apenas um julgamento em primeira instância para fazer – aquele que tem, como único arguido, Ho Chio Meng.

Foram também deixadas algumas datas sobre o processo: o arguido requereu a abertura da instrução no passado dia 29 de Agosto, tendo sido declarada a 6 de Setembro. Desde essa data que “os advogados [de Ho Chio Meng] têm tido pleno acesso ao processo” no TUI. “O processo foi consultado muitas vezes, simultaneamente, por vários advogados do arguido”, escreveu ainda o tribunal. “Aliás, até à data, nunca o arguido ou os seus advogados se queixaram de falta de acesso ao processo.”

16 Nov 2016

Anabela Campos, co-autora do livro “Negócios da China”: “Chineses entram com pezinhos de lã”

 

Há quem diga que é uma obra para “memória futura”. Anabela Campos e Isabel Vicente, jornalistas de economia e finanças do semanário Expresso, escreveram um livro que explica como foram feitos os grandes negócios em Portugal, na sequência da entrada da troika. A venda de activos em sectores estratégicos não aconteceu com os parceiros estrangeiros habituais: Pequim chegou a Lisboa para investimentos que já provaram ser altamente rentáveis. Macau não entra nestas contas – existe sobretudo na retórica política e agora nos media, um interesse que Anabela Campos tem dificuldade em perceber.

 

Começando pela pergunta clássica: como é que surgiu a necessidade e a oportunidade de escrever este livro?

Surgiu na sequência de uma série de acontecimentos. A crise de 2008 expôs totalmente a fragilidade dos bancos e o ‘esquema’ que usavam de financiamento da economia: os empresários portugueses eram sobretudo empresários a crédito. Quando a crise veio, as acções começaram a desvalorizar e os empresários começaram a ter de pagar os créditos – até porque os bancos começaram a fazer pressão de um modo como antes não acontecia –, todas as fragilidades da economia sobressaíram. Isto acontece em simultâneo com a entrada da troika em Portugal: os bancos são pressionados a obrigar os empresários a pagar. O país estava à beira da bancarrota, era preciso ganhar dinheiro e teve de se privatizar algumas empresas um pouco à pressa. Percebe-se que as empresas estavam superendividadas. Tudo isto abre caminho para que um conjunto de coisas aconteça, nomeadamente o colapso do Banco Espírito Santo, que também pôs a nu a forma como o banco vivia e algumas empresas à volta, nomeadamente a PT, que tinha colocado quase 900 milhões de euros no BES, e que os perde. Ou seja, há aqui um conjunto de circunstâncias negativas que mostram as fragilidades da economia e das empresas portuguesas, e que abre a porta para que, depois, as grandes empresas sejam vendidas a investidores que nem sempre foram aqueles que mais aplicaram dinheiro em Portugal. A grande novidade é o investimento chinês. Antes de 2011, era irrisório; dispara com a entrada no sector eléctrico, a partir do momento em que investidores chineses se tornam o maior accionista da Energias de Portugal (EDP). Depois, compraram a REN – Redes Energéticas Nacionais.

O livro chama-se “Negócios da China” e temos aqui uma dupla leitura: a conotação que se dá, em português, a esta expressão e também pelo facto de serem negócios feitos com investidores ao quais Portugal não estava habituado…

Achamos que são negócios da China não só por causa da novidade da entrada dos chineses, mas também porque muitas das empresas que foram vendidas são monopólios naturais ou são empresas com grande poder de mercado em Portugal. Nesse sentido, quando se compram essas empresas está-se quase a comprar uma renda, ou seja, o lucro é praticamente garantido. O melhor exemplo é a EDP: dá mil milhões de euros de lucro há quatro anos consecutivos. É o caso também da ANA, que era a detentora de todos os aeroportos portugueses, e que foi comprada por franceses, pela VINCI. O lucro da ANA nas mãos da VINCI aumentou 50 por cento. Como não há mais aeroportos em Portugal e são os únicos gestores dos aeroportos, se quiserem subir as taxas, sobem – foi o que já fizeram umas quatro vezes. No fundo, é termos vendido as empresas que são mais lucrativas: são óptimas empresas. Outro exemplo é a venda da Cimpor aos brasileiros, que foi motivada por uma série de acontecimentos e não propriamente pela entrada da troika. A Cimpor era a melhor multinacional portuguesa, estava espalhada por vários países, era a nona cimenteira do mundo e era muito cobiçada por várias cimenteiras internacionais – duas delas tinham tentado comprá-la. Quem o faz são dois brasileiros e compram-na para a desmantelarem. A Cimpor estava a fazer concorrência no Brasil e compram a empresa porque estava frágil – os donos estavam endividados. É um caso de estudo interessante. Não somos contra o investimento estrangeiro, nem este livro é uma crítica ao investimento estrangeiro, mas não há aqui uma visão. Os investidores aproveitaram uma oportunidade interessante, ainda por cima porque algumas empresas estão noutros mercados, como o da lusofonia, que interessa bastante aos chineses. A EDP está nos Estados Unidos e no Brasil, pelo que foi uma forma rápida de entrarem nestes mercados.

Referia que a China é a grande novidade destes últimos anos. Além do caso da EDP, há outros, com investimento chinês em sectores fulcrais. Recentemente, assistimos também à entrada nos media, através de Macau.

O que é extraordinário é que, no mundo ocidental, os investidores chineses não estão em mais nenhum país como estão em Portugal. Estão na energia, no mercado financeiro – na Fidelidade, podem vir a ser o maior accionista do BCP, que é o maior banco privado português, e são um forte candidato à compra do Novo Banco –, estão na TAP, estão nos media, estão na saúde (no Hospital da Luz), estão no imobiliário. Estão em sectores estratégicos: finanças e energia. O que é mais significativo – e para nós, de certa maneira, preocupante – é o facto de o sector eléctrico ser controlado por duas empresas estatais chinesas. Um dos argumentos para vender foi, além da crise, que o Estado não pode estar nas empresas mas, depois, a EDP e a REN foram vendidas a duas empresas estatais chinesas. Quando estávamos a escrever o livro percebemos que também podem vir a entrar no capital da Galp – é muito provável que isso aconteça. Não há nenhum país ocidental onde isto se passe: os investimentos chineses estão a ser questionados em alguns países da Europa e houve até recuos. Na Áustria, tinham entrado numa eléctrica, o negócio já estava fechado e não se concretizou, porque são sectores estratégicos e os países têm alguma dificuldade em vender a capital estrangeiro. Há duas ou três semanas surgiram notícias de que havia investidores chineses interessados em comprar uma grande tecnológica alemã e o Governo opôs-se. Os investidores chineses são muito bem-vindos em Portugal e entraram em força – é uma questão que merece bastante atenção. Não há hostilidade ao investimento chinês, mas começam-se a levantar algumas questões, sobretudo por causa do sector eléctrico. Há a sensação de que estão com demasiado poder. É um país pouco transparente e não temos acesso a muita informação, não sabemos o que pensam.

Mas houve aceitação por parte do Governo português, nomeadamente pelo Executivo anterior, altura em que aconteceram estes negócios da China com a China. Sentem que, em termos de opinião pública, a contestação que terá havido na altura ficou circunscrita ao momento das aquisições? Na visita recente do primeiro-ministro António Costa à China – e depois aqui a Macau – foi muito enfatizada a ideia de um reforço das relações económicas com Pequim, sendo certo que também foi dito na altura que este fortalecimento não passará necessariamente pela aquisição de activos. Como é que vêem agora a situação?

O Governo de Pedro Passos Coelho e de Paulo Portas foi aquele que permitiu a entrada – também não havia uma razão para não permitir. Imagino que depois da entrada na EDP houvesse algumas reticências para a entrada nas restantes empresas, que pudesse ter havido um pensamento mais estratégico. Mas não houve, porque havia uma pressão enorme para se conseguir dinheiro. Não houve grande polémica em Portugal, na verdade – há algumas pessoas que acham arrepiante um país controlar não só a rede eléctrica, que é a REN, como também a produção e distribuição de energia. Aparentemente ainda não há qualquer resistência ao investimento chinês. Os investidores têm entrado de forma pouco visível, no sentido em que não mudam as coisas quando entram: mantêm a gestão, não fazem despedimentos, mantêm os investimentos. Têm entrado de uma forma muito apaziguadora, muito tranquila. Não há uma atitude hostil, é uma entrada com pezinhos de lã – ao contrário do que aconteceu na PT, com a entrada da Altice, que cortou 30 por cento dos contratos com fornecedores e começou a despedir trabalhadores. Foi muito significativa a visita do primeiro-ministro à China: foi recebido pelo primeiro-ministro e pelo Presidente. É um reconhecimento de uma boa relação. Há duas semanas, o vice-chanceler alemão foi à China, tinha encontros marcados e foram todos cancelados por ter sido considerada hostil a OPA sobre a empresa tecnológica. Pelo que se consegue perceber, há uma relação muito boa com Portugal e, se o anterior Governo começou este caminho, António Costa está a trilhá-lo. Aparentemente, Portugal quer posicionar-se como um parceiro relevante para a China na Europa, e isso está a acontecer.

Portugal interessa sobretudo por ser um acesso?

Nalgumas conversas que tive, percebi que os chineses querem estar em Portugal, mas não é por causa do nosso mercado, que é minúsculo. O que vêm aqui buscar é o know-how, porque as empresas que compraram são boas, têm muito know-how, mas também porque lhes reforça a presença nos mercados de língua portuguesa. Os chineses não precisam de nós para entrarem em Angola ou Moçambique, mas estas empresas estão há muitos anos nestes mercados e também são interessantes nesse sentido. Por outro lado, abre-lhes a porta na Europa. Quando se compra bancos em Portugal, começa-se a abrir caminho para se entrar no mercado financeiro europeu de forma mais fácil. O Banco Central Europeu tem de lhes dar autorização – estando em Portugal será provavelmente mais fácil. Outro aspecto muito curioso é o grande interesse na Base das Lages: nos últimos três anos houve quatro visitas do primeiro-ministro e do Presidente. Os americanos estão de saída – ou estão a reduzir a presença – e é como se os chineses estivessem a aproveitar essa oportunidade. Falei com algumas pessoas especialistas nesta matéria e elas não acreditam que se vá substituir os americanos pelos chineses – seria hostilizar um parceiro histórico –, mas o Governo chinês tem feito questão em marcar presença.

Conhece Macau, está a par do modo como o território tem estado envolvido nesta relação entre a China, Portugal e a lusofonia. Macau foi apresentado como uma plataforma para os negócios entre Pequim e a lusofonia mas – com excepção do que aconteceu recentemente no caso da Global Media –, não parece que tenha qualquer relevância, certo?

Nos discursos, Macau é sempre apontado como uma plataforma importante para esta relação. Apesar dessa referência, aparentemente nenhum destes grandes negócios tem passado por Macau. Os media não são um grande negócio. As pessoas que conhecem bem o investimento chinês não percebem este interesse pelos media, porque são um péssimo negócio – são um perdócio, um negócio em que se perde dinheiro. Por isso não se percebe muito bem este interesse – e é o único que vem via Macau. Agora fala-se também que as participações dos privados na Lusa estão disponíveis para vender e que há investidores chineses que podem entrar, via Macau. Parece que Macau tem estado mais nos media, não dos grandes negócios, que têm vindo dos grandes grupos como a Fosun ou directamente do Estado chinês. Mas, de facto, Macau é sempre apontado como um ponto de referência da relação ao nível político.

 

 

 

Sobre as autoras

Jornalista desde 1994, Anabela Campos começou a trabalhar na Agência Lusa, depois de se ter licenciado em Ciências da Comunicação. Esteve nas redacções do Diário Económico e no Público, tendo passado para o Expresso em 2008. Venceu três prémios de jornalismo económico, sozinha e em co-autoria. Destaque para “PT é o euromilhões dos accionistas” (2010) e “Cimpor, o fim de uma multinacional” (2013). Isabel Vicente é licenciada em Direito e é jornalista do Expresso desde 1991. A partir de 2000, começou a acompanhar a área financeira, sobretudo os sectores da banca e dos seguros. Conta com prémios em co-autoria no currículo, com os artigos “Quem é o accionista do BPN?” (2009) e “O Diabo que nos impariu” (2015). “Negócios da China” conta com prefácio do director-adjunto do Expresso, Nicolau Santos, e é uma edição da Oficina do Livro.

16 Nov 2016

LAG 2017 | Governo mantém valores dos cheques e apoios sociais

 

Sem surpresas, as Linhas de Acção Governativa para o próximo ano são parcas em novidades. Chui Sai On optou por manter os montantes dos apoios sociais e dos cheques pecuniários, bem como as devoluções do imposto profissional. Os aumentos salariais na Função Pública são os mais baixos dos últimos cinco anos

 

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] relatório das Linhas de Acção Governativa (LAG) para 2017 é um documento de continuidade e com poucas novidades. Chui Sai On, Chefe do Executivo, acaba o seu segundo mandato dentro de dois anos e quis manter as políticas que têm vindo a ser desenvolvidas.

Os apoios sociais não registam aumentos, tal como os valores dos cheques pecuniários. Não há novas datas para a conclusão de grandes obras públicas e os aumentos salariais na Função Pública são dos mais baixos dos últimos cinco anos (ver reacções). O Governo propõe-se elevar o valor de cada ponto do índice da tabela salarial das actuais 81 para 83 patacas, o que corresponde, na prática, a uma actualização salarial de 2,46 por cento, ligeiramente aquém da actualização aplicada este ano (2,53 por cento).

O Chefe do Executivo foi ontem à Assembleia Legislativa (AL) apresentar um relatório cujo lema para Macau é a “Implementação progressiva do planeamento e a construção conjunta de um bom lar”. O planeamento urbano será a chave mestra para esse “bom lar”, mas como o Plano Director de Macau só estará concluído em 2020, resta-nos olhar para os apoios que a população vai continuar a receber.

Os residentes permanentes continuam a ganhar nove mil patacas anuais com o programa de comparticipação pecuniária, enquanto os residentes não permanentes continuam a ter direito a 5400 patacas. As pensões para os idosos mantêm-se nas 3450 patacas; já o subsídio para idosos continua a ser de oito mil patacas. Os estudantes continuam a receber os mesmos montantes de apoio para propinas e estudos. No total, o Governo prevê gastar com todos os apoios sociais um total de 12,352 mil milhões de patacas.

A classe trabalhadora vai também continuar a receber a devolução do imposto profissional em 60 por cento, com um limite máximo de devolução de 12 mil patacas. Permanece a redução de 30 por cento do imposto profissional, com o limite de isenção em 144 mil patacas.

Economia alegre

Na apresentação do relatório perante os deputados, Chui Sai On mostrou optimismo em relação à economia para o próximo ano. “Para a conjuntura económica de 2017, pese embora o impacto dos factores incertos da economia mundial, o facto de, nos últimos tempos, as diversas economias asiáticas se terem confrontado com vários desafios. De acordo com um relatório recente do Fundo Monetário Internacional, e segundo a Autoridade Monetária de Macau, prevê-se a possibilidade de, no próximo ano, a economia de Macau regressar a um crescimento positivo”, defendeu. Ainda assim, o Governo mantém um “optimismo cauteloso”.

Sem novidades em relação à renovação dos contratos de jogo, dossier que já será assumido pelo próximo Chefe do Executivo, em 2020, Chui Sai On deixou claro que “neste mandato [irá manter] a posição de não importação de croupiers não residentes”.

 

Orçamento vai diminuir 0,29 por cento

O Orçamento de Macau vai diminuir 0,29 por cento em 2017, apesar de o Governo estimar um aumento em 0,77 por cento dos impostos directos, após as quedas associadas às receitas do jogo. No projecto de Orçamento para o próximo ano, revelado durante a apresentação das LAG, para 2017, o Executivo prevê que as receitas globais da Administração ascendam a 102,944 mil milhões de patacas, menos 0,29 por cento do que o previsto para 2016. Dentro dessas receitas globais esperadas em 2017, 80 mil milhões de patacas correspondem a impostos directos, o que traduz um aumento de 0,77 por cento em relação ao estimado para este ano.

Já no lado dos gastos, a despesa global pública vai aumentar 12,56 por cento em 2017, prevê o Governo, que estima assim terminar o ano com um superavit de 7,218 mil milhões de patacas, menos de metade do saldo positivo que calculou para este ano (18,213 mil milhões de patacas). Apesar de a despesa global aumentar 12,56 por cento, a despesa ordinária integrada do Governo cai 3,7 por cento. O corte de 0,29 por cento em 2017 segue-se a uma diminuição de 13,9 por cento no Orçamento que foi aprovado para este ano.

 

Governo aumentou subsídio de residência

O Chefe do Executivo anunciou ontem o aumento que será feito ao nível do subsídio de residência para funcionários públicos, que passa a ser de 3320 patacas mensais. “A acção governativa depende dos esforços e da dedicação dos trabalhadores da Administração Pública. Após a auscultação das opiniões e sugestões das associações dos trabalhadores dos serviços públicos e da Comissão de Avaliação das Remunerações dos Trabalhadores da Função Pública, o Governo irá propor, em Janeiro do próximo ano, a actualização do valor do multiplicador indiciário para 83 patacas. Além disso, no intuito de reforçar as medidas de carinho aos trabalhadores dos serviços públicos, o subsídio de residência será ajustado para um valor correspondente a 40 pontos do índice salarial, sendo a respectiva proposta de lei remetida à Assembleia Legislativa.” O Conselho Executivo já concluiu a análise à proposta.

16 Nov 2016

LAG 2017 | Chui Sai On admite Metro Ligeiro na orla costeira, mas não há decisão

 

Transportes, trânsito, terras e habitação, cheques para continuar ou para acabar um ano destes. Na conferência de imprensa anual do Chefe do Executivo foram mais as promessas de estudo do que as certezas dadas

 

[dropcap style≠’circle’]É[/dropcap] um impasse que deverá terminar em breve, a acreditar na promessa do Chefe do Executivo. O secretário para os Transportes e Obras Públicas já tinha anunciado que, até ao final do ano, haverá uma decisão sobre o trajecto do metro ligeiro de superfície na península de Macau; ontem, Chui Sai On manteve o calendário. O Governo tem um mês e meio para escolher um caminho: manter o trajecto inicial ou fazer uma linha pela orla costeira, seguindo-se assim parcialmente uma sugestão deixada há pouco tempo por alguns influentes deputados à Assembleia Legislativa (AL).

Num momento de incerteza, há um dado que parece adquirido: “Não há um cancelamento total do metro em Macau”. A sugestão deixada na AL fazia com que o metro ligeiro fosse um exclusivo da Taipa, sendo que, na península, seria construído um monocarril. Chui Sai On garantiu ontem que a ideia não é viável. “Em pormenor, depende das opiniões e dos estudos”, disse, recordando que, ao longo destes anos, foram sendo manifestadas “opiniões diferentes” acerca das passagens do metro pelo NAPE e pelas Portas do Cerco.

“Vamos finalizar a parte da Taipa e, depois, fazer a ligação a Seac Pai Van, à Ilha da Montanha. A partir daí vamos estudar: se é pela orla costeira, se é [seguindo] outras soluções”, resumiu o Chefe do Executivo, deixando para Raimundo do Rosário a divulgação dos pormenores. “Se o metro vai ou não entrar na cidade, temos de ver a situação. Até ao final do ano haverá uma informação mais clara.”

Da lista de assuntos sobre os quais ainda não há uma decisão fazem também parte os apoios sociais que, todos os anos, são apresentados como sendo temporários mas que, por via da repetição, se arriscam a ser permanentes. Desta lista de benesses faz parte o plano de comparticipação pecuniária – os cheques para os residentes –, uma herança deixada a Chui Sai On por Edmund Ho, que o actual Chefe do Executivo tem mantido.

Para o ano, não há aumento no valor desta ajuda, com o subsídio dado a todos os residentes a chegar às nove mil patacas para os permanentes e às 5400 para os não permanentes. Questionado sobre a possibilidade de os cheques deixarem de ter um carácter avulso, o líder do Governo não respondeu.

Chui fez alusão às várias opiniões que foram sendo manifestadas sobre o assunto durante estes anos e fez referência à capacidade financeira do Governo, para concluir que há que pensar sobre a manutenção, conversão ou até mesmo extinção de alguns apoios sociais – ressalvando, no entanto, que tem noção das “reacções negativas” com que seria recebido o fim de algumas medidas. “Temos de ter em conta a situação geral. É altura para se fazer um estudo acerca de uma série de medidas”, concluiu.

Também ainda não se sabe – ou, pelo menos, não é tomada uma posição pública – sobre o que vai acontecer ao Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais, órgão estabelecido em 2002 com o fim das câmaras municipais provisórias e que corre o risco de ficar esvaziado com a transferência de competências, nos últimos tempos, e a criação de um órgão municipal já no próximo ano.

“Os estudos e o trabalho [para a criação de um órgão municipal] já estão em andamento”, apontou. No que toca ao fim do IACM, Chui Sai On limitou-se a dizer que “é uma possibilidade”.

Não mexe

No capítulo das certezas encontra-se a lei de terras – não vai haver alterações a um diploma que tem dado muito que falar, apesar dos pedidos que têm sido feitos nesse sentido. O Chefe do Executivo afirmou que, após a declaração de caducidade de alguns terrenos, há processos a correr em tribunal, pelo que as autoridades estão à espera das decisões judiciais. Sublinhando que o Governo tem cumprido a lei em vigor, deixou bem claro que não há qualquer intenção de se avançar para uma revisão do diploma.

Também não faz parte dos planos de Chui Sai On pensar em novas disposições para controlar os preços do mercado imobiliário. O líder do Governo lembrou que, no passado, foram tomadas medidas nesse sentido, que são para manter em vigor. “As medidas têm de ter utilidade e efeito imediato”, defendeu. Confrontado com o facto de a China Continental e Hong Kong terem feito uma intervenção mais activa no sector, disse apenas que o Governo vai continuar a fazer “o melhor possível” e a “aprender com os vizinhos”. “Quando houver necessidade, vamos lançar outras medidas. Estamos sempre atentos”, afiançou.

 

 

Cá em casa tudo bem

Sem fazer referência a Hong Kong e ainda antes de terem sido colocadas quaisquer questões na conferência de imprensa que ontem se realizou, o Chefe do Executivo decidiu fazer uma abordagem à questão da interpretação da Lei Básica pela Assembleia Popular Nacional (APN). Chui Sai On começou por dizer que “se trata de uma competência da APN e está afixada na Constituição, e todas as interpretações feitas pela APN produzem o mesmo efeito e a mesma eficácia de todas a estipulações que estão afixadas na Lei Básica”. Citando o documento fundamental de Macau, o líder do Governo sublinhou que “temos de continuar a assegurar a soberania, a unificação e a segurança do nosso território e, mais ainda, do país”. “Ao longo do tempo, o Governo tem cumprido e executado a Lei Básica de uma forma firme e séria. Temos sempre divulgado o espírito do amor à pátria e a Macau”, recordou.

 

16 Nov 2016

Função Pública | Estudo revela baixo sentido de pertença de trabalhadores

Um estudo realizado pela Federação das Associações dos Operários de Macau revela que os funcionários públicos têm baixo sentido de pertença e pouco envolvimento no trabalho. Sentem-se, contudo, satisfeitos com o que fazem. Quanto ao stress, vem do dia-a-dia e não do trabalho

[dropcap style≠’circle’]D[/dropcap]uas associações com ligações à Federação das Associações dos Operários de Macau (FAOM) realizaram um estudo que revela que os trabalhadores da Função Pública têm um baixo sentido de pertença em relação ao cargo que desempenham, além do baixo envolvimento no trabalho que realizam diariamente. O estudo revela, contudo, que os funcionários sentem-se satisfeitos consigo mesmos, revelando uma elevada capacidade de tolerância.

Realizado entre Julho e Dezembro pela Federação das Associações dos Trabalhadores da Função Pública e pela Associação dos Trabalhadores da Função Pública de Origem Chinesa, em cooperação com o Departamento do Estudos Políticas e da Informação da FAOM, o inquérito baseou-se em 1540 opiniões de funcionários públicos de 27 serviços.

As razões que estarão por detrás deste baixo sentido de pertença devem-se à falta de consciência do seu papel enquanto funcionários públicos e às lacunas existentes no regime de carreiras, sobretudo na possibilidade de ascensão na carreira.

A FAOM sugere, portanto, que seja reforçada a formação de trabalhadores para que estes tenham mais a “consciência de servir a população”. A entidade defende ainda uma melhor distribuição dos recursos humanos e das tarefas, bem como o estabelecimento de um meio de comunicação para facilitar o intercâmbio entre funcionários e superiores hierárquicos.

Em relação aos níveis de stress, o estudo conclui que a sensação de stress ou cansaço vinda dos problemas do dia-a-dia é superior ao stress originado pelo trabalho. Os resultados mostram ainda que os funcionários públicos têm uma atitude positiva no trabalho, com elevado grau de tolerância.

Cerca de 60 por cento dos inquiridos têm entre 25 e 39 anos, sendo que 74 cento têm formação académica acima da licenciatura. Apenas 14 por cento dos inquiridos tem formação acima do mestrado. Quase 60 por cento dos entrevistados trabalham na Função Pública há menos de dez anos, sendo que 30 por cento têm um salário anual acima das 600 mil patacas, enquanto 11,9 por cento recebe menos de 100 mil patacas anuais. A FAOM considera que os inquiridos são, no geral, novos e contam com elevada formação académica, com uma média de antiguidade de dez anos. O estudo será apresentado à Administração para servir de referência.

15 Nov 2016

LAG | Comerciantes da Horta da Mitra querem políticas para os mais jovens

Chui Sai On fez na sexta-feira uma visita surpresa ao bairro que o viu crescer, pediu fiambre com ovos no café da esquina e perguntou como andavam os negócios para a zona da Horta da Mitra. Na hora do Chefe do Executivo ir à Assembleia Legislativa, os comerciantes do bairro revelam quais as políticas que querem ver concretizadas no próximo ano

[dropcap style≠’circle’]P[/dropcap]elas sete ou oito horas da manhã, os mais pequenos vestem o uniforme, os mais velhos as fardas dos seus empregos e todos saem à rua para mais um dia. Pelo meio, bebe-se um café. Sexta-feira simbolizou, contudo, um final de semana diferente para quem reside no Bairro da Horta da Mitra, graças a uma visita surpresa do Chefe do Executivo.

Lam Mio Iong não viu Chui Sai On, mas lembra-se daquele ser o bairro onde, durante muitos anos, a família Chui viveu. “A geração do pai de Chui Sai On morava aqui e Chui Sai On cresceu neste bairro. Acho que voltou para visitar o bairro onde cresceu. A sua família tinha uma relação bastante boa com as pessoas do bairro.”

Por ali vendem-se pratos chineses que se comem na rua e que têm um preço mais baixo: monta-se uma mesa improvisada no passeio, come-se da tigela e já está. Ainda assim, a comerciante garante que o negócio dos vendilhões já conheceu melhores dias. “O meu negócio está pior porque os jovens desta geração preferem comer num restaurante e os vendilhões já não recebem muitos clientes. Mas quero continuar a ter este negócio por mais tempo.”

Na fase de preparação das Linhas de Acção Governativa (LAG), o Chefe do Executivo costuma reunir-se com as associações tradicionais que lhe fazem pedidos e transmitem as maiores necessidades da população. Uma das medidas que deverão ser hoje anunciadas na Assembleia Legislativa (AL) é o habitual aumento de salários na Função Pública, mas para quem não trabalha na Administração os receios são outros.

“Acho que o Chefe do Executivo é próximo da população, mas o maior problema neste momento é a habitação, sobretudo para os jovens. Chui Sai On fez bastante para ajudar os idosos, aumentando os apoios sociais, mas depois os mais jovens enfrentam muitos problemas por causa do alojamento”, acrescentou Lam Mio Iong.

A fotografia no jornal

Nem só de vendilhões de comida se faz o Bairro da Horta da Mitra. Há um mercado municipal, cafés, um templo e algumas lojas. O Chefe do Executivo entrou na loja do senhor Yip, que orgulhosamente vai buscar a fotografia que saiu no jornal Ou Mun para nos mostrar.

Chui Sai On “foi simpático” e “pelo menos quis saber como estão os pequenos negócios nesta zona”. “É muito bom que o Chefe do Executivo preste atenção a estas zonas e aos negócios”, adiantou Yip.

E quais são os maiores problemas de quem trabalha ali diariamente? “O maior problema é a falta de um parque de estacionamento. Depois esta rua tem apenas uma direcção e as pessoas quando vêm fazer compras nesta zona não conseguem estacionar os carros”, disse.

Além disso, há o habitual problema das rendas, numa zona de residentes e para residentes, sem turistas. “As rendas são extremamente altas. Há 18 anos pagava cerca de 2800 patacas e agora pago 19 mil. Só quem é proprietário das lojas é que consegue sobreviver em Macau, os negócios individuais já estão numa situação mais difícil.”

Para as LAG de 2017 Yip deseja “ver melhorias em quase todos os aspectos: na saúde, transportes, habitação. Este é o maior problema porque é impossível comprar uma casa em Macau e gostava que o Chefe do Executivo prestasse mais atenção à classe mais baixa da população.”

Fiambre com café

Uns metros mais à frente, Chui Sai On entrou no café Vai Kei sem pré-aviso. Pediu café misturado com chá e leite, mais fiambre com ovos. No meio do rodopio da hora de almoço, a empregada confessa-nos que ficou “surpreendida” quando viu chegar o governante: sentou-se numa cadeira, como se fosse um cliente habitual. “Ele é simpático, vinha com um grupo grande de pessoas”, disse ainda a empregada do estabelecimento, que não quis dizer o que espera das LAG para o próximo ano, por não ser residente de Macau.

Tomado o pequeno-almoço, o Chefe do Executivo decidiu ir conversar ao café do lado, chamado In Kei. “Perguntou-nos como está o negócio, só isso. Fiquei muito contente por ter vindo aqui fazer uma visita”, disse o senhor Lo. Na zona não se esperam grandes novidades no dia-a-dia ou melhoria aos negócios já existentes.

“O negócio está mais ou menos, aqui quase que não há turistas, só temos negócios ligados aos residentes, cafés, mercados, agências imobiliárias. Vou ficar contente se o Governo distribuir mais dinheiro pela população e se fizer políticas em benefício da vida da população. Mas claro que o dinheiro não chega, são necessárias mais políticas para os pequenos negócios”, resumiu Lo.

A zona da Horta da Mitra está cheia de ruas e becos escondidos, sendo que o Chefe do Executivo só terá passado por uma delas. Quem não o viu de perto prefere não comentar a sua visita ou aquilo que espera para o território. Muitos deles fazem ali o seu negócio há décadas sem grandes mudanças. Por vezes o bairro torna-se um grande palco graças à festividade do Duplo 2, que celebra o aniversário do deus local Tou Tei. São cinco dias em que a Rua Tomás da Rosa se transforma, com construções de bambus, leitões em cima de uma grande mesa e pessoas, muitas pessoas, que se juntam para ver os espectáculos das companhias de ópera Yue, de Guangdong.

Aquilo que hoje é um misto de ruas, mercados, frutas frescas e templos foi, até meados do século XIX, uma mata e alguns casebres, sem ruas ou ordenamento urbano, segundo um artigo de José Simões Morais publicado na revista Macau. Só nos anos posteriores, quando Tomás de Sousa Rosa era governador de Macau, foi dada uma nova vida a uma zona considerada insalubre, onde a população chinesa vivia.

Chui Sai On passou num ápice numa zona cheia de história, conhecida em chinês por Cheoc Chai Un, ou Jardim dos Passarinhos. Ainda assim há quem admita ver o Chefe do Executivo muitas vezes naquela zona a passear, sozinho, pela calada da noite, chegando a entrar no templo que serve de casa às tradicionais festividades. Porque, afinal de contas, depois de um dia cheio de obrigações e compromissos políticos, sabe bem voltar a casa.

15 Nov 2016

LAG | Sem novidades, especialistas esperam concretização de políticas

É quase certo que o Chefe do Executivo não deverá hoje anunciar nada de novo no âmbito das Linhas de Acção Governativa para 2017. Ainda assim, os especialistas anseiam pela concretização de políticas há muito prometidas e discutidas, nas áreas dos transportes, habitação, reforma da Administração e até democracia

[dropcap style≠’circle’]É[/dropcap] uma fase especial aquela que atravessa a vida política de Chui Sai On. O Chefe do Executivo vai hoje à Assembleia Legislativa (AL) com o segundo mandato na recta final e meses após ter apresentado o Plano de Desenvolvimento Quinquenal, com metas a cumprir nos próximos cinco anos. É por isso que três especialistas contactados pelo HM não esperam o anúncio de novas políticas hoje, mas sim o cumprimento de tudo o que já foi dito e prometido.

“Não espero grandes diferenças em relação ao tom que Chui Sai On tem vindo a demonstrar nos últimos anos. Deverá apresentar medidas que garantam a manutenção dos apoios sociais, os cheques pecuniários… Não haverá grandes novidades”, disse ao HM Agnes Lam, docente universitária e ex-candidata às eleições legislativas.

A presidente da associação Energia Cívica defende que tem havido uma maior abertura do Governo. “Os governantes têm sido bastante activos, enviam dirigentes para o programa de rádio numa base diária, onde se discutem problemas e soluções. Espero que tenham um melhor plano em termos de transportes. A questão do metro ligeiro é realmente preocupante.”

“As pessoas esperam mais medidas ao nível dos transportes e habitação. Nos dias de semana há tráfego em todo o lado e nunca são resolvidos os pequenos ou grandes problemas no trânsito. A implementação do Plano Director é também urgente. Não são necessárias novas políticas, mas é necessário que se continue a trabalhar nas actuais medidas e na resolução destes problemas”, acrescentou Agnes Lam.

Já o sociólogo Larry So defende que “não há novas políticas a serem anunciadas”. “Este será o último ano de mandato e não deverá ter nada de novo para anunciar. Em segundo lugar, tivemos o ano passado a apresentação do Plano de Desenvolvimento Quinquenal, que é um documento muito importante para os próximos cinco anos em termos de planeamento de terrenos, habitação pública ou segurança social.”

“A minha hesitação prende-se exactamente com essa falta de novidade, ou então diria que as LAG vão manter as medidas que precisamos de ter para que a economia permaneça estável. O Plano de Desenvolvimento Quinquenal trouxe o tom que as políticas devem ter e uma direcção para o Governo, as LAG não deveriam ser muito diferentes disso”, disse ainda o sociólogo.

Larry So defende que Chui Sai On vai apresentar hoje medidas para o seu Executivo cumprir, e não a pensar no seu sucessor. “Não seria justo se ele apresentasse medidas para o próximo Chefe do Executivo. Este terá que seguir o Plano de Desenvolvimento Quinquenal, por isso estas serão medidas apresentadas para Chui Sai On e não a pensar no próximo Governo.”

Democracia e reformas

Tong Ka Io, presidente da associação Iniciativa de Desenvolvimento Comunitário, ligada aos deputados Au Kam San e Ng Kuok Cheong, garante que o mais importante é o progresso em relação à implementação do sufrágio universal. “O mais importante e fundamental é garantir o avanço da democracia em prol do desenvolvimento de Macau.”

Além disso, Tong Ka Io acredita que a Função Pública continua a não funcionar como deveria. “Desde a transferência de soberania até agora, a administração pública tem vindo a deteriorar-se. O sistema de responsabilização tem sido bastante lento, pelo que as políticas públicas não reflectem os interesses públicos, mesmo que haja muitos casos em que duvidamos da existência de vários interesses privados em vez dos tais interesses públicos. É necessária uma reforma do sistema da administração pública, está pior e a gestão é bastante pobre. Não podemos ver políticas públicas bem-sucedidas. Pelo contrário, as medidas na área da habitação, economia ou transportes parecem não estar a ser bem-sucedidas. São essas as prioridades que temos”, concluiu.

15 Nov 2016

Caso Ho Chio Meng | Tribunal desmente opiniões veiculadas nos media portugueses

 

O Tribunal de Última Instância fez ontem um esclarecimento invulgar sobre o caso Ho Chio Meng. O órgão presidido por Sam Hou Fai veio garantir que os advogados do ex-procurador tiveram mais do que um mês para preparar a defesa

 

[dropcap style≠’circle’]É[/dropcap] uma nota à imprensa pouco comum, atendendo ao modo como, por norma, os tribunais de Macau lidam com matérias deste género. O Tribunal de Última Instância (TUI) escreveu ontem um comunicado às redacções em resposta a “alguns órgãos de comunicação social portuguesa”, por terem “reflectido a preocupação de alguns advogados pelo facto de a audiência de julgamento do ex-procurador da RAEM se iniciar a 5 de Dezembro próximo”. Em causa estará a comparação com outros julgamentos em processo penal, bem como o curto prazo que o advogado do arguido teria para preparar o processo.

O TUI começa por explicar que “os julgamentos com arguidos presos têm sempre prioridade relativamente ao julgamento dos outros processos em que não se verifica este condicionalismo”, admitindo que, por norma, “os tribunais de primeira instância marquem julgamentos com arguidos presos para datas um pouco superiores a cinco meses”. O órgão recorda, no entanto, que “tais tribunais têm centenas de julgamentos para realizar”, o que não acontece com o TUI: “Este tribunal tem, neste momento, apenas este julgamento em primeira instância”. Ho Chio Meng vai ser julgado no TUI devido ao cargo que exercia à data dos factos.

Consulta sem problemas

O tribunal diz também que “não é verdade que os advogados do arguido tenham apenas um mês para ler o processo e preparar a defesa”, divulgando alguns detalhes sobre o processo. Deduzida acusação pelo Ministério Público, o arguido requereu a abertura de instrução no passado dia 29 de Agosto. A 6 de Setembro, o juiz de instrução declarou a abertura da instrução e desde essa data que “os advogados do arguido têm tido pleno acesso ao processo” no TUI.

“O processo foi consultado muitas vezes, simultaneamente, por vários advogados do arguido. Aliás, até à data, nunca o arguido ou os seus advogados se queixaram de falta de acesso ao processo”, garante o tribunal.

Recorde-se que a data de início do julgamento de Ho Chio Meng foi tornada pública na passada quinta-feira. Detido desde Fevereiro deste ano, o antigo responsável máximo pelo Ministério Público é acusado de uma longa lista de crimes, de peculato a abuso de poder, passando por burla e participação económica em negócio. Ao todo, vai responder em tribunal por 1536 crimes – da acusação constam ainda mais algumas centenas, mas são crimes em concurso aparente, pelo que em julgamento se decidirá qual dos delitos será aplicável.

Pelo que foi divulgado aquando da detenção, a investigação em torno do ex-procurador e dos restantes arguidos foi desencadeada no ano passado, depois de o Comissariado contra a Corrupção (CCAC) ter recebido uma denúncia. Além de Ho Chio Meng, o caso envolve duas antigas chefias do Ministério Público, o ex-chefe do gabinete do procurador e um assessor, vários empresários locais e dois familiares de Ho Chio Meng.

Para já, ainda não são conhecidos detalhes sobre o que terá acontecido – sabe-se apenas que, em causa, está a adjudicação de quase duas mil obras nas instalações do Ministério Público, sempre às mesmas empresas. Os crimes terão ocorrido entre 2004 e 2014, e as empresas envolvidas terão recebido um valor superior a 167 milhões de patacas. O CCAC acredita que, deste valor, 44 milhões de patacas terão sido encaixados pelos arguidos.

 

15 Nov 2016

MIFF | Evento sem Marco Mueller avança com transtornos, mas confiante

 

 

A primeira edição do Festival Internacional de Cinema de Macau é marcada pela saída repentina de Marco Mueller da direcção. Mais do que para a apresentação do cartaz, a conferência de imprensa realizada ontem foi marcada pela ausência do italiano de renome que prometia levar o território ao mundo

 

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] conferência de imprensa destinada à apresentação do programa da primeira edição do Festival Internacional de Cinema de Macau (MIFF, na sigla inglesa) ficou essencialmente marcada pela ausência de Marco Mueller. O italiano que, até ao passado domingo, era o director do evento e que apresentou demissão é agora substituído pela directora dos Serviços do Turismo e representante da Comissão Organizadora, Maria Helena de Senna Fernandes.

A iniciativa, que vai ter lugar entre os dias 8 e 13 de Dezembro, irá, à partida, decorrer sem grandes alterações, afirma Senna Fernandes, não deixando de sublinhar que o MIFF vai sofrer contratempos. “Não posso dizer que não há transtornos com a saída de Marco Mueller, mas estamos confiantes, porque um festival não é feito por uma só pessoa mas da junção do trabalho de várias partes.”

Tudo na mesma

Até ontem, o programa previsto para a primeira edição do MIFF não tinha sofrido qualquer alteração apesar da saída do director. “A maioria dos filmes foi escolhida por Marco Mueller, mas também há convidados especiais que a Comissão Organizadora contactou por achar que podiam ter um ângulo diferente, de modo a construir um programa mais completo”, explica Senna Fernandes.

A actual responsável pelo evento justifica que, das reuniões a que assistiu em que pudessem ter existido divergências quanto à inclusão de obras, nunca os diferendos deixaram de ser resolvidos, sendo que, na sua perspectiva, não foi por discordâncias de programação que Marco Mueller terá pedido a demissão.

Encontrar um substituto para o demissionário director está, nesta altura, fora de questão. Para Helena de Senna Fernandes, “não seria justo colocar outra pessoa para de repente assumir esta tarefa, sem mais nem menos, e que já tem a assinatura de outra pessoa”. No entanto, e tendo em conta edições futuras, a Comissão Organizadora admite que já está à procura de quem assuma o cargo – ainda assim, é uma tarefa que, de momento, exige calma. “Há pessoas em todo o mundo que têm este tipo de experiência e há pessoas qualificadas para assumir este tipo de tarefas. Não é altura para precipitar a situação, mas sim para acalmar os ânimos”, diz Helena de Senna Fernandes.

Tudo indica que a programação prevista para a primeira edição do MIFF não vai sofrer alterações e, até ontem, nenhum dos convidados declinou os convites. “Quando publicámos a notícia da demissão de Marco Muller, fizemos saber a informação a todos os contactos associados ao festival, e até à data, ainda não recebemos nenhuma recusa por parte dos nomes até agora confirmados”, explica a directora dos Serviços de Turismo. “Os filmes que estão divulgados também já assinaram acordo com evento pelo que, caso não queiram prosseguir com a sua participação, terão as consequências previstas”.

 

 

 

Estreias mundiais e asiáticas em destaque

O cartaz da primeira edição do Festival Internacional de Cinema de Macau é composto por 49 filmes. A informação foi adiantada ontem na conferência de imprensa promovida pela comissão organizadora do evento.

Do programa relativo à competição internacional, a mais prestigiada do evento, constam 11 películas, todos eles estreias, mundiais ou asiáticas. As origens são diversas e os filmes vêm de França, Inglaterra, Índia ou Japão.

Ainda em competição oficial está a estreia no grande ecrã de “Sisterhood”, da realizadora local Tracy Choi, ou “São Jorge”, do português Marco Martins, metragem que valeu a Nuno Lopes o prémio de melhor actor da secção “Horizontes” do Festival de Veneza. Os 11 filmes em competição concorrem a nove prémios dos quais se destacam os de melhor filme, melhor realizador ou melhores actores de ambos os géneros.

Do júri fazem parte cinco elementos presididos pelo produtor e realizador indiano Skekhar Kapur, que já viu as suas obras nomeadas para os Óscares e Baftas.

O festival inclui ainda várias rubricas e em competição há uma secção especialmente dedicada à Ásia, a “Hidden Dragons”.

A comissão organizadora sublinhou a importância das “masterclasses” – duas – que vão ser levadas a cabo por Gianni Ninnari, Tom McCarthy e Bobby Cannavale.

Do programa consta ainda uma secção de competição de curtas-metragens de modo a incentivar a produção e divulgação local. As inscrições abriram ontem e fecham a 30 de Novembro.

O MIFF abre o ecrã com “Polina”, a 8 de Dezembro, uma produção francesa que conta a história que junta a sétima arte e a dança contemporânea na personagem que dá nome à película. A realização está a cabo de Angelin Preljocaj e Valérie Muller, e o elenco conta com Anastasia Shevtsova e Juliette Binoche.

Os bilhetes estão à venda a partir da próxima segunda-feira e os preços são de 50 patacas para as sessões normais e de 80 para as sessões em 3D.

Mueller em tribunal?

A Associação de Cultura e Produção de Filmes e Televisão de Macau, co-organizadora do MIFF, fez saber ontem, em nota de imprensa, que “irá exigir a Marco Mueller todas as responsabilidades decorrentes do incumprimento contratual, por todos os meios ao seu alcance, incluindo a via judicial”. Helena de Senna Fernandes admite a possibilidade de abertura de um processo contra o director demissionário, dadas as circunstâncias da sua saída. Para a associação, o que está em causa é o incumprimento do compromisso assinado pelo director italiano. “Marco Mueller faltou ao compromisso assinado como director do Festival conforme acordo assinado com a Associação de Cultura e Produção de Filmes e Televisão de Macau [sic]”, lê-se na mesma nota.

É a segunda vez que se anuncia uma primeira edição de um festival internacional de cinema de Macau organizado por esta associação. No ano passado, o evento também terá estado para acontecer, sem ter sido realizado. Helena de Senna Fernandes, confrontada com a situação, não adiantou as razões que levaram a iniciativa a ficar pelo caminho e os representantes da associação não se pronunciaram em conferência de imprensa, nem avançaram com mais informações acerca de um eventual processo contra Marco Mueller.

 

15 Nov 2016

Marco Mueller demite-se do Festival Internacional de Cinema

O director do primeiro Festival Internacional de Cinema de Macau, Marco Mueller, demitiu-se ontem. Uma referência do cinema internacional que deixa o evento mais pobre e os protagonistas da sétima arte receosos quanto ao futuro

[dropcap style≠’circle’]M[/dropcap]arco Mueller demitiu-se do cargo de director do Festival e Cinema Internacional e Macau. A notícia foi dada ontem em comunicado emitido pela Comissão Organizadora do evento. O acontecimento dá-se a cerca de três semanas do início do festival que tem data marcada de 8 a 13 de Dezembro e apresenta um cartaz com 43 filmes.

Macau perdeu o passaporte para a internacionalização na sétima arte com a saída de Marco Mueller da direcção do primeiro Festival Internacional de Cinema (MIFF). Este é o sentimento que ficou, ontem, entre realizadores residentes a propósito da notícia da demissão do reconhecido programador, Marco Mueller, do cargo de direcção artística da primeira edição do evento que prometia colocar Macau no mapa dos festivais de cinema.

Nos realizadores locais fica a sensação de perda, de esperança desfeita e de sonho perdido. “Este sonho de existir um festival com um grande programador mundial diluiu-se antes mesmo de ter início”, reage o realizador de “Cartas de Guerra”, Ivo Ferreira, em declarações ao HM.

Ter um festival de cinema em Macau não seria uma distinção. O segredo estava, e até ontem, bem entregue ao facto de assumir a liderança com um nome como o de Marco Mueller.

Para Ivo Ferreira, “festivais há muitos, há milhões no mundo todo e sem relevância alguma. A diferença acontece quando têm características particulares, como por exemplo, ter um grande director  e um programador fantástico, como estava para acontecer em Macau com a presença do Mueller”.

O realizador lamenta a notícia do fim ainda antes do início, e a demissão de Mueller “esmorece muito o sonho de termos um grande festival de cinema em Macau”, até porque a sua presença na direcção do MIFF não estava guardada para reconhecimento futuro e já tinha contribuído para colocar Macau no mundo. “Eu que passo muito tempo em Festivais, agora quando digo que venho de Macau, as pessoas já sabem, precisamente pela referência ao director”. “É uma pena”, remata Ivo Ferreira.

Futuro incerto

O sentimento é partilhado por Emily Chan que, apesar de já ter uma película agendada para o evento, não deixa de se mostrar surpreendida e até temerosa quanto ao futuro do MIFF. “Estou assustada e não percebo as razões deste desfecho”, afirma a realizadora local ao HM em reacção à notícia de ontem.

“Durante a convivência com o Marco, ele mostrou ser caloroso  e com vontade de ajudar os realizadores locais, sobretudo os mais jovens. É uma figura carismática e essencial”, explica.

Para Emily Chan, a ausência de Marco Mueller também “é uma pena”. Macau ainda está a dar os primeiros passos na sétima arte e na projecção do que se faz no território e, no ponto de vista da realizadora, Marco Mueller era a esperança do futuro do cinema local. “ Em Macau o cinema é muito recente e está numa fase inicial, e nós, realizadores locais, precisamos muito do apoio de um profissional como o Marco que poderia servir de ponte. Ele era capaz de levar as nossas obras para outras paragens e internacionalizar o trabalho que fazemos”, explica a jovem realizadora.

Não há dúvidas e “é inevitável a perda que o festival vai sofrer com a saída de Mueller, até porque muitos dos filmes que constam no cartaz foram trazidos por ele”, lamenta Emily Chan.

Sem Mueller, e com a promessa agora esmorecida, o receio torna-se inevitável: “se não contamos com ele vai ser mais difícil dar passos no sentido de trazer o bom cinema a Macau e tornar o festival de cinema num evento de renome”.

Diferenças  maiores

Marco Mueller conta já com um vasto currículo e com o nome à frente de alguns dos grandes festivais internacionais, como o de Veneza ou Roma tendo ainda colaborado  como consultor do festival de cinema de Pequim e programador do festival da Rota da Seda.

Em nota enviada ao HM a Comissão Organizadora faz saber  que “foi por motivo de divergências de opiniões entre o Sr. Marco e a Associação de Cultura e Produções de Filmes e Televisão de Macau” que o agora ex-director do MIFF, apresentou a sua demissão.

A mesma entidade dá ainda a conhecer que Marco Mueller não vai ser substituído e que “a Comissão Organizadora e a Associação de Cultura e Produções de Filmes e Televisão de Macau, decidiram não convidar um outro director para o Festival de Cinema, sendo que o Secretariado irá assumir todas as tarefas e responsabilidades de director do Festival.”

Uma surpresa

Também para o Secretário para os Assuntos Sociais e da Cultura , Alexis Tam, a saída de Marco Mueller parece ser uma surpresa. O Secretário reagiu à saída do programador italiano do cargo de director do Festival Internacional de Cinema de Macau, dizendo que a decisão é “pessoal” e “inesperada”, conforme citado pela Rádio Macau. Segundo a mesma fonte, Alexis Tam sublinha ainda que esta é uma decisão que “naturalmente respeita”.

14 Nov 2016

Marisa Gaspar, antropóloga: “A identidade molda-se às situações”

 

Tropeçou em Macau e nos macaenses por acaso, já lá vão mais de 10 anos. Do acaso ao fascínio, Marisa Gaspar passou para a investigação. A antropóloga apresenta em Janeiro o livro que resulta de uma tese de doutoramento sobre os macaenses, em que explora o conceito de ambivalência: fazer parte de dois mundos não é sinónimo de desconforto

 

“No Tempo do Bambu – Identidade e Ambivalência entre Macaenses”. O livro surge na sequência da tese de doutoramento que fez, mas o contacto com a comunidade macaense não começou com os anos de pesquisa que resultaram nesta obra.

Sim, há mais de uma década que investigo Macau e os macaenses, sobretudo a comunidade que está radicada cá. Isto foi o culminar de uma investigação para um doutoramento. Depois de ter sido defendida em 2013, o passo seguinte seria a publicação, que se concretizou. O livro saiu pela edição do Instituto do Oriente da Universidade de Lisboa.

Como é que surgiu o interesse por Macau e pelos macaenses?

Não tinha qualquer ligação a Macau – agora sim, tenho muitas afectivas – mas, até então, não. Quando fui a primeira vez a Macau fui sozinha, à descoberta, e rapidamente conheci pessoas que foram muito calorosas e que me integraram. O gosto por Macau começou em 2003. Quando terminei a minha licenciatura em Antropologia tive a oportunidade de fazer um estágio profissional no Centro Científico e Cultural de Macau aqui em Lisboa. O centro foi fundado em 1999, precisamente com a preocupação de, uma vez que Macau tinha passado para a China, manter a ligação ao território e ser uma ponte activa nas relações China-Portugal, passando sempre por Macau. Não conhecia o centro e pouco conhecia a história de Macau – como a maior parte dos portugueses, que sabem aquela história romântica de que foi cedido aos portugueses que ficaram lá e defenderam a costa. A Expo 98 também foi importante, porque nos aproximou mais do Oriente, as pessoas tiveram oportunidade de perceber que havia um pavilhão muito interessante, o de Macau. Mas, como referi, pouco sabia de Macau. Foi esse estágio que me permitiu ter mais conhecimento sobre o Oriente e, à medida que ia sabendo mais, ia estudando mais e ficando cada vez mais fascinada. Depois, o facto de ter conhecido Henrique de Senna Fernandes, numa das suas passagens por Lisboa: tive a oportunidade de passar longas tardes com ele à conversa e fiquei completamente fascinada por esta comunidade, por esta terra, quis saber mais e investigar mais. Nunca pensei que teria um projecto destes. Entretanto, a minha vida foi mudando, passei por outros sítios, estive um pouco desligada desta investigação, mas sabia que, no futuro, iria voltar a ela e iria fazer um projecto com mais consistência.

A identidade macaense é um assunto muito polémico, não reúne consenso dentro da própria comunidade macaense – ou nas comunidades macaenses. É neste contexto que surge a ambivalência a que se faz referência no título? A que conclusões chegou?

Em relação às conclusões, tenho de salientar que são sempre as minhas interpretações – há sempre muitas divergências no seio da própria comunidade, é natural que umas se identifiquem mais e outras menos com as observações que faço e com as conclusões a que chego. A ambivalência não diz respeito ao que serão os marcadores identitários da comunidade porque, nesse sentido, não encontro grandes discrepâncias. O meu estudo baseia-se na comunidade, mas não me fixei só em Macau ou só em Portugal. A comunidade é muito dinâmica e funciona sobretudo em rede – o que move a comunidade são redes de pessoas e determinadas pessoas dentro da comunidade. Quando percebi isso, achei que poderia focar-me em redes de pessoas e não tanto nos sítios onde estão fixadas, até porque a comunidade tem muitos fluxos entre Portugal, Macau e a diáspora. Mas o importante é perceber que as pessoas estão constantemente em contacto. O facto de estar cá em Portugal não quer dizer que não saibam exactamente o que se está a passar em Macau, porque as pessoas usam as redes sociais e a Internet como forma de comunicação diária e actualizada. Acredito até que os macaenses em Portugal saibam mais das notícias de Macau e do que se passa com os macaenses em Macau do que propriamente o que está a acontecer aqui no país de acolhimento. Mas o que me interessava perceber era exactamente o que se tinha passado desde 1999 – a grande alteração social, económica e cultural em Macau – e a forma como isso se estava a reproduzir em termos de alterações identitárias na comunidade.

Que alterações identitárias foram essas? Aconteceram?

Sim, essa é a conclusão a que o meu estudo chega. De facto, o que percebi é que há uma mudança de paradigma. Se antes a comunidade macaense se identificava sobretudo com uma cultura e uma identidade lusófona, de matriz portuguesa, neste momento houve uma mudança de paradigma: mais importante do que ter essa matriz portuguesa na sua cultura e na sua identidade é marcar pela diferença, ou seja, ‘eu sou diferente quer do português, quer do chinês, porque sou uma mistura dos dois, sou mestiço, sou filho desta terra, como toda a nossa cultura é um produto dessas misturas, seja na comida, seja na língua que se mistura, somos nós, somos um produto da vivência destes dois mundos que resultou nesta mistura’. Acho que esta identificação começa a acontecer precisamente com a preparação para a transição e sobretudo depois da transição, até porque o discurso formal, oficial e político em Macau é precisamente nesse sentido – marcar pela diferença. Macau é diferente da China, tem uma cultura e uma identidade próprias e é isso que está a ser incutido diariamente. Os macaenses, como filhos da terra que são, têm aqui um papel muito importante – mostrarem ao mundo como duas culturas tão diferentes se misturaram e resultaram nesta comunidade.

Faz referência a uma ambivalência estratégica. Que estratégia é esta?

O que entendo por ambivalência é um conceito mais abstracto que tentei explorar. A sensação que tenho, do trabalho de campo intensivo com os macaenses, é que o facto de terem características de informação e saberem estar em ambos os mundos – de conhecerem a cultura ocidental, portuguesa, assim como têm os requisitos da cultura oriental – faz com que a ambivalência seja usada de forma estratégica, de tirar o maior proveito possível dela. Em situações em que convém ser mais ocidental, são mais ocidentais; quando convém ser mais oriental, são mais orientais. Não estando em nenhum dos dois mundos mas estando no meio deles, a verdade é que sabem estar em ambos. Há esse aproveitamento positivo. A ambivalência pode sempre vista, em termos sociológicos, como o não saber estar ou uma confusão de identificação, mas no caso dos macaenses a ambivalência sempre existiu e foi aproveitada de uma forma muito proveitosa e positiva. Esta ambivalência será também identitária, porque haverá alturas e situações em que se deve, se pode ou é mais proveitoso identificar-se com determinados parâmetros, e noutras com outros. Isto para explicar que a identidade é uma coisa muito fluida, plástica, que se molda às situações, àquilo que os indivíduos querem fazer com ela.

Os macaenses são um caso muito específico, atendendo a que a questão da mestiçagem foi um processo mais claro nas antigas colónias portuguesas, até pelas características políticas. À descolonização corresponderam processos de independência, mas no caso de Macau aconteceu uma transferência de poderes – e não passou a ser dos macaenses, como já não era antes. Coloca uma questão: “Macau, ainda terra minha?”. Que resposta é que se pode dar?

De facto, Macau é incomparável com qualquer uma das ex-colónias portuguesas. Lembro-me perfeitamente de ouvir, nas minhas entrevistas, macaenses dizerem que tinham pisado Portugal pela primeira vez com 18, 20 anos, quando tinham oportunidade de vir estudar. Quando ouvia isto, era já no seguimento de uma longa conversa, e para trás tinha ficado uma paixão à pátria, um amor à terra – uma terra que não conheciam. Deixava-me chocada por perceber que era um amor quase platónico, porque estamos a falar de um país que ficava muito longe e que não conheciam de todo. Nesse sentido, o processo educativo vinha obviamente de uma política de instrução escolar – refiro-me a um grupo numa faixa etária entre os 60 e os 70 anos. Este grupo viveu o Macau antes e o depois da transição – e talvez muito mais o Macau antes, que podia ser o Macau chinês que sempre foi, mas esta comunidade era lusófona. Nesse sentido, havia essa ligação muito forte a Portugal. Com o processo de transferência houve muitas questões delicadas, mas penso que se resolveram pelo melhor e, no geral, as pessoas ficaram satisfeitas. Todas elas me falavam do fantasma do processo de descolonização em África e como isso as tinha, de certa forma, traumatizado, gerando o receio de terem de largar tudo e irem embora. Mas isso não aconteceu, as pessoas foram bem integradas, quem quis vir embora veio, houve muita gente que percebeu que era melhor estar em Macau e regressou. A verdade é que a comunidade é isto: são várias redes de pessoas que têm ligações por laços familiares, mas não só, por laços de afectividade que ficou dos tempos da escola, que se continuam a relacionar e a mover. Estamos a chegar ao próximo Encontro das Comunidades Macaenses e há uma demanda para Macau. Há a necessidade de manter os laços bem activos com Macau e de perceber que ‘a minha terra continua ali e as minhas origens são aquelas’.

Um livro disponível

A obra de Marisa Gaspar é apresentada na Casa de Macau em Lisboa a 19 de Janeiro do próximo ano, mas está já disponível para quem se interessa pelo tema. Existem exemplares impressos que não vão ser comercializados – a edição foi patrocinada pela Fundação para a Ciência e Tecnologia do Governo português – e sim distribuídos pelas bibliotecas da especialidade. Mas existe uma versão de “No Tempo do Bambu” em e-book, que pode ser descarregada gratuitamente no site do Instituto do Oriente do Instituto de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa. Em Janeiro, para assinalar a publicação da obra, vai realizar-se um debate que conta com as intervenções do académico Brian O’Neill, autor do prefácio do livro; de Ana Paula Laborinho, presidente do Instituto Camões; e de Fernanda Ilhéu, coordenadora do ChinaLogus – Business Knowledge & Relationship with China, do Centro de Estudos de Gestão da Universidade de Lisboa.

14 Nov 2016

Português | IPM quase a atingir todos os docentes da China

O Centro Pedagógico e Científico da Língua Portuguesa comemora hoje cinco anos de existência com um colóquio a duas vozes. O seu director, Carlos André, afirma que 2016 foi um dos melhores anos para o centro, que está quase a atingir a totalidade dos docentes de língua portuguesa da China

[dropcap style≠’circle’]Q[/dropcap]uando foi criado, em 2012, tinha um objectivo: formar todos os docentes de língua portuguesa da China que se viam a braços com vários desafios, com muitos professores a darem aulas nas universidades com apenas uma licenciatura, dada a imensa procura pelo idioma. Cinco anos depois, pode-se dizer que o Centro Pedagógico e Científico da Língua Portuguesa, do Instituto Politécnico de Macau (IPM), cumpriu os seus objectivos.

“Devo dizer que as acções de formação realizadas até agora no interior da China devem ter abrangido entre 80 a 90 por cento dos docentes de português no país. Estamos muito perto dos 100 por cento dos professores atingidos pelas acções de formação que realizamos ou que vamos realizar este ano. Até Dezembro, ainda temos três acções de formação”, disse ao HM Carlos André, director do centro.

Para o responsável, o ano que está prestes a terminar foi o ponto mais alto em termos de projectos e actividades. “O nosso corpo docente cresceu ao longo deste ano e diria que, se todos os anos têm correspondido a um progresso, 2016 foi um ano de grande sucesso, com o ponto alto que foi o lançamento de dois livros com a presença do primeiro-ministro português [António Costa] e o Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura [Alexis Tam].”

Até ao final deste ano ainda vão ser lançados mais quatro livros. Quanto às acções de formação para 2017 “vão ser intensificadas”, garantiu Carlos André. “O ponto alto será Julho, um mês forte na vida do centro, porque teremos o fórum internacional do ensino da língua portuguesa, que vamos realizar em Pequim. Teremos ainda o curso de formação em Macau. Mas o ponto mais alto será a realização do congresso da Associação Internacional de Lusitanistas, organizado por nós pela primeira vez na Ásia e onde contamos ter os melhores dos melhores professores ligados à língua e cultura portuguesas em todo o mundo”, adiantou Carlos André.

Analisar experiências

Hoje e amanhã decorre no IPM, em parceria com a Escola Superior de Línguas e Tradução, o colóquio intitulado “Diálogos entre língua(s), literatura(s) e cultura(s) no ensino e na tradução do português e chinês”. Irão participar Alexandra Assis Rosa, subdirectora da faculdade de letras da Universidade de Lisboa, e Catarina Xu, subdirectora da faculdade de estudos europeus e latino-americanos da Universidade de Estudos Internacionais de Xangai.

Para Carlos André, o objectivo é fazer “um intercâmbio de experiências”. “Este ano fizemos uma celebração do aniversário com um figurino bastante diferente. Em vez de pedirmos a uma pessoa para fazer uma conferência resolvemos colocar várias pessoas com experiências muito diversas na área do ensino do português como língua estrangeira, decidimos pô-las a conversar. Esperamos uma troca de impressões e que isso seja enriquecedor para todos”, rematou.

14 Nov 2016

Fórum Macau | Académicos falam em falta de estratégia e desconhecimento

Pedro Coimbra, Arnaldo Gonçalves e Luís Crespo consideram que a população local continua a não saber as funções e o papel do Fórum Macau. Num debate organizado pelo jornal Ponto Final, muito se falou sobre a ausência de uma estratégia concreta por parte do Executivo local

[dropcap style≠’circle’]T[/dropcap]odos eles mantêm blogues onde comentam a actualidade do território, mas poucos escrevem regularmente sobre o Fórum Macau. Ainda assim, Pedro Coimbra, autor do blogue “Devaneios a Oriente”, Arnaldo Gonçalves, do “Exílio do Andarilho” e Luís Crespo, do “Bairro do Oriente”, participaram num debate organizado pelo jornal Ponto Final sobre o Fórum e o seu futuro, intitulado “Fórum Macau: Quo vadis?”.

Apesar da fraca adesão do público, o debate aconteceu e deixou algumas ideias: poucos sabem o que o Fórum Macau faz ou aquilo que o Governo do território quer fazer com uma entidade criada em 2003. As críticas foram quase tantas como as questões.

“É algo mais institucional, que tem que ver com circunstâncias históricas. É um Fórum sem grande ambição e acho que nunca terá grande ambição. É um instrumento diplomático de relações externas da China”, disse ao HM o académico Arnaldo Gonçalves.

No debate, o académico afirmou que ainda não percebeu a estratégia do Secretário para a Economia e Finanças, Lionel Leong. “Há uma mudança de estilo na projecção internacional de Macau entre Edmund Ho e Chui Sai On, e o [Fórum] teria outro tipo de desenvolvimento. Se o Governo de Macau está realmente interessado no Fórum e se tem uma estratégia, ainda não percebi que o Secretário Lionel Leong a tenha. Já tivemos três coordenadoras [Cristina Morais vai deixar o cargo], qual é a sequência na liderança da estrutura? Não percebi ainda o que o Governo quer do Fórum.”

Luís Crespo defendeu que poucos conhecem o trabalho do Fórum Macau. “Existe um certo desencanto. Sabemos muito pouco sobre aquilo que o Fórum faz. É algo que não se faz sentir no nosso dia-a-dia. Há a história do centro de produtos portugueses em Zhuhai, ou outras medidas que são anunciadas ao mais alto nível, mas depois não se vêem grandes resultados. Fomos bafejados pela sorte e a China tem sido bastante generosa, mas não estamos a aproveitar isso, porque depois dependeria do epicentro da lusofonia, que é Portugal, e que nunca demonstrou interesse em continuar aqui em Macau”, apontou.

Bilateralismo em queda

O jurista Pedro Coimbra alertou para o facto de a China manter relações bilaterais com países membros do Fórum Macau. “As ligações ao petróleo não passam pelo Fórum. Penso que foi a China, farta de alertar o território com os discursos sobre diversificação económica, que nos deu este presente. Uma estrutura comandada por Pequim para que Macau se volte para outras coisas que não o jogo. Nestes anos Macau mexeu com o Fórum? Não se viu nada.”

Arnaldo Gonçalves lembrou ainda que as relações bilaterais atravessam também um período de crise. “As relações bilaterais fazem-se sem o Fórum e estão a fazer-se muito mal: veja-se a evolução das relações económicas, é dramática. Relações com Angola e Brasil, com queda de exportações de 60 por cento, é cair na vertical”, disse ao HM.

O debate focou-se ainda no facto de apenas dois projectos terem sido aprovados no processo de candidatura ao fundo financeiro anunciado por Pequim. “Pusemos as expectativas à frente da realidade e isso acontece no Fórum. Não nos podemos esquecer que o dinheiro é da China e tem de ser aplicado com bom senso. Os projectos têm de ter consistência e não podem ser um conjunto de boas intenções. Isso não está a acontecer e estão a pôr o carro à frente dos bois”, defendeu Arnaldo Gonçalves.

Quanto à candidatura de projectos de Macau, o cenário parece ser negro. “Não acredito que haja empresas de Macau [a concorrerem ao fundo] porque não há empresas tecnologicamente filiadas aqui, são de Hong Kong e isso tem que ver com a pequenez do território. Os empresários daqui são sobretudo de Hong Kong.”

Ainda assim, colocou-se a questão: vale a pena a existência do Fórum Macau? Sim, defenderam os participantes, por ser mais um instrumento de diplomacia externa chinesa. “É importante Macau ter isto porque não tem outra janela para o mundo. Que projecto tem Macau como cidade internacional, virada para os outros países? Nenhum. A China quer apenas fazer marketing político”, defendeu o académico Arnaldo Gonçalves.

14 Nov 2016

Ho Chio Meng acusado de 1536 crimes. Julgamento começa a 5 de Dezembro

O antigo responsável máximo pelo Ministério Público de Macau começa a ser julgado no próximo mês. Detido desde Fevereiro deste ano, Ho Chio Meng é acusado de uma longa lista de crimes, de peculato a abuso de poder, passando por burla e participação económica em negócio

 

[dropcap style≠’circle’]Q[/dropcap]uase dez meses depois de ter sido detido, Ho Chio Meng vai comparecer em tribunal no próximo dia 5 para começar a ser julgado. Em nota à imprensa enviada ontem pelo Tribunal de Última Instância, e feitas as contas, fica-se a saber que o ex-procurador da RAEM vai acusado de 1536 crimes – a maioria diz respeito a burla, participação económica em negócio e abuso de poder. O mesmo comunicado indica que a instrução do processo foi concluída este mês, tendo o processo sido remetido ao tribunal colectivo do TUI no passado dia 4.

De acordo com o despacho de instrução, Ho Chio Meng responde sozinho por vários crimes e, noutros, em co-autoria com vários arguidos que vão ser julgados num processo conexo. A legislação de Macau faz com que o ex-procurador seja julgado, em primeira instância, pelo Tribunal de Última Instância, por causa das funções que exercia à data dos factos. À semelhança do que aconteceu no caso de Ao Man Long, antigo secretário para os Transportes e Obras Públicas, o homem que liderou o Ministério Público entre 1999 e 2014 não poderá interpor recurso da decisão final e de questões processuais que possam ser levantadas durante o julgamento.

A longa lista

Passando à extensa lista de crimes: Ho Chio Meng é acusado de nove crimes de peculato, na forma consumada (punido com pena de prisão de um a oito anos), bem como de um crime de peculato de uso (um ano de prisão ou pena de multa até 120 dias). Depois, responde por 19 crimes de burla qualificada de valor consideravelmente elevado – um crime que o Código Penal pune com pena de prisão de dois a 10 anos –, por 69 crimes de abuso de poder (pena de prisão até três anos ou pena de multa) e por um crime de destruição de objectos colocados sob o poder público (pena de prisão até cinco anos).

Ainda como único autor, o ex-procurador responde por um crime de promoção ou fundação de associação criminosa, previstos pela Lei da Criminalidade Organizada, em concurso aparente com o crime de associação criminosa previsto no Código Penal (com uma pena que vai de três a 10 anos) – em julgamento irá decidir-se qual dos crimes em concurso será aplicável. A mesma situação se vai aplicar aos 434 crimes de participação económica em negócio que, no despacho de instrução, surgem em concurso com outros tantos crimes de abuso de poder.

Quanto aos crimes em co-autoria, há oito crimes de burla qualificada que Ho Chio Meng terá cometido com uma arguida identificada como tendo o apelido Wang (cinco de valor consideravelmente elevado e três de valor elevado). Com os arguidos de apelidos Wong, Mak, Ho e Lei responde por nove crimes de burla qualificada de valor consideravelmente elevado) e de 56 crimes de branqueamento de capitais.

Com os arguidos identificados como sendo Wong, Mak, Ho e Lam, ao ex-magistrado são imputados 75 crimes de burla qualificada de valor consideravelmente elevado, 205 crimes de burla qualificada de valor elevado e 646 crimes de burla.

Ho Chio Meng é ainda acusado de ter cometido, em co-autoria com a arguida Chao, dois crimes de falsidade de declaração (inexactidão dos elementos) e um crime de riqueza injustificada.

Colegas e família

Pelo que foi divulgado aquando da detenção, a investigação em torno do ex-procurador e dos restantes arguidos foi desencadeada no ano passado, depois de o Comissariado contra a Corrupção (CCAC) ter recebido uma denúncia. Além do ex-procurador, o caso envolve duas antigas chefias do Ministério Público, o ex-chefe do gabinete do procurador e um assessor, vários empresários locais e dois familiares de Ho Chio Meng, indicou o organismo.

Para já, ainda não são conhecidos detalhes sobre o que terá acontecido – sabe-se apenas que, em causa, está a adjudicação de quase duas mil obras nas instalações do Ministério Público, sempre às mesmas empresas. Os crimes terão ocorrido entre 2004 e 2014, e as empresas envolvidas terão recebido um valor superior a 167 milhões de patacas. O CCAC acredita que, deste valor, 44 milhões terão sido encaixados pelos arguidos.

11 Nov 2016

Grupo Pompidou do Conselho da Europa: “Novos químicos vão encher mercados asiáticos”

Os avanços tecnológicos permitiram que hoje já não seja necessário ir à rua comprar droga, existindo cada vez mais negócios online, ou que haja cada vez mais produção ilegal de substâncias, comercializadas em todo o mundo por redes especializadas. Os responsáveis do Grupo Pompidou do Conselho da Europa, Antoine Verachtert e Robert Teltzrow, falam das novas tendências no consumo e tráfico de droga e do sucesso de Macau no programa de metadona

Quais as novas tendências em termos de consumo de drogas às quais os governos necessitam de dar mais atenção?

Robert Teltzrow (R.T.) – Podemos olhar para essa questão de duas perspectivas. Primeiro, ao nível do reforço da lei, e depois do ponto de vista social e de reabilitação. Quando olhamos para o lado social e de reabilitação, podemos dizer que o uso de drogas na Europa está, na sua maioria, estável. Há algumas drogas nas quais vemos uma redução do seu consumo, e outras em que notamos um aumento do seu uso. Drogas cujo consumo é mais estável é o cannabis, e drogas mais tradicionais, como a cocaína. Notamos um decréscimo no consumo da heroína na Europa. O uso de anfetaminas mantém-se estável apesar de termos um desenvolvimento em alguns países, como a República Checa e nos países vizinhos. Muitos dos laboratórios que produzem estas novas substâncias podem ser encontrados nestes países.

Antoine Verachtert (A.V.) – Quando olharmos para o consumo vemos que há drogas consideradas tradicionais, como a cocaína, que continuam a ser consumidas, e já o são há muitos anos. A heroína regista um decréscimo, tal como a quantidade de heroína que chega à Europa. Mas, por outro lado, há novas substâncias psicotrópicas e regulações (que não conseguem abranger estas novas drogas) e é uma das razões pelas quais acho que é importante ter uma excelente cooperação ao nível internacional, especialmente ao nível da produção dessas novas substâncias. Alguns países na Ásia já importam, produzem e exportam para a Europa químicos que são usados e produzidos de forma ilegal em laboratórios, que são aplicados em novas substâncias.

Que países são esses?

A.V. – Há estudos que dizem que a China está a tornar-se um dos principais produtores e exportadores deste tipo de substâncias. Não quero apontar para um único país, mas um dos problemas é a legislação, especialmente quando falamos de químicos. São muito difíceis de regular. A diversidade dos químicos legais para o seu uso ilegal é uma das grandes preocupações e isso está a acontecer na Europa. Vemos que precisamos de uma maior cooperação com os países produtores, e aqui não falo apenas da China, porque há outros países no mundo que também produzem químicos muito perigosos, que têm um uso legitimado mas acabam por ser usados de forma perigosa e ilegal. Isso é algo que temos de combater em conjunto.

O ice é uma das drogas mais consumidas em Macau. Como é o seu consumo na Europa?

R.T. – Na sua maioria, é consumido por uma subpopulação que usa ice, cristais, as chamadas metanfetaminas. Podemos dizer que ao nível do tratamento o problema das metanfetaminas compara-se ao das drogas tradicionais, é muito baixo, mas não estamos ainda preparados para tratar problemas ligados ao seu consumo, especialmente porque não temos medicamentos para fazer essa substituição, como a metadona, que substitui a heroína, por exemplo.

Há também muita falta de informação, sobretudo junto dos mais jovens?

R.T. – É um fenómeno recente junto dos mais jovens e não há muito conhecimento sobre o que estas drogas fazem ao nosso corpo. Temos muitas admissões em hospitais e os médicos simplesmente não sabem o que fazer e tratam os efeitos das drogas como doenças, tratam aquilo que vêm. Não há muita investigação e pesquisa para que haja programas especializados para estes consumidores.

Neste seminário abordaram ainda a venda de drogas na internet. É uma tendência e um mercado em crescimento?

A.V. – Vemos cada vez mais, a um nível global, que as drogas são vendidas online. Muitos destes produtos não estão regulados, então podem ser vendidos na internet. Os jovens são os maiores utilizadores, compram todo o tipo de produtos, como roupas, sapatos, computadores, mas também compram drogas. Há também um processo de entrega dessas drogas, por correio, e isso traz-nos grandes problemas, e também para as empresas que não querem ter a venda de droga a circular nas suas redes. Está a tornar-se um grande problema para a sociedade no geral porque a compra de droga na internet faz-se no anonimato, as pessoas não precisam de ir para a rua comprá-la e isso faz com que seja mais difícil às autoridades identificar os compradores. Isso pode encorajar mais pessoas a comprar droga que de outra forma não iriam pôr os pés na rua para a comprar.

Macau está neste momento a discutir a revisão da lei da droga, em que se prevê um aumento da pena de prisão para consumidores de três meses para um ano. Esta é a medida ideal para lidar com este problema?

R.T. – Se imaginarmos que temos uma prisão onde há programas de tratamento antidroga, bons serviços sociais e um sistema aberto que permite ao preso estar em contacto com o mundo exterior, isso seria positivo. Mas normalmente penso que em todo o mundo isso não acontece. As prisões não são, no geral, um bom lugar para a recuperação dos toxicodependentes.

E está provado que há um elevado consumo de drogas nas prisões.

R.T. – Em todo o mundo vemos drogas dentro das prisões, estão disponíveis e são comercializadas. Precisamos que haja nas prisões tratamentos com substituição de substâncias, apoio social para que os consumidores tenham um tratamento humanizado nas prisões, para que possam manter o mesmo tratamento dentro da prisão que já mantinham cá fora. Em geral, na Europa, vemos uma tendência dos governos em quererem diminuir as penas de prisão e o número de reclusos. Cada vez mais se considera que o consumo de drogas não deveria ser encarado como um crime mas como um sintoma de uma doença.

A.V. – Colocar os consumidores de droga atrás das grades significa também que as figuras do meio judicial têm de lidar com estes casos, ir a tribunal… Pessoalmente não estou convencido de que pôr consumidores de droga atrás das grades seja a melhor das soluções, pelo contrário. Não vão ter a possibilidade de ter o melhor tratamento, temos de olhar mais para eles enquanto vítimas e pacientes em vez de criminosos. Ao nível da lei não temos essa mentalidade, não vemos essas pessoas como criminosas.

R.T. – Também é mau para a sociedade ter pessoas que não estão aptas a voltar a viver fora da prisão sem recaídas e sem um apoio contínuo, que vão voltar a cometer os mesmos crimes. Hoje visitei um centro de tratamento com metadona em Macau e vi que Macau implementou medidas muito efectivas ao nível da substituição de estupefacientes com medicamentos e recolha de seringas. Isso ajuda a prevenir doenças como o HIV e Hepatite C. Fiquei com uma impressão positiva.

Há casos bem sucedidos na Europa de políticas de combate às drogas, como é o caso de Portugal ou até a Holanda, que descriminalizou por completo o seu uso. São exemplos para Macau?

R.T. – Temos diferentes casos. O Grupo Pompidou serve para discutir os programas que já existem e de que forma podem ser efectivos. Vemos que alguns países implementaram políticas de descriminalização. Portugal implementou, em 2000, novas políticas de combate à droga que são abrangentes no sentido de transferir os toxicodependentes para centros de reabilitação, e vemos um bom exemplo por parte das autoridades policiais. Portugal é um exemplo muito interessante e houve efeitos positivos oriundos dessas políticas. Mas não se fez magia: Portugal continua a ter problemas com o consumo de droga, os níveis de HIV são ainda muito elevados. Mas é uma política mais abrangente e vários países europeus foram a Portugal ver de perto isso.

Podem falar um pouco do panorama do consumo na Ásia, que tem contextos socioeconómicos muito diferentes?

R.T. – Sabemos que os níveis de consumo na Ásia e na América do Norte são geralmente mais elevados do que na Europa. No que diz respeito ao tratamento de metanfetaminas, talvez haja um avanço porque o problema existe há mais tempo e a Europa até poderia aprender algo com a região da Ásia-Pacífico. Não quero incluir as Filipinas porque estamos muito preocupados com o que está a acontecer, com a política que está a ser adoptada e que criminaliza o consumo, falam em matar os consumidores.

A.V. – A Ásia tem de entender que talvez um dia tudo vai regressar como se de um boomerang se tratasse. Se a legislação não mudar, se o controlo da produção de químicos e a prevenção da diversificação desses químicos não for implementada, temo que a produção vai aumentar e um dia esses novos químicos vão encher os mercados asiáticos na forma de novas substâncias. As metanfetaminas poderão crescer, mas também as novas substâncias. Mais tarde ou mais cedo isso vai acontecer.

Pensar nas políticas

Antoine Verachtert é segundo oficial do departamento do crime organizado transnacional do Grupo Pompidou, enquanto que Robert Teltzrow é assessor principal do projecto de saúde e reabilitação da mesma entidade, que pertence ao Conselho da Europa da União Europeia. Ambos estiveram em Macau nos últimos quatro dias para um seminário no Centro de Formação Jurídica e Judiciária, intitulado “Seminário sobre a luta contra o tráfico de drogas e toxicodependência”. O Grupo Pompidou está ligado às áreas do consumo e tráfico de drogas na Europa, bem como à área da reabilitação e doenças relacionadas com estupefacientes. O seu papel é analisar as diversas políticas que são adoptadas pelos membros da UE e estabelecer recomendações.

11 Nov 2016