Português | IPM quase a atingir todos os docentes da China

O Centro Pedagógico e Científico da Língua Portuguesa comemora hoje cinco anos de existência com um colóquio a duas vozes. O seu director, Carlos André, afirma que 2016 foi um dos melhores anos para o centro, que está quase a atingir a totalidade dos docentes de língua portuguesa da China

[dropcap style≠’circle’]Q[/dropcap]uando foi criado, em 2012, tinha um objectivo: formar todos os docentes de língua portuguesa da China que se viam a braços com vários desafios, com muitos professores a darem aulas nas universidades com apenas uma licenciatura, dada a imensa procura pelo idioma. Cinco anos depois, pode-se dizer que o Centro Pedagógico e Científico da Língua Portuguesa, do Instituto Politécnico de Macau (IPM), cumpriu os seus objectivos.

“Devo dizer que as acções de formação realizadas até agora no interior da China devem ter abrangido entre 80 a 90 por cento dos docentes de português no país. Estamos muito perto dos 100 por cento dos professores atingidos pelas acções de formação que realizamos ou que vamos realizar este ano. Até Dezembro, ainda temos três acções de formação”, disse ao HM Carlos André, director do centro.

Para o responsável, o ano que está prestes a terminar foi o ponto mais alto em termos de projectos e actividades. “O nosso corpo docente cresceu ao longo deste ano e diria que, se todos os anos têm correspondido a um progresso, 2016 foi um ano de grande sucesso, com o ponto alto que foi o lançamento de dois livros com a presença do primeiro-ministro português [António Costa] e o Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura [Alexis Tam].”

Até ao final deste ano ainda vão ser lançados mais quatro livros. Quanto às acções de formação para 2017 “vão ser intensificadas”, garantiu Carlos André. “O ponto alto será Julho, um mês forte na vida do centro, porque teremos o fórum internacional do ensino da língua portuguesa, que vamos realizar em Pequim. Teremos ainda o curso de formação em Macau. Mas o ponto mais alto será a realização do congresso da Associação Internacional de Lusitanistas, organizado por nós pela primeira vez na Ásia e onde contamos ter os melhores dos melhores professores ligados à língua e cultura portuguesas em todo o mundo”, adiantou Carlos André.

Analisar experiências

Hoje e amanhã decorre no IPM, em parceria com a Escola Superior de Línguas e Tradução, o colóquio intitulado “Diálogos entre língua(s), literatura(s) e cultura(s) no ensino e na tradução do português e chinês”. Irão participar Alexandra Assis Rosa, subdirectora da faculdade de letras da Universidade de Lisboa, e Catarina Xu, subdirectora da faculdade de estudos europeus e latino-americanos da Universidade de Estudos Internacionais de Xangai.

Para Carlos André, o objectivo é fazer “um intercâmbio de experiências”. “Este ano fizemos uma celebração do aniversário com um figurino bastante diferente. Em vez de pedirmos a uma pessoa para fazer uma conferência resolvemos colocar várias pessoas com experiências muito diversas na área do ensino do português como língua estrangeira, decidimos pô-las a conversar. Esperamos uma troca de impressões e que isso seja enriquecedor para todos”, rematou.

14 Nov 2016

Fórum Macau | Académicos falam em falta de estratégia e desconhecimento

Pedro Coimbra, Arnaldo Gonçalves e Luís Crespo consideram que a população local continua a não saber as funções e o papel do Fórum Macau. Num debate organizado pelo jornal Ponto Final, muito se falou sobre a ausência de uma estratégia concreta por parte do Executivo local

[dropcap style≠’circle’]T[/dropcap]odos eles mantêm blogues onde comentam a actualidade do território, mas poucos escrevem regularmente sobre o Fórum Macau. Ainda assim, Pedro Coimbra, autor do blogue “Devaneios a Oriente”, Arnaldo Gonçalves, do “Exílio do Andarilho” e Luís Crespo, do “Bairro do Oriente”, participaram num debate organizado pelo jornal Ponto Final sobre o Fórum e o seu futuro, intitulado “Fórum Macau: Quo vadis?”.

Apesar da fraca adesão do público, o debate aconteceu e deixou algumas ideias: poucos sabem o que o Fórum Macau faz ou aquilo que o Governo do território quer fazer com uma entidade criada em 2003. As críticas foram quase tantas como as questões.

“É algo mais institucional, que tem que ver com circunstâncias históricas. É um Fórum sem grande ambição e acho que nunca terá grande ambição. É um instrumento diplomático de relações externas da China”, disse ao HM o académico Arnaldo Gonçalves.

No debate, o académico afirmou que ainda não percebeu a estratégia do Secretário para a Economia e Finanças, Lionel Leong. “Há uma mudança de estilo na projecção internacional de Macau entre Edmund Ho e Chui Sai On, e o [Fórum] teria outro tipo de desenvolvimento. Se o Governo de Macau está realmente interessado no Fórum e se tem uma estratégia, ainda não percebi que o Secretário Lionel Leong a tenha. Já tivemos três coordenadoras [Cristina Morais vai deixar o cargo], qual é a sequência na liderança da estrutura? Não percebi ainda o que o Governo quer do Fórum.”

Luís Crespo defendeu que poucos conhecem o trabalho do Fórum Macau. “Existe um certo desencanto. Sabemos muito pouco sobre aquilo que o Fórum faz. É algo que não se faz sentir no nosso dia-a-dia. Há a história do centro de produtos portugueses em Zhuhai, ou outras medidas que são anunciadas ao mais alto nível, mas depois não se vêem grandes resultados. Fomos bafejados pela sorte e a China tem sido bastante generosa, mas não estamos a aproveitar isso, porque depois dependeria do epicentro da lusofonia, que é Portugal, e que nunca demonstrou interesse em continuar aqui em Macau”, apontou.

Bilateralismo em queda

O jurista Pedro Coimbra alertou para o facto de a China manter relações bilaterais com países membros do Fórum Macau. “As ligações ao petróleo não passam pelo Fórum. Penso que foi a China, farta de alertar o território com os discursos sobre diversificação económica, que nos deu este presente. Uma estrutura comandada por Pequim para que Macau se volte para outras coisas que não o jogo. Nestes anos Macau mexeu com o Fórum? Não se viu nada.”

Arnaldo Gonçalves lembrou ainda que as relações bilaterais atravessam também um período de crise. “As relações bilaterais fazem-se sem o Fórum e estão a fazer-se muito mal: veja-se a evolução das relações económicas, é dramática. Relações com Angola e Brasil, com queda de exportações de 60 por cento, é cair na vertical”, disse ao HM.

O debate focou-se ainda no facto de apenas dois projectos terem sido aprovados no processo de candidatura ao fundo financeiro anunciado por Pequim. “Pusemos as expectativas à frente da realidade e isso acontece no Fórum. Não nos podemos esquecer que o dinheiro é da China e tem de ser aplicado com bom senso. Os projectos têm de ter consistência e não podem ser um conjunto de boas intenções. Isso não está a acontecer e estão a pôr o carro à frente dos bois”, defendeu Arnaldo Gonçalves.

Quanto à candidatura de projectos de Macau, o cenário parece ser negro. “Não acredito que haja empresas de Macau [a concorrerem ao fundo] porque não há empresas tecnologicamente filiadas aqui, são de Hong Kong e isso tem que ver com a pequenez do território. Os empresários daqui são sobretudo de Hong Kong.”

Ainda assim, colocou-se a questão: vale a pena a existência do Fórum Macau? Sim, defenderam os participantes, por ser mais um instrumento de diplomacia externa chinesa. “É importante Macau ter isto porque não tem outra janela para o mundo. Que projecto tem Macau como cidade internacional, virada para os outros países? Nenhum. A China quer apenas fazer marketing político”, defendeu o académico Arnaldo Gonçalves.

14 Nov 2016

Ho Chio Meng acusado de 1536 crimes. Julgamento começa a 5 de Dezembro

O antigo responsável máximo pelo Ministério Público de Macau começa a ser julgado no próximo mês. Detido desde Fevereiro deste ano, Ho Chio Meng é acusado de uma longa lista de crimes, de peculato a abuso de poder, passando por burla e participação económica em negócio

 

[dropcap style≠’circle’]Q[/dropcap]uase dez meses depois de ter sido detido, Ho Chio Meng vai comparecer em tribunal no próximo dia 5 para começar a ser julgado. Em nota à imprensa enviada ontem pelo Tribunal de Última Instância, e feitas as contas, fica-se a saber que o ex-procurador da RAEM vai acusado de 1536 crimes – a maioria diz respeito a burla, participação económica em negócio e abuso de poder. O mesmo comunicado indica que a instrução do processo foi concluída este mês, tendo o processo sido remetido ao tribunal colectivo do TUI no passado dia 4.

De acordo com o despacho de instrução, Ho Chio Meng responde sozinho por vários crimes e, noutros, em co-autoria com vários arguidos que vão ser julgados num processo conexo. A legislação de Macau faz com que o ex-procurador seja julgado, em primeira instância, pelo Tribunal de Última Instância, por causa das funções que exercia à data dos factos. À semelhança do que aconteceu no caso de Ao Man Long, antigo secretário para os Transportes e Obras Públicas, o homem que liderou o Ministério Público entre 1999 e 2014 não poderá interpor recurso da decisão final e de questões processuais que possam ser levantadas durante o julgamento.

A longa lista

Passando à extensa lista de crimes: Ho Chio Meng é acusado de nove crimes de peculato, na forma consumada (punido com pena de prisão de um a oito anos), bem como de um crime de peculato de uso (um ano de prisão ou pena de multa até 120 dias). Depois, responde por 19 crimes de burla qualificada de valor consideravelmente elevado – um crime que o Código Penal pune com pena de prisão de dois a 10 anos –, por 69 crimes de abuso de poder (pena de prisão até três anos ou pena de multa) e por um crime de destruição de objectos colocados sob o poder público (pena de prisão até cinco anos).

Ainda como único autor, o ex-procurador responde por um crime de promoção ou fundação de associação criminosa, previstos pela Lei da Criminalidade Organizada, em concurso aparente com o crime de associação criminosa previsto no Código Penal (com uma pena que vai de três a 10 anos) – em julgamento irá decidir-se qual dos crimes em concurso será aplicável. A mesma situação se vai aplicar aos 434 crimes de participação económica em negócio que, no despacho de instrução, surgem em concurso com outros tantos crimes de abuso de poder.

Quanto aos crimes em co-autoria, há oito crimes de burla qualificada que Ho Chio Meng terá cometido com uma arguida identificada como tendo o apelido Wang (cinco de valor consideravelmente elevado e três de valor elevado). Com os arguidos de apelidos Wong, Mak, Ho e Lei responde por nove crimes de burla qualificada de valor consideravelmente elevado) e de 56 crimes de branqueamento de capitais.

Com os arguidos identificados como sendo Wong, Mak, Ho e Lam, ao ex-magistrado são imputados 75 crimes de burla qualificada de valor consideravelmente elevado, 205 crimes de burla qualificada de valor elevado e 646 crimes de burla.

Ho Chio Meng é ainda acusado de ter cometido, em co-autoria com a arguida Chao, dois crimes de falsidade de declaração (inexactidão dos elementos) e um crime de riqueza injustificada.

Colegas e família

Pelo que foi divulgado aquando da detenção, a investigação em torno do ex-procurador e dos restantes arguidos foi desencadeada no ano passado, depois de o Comissariado contra a Corrupção (CCAC) ter recebido uma denúncia. Além do ex-procurador, o caso envolve duas antigas chefias do Ministério Público, o ex-chefe do gabinete do procurador e um assessor, vários empresários locais e dois familiares de Ho Chio Meng, indicou o organismo.

Para já, ainda não são conhecidos detalhes sobre o que terá acontecido – sabe-se apenas que, em causa, está a adjudicação de quase duas mil obras nas instalações do Ministério Público, sempre às mesmas empresas. Os crimes terão ocorrido entre 2004 e 2014, e as empresas envolvidas terão recebido um valor superior a 167 milhões de patacas. O CCAC acredita que, deste valor, 44 milhões terão sido encaixados pelos arguidos.

11 Nov 2016

Grupo Pompidou do Conselho da Europa: “Novos químicos vão encher mercados asiáticos”

Os avanços tecnológicos permitiram que hoje já não seja necessário ir à rua comprar droga, existindo cada vez mais negócios online, ou que haja cada vez mais produção ilegal de substâncias, comercializadas em todo o mundo por redes especializadas. Os responsáveis do Grupo Pompidou do Conselho da Europa, Antoine Verachtert e Robert Teltzrow, falam das novas tendências no consumo e tráfico de droga e do sucesso de Macau no programa de metadona

Quais as novas tendências em termos de consumo de drogas às quais os governos necessitam de dar mais atenção?

Robert Teltzrow (R.T.) – Podemos olhar para essa questão de duas perspectivas. Primeiro, ao nível do reforço da lei, e depois do ponto de vista social e de reabilitação. Quando olhamos para o lado social e de reabilitação, podemos dizer que o uso de drogas na Europa está, na sua maioria, estável. Há algumas drogas nas quais vemos uma redução do seu consumo, e outras em que notamos um aumento do seu uso. Drogas cujo consumo é mais estável é o cannabis, e drogas mais tradicionais, como a cocaína. Notamos um decréscimo no consumo da heroína na Europa. O uso de anfetaminas mantém-se estável apesar de termos um desenvolvimento em alguns países, como a República Checa e nos países vizinhos. Muitos dos laboratórios que produzem estas novas substâncias podem ser encontrados nestes países.

Antoine Verachtert (A.V.) – Quando olharmos para o consumo vemos que há drogas consideradas tradicionais, como a cocaína, que continuam a ser consumidas, e já o são há muitos anos. A heroína regista um decréscimo, tal como a quantidade de heroína que chega à Europa. Mas, por outro lado, há novas substâncias psicotrópicas e regulações (que não conseguem abranger estas novas drogas) e é uma das razões pelas quais acho que é importante ter uma excelente cooperação ao nível internacional, especialmente ao nível da produção dessas novas substâncias. Alguns países na Ásia já importam, produzem e exportam para a Europa químicos que são usados e produzidos de forma ilegal em laboratórios, que são aplicados em novas substâncias.

Que países são esses?

A.V. – Há estudos que dizem que a China está a tornar-se um dos principais produtores e exportadores deste tipo de substâncias. Não quero apontar para um único país, mas um dos problemas é a legislação, especialmente quando falamos de químicos. São muito difíceis de regular. A diversidade dos químicos legais para o seu uso ilegal é uma das grandes preocupações e isso está a acontecer na Europa. Vemos que precisamos de uma maior cooperação com os países produtores, e aqui não falo apenas da China, porque há outros países no mundo que também produzem químicos muito perigosos, que têm um uso legitimado mas acabam por ser usados de forma perigosa e ilegal. Isso é algo que temos de combater em conjunto.

O ice é uma das drogas mais consumidas em Macau. Como é o seu consumo na Europa?

R.T. – Na sua maioria, é consumido por uma subpopulação que usa ice, cristais, as chamadas metanfetaminas. Podemos dizer que ao nível do tratamento o problema das metanfetaminas compara-se ao das drogas tradicionais, é muito baixo, mas não estamos ainda preparados para tratar problemas ligados ao seu consumo, especialmente porque não temos medicamentos para fazer essa substituição, como a metadona, que substitui a heroína, por exemplo.

Há também muita falta de informação, sobretudo junto dos mais jovens?

R.T. – É um fenómeno recente junto dos mais jovens e não há muito conhecimento sobre o que estas drogas fazem ao nosso corpo. Temos muitas admissões em hospitais e os médicos simplesmente não sabem o que fazer e tratam os efeitos das drogas como doenças, tratam aquilo que vêm. Não há muita investigação e pesquisa para que haja programas especializados para estes consumidores.

Neste seminário abordaram ainda a venda de drogas na internet. É uma tendência e um mercado em crescimento?

A.V. – Vemos cada vez mais, a um nível global, que as drogas são vendidas online. Muitos destes produtos não estão regulados, então podem ser vendidos na internet. Os jovens são os maiores utilizadores, compram todo o tipo de produtos, como roupas, sapatos, computadores, mas também compram drogas. Há também um processo de entrega dessas drogas, por correio, e isso traz-nos grandes problemas, e também para as empresas que não querem ter a venda de droga a circular nas suas redes. Está a tornar-se um grande problema para a sociedade no geral porque a compra de droga na internet faz-se no anonimato, as pessoas não precisam de ir para a rua comprá-la e isso faz com que seja mais difícil às autoridades identificar os compradores. Isso pode encorajar mais pessoas a comprar droga que de outra forma não iriam pôr os pés na rua para a comprar.

Macau está neste momento a discutir a revisão da lei da droga, em que se prevê um aumento da pena de prisão para consumidores de três meses para um ano. Esta é a medida ideal para lidar com este problema?

R.T. – Se imaginarmos que temos uma prisão onde há programas de tratamento antidroga, bons serviços sociais e um sistema aberto que permite ao preso estar em contacto com o mundo exterior, isso seria positivo. Mas normalmente penso que em todo o mundo isso não acontece. As prisões não são, no geral, um bom lugar para a recuperação dos toxicodependentes.

E está provado que há um elevado consumo de drogas nas prisões.

R.T. – Em todo o mundo vemos drogas dentro das prisões, estão disponíveis e são comercializadas. Precisamos que haja nas prisões tratamentos com substituição de substâncias, apoio social para que os consumidores tenham um tratamento humanizado nas prisões, para que possam manter o mesmo tratamento dentro da prisão que já mantinham cá fora. Em geral, na Europa, vemos uma tendência dos governos em quererem diminuir as penas de prisão e o número de reclusos. Cada vez mais se considera que o consumo de drogas não deveria ser encarado como um crime mas como um sintoma de uma doença.

A.V. – Colocar os consumidores de droga atrás das grades significa também que as figuras do meio judicial têm de lidar com estes casos, ir a tribunal… Pessoalmente não estou convencido de que pôr consumidores de droga atrás das grades seja a melhor das soluções, pelo contrário. Não vão ter a possibilidade de ter o melhor tratamento, temos de olhar mais para eles enquanto vítimas e pacientes em vez de criminosos. Ao nível da lei não temos essa mentalidade, não vemos essas pessoas como criminosas.

R.T. – Também é mau para a sociedade ter pessoas que não estão aptas a voltar a viver fora da prisão sem recaídas e sem um apoio contínuo, que vão voltar a cometer os mesmos crimes. Hoje visitei um centro de tratamento com metadona em Macau e vi que Macau implementou medidas muito efectivas ao nível da substituição de estupefacientes com medicamentos e recolha de seringas. Isso ajuda a prevenir doenças como o HIV e Hepatite C. Fiquei com uma impressão positiva.

Há casos bem sucedidos na Europa de políticas de combate às drogas, como é o caso de Portugal ou até a Holanda, que descriminalizou por completo o seu uso. São exemplos para Macau?

R.T. – Temos diferentes casos. O Grupo Pompidou serve para discutir os programas que já existem e de que forma podem ser efectivos. Vemos que alguns países implementaram políticas de descriminalização. Portugal implementou, em 2000, novas políticas de combate à droga que são abrangentes no sentido de transferir os toxicodependentes para centros de reabilitação, e vemos um bom exemplo por parte das autoridades policiais. Portugal é um exemplo muito interessante e houve efeitos positivos oriundos dessas políticas. Mas não se fez magia: Portugal continua a ter problemas com o consumo de droga, os níveis de HIV são ainda muito elevados. Mas é uma política mais abrangente e vários países europeus foram a Portugal ver de perto isso.

Podem falar um pouco do panorama do consumo na Ásia, que tem contextos socioeconómicos muito diferentes?

R.T. – Sabemos que os níveis de consumo na Ásia e na América do Norte são geralmente mais elevados do que na Europa. No que diz respeito ao tratamento de metanfetaminas, talvez haja um avanço porque o problema existe há mais tempo e a Europa até poderia aprender algo com a região da Ásia-Pacífico. Não quero incluir as Filipinas porque estamos muito preocupados com o que está a acontecer, com a política que está a ser adoptada e que criminaliza o consumo, falam em matar os consumidores.

A.V. – A Ásia tem de entender que talvez um dia tudo vai regressar como se de um boomerang se tratasse. Se a legislação não mudar, se o controlo da produção de químicos e a prevenção da diversificação desses químicos não for implementada, temo que a produção vai aumentar e um dia esses novos químicos vão encher os mercados asiáticos na forma de novas substâncias. As metanfetaminas poderão crescer, mas também as novas substâncias. Mais tarde ou mais cedo isso vai acontecer.

Pensar nas políticas

Antoine Verachtert é segundo oficial do departamento do crime organizado transnacional do Grupo Pompidou, enquanto que Robert Teltzrow é assessor principal do projecto de saúde e reabilitação da mesma entidade, que pertence ao Conselho da Europa da União Europeia. Ambos estiveram em Macau nos últimos quatro dias para um seminário no Centro de Formação Jurídica e Judiciária, intitulado “Seminário sobre a luta contra o tráfico de drogas e toxicodependência”. O Grupo Pompidou está ligado às áreas do consumo e tráfico de drogas na Europa, bem como à área da reabilitação e doenças relacionadas com estupefacientes. O seu papel é analisar as diversas políticas que são adoptadas pelos membros da UE e estabelecer recomendações.

11 Nov 2016

CCAC | Relatório sobre auto-silos gera reacções dos deputados

 

 

Três deputados usaram ontem o período de antes da ordem do dia para comentar o mais recente relatório do Comissariado contra a Corrupção. Chan Meng Kam disse que os dirigentes dos vários serviços públicos devem “lavar-se, ver-se ao espelho, vestirem-se e ir ao médico”

 

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]s comentários foram fortes face a uma situação há muito repetida. O excesso de adjudicações directas e as falhas cometidas pela Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego (DSAT) na gestão dos auto-silos geraram ontem interpelações orais dos deputados da Assembleia Legislativa (AL). Com a publicação de mais um relatório polémico pelo Comissariado contra a Corrupção (CCAC), os deputados exigem que o Governo assuma responsabilidades e adopte novas medidas.

Chan Meng Kam usou palavras duras na hora de apontar o dedo ao Executivo. “Creio que a DSAT não foi a única que utilizou o ‘edital imperial’ a bel-prazer. Se não houver a revisão oportuna do regime de despesas com obras e aquisição de bens e serviços, e não se exigir a responsabilização a partir da fonte, os problemas não terão fim. Pelo exposto, os dirigentes dos diversos serviços públicos, incluindo a DSAT, devem, o quanto antes, “lavar-se, ver-se ao espelho, vestir-se bem e ir ao médico!”, recomendou.

Para o deputado eleito pela via directa, as falhas constantes no relatório e o facto de a DSAT nada ter feito para mudar o sistema são uma “piada mundial”. “Aquando da entrega mensal ao Governo das receitas desses auto-silos, são as empresas de gestão que elaboram as demonstrações financeiras, sem registos informáticos das transacções. Os dirigentes da DSAT não procedem à verificação do montante submetido. Não exigir os pagamentos do montante em atraso, continuar a renovar os contratos e aceitar o que foi submetido é uma piada mundial!”

“Será que há integridade nos outros serviços públicos? A raiz do problema está na corrupção, nas leis desactualizadas e na sua aplicação pouco rigorosa e, ainda, na atitude passiva do Governo, algo que deve ser resolvido o quanto antes”, questionou ainda Chan Meng Kam.

A dias das LAG

Numa altura em que faltam cinco dias para a apresentação do relatório das Linhas de Acção Governativa, o deputado Ho Ion Sang pediu que sejam tidas em conta novas regras em prol de uma maior transparência. “O Governo deve ter em conta nas linhas mestras das LAG a noção de ‘Governo íntegro’ e a necessidade de generalizar a incorruptibilidade, focalizando-se no alvo para preencher as lacunas existentes no regime jurídico da aquisição de bens e serviços, elevar a transparência e eficiência, e reduzir o espaço para o tráfico de influências”, apontou.

Já o deputado Leong Veng Chai quis saber “como é que a Secretária para a Administração e Justiça [Sónia Chan] vai fiscalizar, com rigor, os vários serviços, ao nível da execução das leis na RAEM.

11 Nov 2016

Lei Sindical chumbada. Fong Chi Keong diz não ser necessário cumprir acordos

 

Ouviu-se de tudo em mais um plenário que culminou no chumbo da proposta de lei sindical pela oitava vez. Por entre o receio da explosão de associações sindicais e da quebra na economia, Fong Chi Keong disse mesmo que não é necessário cumprir todos os acordos internacionais ratificados pela RAEM

 

[dropcap style≠’circle’]P[/dropcap]oderíamos afirmar que um deputado nomeado pelo Chefe do Executivo jamais criticaria os acordos internacionais ratificados pela RAEM ou a necessidade de os cumprir, mas esse não é o caso de Fong Chi Keong. As palavras do deputado da Assembleia Legislativa (AL) voltaram a dominar o debate de ontem que culminou, sem surpresas, no chumbo da proposta de lei sindical, com 12 votos a favor e 15 contra.

“Não há mesmo necessidade desta lei e há que ter em conta a realidade local. Não vamos tomar sempre como referência os acordos internacionais”, defendeu Fong Chi Keong. “A proposta de lei prevê uma multa de 250 mil patacas para os empregadores que não cumprirem a lei, e se o trabalhador disser que houve discriminação, há multa! Com esta lei sindical as Pequenas e Médias Empresas (PME) vão todas fechar. Às vezes o Direito Internacional é parcial”, acrescentou ainda.

O deputado nomeado por Chui Sai On foi ainda claro ao dirigir-se à ala que representa a Federação das Associações dos Operários de Macau (FAOM), que apresentou o diploma. “Não entendo porque é que os colegas estão sempre a tentar, apesar dos sucessivos fracassos. Porquê? Quanto mais leio, mais chocado fico. Já temos a lei das relações do trabalho, que já contempla os direitos dos trabalhadores. Ocasionalmente há algumas vicissitudes, como na construção civil, com casos em que os salários não são pagos. Mas não se deve ter em conta este sector para dizer que todos os outros não têm escrúpulos”, frisou.

No final do debate, o presidente da AL advertiu Fong Chi Keong quanto à linguagem utilizada. “Retire as suas palavras, estava exaltado, e por isso usou esses termos, que não vou repetir aqui. No nosso diário essas palavras vão ser reproduzidas integralmente. Em Hong Kong isso geraria conflitos”, disse Ho Iat Seng.

Também inclui TNR?

A maioria dos deputados que se mostraram contra a proposta de lei afirmou temer uma explosão de associações de cariz sindical com a aprovação do diploma. “Muitas pessoas vão criar associações sindicais com esta lei. No interior da China só existe uma união sindical. As associações sindicais recebem subsídios, estes devem ser distribuídos pelos seus membros, mas no caso do fim da associação, o dinheiro não vai para os seus membros porquê? O dinheiro irá todo para os membros dos órgãos gerentes”, disse Melinda Chan.

A deputada quis ainda saber se a possível lei sindical poderia abranger os trabalhadores não residentes (TNR). “Também abrange os TNR? Na Lei Básica só há referência aos residentes e vejo aqui também a inclusão dos TNR. Será que esses trabalhadores podem obter o direito de realizar greves?”, questionou.

Gabriel Tong indicou ainda que a lei não explicita os critérios necessários para a criação de um sindicato. “A lei sindical não é um monstro de sete cabeças, mas esta que aqui temos não consegue colmatar o vazio legal e cumprir os acordos internacionais. Há pouco a deputada disse que há sete mil associações que poderiam apresentar o requerimento junto da Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais (DSAL). Onde estão os requisitos? A filosofia de uma associação pode constituir-se como um requisito?”, questionou o advogado e director interino da Faculdade de Direito da Universidade de Macau.

Chan Chak Mo, também empresário do sector da restauração, questionou o facto de o Governo ainda não ter tido a iniciativa de apresentar a lei sindical. “Falando da Lei Básica, quem a cumpre é o Governo, e os acordos internacionais também têm de ser cumpridos, como aconteceu hoje na aprovação da lei de branqueamento de capitais e terrorismo. Porque é que o Governo não apresenta uma proposta de lei? Temos o dever de cumprir os acordos internacionais, e devemos talvez perguntar ao Governo porque é que não cumpre a sua obrigação”, defendeu.

A ala da FAOM pediu “paciência”, prometeu alterações ao diploma na discussão na especialidade, mas não chegou. “Lamentamos”, concluiu Kwan Tsui Hang.

 

11 Nov 2016

Hong Kong | Susana Chou defende interpretação feita por Pequim

A ex-presidente da Assembleia Legislativa, Susana Chou, escreveu no seu blogue que defende a interpretação feita pelo Comité Permanente da Assembleia Popular Nacional em relação a Hong Kong, que inviabilizou a tomada de posse a dois deputados

[dropcap style≠’circle’]S[/dropcap]usana Chou reagiu à mais recente polémica que tem vindo a assombrar o Conselho Legislativo de Hong Kong (Legco, na sigla inglesa). Num texto escrito no seu blogue, a antiga presidente da Assembleia Legislativa (AL) de Macau disse concordar com a decisão tomada pelo Comité Permanente da Assembleia Popular Nacional (APN), que inviabilizou a tomada de posse dos deputados pró-independência Sixtus Leung e Yau Wai-ching. Susana Chou considera que os discursos de tomada de posse não estão de acordo com o disposto na Constituição chinesa nem na Lei Básica de Hong Kong, além de transcenderem “largamente” os limites impostos pela política “um país, dois sistemas”. Para a ex-presidente, os jovens deputados devem ser expulsos do Legco.

Susana Chou diz “lamentar” a confusão que se instalou no meio político da região vizinha, considerando que Sixtus Leung e Yau Wai-ching são piores do que alguns deputados do LegCo, que já considera como sendo “bandidos comuns”. “Defendo a resolução para que se expulse os independentistas que estão a derrubar a política ‘um país, dois sistemas, que traem os seus professores e ligações que mantém fora do Legco”, escreveu.

A antiga líder da AL lamenta os sucessivos escândalos e conflitos que têm originado várias suspensões de plenários do Conselho Legislativo. “Assumi o cargo de presidente da Assembleia durante dez anos e sempre houve uma cooperação estreita com os deputados. Essa é uma condição fundamental para o tranquilo procedimento das reuniões”, apontou.

Quanto aos jovens deputados, “além de não amarem o seu país, também não se reconhecem como cidadãos chineses e, nos seus discursos, foram ofensivos”. “Eles promovem a independência de Hong Kong e a democracia, e estas opiniões não cumprem o que está estabelecido na Constituição nacional e na Lei Básica de Hong Kong.”

No texto publicado no seu blogue, único meio onde expressa as suas opiniões, Susana Chou falou do caso de um jovem de Macau que lhe perguntou se o território também iria passar pela mesma situação. “Uma vez que a nossa campanha em prol do patriotismo foi capaz de deixar os seus contributos, Macau não vai chegar a esse ponto”, respondeu a antiga presidente da AL.

11 Nov 2016

Estados Unidos | Donald Trump é o novo Presidente eleito

As sondagens davam a vitória a Hillary Clinton, os jornais estiveram ao lado dela, o resto do mundo também – ou quase. Mas os norte-americanos foram às urnas e votaram diferente: escolheram um homem que, até há bem pouco tempo, nem sequer se imaginava que pudesse chegar a candidato. Agora, é o Presidente eleito. Donald Trump é sinónimo de que em política tudo pode acontecer

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]ito anos depois de terem escolhido o primeiro Presidente negro da história do país, os Estados Unidos elegeram ontem um candidato que fez uma campanha dirigida, sobretudo, aos homens brancos – deixando de fora os de outras cores e as mulheres, brancas ou não. A vitória de Donald Trump surpreendeu meio mundo, e o outro meio mundo talvez, que a confiança depositada nas sondagens era muita. Apesar de uma recuperação de terreno na última semana e meia, o republicano estava atrás da candidata democrata. Ontem, quando chegou a hora de contar os votos, foi Hillary Clinton que perdeu.

“Eu sei que nós, cidadãos americanos, estamos descontentes com o actual sistema, mas jamais poderia imaginar uma maioria desta dimensão incapaz de se sentir incomodada com a óbvia falta de qualificação e com a ausência de princípios morais de Donald Trump”, reage Linda Switzer, a viver há nove anos em Macau. “Estou profundamente triste e zangada com a ignorância”, acrescenta a vice-presidente de uma das operadoras de jogo do território.

Ardyth Comper, residente de Macau há oito anos, mostra-se menos surpreendida, apesar de partilhar o estado de choque. “Não posso dizer que estivesse à espera, mas também não fui propriamente apanhada de surpresa. Podia ser para qualquer um dos lados”, diz, justificando com o facto de Hillary Clinton não ser uma “candidata arrebatadora”. Compter, que veio para Macau trabalhar para uma empresa especialista em software de casinos, confessa estar “envergonhada” com o sentido de voto do seu país.

“Não sou fã de Clinton, mas sinceramente acho que o Donald Trump é um ser humano aterrorizador. Não é o exemplo que eu quero para os rapazes americanos. Ele enfatiza o medo e o ódio, não a oportunidade e o desenvolvimento”, considera. Para a americana, os dois candidatos eram maus, mas venceu claramente o pior: “É uma pessoa terrível”.

Ashley Sutherland-Winch, especialista em marketing, também não estava à espera do desfecho de ontem. “A minha única esperança é que o Presidente eleito seja capaz de respeitar os direitos da comunidade LGTB, [a decisão do Supremo Tribunal sobre o aborto] Roe v Wade, e mantenha as relações entre a China e os Estados Unidos”, desabafa. “Estou muito preocupada com o que isto significa para o nosso futuro.”

Mentir para as sondagens

Para Rui Flores, especialista em relações internacionais, os resultados da eleição “são uma surpresa, naturalmente”. Uma surpresa maior quando se tem em conta o que as sondagens nos foram dizendo e uma lição para a ciência política. “As sondagens não se dão bem com o populismo. Foi agora sim, nos Estados Unidos, foi assim em Junho, foi em Maio na Áustria. Sempre que o populismo se mexe, sempre que candidatos populistas estão quase a ganhar eleições, as sondagens não o demonstram”, diz. E porquê? “As pessoas têm alguma vergonha em dizer que vão votar no deputado populista, porque o media mainstream faz, de facto, campanha pelo outro candidato.”

Na lógica de comunicação que hoje temos, “o candidato populista fica fora, não recebe o apoio do media mainstream, e como a narrativa construída é a de que há um candidato que é muito pior do que os outros – é um candidato que não tem formação, que não tem capacidade, que não tem experiência –, as pessoas não têm coragem, têm vergonha de dizer que vão votar nesse candidato”. Na hora de votar, sem ninguém a ver, votam em quem querem, sem pruridos. “Não me parece que o problema seja a capacidade técnica dos institutos de sondagens, mas sim a incapacidade que têm de avaliar a dimensão da popularidade dos candidatos populistas”, vinca Flores.

O analista dá um exemplo: ontem de manhã, o New York Times tinha como previsão inicial a vitória de Hillary Clinton com 322 votos eleitorais. O jornal enganou-se redondamente. “Isto é também uma derrota para o media mainstream. No caso dos Estados Unidos, em que há a tradição de os jornais apoiarem um dos candidatos, há um dado significativo nestas eleições: a eleição de Trump foi apoiada por um jornal nos Estados Unidos, um jornal do Texas. Todos os outros apoiavam Hillary Clinton, apoiavam terceiros candidatos e houve até alguns jornais que disseram ‘não votem em Trump’.” Feitas as contas aos votos, “há aqui um desfasamento total entre os media mainstream e o que a população quer”.

Rui Flores alerta para uma outra questão que esta análise suscita: saber-se quem é que controla os jornais. “Vimos curiosamente Julian Assange, praticamente na véspera das eleições, a dar uma entrevista à Russia Today em que afirma que a política norte-americana, nomeadamente Hillary Clinton, é de certa forma controlada pela grande banca internacional, pela finança internacional. Essas entidades provavelmente conseguem ter algum poder para irem construindo uma narrativa em que o apoio a um candidato é melhor para o sistema do que o apoio a outro candidato.”

Os dois países

Ardyth Comper olha para os resultados eleitorais e diz, sem hesitar, que demonstram que “as pessoas votaram com as emoções”. “Não havia nada em Hillary Clinton que fizesse os eleitores dizerem ‘Sim! Queremos votar nela!’, como aconteceu com Obama há oito anos”, aponta a norte-americana.

“Parece-me que este voto demonstra que as pessoas estão fartas”, analisa Rui Flores. Estão fartas do sistema, “estão fartas desta questão de haver duas ou três famílias nos Estados Unidos que vão sucedendo no poder – estou a pensar nos Kennedy, nos Bush, nos Clinton. Este voto parece-me um grito contra isso”.

Para o especialista em relações internacionais, a vitória de Trump permite ainda outra leitura: “Parece-me que há claramente uma divisão nos Estados Unidos entre o mundo rural e o mundo urbano”. A eleição deste Presidente demonstra que “é um país dividido ao meio, entre uma América mais tradicional, mais agrária, mais rural, e uma América mais progressista, mais moderna, mais cosmopolita – são dois mundos completamente à parte”.

Ana Borges, antiga residente de Macau a viver no Kansas, é mais incisiva: a vitória do republicano, um facto que a deixou profundamente desagradada, demonstra que os Estados Unidos não são aquilo que parecem. “Os norte-americanos consideram-se a maior nação do mundo mas, em termos sociais, estão ao nível do terceiro mundo”, atira.

E agora? Agora há medos, vários. Linda Switzer entende que “a vitória de Donald Trump tem ramificações a longo prazo para o país por muitas razões, mas sobretudo no que diz respeito aos assentos que vão ficar vagos no Supremo Tribunal”. A norte-americana acredita que “os fundamentos religiosos vão fazer regredir o direito de escolha das mulheres e os direitos da comunidade LGTB”. Em suma: “É um dia muito triste para os nossos filhos e os nossos netos”.

Noutro plano, Switzer destaca o impacto imediato nos mercados financeiros de todo o mundo – as bolsas europeias abriram ontem em queda, as asiáticas fecharam a perder. “As relações internacionais com a China e com a Rússia vão ser ainda mais ténues. São tempos assustadores.”

Ardyth Comper mostra-se ligeiramente mais optimista, até porque “Donald Trump é o tipo de rico viciado em Wall Street”. “É do interesse dele que tudo continue como está para poder continuar a fazer dinheiro.” Mas há aspectos em que os Estados Unidos deverão mudar: “Vai ofender muita gente, provavelmente, ao estilo de Duterte, mas não acredito que vá fazer grandes ondas”. A americana destaca que a máquina governamental é enorme. “Sim, o Presidente é a pessoa mais poderosa, mas é apenas uma pessoa.”

Os republicanos conquistaram também ontem o controlo do Senado norte-americano, depois de já terem assegurado a Câmara dos Representantes. “São todos do mesmo partido de Trump, mas vão alinhar no mesmo discurso? É difícil dizer”, continua Comper. “Quando se olha para áreas como o Pentágono e a Defesa, há muitas coisas que estão de tal modo enraizadas que é difícil alterá-las de um dia para o outro”, acrescenta. Ardyth Comper partilha, no entanto, do receio de Linda Switzer em relação à justiça e ao modo como vai ser constituído o Supremo Tribunal.

Como emigrante, Ana Borges não teme alterações sociais no modo como vive, mas acredita que em breve começará a caça aos ilegais, sendo que “será mais difícil para quem quiser emigrar para os Estados Unidos”.

Caixa de surpresas

“A única certeza que fica destas eleições é que vivemos num mundo cada vez mais imprevisível”, nota Rui Flores. A imprevisibilidade é a nova tendência: “As surpresas eleitorais vão continuar a acontecer, o fenómeno do populismo está a aumentar no mundo. A imprevisibilidade política vai ser a grande questão para o futuro e as bolsas de valores a caírem um pouco por todo o mundo demonstram isso”.

A eleição de ontem foi, de algum modo, a abertura de uma caixa de surpresas. E “as surpresas vão suceder-se, sobretudo com a implementação de possíveis políticas trumpianas”. Resta agora saber se o vencedor vai avançar com as promessas que tantos eleitores moveram. “Vai o muro ser construído, a separar a América do México? Quem vai pagar? Como é que vai pagar? Os muçulmanos vão poder deixar de entrar nos Estados Unidos? Como? O que é que vai acontecer aos que lá estão? O Estado Islâmico vai ser derrotado, como prometeu Donald Trump? Como? Com tropas no terreno? Os Estados Unidos vão sair da Europa?”, lança o analista.

Num futuro difícil de imaginar, os Estados Unidos deverão regressar “ao isolacionismo, que é uma escola que tem história nos país”. Numa perspectiva mais abrangente, há que observar como vai ser o relacionamento com Moscovo, alerta Rui Flores. “É a questão essencial de tudo isto. Donald Trump diz que é preciso dialogar com a Rússia – vamos ver como é que ele vai tentar levar a bom porto essa lógica do relacionamento mais próximo com a Rússia”, afirma, recordando que muitos julgam que se trata de uma ameaça para os Estados Unidos.

E a China? A China dizia ontem, através de um editorial do Global Times, que Trump serve melhor a Pequim do que a adversária derrotada. Já depois de eleito o 45o Presidente norte-americano, a diplomacia chinesa declarou que acredita que poderá trabalhar com os Estados Unidos no sentido de manter um “desenvolvimento estável e equilibrado” das relações bilaterais e uma gestão “responsável” dos desacordos.

Na campanha eleitoral, recorda Rui Flores, Donald Trump “foi dizendo que era preciso aumentar a presença militar norte-americana no mar do Sul da China, que é preciso investigar e punir a China por práticas comerciais desleais, que quer designar a China como um manipulador da divisa e que quer garantir que os Estados Unidos conseguem travar os ataques cibernéticos oriundos do gigante asiático”. São estas as grandes políticas de Donald Trump para o relacionamento sino-americano. Se vai mudar de ideias e perceber que são um erro, um grande erro, só o futuro o dirá.

10 Nov 2016

Governo poderá mexer no Código do Notariado

 

Há limitações que impedem os notários privados de tratar de certos processos, o que faz com que sejam obrigados a recorrer aos notários públicos. A morosidade do funcionamento leva a bloqueios em muitos casos, que o Governo admite resolver através de uma alteração ao Código do Notariado

 

[dropcap style≠’circle’]É[/dropcap] hoje votada na Assembleia Legislativa (AL) a alteração ao regime dos notários privados, mas o Governo admite vir a estudar mais mudanças legislativas que possam contornar as actuais “limitações de competências dos notários privados para realizarem certos actos”.

A ideia surge no parecer assinado pela comissão da AL responsável pela análise do diploma na especialidade. “O Código do Notariado obriga a que estes actos tenham de ser praticados por notários públicos, para evitar eventuais conflitos de interesses que possa existir nos notários privados, que exercem também uma actividade remunerada como advogados. Têm-se verificado alguns casos de morosidade no recurso aos notários públicos, que nem sempre conseguem dar resposta em tempo útil às solicitações do público, o que pode ser particularmente problemático no caso do testamento, ou revogação de testamento, quando o interessado já tenha uma idade avançada.”

O parecer indica que o Executivo “esclareceu que esta questão poderá eventualmente ser considerada numa futura intervenção legislativa”, sendo que a revisão que vai hoje a votos “não pretende introduzir nenhuma alteração ao Código do Notariado. É uma matéria complexa, que terá de ser alvo de mais estudos”.

Licenças por definir

O parecer da comissão presidida pela deputada Kwan Tsui Hang revela ainda que não existe, por enquanto, um número certo de licenças a atribuir na realização do primeiro curso após a implementação do novo estatuto dos notários.

“O proponente [Governo] informou que não seria possível apresentar um número concreto de licenças a atribuir na sequência de cada concurso, nomeadamente no primeiro curso que venha a ser aberto, por tal ser uma questão ainda em ponderação.”

Apesar disso, prevê-se que 150 advogados inscritos na Associação dos Advogados de Macau possam frequentar os cursos, por terem mais de cinco anos de carreira.

A nova lei prevê que, para serem notários privados, os causídicos devem revelar “valores éticos e deontológicos acima de qualquer suspeita”, não podendo estar suspensos preventivamente ou terem sido alvo de condenações em “processo disciplinar pelo Conselho Superior de Advocacia em penas disciplinares gravosas”.

Além de admitir a falta de recursos humanos que impedem a abertura de mais cartórios notariais, o Governo garante que, em todos estes anos, desde a transferência de soberania, os notários privados não geraram problemas.

“O proponente (Governo) informou a comissão que não há muitas reclamações do público sobre a actividade dos notários privados e que o funcionamento dos notários privados é considerado adequado e correspondendo às necessidades notariais actualmente sentidas em Macau. Em geral não tem havido questões disciplinares, conflitos de interesses ou outros problemas de funcionamento dos notários privados com advogados que careçam de uma intervenção legislativa neste momento”, conclui o documento.

10 Nov 2016

AL | Projecto de lei de Pereira Coutinho não poderá ser votado hoje

O projecto de lei do deputado José Pereira Coutinho não poderá ser hoje votado na generalidade por este não se encontrar em Macau. O deputado garante estar “incrédulo” com o agendamento do diploma nesta altura, pois já tinha informado Ho Iat Seng da sua ausência do território

 

[dropcap style≠’circle’]J[/dropcap]osé Pereira Coutinho deveria estar hoje na Assembleia Legislativa (AL) para apresentar e ver votado na generalidade o seu projecto de lei que visa a protecção da ilha de Coloane, mas não está. Ainda assim, o presidente da AL, Ho Iat Seng, agendou o debate sobre o diploma de Coutinho, que nem poderá ser apresentado pelo número dois do deputado, Leong Veng Chai, pois este não é co-autor do articulado.

Em declarações ao HM, José Pereira Coutinho garante ser a primeira vez que tal acontece no hemiciclo e mostra-se “incrédulo” com o tratamento dado por Ho Iat Seng. “O presidente da AL não teve a mínima gentileza em comunicar comigo antes de agendar o projecto, depois de estar quase meio ano à espera. Se calhar não gostou do facto de eu ter dito publicamente que ele tem pretensões de ser o próximo Chefe do Executivo.”

Coutinho garantiu que já tinha informado por escrito Ho Iat Seng quanto à sua ausência do território, estando neste momento em Lisboa a participar no congresso sindical dos países lusófonos em representação da Associação dos Trabalhadores da Função Pública de Macau (ATFPM), à qual preside. O deputado disse ainda que só estará de regresso ao território no dia 13 deste mês.

“Da mesma forma que Ho Iat Seng comunica com o Governo para a apresentação na generalidade das propostas de lei, deveria ter comunicado comigo antes de agendar o meu projecto. Sinto-me discriminado na forma como ele, na qualidade de presidente da AL, se relaciona com os membros do Governo e comigo”, acrescentou Coutinho, que alertou para o facto de o seu diploma se relacionar com a lei de terras em vigor. O HM tentou obter explicações junto de Ho Iat Seng, mas até ao fecho da edição não foi possível ter um comentário.

Lei sindical na agenda

O debate de hoje será destinado à votação de outras propostas de lei, nomeadamente a revisão das leis de combate ao branqueamento de capitais e terrorismo. Os diplomas, em vigor há dez anos, vão agora sofrer alterações que prevêem a inclusão de mais crimes, incluindo a compra e venda de votos em actos eleitorais e recenseamento eleitoral. De frisar que o procurador da RAEM, Ip Son Sang, disse na abertura do ano judiciário que é difícil às autoridades encontrar provas do crime de branqueamento de capitais, existindo uma alta taxa de arquivamento dos processos.

Outro projecto de lei importante na agenda é a lei sindical, apresentado pelos deputados que representam a Federação das Associações de Operários de Macau (FAOM): Kwan Tsui Hang, Ella Lei e o vice-presidente da AL, Lam Heong Sang.

Com um total de 40 artigos, o actual projecto de lei sindical deverá manter as mesmas características em relação aos diplomas já apresentados e chumbados. Este “mantém os princípios gerais que são fundamentais, sendo que sofreu pequenas alterações ao nível de alguns detalhes”, disse Kwan Tsui Hang recentemente ao HM.

A última vez que este diploma foi votado foi em Janeiro, tendo sido na altura chumbado por 18 deputados. A maioria dos membros do hemiciclo considera que este não é o momento oportuno para legislar sobre a matéria, dado o mau momento que as receitas do sector do jogo atravessam, apesar da ligeira subida nos últimos meses.

O dia de hoje será ainda dedicado a votar na especialidade o novo estatuto dos notários privados, aprovado em 1999, cuja revisão prevê mais regras para a formação dos notários e o acesso a essa área. Caso seja hoje aprovada, a nova lei determina que um advogado terá de ter mais de cinco anos de profissão para ser notário privado.

10 Nov 2016

CPCS | Patrões bateram com a porta, Lionel Leong reuniu com eles

O Secretário para a Economia e Finanças reuniu com um dos representantes do patronato que recentemente abandonou, em protesto, uma reunião do Conselho Permanente de Concertação Social. Kou Hoi In, deputado e membro do conselho, também esteve presente

 

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]s contribuições para o Fundo de Segurança Social (FSS) aumentaram para as 90 patacas por decisão do Chefe do Executivo e Chui Yuk Lam, representante do patronato, não ficou satisfeito, tendo esta semana deixado a meio uma reunião do Conselho Permanente da Concertação Social (CPCS). Wang Sai Meng, que também representa a área patronal, teve a mesma atitude em protesto.

Segundo um comunicado oficial, o incidente levou o Secretário para a Economia e Finanças, Lionel Leong, a reunir com Chui Yuk Lam e Kou Hoi In, deputado e também membro do CPCS. O encontro serviu para analisar “a forma a adoptar para o desenvolvimento contínuo do papel de plataforma do CPCS”.

“Ambas as partes concordaram com a necessidade de valorizar e aproveitar melhor as funções de comunicação e de negociação do CPCS para, partindo dos interesses sociais globais, reduzir o fosso entre as partes laborais e patronais, construindo, com base no entendimento mútuo e na ajuda e complementaridade recíproca, uma relação de trabalho harmoniosa”, pode ler-se. Lionel Leong garantiu que o Executivo vai “reforçar o intercâmbio e as consultas entre os trabalhadores, empregadores e serviços públicos envolvidos”.

Aquando da sua saída abrupta da reunião do CPCS, realizada esta terça-feira, Chui Yuk Lam acusou o Governo de não respeitar o papel do conselho, por ter decidido o aumento sem alegadamente informar os seus membros. Há vários anos que o CPCS discutia o aumento dos valores das contribuições para o FSS sem nunca se chegar a um consenso.

O Secretário para a Economia e Finanças referiu que “quaisquer políticas implementadas por parte do Governo têm sempre por base os interesses globais da sociedade, levando também em plena consideração as opiniões e aspirações das partes patronais e laborais”.

Kou Hoi In e Chui Yuk Lam “reiteraram a posição defendida pela parte patronal e respectivas opiniões emitidas em relação à percentagem da contribuição entre trabalhadores e patrões no âmbito do FSS”. Estes defenderam ser necessária “uma valorização das funções do CPCS como plataforma de negociação assente em entendimento mútuo para construir uma relação laboral harmoniosa”.

Lionel Leong lembrou a manutenção das baixas taxas de desemprego, apesar da quebra das receitas do jogo, defendendo que o panorama de pleno emprego se deve “ao fruto dos esforços despendidos por todos os sectores sociais, incluindo os da parte patronal que persistem em prosseguir o princípio de dar privilégios aos interesses globais”.

10 Nov 2016

Fortes Pakeong Sequeira: “O trabalho criativo é um acto de partilha”

 

Aos 13 anos foi para Hong Kong para ser gangster. A vida mudou-lhe o rumo e Fortes Pakeong Sequeira é um dos artistas locais de renome. Multifacetado, inaugura no próximo fim-de-semana a exposição “Return to Nature” e organiza a segunda edição do festival alternativo “Blademark”

 

“Return to nature” apresenta uma nova abordagem sua. O que é que o público pode esperar desta exposição?

Não espero que as pessoas venham ver esta exposição para dizerem que gostam muito deste meu novo estilo. Espero, acima de tudo, conseguir partilhar aquilo que realmente tenho sentido e que me acompanhou na concepção dos trabalhos que vão estar expostos.

Está a falar de alguma altura ou circunstância em particular?

Sim. O último ano tem sido um momento muito especial e preenchido por muitas questões. Na essência, andava duvidoso acerca do que realmente queria enquanto artista. Ao mesmo tempo que me ia questionando, ia trabalhando e, no resultado, gostava que as pessoas, ao observarem, pudessem também, perante elas, perguntarem-se o que é que realmente as faz viver e para o que é que vivem.

 Ao longo do processo, encontrou algumas respostas?

Acho que, com o processo criativo destas obras, encontrei algumas respostas ao que me incomodava. Este ano foi um ano de transição para mim, em que me senti perdido. Na base da “aflição” estava a decisão que tinha tomado de me tornar independente dentro do que fazia. Isso assustou-me e, de repente, senti-me perdido. De repente questionei-me se era realmente um artista e o que é que conseguia fazer. Mas dei por mim a conseguir fazer as coisas e, mais que tudo, senti que tinha quem apoiasse o meu trabalho. Por outro lado, foi bom fazer alguma coisa que nunca tinha feito antes e, ao mesmo tempo, senti que estava a aprender muito. Acabou por ser muito gratificante até porque não faço as coisas só para mim, mas sim para partilhar com os outros. O trabalho criativo é um acto de partilha. Quando resolvemos ser independentes e os outros não nos dão o valor que possamos ter, é muito triste. As pessoas pensam que és um vagabundo. Com este trajecto aprendi também a ver quem é que estava comigo. Foi bom não estar sozinho e sentir o apoio de vários lados. Esta exposição é o produto de tudo isso e desse caminho num processo em que resolvi mudar tudo na minha vida. Mais que assustador, foi um processo engraçado, mas conturbado.

O festival que se realiza no próximo fim-de-semana vai já na segunda edição. Como apareceu e porquê a repetição?

No ano passado, o festival foi criado pela banda de que faço parte e que tem o mesmo nome – Blademark. Fazíamos dez anos de existência e resolvemos comemorar com uma festa que se transformou num festival. A adesão foi surpreendentemente boa e só nos demos conta quando nos apercebemos do número de pessoas que tinham participado e dos comentários que faziam. O resultado foi surpresa e satisfação por um festival dedicado à componente mais alternativa, do rock, e mesmo do metal ter tanta adesão em Macau. Penso que é fundamental o convívio entre diferentes tipos de culturas urbanas e com o evento, associadas à música, juntaram-se pessoas que trabalhavam em várias áreas, ligadas essencialmente, às industrias criativas. Esta sinergia acabou por fazer com que o evento se tornasse maior e mais dinâmico.

Agora, mais independente e enquanto artista, como é sobreviver em Macau nesta área?

Não é nada fácil. O facto de se pintar ou desenhar não garante que os trabalhos sejam vendidos. No processo temos de comprar os materiais que utilizamos e acabamos por estar a gastar sem nunca ter garantias. No entanto, este ano e com tanta mudança, decidi apostar noutras áreas ligadas à criação artística e a marcas associadas. Por exemplo, comecei a dedicar-me mais à ilustração e à concepção de objectos com os desenhos que vou fazendo. Para mim é também um novo desafio um novo interesse. Estou também a apostar em roupa, por exemplo. Paralelemente, criei uma marca pessoal à qual se associam outros projectos, como por exemplo a Blademark, que também é uma marca, ou a Denim Works em que participo com outro sócio. Vamos formando uma rede em que juntamos objectos e criatividade, e a coisa funciona.

A sua história e sucesso não são comuns….

Talvez não. Lembro-me que sempre pintei desde pequeno, era uma coisa natural. Recordo-me de uma amiga da minha mãe referir que “tinha jeito para aquilo”. Por volta dos oito anos ganhei um prémio internacional e a minha professora da altura recomendou que eu seguisse alguma coisa ligada à carreira artística. No entanto, aos 13 anos desisti de estudar e optei por uma carreira de gangster em Hong Kong.

Mas o que é que aconteceu?

Na realidade desisti de tudo e escolhi não ser uma pessoa, naquele momento. Vivi cinco anos em Hong Kong. Acabei por ficar detido no posto da polícia durante um mês, estava quase com 18 anos. A minha mãe foi-me buscar e fui a vários julgamentos. Acabei por ser solto, regressei a Macau e voltei para a escola.

Aos 18 anos?

Sim. Todos os meus colegas de turma eram mais novos do que eu cinco anos. Não foi fácil adaptar-me, mas não tinha outra hipótese e estava ciente de que não podia dedicar-me mais à preguiça. Já tinha perdido demasiado tempo. Acho que tive mais uma oportunidade para viver. Acabei por tirar Design Gráfico no Instituto Politécnico de Macau, área em que trabalhei vários anos e com a qual viajei pelo mundo. Depois as coisas foram acontecendo. Acabei por ser convidado a expor e em 2009 a participar a “Art Beijing”. Foi um momento muito importante porque foi a primeira vez que saí de Macau para mostrar o meu trabalho enquanto artista. Como pintava ao vivo durante o evento, as pessoas interessaram-se por mim e pelo que estava a fazer. A partir daí comecei a andar entre Macau e China Continental, e quando dei por mim estava a passar por Tóquio, Nova Iorque ou Portugal para mostrar a minha técnica. Fui vendendo alguns dos meus trabalhos de modo a sobreviver.

Que conselho deixaria aos jovens artistas de Macau?

Que acreditem. Se gostam do que fazem, se isso for onde se encontram realmente, têm de confiar e trabalhar. No fim, o que é bom na vida é o que se ama, porque o dinheiro, na realidade, não consegue comprar o que nos preenche.

Que expectativas tem para esta segunda edição do Blademark?

A única coisa que espero é que as pessoas gostem de lá estar. O festival vai ter sete bandas a dar concertos e muitas actividades e mostras de trabalhos criativos associados à marca e não só. São todos bem-vindos.

 

Blademark para todos os gostos

Realiza-se no próximo fim-de-semana a segunda edição do Blademark. O festival que vai ocupar o Albergue promete dar oportunidade ao contexto alternativo de se mostrar, tanto na música, como pelos objectos espalhados e à venda pelas tendas que o integram. O objectivo é criar um espaço dinâmico em que caibam todos, afirmou a organização ao HM. Das 15h às 20h, o pátio do Albergue vai acolher em palco os Lansin, Kylamary, Ferdinand Choi, Experience, Catalyser, Zenith e, claro, a banda que lhe dá nome e corpo, os Blademark. A assinalar o evento, e além das bancas de vestuário, artesanato, produtos de design ou comes e bebes, esta segunda edição conta com a projecção do filme “A primeira década dos Blademark”. A entrada é livre.

10 Nov 2016

Web Summit | Evento em Lisboa sem startups de Macau

Macau não respondeu aos apelos do primeiro-ministro português António Costa e não tem nenhuma startup representada na Web Summit, uma das principais cimeiras mundiais de tecnologia que começou há dois dias em Lisboa. Alguns empresários locais participam de forma individual para analisar o evento e o mercado

[dropcap style≠’circle’]U[/dropcap]m olhar para a lista de empresas que participam na edição deste ano da Web Summit, em Lisboa, permite chegar à conclusão de que Macau não levou nenhuma startup à capital portuguesa, ficando atrás no contexto asiático que, este ano, tem muita expressão numa das maiores cimeiras mundiais de tecnologia. Regiões como Taiwan e Hong Kong estão presentes com várias empresas, incluindo a China, o Japão e a Índia. Nem o Sudeste Asiático escapa à presença na Web Summit, existindo empresas da Tailândia, da Malásia e até do Myanmar, que começa agora a abrir-se ao mundo.

O HM confirmou junto do Instituto de Promoção do Comércio e Investimento (IPIM) que não foi enviada qualquer delegação de Macau a Lisboa, apesar dos recentes apelos deixados pelo primeiro-ministro português, António Costa, aquando da sua visita ao território.

A vinda de Costa a Macau foi mesmo pautada pela assinatura de um memorando de entendimento para “promover o empreendedorismo e o apoio às startups”, celebrado num evento destinado a olhar para a criação destas empresas ligadas à tecnologia, internet e redes sociais.

“Na economia de hoje, assente no conhecimento, na criatividade e inovação, se há algo que é essencial é estabelecer pontes (…) entre o talento e a diferença. É esse trabalho que queremos prosseguir à escala global, acolhendo em Portugal em Novembro, e nos próximos três anos, o maior evento mundial na área da inovação e do empreendedorismo, que é o Web Summit”, disse António Costa na altura.

Olhar lá para fora

Ao HM, o economista José Sales Marques recorda-se das declarações do governante português e confessa ter até ficado “entusiasmado” com a possibilidade de as empresas de Macau se poderem mostrar em Lisboa.

“Não é uma notícia agradável porque fiquei com a impressão de que Macau estaria representado. O evento em Lisboa é de muitíssima importância e teria sido também muito importante que empresas de Macau participassem”, aponta. “As empresas de Macau têm de ir lá para fora, faz parte do processo de diversificação que Macau quer empreender e é necessário que as empresas sejam competitivas.”

O economista considera que as Pequenas e Médias Empresas (PME) de Macau devem conseguir ir além dos apoios do Governo. “A iniciativa privada e o empreendedorismo são fundamentais e, nessa perspectiva, a aquisição de experiências novas e a entrada em ambientes mais competitivos faz as empresas e os projectos ganharem força. O apoio de qualquer só faz sentido se for complementar. O fundamental é que esses projectos ganhem o interesse dos mercados e investidores privados.”

“É evidente que o caminho a percorrer é só um, e exige que as nossas empresas apareçam e façam aquilo que referi. O apoio do Governo pode ser fundamental em certos aspectos, mas nunca será apenas por essa via que as nossas empresas irão expandir-se”, referiu o economista.

Os que foram sozinhos

Apesar da ausência de uma delegação oficial, a Web Summit conta com a participação de alguns empresários locais que foram sobretudo analisar o evento e o próprio mercado. O HM apurou que o empresário Jorge Neto Valente está presente, bem como outros empresários do território.

A participação de Manuel Correia da Silva, um dos fundadores da marca de moda Lines Lab, surgiu da realização do evento sobre startups em Macau e do protocolo assinado. O designer foi a Lisboa apresentar o seu mais recente projecto a convite da Fábrica de Startups Portuguesa e do Turismo de Portugal.

A startup que Manuel Correia da Silva quer implementar chama-se “I’m Mo” e trata-se de “uma plataforma online que gere e cria valor ao tempo livre que nós temos, para que possamos saber o que podemos fazer, onde e como”, conta. “O projecto está ainda a desenvolver-se e é fruto da licenciatura que temos na Universidade de São José, que tem vindo a desenvolver-se fora da faculdade.”

Manuel Correia da Silva falou da adesão massiva que as pessoas têm tido em relação ao evento, com longas filas e muitos bilhetes comprados. “Esta é a primeira vez que participo numa Web Summit e interessava-me saber o formato e os conteúdos de uma cimeira como esta. Já tinha participado num evento de Hong Kong ligado às startups, mas com uma escala completamente diferente. Queremos aproveitar a vinda de todas estas pessoas a Lisboa para lançar algumas parcerias, algumas que já temos e que estão presentes e estamos a aproveitar para trabalhar com elas.”

Sobre a ausência de Macau da cimeira, o designer acredita que, nos próximos dois anos, haverá possibilidades de maiores participações. “Seria importante haver uma representação mas também teríamos de saber como seria feita, e por quem. A Web Summit vai continuar por mais dois anos em Lisboa e vamos ter a oportunidade de ter Macau representada de alguma maneira, seja mais governamental ou independente”, conclui.

A cimeira tecnológica que nasceu em 2010 na Irlanda, e que se realiza pela primeira vez em Portugal, vai manter-se em Lisboa até 2020 e poderá prolongar-se por mais dois anos, havendo uma expectativa de retorno financeiro na ordem dos 175 milhões de euros para a edição de 2016.

Entre os mais de 50 mil participantes estarão 7787 portugueses. Além dos que vêm da área tecnológica, muitos são de sectores tradicionais como o retalho, a construção, a advocacia e a agricultura. Os participantes são oriundos de mais de 165 países, incluindo a presença de mais de 20 mil empresas e mais de duas mil startups.

OMC defende necessidade de apostar na tecnologia

O director-geral da Organização Mundial do Comércio, Roberto Azevêdo, considerou que o comércio é o “alvo fácil” das sociedades, quando é a inovação e a tecnologia que estão a reduzir os postos de trabalho nos empregos tradicionais.

“Temos um problema e está aí. E o problema é que hoje no mercado de trabalho existem sentimentos de incerteza, sentimentos de abandono, de as pessoas terem sido deixadas para trás, de não terem oportunidades suficientes”, disse o responsável brasileiro da OMC na abertura da Web Summit em Lisboa.

Roberto Azevêdo disse que “muita desta culpabilização do comércio é uma forma de encontrar um alvo fácil, o inimigo fácil, o forasteiro”. “Apontar o que é diferente e que vem de fora. E isso é injusto. Mas se formos honestos e virmos o que está a acontecer com o mercado de trabalho, não tem nada que ver com o comércio”, disse o responsável da OMC.

O dirigente da entidade que regula o comércio mundial admitiu que “dois em cada dez empregos que se perdem nas economias avançadas têm que ver com o comércio”. “Mas oito em dez ou mais tem que ver com novas tecnologias, tem que ver com maior produtividade, com inovação. E não podemos estar contra essas coisas, não podemos lutar contra essas coisas. Temos de as abraçar e perceber que são o futuro”, disse Roberto Azevêdo.

O director-geral da OMC deu como exemplo o serviço de entrega “em grande escala” de encomendas e pacotes por drones ou por camiões automáticos, sem condutor. “Só nos Estados Unidos há 3,5 milhões de condutores de camiões. Esses tipos vão perder os seus empregos. E não só eles? Todos os da assistência à beira das auto-estradas, cafés, restaurantes, estações de serviço. O que vai acontecer com todas estas pessoas?”, questionou o dirigente perante muitos milhares de jovens que assistiam à abertura da Web Summit.

Roberto Azevêdo também considerou que não vale a pena dizer “daqui a uns anos que não se sabia que isso ia acontecer”. “Isto vai acontecer. A questão é saber como lidas com isso. Se não perceberes qual é o problema vais receitar o remédio errado, e o remédio errado é o proteccionismo”, disse o responsável da OMC, para quem essa receita significa “esmagar as oportunidades de milhares de pessoas como as que estão aqui hoje”. “Jovens que querem ser empreendedores, que querem conectar-se e fazer negócios. O comércio não é o monstro, mas também não é a panaceia”, concluiu.

9 Nov 2016

Zona B | Au Kan Sam quer tribunais e edifícios da Administração em Nam Van

 

 

É um erro transferir a Assembleia Legislativa para a zona B dos novos aterros, diz Au Kam San. Numa interpelação ao Chefe do Executivo, o deputado defende que, em vez de se transferir o que já existe em Nam Van, há que construir o que falta nos muitos terrenos vazios naquela área

 

[dropcap style≠’circle’]H[/dropcap]á uns anos seria difícil imaginar um discurso com este teor: Au Kam San foi à gaveta da memória recuperar declarações de Susana Chow para tentar convencer o Governo a pensar bem no que vai fazer da zona B dos novos aterros. O pró-democrata recorda que, mal a hipótese foi aventada, a antiga presidente da Assembleia Legislativa alertou para o erro que será transferir de local o edifício que alberga o órgão legislativo. O deputado concorda com a posição de Chow e deixa a ideia agora por escrito, numa interpelação ao Executivo em que faz uma proposta alternativa para a área de edifícios da Administração e do sector judicial.

“Há dez anos que existe este plano para a zona B. Já não será o mais adequado”, começa por escrever, lembrando que, desde que foi anunciado, já foi objecto de contestação por diversas vezes. Para a zona B dos aterros está pensada a concentração de vários serviços públicos: Au Kam San entende que esse mesmo conceito pode ser transferido para Nam Van, onde se encontra já a Assembleia Legislativa, o Tribunal de Segunda Instância e o Tribunal de Última Instância.

Lusófonos também

O deputado considera que a falta de espaço dos dois tribunais é uma questão que poderá ser facilmente ultrapassada. Quanto à Assembleia, o edifício foi construído recentemente, sublinha, pelo que é de preservar. As restantes entidades que precisam de casa nova – como o Comissariado contra a Corrupção e o Comissariado da Auditoria – poderiam vir a ocupar um dos vários terrenos vazios no local, que “estão por aproveitar há 20 anos”.

Na interpelação escrita, o deputado salienta ainda que está planeada, para aquela zona da cidade, a construção de um centro de negócios China-lusofonia, um plano que se poderá manter, porque espaço não falta. “É mais razoável construir tudo em Nam Van”, insiste, acusando o Governo de estar a projectar a zona B sem ter em consideração as desvantagens da transferência dos órgãos que já têm instalações apropriadas. A rematar a missiva, Au Kam San pergunta ao Governo se a opção que apresenta poderá ser objecto de reflexão.

9 Nov 2016

Finanças | AMCM quer rever regime das sociedades de locação financeira

Em vigor desde 1993, o regime jurídico das sociedades de locação financeira, acção também conhecida por leasing, vai ser revisto. A garantia foi dada pela Autoridade Monetária e Cambial em resposta a uma interpelação escrita do deputado Ho Ion Sang

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] Autoridade Monetária e Cambial (AMCM) confirmou que está a rever o regime jurídico das sociedades de locação financeira, em vigor desde 1993. Em resposta a uma interpelação escrita do deputado Ho Ion Sang, ficou clara a intenção da AMCM em mudar a definição deste tipo de sociedades, que operam em conjunto com os bancos, no sentido de criar melhores circunstâncias externas para os negócios e administração de património.

“O regime jurídico das sociedades de locação financeira vigente define as sociedades como entidades de crédito e aplica-se nelas o regulamento de supervisão em vigor para os bancos. Contudo, na prática, é proibido a estas sociedades receberem depósitos em dinheiro de clientes, as quais, em comparação com os bancos, enfrentam menos riscos financeiros”, explicou a AMCM. Está, para já, a decorrer uma consulta ao sector sobre o assunto.

Esta revisão, confirma o organismo liderado por Anselmo Teng, articula-se com o “desenvolvimento de um sector financeiro com características próprias”, um objectivo que consta no último relatório das Linhas de Acção Governativa (LAG) e no Plano de Desenvolvimento Quinquenal da RAEM. Segundo a AMCM, há muito que o sector financeiro clama por uma actualização da legislação nesta área.

Da diversificação

De acordo com o decreto-lei em vigor, as sociedades de locação financeira não podem constituir-se com um capital social inferior a 30 milhões de patacas. Já na altura se previa que poderia “constituir um instrumento útil de apoio à diversificação e renovação do actual parque industrial, bem como à dinamização do sector dos serviços”.

Ho Ion Sang referiu na sua interpelação que o desenvolvimento do sector financeiro está a enfrentar dificuldades devido às lacunas existentes ao nível da legislação. O deputado citou ainda o Governo quanto à possibilidade do sector financeiro, na área da banca e dos seguros, poder ajudar na diversificação económica do território, por já representar 4,6 por cento do Produto Interno Bruto (PIB), valor que poderá aumentar para 18 por cento em 2020. O membro da Assembleia Legislativa (AL) lembrou ainda que, segundo estimativas do sector, a indústria financeira irá ocupar cerca de dez por cento da economia nos próximos cinco anos, tornando-se num pilar importante da economia nos próximos 20 anos, lado a lado com o sector do jogo.

Em resposta, a AMCM voltou a garantir que está a aperfeiçoar “gradualmente” os diplomas financeiros bem como as políticas relacionadas, tendo o objectivo de reforçar a criação de um sistema financeiro com características próprias.

9 Nov 2016

Han Lili | Literatura local é de qualidade mas precisa de divulgação

 

 

A literatura de Macau está bem e recomenda-se. A ideia é passada pela académica Han Lili que esteve no Fórum do Livro de Macau em Lisboa para apresentar e discutir a produção e necessidades da actividade literária local

 

[dropcap style≠’circle’]É[/dropcap] necessário divulgar a literatura que se produz em Macau. A sugestão é deixada pela académica e poetisa Han Lili, após ter participado no primeiro Fórum do Livro de Macau em Lisboa. A também professora do Instituto Politécnico de Macau foi, a convite da Associação Amigos do Livro, dar a conhecer um pouco da produção literária que se faz na região, de modo a suscitar a discussão acerca da temática.

Um dos problemas que a produção literária local atravessa é a falta de divulgação e o Fórum proporcionou um momento para que tal fosse feito. Com um balanço “muito positivo” do evento, Han Lili não deixa de sublinhar o facto de mesmo as pessoas que são de Macau e que estavam presentes em Lisboa desconhecerem algumas das traduções que já existem de obras escritas em chinês na região. A situação demonstra que “a produção literária que por cá se faz não é suficientemente divulgada, e o Fórum proporcionou um momento de debate acerca das dificuldades e caminhos a seguir de modo a motivar a literatura local”, refere Han Lili no balanço que faz da sua participação na iniciativa.

Divulgação é prioridade

“Os escritores locais enfrentam muitos desafios, porque o mercado não tem muita procura”, afirma a académica, pelo que considera “imperativo que sejam divulgados na China Continental e com iniciativas como o Fórum do Livro de Macau”, para que as traduções possam ser incentivadas e as obras possam rumar a outros continentes. “Há falta de informação em Macau acerca do que cá se produz literariamente, e é preciso divulgar e materializar esta ponte entre as duas culturas”, ilustra ao HM.

No cerne das questões debatidas em Lisboa esteve a necessidade de apoio social e institucional para divulgar a literatura de Macau. “Para dar a conhecer livros é necessário que as pessoas saibam que existem e que os leiam, é preciso público.”

Neste sentido, é urgente que se passe à sensibilização social de modo a fomentar o hábito de ler obras escritas por locais. Han Lili considera ainda que “se houver este mercado e esta procura, será uma forma de incentivar os próprios tradutores a realizar um trabalho mais exaustivo e elaborado, de modo a ter o sucesso necessário na sua função”.

No entanto, a dificuldade em traduzir este tipo de obras, e especialmente a poesia, é vivida na primeira pessoa pela académica. Paralelas à necessidade de tradução para uma maior divulgação estão as dificuldades associadas ao processo de passar conceitos, nem sempre concretos, para um outro sistema linguístico.

No sentido de promover o bilinguismo e a sua materialização no que respeita à tradução literária, Han Lili considera que as directivas de Pequim no sentido de desenvolver a língua portuguesa são fundamentais e “já se notam”. “A estratégia do Governo Central e respectiva implementação das Linhas de Acção Governativa já se reflectem, por exemplo, nos cursos de Tradução que são motivo de cada vez mais candidaturas”, explica, sem deixar de salientar que é preciso mais. Para traduzir uma obra literária não basta ser tradutor, há que ter sensibilidade e dominar por completo as culturas em que as línguas com que se trabalha se inserem.

“No mercado é muito difícil encontrar tradutores de qualidade, sobretudo de obras literárias, área em que não chega ter o curso e é preciso ter a sensibilidade necessária para, por exemplo, poder traduzir poesia.”

A ilustrar a situação, Han Lili dá o seu próprio exemplo enquanto poetisa. “Não traduzo os meus poemas, ou os escrevo em português ou em chinês, porque há elementos que não podem ser traduzidos”, explica.

No entanto, na opinião da académica, os escritores locais estão cada vez mais incentivados e precisam de mais iniciativas por parte das próprias instituições.

A académica, que foi falar de literatura chinesa de Macau à capital portuguesa, considera que o tema engloba não só a literatura produzida por autores locais, mas também a que foi escrita por outros desde que seja sobre o território, ou feita por quem por cá tenha passado. “Para poder alargar a dimensão que abrange a literatura de Macau, recorri à definição proposta por José Seabra Pereira, em que literatura de Macau não significa que seja escrita por pessoas de Macau, mas sim aquela que é sobre a terra, porque Macau não é um conceito geográfico”, explica Han Lili ao demonstrar que o tema é alargado.

Na calha para o futuro

Macau já tem uma produção literária “sólida”, afirma ao HM, que se reflecte tanto no que respeita à escrita em português como em chinês, e mesmo em obras traduzidas, algumas pelos próprios autores. Han Lili destaca Yao Jingming, que escreve em chinês, português ou mesmo inglês. No entanto, “apesar de Yao Jingming fazer as suas traduções, tem muitas obras que ainda não têm versão em português”. Para a professora, o académico é um exemplo do que de sólido e de qualidade se faz em Macau ao nível da escrita”. “Além de ter uma sensibilidade poética, [Yao Jingming] consegue escrever em línguas diferentes, sem que interfiram uma com a outra”, explica.

Outra referência proposta para futura tradução é a poetisa Susana Yun ou Tai Ki, que “é uma excelente romancista”. Ao recorrer a pequenas histórias, Tai Ki consegue tecer um argumento complexo e muito estruturado, o que lhe valeu o prémio de literatura, durante três anos, atribuído pela Fundação Macau: “Isto demonstra que a qualidade começa a ser reconhecida”.

 

9 Nov 2016

Hong Kong | Assembleia Popular Nacional impede tomada de posse de deputados pró-independência

O Comité Permanente da Assembleia Popular Nacional decidiu ontem que Sixtus Leung e Yau Wai-ching, os dois deputados protagonistas de uma controversa tomada de posse no Conselho Legislativo, vão ser afastados do órgão. Resta saber se é o início do fim de uma saga política em Hong Kong ou se o drama vai agora começar

[dropcap style≠’circle’]F[/dropcap]oi a quinta vez, em 19 anos, que Pequim decidiu fazer uma interpretação da Lei Básica de Hong Kong – e, desta feita, a decisão de intervenção do Comité Permanente da Assembleia Popular Nacional (APN) pode ter efeitos para a vida política da antiga colónia britânica que vão além do esclarecimento constitucional.

Em causa estava o Artigo 104o da Lei Básica de Hong Kong, que dispõe sobre o juramento de fidelidade. O artigo é em tudo semelhante ao que dispõe a Lei Básica de Macau: basicamente, determina que o Chefe do Executivo, os titulares dos principais cargos e os deputados ao Conselho Legislativo devem defender o diploma fundamental da região, serem fiéis a Hong Kong e prestarem juramento de fidelidade à China.

A interpretação feita pelo Comité Permanente da APN, um documento com oito páginas, veio determinar que os princípios de fidelidade não constam apenas da Lei Básica – devem ser incluídos no acto do juramento, por serem “requisitos legais e condições prévias” da participação nas eleições. “Alguém que preste juramento e que intencionalmente diga palavras que não estão de acordo com o guião definido por lei, ou que preste juramento de um modo que não é sincero ou solene, deve ser tratado como estando a declinar prestar juramento”, cita a Agência Xinhua. “Deste modo, o juramento é inválido e a pessoa fica desqualificada de assumir o exercício de funções.”

Concluindo e resumindo: Sixtus Leung e Yau Wai-ching, os dois jovens deputados eleitos protagonistas de uma controvérsia inédita em Hong Kong, não vão poder ocupar os assentos para os quais foram escolhidos nas eleições de Setembro último.

No tempo certo

Sixtus Leung e Yau Wai-ching não só não seguiram o guião – ao utilizarem expressões insultuosas para a China –, como ainda levaram para a cerimónia de tomada de posse uma faixa onde se podia ler que “Hong Kong não é a China”. Li Fei, o presidente da Comissão da Lei Básica da região vizinha, comentava ontem que os dois activistas “violaram seriamente o princípio ‘um país, dois sistemas’, a Lei Básica e as leis de Hong Kong”, acrescentando que o Governo Central “está determinado em confrontar firmemente, sem qualquer ambiguidade, as forças pró-independência”.

“A explicação do Comité Permanente sublinha a forte determinação do Governo Central contra a independência de Hong Kong”, reiterou Li Fei. A interpretação vai ao encontro do “desejo comum” das pessoas de Hong Kong e da China Continental, “é totalmente necessária e é feita em boa altura”, disse também.

O político fez ainda alusão “à minoria de pessoas que, nos últimos anos, tem desafiado o princípio ‘um país, dois sistemas’ e distorcido a Lei Básica”. “Desde as eleições legislativas, algumas pessoas têm vindo a defender a independência, dizendo que querem obtê-la através do Conselho Legislativo. A interpretação veio ajudar a defender a segurança nacional e a soberania.”

Citado pela imprensa de Hong Kong, Li Fei contestou a ideia de que o Comité Permanente da APN só pode interpretar a lei fundamental da região após solicitação da justiça local. Quanto aos efeitos da interpretação ontem tornada pública, “são retroactivos, porque [a interpretação] reflecte a intenção legislativa”. O presidente da Comissão da Lei Básica preferiu, no entanto, não fazer qualquer comentário sobre a possibilidade de outros deputados serem desqualificados por causa do modo como tomaram posse e prestaram juramento.

A decisão de Pequim em relação à interpretação da Lei Básica surgiu depois de, em Hong Kong, o caso Sixtus Leung e Yau Wai-ching ter assumido proporções complicadas, ao deixar de ser um assunto meramente político e passar ao domínio das questões judiciais.

Depois da polémica cerimónia de juramento, o presidente do Conselho Legislativo, Andrew Leung – também ele novo no exercício do cargo – decidiu dar uma segunda hipótese aos dois activistas pró-independência. O Chefe do Executivo, C.Y. Leung, não gostou da ideia. O líder do Governo e o secretário para a Justiça, Rimsky Yuen, avançaram então para tribunal, questionando a decisão de Andrew Leung.

O Supremo Tribunal de Hong Kong ainda não se pronunciou sobre a matéria. A decisão ontem tomada pelo Comité Permanente da Assembleia Popular Nacional, dizem as vozes mais críticas, veio colocar em causa a autonomia judicial de Hong Kong, e esvaziar a decisão que venha a ser tomada pela justiça local. O politólogo Éric Sautedé não tem dúvidas de que houve uma jogada de antecipação de Pequim.

“Porque é que houve esta acção tão rápida? Acredito que Pequim está muito desconfortável com o sistema judicial. No passado, houve várias decisões do Supremo Tribunal sobre a independência de poderes”, recorda ao HM, lembrando que também esta é uma questão fracturante na antiga colónia britânica. “Se olharmos para uma das primeiras interpretações do Comité Permanente da APN, sobre o direito à residência, vemos que a justiça se tinha oposto à decisão do poder executivo.”

Ontem, o presidente da Comissão da Lei Básica rebateu os efeitos da atitude de Pequim em relação ao sistema judicial local: “O significado essencial da independência judicial é agir de acordo com as leis e não existe uma independência judicial que vá contra a Lei Básica”.

Desconfiança aumentada

A saga da cerimónia de juramento – é assim que o caso é descrito pela imprensa de Hong Kong – passou da esfera política local para a judicial e, depois, para o domínio político nacional. Mas há também “um lado moral” em todo este incidente, com repercussões que se desconhecem: é preciso esperar para ver. “Levantou-se uma questão moral”, comenta ao HM o politólogo Sonny Lo. Em Hong Kong, a ideia de uma intervenção do poder central foi aplaudida por quem pertence ao campo pró-Pequim porque “as acções dos dois deputados eleitos são consideradas inaceitáveis”.

Para o analista, o Governo Central não tinha outra hipótese além desta intervenção para acabar com “o estado de paralisia que levou ao impasse total” do Conselho Legislativo. Sonny Lo acredita que houve um erro de cálculo de Sixtus Leung e Yau Wai-ching – que tiveram “um comportamento altamente provocatório” – quando decidiram apostar nesta estratégia de ruptura com o sistema. “Provavelmente não calcularam bem a forte reacção de Pequim. Também não conseguiram antecipar a decisão do Comité Permanente da APN. Pequim acredita que o Conselho Legislativo de Hong Kong está num impasse. Pequim acredita que este tipo de acções e comportamentos dos dois novos deputados eleitos são inaceitáveis”, observa.

Já Éric Sautedé considera que Sixtus Leung e Yau Wai-ching estavam perfeitamente conscientes de que os actos teriam consequências. “Não digo que tivessem o controlo absoluto de todo o processo, mas estavam a testar os limites”, afirma o professor universitário. “Não acho, de modo algum, que tenham subestimado as reacções. Queriam marcar uma posição logo desde o início, mostrando que foi para isso que foram eleitos”, continua. Os dois jovens activistas pretendiam demonstrar que o sistema tem falhas, que “o rei vai nu” e, nessa medida, conseguiram atingir os objectivos.

Além de uma série de questões técnicas que agora terão de ser resolvidas, há em termos políticos um impacto a longo prazo que, para Sonny Lo, é claro: “Tudo isto aumentou muito a falta de confiança entre todos os lados, a um nível que faz com que a única solução seja recorrer a meios legais para resolver problemas políticos. Todo o processo ilustra uma desconfiança política profunda”.

No domingo, na antecipação da interpretação do Comité Permanente da APN, Hong Kong voltou a ser palco de protestos, sendo que, pelo menos, quatro pessoas acabaram detidas. “Acredito que, no futuro imediato, iremos assistir a mais confrontos. É muito difícil prever se poderá acontecer algo com a dimensão do Occupy, considerando que, em Setembro de 2014, também ninguém conseguia imaginar o que acabou por acontecer”, aponta Sautedé. “Mas, desta vez, a tensão é muito maior, e existe a ideia de que tudo é possível”, diz o analista, a viver na região vizinha. “Essa é a grande lição do Occupy e, depois, dos confrontos em Mogkok: basicamente, tudo é possível, tudo pode dar origem a um incêndio, existe electricidade no ar e, quanto mais tempo passa, mais a electricidade é de alta voltagem.”


Vem aí o Artigo 23?

O Governo de Hong Kong “apoia” a interpretação da Lei Básica feita pelo Comité Permanente da Assembleia Popular Nacional (APN), declarou ontem de manhã o Chefe do Executivo da região vizinha, numa conferência de imprensa sobre a decisão do poder central em relação ao caso da cerimónia de juramento protagonizado pelos deputados eleitos Sixtus Leung e Yau Wai-ching. “Enquanto Chefe do Executivo, tenho o dever de implementar a Lei Básica de acordo com o Artigo 48o”, declarou C.Y. Leung. “Eu e o Governo da RAEHK vamos implementar a decisão de forma plena.”

O líder do Governo destacou ainda que o Comité Permanente da APN “só interpretou” a Lei Básica por cinco vezes, o que demonstra que “Pequim tem sido muito cuidadoso ao exercer esta prerrogativa”. A interpretação ontem tornada pública “não teria acontecido se não fosse necessária”, defendeu, acrescentando que “o Governo Central tem total consciência do que está a acontecer em Hong Kong”.

Questionado sobre a necessidade de se avançar para a polémica legislação prevista pelo Artigo 23o da Lei Básica, que dispõe sobre a segurança nacional, C.Y. Leung – que, em tempos, disse não ver necessidade urgente na sua adopção – parece agora ter mudado de ideias. “A RAEHK deve legislar [sobre o Artigo 23o]. No passado, não víamos ninguém a defender a independência, mas agora vemos. Isto merece efectivamente a nossa atenção.”

O politólogo Éric Sautedé recorda que, para que uma legislação deste género seja aprovada, é preciso fazer contas aos votos no Conselho Legislativo. “O que é realmente claro é que existe uma interferência de Pequim nos assuntos internos de Hong Kong”, observa. O analista acredita que todo este caso veio precipitar a “lenta, mas certa, erosão do alto grau de autonomia” de Hong Kong.

“Claro que, em Macau, este alto grau de autonomia há muito que desapareceu – não sei se alguma vez existiu –, com Macau completamente alinhado com o que Pequim quer. Mas, em relação a Hong Kong, isto é preocupante, é um ponto de viragem muito mais importante do que 2003, porque na altura foi a constatação de que não havia apatia política, ao contrário do que muitas pessoas pensavam. Desta vez, existe a noção de que estes jovens têm apoio”, conclui.

Em 2003, mais de 500 mil manifestantes saíram à rua contra o Artigo 23o – desde a transferência de soberania que não se via protesto de tal dimensão. A legislação acabou por ser engavetada. Em Macau, a lei foi aprovada em 2009, sem problemas de maior.

8 Nov 2016

Segurança | Governo pensa em plano preliminar para substâncias perigosas

A implementação de um regime para regulamentação das substâncias perigosas e a legislação para um centro cibernético foram duas medidas anunciadas pelo Secretário para a Segurança, Wong Sio Chak, em entrevista ao jornal Ou Mun

 

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] regime para a regulamentação das substâncias perigosas, onde se incluem produtos inflamáveis, já tem plano preliminar e vai ser implementado em breve. A informação foi adiantada pelo Secretário para a Segurança, Wong Sio Chak, em entrevista ao jornal Ou Mun, em que revelou ainda que a proposta de lei que irá acompanhar o estabelecimento do centro de segurança cibernética está “praticamente concluída”.

A explosão de um armazém de substâncias perigosas em Tianjin, ocorrida no ano passado, veio alertar a RAEM para a forma como se gere esta área. Consequentemente foi criada, já no mandato de Wong Sio Chak, uma comissão interdepartamental a fim de rever o regime no sector.

Na entrevista, o Secretário para a Segurança revelou que os trabalhos relativos à revisão do diploma estão divididos em planos de curto, médio e longo prazo, salientando que os que estão reservados para ter efeito num período de tempo mais próximo “já estão a ser elaborados e vão ser postos em prática, em breve”. No que está planeado para curto prazo insere-se a criação de um mecanismo de inspecção e notificação de substâncias perigosas, bem como de uma base de dados.

Wong Sio Chak adiantou ainda que, nos planos a médio prazo, se pretende elaborar um diploma para a gestão e controlo integral deste tipo de substâncias, sendo que caberá nas iniciativas a longo prazo a criação de um depósito e a gestão unificada das componentes, tendo em conta uma localização específica.

Tudo a correr bem

Tendo assumido a posse de Secretário para a Segurança há quase dois anos, na entrevista ao Ou Mun, Wong Sio Chak faz ainda um balanço positivo no que respeita ao aperfeiçoamento do sistema de segurança, salientando que “os crimes graves continuam a diminuir e os crimes ligeiros estão sob controlo eficaz”. O dirigente sublinha ainda a optimização da imagem da polícia que tem vindo a ser feita, bem como da reacção das forças de segurança em casos de intervenção pública. “Os serviços no âmbito de segurança, tendo como base as directrizes e regulamentos nas Linhas de Acção Governativa, têm promovido e concluído os trabalhos em conformidade com os calendários, leis e procedimentos, e têm obtido bons resultados,” avaliou Wong Sio Chak .

Desde que iniciou funções enquanto secretário para a Segurança, Wong Sio Chak promoveu a coordenação conjunta dos Serviços de Polícia Unitários (SPU), os Serviços de Alfândega (SA) e o Corpo de Polícia de Segurança Pública (CPSP) no combate à imigração ilegal. O governante manifestou o seu agrado com os resultados que tem vindo a obter e que se traduzem num “aumento substancial do número de detenções e numa redução do número de deportações, o que demonstra que o mecanismo de coordenação é eficaz”.

Quanto à instituição de regimes legislativos, o secretário salientou que os trabalhos não podem ser concluídos em apenas um ano, sendo que esta premissa é especialmente válida para a criação do centro de segurança cibernética, projecto que envolve a coordenação de cinco secretarias. De relevo para o dirigente é ainda o facto de se tratar de uma iniciativa que envolve várias áreas complexas e tem de ter uma cobertura interdisciplinar.

“Sem legislação não se pode progredir na criação do centro cibernético”, afirmou. No entanto, adiantou que a proposta de lei está a ser feita e que já estará quase pronta, adiantando que, “no primeiro semestre do próximo ano, já será capaz de entrar no procedimento legislativo.”

8 Nov 2016

Fórum Macau | Cristina Morais diz que saiu por “motivos pessoais”  

 

Cristina Morais resolveu não continuar como coordenadora do Fórum Macau, alegando “motivos pessoais” para a saída. O deputado José Pereira Coutinho diz que o Fórum Macau tem sofrido “intromissão de pessoas” e acusa o Secretário para a Economia e Finanças de “nunca se ter interessado” pelo organismo

 

[dropcap style≠’circle’]É[/dropcap] difícil encontrar respostas para o facto da coordenação do Fórum Macau em nome do Governo da RAEM continuar a não se pautar pela estabilidade, sendo raras as pessoas que queiram comentar o assunto. Após a saída de Rita Santos, que se reformou, Echo Chan ficou apenas oito meses no cargo e Cristina Morais está também de saída, ao fim de um ano em funções, conforme noticiou o Jornal Tribuna de Macau.

Em declarações ao HM, Cristina Morais deu as mesmas explicações que Echo Chan deu em Outubro do ano passado para sair. “Findo o termo de uma comissão, é natural que as pessoas possam optar por ficar ou sair. No meu caso, optei por assumir funções diferentes, em vez de assumir a prorrogação. Foi por motivos pessoais que deixei o Fórum Macau.”

“Optei por voltar à Direcção dos Serviços de Economia. Continuarei a fazer parte do Fórum Macau porque estarei no departamento de relações económicas internacionais”, disse ainda Cristina Morais, que traça um balanço positivo do seu trabalho.

“Foram feitas muitas reportagens a esse respeito e talvez não seja necessário da minha parte acrescentar mais informações. Já foi anunciado um novo plano de acção e um novo memorando, e as expectativas são muito boas. No plano de acção há novas áreas de cooperação e penso que os países de língua portuguesa terão grande vontade em desenvolver essas áreas. Vamos ver de que forma serão organizados novos grupos de trabalho, para permitir que essas áreas sejam desenvolvidas. Tenho expectativas positivas”, disse ainda ao HM.

Há já algum tempo que existia o rumor de que Cristina Morais sairia do Fórum Macau após a realização da 5ª Conferência Ministerial.

Problemas internos

Convidado a comentar mais uma baixa do Fórum Macau, o deputado José Pereira Coutinho defende que “Cristina Morais saiu desde o primeiro dia em que foi nomeada para o Fórum”. “Vai ser muito difícil encontrar uma pessoa com perfil para o cargo”, acrescentou ainda o deputado, que fala em “amadorismo e falta de profissionalismo” no seio da entidade, que se reflectem “nos resultados externos dos trabalhos do Fórum.

Coutinho faz ainda uma acusação directa a Lionel Leong, Secretário para a Economia e Finanças. “O maior responsável pela confusão da última conferência ministerial é o Secretário Lionel Leong, que desde o início nunca se interessou pelo Fórum Macau.”

O deputado dá como exemplo o facto de nenhum membro do Governo de Macau ter ido ao aeroporto receber António Costa, primeiro-ministro português. O HM apurou que Costa foi recebido pela vice-ministra do Comércio da China, Gao Yan, e por Jackson Chang, presidente do Instituto de Promoção do Comércio e Investimento (IPIM).

“Houve uma falha protocolar grave quanto ao esquecimento em receber o primeiro-ministro português no aeroporto de Macau, já que nenhum Secretário ou chefe de gabinete estiveram presentes. Nem sequer havia um intérprete para traduzir a conversa entre o primeiro-ministro português e a vice-ministra do comércio chinês”, referiu Coutinho.

Em resposta ao HM, o gabinete de Lionel Leong confirmou que o Secretário não pôde, de facto, estar presente no aeroporto por motivos de agenda, pois tinha de estar ao lado do primeiro-ministro chinês na Torre de Macau para apresentar “a estratégia sobre a promoção da diversificação adequada da economia e do desenvolvimento sustentável industrial local”. “Esta forma de recepção foi combinada previamente após uma profunda comunicação e coordenação com a parte portuguesa”, explicou ainda o gabinete.

Além disso, o governante afirmou ter estado presente na despedida de Macau de António Costa, tendo referido que está “muito atento aos trabalhos relativos ao Fórum Macau”.

Pouca formação

Coutinho fala ainda da “falta de formação do pessoal que trabalha no Fórum, que teve enormes dificuldades em informar os convidados”, tendo mesmo ocorrido “o abandono de uma das delegações dos países africanos, que falhou nos transportes de retorno ao país”.

O deputado frisou ainda que o Fórum Macau “sempre sofreu intromissões por parte de pessoas estranhas, ávidas em colher louros e proveitos individuais por parte do pessoal do chefe de gabinete de Lionel Leong”.

Glória Batalha Ung, vogal executiva do IPIM, confirmou ao HM que a entidade ainda não recebeu novas indicações sobre a pessoa que irá substituir Cristina Morais. “Saiu por assuntos particulares e vai ser substituída, penso que não haverá problema e que o Secretário vai coordenar bem o processo. Ainda não recebemos instruções sobre isso.”

Um comunicado oficial divulgado ontem explicava apenas que Cristina Morais ponderou “por sua própria vontade os contextos e experiências profissionais de que dispõe”, tendo sido nomeada chefe do departamento de relações económicas externas da DSE. “Quanto ao sucessor para o cargo de coordenador do Gabinete de Apoio do Fórum Macau, será divulgado em tempo oportuno e de acordo com os termos processuais”, pode ler-se. Vítor Sereno, cônsul-geral de Portugal em Macau e representante de Portugal no Fórum Macau, não quis fazer comentários.

8 Nov 2016

Saúde | São Januário fez primeiro transplante de um órgão em Macau

 

 

Está feito o primeiro transplante de um órgão em Macau. No território ainda não há, no entanto, uma base de dadores. Os órgãos têm de ser da família

 

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]conteceu no domingo, com o apoio de uma equipa da China: “No dia 6 de Novembro, com a colaboração de equipas médicas do Centro Hospitalar Conde de São Januário e do primeiro hospital filiado da Universidade Sun Yat-sen, foi concluído o primeiro transplante renal num corpo vivo”, anunciou o director dos Serviços de Saúde de Macau, Lei Chin Ion, em conferência de imprensa.

O transplante foi proposto pela família, com o rim da irmã mais velha, de 54 anos, a ser transplantado para a irmã mais nova, de 39. A cirurgia foi considerada um sucesso e, não havendo complicações, ambas devem ter alto dentro de dez dias. “Tem um significado histórico para o desenvolvimento médico de Macau”, disse He Xian Shun, subdirector do hospital filiado da Universidade Sun Yat-sen.

A partir de agora passa a ser possível realizar em Macau transplantes de rins quando o próprio paciente apresenta um possível dador, que tem de ser seu familiar, com distância até três gerações. No entanto, ainda não é possível receber o órgão de um estranho, apesar de já terem sido fixados, em Abril, os critérios para a definição da morte cerebral, necessários para esse procedimento.

O registo de dadores após a morte está previsto na lei desde 1996, mas ainda não foi elaborada uma base de dados. Segundo os Serviços de Saúde, ao contrário do que se passa em Portugal, os potenciais dadores terão de manifestar intenção de o ser.

“Vamos fazer divulgação sobre a assinatura do cartão de doação de órgãos, para que quando houver um acidente possam doar”, disse Lei Chin Ion, sem avançar com uma calendarização. Segundo o director dos Serviços de Saúde, há entre dez a 15 pessoas por ano aptas a doar órgãos na região, vítimas de, por exemplo, acidentes de viação. “Mas teriam de assinar uma autorização”, ressalvou.

Na lista nacional

A partir de agora, os doentes de Macau passam também a integrar a lista da China Continental, ou seja, podem receber órgãos de todo o país e, quando o sistema estiver regulamentado, os residentes na região podem também doar. “Lutámos para entrar nesta lista de espera. O número de dadores viáveis em Macau é muito baixo, cerca de 15” por ano, explicou. No entanto, os doentes de Macau têm prioridade para receber os órgãos de Macau, passando para a China se não forem compatíveis, esclareceu.

O primeiro transplante foi renal “porque a técnica é consolidada e a taxa de sobrevivência alta”, explicou ainda Lei Chin Ion, indicando que “existem muitos doentes com disfunção renal em Macau”. Mais de 600 realizam hemodiálise, ainda que nem todos possam receber um novo rim.

A equipa médica de Macau que participou nesta cirurgia recebeu formação em Zhongshan, no hospital filiado da Universidade Sun Yat-sen, que vai continuar a formar médicos de Macau neste sentido. Questionado sobre se algum cirurgião de Macau está apto a realizar a operação sozinho, Kuok Cheong U, director do São Januário, disse que “a capacidade dos médicos ainda não é muito madura e o importante é a segurança dos pacientes”. “Penso que todos os médicos especialistas têm vontade de receber esta qualificação”, indicou.

Para poderem liderar autonomamente um transplante, os médicos de Macau têm de ter participado em pelo menos 50 transplantes de rim e sido um dos cirurgiões em pelo menos 20, acrescentou o director do hospital. No futuro, os Serviços de Saúde esperam poder avançar para transplantes de fígado.

Quanto ao custo da operação, sem indicar o valor total, Kuok Cheong U afirmou que o transplante de rim “não faz parte da cobertura de cuidados gratuitos”, mas se o paciente “for muito pobre pode pedir redução dos custos médicos”.

8 Nov 2016

EUA | Incertezas sobre candidato vitorioso nas vésperas da eleição presidencial

Nem uma, nem o outro são figuras mobilizadoras. Ela porque é a continuidade de um certo sistema; ele porque rompe com tudo, sobretudo com valores que, aos olhos de muitos, devem ser preservados. Na contagem decrescente para a eleição mais importante do ano, há dúvidas sobre os resultados. Ainda assim, tudo aponta para que a democrata Hillary Clinton seja a sucessora de Barack Obama

[dropcap style≠’circle’]É[/dropcap] um homem com tanto carisma que mereceu, quase a título de incentivo, o Prémio Nobel da Paz. Nas últimas eleições em que os Estados Unidos mudaram de Presidente, era só certezas: Barack Obama conquistou multidões, dentro e fora do país, e a escolha para ocupar a Casa Branca representava uma certa América, mais livre, mais contemporânea, mais despida de preconceitos.

Desta vez, a história é outra. Há desilusão nos Estados Unidos com o processo que termina – ou começa – amanhã, dia 8 de Novembro. É o que sente Ricardo Alexandre, jornalista da Antena 1, que por estes dias está nos Estados Unidos a acompanhar a recta final da campanha e a tentar perceber o que é que, afinal, vêem os eleitores norte-americanos em Hillary Clinton e Donald Trump.

“Há desânimo, sim”, conta o jornalista ao HM. “Por um lado, todo o processo é muito longo e, por outro, os dois principais candidatos são uma espécie de mal-amados.” Ricardo Alexandre desdobra a ideia: o candidato republicano “não sabe ser político”; já a candidata democrata “está na política há muito tempo”. “Foi uma imagem que me transmitiram e que, creio, ilustra bem o ambiente geral”, diz o repórter que, entre outras paragens, foi a El Paso, no Texas, e à vizinha Ciudad Juárez para saber o que pensam as pessoas que ali vivem de uma das ideias mais polémicas de Donald Trump – a construção de um muro na fronteira com o México para impedir a entrada de ilegais.

Deste lado do mundo, atento a todas as informações que vão sendo publicadas sobre a eleição presidencial norte-americana, o especialista em relações internacionais Rui Flores concorda com o problema da falta de empatia dos dois principais candidatos: Donald Trump é “um caso de amor ou ódio” e Hillary Clinton é vista como “mais do mesmo”.

“As sondagens também demonstram isso. É a campanha que mais ódios levanta. Os eleitores vão votar sem grande convicção. Vão provavelmente mais convictos os eleitores de Donald Trump – ele fez a sua campanha claramente para o homem branco, que tem sofrido com a crise económica, com o fecho de fábricas no centro dos Estados Unidos”, observa Flores. Ricardo Alexandre acredita que será Hillary Clinton a vencedora mas, se o desfecho for outro, então será “a vitória do homem branco”. Do homem como palavra para ser do sexo masculino. “É que nem sequer é o homem e a mulher brancos. É apenas o homem branco porque ele, de facto, alienou muito do voto feminino”, vinca Rui Flores.

Do contra ao igual

Donald Trump ganhou tempo de antena com um discurso do contra: contra o livre comércio, contra a emigração, contra muitos dos valores que são dados como certos – ou que, até à data, eram dados como certos – pela maioria dos norte-americanos em particular e pelo mundo em geral. “É um discurso de isolamento da América e esse discurso tem chão por onde crescer porque, de facto, destina-se a um eleitorado que tem sofrido muito com a globalização nos últimos anos”, nota Rui Flores.

O discurso sobre a emigração foi, provavelmente, o que mais chocou, continua, para recordar que não se está perante um fenómeno novo, exclusivo dos Estados Unidos. “As pessoas revêem-se nesse discurso, que é feito também na Hungria, com Viktor Orbán, que é feito em França, com Marine Le Pen. O populismo associado ao nacionalismo veio para ficar, muito como consequência da crise financeira, económica e social que começou em 2008. Isso tem-se visto um pouco por todo o lado – quer a extrema-direita, quer a extrema-esquerda a subirem nos parlamentos, em várias eleições que têm decorrido um pouco por toda a Europa.”

Nem o populismo de Trump, nem a promessa de profissionalismo político de Hillary Clinton foram, no entanto, capazes de se traduzirem em discursos dinamizadores de massas, concorda o analista. “Não me parece também, ao mesmo tempo, que haja uma mensagem de esperança num mundo melhor nestes dois candidatos. Hillary Clinton será mais do mesmo, Donald Trump tem um discurso de ruptura mas que não mobiliza mais do um segmento – importante, naturalmente – que é o homem branco”, diz.

Oh Ohio

A possibilidade de o discurso destinado ao homem branco vencer num país que, há duas eleições, se congratulava por ter escolhido um Presidente – o primeiro – negro não está, nas vésperas do sufrágio, totalmente eliminada. O jornalista Ricardo Alexandre acredita que Hillary Clinton sairá vencedora e Rui Flores também, mas a vida da candidata democrata complicou-se na passada semana.

Num processo com contornos muito específicos – o sistema é indirecto e colegial –, são necessários 270 votos eleitorais para se ganhar a eleição. “Até este momento, as coisas estão a correr bem para Hillary Clinton”, aponta Rui Flores, numa análise feita durante este fim-de-semana. “Após uma semana de algum desgaste, por causa da reabertura do inquérito do FBI [no caso dos e-mails] à candidata, há basicamente dez estados onde não é claro quem poderá ser o vencedor. Desses dez estados, há cinco verdadeiramente importantes”, prossegue.

Rui Flores olha para os dados e destaca a importância das sondagens ao nível estadual, para explicar que a democrata venceria sem os dez estados indecisos, aqueles que “podem cair para um lado ou para o outro, para o campo democrata ou para o campo republicano”.

O especialista não deixa de ressalvar que, “nos últimos anos, internacionalmente, tem havido algumas surpresas com as sondagens” e dá o exemplo recente do Reino Unido com o Brexit. Mas, para que Donald Trump seja eleito, acrescenta, serão necessárias muitas surpresas eleitorais em alguns estados essenciais.

“O estado mais fraco para Hillary Clinton – daqueles em que as sondagens mostram que ela está à frente – é o Colorado, que dá apenas nove votos eleitorais para o colégio eleitoral. É um estado interessante, porque Donald Trump fez campanha na semana passada e focou a sua atenção”, anota. “Para Donald Trump ganhar, era preciso que o Colorado caísse para o seu lado e todos os tais dez estados onde não é claro quem vai ganhar caíssem todos para o lado dele.” À hora a que Rui Flores falava ao HM, Hillary Clinton tinha assegurados 272 votos eleitorais, “o suficiente para ganhar”.

Neste exercício de contabilidade e previsões cabe ainda um fenómeno interessante das eleições presidenciais norte-americanas: o Ohio. “É um estado que tem sido, desde 1964, o barómetro da América. O estado não é muito grande – tem apenas 18 votos eleitorais – mas, desde 1964, o candidato que ganha no Ohio é o candidato que ganha as eleições.” Ora, no caso em análise, as sondagens mais recentes demonstram que, nesse estado, provavelmente Donald Trump irá ganhar. “É por isso que muitos candidatos fazem campanha no Ohio, porque quem ganha lá, ganha as eleições. A acontecer a vitória de Trump no Ohio e a de Hillary Clinton a nível nacional, as eleições terão essa piada: acabar com o mito de que quem ganha no Ohio, ganha as eleições”, alerta Rui Flores.

Apoios e jornais

Ainda na análise às sondagens, o especialista em relações internacionais vinca que demonstram uma enorme diferença entre os dois campos no que toca ao eleitorado. “Hillary Clinton é mais popular nas grandes cidades, tem sondagens muito favoráveis em Nova Iorque, na Califórnia, em Massachusetts, na Pensilvânia, no Illinois, no Michigan. São estados democratas em que as sondagens demonstram que vão votar massivamente em Hillary Clinton e são estados que quase lhe garantem a eleição”, indica. Já Donald Trump “é um candidato mais rural, tem os estados mais pequenos da América rural, são quase todos sólidos republicanos, e tem o Texas – que é o maior –, é um estado sólido para ele.”

“Se tivéssemos de apostar, diríamos que Hillary Clinton vai ganhar”, diz Rui Flores, que enumera também outros factores a ter em conta nisto de se tentar ser Presidente da primeira economia do mundo, como o facto de a candidata democrata “ter gasto muito mais do que Donald Trump”. “Conseguiu movimentar mais dinheiro e receber mais fundos para a sua campanha, o que é um sinal da capacidade que tem de atrair apoiantes que lhe dão dinheiro para a campanha.” Não deixa de ser curioso o facto de vários artistas plásticos terem contribuído para o movimento pró-Hillary, com dinheiro e com a organização de leilões de obras em que Clinton aparece retratada.

Rui Flores fala ainda de “outro sinal importante de que Hillary Clinton continua à frente”: o número de jornais que estão com a candidata. São 53 a favor da democrata, contra um que apoia expressamente Trump. “Desde 1998, a tendência dos jornais é estarem do lado do vencedor. A excepção foi a reeleição de George W. Bush, em 2004, em que mais jornais apoiaram John Kerry do que o então Presidente.”

E depois?

A eleição acontece depois de uma campanha rica em acusações mútuas, umas mais graves do que outras. Mentiras e verdades, sexo, o (des)respeito pelas mulheres, o caso dos e-mails – houve de tudo nos confrontos entre os dois candidatos principais. Nos 90 minutos de um dos debates televisivos entre Hillary Clinton e Donald Trump, o candidato republicano acusou 26 vezes a adversária de estar a mentir. Já a democrata recorreu ao argumento dez vezes.

“O grande desafio do vencedor destas eleições é congregar a nação americana, que vai sair daqui muito dividida. Vamos ver se, no caso de vitória de Hillary Clinton, Donald Trump vai cumprir a promessa de não reconhecer os resultados eleitorais”, diz Rui Flores, acerca da possibilidade levantada, no mês passado, pelo candidato. “Isso trará muitos problemas ao sistema político, à credibilidade internacional dos Estados Unidos e poderá fazer prolongar a instabilidade no país.”

Depois, há ainda a investigação do FBI aos e-mails de Hillary Clinton. “Há quem considere que director do FBI violou as regras que dizem que deve ter um comportamento equidistante e deve tentar não influenciar politicamente o resultado das eleições. Ao reabrir a investigação pôs em causa, de certa forma, a independência desta instituição. E isto vai ter consequências para o futuro: a investigação não vai estar concluída até terça-feira. O que vai acontecer a essa investigação quando Hillary Clinton for eleita, se for eleita?”, lança o analista. “Toda esta campanha afecta as instituições americanas.”

Os chineses gostam dele

É um fenómeno que tem sido acompanhado de perto nas últimas semanas pelo South China Morning Post: há muitos chineses a viverem nos Estados Unidos que são fervorosos apoiantes de Donald Trump. O facto poderá colocar em causa o retrato deixado por estudos e pesquisas, que indicam que cerca de 50 por cento dos asiáticos a viverem em solo norte-americano são democratas ou simpatizantes, sendo que apenas 28 por cento dizem ser republicanos. A euforia em torno de Trump, lê-se nas declarações que o jornal de Hong Kong foi recolhendo, tem que ver sobretudo com o tipo de valores que o empresário candidato a Presidente tem estado a defender durante a campanha: “a família” e “medidas fortes contra a emigração ilegal” são ideias que agradam aos sino-americanos que fazem parte, por exemplo, do movimento “Chinese Americans for Trump”. Também têm caído bem na comunidade as promessas de cortes fiscais e “pôr os cidadãos americanos em primeiro lugar”. Há quem entenda ainda que o republicano representa “valores asiáticos” como “o pragmatismo, o trabalho árduo e a honestidade”. O receio de que os Estados Unidos possam vir a ser palco de um ataque terrorista, a inércia atribuída à Administração actual na luta contra os inimigos e a oposição a Obama também funcionam a favor de Trump no seio dos sino-americanos – muitos deles pensam que o Partido Democrata, com as suas políticas em relação à homossexualidade, minou os valores tradicionais. A “política aberta de emigração” arruinou a economia e a ordem do país, dizem estes chineses com nacionalidade americana, que têm saído à rua para demonstrar o entusiasmo pelo candidato republicano.

Tanto faz para Pequim?

A China é um tema clássico nos debates entre candidatos e Pequim tem consciência disso. Nesta corrida, a questão chinesa colocou-se logo no primeiro confronto televisivo entre Hillary Clinton e Donald Trump. Nenhum deles poupou a China – terá sido, de resto, o único assunto em que estiveram de acordo. De repente, eis a pergunta: qual será o mal menor para a segunda economia do mundo? Li Keqiang, o primeiro-ministro chinês, não tardou a dar a resposta: a relação entre Pequim e Washington é para ser cada vez melhor, independentemente de quem saia vencedor das eleições de amanhã. É nisso que, pelo menos publicamente, o Governo Central está interessado. No exercício de crítica à China, os analistas entendem que Donald Trump é o melhor: acusa o país de ter roubado postos de trabalho aos Estados Unidos, de ter contribuído para a desvalorização da moeda no âmbito do comércio global e de ter falhado no controlo exercido sobre a Coreia do Norte. Já Hillary Clinton não surpreendeu – ao contrário do oponente, há muito que se sabe que censura o modo como Pequim lida com os direitos humanos e até mesmo a forma como a China está organizada em termos políticos. Na Administração de Obama, foi vista como sendo uma figura essencial nas tentativas de controlar a influência crescente de Pequim na Ásia.

7 Nov 2016

Previdência Central | Governo não cede para já mas pondera revisão

O carácter não obrigatório do regime de previdência central que está em análise na Assembleia Legislativa pode não ser definitivo. O Governo não muda de posição, mas Melinda Chan admite que daqui a três anos se possa reconsiderar

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] adesão ao regime de previdência central não obrigatório vai avançar, apesar das reticências de alguns deputados. Melinda Chan refere, ao HM, que nos próximos três anos será avaliada esta premissa da não obrigatoriedade e que poderá ser alterada para uma solução diferente. “A lei diz que não é obrigatório, mas daqui a três anos iremos verificar como é que o processo está a decorrer e definiremos se passará ou não a sê-lo”, explica a deputada.

O Executivo não deixa de ser firme no que respeita ao mútuo acordo quanto à transferência dos fundos privados para o novo sistema de pensões e ao facto de a adesão ao regime ser facultativa. No entanto, “o empregador vai deparar-se com muitas dificuldades e complicações porque tem de manter o trabalhador que não pretende aderir ao regime não obrigatório no plano privado de pensões. É uma questão que a Comissão espera que o Governo repondere”, diz Kwan Tsui Hang, citada no canal de rádio da TDM.

No meio está a virtude

A questão do levantamento por parte dos trabalhadores dos descontos efectuados para o fundo de previdência também não tem sido consensual entre as partes envolvidas.

De modo a conseguir uma solução de compromisso entre trabalhadores e patronato, o Executivo propôs que os trabalhadores, com menos de três anos de serviço, possam ter direito a levantar parte dos descontos. A sugestão foi apresentada durante uma reunião da 1ª Comissão Permanente da Assembleia Legislativa, responsável pela análise do regime.

Segundo a proposta inicial, com o fim do contrato de trabalho, apenas os trabalhadores com serviço prestado superior a três anos teriam direito a receber as contribuições feitas pelos patrões – e apenas na ordem dos 30 por cento. Sem consenso, alguns deputados entendem que os descontos podem ser levantados a qualquer momento, enquanto outros alegam que há expectativas relativamente a uma relação de trabalho de longa duração por parte das entidades empregadoras, noticiou o canal de rádio da TDM.

O Governo optou, assim, por uma solução intermédia em que, a partir dos dois anos de serviço, os trabalhadores têm direito a dez por cento das contribuições feitas pelos patrões.

7 Nov 2016

CCAC | Maioria dos problemas na DSAT resolvidos, diz Secretário

Raimundo do Rosário garante que os problemas apontados no último relatório do Comissariado contra a Corrupção estão resolvidos. Serviços para os Assuntos de Tráfego prometem melhorias na lei

[dropcap style≠’circle’]“C[/dropcap]oncordamos com o relatório e também posso dizer que a maioria dos problemas indicados já foram resolvidos. Portanto, quanto às questões de cobrança de tarifas dos auto-silos e os prazos, de acordo com o meu conhecimento, já foi tudo resolvido.” Foi desta forma que o Secretário para os Transportes e Obras Públicas, Raimundo do Rosário, reagiu ao último relatório do Comissariado contra a Corrupção (CCAC), que denunciou a gestão danosa dos auto-silos públicos.

Quanto à legislação sobre a adjudicação de bens e serviços, datada de 1984, está desactualizada, segundo o Secretário, uma vez que a lei prevê que se realize um concurso público só quando o valor em causa ultrapassa as 2,5 milhões de patacas. “O que pode ser feito com 2,5 milhões de patacas? Nem é suficiente para renovar uma casa. Considero que é um valor baixo. Dez vezes acima é pouco. Tudo é calculado acima dos cem milhões. Quase não existem projectos abaixo desse montante”, defendeu Raimundo do Rosário, em declarações reproduzidas no canal MASTV.

Todos de acordo

Já os Serviços para os Assuntos de Tráfego (DSAT) dizem concordar com o CCAC. “A DSAT concorda com o ‘Relatório de investigação sobre a adjudicação de serviços de gestão de auto-silos públicos por parte da DSAT’ publicado pelo Comissariado contra a Corrupção (CCAC)”, estando “desde o ano passado”, a rever “a proposta do concurso público relativo à adjudicação” destes serviços, indicou um comunicado oficial citado pela agência Lusa.

Segundo a DSAT, a revisão da proposta já foi concluída e prevê-se que os respectivos concursos sejam realizados no “final deste ano ou o início do próximo ano, com vista a normalizar a gestão de auto-silos públicos”.

A DSAT garante ainda que já recuperou as receitas que não foram entregues pelas empresas de gestão dos parques de estacionamento, assegurando que se novas situações se verificarem irá avançar para procedimentos criminais.

Na quarta-feira, o CCAC divulgou um relatório em que afirmava que a “falta de observação rigorosa da lei, o desvio intencional das normas ou procedimentos legais, a frouxidão na supervisão interna ou a supervisão meramente formal não são raras nos serviços públicos”.

“A maior parte das questões surgidas nos procedimentos de aquisição de bens e serviços públicos não configuram ilegalidades ou irregularidades administrativas (…), mas se estas questões não forem corrigidas a tempo, poderão transformar-se numa porta aberta à corrupção”, indicava.

O CCAC sugeriu uma revisão do decreto-lei do “regime das despesas com obras e aquisição de bens e serviços” e de outra legislação para reforçar “os mecanismos de fiscalização e controle, a par da simplificação do processo de aquisição de bens e serviços públicos”.

7 Nov 2016

Óbito | Faleceu engenheiro Novais Ferreira aos 94 anos de idade

Trabalhou praticamente até morrer e corria mesmo por gosto nos meandros da engenharia civil, trabalhando, já com idade avançada, aos fins-de-semana. Rigoroso, boa pessoa, Henrique Novais Ferreira é visto como alguém a quem Macau deve muito

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]os 92 anos disse ao HM, após ser condecorado com a Ordem de Mérito portuguesa, que fazia questão de trabalhar todos os dias da semana. A idade já pesava, mas só para os outros, que lhe viam as rugas. Henrique Novais Ferreira sentia-se, afinal de contas, um jovem. “Trabalho aos sábados e aos domingos porque não sei fazer outra coisa. Não sei ir a um karaoke e não tenho idade para isso. Acha que sou assim tão velho para se falar em fim de carreira? Ainda estou à espera de continuar mais algum tempo.”

Foi assim, cheio de sorrisos e mostrando uma imensa humildade, que Novais Ferreira aceitou a condecoração dada por Cavaco Silva, à época presidente da República Portuguesa. Engenheiro civil respeitado no território, que participou em obras tão emblemáticas como a construção do Aeroporto Internacional de Macau e cumpria ainda serviço no Laboratório de Engenharia Civil de Macau (LECM). Faleceu este sábado aos 94 anos e quem trabalhou com ele recorda o rigor com que fazia inspecções ou fiscalizações de projectos.

António Trindade, CEO da CESL-Ásia, foi apanhado de surpresa com a notícia da sua morte e fala de uma “boa pessoa”, alguém “excepcional”, com quem trabalhou na altura em que se construía o aeroporto. Já André Ritchie, arquitecto, trabalhou com ele mais de dez anos, no tempo em que estava no Gabinete de Infra-estruturas de Transportes (GIT).

“Era uma pessoa extremamente rigorosa no trabalho, no que concerne à parte técnica. Trabalhava connosco na área do controlo de qualidade e era uma garantia para nós tê-lo a trabalhar nos nossos projectos. Ao mesmo tempo era uma pessoa muito flexível, porque pese embora fosse rigoroso no cumprimento dos parâmetros, no processo de tomada de decisão compreendia que, do lado o Governo, do dono da obra, tínhamos de ter em conta não apenas os factores técnicos mas também factores políticos, ou outros. Ele cooperava muito e conseguia ser bastante flexível”, contou o arquitecto ao HM.

Para André Ritchie, Macau e o sector das obras públicas ficam a dever-lhe muito. “Foi uma peça chave na construção do aeroporto. Tive uma relação muito próxima com ele no projecto do Metro Ligeiro e ele deu um grande contributo, ninguém pode questionar.”

O ex-coordenador do GIT recorda ainda um ponto particular da personalidade de Novais Ferreira. Dava pareceres técnicos, mas não falava de política. “Trabalhei com ele durante dez anos e da parte dele nunca houve um comentário sobre as políticas ou decisões dele. Afastava-se disso tudo, não tecia comentários que não fossem técnicos. Às vezes quando estava com ele a sós, em reuniões, tentava colocar algumas armadilhas a ver se ele caía e se pronunciava. Mas era inteligente e esperto e percebia que era uma armadilha para dizer alguma coisa, e ria-se apenas. Claro que tinha opinião, mas era tão profissional que não se pronunciava. Era uma brincadeira que fazia com ele.”

A segunda casa

Manuel Geraldes, membro da direcção do Clube Militar, recorda os momentos de agradável convívio que passou com Novais Ferreira, que não prescindia da instituição para fazer as suas refeições e conviver com quem por lá passava.

“Era a segunda casa dele. Habitava há 20 anos numa suite na pousada de Mong-Há, e o almoço e o seu convívio era no clube militar. Os nossos funcionários adoptaram-no com grande consideração e dedicação. E convivia com alguns dos seus melhores amigos”, recordou.

Manuel Geraldes recorda-se de uma “pessoa muito agradável de se conviver, um homem muito sereno, que sabia estar com qualquer pessoa e que tinha sempre uma palavra de interesse, um assunto para discutir. Fico muito comovido com esta partida. Deixa uma lacuna enorme e um vazio na comunidade portuguesa. Para mim foi um privilégio conviver com ele”.

Novais Ferreira tinha um “humor comedido, mas interessante” e ajudou a fundar não apenas o LECM como os laboratórios de engenharia civil em Luanda, Angola, e em Portugal.

“Sempre se ouviu falar do engenheiro como um homem fundamental e de referência, que teve uma importância extraordinária para o prestígio que o LECM tem. Foi uma personalidade que o LECM nunca prescindiu”, disse ainda Manuel Geraldes, que destaca o facto do Executivo ter permitido que Novais Ferreira continuasse a desempenhar funções.

“O Governo de Macau deu esta prova de grande consideração para com uma personalidade portuguesa, porque deu-lhe todas as condições para ele continuar a trabalhar, com habitação e motorista. Uma grande consideração para com um homem que era uma referência”, rematou um dos membros da direcção do Clube Militar.

7 Nov 2016