Mês de Portugal | 10 de Junho celebrado com música, arte e palavras 

Cinco exposições, sessões de leitura, concertos, cinema. Estes são os elementos culturais presentes no programa deste ano da iniciativa “Junho, Mês de Portugal”, que celebra o 10 de Junho – Dia de Portugal, Camões e das Comunidades Portuguesas. O cartaz acontece a partir do dia 31 de Maio em espaços como a Casa Garden, a Fundação Rui Cunha ou o Café Oriente, no IPOR

 

Em tempo de pandemia e com restrições de viagem ainda em vigor, o cartaz do evento “Junho, Mês de Portugal” volta a fazer-se com o que de melhor a chamada “prata da casa”, ou seja, artistas e músicos locais, pode oferecer. O programa que celebra o 10 de Junho – Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas foi ontem apresentado no auditório do Consulado-geral de Portugal em Macau e Hong Kong e apresenta um leque variado de eventos culturais, que decorrem entre os dias 31 de Maio e 4 de setembro.

Nomes da comunidade portuguesa como António Mil-Homens, Marieta da Costa ou Cristina Vinhas, entre outros, irão mostrar os seus trabalhos, num total de cinco exposições colectivas e individuais que estão programadas. Uma delas irá revelar trabalhos de artistas portugueses bem conhecidos como é o caso do surrealista Cruzeiro Seixas, Manuel Cargaleiro e Graça Morais, entre outros.

Estão ainda programados eventos como uma mostra de vinhos e queijos portugueses no Sofitel – Ponte 16, sessões de cinema e leitura e um concerto, no dia 10 de Junho, de tributo ao músico português Rui Veloso, protagonizado pelos músicos da Casa de Portugal em Macau (CPM), como Tomás Ramos de Deus, Paulo Pereira ou Luís Bento, entre outros. Este espectáculo acontece na Casa Garden às 20h.

Não faltarão, como é habitual, o tradicional hastear da bandeira portuguesa nos jardins do Consulado na manhã do dia 10 de Junho e o percurso até à Gruta de Camões, sem esquecer a recepção oficial na Residência Consular.

Ao HM, Amélia António pediu, acima de tudo, a participação de todos, sobretudo da comunidade portuguesa, para que esta mostre que está viva num contexto social diferente em Macau.

“Em termos do número de eventos este 10 de Junho não será muito diferente face aos anos anteriores. Mas o tipo de evento tem vindo a mudar de ano para ano e isso pode-se contrariar com a adesão das pessoas.”

A presidente da CPM lamenta que a actividade e a participação nos eventos que celebram a portugalidade tenham vindo a sofrer uma redução. O cartaz foi também sofrendo alterações e há ainda eventos que carecem de confirmação. “Chegámos a Maio sem saber o que poderíamos fazer este ano do ponto de vista económico e das pessoas. É impossível planear. A dois dias de começar o evento temos de inventar tudo, e cada vez com mais limitações. Não podemos dar o mesmo contributo que demos ao longo dos anos. Esta é a realidade.”

Amélia António adiantou ainda que há o risco de o cenário se transformar naquele que o território viveu no pós-1999, quando muitos portugueses, embalados pela transferência de soberania, deixaram Macau.

“[Se a comunidade não participar] entramos numa situação semelhante à que passamos a seguir a 1999, quando parecia que os portugueses tinham desaparecido, pois todos se remetiam ao seu cantinho e à sua sombra. Esquecem-se que só temos peso e pressão enquanto formos uma comunidade que mantém as suas tradições, cultura e língua e que afirma isso. Isso só acontece com uma presença forte das pessoas, se não vamos perdendo força colectiva. Todos têm de perceber que, se perdermos essa força, não somos nada individualmente”, adiantou.

A presidente da CPM não deixou de notar que “dentro das limitações tentamos fazer o melhor possível”. “É preciso esse respirar colectivo que dê força e ânimo. O que fazemos em Macau é para Macau e para todos os habitantes, sejam eles de que nacionalidade forem. Essa tem sido a nossa postura ao longo dos anos”, frisou.

Paulo Cunha Alves, cônsul-geral de Portugal em Macau e Hong Kong, também deixou notar que, neste programa, “foram incluídas as actividades possíveis tendo em conta este contexto internacional de pandemia e as restrições de viagens que a situação actual nos obriga a respeitar.”. “Estou certo que este programa será bem sucedido”, frisou, referindo que é ainda mais importante, em contexto de pandemia, “continuar a celebrar Portugal”.

“Acho muito difícil prever o que vai acontecer no próximo ano. Todas as previsões que temos feito saem falhadas. Temos sempre a esperança que no ano seguinte as coisas voltem à normalidade mas não temos a bola de cristal para saber quando é que as coisas voltarão ao que eram em 2019. Mas nós, comissão organizadora, vamos continuar empenhados em tentar aproveitar ao máximo a ‘prata da casa’ e com os meios que temos à nossa disposição celebrar sempre Portugal.”

Artes plurais

“Metropolis” é o nome do evento que dá o pontapé de saída a este programa. Esta exposição de pintura de António Mil-Homens, fotógrafo que vai deixar o território, estará patente até ao dia 11 de Junho na Fundação Rui Cunha (FRC) e apresenta “um olhar de longe, essencialmente de cima, sobre as nossas cidades e ambientes”.

“Em tempo de virar mais uma página da história da minha vida, esta exposição acontece mais de 26 anos após a primeira vinda para Macau e encerra uma permanência de cerca de 15 anos. Não a vejo como um adeus. Antes como um até sempre, em que a lógica dessa mesma constância se inverte. Reitero o meu convite para que guardem, se do exposto gostarem, mais estas peças que o território e as circunstâncias me inspiraram. Lançarão mais uma pedra na construção dos projectos futuros”, descreve o artista.

Entre os dias 1 de Junho e 3 de Julho acontece a exposição “Arquitectarte”, organizada pela Associação Cultural 10 Marias, e que é protagonizada por Marieta da Costa, arquitecta e designer de interiores. A artista nasceu em Lisboa e viveu 13 anos em Londres, onde se licenciou. Reside há 11 anos em Macau onde, em 2015, iniciou um projecto com crianças dos quatro aos seis anos, no jardim de infância D. José da Costa Nunes, onde desenvolve actividades na área das artes plásticas e arquitectura para crianças, e são exploradas a imaginação, a visão sustentável e a arte de executar em geral.

A Casa Garden acolhe, entre os dias 25 de Junho e 31 de Julho, a mostra “Desenhar Macau – Desenho, Pintura, Gravura e Monotipias”, de Catarina Cottinelli. Esta exposição “resulta de uma prática diária na vida de Catarina Cottinelli como forma de observar e reconhecer o mundo envolvente”, lê-se na nota de imprensa. O território tem sido, para a artista, “uma grande fonte de inspiração pela sua arquitectura e ambientes muito próprios e também pelas pessoas e encontros felizes que Macau lhe proporcionou”.

Ainda na Casa Garden, mas a 17 de Junho, acontece um Serão Literário, um “encontro de ‘palavra dita’ em que serão lidos, ditos e teatralizados textos de autores representativos de várias literaturas em língua portuguesa por oradores convidados”. Este Serão terá acompanhamento musical.

Ainda sobre o ciclo de exposições, dia 7 de Junho é inaugurada a mostra “Mudança”, com trabalhos de joalharia de Cristina Vinhas. A 9 de Junho a Galeria AMAGAO recebe a exposição “Lusografia”, que pode ser visitada até ao dia 4 de Setembro. Neste espaço será possível ver 70 obras de serigrafia, gravura e artes gráficas de artistas portugueses como Alexandre Baptista, Alexandre Marreiros, Cruzeiro Seixas, Espiga Pinto, Júlio Pomar, Graça Morais, Isabel Rasquinho, Manuel Cargaleiro, Vhils ou Júlio Resende, entre outros.

Conforme denota o comunicado do evento, “Portugal tem uma longa tradição na gravura, serigrafia e artes gráficas afins”. “A produção de múltiplos de alta qualidade de uma obra de arte torna-a acessível a um público mais amplo.

Além do seu valor estético individual, estas obras tornam-se objectos de colecção. Muitos artistas portugueses famosos produziram abundantemente [estas peças], utilizando variadas técnicas de impressão”, acrescenta-se.

Cinema e companhia

No fim-de-semana de 11 e 12 de Junho é a vez do cinema, com a apresentação, no auditório da Casa Garden, das curtas-metragens do New York Portuguese Short Film Festival e Festival de Cinema da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. Esta é uma organização da Fundação Oriente e Art Institute.

“Organizado pela primeira vez em Junho de 2011, o New York Film Festival foi o primeiro de curtas-metragens portuguesas nos EUA. O festival mostra o trabalho da nova geração de jovens realizadores portugueses. Ao organizar o festival, anualmente, em vários países, o Art Institute pretende ampliar e conquistar novos públicos para o cinema português, em todo o mundo. Serão ainda mostradas as curtas metragens dos realizadores seleccionados para o Festival de Cinema dos Países de Língua Portuguesa”, descreve o programa.

A gastronomia portuguesa não fica de fora das comemorações do 10 de Junho. No dia 12 decorre, no restaurante Mesa, no Hotel Karl Lagerfeld, o evento “Dia de Portugal”. Por valores entre 188 e 688 patacas será possível realizar “uma viagem gastronómica pelas várias regiões de Portugal, degustar produtos únicos portugueses como a famosa ginjinha em copos de chocolate e desfrutar de música portuguesa ao vivo”.

Por sua vez, no dia 2 de Junho, será organizada uma noite de vinhos e queijos portugueses no terraço do hotel Sofitel, uma organização do Banco Nacional Ultramarino e grupo Vino Veritas.

A 16 de Junho acontece, no Café Oriente, do Instituto Português do Oriente (IPOR), a mostra “Se podes olhar vê, se podes ver repara”, que celebra o centenário do nascimento de José Saramago, escritor português, com trabalhos dos alunos de nível C1 do Curso Geral de Português como Língua Estrangeira, a partir das suas leituras do livro “O Ensaio sobre a Cegueira”.

A 3 de Junho, também no Café Oriente, decorre a apresentação do livro “Uma Casa com Asas”, de Andreia Martins, e que conta com ilustrações de Catarina Vieira. No mesmo dia, às 16h, haverá uma sessão de narração de histórias em parceria com a Associação Sílaba.

Nos dias 3, 4 e 5 de Junho decorre também, no auditório da Casa Garden, um espectáculo de performance sensorial para bebés intitulado “Onde a terra se acaba e o mar começa”, com a artista Diana Coelho.

No dia 9 de Junho, às 19h30, no auditório do Consulado-geral de Portugal em Macau e Hong Kong, decorre o evento “Falar Macau, Falar Português”, com a entrega dos prémios de um concurso de escrita organizado pelo IPOR. Serão ainda exibidos os vídeos “O Centro Histórico de Macau”, realizado por Margarida Guerreiro e Rita Cheong, “Unidos pela Língua”, de Vinne Szeto e Ignacio Marcovecchio e “Macau, a minha casa é cheia de amor” de Renee Wong.

18 Mai 2022

Covid-19 | À medida que o nível de emergência é aliviado, Xangai reabre gradualmente

Xangai começou esta semana a transitar aos poucos da resposta de emergência aos surtos de covid-19 que afectaram a cidade para uma fase de “controlo normalizado” da propagação da doença. Enquanto o comércio reabre portas gradualmente, as autoridades apontam a regresso à normalidade para o início de Junho. Até lá, escolas, transportes e negócios regressam ao activo de forma progressiva

 

Aos poucos, a normalidade regressa a Xangai. Esta foi a principal mensagem deixada pela número dois das autoridades municipais, Zong Ming, numa conferência de imprensa convocada para divulgar a entrada da cidade num novo capítulo da luta contra a pandemia.

Depois de mais de um mês e meio de confinamentos e paralisia, foi ontem anunciado que dos 16 distritos de Xangai, 15 conseguiram eliminar novas cadeias de transmissão do novo tipo de coronavírus fora das áreas de quarentena.

De acordo com o China Daily, o número de pessoas que vive nas “áreas de gestão fechada” desceu para perto de um milhão, contabilidade realçada por Zong Ming e que levou a responsável a afirmar taxativamente que “pandemia foi efectivamente controlada”.

Para já, a cidade vai transitar gradualmente da situação de resposta de emergência para aquilo a que as autoridades referem como uma fase de “controlo normalizado” da propagação da pandemia.

O alívio das restrições terá um primeiro impacto ao nível do comércio. Assim sendo, centros comerciais, armazéns e outlets, supermercados, lojas de conveniência, farmácias e serviços de restauração retomaram actividade com portas abertas “de forma gradual e ordenada”, descreve o China Daily. A vice-presidente do município frisou que desde ontem Xangai irá promover o reinício faseado dos negócios comerciais e mercados.

Apesar da novidade, a reabertura do grande centro financeiro chinês irá respeitar rigorosos princípios para evitar o retorno da subida de infecções. Como tal, as reaberturas serão “ordenadas, com fluxo limitado de consumidores, controlo eficaz e gestão classificada”, enquanto se implementam medidas de prevenção e controlo pandémicos, afirmaram os responsáveis do Governo municipal.

Não descurando detalhes, todos os locais de venda a retalho serão obrigados a reservar canais de entrada e saída de pessoas, a limitar o fluxo de clientes e a fornecer serviços para fazer encomendas online, mas também entregas presencialmente. O consumo dentro dos estabelecimentos será limitado.

Também os restaurantes e cabeleireiros irão retomar actividade progressivamente. Numa primeira fase, os estabelecimentos de venda de comidas e bebidas vão passar a aceitar encomendas também presencialmente, mantendo-se, para já, apenas a entrega de produtos takeaway. Já os cabeleireiro terão de respeitar um limite do número de clientes.

“Acreditamos que à medida que a situação epidémica melhora, a retoma dos negócios e mercados dará passos maiores e serão reabertos mais pontos de venda comerciais”, perspectivou ontem Chen Tong, outro responsável do Governo municipal citado pelo China Daily.

Multiplicação de balcões

O número de lojas e estabelecimentos comerciais que operam na cidade subiu do ponto mais baixo de 1.400 durante todo o encerramento da cidade para 10.625 registados ontem, com 5 milhões de entregas a serem concluídas diariamente. Gu Jun, director da Comissão de Comércio de Xangai, disse que quase 1.200, ou três quartos, do total de pontos de venda dos 12 grandes supermercados da cidade reabriram. Ao todo, 183 estão a funcionar offline e os restantes recebem encomendas online.

Mais de 2.200, ou um terço, das principais cadeias de lojas de conveniência da cidade retomaram também a actividade. Destes, mais de 670 abriram ontem portas ao público.

Por outro lado, as autoridades afirmaram que quase dois terços das mais importantes empresas estrangeiras retomaram operações. Estas empresas estão elencadas numa lista que as categoriza segundo a importância estratégica que desempenham, com 142 companhias à cabeça de sectores tão diversos como comércio de mercadorias, comércio de serviços, sedes de empresas de capitais estrangeiros e serviços portuários.

Na segunda linha de prioridade, o director da Comissão do Comércio de Xangai, Gu Jun, revelou estarem 562 empresas que antecipam também o recomeço de actividade.

“Estamos também a estabelecer um mecanismo de diálogo regular com os consulados e associações empresariais estrangeiras em Xangai para reforçar a interpretação das políticas, de modo a procurar compreender, apoiar e estabilizar as expectativas do seu desenvolvimento”, afirmou ontem Gu Jun.

Ir de A para B

Quanto a datas, a reabertura de Xangai irá respeitar determinados períodos-chave. A primeira fase, que começou ontem e irá prolongar-se até sábado, tem como prioridades continuar a reduzir o número de novas infecções, prevenir recaídas e diminuir o número de pessoas circunscritas às áreas de gestão fechada.

Se a situação de melhoria não sofrer qualquer revés, a segunda da reabertura decorrerá entre 22 e 31 de Maio.
A partir de 1 de Junho, “os residentes localizados em zonas com restrições serão autorizados a abandonar as suas comunidades de uma forma ordenada, mas a mobilidade será limitada. Toda a cidade manterá um baixo nível de actividades sociais na primeira fase”, revelou ontem Zong Ming.

A reposição da normalidade irá sentir-se em todos os aspectos da vida da cidade. As aulas nas escolas serão retomadas de forma faseada, começando com turmas do 9º, 11º e 12º ano do ensino secundário, disse a autoridade da cidade.

Um dos sinais de mudança verificou-se ontem, com o retorno da circulação de táxis e carros particulares nas estradas das regiões suburbanas, incluindo nos distritos de Jinshan e Fengxian, bem como algumas áreas de baixo risco em Pudong. As autoridades estão também a planear aumentar gradualmente o número de comboios que partem e chegam a Xangai. Os voos domésticos com destino à cidade também serão retomados nas próximas semanas.

O retorno do funcionamento dos transportes públicos, como autocarros e metro, está marcado para o próximo domingo. Os utentes dos transportes, ou pessoas que acedam a serviços públicos devem apresentar um relatório de teste de ácido nucleico negativo feito nas últimas 48 horas.

Primavera para esquecer

As notícias sobre a reabertura da cidade surgem numa altura em que o número de casos de infecções de covid-19 em Xaigai tem vindo a diminuir, com 1.369 novos casos positivos anunciados ontem, contra mais de 25 mil no final do mês passado. Segundo as autoridades locais, todos os casos positivos foram encontrados em pessoas que se encontravam em quarentena e ou confinamento.

No sábado passado, Xangai contabilizava 286 doentes em estado grave e 67 em estado crítico. Além disso, as autoridades da cidade reportaram três mortes resultados da infecção do novo tipo de coronavírus. As vítimas mortais tinham uma idade média de 75 anos e todos sofriam alegadamente de doenças graves subjacentes, factor que contribuiu para as suas mortes.

Um surto de covid-19 levou as autoridades chinesas a impor, no final de Março, um confinamento da cidade, com cerca de 25 milhões de habitantes.

Nos canais noticiosos e redes sociais foram sendo divulgados casos de moradores que ficaram sem acesso a comida e necessidades diárias, face ao encerramento de supermercados e farmácias, e dezenas de milhares de pessoas foram colocadas em centros de quarentena.

O Governo chinês continua a implementar uma estratégia de ‘tolerância zero’ à doença, que inclui o isolamento dos casos positivos e o bloqueio de cidades. O Presidente Xi Jinping defendeu, no início de Maio, que as duras medidas antiepidémicas impostas em Xangai “vão resistir ao teste do tempo” e prometeu combater qualquer tentativa de “distorcer, questionar e desafiar” a política de ‘zero covid’. Com agências

17 Mai 2022

Jogo | Governo recua na proposta para acabar com casinos-satélite

Depois das críticas do sector do jogo e de deputados, o Executivo voltou atrás e vai permitir que os casinos-satélite operem em imóveis que não são propriedade de concessionárias. A medida pode salvar milhares de empregos que dependem directa e indirectamente dos casinos-satélite

 

Ao contrário do inicialmente proposto, os casinos-satélite não vão ser forçados a encerrar, caso não vendam os imóveis onde estão localizados às concessionárias de jogo. A medida proposta pelo Executivo era vista como a “machadada final” nos casinos satélite, colocando em perigo milhares de empregos. Depois de múltiplas críticas vindas da indústria, deputados e representantes de trabalhadores, o Executivo de Ho Iat Seng acabou por recuar.

A alteração à proposta do Governo foi apresentada na sexta-feira aos deputados da 2.ª Comissão Permanente da Assembleia Legislativa, onde o diploma está a ser analisado na especialidade.

“O Governo decidiu permitir que estes casinos continuem a explorar as suas actividades de jogo. É a maior diferença na nova versão da lei [apresentada à Assembleia Legislativa]”, começou por explicar Chan Chak Mo, deputado que preside à comissão, citado pela TDM. “Antes [para continuarem a operar estes casinos] a propriedade do imóvel tinha de pertencer à concessionária, findo o prazo de três anos que era definido para a transição, pela versão anterior da lei. Agora já não, só é necessário que seja o Governo a decidir se autoriza que estas empresas continuem a operar [mesmo sem que o imóvel seja propriedade da concessionária]”, foi acrescentado.

Os casinos-satélite funcionam num modelo em que empresas independentes celebram contratos com concessionários para poderem gerir espaços de jogo nos seus imóveis. Em troca das mesas e dos empregados dos casinos, que estão contratualmente ligados às concessionárias, as empresas responsáveis pelos casinos-satélite pagam contrapartidas às concessionárias.

A proposta acabou por apanhar as empresas do sector de surpresa, não só por surgir numa altura de crise, mas também devido à possibilidade de as concessionárias não estarem interessadas nos imóveis dos casinos satélites.

Como tal, profissionais do sector e analistas apontaram que mais de metade dos actuais 18 casinos-satélite podiam seguir o exemplo do Emperor Casino, que vai encerrar a 26 de Junho deste ano.

Incentivos fiscais

Na nova versão da futura lei do jogo foi também introduzido um sistema de benefícios fiscais para as concessionárias que sejam capazes de atrair jogadores vindos do estrangeiro, de forma a terminar com a excessiva dependência no Interior.

Segundo a proposta, os impostos totais sobre o jogo podem sofrer um corte de quase cinco por cento para as concessionárias. Actualmente, o imposto sobre as receitas brutas do jogo é de 35 por cento, no entanto, as concessionárias têm de pagar mais cinco por cento, num montante que é destinado para subsídios e outras contribuições sociais.

Como o Governo pretende diversificar a proveniência de turistas, está disponível a cortar a contribuição de cinco por cento, num valor que não está ainda definido, para que as concessionárias tragam mais jogadores do estrangeiro.

“Nós, ultimamente, focámo-nos muito no mercado do Interior. Com as alterações às leis penais no Interior, se calhar, agora é mais difícil atrair clientes. Por isso, como contributo para encorajar as concessionárias a trazerem mais, por exemplo, 1.000 clientes da Tailândia ou 500 da Coreia do Sul ou Malásia, o Governo pode dispensar as concessionárias de pagar essas contribuições sociais”, justificou Chan Chak Mo.

Contudo, os moldes dos benefícios ainda não estão decididos: “Depende, porque o Chefe do Executivo antes de tomar decisões sobre isenção de contribuições tem de ouvir, primeiro, a Comissão de Jogos,”, foi acrescentado.

Na reunião de sexta-feira, Chan Chak Mo adiantou a data de 10 de Junho como limite para terminar a discussão na especialidade. As actuais concessões terminam a 26 de Junho, mas todas as operadoras fizeram pedidos para prorrogar o prazo até ao final do ano. A lei tem ainda de ser aprovada na especialidade pelo Plenário até 15 de Agosto, antes que o hemiciclo entre no período de férias de Verão, que se prolonga até Outubro.

Junkets pedem flexibilidade

Segundo Kwok Chi Chung, presidente da Associação de Promotores de Jogo, a nova lei deve sofrer alterações adicionais e permitir maior flexibilidade às operações dos junkets. “Pode o Governo dar mais margem de manobra aos promotores de jogo para poderem sobreviver?”, perguntou Kwok, em declarações à TDM. Em causa está a cláusula que obriga a que cada junket só possa ter acordo com uma concessionária para a operação das salas de jogo VIP.

Para os promotores, a medida é demasiado prejudicial e a lei deveria permitir acordos com, pelo menos, duas ou três concessionárias. “Os clientes dos promotores nem sempre podem jogar no mesmo casino. Será que as autoridades vão acabar com a medida que obriga a que uma promotora só possa ter contrato com uma concessão? Será que, por exemplo, podem ter contratos com duas ou três?”, questionou.

Melinda Chan aliviada

Para Melinda Chan, o recuo do Governo foi um “alívio”. “Na minha opinião, o que está em causa neste artigo representa um alívio para o sector. Fica resolvido por agora”, reagiu em declarações à TDM a ex-deputada e CEO da Macau Legend, empresa que detém casinos-satélite no território.

Contudo, a responsável da empresa proprietária do Hotel e Casino Macau Legend acredita que é necessário trabalhar melhor a redacção da lei. “Os artigos da nova versão da lei têm de ser mais directos. Por exemplo, será que a taxa de gestão que neste momento é cobrada pelas marcas internacionais dos hotéis é legal com a nova lei? […] Tem de estar tudo mais claro”, acrescentou.

FAOM | Benefícios fiscais preocupam Ella Lei

A deputada Ella Lei, ligada à Federação das Associações dos Operários de Macau (FAOM), está preocupada com o mecanismo de isenção ou redução de impostos para incentizar as concessionárias a atrair mais clientes do estrangeiro. Após ter sido divulgada a proposta do Governo, a legisladora colocou a possibilidade de a medida afectar o nível de apoio que actualmente é prestado à população e principalmente aos mais velhos.

Para Ella Lei, é fundamental garantir que a medida não vai afectar o dinheiro que é injectado no Fundo de Pensões. Neste capítulo, a deputada considera que o Governo deve fazer constar na legislação que parte das receitas do jogo tem de ir directamente para o sistema de segurança social de Macau e para o Fundo de Pensões.

Por outro lado, a deputada considera necessárias mais explicações sobre o sistema de benefícios fiscais, e a forma como vai ser aplicado. Apesar da proposta, o mecanismo de isenção fiscal só vai ser definido mais tarde pelo Chefe do Executivo. Contudo, de acordo com a opinião da legisladora, é preciso equacionar muito bem se o benefício vai contribuir para que a margem descontada da obrigação de pagar 5 por cento é compensada pelo aumento potencial de jogadores estrangeiros.

16 Mai 2022

A história de Mário Póvoa, o português preso por navegar em águas chinesas 

Em 1965 Mário Póvoa vivia em Coloane e, juntamente com um grupo de chineses, partiu numa embarcação em busca do cadáver do colega, Fat Chun, que havia morrido afogado. Apanhados pelas autoridades por estarem em águas territoriais chinesas, foram interrogados e doutrinados sobre Mao Tse-tung e Chiang Kai-chek. Acabariam por regressar a Macau no dia seguinte. A PIDE, em Portugal, teve conhecimento do caso

 

A morte de Fat Chun por afogamento, aos 39 anos de idade, em Macau, no dia 23 de Junho de 1965, provocou um episódio marcante na vida do português Mário Póvoa, então residente em Coloane e natural da freguesia de Noselos, concelho de Moncorvo, em Portugal. Foi no dia seguinte que o português partiu numa embarcação, juntamente com familiares de Fat Chun e mais trabalhadores chineses, em busca do corpo deste homem.

No entanto, saídos de Coloane, acabariam por chegar a águas territoriais chinesas e detidos pelas autoridades na ilha de Ma Liu Ho, hoje conhecida como a ilha de Hengqin. Depois de prestadas declarações, voltaram ao território, à época administrado pelos portugueses.

O caso foi reportado ao então Ministério do Ultramar e à PIDE-DGS [Polícia Internacional de Defesa do Estado – Direcção-geral de Segurança] pelo Governador de Macau em funções, o tenente coronel António Lopes dos Santos. O documento que descreve esta aventura, consultado pelo HM, está hoje guardado no arquivo diplomático do Ministério dos Negócios Estrangeiros, em Lisboa.

Coube a um responsável da Polícia de Segurança Pública (PSP) interrogar, a 27 de Junho, Mário Póvoa sobre o que de facto tinha acontecido. O português, que trabalhava como capataz da brigada da “MEAU”, casado, à época com 36 anos de idade e residente na granja da “MEAU”, explicou tudo ao responsável da PSP.

A viagem começou no dia seguinte à morte de Fat Chun, portanto a 24 de Junho, pelas 16h15. Mário Póvoa embarcou com mais 14 chineses com o objectivo de “procurar um cadáver no mar de Má-Lou Hó”. Fat Chun estava desaparecido desde o dia 23 e esta era já a terceira tentativa para a localização do corpo.

O português fez-se então acompanhar por Va Fong, Cheoc Keong, Leong Peng, Vong Leong, Leong In, Sun Chong Seng, Ho Kuang e Chau Kang, “todos operários do Fomento”, bem como de Kong Kao, “peixeiro” e Lai Iong Seng, “operário da obra de ligação”. No mesmo barco seguiam “Ieong Lou, Lai Sio Ieng, Lai Sio Hoi e Chan Iong Cheng, respectivamente, mulher, filhos e prima do afogado”.

Às 16h foi avistada a embarcação das autoridades chinesas, descrita como um “barco tipo carga (barco esse de todos conhecido como sendo quem fiscaliza, por parte da China, o estreito entre Coloane e a ilha de Má Liu Ho)”. À PSP de Macau, Mário Póvoa explicou que, “como se encontravam dentro das águas chinesas, rumaram rumo às nossas águas [de regresso a Macau], sendo já dentro destas detidos pelo citado barco”.

As autoridades chinesas, no momento da detenção, “lançaram uma amarra à sampana (proa a proa)”, tendo conduzido os tripulantes à “ilha de Má Liu Ho onde chegaram pelas 17h”. “O barco que os deteve é do tipo de barcos que transportam carga entre as ilhas e Macau, tendo uma metralhadora, e nele viajavam três indivíduos fardados”, descreve o documento.

Alimentados e doutrinados

Chegados a território chinês para serem interrogados sobre os motivos pelos quais entraram em águas estrangeiras, Mário Póvoa e os colegas da tripulação deram as devidas explicações e nunca foram maltratados, bem pelo contrário.

Não só receberam os alimentos que pediram como foi-lhes entregue o tabaco da marca preferida.
“Desde o momento do desembarque foi-lhes dito pelas autoridades locais que estivessem descansados, pois nada de mal lhes aconteceria. Cerca das 20h foi-lhes servido de jantar em conformidade com aquilo que cada um pediu, tendo ao declarante [Mário Póvoa] sido servido ovos e uma cerveja depois de instado para que comesse algo, dado não querer comida chinesa.”

Ouvidos “três chineses” entre as 21h30 e a 1h, Mário Póvoa deitou-se por volta das 22h, “sendo-lhes dadas esteiras e cobertas, lamentando as autoridades chinesas não os poderem acomodar melhor”, conforme o relato do português à PSP.

No dia 25, logo às 10h, seria retomado o interrogatório até ao meio dia. As autoridades chinesas pretendiam saber o que fazia este grupo de pessoas nas suas águas e porque tinham fugido. O tratamento condigno dado aos detidos manteve-se. À hora de almoço “foi-lhes servida carne enlatada, tendo de novo as autoridades insistido com o declarante [Mário Póvoa] se pretendia qualquer coisa especial para a alimentação”. Nesse momento, o português “pediu tabaco para todos, tendo-lhe sido dados dez maços de tabaco consoante a marca que cada um pediu”.

Mas o interrogatório não se ficaria por aqui. As autoridades chinesas decidiram dar ainda uma aula sobre os acontecimentos políticos e sociais que então se viviam, nomeadamente sobre “a miséria do povo no tempo de Chiang Kai-chek” as “dificuldades no começo do regime de Mao Tse-tung”, a “actual igualdade entre cidadãos chineses” e a “não existência de miséria na China”.

Mário Póvoa e os seus companheiros ouviram também explicações sobre a “capacidade industrial com a construção de barragens”, tendo sido “citado, por exemplo, uma construção recente” na ilha de Ma Liu Ho. Não faltaram ainda informações sobre a “produção de aviões, bombas teleguiadas e armamento eficaz que está a ser utilizado no Vietname”, país que, à época, vivia uma guerra civil.

Interrogatório nocturno

Mário Póvoa só seria ouvido às 20h, tendo sido questionado sobre “se ele reconhecia ou não que errara em ir para as águas chinesas”. O português acabaria por afirmar que “fez isso inconscientemente e que foi à procura do cadáver de um homem que com ele trabalhou seis anos”.

Assinada uma declaração em como tinham sido devolvidos todos os bens dos detidos, estes regressaram na mesma embarcação à ilha de Coloane, tendo partido às 21h e chegado às 21h20. “À partida foram ajudados pelas autoridades a porem o barco na água, tendo estes, até ao último momento, instado com todos se pretendiam algo de comer antes de embarcarem”, lê-se ainda. Aquando da detenção, não foram utilizadas armas e existiu sempre “liberdade de movimentos”.

Com estas informações em cima da mesa, as autoridades portugueses em Lisboa não conseguiram concluir se, de facto, Mário Póvoa e os restantes tripulantes tinham violado o espaço marítimo chinês. “Dada a proximidade da ilha chinesa de Má Liu Ho no local da ocorrência, e a imprecisa definição de fronteira, é difícil afirmar-se, não obstante a constante informação atrás transcrita, que a embarcação tenha penetrado nas águas territoriais chinesas e que foi detida já nas águas territoriais portuguesas”, lê-se numa nota adicional.

O rebentar do 1,2,3

Para João Guedes, jornalista e autor de vários livros sobre a história de Macau, este episódio “ilustra bem o adensar do clima de desconfiança política e militar da China em relação a Macau”, e que haveria de “explodir” com os episódios do 1,2,3, em 1966.

“O facto de Macau não possuir então águas territoriais agudizava a situação. Além disso, os chineses sabiam que em Macau se encontrava em actividade uma rede terrorista que efectuava operações contra alvos no Interior da China, tendo afundado nesse ano, ou no ano anterior, um navio de guerra de grande envergadura que se encontrava ancorado no porto da cidade de Kong Mun, não longe de Macau.”

Segundo João Guedes, o general Kot Siu Wong era o espião chefe dos nacionalistas do partido Kuomitang em Macau e acabaria por desertar para a China, “levando consigo toda a informação sobre a rede de espionagem que comandava”. O responsável afirma mesmo que “esta acção [de Kot Siu Wong] terá contribuído para o eclodir dos tumultos de 1966”.

Moisés da Silva Fernandes, investigador da história de Macau da Universidade de Lisboa, dá conta que, entre 1950 e 1960 “havia, com uma certa regularidade, estes confrontos transfronteiriços, porque não havia entendimento entre a China continental e a administração portuguesa” quanto à definição das águas territoriais.

João Guedes relata mesmo as histórias que ouviu da boca do “senhor Bilro”, que depois de trabalhar como guarda da PSP em Coloane era porteiro da TDM. À época, era a unidade militar do “senhor Bilro” a responsável por acender o farolim da navegação que se encontrava a meio do canal entre Coloane e a ilha da Montanha.

“A embarcação com que cumpria essa missão diária era blindada, porque se o não fosse não a poderiam levar a efeito. Isto porque a maior parte das vezes as tropas chinesas postadas na costa do lado oposto abriam fogo contra ela, obrigando os tripulantes a abrigar-se atrás das chapas de aço da protecção para para não serem atingidos.”

Segundo João Guedes, “o senhor Bilro dizia que os militares chineses não tinham intenção de matar ninguém (pelo menos nunca o fizeram) mas o tiroteio servia para advertir as autoridades de Macau que o farol só era aceso todos os dias graças à boa vontade da China”.

O caso Salgado

Dos casos mais célebres de detenções de embarcações, conta-se a do capitão Álvaro Salgado. Moisés da Silva Fernandes recorda que este foi capturado no dia 22 de Março de 1952 quando velejava entre a península de Macau e a ilha da Taipa, tendo ficado em cativeiro na China durante 31 meses. Álvaro Salgado só seria libertado a 19 de Dezembro de 1954.

“Antes de ser preso, exercia na repartição de Informações do Quartel-General da guarnição militar”, descreve o historiador. João Guedes conta ainda que Álvaro Salgado tinha sido comandante da PSP em Macau e foi preso quando praticava vela desportiva. O vento tê-lo-á levado para as águas chinesas.

“Este oficial acabaria por ser acusado de espionagem, tendo estado quatro anos preso em Cantão, depois de ter sido passeado pelas ruas juntamente com outros suspeitos de serem agentes estrangeiros presos com cordas e com cartazes a enumerar os seus alegados crimes contra o povo”, remata João Guedes.

12 Mai 2022

John Lee eleito Chefe do Executivo de Hong Kong 

John Lee foi eleito, no domingo, Chefe do Executivo de Hong Kong com 1.416 votos do comité eleitoral, tendo sido registada uma participação eleitoral de 97,7 por cento. O Chefe do Executivo eleito é visto como o rosto de um “novo capítulo” de um mesmo livro, focado nas questões da segurança nacional e da estabilidade sócio-económica da região vizinha

 

O único candidato a Chefe do Executivo de Hong Kong, John Lee, foi no domingo confirmado no cargo, ao obter 1.416 votos, anunciou a comissão dos assuntos eleitorais. O candidato Lee Ka-chiu, John, “obteve 1.416 votos”, sendo eleito Chefe do Executivo da Região Administrativa Especial de Hong Kong, indicaram as autoridades eleitorais, num comunicado publicado no ‘site’ das eleições.

“Agradeço o vosso apoio à eleição do Chefe do Executivo”, disse Lee, de 64 anos, num breve discurso proferido depois de anunciados os resultados, noticiou o jornal local South China Morning Post. No período de votação, entre as 9h e as 11h30, 1.428 membros da comissão depositaram o seu voto, o que representa uma taxa de participação de 97,7 por cento, de acordo com um comunicado das autoridades locais. A comissão eleitoral é composta por 1.463 membros, na maioria pró-Pequim.

Cerca de sete mil polícias foram destacados para evitar qualquer incidente durante a votação, indicou a imprensa local. Ainda assim, a Liga dos Sociais-Democratas, um dos últimos grupos pró-democracia na região, organizou uma manifestação de três pessoas, antes da abertura das assembleias de voto, para exigir “o sufrágio universal, agora”.

“Sabemos que esta acção não terá qualquer efeito, mas não queremos que Hong Kong fique completamente silenciosa”, declarou a manifestante Vanessa Chan, perante dezenas de agentes policiais.

Segundo o canal de rádio e televisão RTHK, a seguir à vitória, John Lee adiantou aos media que o seu Governo “estará determinado em confrontar os problemas enraizados que Hong Kong enfrentou durante muitos anos, ter passos decisivos e adoptar acções eficientes e efectivas para resolvê-los”. “Espero que possamos começar um novo capítulo juntos, construir uma Hong Kong que cuida, que é aberta, vibrante, e que está cheia de esperança, oportunidades e harmonia”, adiantou.

Apesar de o manifesto eleitoral apontar sobretudo para uma política de continuidade em relação a Carrie Lam (2017-2022), Lee avisou: “Será uma nova sinfonia, e eu serei o ‘maestro’”.

Da herança

Secretário para a Segurança no Executivo da Chefe do Executivo cessante, Carrie Lam, Lee supervisionou as operações policiais para pôr fim aos protestos anti-governamentais que abalaram a cidade em 2019.

John Lee herda uma cidade e terceira praça financeira mundial praticamente isolada do mundo devido às medidas restritivas de controlo da covid-19. Sob o slogan “Iniciar em conjunto um novo capítulo para Hong Kong, Lee prometeu um Governo “orientado para resultados”, mas o programa de 44 páginas, publicado na semana passada, apresentou poucas medidas concretas.

Na campanha eleitoral, Lee comprometeu-se a promulgar legislação local para proteger o território das ameaças à segurança nacional, aumentar a oferta de habitação no mercado imobiliário mais caro do mundo, melhorar a competitividade da cidade e estabelecer uma base firme para o desenvolvimento de Hong Kong.

Em 1 de Julho, data que marca a transferência de soberania de Hong Kong do Reino Unido para a China, John Lee vai substituir Carrie Lam, de 65 anos, que decidiu não se candidatar a um novo mandato de cinco anos.

Reforma a caminho

Ontem, numa conferência de imprensa, Carrie Lam declarou que o sistema político baseado no conceito dos “patriotas a administrar Hong Kong” ficou totalmente implementado com a eleição de John Lee. Segundo o canal de rádio e televisão RTHK, Carrie Lam reuniu com John Lee para discutirem a reestruturação governativa, as medidas para travar o surto pandémico e as actividades que vão celebrar os 25 anos da transferência de soberania de Hong Kong para a China.

A Chefe do Executivo ainda em funções acredita que esta reforma vai permitir a continuação da prosperidade de Hong Kong. “Eu e a minha Administração vamos continuar a lutar contra esta pandemia da covid-19 a fim de permitir que a população de Hong Kong regresse a uma vida normal o mais cedo possível e também garantir uma base forte para a retoma das viagens [sem quarentena] para o continente.”

John Lee comentou ainda os planos do Governo para a reestruturação de alguns organismos públicos, nomeadamente a separação das direcções de serviços de transportes e habitação.

“A actual proposta já teve em conta vários factores e as sugestões são detalhadas. Trocámos opiniões sobre alguns elementos da proposta. Deverei reflectir sobre essas visões com os colegas da Chefe do Executivo em detalhe [o mais cedo possível]”, frisou.

Uma das primeiras acções que John Lee fará após a sua eleição será a visita às quatro representações de Pequim em Hong Kong, incluindo o Gabinete de Ligação e o Gabinete para a Salvaguarda da Segurança Nacional. Ontem, além de reunir com Carrie Lam, John Lee reuniu também com o Chefe da Justiça e o Presidente do Conselho Legislativo.

Novo capítulo, mesmo livro

Contactado pelo HM, Jorge Tavares da Silva, académico da Universidade de Aveiro e analista de assuntos políticos chineses, considera que a eleição de John Lee “vem refrescar o ambiente política em Hong Kong, ainda que seja um homem pertencente à estrutura política anterior, após o desgaste da governação de Carrie Lam”.

O facto de John Lee estar no poder constitui “um sinal à população de que há uma nova gestão no território, revelando uma vontade de mudança e um sinal atenuador para os ímpetos reivindicativos locais”.

Além disso, John Lee “tem no seu discurso uma vontade explicita de resolver um dos maiores problemas da geração mais nova, a crise de habitação”. Há também “a perpetuação de um clima de segurança apertado no território, área de onde transita John Lee”.

“Não deixa de ser um sinal para que a indisciplina será fortemente condicionada. Em suma, em simultâneo, uma vontade de dar uma nova resposta à população de Hong Kong sem sair das suas linhas mestras. Como diz o slogan do seu programa ‘iniciando um novo capítulo para Hong Kong Juntos’. Uma viragem de página no mesmo livro”, apontou o académico.

Relativamente ao programa eleitoral apresentado pelo Chefe do Executivo eleito, Jorge Tavares da Silva entende que revela “algumas linhas orientadores do que poderá ser o seu mandato”, existindo “uma vontade de proteger Hong Kong enquanto importante centro financeiro internacional, abalado pelas sublevações e pela pandemia da covid-19”.

Está em causa “uma plataforma muito relevante para a saúde financeira da República Popular da China”, além de que a habitação é hoje “um dos pontos vulneráveis na gestão urbana de Hong Kong”.

A eleição de John Lee significa ainda “uma garantia para Pequim e um sinal a Washington, pela não aceitação de ingerências externas nos assuntos locais, tendo em conta que Lee foi vice-chefe da polícia, sancionado pelos americanos”.

Também ao HM, o analista político Sonny Lo defendeu que um dos grandes focos de John Lee para o mandato como Chefe do Executivo passa pela regulamentação do artigo 23 da Lei Básica e a lei de cibersegurança, procurando também lidar “com as origens sócio-económicas dos protestos de 2019 ao melhorar a mobilidade jovem, o patriotismo dos jovens e a habitação”.

John Lee deverá também trabalhar mais em prol de uma maior “competitividade em Hong Kong e numa melhoria da capacidade governativa”.

Sobre a questão da segurança nacional, Sonny Lo pensa que Pequim espera sobretudo que haja estabilidade em Hong Kong, a nível social e económico, ao mesmo tempo que se regulamenta o artigo 23 da Lei Básica e se promove “a incorporação económica e social na Grande Baía”.

A nível económico, Sonny Lo acredita que Hong Kong “vai gradualmente abrir as portas para o mundo, enquanto que as restrições fronteiriças com o continente e Macau serão relaxadas, é uma questão de tempo”. “A recuperação está a caminho”, defendeu.

E Macau?

Sonny Lo não tem dúvidas de que, caso Hong Kong avance para a regulamentação do artigo 23, Macau irá seguir-lhe os passos através do “aperfeiçoamento e do reforço da lei de segurança nacional”, ocorrendo “uma convergência na segurança nacional das duas regiões”.

Jorge Tavares da Silva recorda que, embora a realidade política em Macau seja “amplamente diferente” de Hong Kong, esta eleição “não deixa de mostrar as preocupações do Governo em manter na região da Grande Baía um clima de paz que leve ao desenvolvimento regional”.

Além disso, aponta o académico, “o 20.º Congresso do Partido Comunista Chinês vai-se aproximando, sendo importante manter um ambiente político estável nos próximos meses”.

Bilhete de identidade

Ex-secretário para a Segurança e número dois do Governo de Carrie Lam, John Lee foi o grande responsável pela implementação da nova Lei de Segurança Nacional no território, além de ter actuado para travar a acção dos protestos em 2019.

Apesar do resultado, o único candidato à liderança de Hong Kong já prometeu a introdução de novas infrações que reforcem a legislação sobre a segurança nacional. Aquando das eleições no final de 2021 para o parlamento local, dominado por deputados “patriotas”, Lee deixou um apelo à população, para ajudar as autoridades na missão de impedir que “os desordeiros, as forças estrangeiras e as forças destrutivas prevaleçam”.

Aos jornalistas detidos, classificou-os de “elementos malignos (…) que abusaram das suas posições (…) como funcionários dos ‘media’”. Ex-inspector e comissário adjunto da Polícia, assumiu a pasta da Segurança no Executivo de Carrie Lam em 2017 e avançou com a proposta da polémica Lei da Extradição, que espoletou os protestos em 2019, que levaram milhões de pessoas às ruas durante nove meses. Em Junho de 2021, acabou por ser promovido a secretário principal governamental. John Lee integra uma lista de altos responsáveis de Hong Kong alvo de sanções norte-americanas, impostas em Agosto de 2020.

Felicitações de Ho Iat Seng

O Chefe do Executivo de Macau disse esperar que as duas regiões administrativas especiais chinesas “possam avançar unidas”, numa mensagem de felicitações enviada a John Lee pela eleição como líder de Hong Kong.

Ho Iat Seng defendeu também que os territórios possam “avançar unidos e cooperar com firmeza através da participação na construção de uma Grande Baía Guangdong, Hong Kong, Macau de topo de gama, e na integração da conjuntura do desenvolvimento nacional para concretizar da melhor forma os respectivos desenvolvimentos, criando uma vida melhor para a população, elaborando em conjunto um novo capítulo da grandiosa causa de ‘um país, dois sistemas’, disse, de acordo com um comunicado oficial.

O Chefe do Executivo de Macau sublinhou ainda “a mesma origem” cultural das duas regiões, bem como as “relações estreitas na economia, comércio, com resultados eficazes no intercâmbio e cooperação”. Com Lusa

Preocupação do G7

Os ministros dos Negócios Estrangeiros dos países do G7 expressaram ontem a sua “grande preocupação” com a nomeação do novo líder de Hong Kong, John Lee. O grupo das nações industrializadas, ao qual pertencem Estados Unidos, Reino Unido, Canadá, França, Itália, Japão e Alemanha, classificou a eleição de Lee como um “ataque contínuo contra o pluralismo político e as liberdades fundamentais”. Os responsáveis do G7 instaram a China a agir de acordo com a declaração sino-britânica e o restante das suas obrigações legais. “Pedimos fortemente ao novo Chefe do Executivo que respeite os direitos protegidos e as liberdades ancorados na Constituição de Hong Kong e cuide para que a justiça defenda o Estado de Direito”, referiram os responsáveis.

10 Mai 2022

Violência doméstica | O efeito da pandemia no aumento do número de casos 

No espaço de um ano Macau registou mais 43 casos de violência doméstica. Cecília Ho e Melody Lu, académicas e membros da Coligação Anti-violência Doméstica, alertam para o facto de o fecho das fronteiras e a crise económica serem duas das grandes causas para o aumento dos casos. Ambas acreditam que a violência poderá continuar a acentuar-se se as restrições pandémicas se mantiverem

Com Nunu Wu

 

O relatório que traça o panorama da violência doméstica no território, divulgado esta quinta-feira pelo Instituto de Acção Social (IAS), revela um aumento do número de casos, situação largamente influenciada pelos efeitos da pandemia. Entre 2020 e 2021 houve mais 43 casos de violência doméstica, sendo que, se olharmos para a tendência dos últimos cinco anos, vemos que a média mensal de casos, de 6,8, voltou a aproximar-se a valores de 2017, quando ocorriam cerca de oito casos de violência doméstica por mês. O maior número é de 2016, ano em que a nova lei da violência doméstica entrou em vigor, quando se registava uma média de 10,3 casos por mês. De frisar que, em 2020, tinha-se atingido a média de casos mais baixa, com 3,2 por cento.

A violência contra mulheres casadas continua a representar a maior fatia, 45,7 por cento, tendo sido registados, em 2021, 37 casos. Por oposição, foi registado apenas um caso de violência doméstica contra um homem casado.

Relativamente à violência conjugal, 81,6 por cento das situações implica violência física. Em todas as situações de violência, seja contra crianças, idosos ou pessoas incapazes, as vítimas do sexo feminino estão sempre em maioria, 74,4 por cento, sendo que as vítimas masculinas são apenas 25,6 por cento.

No que diz respeito à violência perpetrada contra crianças, ocorreram 30 casos, uma fatia de 37,1 por cento. Neste caso, a maioria das situações, 56,7 por cento, registou violência física.

O relatório traça ainda um quadro geral do tipo de agressor e dos motivos que o levam a agredir a vítima. Em 55,6 por cento dos casos ocorrem “distúrbios ou descontrolo das emoções”, sendo que, em segundo lugar, surge, com 25,9 por cento, o factor “concordância com o uso de violência”. O alcoolismo aparece em terceiro lugar como razão da violência, com 17,3 por cento.

Quanto à origem dos casos, a maioria, 34,6 por cento, ocorre na freguesia de Nossa Senhora de Fátima, na zona norte da península de Macau.

Sobre o perfil profissional do agressor, 34,6 por cento não tem rendimentos, enquanto que 35,9 por cento está “inactivo”. Sobre o nível de ensino, 27,2 por cento tem apenas o ensino secundário completo.

No quadro geral, os cenários que levam a situações de violência física prendem-se, em 45,7 por cento dos casos, com “dificuldades ou obstáculos de comunicação no casal” e, em 27,2 por cento, em situações de adultério ou suspeitas do mesmo. Seguem-se, em terceiro lugar, com 18,5 por cento, “obstáculos na comunicação entre pais e filhos”.

Desde 2016, que a violência doméstica é um crime público, o que significa que qualquer pessoa fora do contexto familiar pode fazer queixa junto das autoridades se observar uma situação de violência. Segundo o relatório do IAS, as queixas por parte de vizinhos, amigos ou familiares da vítima representam ainda uma baixa fatia, 3,7 por cento, tendo em conta que a grande parte dos casos conhecidos, 29,6 por cento, veio do Corpo de Polícia e Segurança Pública. A Polícia Judiciária lidou com 4,9 por cento dos casos, enquanto que os organismos públicos trataram de 13,6 por cento das situações. De frisar que, em 26 por cento dos casos, foram as próprias vítimas a pedir ajuda.

Futuro sombrio

Melody Lu, socióloga e membro da Coligação Anti-violência Doméstica, aponta como a grande causa para este aumento do número de casos a crise económica que o território atravessa. “A investigação revela que a quebra na economia, o desemprego e o isolamento são os factores mais importantes para o aumento da violência doméstica”, contou ao HM.

“Mais do que continuar o trabalho da educação pública [sobre este tema] e aperfeiçoar a lei de violência doméstica, penso que é mais importante olharmos para as condições estruturais, como a recuperação da economia e a saúde mental da população. É necessário estudar os casos existentes a fim de identificar os padrões e as causas [para a violência]. Neste momento não temos acesso a essa informação”, frisou.

A socióloga da Universidade de Macau não tem dúvidas de que a continuação das medidas restritivas impostas pelas autoridades para lidar com a pandemia vai levar a um aumento do número de casos.

“Poderemos ver um enorme aumento porque, nos últimos dois anos, as pessoas tiveram de aguentar momentos de maior dificuldade na esperança de que terminassem em breve. Quando não vislumbramos um fim, a depressão torna-se mais séria. Uma maior taxa de desemprego pode tornar-se algo permanente no futuro”, frisou.

Cecília Ho, também membro da Coligação Anti-violência doméstica e académica na área do serviço social da Universidade Politécnica de Macau, acredita num potencial aumento de casos. “A pandemia tem um enorme impacto nos casos de violência doméstica, especialmente devido ao fecho de fronteiras, pois as pessoas têm falta de liberdade nas viagens para o continente. Antes, muitas famílias preferiam ficar no continente ou viajar entre Macau e Zhuhai devido ao menor custo de vida [do outro lado da fronteira]. Mas agora não o podem fazer e estão forçados a viver numa pequena área. Esperam-se mais conflitos e tensões”, defendeu ao HM.

Para Cecília Ho, parece que o IAS “não analisou o impacto da violência doméstica através de uma base com mais educação pública, como a promoção de meios de comunicação não violentos entre membros da mesma família”.

“A pandemia aumenta, de forma indirecta, a demissão de trabalhadores e mais pessoas enfrentam, de repente, dificuldades financeiras, o que traz uma maior tensão e discussões entre as famílias. Acredito que o número de casos de violência doméstica vai continuar a aumentar e que haja mais casos de violência física, dada a permanência de um temperamento depressivo e stressado até que haja uma recuperação económica.”

Atenção aos pequenos

Olhando para os dados do relatório, Cecília Ho destaca o facto de uma boa percentagem dos casos partir de denúncias das próprias vítimas, bem como de queixas de pessoas fora da família. Tal significa que “a consciência do público em torno da violência doméstica, e a busca de ajuda, tem vindo a aumentar”. Desta forma, o IAS deveria “depositar mais esforços na promoção, criando mais serviços de aconselhamento jurídico ou centros de acolhimento, a fim de encorajar a que mais casos de violência sejam reportados”.

Quanto aos casos de violência contra crianças, Cecília Ho defende que não devem ser subestimados. “É urgente um acompanhamento em termos de aconselhamento a fim de combater a violência doméstica inter-geracional e o abuso psicológico.”

Além de ainda existir uma percepção errada na sociedade local de que a violência doméstica apenas diz respeito aos casos de violência física, Cecília Ho alerta para a forma como as autoridades e agentes jurídicos continuam a lidar com estes casos.

“Por norma os advogados estagiários são muito inexperientes a lidar com estes processos. A maior parte das vítimas não está informada e não tem conhecimentos jurídicos suficientes para tomar decisões e para se defender em tribunal. É urgente melhorar o sistema de ajuda jurídica”, adiantou.

Quanto aos casos que chegam a tribunal, e que geram uma acusação efectiva do agressor, serão ainda poucos. “Não temos estatísticas, mas acreditamos que a maior parte dos casos são acompanhados não tratando a violência doméstica como crime público, mas aplicando o artigo 137 do Código Penal [ofensa simples à integridade física], que é um crime semi-público.”

Desta forma, a maior urgência não recai na revisão da lei, mas sim “na revisão detalhada do sistema de ajuda [à vítima] e no sistema de investigação e recolha de provas por parte das autoridades policiais”. Estas alterações podem “acabar com o ciclo de violência doméstica se os agressores lidarem com as consequências”, apontou Cecília Ho.

O HM falou ainda com a deputada Wong Kit Cheng que frisou também um maior aumento de pedidos de ajuda por parte das vítimas.

“Tendo em conta os factores que levam a casos de violência, o IAS deve intervir e tratar os casos. Tendo em conta que as questões conjugais representam o maior factor, podemos recorrer à arbitragem e reforçar a intervenção dos assistentes sociais e serviços de aconselhamento familiar, sem esquecer uma maior educação parental.”

Também ligada à direcção da Associação Geral das Mulheres, Wong Kit Cheng acredita que, acima de tudo, é importante a divulgação destes dados por parte do IAS, pois só assim “saberemos as razões da violência e poderemos elaborar mais medidas de acompanhamento”.

“Os dados não revelam os casos confirmados de violência doméstica e quais os que não terminam com uma condenação, por isso é elevada a possibilidade de reincidência. É importante fazer um trabalho de prevenção”, rematou a deputada.

6 Mai 2022

História | Quando a PIDE quis saber mais sobre Pedro José Lobo 

No início dos anos 60, ecoavam em Timor-Leste movimentos políticos de luta pela independência. A possível proclamação da “República Unida de Timor-Díli” e as eventuais ligações de familiares de Pedro José Lobo levaram a PIDE-DGS a pedir, a Macau e a Timor, informações sobre esta importante figura da comunidade macaense

 

Pedro José Lobo, figura de destaque entre a comunidade de Macau, funcionário público e poderoso homem de negócios, nascido em 1892 em Timor, chegou a ser investigado pela PIDE-DGS (Polícia Internacional de Defesa do Estado – Direcção Geral de Segurança), que funcionou em Portugal durante o período do Estado Novo.

Documentos arquivados na Torre do Tombo, em Lisboa, consultados pelo HM, provam que esta polícia política quis saber mais sobre a ligação de familiares de Pedro José Lobo à possível proclamação da “República Unida de Timor-Díli”, em 1961, um movimento nunca confirmado oficialmente.

Em causa, estava o facto de uma das filhas de Pedro José Lobo ser casada com Constâncio Lemos de Araújo, residente em Macau e filho de Francisco de Araújo, deportado de Timor para Macau. Este teria sido “um dos cabecilhas” de um motim ligado a movimentos independentistas de Timor.

Portugal, ao ter conhecimento de algumas notícias divulgadas sobre este movimento independentista, que teria levado à formação de um novo “governo de 12 ministros, presidido por A. Mao Klao”, pedia ao subdelegado da PIDE-DGS em Timor e à Polícia de Segurança Pública (PSP) de Macau detalhes sobre a vida de Pedro José Lobo.

A 28 de Junho de 1963, saía do Gabinete de Negócios Políticos, ligado ao Ministério do Ultramar, uma carta com esse pedido.

Em causa, estava uma notícia “fornecida de Djakarta pela Agência France Presse e publicada em diversos jornais” quando à proclamação, em “Batugade, no Timor Português, a ‘República Unida de Timor-Díli’”, que já teria pedido “o reconhecimento das outras nações”.

De Timor não chegaram informações concretas “quanto à veracidade da notícia”, não havendo “nada de concreto quanto à existência de quaisquer indícios que a justificassem”.

Apesar de a agência noticiosa “Antara” não ter dado “publicidade a tal notícia”, além de que na Indonésia “apenas os jornais comunistas a ela se referiram”, as autoridades portuguesas chamavam a atenção para o facto de o “Confidential Foreign Report”, em Abril de 1963, referir-se ao “ambiente em Timor” e estabelecer “a conexão com as prisões feitas em 1961 naquela província. A mesma publicação dava conta de que “um dos cabeças de motim, chamado Araújo, ao passar por Macau, enviara uma mensagem a um seu familiar, pessoa proeminente da província, o dr. Pedro Lobo”.

A notícia da proclamação da “República Unida de Timor-Díli” tinha, para a PIDE-DGS, um “carácter nebuloso”, relacionado com “o fraco acolhimento que encontrou na Indonésia, acrescido do facto de o indigitado ‘presidente’ [A. Mao Klao] ter um nome que pode denunciar uma origem de mestiço, de chinês e de Malaio”.

No entanto, dava-se atenção à “conexão estabelecida pelo ‘Confidential Foreign Report’, designadamente as relações que o Dr. Pedro Lobo mantém com Timor, quer por razões familiares, quer por interesses económicos”. Não eram esquecidas “as actividades de ordem económica por este senhor desenvolvidas em Macau e da possível interferência que ele possa ter, tanto na Agência France Presse como no jornal South China Morning Post, de Hong Kong, o primeiro a referir a notícia”.

Lobo inocente

A resposta ao pedido da PIDE-DGS veio confirmar que Pedro José Lobo nada tinha a ver com esta questão política. “O Francisco Araújo vive em Macau, em casa de seu filho, Constâncio Lemos de Araújo, levando pelo menos, aparentemente, uma vida calma, aparecendo raramente em público”. Além disso, descreviam as autoridades locais, “a sua conduta, na vida privada, não tem suscitado quaisquer suspeitas”.

“Também não consta que mantenha quaisquer ligações políticas com o dr. Pedro José Lobo. Desconhece-se qualquer ligação do dr. Pedro José Lobo com as notícias emanadas através da ‘Agência France Press’ ou publicadas no jornal South China Morning Post, de Hong Kong. Foi tudo o que se conseguiu apurar acerca do assunto tratado no ofício de vossa excelência”, lê-se no documento.

Confirmava-se, assim, que “as relações [de Pedro José Lobo] com o timorense Francisco de Araújo, ou Francisco Maria Xavier de Jesus Araújo, provêm, especialmente, do facto de uma das filhas do Dr. Pedro Lobo ser casada com um filho do Araújo, Constâncio Lemos de Araújo”. Além disso, “Francisco de Araújo, antes da sua deportação de Timor, administrava a já referida ‘Companhia Agrícola de Timor, de Lobo e Filhos’”, uma das muitas empresas do universo de negócios de Pedro José Lobo.

No entanto, as informações enviadas à PIDE-DGS não ignoravam a história pessoal de uma figura carismática de Macau. “A origem e meios utilizados para conseguir aquela fortuna são de origem bastante duvidosa, especialmente durante e após a segunda guerra mundial.”

A resposta enviada à PIDE-DGS dava ainda conta de que Pedro José Lobo havia sido “durante muitos anos chefe dos Serviços de Economia e Estatística Geral da província de Macau”, tendo “sido aposentado por ter atingido o limite de idade”. À data, Pedro José Lobo tinha “cerca de 71 anos de idade” e era presidente do Leal Senado da Comarca de Macau.

“É condecorado pelo Governo português, ocupando posição de destaque no meio social de Macau, não só pela sua elevada fortuna, como também pela influência que as suas actividades comerciais exercem sobre a vida económica daquela província. Entre outras, destacam-se as seguintes organizações comerciais nas quais possui largos interesses”.

No documento constavam empresas como a Sociedade de Abastecimento de Águas de Macau, a Companhia de Ouro “Wong On” de Macau, a Macau Air Transport, a “P.J. Lobo” em Macau e Hong Kong e a já referida Companhia Agrícola de Timor, de Lobo e Filhos, em Timor, administrada pela “Sociedade Agrícola Pátria e Trabalho lda”, de Díli.

Grande confiança

Célia Reis, investigadora do Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa, e com extenso trabalho publicado sobre a história de Macau, disse ao HM que a posição da PIDE-DGS “parece estar ligada às ramificações que este acontecimento [proclamação da República Unida de Timor-Díli] pudesse ter em Portugal”.

“Daí a chegada a Pedro José Lobo, não pela posição que ocupava em Macau, mas pelas possíveis implicações que pudesse ter” neste episódio.

A investigadora acrescenta que, no caso deste movimento político, “terá sido proclamada a independência da República de Timor em Abril de 1961, [tendo estado] ligado a um grupo radical islâmico que existia em Jacarta, na Indonésia”.

A actuação da PIDE-DGS fazia-se sentir também nas colónias, mas, nestes casos, era coordenada com o Ministério do Ultramar. Segundo Célia Reis, a política do Estado Novo “estava muito bem relacionada com todos os organismos oficiais, e quando solicitava informações, o natural é que esses organismos respondessem porque estavam todos ligados à mesma estrutura”.

“Podia não ter uma célula local, mas havia informação de outras fontes, como policiais, que contribuíam com relatórios ou mesmo com algumas suspeitas que houvesse”, frisou.

Célia Reis confessou que já tentou investigar as razões pelas quais Francisco de Araújo foi deportado de Timor para Macau, mas ainda não encontrou dados elucidativos nos documentos que pesquisou.

“A PIDE fazia sempre questão de analisar as várias ligações e havia a suspeita de que algumas informações tivessem sido transmitidas a Pedro José Lobo por esses familiares”, adiantou Célia Reis.

Grande parte da fortuna de Pedro José Lobo terá sido obtida através do comércio do ouro que se fazia em Macau por altura da II Guerra Mundial, pois ele continuava a ser director da Inspecção dos Serviços Económicos, o que “permitia que as licenças de importação passassem por ele”.

À época, Portugal não tinha assinado os Acordos de Bretton-Woods, que promoviam uma regulação do comércio mundial e dos valores do ouro. Tal levava a que esta matéria-prima fosse vendida a preços mais baixos pelos países assinantes dos Acordos face aos que eram praticados em Macau.

“[Pedro José Lobo] não agia sozinho, mas com ligação a pessoas ricas que beneficiaram desse comércio do ouro”, frisou a investigadora.

Muito antes de este comércio ser muito importante para a economia local, já Pedro José Lobo ocupava um lugar de destaque na regulação pública do comércio do ópio.

“A verdade é que Pedro José Lobo estava à frente desses serviços por causa da grande confiança que o Governador tinha nele. Ainda não era uma pessoa tão conhecida pela sua relevância económica, mas foi nomeado e passa a ter uma grande projecção porque, estando ligado a essa organização, acaba por ter um processo colocado pelo antigo monopolista do ópio”, recordou Célia Reis.

27 Abr 2022

Juventude | Novo livro branco reitera compromisso com “valores socialistas”

Pequim acaba de lançar mais um livro branco sobre a juventude, onde se salienta a importância de os jovens chineses se focarem “nos valores socialistas”. O documento oficial aponta ainda que os hábitos de consumo mudaram nos últimos anos e que existem agora mais oportunidades de carreira graças ao desenvolvimento e prosperidade do país. O relatório dá ainda conta de uma crescente participação política dos mais novos

 

O Partido Comunista Chinês (PCC) tinha, em Junho do ano passado, cerca de 24 milhões de membros com menos de 35 anos, sendo que 25 por cento tinha uma plena participação no partido. E foi a pensar nos jovens e no caminho que estes devem traçar no país nos próximos tempos que Pequim decidiu lançar, na última semana, um novo livro branco sobre a juventude chinesa. Trata-se de um documento oficial do Governo Central que traça metas e balanços sobre as vidas dos jovens na China actual e do futuro.

O documento, divulgado na íntegra pela agência Xinhua, começa por afirmar que os jovens devem, acima de tudo, ter um “compromisso no foco dos valores socialistas”.

“A orientação do valor da juventude vai decidir os valores de toda a sociedade. Os jovens chineses aprendem valores morais de heróis e de personalidades modelo dos nossos tempos. Eles promovem, de forma pró-activa, os valores socialistas, como a prosperidade, a democracia, o civismo, a harmonia, a liberdade, a igualdade, a justiça”, pode ler-se.

Aos jovens chineses pede-se ainda “confiança no caminho chinês”, pois, “através da comparação com o passado e com o resto do mundo, e de uma observação social, a juventude chinesa consegue compreender a importância da liderança do Partido, os méritos do sistema social e o reforço das pessoas”.

O livro branco cita mesmo um inquérito realizado aos jovens, em 2020, que revela que a maioria dos inquiridos “apoia incondicionalmente o socialismo com características chinesas, e tem plena confiança sobre o rejuvenescimento da nação chinesa”.

O mesmo documento dá conta de uma crescente participação política dos mais jovens nos últimos anos, tendo em conta que “um grande número” participou “como deputados nos congressos do povo ou como membros da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês (CCPPC) em todos os níveis”.

“Através destas organizações eles cumpriram os seus deveres e participaram na deliberação e administração dos assuntos de Estado”. Em 2019, aponta o relatório branco, “os jovens participaram, em 10,9 por cento, ao nível dos congressos do povo e em 13,7 por cento a nível dos comités da CCPPC”.

Desta forma, “os jovens são participantes activos nas eleições democráticas, no processo de tomada de decisões, na gestão e supervisão, fazendo sugestões para a maior parte das questões relacionadas com o desenvolvimento económico e social, e no exercício dos seus direitos democráticos”.

Muito antes de expor os valores que devem definir o caminho da juventude chinesa para os próximos anos, o relatório branco vai buscar referências históricas para afirmar que, sem o PCC “o movimento da juventude chinesa teria atingido muito pouco”.

“Numa nova era, a juventude chinesa abraça oportunidades preciosas para realizar as suas ambições e revelar os seus talentos, uma vez que devem ter a importante responsabilidade de construir um grande país socialista moderno e realizar o Sonho Chinês do rejuvenescimento nacional”, pode ler-se.

Uma questão de talentos

Para Pequim, o milagre económico chinês dos últimos anos deu aos jovens a oportunidade para estes aproveitarem melhor as oportunidades de carreira, além de que os seus hábitos de consumo mudaram profundamente em relação à geração dos seus pais.

No que diz respeito aos talentos, o livro branco dá conta de que “a nação chinesa atingiu uma profunda transformação ao obter uma maior independência e ao tornar-se mais próspera com um forte crescimento”.

O período actual traz “prosperidade e esperança”. “Vivendo nos melhores tempos da história da China, a actual geração de jovens desfruta de um ambiente propício para o seu desenvolvimento, com espaço para crescer e com grandes oportunidades para terem uma boa carreira”, lê-se ainda.

Quanto aos hábitos de consumo, os jovens estão a apostar em produtos cada vez mais adaptados às suas necessidades individuais. “Eles estão a mudar de um padrão de compra de produtos básicos para comprar coisas que permitem desfrutar da vida, de ter apenas roupas para vestir, para hábitos de vestir mais elegantes, de ter comida para comer para comer melhor em prol de uma melhor saúde.”

Sobre o uso da Internet e ciberespaço, o livro branco dá conta que a juventude chinesa recorre a este mundo virtual “para ter acesso à informação, partilhar ideias, fazer amigos e compras”. “Uma vez que se tornam cada vez mais como grandes produtores de informação, e sendo consumidores de serviços e promotores de tecnologias relacionadas com o ciberespaço, os jovens são uma profunda influência nas tendências da Internet.”

Desta forma, acrescenta-se, “os jovens estão a espalhar energia positiva e a moldar novas tendências sociais, num esforço para garantir um ciberespaço mais limpo”.

Educação para todos

Para as autoridades chinesas, os jovens têm, no país, “um acesso à educação igual para todos”, tendo em conta as prioridades definidas pelo Governo Central e as oportunidades educacionais de elevada qualidade oferecidas.

“Em 2021 o cumprimento da escolaridade obrigatória atingiu uma taxa de 95,4 por cento, com a taxa da educação no ensino secundário a chegar aos 57,8 por cento, com um total de 44,3 milhões de estudantes no ensino superior. Há cada vez mais jovens que atingiram este caminho importante em prol do sucesso e da excelência”, é referido no documento.

Pequim afirma que tem vindo a desenvolver, nos últimos anos, um sistema de ajuda financeira aos estudantes, desde o ensino infantil ao superior. Em 2020, foram dados subsídios no valor total de 240 mil milhões de yuan, tendo sido dada assistência a cerca de 150 milhões de estudantes.

Uma das tendências mais visíveis nos últimos anos, e que está directamente relacionada com o aumento do nível de vida e na construção de uma nova classe média, prende-se com o facto de cada vez mais jovens estudarem no estrangeiro.

O livro branco dá conta que “estudar no estrangeiro é a forma mais importante para que os jovens chineses aprendam sobre o mundo”.

Em 1978, a China enviou 800 alunos para estudarem no estrangeiro, mas esse número chegou aos 700 mil em 2019. “Nas últimas quatro décadas, o número total de chineses a estudar no estrangeiro ultrapassou os 6,5 milhões, tendo regressado 580 mil em 2019, contra 248 em 1978”.

O conhecimento da juventude chinesa sobre o mundo faz-se também através de “viagens, programas de visita, passeios de negócios e cooperação a nível laboral”.

Lado diplomático

Apesar de este ser um documento oficial sobre a juventude chinesa, faz também referência ao crescimento do “círculo de amigos” com o qual a China “consegue comunicar e cooperar”.

“A juventude chinesa encara cada oportunidade para contar as histórias da China e participa numa governança global dos assuntos da juventude”, sempre numa visão de cooperação e de ganhos mútuos.”

Desta forma, ao abrigo da Parceria Global da Juventude Chinesa, o país estabeleceu programas de intercâmbio e cooperação com mais de 100 organizações internacionais, agências governamentais da juventude ou partidos políticos.

Os jovens chineses participam em diversos programas de intercâmbio com países e regiões “como a Rússia, EUA, Europa, Índia e Japão” em áreas como a educação, ciência, cultura, artes e desporto.

“A juventude chinesa tornou-se mais activa na adesão às organizações internacionais, na participação em conferências internacionais e numa governança global. Como resultado, os jovens abraçaram, de forma bem sucedida, a imagem internacional da juventude chinesa”, remata o documento.

26 Abr 2022

Criptomoeda | Frederico Rosário absolvido dos crimes de burla

Apesar de ter de indemnizar cerca de 29 vítimas, numa quantia que pode chegar a 12 milhões de patacas, o filho de Rita Santos não vai ter de cumprir pena de prisão. Sobre a indemnização, a defesa ainda vai ponderar apresentar recurso

 

Frederico Rosário, filho da Conselheira das Comunidades Portuguesas, Rita Santos, foi absolvido da prática de 47 crimes de burla de que era acusado pelo Ministério Público, no âmbito de um esquema de investimento em criptomoeda, que terá gerado perdas de 21 milhões de patacas. A decisão foi conhecida na sexta-feira, no Tribunal Judicial de Base, numa sessão em que o arguido voltou a estar ausente. Apesar de inocente do procedimento criminal, Frederico do Rosário vai ter de indemnizar 29 das vítimas.

O desfecho foi encarado para advogado do filho de Rita Santos, Luís Almeida Pinto, como uma vitória, porque mais do que conseguir que o cliente fosse considerado inocente, o importante era que ficasse provado que não tinha cometido os crimes.

“Decorre inequivocamente da sentença que Frederico Rosário não praticou qualquer crime. O tribunal foi claro nisso. Muitas vezes os arguidos são absolvidos na dúvida, […] porque há um princípio no direito, in dubio pro reo, que deve levar o tribunal a absolvê-los sempre que houver dúvidas”, começou por argumento o advogado.

“Neste caso, Federico Rosário foi considerado não culpado, ou seja, que não era responsável pelos crimes de burla. Isto significa para Federico Rosário e para a família, que o tribunal de Macau lavou a sua honra”, acrescentou. “O tribunal com este acórdão decidiu que ele teve comportamentos negligentes, mas nunca e jamais que cometeu um crime, ou crimes de burla” completou.

Por outro lado, o advogado destacou também que Frederico Rosário não pode ser visto como um criminoso ou delinquente, ao contrário do que pretendia o Ministério Público. “Perante a comunidade de Macau, Frederico Rosário jamais pode ser apontado como um criminoso ou delinquente, conforme havia sido na acusação do Ministério Público”, realçou.

Sem dolo

A condenação por crime de burla implica que se prove que os arguidos tiveram intenção de cometer o crime. E para o tribunal, foi esse aspecto que distinguiu o arguido Frederico Rosário do outro, Dennis Lau, condenado a uma pena efectiva de prisão de 10 anos.

Segundo o acórdão lido pela juíza Cheong Weng Tong, Frederico do Rosário não teve intenção de fazer com que as vítimas perdessem o dinheiro, quando conseguiu que enviassem os seus investimentos para o outro arguido. “O segundo arguido [Frederico Rosário] teve uma conduta negligente, que não constitui crime”, afirmou Cheong, na leitura do acórdão. “Foi absolvido de todos os crimes, mas em relação a uma das acusações houve desistência, pelo que o crime foi extinto e não houve absolvição”, acrescentou.

Por outro lado, o tribunal deu como provado que Dennis Lau, desde o início, teve como objectivo usar Frederico do Rosário para amealhar uma grande quantia de dinheiro. “O Tribunal tem a opinião de que o primeiro arguido agiu de acordo com o factos de que foi acusado e que são todos dados como provados. Tinha a intenção de enganar a vítimas e fê-lo através do segundo arguido”, concluiu.

Banco vazio

Como Dennis Lau está em Hong Kong, não deve cumprir a pena em Macau. Apesar disso, foi condenado a 10 anos de pena de prisão por cinco crimes de burla simples, 24 de burla de valor elevado e 16 crimes de burla de valor consideravelmente elevado.

“A pena é de prisão para atingir os objectivos de penalização, a ilicitude é elevada, os ofendidos tiveram prejuízos e o dolo foi muito elevado, até na forma como recorreu a formas de investimento mais modernas, o que fez com que as pessoas aderissem aos seus planos. Também não indemnizou qualquer dos ofendidos”, destacou a juíza, face a um banco que esteve sempre vazio, no que diz respeito a Dennis Lau, ao longo de quase um ano de julgamento.

Nas considerações sobre a pena aplicada ao criador das empresas Forgetech e Genesis, Cheong Weng Tong sublinhou igualmente que foram tidas em conta as “consequências muito graves” do esquema criado.

Assumir responsabilidades

Se a nível criminal Frederico Rosário não tem de enfrentar consequências, o mesmo não acontece ao nível dos pedidos de indemnização civil. O tribunal entendeu que o filho de Rita Santos vai ter de indemnizar 29 vítimas por ter responsabilidade solidária, a par de Dennis Lau, em factos ilícitos assim como culpa nas perdas geradas. “O tribunal é da opinião que [Frederico Rosário] agiu com negligência e que também não cumpriu o dever de prudência.

Nessas circunstâncias, o tribunal considera que deve indemnizar os ofendidos porque está mais do que provado que teve responsabilidade pela entrega dos montantes”, foi considerado pelo tribunal.

No entanto, a juíza Cheong Weng Tong não revelou o montante que vai ter de ser pago a cada vítima, limitou-se a ler o nome dos burlados que terão de ser indemnizados.

Segundo as estimativas da defesa, o valor total deve ser inferior a 12 milhões de patacas. Contudo, Luís Almeida Pinto não afastou a possibilidade de recurso.

“O Frederico Rosário não ficou com um avo do dinheiro das vítimas. Não deixa de ser estranho que seja condenado solidariamente a pagar indemnizações a 29 das vítimas, quando o tribunal reconhece inequivocamente que o dinheiro dos ofendidos foi apropriado pelo arguido de Hong Kong”, afirmou o advogado. “É matéria que vamos estudar e eventualmente recorrer”, sublinhou.

Críticas a Rosário

Apesar da vitória a nível criminal, a postura de Frederico Rosário foi alvo de críticas pela juíza, por não ter verificado se os planos de investimento eram viáveis, nem percebido como iriam funcionar as empresas Genesis e Forgetech, utilizadas na burla.

“O segundo arguido apresentou todos estes planos de investimento, mas não foi prudente, não se inteirou sobre as empresas nem sobre programas que apresentou. Praticou os actos, para que os familiares, amigos e ele mesmo obtivessem comissões. […] Levou a que os ofendidos acreditassem nele, no seu poder de fiscalização sobre os investimentos e causou prejuízos”, afirmou a juíza.

As críticas estenderam-se às apresentações feitas na sede da Associação de Trabalhadores da Função Pública de Macau e às alegações de Frederico Rosário que desconhecia a situação. “O segundo arguido compareceu em tribunal e negou prática dos factos. Referiu que foi enganado, e que todos os actos foram praticados pelo primeiro arguido, sem ter conhecimento. O tribunal considera que o arguido estava mais a par da situação do que disse”, atirou Cheong. “Quando investiu na companhia sabia que estava a participar nos planos de minerização e pretendia que mais pessoas participassem nos planos para ter uma recompensa para si e para os familiares”, destacou.

Para indicar que Frederico Rosário percebia os planos de investimentos e que não se limitava a dedicar a atenção à parte do jogo electrónico, pelo menos na primeira sessão, a juíza recordou a conduta da mãe. “Na primeira sessão de apresentação [na ATFPM] o arguido podia não estar tão a par da situação como o primeiro arguido […] mas não tinha tão poucos conhecimentos como quis deixar parecer”, afirmou a juíza. “Na altura, a sua mãe entregou 200 mil patacas em numerário. Se a sua mãe não tivesse conhecimento do plano, será que teria imediatamente esta quantia consigo?”, questionou. “A experiência faz-nos acreditar que os planos já tinham sido apresentados, que havia pessoas que estavam a par e que estavam preparadas para fazer logo as transferências ou entregar o dinheiro”, justificou.

Em baixo

A leitura da sentença era para ter decorrido no mês passado, mas foi adiada. Na altura, Frederico Rosário também não compareceu na sessão, e Luís Almeida Pinto, advogado de defesa, afirmou ter sido informado que tal se deveu a um excesso de comprimidos. “Da outra vez ficou em casa com medicamentos. Está muito em baixo, penso que pode ter cedido um pouco a esta pressão”, contou o advogado à juíza. “Sei que da última vez tomou medicamentos e foi necessário fazer um tratamento. É uma coisa de grande pressão e é natural que em determinada altura as pessoas quebrem”, detalhou, momentos depois, já fora da sala da audiência.

Práticas medievais

À saída do tribunal, Luís Almeida Pinto criticou o procedimento da Polícia Judiciária que frequentemente enfia um capuz preto nos arguidos, para que sejam fotografados pela comunicação social, antes de serem levados para o Ministério Público. “Falei no procedimento de aparecer na televisão com um capuz enfiado na cabeça. É um procedimento de Idade Média da nossa Polícia Judiciária e que é reprovável”, criticou. “Desde esse momento até ao presente, podem imaginar a pressão que o Frederico Rosário sofreu no dia-a-dia, estando aqui, vivendo na comunidade, enfrentando os olhares das pessoas, lutando para fazer a prova da sua inocência. Podem calcular a carga emocional”, acrescentou.

Rita Santos em lágrimas

Foi com o filho absolvido e com a juíza fora da sala de audiência, que Rita Santos, Conselheira das Comunidades Portuguesas, se desfez em lágrimas, entre abraços ao pai do filho, Frederico Rosário, familiares presentes e à equipa de advogados. A também presidente da mesa da Assembleia Geral da ATFPM esteve sempre ao lado do filho em todo o julgamento e não faltou a qualquer sessão. No final, teve uma descarga de adrenalina.

25 Abr 2022

Espaço | Cientista da MUST determina tamanho do maior cometa alguma vez avistado

O cientista do Laboratório Estatal de Referência das Ciências Lunares e Planetárias, Hui Man-To, é o autor principal de um paper que confirma as dimensões daquele que é o maior cometa alguma vez avistado. Segundo a observação feita através do Telescópio Espacial Hubble (NASA), o núcleo do cometa “C/2014 UN271” (Bernardinelli-Bernstein) tem 128 km de diâmetro e pode dar pistas sobre a formação do Sistema Solar

O professor do Laboratório de Referência Estatal Chinês para as Ciências Lunares e Planetárias da Universidade Ciência e Tecnologia de Macau (MUST), Hui Man-To contribuiu decisivamente para confirmar a dimensão daquele que é o maior cometa alguma vez avistado por astrónomos.
Os resultados da observação do cometa “C/2014 UN271”, também denominado “Bernardinelli-Bernstein” em função dos cientistas que o descobriram, foram obtidos através de uma observação efectuada com recurso ao Telescópio Espacial Hubble (NASA) e registados num paper publicado no “Astrophysical Journal Letters”, do qual Hui Man-To é o principal autor.
De acordo com os resultados da observação feita no início de Janeiro deste ano, o diâmetro estimado do núcleo gelado do cometa “Bernardinelli-Bernstein” será de aproximadamente 128 quilómetros, ou seja, cerca de 50 vezes maior que a maioria dos cometas analisados até aos dias de hoje.
Além disso, os dados recolhidos apontam para o facto de a massa do corpo celestial pesar cerca de 500 triliões de toneladas, um registo também ele inédito, tendo em conta que é 100 mil vezes superior à massa registada normalmente em cometas que circulam mais perto do Sol. Isto, tendo em conta que o cometa “Bernardinelli-Bernstein” encontra-se actualmente nos “limites” do Sistema Solar e, por isso, a uma distância considerável do Sol e a deslocar-se a uma velocidade de cerca de 35 mil quilómetros por hora.
“Este é um objecto verdadeiramente espantoso, dado o quão activo é, estando ainda tão longe do Sol”, começou por partilhar Hui Man-To com o portal oficial da NASA dedicado ao Telescópio Espacial Hubble. “Calculámos que o cometa pudesse ser bastante grande, mas precisávamos de dados mais precisos para obter essa confirmação”, acrescentou.

Cálculos galácticos
Por esse motivo, o cientista da MUST decidiu utilizar o telescópio Hubble para registar cinco imagens do cometa “Bernardinelli-Bernstein”, que foram depois processadas através de um modelo informático criado pela sua equipa. A estratégia permitiu “descriminar” o núcleo do cometa, da poeira e da luminosidade envolvente que inevitavelmente, e a juntar à longa distância a que o cometa se encontra do telescópio, constavam das imagens originais captadas, provocando ruído.
Contactado pelo HM, Hui Man-To revelou que o maior desafio de todo o processo passou por obter a aprovação para executar o plano de observação no Telescópio Espacial Hubble.
“É um processo altamente competitivo. Em média, um astrónomo tem de tentar mais de cinco vezes até ver o seu programa aprovado (…) mas felizmente conseguimos a aprovação necessária em tempo útil. Sem a qualidade de observação emprestada pelo Telescópio Espacial Hubble não seríamos capazes de fazer nada”, partilhou.
Hui Man-To acredita que o cometa “Bernardinelli-Bernstein” seja originário da chamada “Nuvem de Oort”, região gelada e sombria localizada nos limites do Sistema Solar, encontrando-se em rota de aproximação ao Sol e à Terra, de acordo com a sua órbita elíptica, que terá uma duração total de cerca de três milhões de anos. Apesar de se estar a aproximar, o mais perto que o cometa “Bernardinelli-Bernstein” estará do Sol, será em 2031, altura em que deverá passar perto de Saturno.
Além disso, o estudo e a compreensão do cometa, proveniente de uma região tão distante como a “Nuvem de Oort”, reveste-se de elevada importância, dado conter na sua estrutura amostras, matéria e elementos em estado de congelação que remontam à formação inicial do Sistema Solar, ou seja, com uma idade equivalente a quatro biliões de anos.
Sobre o cometa propriamente dito, o professor da MUST destaca que este está numa fase “estável”, a perder massa de forma “prolongada” e que a sua actividade está a ser potenciada pela “sublimação” (passagem do estado sólido ao estado gasoso).
“A actividade do cometa está numa fase estável, o que significa que o núcleo está a perder massa de uma forma prolongada, e não impulsiva. Isto é um indicador de que a sua actividade está a ser potenciada pela sublimação. No entanto, a esta distância do Sol (cerca de 18 vezes a distância entre o Sol e a Terra), a sua temperatura de equilíbrio (-210 Celsius) é demasiado baixa para que o gelo da água passe pela sublimação, devendo ser supervolátil como o monóxido de carbono ou o dióxido de carbono”, explicou.

Trabalho de equipa
Quanto ao sucesso dos resultados alcançados, Hui Man-To não tem dúvida que tal pode ser atribuído ao “esforço de toda a equipa”, a começar pelo contributo do norte-americano David Jewitt, astrónomo de renome da Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA) responsável por descobrir o “Cinturão de Kuiper” em 1992, que levaria à “despromoção” de Plutão enquanto planeta em 2006.
Outro elemento fundamental na manobra que levaria a que se fizesse luz sobre o cometa “Bernardinelli-Bernstein”, acrescenta, foi o professor da MUST Liang-Liang Yu, cuja reconhecida capacidade de cálculo foi fundamental para se chegar à dimensão final do núcleo do cometa.
Questionado sobre o momento em que descobriu estar perante a confirmação histórica, Hui Man-To disse que, na altura, estava “bastante calmo”, embora a urgência de publicar os resultados alcançados fosse grande.
“Na verdade, estava bastante calmo. A minha maior preocupação a partir daí, era conseguir concluir o paper e submetê-lo o mais rapidamente possível. Não queríamos ser ultrapassados por outras equipas. Lembro-me de estar relativamente contente quando consegui extrair o ‘sinal’ do núcleo dos restantes elementos do cometa”, apontou
Sobre a importância de Macau estar associada à descoberta, Hui Man-To sublinhou que o Laboratório de Referência Estatal Chinês para as Ciências Lunares e Planetárias da MUST deve aproveitar todas as oportunidades para se assumir como referência na área, a nível internacional.
“[A publicação deste paper] ajudou certamente a promover a ciência que é feita em Macau um pouco por todo o mundo. A impressão que a maioria das pessoas tem sobre Macau é que é um território ligado ao jogo e ao turismo, onde a ciência não tem lugar, mas isto não é de todo verdade. O Laboratório de Referência Estatal necessita de participar em projectos internacionais sempre que surjam oportunidades no futuro”, referiu.
Quanto ao trabalho que tem vindo a ser desenvolvido na MUST, Hui Man-To vê com bons olhos o envolvimento do Laboratório de Referência Estatal em diferentes projectos e admite estar empolgado com o conhecimento que vai ser produzido a propósito do futuro satélite de exploração científica de Macau.

20 Abr 2022

China | Fábricas temem impacto de confinamentos e de política de casos zero 

A maior fabricante dos telemóveis Iphone do mundo, a Foxconn, teme impactos na produção com o confinamento decretado em algumas áreas da zona económica do aeroporto de Zhengzhou. Por sua vez, a situação da pandemia em Xangai traz receios aos fabricantes de automóveis na China, que teve um crescimento económico de 4,8 por cento no primeiro trimestre, abaixo da meta traçada de 5,5 por cento

 

O tecido industrial chinês parece começar a ressentir-se das medidas adoptadas pelas autoridades para lidar com a pandemia, nomeadamente com a implementação de confinamentos e a continuação da política de casos zero de covid-19. Estas medidas influenciam os ritmos normais de produção e, consequentemente, os ganhos económicos.

A mais recente implementação do confinamento de várias áreas da zona económica do aeroporto de Zhengzhou, na província central de chinesa Henan, devido ao aumento dos casos da covid-19, é disso exemplo. A Foxconn, maior produtora mundial de iPhones, cuja fábrica se situa nesta zona, poderá ver a sua produção afectada, uma vez que o confinamento, anunciado na sexta-feira, envolve a proibição de circulação. Segundo noticiou no sábado o South China Morning Post, o pessoal da fábrica tem sido submetido a testes nos últimos dias.

Até agora, nem a Foxconn, nem a Apple comentaram as consequências destas medidas, que podem comprometer a cadeia de abastecimento do gigante da tecnologia, já afectado pelo encerramento forçado de outros fornecedores localizados no leste do país, tais como Pegatron Corp, na província de Jiangsu, e Quanta Computer, em Xangai.

A Foxconn já teve de encerrar as fábricas em Shenzhen, durante duas semanas, embora tenham agora reiniciado a produção.

Automóveis em suspenso

Entretanto, também os fabricantes de automóveis podem ser forçados a suspender a produção no país, em Maio, devido a interrupções no fornecimento de componentes, causadas pelo bloqueio de Xangai, que enfrenta um surto de covid-19.

O alerta foi dado por He Xiaopeng, co-fundador e presidente da Xpeng, um dos principais fabricantes de veículos eléctricos da China, numa mensagem publicada na sua conta oficial na rede social WeChat, e citada pela imprensa local.

“Se os fornecedores dentro e ao redor de Xangai não conseguirem encontrar uma maneira de retomar as operações e a produção, todas as fábricas de veículos da China podem ter de suspender a produção em maio”, previu o executivo.

O CEO do grupo tecnológico Huawei, Yu Chengdong, também compartilhou as previsões pessimistas para as cadeias de fornecimento industriais, devido ao confinamento de Xangai.

Embora destacando o impacto para o sector automóvel, acrescentou que todas as indústrias de tecnologia cuja cadeia de fornecimento passa por Xangai vão ser afectadas, o que geraria perdas económicas “muito altas”, segundo o portal de notícias Sohu.

A “Gigafactory” em Xangai da fabricante norte-americana de veículos eléctricos Tesla, que representa cerca de metade dos automóveis produzidos pela empresa a nível mundial, tem as suas operações suspensas desde 28 de Março.

O primeiro trimestre “foi excepcionalmente difícil devido a interrupções na cadeia de fornecimento e à política de ‘zero covid’ da China”, explicou o CEO da Tesla, Elon Musk, no início deste mês, através da sua conta oficial no Twitter.

Este domingo, a agência estatal chinesa Xinhua noticiou que um dos maiores produtores de computadores portáteis do mundo, o Quanta Group, regressou à produção na fábrica situada em Xangai “com um restrito conjunto de medidas de prevenção e uma gestão aproximada [da situação] a decorrer”.

Cerca de dois mil trabalhadores desta fábrica regressaram aos seus postos de trabalho na sexta-feira, sendo que seis mil deverão voltar ao trabalho até sexta-feira, disse Walter Lee, vice-presidente associado do grupo para a área da produção. Estes trabalhadores realizaram uma quarentena de 14 dias e efectuaram testes de despistagem à covid-19 com resultado negativo.

De frisar que o Quanta Group é um dos grandes produtores dos computadores portáteis da Apple, além de ser um dos principais fabricantes dos computadores de bordo e unidades de controlo da Tesla, na China.
Walter Lee adiantou que, apesar do impacto da covid-19, o grupo obteve um aumento de 15 por cento no valor de produção no primeiro trimestre. A empresa está ainda confiante de que pode crescer mais este ano, acrescenta a mesma notícia.

Segundo o canal de rádio e televisão de Hong Kong RTHK, a cidade de Xangai registou este domingo um total de 21.582 casos assintomáticos, um aumento de 3.238 casos assintomáticos em relação a sábado. Por sua vez, a China reportou no sábado um total de 26.016 novos casos locais, sendo que 3.504 casos são assintomáticos.

Governo promete ajuda

Na sexta-feira, as autoridades chinesas prometeram ajudar empresas e indústrias de sectores chave da economia que lidam com os impactos do confinamento em Xangai. O Ministério da Indústria e Informação Tecnológica da China promete trabalhar, segundo a Reuters, com 666 empresas que produzem semi-condutores, automóveis e medicamentos para que possam regressar à produção normal, foi anunciado em comunicado.

Relativamente ao transporte de mercadorias, foi também anunciado na sexta-feira a criação de um passe nacional que permita veículos movimentarem-se entre zonas de alto risco sem atrasos, perante a apresentação de testes à covid-19 negativos, com uma validade de 48 horas, e uma temperatura corporal normal.

Um estudo apresentado no passado dia 7, pela Gavekal Dragonomics, conclui que 87 das 100 maiores cidades chinesas com muita produção interna impuseram medidas de confinamento.

Também a Air China reportou perdas de 70 por cento de tráfego aéreo em Março, por comparação a igual período de 2021. Os preços do imobiliário registaram, em Março, uma estagnação, pela segunda vez consecutiva, em 70 grandes cidades chinesas, pois as medidas anti-covid-19 reduzem a confiança dos consumidores.

Apesar dos sinais de alerta enviados pelos sectores económicos, o presidente chinês, Xi Jinping, não parece disposto a apostar numa política alternativa para lidar com a pandemia. Na última quinta-feira, o dirigente máximo do país defendeu que a China deve manter a política de tolerância zero à covid-19, sinalizando a manutenção das rígidas medidas anti-pandemia no país, apesar dos crescentes custos económicos e sociais.

“Devemos persistir e colocar as pessoas acima de tudo, as vidas acima de tudo (…) Devemos aderir à precisão científica”, disse Xi Jinping, durante uma visita à ilha de Hainan, no extremo sul do país, segundo a imprensa estatal.

“A actual pandemia global ainda é muito grave e não podemos relaxar o trabalho de prevenção e controlo. Só com persistência sairemos vencedores”, afirmou.

Crescimento abaixo

Entretanto foi anunciado um crescimento da economia chinesa de 4,8 por cento no primeiro trimestre, abaixo da meta estipulada por Pequim para este ano, de 5,5 por cento.

O crescimento acelerou, em relação ao ritmo de 4 por cento atingido no trimestre anterior, quando o Governo chinês restringiu o acesso ao crédito pelo vasto sector imobiliário do país.

Os gastos nos sectores retalho e manufactureiro, e o investimento em fábricas, imóveis e outros activos fixos, aumentaram. “A recuperação da economia nacional foi sustentada e a gestão da economia foi geralmente estável”, apontou Fu Linghui, porta-voz do Gabinete Nacional de Estatísticas (GNE) chinês, em comunicado.

Contudo, as vendas a retalho, um indicador dos gastos do consumidor, caíram 3,5 por cento, em Março, – a primeira contração desde Julho de 2020 – à medida que as autoridades endureceram as medidas antipandemia, visando combater o surto mais grave no país em mais de dois anos.

A meta de crescimento de 5,5 por cento anunciada para este ano é a menor em três décadas. Fu Linghui apontou para os “surtos frequentes” de covid-19 na China e um “ambiente internacional cada vez mais grave e complexo”.

“Com o ambiente doméstico e internacional a tornar-se cada vez mais complicado e incerto, o desenvolvimento económico enfrenta dificuldades e desafios significativos”, apontou.

Os dados dos primeiros três meses do ano não expressam o impacto do bloqueio de Xangai. Analistas do grupo japonês de serviços financeiros Nomura estimaram, na semana passada, que 45 cidades, que correspondem a 40 por cento do PIB (Produto Interno Bruto) da China, estavam sob medidas de confinamento, completas ou parciais, e acrescentaram que o país estava em “risco de entrar em recessão”.

A produção industrial, que foi um grande impulsionador da recuperação inicial da China da pandemia, em 2020, aumentou 5 por cento em Março, em relação ao mesmo mês do ano anterior. O investimento em activos fixos aumentou 9,3 por cento, nos primeiros três meses de 2022, em termos homólogos.

Nas últimas semanas, o primeiro-ministro da China, Li Keqiang, alertou repetidamente sobre os riscos económicos. Também o Presidente chinês, Xi Jinping, apontou, em Março, para a necessidade de minimizar o impacto económico das políticas anti-pandemia, apesar de ter defendido, na última quinta-feira, a aposta na continuação da política de zero casos covid-19 no país.

Para além de Xangai, também as cidades de Jilin e Changchun, importantes centros industriais do nordeste da China, encontram-se sob confinamento total há mais de um mês. A.S.S.

19 Abr 2022

Covid-19 | Estudo defende orientações mais claras da OMS sobre restrições

Fernando Dias Simões, docente da Universidade Chinesa de Hong Kong, defende que a Organização Mundial de Saúde deveria fornecer orientações mais claras e precisas face às restrições de viagem adoptadas pelos países em tempos de pandemia. O autor adianta que, como as recomendações emitidas pela OMS não são vinculativas, os membros nem sempre implementaram medidas com base em critérios científicos

 

Em Abril de 2020, em plena pandemia, 90 por cento da população mundial vivia em países que haviam aplicado restrições de viagem. Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), 194 países adoptaram estas restrições, enquanto que 143 fecharam as suas fronteiras. Até que ponto estas medidas, impeditivas de uma total liberdade de movimentos, violaram normas do Direito Internacional, nomeadamente o Regulamento Sanitário Internacional e o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, na vertente de direitos humanos?

Fernando Dias Simões, professor de Direito da Universidade Chinesa de Hong Kong, e ex-docente da Universidade de Macau, dá estas respostas num estudo, recentemente publicado no Yale Journal of Health Policy, Law and Ethics, intitulado “Covid-19 and International Freedom of Movement: A Stranded Human Right?” [Covid-19 e o Movimento Internacional de Liberdade: um Direito Humano Bloqueado?]

Uma das conclusões deste estudo prende-se com a necessidade de um maior consenso, bem como de orientações mais claras da OMS face às restrições de viagem adoptadas pelos países membros. Em relação ao Regulamento Sanitário Internacional, Fernando Dias Simões defende uma revisão em prol de uma maior clareza e com base num consenso científico mais alargado.

“É necessário criar indicadores que sinalizem como e quando os Estados membros devem aplicar medidas de saúde adicionais que possam interferir com a mobilidade internacional. Este não é um objectivo fácil e necessita de um consenso, tanto de médicos como de especialistas jurídicos, sobre o critério que deve ser determinado para garantir um equilíbrio razoável entre a saúde pública e a mobilidade internacional”, pode ler-se no documento.

A OMS faz recomendações, não vinculativas, sobre as medidas a adoptar em tempos de pandemia, apelando a que as restrições do tráfego internacional de bens e pessoas sejam razoáveis, a fim de atingir “o nível desejado de protecção da saúde pública”.

No entanto, os países membros da OMS podem ir mais além, necessitando de reportar estas medidas “com uma justificação científica para a sua adopção”, devendo “ser revistas a cada três meses”. No entanto, não há sanções caso não o façam.

“A norma que impõe estas obrigações aos membros é o que se chama uma ‘norma incompleta’, pois não prevê qualquer sanção em caso de incumprimento dos deveres de reportar, de justificar, ou caso a justificação seja considerada insuficiente”, explicou Fernando Dias Simões ao HM.

Em termos históricos, recorda, a OMS “tem preferido emitir recomendações em vez de impôr obrigações de forma vinculativa, com a cominação de sanções”.

Desta forma, tem ocorrido “um incumprimento generalizado” dessa matéria. “A OMS, normalmente, abstém-se de questionar os membros sobre as medidas que implementam por estar ciente de que esta é uma área muito sensível em que os estados preferem exercer a sua soberania sobre o controlo de fronteiras”, frisou.

Equilibrio precisa-se

Além disso, o autor considera que “é vital aumentar o peso das regras em matéria de direitos humanos e os princípios do equilíbrio entre a saúde pública e a liberdade de movimentos”. Desta forma, “deve ser feita uma aproximação holística e coerente em prol de uma mobilidade internacional, o que requer um elevado nível de precisão sobre as medidas de saúde que estão de acordo com os padrões de direitos humanos”.

Para Fernando Dias Simões, a pandemia “é uma recordação viva de como os Governos necessitam de adaptar-se ao Regulamento Sanitário Internacional e às regras e princípios dos direitos humanos quando concebem e implementam medidas relacionadas com emergências de saúde pública”.

“É crucial o reforço da ligação entre estes dois domínios”, acrescentou, lembrando que “só o tempo dirá sobre o impacto económico e social [destas medidas] e quanto sofrimento poderia ter sido evitado, ou pelo menos mitigado, se os países não tivessem corrido para fechar as suas fronteiras”.

Fernando Dias Simões recorda que, “apesar de ser um instrumento legal internacional, o Regulamento Sanitário Internacional parece ser um documento legal suave, com o cumprimento [das regras] a basear-se na persuasão”. Desta forma, este regulamento, na prática, “não tem sido assertivo o suficiente”.

“Vários autores sugeriram uma atitude mais pró-activa e enfática no requerimento junto dos países membros de uma justificação para as suas medidas. Enquanto que a OMS tem o poder de ‘nomear e envergonhar’ os Estados que violam as medidas, esta ferramenta não foi utilizada. Na prática, os regulamentos são muito contidos no que diz respeito à regulação de quando e como os países podem adoptar medidas de saúde adicionais. O foco parece ser em convidar os Estados para uma cooperação multilateral, sem pôr em causa a sua soberania”, refere o estudo.

O autor aponta também, ao HM, que “a OMS, em momento algum, interveio ou fez comentários em relação a membros específicos ou a certos tipos de medidas”, uma vez que “cada membro enfrenta as suas próprias circunstâncias e adopta as suas medidas de acordo com o nível de protecção da saúde pública que pretende atingir e o julgamento científico que faz da situação”.

Pouca ciência

O estudo assinado pelo académico dá ainda conta do facto de alguns países parecem ter tomado medidas restritivas da liberdade de movimento sem se basearem em critérios científicos. “O processo de tomada de decisões não deveria basear-se em padrões vagos e afirmações retóricas. De outra forma, é dado demasiado arbítrio aos países na elaboração das suas próprias políticas, muitas vezes baseadas em considerações que não são científicas.”

Fernando Dias Simões destaca que, apesar de viajar contribuir para uma maior circulação de doenças infecciosas, a verdade é que “estudos científicos demonstraram que as restrições de viagem não têm sido efectivas, de forma significativa, na prevenção do contágio de doenças infecciosas, e na maior parte dos casos só atrasaram a chegada do vírus em alguns dias”.

Neste sentido, “tais medidas falham consideravelmente na redução das transmissões se não forem combinadas com medidas preventivas de infecção e de controlo [de outra ordem]”. No período mais negro da pandemia, e tendo em conta que se sabia ainda muito pouco sobre a covid-19, “os Governos tiveram que tomar decisões urgentes com base em informação incompleta provisória, sem provas científicas maturadas”.

Houve ainda alguns casos de adopção de uma “resposta nacionalista, ao não permitir a entrada de não nacionais”, sendo que houve “restrições de viagem com base na nacionalidade ou estatuto de residência”, o que discriminou e estigmatizou “certos indivíduos ou grupos” de pessoas.

O estudo faz ainda o alerta para o impacto destas restrições de viagem, que podem trazer “efeitos económicos desastrosos, particularmente nos países em desenvolvimento”. No que diz respeito aos trabalhadores migrantes, “as restrições de viagem foram particularmente cruéis”, uma vez que “muitos foram despedidos dos empregos, não conseguindo sustentar-se e regressar ‘a casa’. Vários países organizaram voos de repatriamento”.

Fernando Dias Simões destaca que, na óptica dos direitos humanos, “todas as pessoas têm o direito de sair livremente de qualquer país”, sendo que “ninguém pode ser arbitrariamente privado do direito de entrar no seu próprio país”.

Macau não violou leis internacionais

Macau, Hong Kong ou China “não violaram o direito de entrada ou o direito de saída”, até porque “não há nenhum direito humano a entrar num país estrangeiro”, aponta o docente de Direito. Sobre o envio de informações sobre as medidas adoptadas à OMS, Fernando Dias Simões diz que não há dados públicos sobre essa matéria.

“Não sei se as autoridades de Pequim ou Macau reportaram estas medidas à OMS, ou que justificação científica apresentaram, e por isso não posso comentar. A verdade é que praticamente todos os membros da OMS aplicaram este tipo de medida em algum momento no seu combate contra a covid-19.”

O Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos vigora em Macau e em Hong Kong, sendo que a China assinou o documento em 1998, mas não o ratificou. Todos os membros da OMS, um total de 194, respondem perante o Regulamento Sanitário Internacional.

14 Abr 2022

Fórum de Macau | China quer “defender a paz” e reforçar cooperação lusófona

Face à instabilidade mundial, o primeiro-ministro chinês Li Keqiang lembrou que a China defendeu sempre a paz mundial e sugeriu três vias para reforçar a cooperação sino-lusófona. Ho Iat Seng diz que a Plataforma está “basicamente formada” e que Macau continuará a consolidar o seu papel. Já António Costa, vê com bons olhos a revisão do funcionamento do fundo sino-lusófono e abriu as portas aos grandes mercados

Com Lusa 

 

O primeiro-ministro chinês, Li Keqiang, lembrou ontem que a China defendeu sempre a paz mundial e apresentou três propostas para que, “face à incerteza e instabilidade mundial”, a cooperação sino-lusófona saia reforçada.

“Vamos defender a paz e a estabilidade e concretizar o desenvolvimento e a prosperidade. Como convivemos numa aldeia global, só a paz e a estabilidade podem ser benéficas, ao passo que os conflitos, o caos ou a intranquilidade na vida dos povos, tem um efeito prejudicial para todos”, começou por dizer num discurso feito a partir de Pequim, por videochamada, na cerimónia de abertura da reunião extraordinária ministerial do Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa (Fórum de Macau).

“A China sempre foi um defensor da paz mundial e está disposta a trabalhar com os países de língua portuguesa e os outros países da comunidade internacional para continuar a contribuir, de forma construtiva, para a defesa da paz, do desenvolvimento e da prosperidade comum dos países”, acrescentou.

Em segundo lugar, o governante propôs a manutenção de esforços conjuntos para “vencer a pandemia” de covid-19, que há mais de dois anos tem impactado as economias internacionais. Por fim, Li Keqiang sustentou também que se deve “persistir na abertura e cooperação”, em especial no âmbito do Fórum de Macau, que inaugurou ontem o Centro de Intercâmbio da Prevenção Epidémica China – Países de Língua Portuguesa.

“Com a contínua propagação da pandemia, os países não têm como se concentrar no desenvolvimento sem preocupação. A China está disposta a estreitar a cooperação com os países de língua portuguesa, nas áreas da vacinação, medicamentos e saúde e vamos estabelecer em Macau o Centro de Intercâmbio da Prevenção Epidémica China – Países de Língua Portuguesa, com vista a aprofundarmos a cooperação (…) e o aperfeiçoamento do sistema de governança da saúde global. Vamos persistir na abertura e cooperação e promover a reactivação económica”, partilhou.

Oportunidade e perseverança

Por seu turno, o Chefe do Execuivo Ho Iat Seng frisou que a função de Macau enquanto Plataforma sino-Lusófona “tem vindo a ser aperfeiçoada” e que esse é um desígnio que deve continuar a ser perseguido.

Para já, o Chefe do Executivo considera que está “basicamente formada” uma plataforma de serviços integrados virada para a cooperação económica e comercial nas áreas da investigação científica, da medicina tradicional chinesa, da cultura, do turismo, das convenções e exposições, do comércio, das finanças e do empreendedorismo jovem.

Ao falar da pandemia, Ho Iat Seng apontou que a reunião de ontem constituiu uma “oportunidade” para a China e os países de língua portuguesa cooperarem na área da saúde, tendo em vista a “promoção conjunta da recuperação económica” e a “elevação da coesão e da influência do Fórum de Macau”.

Perante uma situação internacional que apelidou de “complexa e instável”, Ho Iat Seng frisou que “a tendência de desenvolvimento pacífico da humanidade é imparável” e que Macau irá continuar a consolidar o seu papel de Plataforma Sino-Lusófona.

“Macau continuará a potenciar as suas vantagens singulares, a tirar pleno proveito das oportunidades de «Uma Faixa, Uma Rota» e da construção da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau, a aperfeiçoar e consolidar o seu papel como Plataforma Sino-Lusófona e Plataforma de Serviços (…) e a auxiliar e impulsionar a construção de uma comunidade com um futuro compartilhado para a humanidade, em prol do desenvolvimento e progresso comum”, disse.

Porta para o mundo

Através de uma mensagem gravada a propósito da reunião extraordinária, o primeiro-ministro português, António Costa defendeu o reforço da cooperação com a China e lembrou que Portugal abre a porta a grandes mercados como a União Europeia (UE), a América Latina e África, sobretudo pela sua relação com os países lusófonos.

O primeiro-ministro português saudou ainda a vontade do Fórum de Macau de apoiar a tradução e edição de autores lusófonos na China, falando de uma relação que “vai além da economia e da geografia” e que contribui para divulgar o património histórico e cultural.

O governante salientou as relações diplomáticas e de “amizade” entre Lisboa e Pequim, sobretudo no âmbito do Fórum de Macau e com os países lusófonos, mas defendeu que a recuperação das economias atingidas pelo impacto da pandemia de covid-19 e pela invasão russa da Ucrânia exige outros estímulos e resultados.
António Costa sustentou que “a superação dos impactos socioeconómicos depende das medidas de estímulo” e da exploração de novas oportunidades, recordando que Portugal é “uma porta de entrada para a União Europeia” e para outros mercados, como a América Latina e África, até pela “proximidade com os países de língua portuguesa”.

Para isso, pediu uma melhor gestão de um fundo milionário chinês destinado a financiar a cooperação sino-lusófona, “mais consequente”, nas regras e funcionamento.

Um apelo reforçado pelo embaixador em Pequim, José Augusto Duarte, que solicitou no seu discurso, alterações ao nível dos “requisitos de elegibilidade” e expressou o desejo de que o fundo seja marcado por um “maior dinamismo”, de forma a assegurar o financiamento de projectos produtivos das economias locais”.

Em causa, está a revisão das regras de atribuição do Fundo de Desenvolvimento e Cooperação sino-lusófono de mil milhões de dólares criado pelo Banco de Desenvolvimento da China e pelo Fundo de Desenvolvimento Industrial e Comercial de Macau. Recorde-se que, até à data, apenas foram aprovados três projectos, em Moçambique, Angola e Brasil, no valor de 35 milhões de dólares.

O embaixador em Pequim, frisou ainda que, apesar de Macau ser uma “porta de entrada para o mercado chinês”, no futuro “tem de se fazer mais” do que eventos de divulgação dos produtos.

A reunião de ontem foi a sexta realizada em Macau, após as edições de 2003, 2006, 2010, 2013 e 2016.
Da declaração conjunta, assinada no final da reunião de ontem pelos membros do Fórum de Macau, destaque para a oficialização da adesão da Guiné Equatorial, a aposta em derrotar a pandemia, a promoção do crescimento económico e o alargamento do intercâmbio cultural.

Guiné-Bissau | Chan Meng Kam deixa de ser cônsul-honorário

O empresário Chan Meng Kam deixou de ser cônsul-honorário da Guiné-Bissau, de acordo com a notícia avançada pelo Canal Macau. A decisão foi comunicada no passado dia 1 de Abril à embaixada da República da Guiné-Bissau em Pequim pelo chefe do Protocolo de Estado, embaixador Luís Camará de Barros. O antigo deputado e ex-membro do Conselho Executivo era cônsul honorário da Guiné-Bissau em Macau desde Agosto de 2018.

Excesso de Zelo

Durante a cerimónia de abertura da Reunião Extraordinária Ministerial do Fórum de Macau, a organização não providenciou condições de trabalho ideais, como acesso à internet e lugares sentados, para as várias dezenas de jornalistas locais e do Interior da China que marcaram ontem presença na sala de reuniões do Complexo do Fórum de Macau para cobrir o evento. Confinados a uma área específica, durante a cerimónia foi possível ver vários profissionais da comunicação social a trabalhar e a tirar notas no chão do recinto, enquanto os discursos dos representantes governamentais se sucediam.

11 Abr 2022

Fórum Macau | A antevisão de uma reunião há muito esperada 

A reunião extraordinária ministerial do Fórum Macau vai acontecer finalmente no próximo domingo, depois de a pandemia ter atrasado um novo encontro para definir objectivos de actuação. Investigadores acreditam que vêm aí novas medidas de combate à pandemia, de fomento económico e de maior envolvimento nos projectos da Grande Baía e da Nova Rota da Seda

 

Desde 2019 que o Fórum Macau trabalha sem novos objectivos definidos. A pandemia veio atrasar a realização da sexta conferência ministerial depois de ter sido definido um plano de acção para os anos de 2017 a 2019. Este domingo, dia 10, acontece finalmente uma reunião extraordinária ministerial (REM), exclusivamente online, e o HM procurou saber o que poderá estar em cima da mesa.

Pedro Paulo dos Santos, investigador da Universidade Cidade de Macau (UCM), actualmente a trabalhar no doutoramento sobre o Fórum Macau, acredita que deverá ser apresentado “um plano mais curto do que os emitidos nas conferências anteriores”.

“O título da reunião, ‘Um mundo sem pandemia, Um desenvolvimento comum’ indica que as medidas principais neste plano de acção serão na cooperação no combate à pandemia. Podemos esperar também medidas para estimular o crescimento económico entre os membros do Fórum e em reforçar Macau como a plataforma entre a China e os PLP.”

No caso de Cátia Miriam Costa, investigadora e docente no Centro de Estudos Internacionais do Instituto Superior das Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE), em Lisboa, lamenta que o encontro de domingo seja online, “o que, de facto, não facilita um diálogo mais próximo”.

“O contexto internacional em que decorrerá é bastante diferente dos anteriores, dada a situação de guerra na Europa, e a tensão comercial entre os EUA e a China. Acresce a estes factores o facto de o próprio Secretariado do Fórum ter agora novos representantes nos diferentes cargos. Creio que dado este enquadramento, poderemos esperar que seja reforçado o papel económico do Fórum”, começou por dizer.

A responsável frisou também que poderá ser alargado o âmbito das actividades do Fórum Macau, nomeadamente para um espectro mais cultural. “Espera-se igualmente que a China proponha aos países de língua portuguesa um maior envolvimento nos projectos da Grande Baía e da Nova Rota da Seda. A nova dinâmica, representada pelo novo Secretário-Geral, que se tem multiplicado em contactos com os representantes dos vários países de língua portuguesa aponta nesse sentido.”

Segundo uma nota de imprensa, a REM de domingo “estabelecerá consensos para o desenvolvimento cada vez mais consistente do papel do mesmo enquanto mecanismo de cooperação multilateral para o desenvolvimento comum”.

Será assinada uma “Declaração Conjunta” que vai reflectir “uma nova fase de trabalhos, em diversas áreas, nomeadamente, o combate à pandemia, a restauração do crescimento económico e o aperfeiçoamento do funcionamento de Macau enquanto plataforma de intercâmbio entre a China e os Países de Língua Portuguesa”.

A ideia é “elevar a cooperação nas áreas de economia, comércio, cultura e saúde entre o Interior da China, Macau e os Países de Língua Portuguesa, para um novo patamar”.

Atraso, que efeitos?

Questionada sobre o facto de este atraso poder ter condicionado, nos últimos anos, a actuação do Fórum Macau, Cátia Miriam Costa defende que houve “uma diminuição de algum entusiasmo por parte dos países de língua portuguesa que já estavam a retomar, em pleno, a sua actividade política internacional, e não havia uma previsão para este encontro”.

“Esta situação pode explicar parcialmente a actividade de contacto directo com os vários estados-membros por parte do novo Secretário-Geral, de forma a reactivar uma certa proximidade a esta organização internacional que estava a perder dinâmica ao nível do contacto político. Relativamente à China, estou segura de que se manteve a trabalhar no tema e a avaliar as propostas que considerou mais adequadas para apresentar nesta Conferência Ministerial”, adiantou Cátia Miriam Costa.

Pedro Paulo dos Santos acredita que as autoridades de Macau e da China têm continuado a trabalhar nos bastidores para manter o funcionamento do Fórum Macau de forma regular, bem como os serviços do foro comercial e económico que tem prestado.

“O atraso no anúncio das datas deve-se apenas à situação da pandemia. A China tem, neste momento, em mãos uma crise de infecções que é, sem dúvida, a sua prioridade nesta conjuntura”, apontou.

O investigador recorda que “havia grandes planos e mudanças em vista no Fórum para 2021 que infelizmente não se realizaram devido à pandemia”. No entanto, “todos os envolvidos mantiveram as suas funções e responsabilidades”, além de que, após a realização desta reunião e de “alguma normalidade pós-pandemia, iremos assistir a um Fórum mais activo e dinâmico”.

Cenário internacional

Desde 2019 que o mundo e a diplomacia têm sofrido várias crises de grande dimensão, primeiro com a pandemia e agora com o conflito na Ucrânia. Questionados sobre se a situação na Europa pode, de certa forma, ter impacto na realização deste encontro, ambos os analistas acreditam que os efeitos serão reduzidos.

“A pandemia, em particular, tem tido um grande impacto em todas as organizações internacionais, e o Fórum Macau não é excepção. Quando temos representantes de várias nações que não podem viajar para conferências, reuniões ou eventos, obviamente que interfere com o dia a dia e com os objectivos traçados. O facto de a última conferência ter sido em 2016 obviamente que tem condicionado os trabalhos do Fórum.”

Tal facto deverá também “condicionar o plano de acção que será emitido nesta reunião extraordinária”, frisou.
Relativamente a outros conflitos internacionais, tal como na Ucrânia, Pedro Paulo dos Santos não acredita “que tenham um grande impacto nesta reunião ou no Fórum Macau em si”.

Cátia Miriam Costa alerta para o facto de a conjuntura internacional “ser sempre muito relevante”. “O caso da existência de uma guerra na Europa e de uma competição comercial e até económica mais incisiva entre os EUA e a China não vão estar ausentes da conferência. Contudo, não me parece que o cenário de guerra seja determinante na negociação das áreas de cooperação a aprofundar. É preciso lembrar que apenas um país está mais envolvido nessa guerra, se bem que não seja de forma directa, que é Portugal”, concluiu.

A 10 de Janeiro deste ano tomou posse o novo secretário-geral do secretariado permanente do Fórum Macau, Ji Xiazheng, anteriormente subdirector-geral do departamento de assuntos europeus do Ministério do Comércio da China, tendo sido responsável pelos assuntos económicos e comerciais entre a China e os Países europeus.

Nos últimos meses, o diplomata tem tido diversos encontros com entidades públicas de Macau e os seus dirigentes, incluindo com Paulo Cunha Alves, cônsul-geral de Portugal em Macau e Hong Kong. Na reunião de Fevereiro, Ji Xianzheng mostrou disponibilidade para “continuar a reforçar o contacto e a cooperação com o consulado-geral, de modo a conjugar esforços no apoio à construção de Macau enquanto Plataforma de Serviços para a Cooperação Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa”, aponta uma nota então publicada.

Alguns dos objectivos traçados para o último triénio, passam por uma maior “conexão das indústrias e a cooperação da capacidade produtiva” entre a China e os países de língua portuguesa através do Fórum Macau.

Segundo o último plano de acção aprovado, o Fórum Macau trabalhou no sentido de “estimular as empresas a construírem ou renovarem as zonas de cooperação económica e comercial nos referidos países, para além de promover a industrialização dos países de língua portuguesa da Ásia e África”.

Para atingir este objectivo, o Fórum Macau propôs-se conceder empréstimos concessionais acima dos dois mil milhões de renminbis para os países de língua portuguesa a fim de “promover a conexão industrial e cooperação na capacidade produtiva”.

Ainda em matéria de cooperação para o desenvolvimento, a China prometeu isentar os países de língua portuguesa presentes no Fórum das dívidas já vencidas provenientes de empréstimos sem juros no valor de 500 milhões de renminbis.

7 Abr 2022

Literatura | A escrita de José Saramago vista pelos tradutores orientais 

A 16 de Novembro deste ano celebram-se os 100 anos do nascimento de José Saramago, o único Prémio Nobel da Literatura português. A Universidade de Macau assinala hoje a data com um webinar que junta os testemunhos de Maho Kinoshita e Wang Yuan, tradutores das palavras de Saramago para japonês e mandarim. Ao HM, recordam o momento em que se cruzaram com a escrita de Saramago e os desafios de traduzir a sua obra

 

A primeira vez que Maho Kinoshita leu “Ensaio sobre a Cegueira”, livro de José Saramago publicado em 1996, ficou “impressionada e encantada”. Maho é a tradutora para japonês do único Prémio Nobel da Literatura português, nomeadamente do seu livro “A Viagem do Elefante”.

Quando os seus olhos se debruçaram sobre o livro “Ensaio sobre a Cegueira”, que já deu origem a um filme, Maho sentiu “uma forte vontade de o traduzir”, confessou ao HM. “Nessa altura nenhum livro dele tinha sido traduzido para japonês. Ainda era jovem, nunca tinha feito nenhuma tradução, não tinha essa capacidade. Mas fiquei feliz quando vi publicada a versão japonesa em 2001”, contou ao HM.

Maho Kinoshita é uma das oradoras do evento online que acontece hoje e que se intitula “Homenagem a José Saramago por ocasião do centenário do seu nascimento”. A palestra, que conta também com a participação de Wang Yuan, tradutor de Saramago para mandarim, é promovida pela Universidade de Macau, contando com os docentes Zhang Jianbo e Mário Pinharanda Nunes.

Com “A Viagem do Elefante”, livro escrito quando Saramago já estava com estado de saúde frágil, Maho diz ter sentido muitas dificuldades na pele. “Uma vez que a língua japonesa tem uma gramática totalmente diferente da portuguesa, tive de recompor praticamente todas as frases longas. Tive também muita dificuldade em traduzir as inúmeras insinuações sobre a Bíblia ou a história e cultura da Europa, às quais os leitores japoneses não são familiares. Fiz várias notas de tradução para dar uma melhor explicação”, apontou.

Além disso, obras como “O Evangelho segundo Jesus Cristo” e “Caim”, onde o cristianismo é peça central, são mais difíceis de compreender por parte dos japoneses, confessou a tradutora.

Obras “universais”

Maho Kinoshita garante que, até há dois anos, José Saramago não era verdadeiramente conhecido e amado no Japão. Mas o livro “Ensaio sobre a Cegueira”, esgotado durante anos, foi reeditado nesse ano, o que coincidiu com a pandemia, um período em que muitos ficaram em casa. E aí a versão japonesa tornou-se num best-seller.

“Finalmente os leitores japoneses descobriram Saramago. O facto de terem sido traduzidos dois livros dele para japonês em 2021, ‘As Intermitências da Morte’ e ‘A Viagem do Elefante’, mostra o crescente interesse dos japoneses.”

Para falar da obra do Prémio Nobel e do que ela significa para si, Maho vai buscar uma frase de Ursula Le Guin, uma escritora americana que um dia escreveu que Saramago estava “além de nós”, e que o seu trabalho “pertence ao futuro”. “Eu diria o mesmo. Os livros nunca vão estar fora do tempo, são muito universais”, frisou a tradutora.

Além de Saramago, Maho já traduziu outras obras de escritores portugueses e brasileiros, como é o caso de “A Espiã”, de Paulo Coelho, ou “Galveias”, de José Luís Peixoto. Sobre este último livro, foi a própria Maho que sugeriu a sua tradução à editora.

Esta foi uma obra “querida” para si, por ser a primeira sugestão sua aceite. “José Luís Peixoto usa expressões muito lindas, mas ao mesmo tempo muito peculiares. Tive muitas dificuldades na tradução. Fiquei muito feliz quando o livro recebeu o prémio de melhor tradução no Japão em 2019”, acrescentou.

A mestria e o fantástico

Wang Yuan também teve o primeiro contacto com José Saramago através do livro “Ensaio sobre a Cegueira” em 2007, quando ainda era aluno do primeiro ano na Universidade de Pequim. O ainda caloiro também leu “Memorial do Convento”.

“Não esperava encontrar o estilo de narrativa corrida de Saramago, mas o que mais me impressionou foi a mestria dele, de como entrelaça o real com o fantástico. Os elementos maravilhosos e sobrenaturais nos seus romances pareciam tão naturais que me davam reacções emotivas. É essa a sua capacidade mágica de captar os leitores que mais me faz falta”, adiantou ao HM.

Wang Yuan é o autor das traduções para chinês de “Todos os Nomes” e “A Viagem do Elefante”. “O tema da viagem é algo que me encanta sempre, e senti uma grande alegria por poder traduzir este livro”, apontou.

Como se traduz um autor cuja leitura é complexa em português para mandarim? “O maior desafio é manter o estilo singular da escrita de Saramago sem tornar a leitura intolerável para os leitores chineses, que não conhecem bem o seu estilo nem o pano de fundo histórico e social [da história].”

“Como os livros de Saramago se baseiam muitas vezes da situação histórica, geográfica e cultural de Portugal, é essencial fazer muitas notas de rodapé. Acredito que, quando se lê uma boa tradução, não se deve sentir como se fosse escrita na língua-mãe do leitor. Isto porque uma certa dose de estranheza com a língua e o imaginário é o que distingue uma tradução. No entanto, atingir esse efeito requer muito esforço”, frisou Wang Yuan.

O tradutor acredita que os leitores chineses “se identificam mais com as obras tardias do autor, que correspondem “à sua fase de [apresentar] preocupações mais universais”.

Numa altura em que se celebra o centenário sobre a morte de Saramago, Wang Yuan diz admirar o facto de o Prémio Nobel da Literatura português “nunca se ter deixado de preocupar com a humanidade”.

“Ele manteve-se fiel ao que acreditava, tanto na vida como na escrita. Numa entrevista dada à ‘The Paris Review’, Saramago disse que o mais precisávamos era de dizer ‘Não’. Esta atitude inconformista garante a actualidade das suas obras”, concluiu.

Teatro, imagens e letras

A fim de celebrar os 100 anos do nascimento de José Saramago, a fundação com o seu nome promove nos próximos meses um extenso programa que mistura letras, teatro e outros eventos culturais que acontecem em várias cidades de Portugal, mas não só. Destaque, por exemplo, para a exposição “Escritores da Jangada de Pedra”, que decorre em Lanzarote, Espanha, e que termina no próximo dia 11.

Esta é uma exposição de fotografia de Daniel Mordiznski, com imagens de José Saramago e outros autores e autoras ibéricos. Também no próximo dia 11 decorre o evento “Conferências do Nobel”, na Câmara Municipal de Lisboa, com a presença do escritor Alberto Manguel, também director do Centro de Estudos de História da Leitura.

Este será um ciclo de conferências que visam “debater temas de grande relevância sintonizados com a obra de Saramago”.  Nos palcos, destaque para a estreia, a 10 de Junho, da peça “Ensaio sobre a Cegueira”, com encenação de Nuno Cardoso, no Teatro Nacional de São João, no Porto.

A adaptação do romance com o mesmo nome de José Saramago é uma co-produção com a companhia Teatre Nacional de Catalunya, ficando em cartaz até ao dia 19 de Junho. As actividades de celebração do centenário do nascimento de Saramago decorrem até Novembro deste ano.

7 Abr 2022

Cimeira China-UE | Xi Jinping apela ao compromisso para travar a crise provocada pela guerra 

A 23.ª cimeira entre a China e líderes da União Europeia decorreu na sexta-feira e teve a guerra na Ucrânia como tema central. Xi Jinping apelou à sólida união com a União Europeia para “prevenir o alastramento da crise”. Charles Michel, presidente do Conselho Europeu, alertou que uma ajuda à Rússia por parte da China poderá prolongar o conflito

 

Líderes da União Europeia (UE) e a China reuniram na sexta-feira numa cimeira que teve como tema principal o conflito que decorre na Ucrânia. Segundo a agência estatal chinesa Xinhua, Xi Jinping, Presidente chinês, disse que as origens da situação na Ucrânia prendem-se com as tensões em matéria de segurança regional que têm aumentado ao longo dos anos.

O Presidente chinês frisou que a China e a UE necessitam de se comprometer para manter “a situação sob controlo”, a fim de “prevenir o alastramento da crise”. Acima de tudo, o governante defendeu ser fundamental “manter o sistema, as regras e a estabilidade da economia mundial, com o objectivo de fomentar a confiança do público”.

Para Xi Jinping, a China e a UE devem actuar como “duas grandes forças” a fim de manter a ordem global e lidar com as “incertezas” vividas na diplomacia mundial, com base na estabilidade das relações entre o país e a UE.

Li Keqiang, primeiro-ministro chinês, declarou que “dentro das actuais circunstâncias, o diálogo e a cooperação mantêm-se as bases dominantes da relação entre a China e a UE, e os benefícios mútuos são a peça chave da cooperação”. Para o governante chinês, os dois lados devem apostar no fomento dos actuais mecanismos na resposta à covid-19, as alterações climáticas ou economia digital, além de buscarem novas áreas de cooperação.

Sobre a situação na Ucrânia, o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, alertou que quaisquer tentativas para contornar as sanções da UE ou ajudar a Rússia só irão manter o conflito aceso.

Charles Michel salientou que “quaisquer tentativas para contornar as sanções ou fornecer ajuda à Rússia irão prolongar a guerra”, num recado a Pequim. Para o representante europeu, uma ajuda a Moscovo “irá levar a mais perdas de vidas e a um impacto económico ainda maior, o que não beneficia ninguém a longo prazo”.

A UE irá estar “alerta a qualquer tentativa de ajuda à Rússia, financeira ou militarmente”, sublinhou também. “Pedimos à China para ajudar a acabar com a guerra na Ucrânia, a China não pode fazer de conta que não vê a Rússia a violar a lei internacional”, acrescentou, salientando que quaisquer passos positivos que Pequim dê no sentido de ajudar para o fim do conflito “serão bem-vindos por todos os europeus e pela comunidade global”.

“Momento decisivo”

A par de Charles Michel, o bloco comunitário também esteve representado pela presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, e pelo chefe da diplomacia europeia, Josep Borrell. A presidente da Comissão Europeia avisou a China para “não interferir” nas sanções da UE à Rússia nem apoiar militarmente o regime russo na guerra na Ucrânia, numa cimeira que ocorreu num “momento decisivo”.

“A cimeira não foi certamente como habitual [pois] realizou-se numa atmosfera muito sóbria e num contexto da guerra russa na Ucrânia e foi bom termos tido hoje (sexta-feira) um diálogo muito aberto e muito franco com o Presidente Xi e o primeiro-ministro Li” da China, afirmou Ursula von der Leyen.

A líder do Executivo comunitário acrescentou que “ficou claro que este não é apenas um momento decisivo para o continente [europeu], mas é também um momento decisivo para a relação [da UE] com o resto do mundo”, assim como “para a ordem global baseada em regras” pois “nada ficará como era antes da guerra”.

Numa altura em que a UE e os parceiros internacionais, num total de mais de 40 países, adoptaram sanções pesadas contra o regime russo, a responsável avisou: “Deixámos muito claro que a China deveria, senão apoiar, pelo menos não interferir com as nossas sanções”. “Discutimos isso e também o facto de que nenhum cidadão europeu compreenderia qualquer apoio à capacidade da Rússia para fazer a guerra e, além disso, isso levaria a um grande prejuízo para a reputação da China aqui na Europa”, alertou.

Para Ursula von der Leyen, “a China, como membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas, tem uma responsabilidade muito especial” em acabar com as hostilidades, dada a proximidade à Rússia.

“E foi isto que discutimos de uma forma muito franca e aberta. Nós, UE, estamos determinados a apoiar a ordem multilateral juntamente com os nossos parceiros internacionais”, vincou.

Insistindo nos “riscos de reputação” se Pequim apoiar o regime russo, Ursula von der Leyen lembrou os laços económicos entre o bloco comunitário e o chinês, já que “todos os dias a China e a UE transacionam quase dois mil milhões de euros de bens e serviços”.

“E o comércio entre a China e a Rússia é de apenas 330 milhões de euros por dia, portanto um prolongamento da guerra e as perturbações que esta traz à economia mundial não é do interesse de ninguém”, exemplificou.

A ideia da UE era usar este alto encontro diplomático para cooperação entre Ocidente e Oriente com vista ao fim da guerra na Ucrânia, exortando ainda a China a não apoiar a Rússia para ultrapassar as sanções financeiras aplicadas pela UE contra o regime russo, como o congelamento de bens.

EUA culpados

No mesmo dia da cimeira, a diplomacia chinesa acusou Washington de instigar a guerra na Ucrânia e disse que a NATO devia ter sido dissolvida após o colapso da União Soviética.

“Como culpados e principais instigadores da crise na Ucrânia, os Estados Unidos conduziram à expansão da NATO a leste, em cinco etapas, nas últimas duas décadas”, disse o porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês, Zhao Lijian.

“O número de membros da NATO aumentou de 16 para 30, e [a Aliança] expandiu-se para leste, abrangendo mais 1.000 quilómetros, para locais perto da fronteira russa, encurralando a Rússia contra um muro, passo a passo”, acrescentou.

Embora a China diga que tem uma posição neutra no conflito em curso na Ucrânia, Pequim declarou uma parceria “sem limites” com Moscovo.

Pequim tem mantido uma posição ambígua em relação à invasão russa da Ucrânia, já que se recusou a condená-la, mas já tentou distanciar-se da guerra iniciada pelo Presidente russo, Vladimir Putin, apelando ao diálogo e ao respeito pela soberania dos outros países.

Esta não foi, assim, uma cimeira dominada pelos laços económicos, como de costume, mas antes pela guerra na Ucrânia, em altura de aceso confronto armado devido à invasão russa do país no final de Fevereiro.

A UE exportou para a China bens num total de 223 mil milhões de euros e importou 472 mil milhões de euros mercadorias em 2021. Os dois blocos foram ainda os maiores parceiros no comércio de mercadorias do mundo, num total de 1,9 mil milhões de euros movimentados por dia.

4 Abr 2022

Estudo | Salário e satisfação laboral determinantes na vontade de ficar ou mudar de emprego 

O nível salarial e a satisfação em relação ao emprego são os factores mais importantes na vontade de sair ou permanecer numa empresa, enquanto que a relação entre colegas não tem qualquer impacto. Um estudo desenvolvido por três académicos da Universidade de Macau, feito a partir de inquéritos a trabalhadores dos sectores do retalho e hotelaria no Cotai em pleno ano pandémico, conclui ser necessária uma estratégia para a retenção de trabalhadores qualificados

 

Quais os factores que mais contribuíram para a vontade de mudar de emprego em pleno ano da pandemia por parte dos funcionários dos sectores do retalho e hotelaria em Macau? Esta foi a pergunta de partida para o estudo “O impacto da covid-19 nas intenções de rotatividade dos trabalhadores dos sectores do retalho e hotelaria”, da autoria dos académicos Glenn McCartney, Charlene Lai Chi In e José Soares de Albergaria Ferreira Pinto, da Universidade de Macau (UM).

Com base em inquéritos online feitos a 301 trabalhadores dos resorts do Cotai conclui-se que “a carga de trabalho e o salário tiveram a maior influência na decisão de deixar ou ficar no sector”. Existe, por isso, “uma relação significativa entre a satisfação no trabalho e as variáveis carga de trabalho e salário, bem como o apoio por parte da empresa”.

Já a relação entre colegas de trabalho, é um factor “que não tem influência” para a mudança ou permanência no trabalho. “É claro no nosso estudo de que a relação entre colegas não tem influência na satisfação laboral, [algo] revelado pela longa ausência do local de trabalho” em plena covid-19, é apontado.

“Os inquiridos passaram um período prolongado de confinamento, tendo regressado recentemente ao trabalho dentro de um conjunto de regras de prevenção pandémica como o uso de máscara, a testagem à covid-19 e a apresentação do código de saúde”, aponta o estudo.

Aquele que é, segundo os autores, um dos primeiros trabalhos académicos sobre a rotatividade dos trabalhadores nas áreas do retalho e hotelaria no período da pandemia foi feito entre os meses de Novembro e Dezembro de 2020, numa altura em que o sector do turismo se abria gradualmente aos turistas da China após longos meses de confinamento e de um período de encerramento dos casinos.

Em relação ao perfil dos participantes, cerca de 80 por cento trabalha na indústria do retalho há, pelo menos, três anos, sendo que “a maior parte” está nesta área “há sete anos ou mais”. Cerca de metade, mantém o mesmo emprego há quatro anos ou mais. De entre 301 inquiridos, 60 por cento é do sexo feminino. A maior parte dos participantes, 73 por cento, tem entre 26 e 35 anos de idade. Em relação às habilitações académicas, 58 por cento possui apenas o ensino secundário. Os salários variam, apesar de a maioria ganhar menos de, aproximadamente, 30 mil patacas mensais.

Este trabalho partiu da premissa de que, “durante o período massivo de licenças sem vencimento e desemprego, e a recente necessidade de novas contratações” era fundamental estudar a vontade dos trabalhadores em mudar de emprego ou de área. Desta forma, os investigadores formularam três hipóteses que sugeriam “o apoio da empresa, a carga de trabalho e salário e a relação entre colegas como tendo uma relação positiva com a satisfação em relação ao trabalho”.

A importância de reter

Mais do que compreender as intenções e percepções de uma amostra dos trabalhadores do Cotai em plena pandemia, este trabalho apresenta estratégias para que os sectores do retalho e hotelaria consigam reter os quadros qualificados e gerir melhor os recursos humanos num contexto de crise.

“Com muitos dos empregados do sector do retalho em Macau a regressarem ao trabalho, este é um tempo oportuno para as chefias considerarem os fortes indicadores de que uma estratégia de recursos humanos se deve desenhar tendo em conta a satisfação laboral e as intenções de rotatividade.”

Além disso, “os funcionários das lojas de retalho na strip do COTAI representam muitas marcas de luxo, sendo vital que estes profissionais talentosos e qualificados possam ficar retidos”.

De entre as recomendações, é defendida a “importância da comunicação estratégica para as políticas de retenção de trabalhadores”, bem como a adopção de “acções de longo prazo em matéria de relação entre colegas, apoio da empresa e carga de trabalho e salário, a fim de construir uma maior resiliência da força laboral caso ocorra outra crise”.

“Uma vez que, no nosso estudo, a satisfação laboral tem um impacto negativo nas intenções de rotatividade, deveria ser realizado um estudo abrangente em matéria de recursos humanos na área do retalho, na fase de recuperação do sector, face a questões não analisadas que podem providenciar uma grande satisfação laboral.

Estas influências podem ser factores externos como um equilíbrio entre a vida pessoal e o trabalho, uma relação afectada pela relação entre colegas, carga de trabalho e salário e apoio da empresa”, é referido.

Os autores falam também na importância de uma “estratégia de recursos humanos na área do retalho em termos de remuneração e carga de trabalho, tendo em conta factores como a organização dos turnos e as horas de trabalho, bem como os benefícios pagos aos trabalhadores e os incentivos aquando da recuperação da indústria”.

Uma vez que a relação entre colegas de trabalho não é um factor determinante na busca de um novo emprego, aconselha-se o sector a “dar prioridade a programas de re-engajamento das interacções entre colegas de trabalho, a fim de implementar confiança e respeito”.

Os desafios

Apesar das sugestões, os autores reconhecem que “o aumento dos salários será algo desafiante tendo em conta o panorama económico e a quebra registada com a pandemia”.

No período em que foram realizados os inquéritos, muitos trabalhadores ter-se-ão deparado com uma situação de desemprego, lay-off ou licença sem vencimento, além de ter sido anulada a possibilidade de serem pagos os habituais bónus salariais. Meses depois, “é plausível que, nesta fase da pandemia, muitos trabalhadores estejam a enfrentar dificuldades em pagar as despesas do dia-a-dia devido à redução dos salários”, refere o artigo.

O desafio actual passa por “reter e aumentar o número de funcionários numa situação de contínua incerteza”, tendo em conta o panorama de crise económica. Os autores do estudo não deixam de fazer referência à saúde mental.

“Muitos dos trabalhadores do sector do retalho passaram longos períodos de tempo isolados durante o período da pandemia. Apesar de não ser um factor investigado neste estudo, o bem-estar psicológico dos trabalhadores deveria ser considerado, mesmo que alguns estudos mostrem que este não constitui um antecedente para as intenções de rotatividade [no emprego].”

Em termos gerais, “mantém-se o risco e a incerteza da covid-19, e existe a necessidade de análise de mais necessidades dos trabalhadores do sector da hotelaria e das suas intenções de deixar ou permanecer na empresa”.

O documento esclarece ainda a necessidade de apostar na resposta dos empregados perante um maior número de incentivos atribuídos. “Os salários e incentivos, um facto importante na satisfação laboral, deveriam estar associados com uma resposta dos empregados, tal como o nível de vendas [por si realizadas]. A procura pelo trabalho ideal, a formação de trabalhadores, a promoção e perspectivas de carreira deveriam constituir a estratégia para a retenção de recursos humanos.”

Apesar de este ser o primeiro estudo sobre as intenções de rotatividade dos trabalhadores em plena pandemia, a verdade é que esta matéria já tinha sido abordada. Os autores descrevem um estudo “feito nos casinos que conclui que a carga de trabalho é um factor para o burnout dos croupiers e, consequentemente, uma mudança de emprego”, tendo sido recomendada “uma alteração do horário de trabalho e uma clara comunicação por parte das chefias”.

Relativamente a Hong Kong, outro estudo, realizado junto de empregados de hotel, conclui “que o pagamento foi o factor que mais contribuiu para a satisfação no trabalho”. “O estudo aponta que esta questão foi difícil de resolver tendo em conta o panorama económico, o congelamento de salários e os cortes salariais na indústria”, conclui-se.

1 Abr 2022

DSSOPT | Maquetas de AL e Tribunais Superiores perdidas sem restituição ao autor

As maquetas dos edifícios da Assembleia Legislativa e dos Tribunais Superiores, declaradas à guarda das Obras Públicas desde 2001, desapareceram do armazém de depósito na Areia Preta. O caso, que se estende há mais de duas décadas, motivou uma denúncia ao Comissariado contra a Corrupção contra Li Canfeng e Chan Pou Ha

 

Em 2001, depois de construídos os edifícios da Assembleia Legislativa e dos Tribunais Superiores, o arquitecto responsável pelos projectos pediu à Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT), à altura liderada por Jaime Roberto Carion, a devolução das maquetas dos edifícios. Um pedido legitimado pela lei de direito de autor que estabelece que “logo que se mostrem desnecessários, devem ser restituídos ao autor os objectos que serviram de modelo e qualquer outro elemento que tenha servido de base à reprodução”.

Porém, Jaime Carion respondeu negativamente à pretensão do arquitecto Mário Duarte Duque argumentando que “por interesse da Administração as maquetas permanecerão à guarda da entidade Adjudicante”, ou seja, a DSSOPT.

As maquetas em questão estiveram inclusive expostas no Pavilhão de Macau na Expo 98 em Lisboa, mas voltaram ao território no fim do evento.

Volvidos vários anos, em 2017, sem verificar que as maquetas eram usadas para uma finalidade concreta ou útil como, por exemplo, integradas num acervo documental organizado, o arquitecto voltou a solicitar a devolução ao novo director das Obras Públicas Li Canfeng, que actualmente está detido por suspeitas dos crimes de abuso de poder, corrupção passiva, branqueamento de capitais e falsificação de documentos.

A resposta foi dada pelo chefe do departamento de edificações públicas. “Do nosso arquivo, não se encontra as referidas maquetas dos dois projectos.”

Importa referir que a execução custou, à altura, 35 mil patacas, por cada maqueta. Ao preço de hoje, ambas têm um valor estimado que se aproxima das 300 mil patacas. Ainda assim, o autor não pede para ser ressarcido, mas antes que os serviços repliquem as maquetas e as restituam “devido ao inegável valor que possuem”.

“A DSSOPT não está autorizada a delas se descartar, muito menos quando as declara à sua guarda. Antes as deve conservar, e não as guardar a monte, como efectivamente faz, mesmo depois de avisada de que deve guardar todo o seu arquivo com carácter de permanência, tendo em vista a gestão administrativa, a salvaguarda de situações jurídicas, bem como contribuir para o progresso dos conhecimentos científicos, históricos e culturais”, afirmou Mário Duarte Duque ao HM.

Kafka e os processos

Após nova recusa a um pedido para busca ao armazém da Areia Preta, inclusive com o arquitecto a disponibilizar-se para ajudar no processo, o passo seguinte foi levar o caso para a justiça. Assim sendo, em Julho de 2017, Mário Duarte Duque apresentou queixa ao Ministério Público (MP) pelos crimes de “furto qualificado, crime de abuso de confiança e crime de destruição de objectos colocados sob o poder público”.

O MP reconheceu que, de facto, as maquetas se perderam enquanto se encontravam sob a guarda da DSSOPT. “No entanto, tendo em conta que os factos ocorreram há muito tempo e que a Direcção apenas iniciou o registo dos objectos depositados nos armazéns, a partir do ano 2015, não é possível apurar quando é que desapareceram as referidas duas miniaturas e a sua causa, bem como se existem ou não elementos criminais nos factos.” Estes foram os fundamentos invocados pelo MP para justificar o despacho de arquivamento.

O caso levou ainda à denúncia ao Comissariado contra a Corrupção (CCAC) contra dois ex-dirigentes da DSSOPT, Li Canfeng e Chan Pou Ha, por “negligência no exercício das funções, que os responsáveis dos serviços do Governo deveriam assumir”, assim como a dois quadros do departamento jurídico por “reporte falso do que efectivamente se encontra plasmado na doutrina jurídica, que serviu de suporte às decisões daqueles dirigentes.

Nesta queixa, Mário Duarte Duque pretende que seja “averiguada a responsabilidade pelo extravio de elementos de arquivo que se encontravam à guarda da DSSOPT, bem como o zelo e interesse por parte dos funcionários no que se prende com o acervo documental que a DSSOPT reúne”. Zelo que descende do exemplo que vem de cima, infere o arquitecto. “Efectivamente, a DSSOPT não tem tido dirigentes capazes de assegurar e reforçar a cultura administrativa que importa à especialidade funcional daquele órgão”, afirmou ao HM Mário Duarte Duque.

A doutrina diverge

A denúncia ao CCAC inclui um volte-face argumentativo da Administração, através do departamento jurídico da DSSOPT, que, face à embrulhada, argumentou que as maquetas eram propriedade da RAEM e que, como tal, os serviços teriam todo o direito a desfazerem-se delas. Argumento que o queixoso considera violar o regime legal dos direitos autorais.

Além disso, Mário Duarte Duque imputa má-fé à DSSOPT por entender que o departamento jurídico se suportou em “reporte falseado” de doutrina “que se encontra disseminada em acórdãos judiciais da República Portuguesa”. O argumento é que as maquetas não estão abrangidas pelos direitos de autor por serem meros objectos de suporte da “coisa incorpórea”, que no fundo constitui o projecto.

“É fundamental a distinção, que neste artigo se estabelece, entre a obra em si e o respectivo suporte ou corpus mechanicum. A propriedade deste não confere quaisquer direitos sobre aquela, nem a autoria da obra os confere
sobre as coisas materiais – maquetas – que lhe servem de suporte e veículo de comunicação”, justificou o departamento jurídico da DSSOPT, citando o livro “Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos”, do jurista Luiz Francisco Rebello.

Porém, o arquitecto consultou o mesmo livro e verificou que onde a DSSOPT escreveu “maquetas”, Luiz Francisco Rebello escrevera “o livro, o disco, o filme”. Acto que Mário Duque Duarte considera não apenas de imperícia, como entende consubstanciar um comportamento de manifesta má-fé. “Nessa cultura administrativa, se o recurso à disciplina jurídica em actos administrativos serve menos para mitigar actos de governação e mais para resguardo dos agentes, as questões hão-de sempre laborar em territórios de fácil ignição”, comentou.

A respeito do valor ou do interesse documental da maquetas em causa que determinasse a sua reconstrução nenhuma consideração foi emanada pela DSSOPT.

31 Mar 2022

Óscares | Festa do cinema ofuscada por agressão de Will Smith a Chris Rock

A noite da 94.ª edição dos prémios da Academia de Hollywood acabou por ficar marcada por um episódio que foi muito além dos óscares para Jessica Chastain, Jane Campion, Billie Eilish, para os filmes “Coda” e “Dune” e mesmo a primeira estatueta arrebatada por Will Smith. Após uma piada de Chris Rock, Will Smith dirigiu-se ao palco e esbofeteou o comediante, para choque e surpresa de todos

 

Com agências 

“Estou desejoso para te ver no G.I. Jane 2.” Esta foi a piada que primeiro arrancou uma gargalhada a Will Smith e segundos mais tarde o catapultou para o palco do Dolby Theater, em Los Angeles, para agredir o comediante Chris Rock durante a apresentação da 94.ª edição dos prémios da Academia de Hollywood. Chris Rock estava em palco a apresentar o prémio para melhor documentário, e muito ao seu estilo de comediante de stand-up, fez uma piada (aprovada pela produção do espectáculo) com Jada Pinkett Smith, esposa de Will Smith, que sofre de alopecia (doença cujo sintoma é a perda de cabelo). A referência na piada é a um filme protagonizado por Demi Moore, em que interpreta uma recruta militar que rapa o cabelo.

Depois da estalada, Chris Rock reagiu em choque afirmando “Will Smith acabou de me esmurrar”, com o actor de “King Richard” a responder já da plateia “Mantém o nome da minha mulher fora da tua boca”, com algumas blasfémias à mistura. Will Smith, visivelmente agitado, voltou a gritar a mesma frase. Ao que Chris Rock respondeu que assim iria fazer, terminando ainda em choque com a frase: “E assim se passa… a maior noite de todas na história da televisão”.

A emissão televisiva, que corria com ‘delay’, teve um corte de alguns minutos, durante grande parte dos acontecimentos, a que se seguiu um intervalo publicitário, mas pôde ser vista em algumas plataformas e depressa as imagens em causa chegaram às redes sociais.

Nestes vídeos, também é possível ver Denzel Washington e Tyler Perry a tentarem acalmar Will Smith. A apresentadora Amy Schumer retomou a emissão, brincando com o tempo que tinha demorado a mudar de vestido: “Escapou-me alguma coisa?”, perguntou.

As semi-desculpas

Mais tarde, Will Smith acabaria por ganhar a sua primeira estatueta de Melhor Actor, pelo papel em “King Richard”, onde desempenha o papel de pai das tenistas Venus e Serena Willliams. No discurso pediu desculpas à Academia de Hollywood e aos colegas nomeados, mas não a Chris Rock.

No longo e emotivo discurso, Smith tentou reabilitar a sua reputação, fazendo paralelismos com o papel que desempenha no filme.

“A vida imita a arte e eu tornei-me um pai louco, como o meu personagem. Espero que a Academia volte a convidar-me”, acrescentou Will Smith. “Richard Williams foi um corajoso defensor da sua família”, disse, numa referência ao pai das irmãs Williams, papel que desempenha e lhe deu o Óscar. “Neste momento da minha vida, estou dominado pelo que Deus me destina a fazer no mundo”. “Por vezes, é preciso aturar insultos, e é preciso continuar a sorrir e a dizer que está tudo bem”, acrescentou o actor.

Depois do seu colega nomeado Denzel Washington ter dito “Amo-te” da multidão, Smith revelou que o actor lhe disse durante o intervalo comercial: “No teu momento mais alto, tem cuidado, é quando o diabo vem para ti”. Repórteres dentro da sala retransmitiram que o publicista de Smith e produtor dos Óscares Will Packer também visitou a mesa de Smith durante os intervalos.

Alguns minutos mais tarde, P Diddy tentou desarmar a situação, dizendo: “Will e Chris, vamos resolver isto como uma família na Festa do Ouro”, um dos múltiplos acontecimentos sociais depois da cerimónia.
Importa referir que este tipo de piadas sobre estrelas de cinema são o prato principal das apresentações, quando a produção do programa se socorre de actuações para preencher o tempo entre a entrega das estatuetas.

Aliás, durante a mesma emissão, outras piadas foram dirigidas ao casal Smith, uma das mais picantes foi dita pela actriz Regina Hall que insinuou que queria “dormir” com Will Smith, abordando a relação aberta do casal, revelação que o próprio actor fez numa entrevista. “És casado, mas sabes que mais? Estás na minha lista, e parece que a Jada te aprovou, por isso vamos lá”! disse Hall a Smith.

Reacções a quente

O departamento de polícia de Los Angeles emitiu um comunicado após a transmissão da cerimónia aludindo ao incidente, dizendo que “o indivíduo agredido recusou apresentar queixa”.

A Academia de Hollywood, que organiza a cerimónia, reagiu no Twitter após a agressão. “A Academia não tolera qualquer forma de violência. Esta noite temos o prazer de celebrar os nossos 94 vencedores dos Prémios da Academia, que merecem este momento de reconhecimento dos seus pares e amantes do cinema em todo o mundo”, afirmou a entidade, apesar de ter reconhecido Will Smith com o Óscar de Melhor Actor. O produtor da cerimónia, Will Packer usou a mesma rede social para afirmar: “Bem, eu bem disse que a noite não seria chata.”

Os vencedores

Além da pequena amostra de pugilato, também foram distinguidos actores, realizadores e equipas técnicas de filmes que marcaram a época cinematográfica.

Como já foi referido, Will Smith conquistou o Óscar de Melhor Actor, pelo desempenho no filme “King Richard”, numa categoria em que os nomeados eram Javier Bardem, por “Being The Ricardos”, Benedict Cumberbacth, por “O Poder do Cão”, Andrew Garfield, por “Tick, Tick… Boom!” e Denzel Washington, por “The Tragedy of Macbeth”.

Na categoria de Melhor Actriz, a vencedora da noite foi Jessica Chastain pelo papel desempenhado em “The Eyes of Tammy Faye”. As outras candidatas eram Olivia Colman, por “The Lost Daughter”, Penélope Cruz, por “Mães Paralelas”, Nicole Kidman, por “Being The Ricardos”, e Kristen Stewart, por “Spencer”.

Os Óscares de melhores actores secundários foram para Ariana DeBose, pelo desempenho em “West Side Story”, e Troy Kotsur, por “Coda”.

Um dos momentos mais aguardados das noites de Óscares é a entrega do prémio para melhor realização. A cineasta Jane Campion acabou por arrebatar a sua segunda estatueta pelo filme “O Poder do Cão”, depois de em 1994 ter conquistado o de Melhor Argumento por “O Piano”, ano em que também foi nomeada para Melhor Realização.

Campion convenceu a maior parte dos membros da Academia, numa lista composta por vultos da sétima arte como Kenneth Branagh, por “Belfast”, Ryusuke Hamaguchi, por “Drive my Car”, Paul Thomas Anderson, por “Licorice Pizza” e Steven Spielberg, por “Westside Story”. O filme realizado pela neozelandesa foi o campeão das nomeações, competindo em 12 categorias.

Banda sonora

O Óscar de Melhor Canção Original foi para Billie Eilish e Finneas O’Connell por “No Time to Die”, a canção-tema de “Sem Tempo Para Morrer”, o mais recente filme da saga 007. As canções “Be Alive” (“King Richard”), “Dos Oruguitas” (“Encanto”), “Down to Joy” (“Belfast”), “No Time to Die” (“Sem Tempo Para Morrer”) e “Somehow you do” (“Four Good Days”) eram as candidatas.

Dos prémios da Academia de Hollywood, “Dune” conquistou seis óscares, dos dez para os quais foi nomeado: Melhor Cinematografia, Melhores Efeitos Especiais, Melhor Som, Melhor Banda Sonora Original, Melhor Montagem e Melhor Direcção de Arte.

A lista de vencedores conta também, para já, com “Encanto”, de Jared Bush, Óscar de Melhor Longa-Metragem de Animação, e “The Windshield Wiper”, como Melhor Curta-metragem de Animação. O Óscar de Melhor Guarda Roupa foi entregue a Jenny Beavan, pelo filme “Cruella”, batendo o luso-canadiano Luís Sequeira, nomeado nesta categoria pelo filme “Nightmare Alley – Beco das Almas Perdidas”, do realizador mexicano Guillermo del Toro.

29 Mar 2022

Não há sobreviventes do voo da China Eastern que caiu na região de Guangxi

Uma semana depois da queda do avião da China Eastern, na região de Guangxi, foi encontrada a segunda caixa negra do Boeing 737-800 e confirmada a morte de todos os tripulantes e passageiros a bordo. Causas do acidente estão por confirmar. Familiares visitaram local dos destroços na sexta-feira

 

A segunda “caixa negra” do Boeing 737-800 que se despenhou, esta semana, na China, foi ontem recuperada, anunciou a Xinhua. “A segunda ‘caixa negra’ do voo da China Eastern MU5735 foi encontrada”, indicou a agência estatal chinesa. A primeira “caixa negra” tinha sido recuperada na quarta-feira. O avião, que se despenhou às 14h38 na segunda-feira, na região de Guangxi, fazia a ligação entre as cidades de Kunming e Cantão.

Segundo o jornal China Daily, os dados da segunda “caixa negra” estão em “relativo bom estado”, sendo que outras partes ficaram “severamente danificadas”, adiantou Zhu Tao, chefe do departamento de segurança aérea da Autoridade de Administração da Aviação Civil da China.

No sábado, a Administração da Aviação Civil da China confirmou que todas as pessoas a bordo do voo MU5735, 123 passageiros e nove tripulantes, morreram.

“Os 123 passageiros e nove membros da tripulação do voo MU5735 da companhia China Eastern morreram a bordo em 21 de Março”, noticiou a CCTV, citando o director-geral adjunto da administração da aviação civil, Hu Zhenjian.

No sábado, a Reuters falou com alguns familiares, incluindo Qin Haitao, que viajou da província vizinha de Hunan na esperança de saber mais notícias sobre a filha, Shujun, de 40 anos, que trabalhava em Guangzhou. Esta tinha viajado para Kunming para acompanhar a sua mãe numa visita a um médico especialista.

“Não conseguíamos acreditar e não nos atrevíamos a dizer alguma coisa, com o medo de que a minha mulher não conseguisse aguentar”, disse Qin sobre o momento em que soube do acidente. “Os nossos olhos estavam cheios de lágrimas, mas não nos atrevíamos a chorar. De facto, sabíamos a verdade, mas ocultamo-la dela por uma noite, um dia e mais uma noite”, acrescentou.

Na terça-feira Qin, o seu filho e dois outros viajaram para Wuzhou, tendo visitado o local em que foram encontrados os destroços, acompanhados por pessoal da China Eastern. “É muito doloroso. Não temos mais nada do que o luto agora. Vivemos em luto todos os dias.”

Além de Qin, mais familiares dos falecidos visitaram o local dos destroços na manhã de sexta-feira. Muitos queimavam incenso no local.

“Rezei e coloquei o nome da minha filha lá. Era o aniversário dela naquele dia, então disse: ‘O pai veio ver-te, minha filha. Feliz aniversário”, contou Qin.

Shujun deixou uma filha adolescente. “Não temos mais exigências a fazer agora. Só queremos encontrar o corpo da minha filha o mais cedo possível e trazê-la para casa.”

Dados em caixa

As “caixas negras”, que registam todos os dados de um voo, incluindo os diálogos na cabine de comando, contêm informações cruciais e linhas de investigação, que chegam a poder explicar cerca de 90 por cento de um acidente aéreo.

Estes gravadores, introduzidos na aviação nos anos de 1960, encontram-se no interior de caixas metálicas reforçadas, concebidas para resistir a choques extremamente violentos, fogo intenso e longa imersão em águas profundas.

Cada uma das caixas pesa entre sete e dez quilogramas e, ao contrário do que o nome indica, são de cor laranja com bandas brancas refletoras, para que sejam mais visíveis. Os dados são protegidos por uma cinta blindada, que resiste imersa a profundidades de até seis mil metros ou exposta a temperaturas elevadas, uma hora a 1.100º Celsius.

O nome de “caixa negra” ficou a dever-se à película fotográfica protegida por uma cinta negra, usada nos primeiros gravadores de voo. De acordo com as normas em vigor, um avião comercial possui duas “caixas negras”, uma FDR (gravador de dados) e uma CVR (gravador de voz da cabina de comando).

O gravador FDR regista, a cada segundo, todos os parâmetros técnicos ao longo de 25 horas de voo, como velocidade, altitude e trajectória, entre outros. O CVR guarda os diálogos trocados na cabina de comando, mas também os sons e anúncios ouvidos no local. Uma análise aprofundada permite conhecer o regime dos motores.

Em caso de imersão, as “caixas negras” têm um alarme que emite um sinal de ultrassom, todos os segundos, durante pelo menos 30 dias consecutivos, com um alcance de detecção médio de dois quilómetros.

Em declarações à TDM, no sábado, o comandante Vicente Serafim declarou que se trata de um avião construído recentemente. “Este avião é um 737-800 e há quase mil unidades a voar, com um recorde de segurança espectacular. O avião é praticamente novo, construído em 2015, e não deve ter grandes corrosões. Vamos aguardar que vamos aguardar as duas caixas negras para saber o que se passou.”

O comandante acredita que, mesmo com algumas danificações, será possível recuperar os dados registados nas caixas negras. “Pelo que se sabe, o circuito onde estão os chips de memória está ligeiramente danificado. [As caixas] vão ter de ser enviadas para o fabricante para recuperar [as informações], o que vai, de facto atrasar ligeiramente a investigação”, disse.

Mike Daniel, antigo investigador de acidentes na Administração Federal da Aviação dos EUA, e consultor na área, disse que a recuperação das partes estruturais do avião pode ajudar a perceber como é que ocorreu o acidente. “Deveria ser recolhido o maior número de peças possível para reconstruir o avião”, frisou, ainda que tal seja “praticamente impossível” dado o impacto violento do avião assim que atingiu o solo.

Identificações por fazer

O Boeing 737-800 caiu na segunda-feira, numa encosta arborizada, perto da cidade de Wuzhou, no sul da província de Guangxi, cerca de uma hora depois de o avião partir de Kunming, capital da província vizinha de Yunnan.

Ontem as autoridades da aviação civil anunciaram ter identificado 120 das 132 pessoas que seguiam a bordo e adiantaram que o trabalho de recuperação continua. Segundo o director dos Bombeiros da região, um laboratório de física e química examinou 41 das 66 amostras recolhidas no local do acidente e não localizou vestígios de explosivos.

O acidente, em que o avião desceu rapidamente de uma altitude superior a oito mil metros, é considerado muito pouco comum. O avião pareceu corrigir o seu rumo brevemente durante a descida, mas de seguida despenhou-se contra um bosque. Segundo as autoridades, foram realizadas várias tentativas de contactar a tripulação, mas não houve resposta. Cerca de três minutos após o início da descida, o sinal desapareceu.

A companhia aérea China Eastern, que operava o voo, é uma das quatro principais transportadoras chinesas, juntamente com a Air China, a China Southern Airlines e o grupo HNA. Fundada em 1995, a empresa China Eastern tem sede no Aeroporto Internacional de Pudong, em Xangai. Desde 2010 que a China, um dos três principais mercados de aviação civil do mundo, não registava qualquer acidente aéreo com mais de cinco mortes.

28 Mar 2022

Ambiente | China estabelece metas para energia movida a hidrogénio até 2035

O maior produtor de hidrogénio do mundo quer produzir, já em 2025, 200 mil toneladas de hidrogénio verde por ano. Na quarta-feira, a Comissão Nacional para o Desenvolvimento e Reforma e a Administração Nacional de Energia da China apresentou o plano para o desenvolvimento do sector energético baseado no hidrogénio até 2035

 

Um dos países que mais emite gases poluentes para a atmosfera e que há décadas se debate com problemas de poluição é também aquele que acaba de estabelecer novas metas sustentáveis até 2035. A Comissão Nacional para o Desenvolvimento e Reforma da China, bem como a Administração Nacional de Energia, apresentaram na quarta-feira um plano para o desenvolvimento do sector energético do país com maior recurso ao hidrogénio, uma fonte secundária de energia que é produzida com base numa fonte primária.

Importa frisar que a China é o maior produtor de hidrogénio do mundo, com uma produção anual de 33 milhões de toneladas, mas fá-lo ainda, na sua maioria, através de métodos baseados em combustíveis fósseis. A Reuters escreve que 80 por cento da produção é feita desta forma.

O hidrogénio pode ser produzido de várias maneiras, mas destacam-se duas. A reformação por vapor, que continua a ser mais usada, e através da qual o hidrogénio é obtido através do aquecimento de um combustível fóssil a altas temperaturas, principalmente o gás natural. O contacto com vapor de água provoca a separação das moléculas de hidrogénio, libertando também dióxido de carbono. Há ainda uma forma mais ecológica de produzir o hidrogénio, através da electrólise da água, e esta parece ser a grande aposta da China neste momento.

Dependendo da fonte utilizada, o hidrogénio pode ser cinzento, azul ou verde, sendo que o verde é o único tipo produzido de forma neutra em termos climáticos, usando uma metodologia de produção que reduz emissões.

“Em termos globais o hidrogénio tornou-se numa importante escolha estratégica para a maioria das economias desenvolvidas que procuram acelerar e melhorar a transformação do sector energético”, aponta a Xinhua.

Segundo a agência noticiosa chinesa, o plano prevê que já daqui a dois anos o país possa ter “um plano relativamente completo da indústria de produção de energia com recurso ao hidrogénio”, através da melhoria significativa “da capacidade de inovação e com uma [maior] definição das tecnologias e dos processos de manufactura”.

Em 2025, a China planeia produzir, por ano, entre 100 a 200 mil toneladas de energia com recurso ao hidrogénio, ao ponto de este se tornar “numa importante fonte de consumo energético”, reduzindo, desta forma, “as emissões de dióxido de carbono de dois milhões para um milhão de toneladas por ano”. Também neste ano se espera que cerca de 50 mil toneladas de hidrogénio verde por ano sejam usadas em veículos.

Por sua vez, em 2030, a China espera “atingir um panorama industrial razoável e o uso generalizado da produção de hidrogénio a fim de disponibilizar uma base forte para os objectivos de redução do carbono”. Cinco anos depois, pretende-se que “a proporção do uso de hidrogénio produzido com energias renováveis e o seu consumo aumente de forma significativa, desempenhando um papel importante na transformação do país em prol de um consumo de energias verdes”.

Além das metas traçadas, o plano reconhece ainda as actuais lacunas da produção de energia com recurso ao hidrogénio no país, tal como a existência de “múltiplos problemas como fracas capacidades de inovação, um baixo nível de equipamento técnico e uma base insuficiente para o desenvolvimento industrial”.

Uma aposta local

Citado pela agência Xinhua, Gan Yong, membro da Academia Chinesa de Engenharia, disse que, “obviamente, desenvolver o hidrogénio a partir da energia fóssil não é a direcção principal [do país]”, e que “o hidrogénio produzido a partir de energias renováveis irá torna-se um ponto importante no futuro”.

Já a Aliança Chinesa para o Hidrogénio [The China Hydrogen Alliance] estimou que o mercado chinês de produção de hidrogénio poderá atingir 43 milhões de toneladas em 2030. A produção de hidrogénio verde vai aumentar de 1 por cento em 2019 para 10 por cento, e o mercado irá crescer cerca de 30 vezes.

Actualmente, muitos governos locais na China estão a apostar no potencial deste mercado energético. Prova disso são as metas lançadas em Agosto do ano passado pelo departamento de economia e transformação tecnológica do Município de Pequim, que incluem o lançamento de cinco a oito empresas de energia movida a hidrogénio com influência internacional já no próximo ano.

Relativamente a Xangai estão a ser traçados planos para o estabelecimento de 100 estações de hidrogénio e 10 mil veículos movidos a hidrogénio em 2023. Quanto à província de Guangdong, as autoridades propuseram “a introdução, em larga escala, de veículos movidos a hidrogénio e a aceleração da construção de estações de abastecimento de hidrogénio. É com esse propósito que está projectada a construção de 300 estações na zona do Delta do Rio das Pérolas”.

Segundo a agência Reuters, quase todas as províncias e regiões na China incluíram o hidrogénio nos seus planos de desenvolvimento, além de que 120 projectos de produção de hidrogénio verde estão em andamento. Grandes empresas como a Sinopec, Baosteel and GCL também expandiram a produção de hidrogénio com recurso ao gás natural e energias renováveis, usando-o ainda em sectores como o transporte e na indústria siderúrgica.

Uma transição necessária

Citado pela Reuters, Wang Xiang, director-geral do departamento de alta tecnologia da NDRC, disse que “o desenvolvimento do hidrogénio é um importante passo para a transição energética e um grande apoio para o cumprimento, por parte da China, dos objectivos de redução das emissões de carbono”.

Para o responsável, mesmo que a China ainda tenha a maior parte da sua produção de hidrogénio baseada em energias fósseis, existe “um enorme potencial” de mudança de paradigma, tendo em conta que o país tem a maior capacidade em termos de energias renováveis.

“Muitos dos representantes da indústria de hidrogénio concordam que a capacidade de produção de hidrogénio verde é ainda muito conservadora”, adiantou Yuki Yu, fundador da consultora Chinese Clean Power Policy & Market Insights (Energy Iceberg). Esta aponta que, actualmente, a produção de hidrogénio verde no país não vai além das 27 toneladas por ano. Sobre o plano anunciado pelas autoridades chinesas, Yuki Yu defende que “é um sinal positivo” da mudança do mercado.

25 Mar 2022

História | A visita da Sociedade das Nações a Macau para analisar o comércio de ópio

No final da década de 20 do século XX Macau, então administrada por Tamagnini Barbosa, recebeu uma comissão da Sociedade das Nações que veio ao território fazer um inquérito ao comércio de ópio. A investigação, vista com desconfiança pelo Governador, concluiu que muitas das acusações imputadas a Macau não eram verdadeiras. O tema foi abordado num artigo da historiadora Célia Reis

 

Macau, território que sempre teve comércio e consumo de ópio no imaginário colectivo, recebeu a visita de uma comissão de inquérito da Sociedade das Nações (SDN), entidade internacional saída da I Guerra Mundial e do Tratado de Versalhes, para inspeccionar o tráfico do poderoso narcótico. Tamagnini Barbosa, então Governador, olhou para essa visita com desconfiança, mas depois acabou por aceitar os resultados, que se revelaram benéficos para a imagem do território.

Esta é uma das conclusões do artigo académico “Macau e o Tráfico do Ópio no Contexto da SDN (1925-1930)”, da autoria da historiadora Célia Reis, do Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa, que recentemente foi apresentado no ciclo de conferências da primavera do Centro Científico e Cultural de Macau (CCCM).

À época, o jogo já era muito importante para a economia local, mas o ópio era fundamental. A título de exemplo, no ano de 1929, o seu comércio representava cerca de 22 por cento das receitas obtidas pela Administração.

A comissão de inquérito da SDN não se cingiu a Macau e andou por todos os territórios a Oriente onde o comércio do ópio tinha expressão. “Os inspectores verificaram que a situação de Macau não estava num mau caminho, pelo contrário”, começou por dizer ao HM Célia Reis.

“O número de estabelecimentos da venda do ópio estava a diminuir e o facto de grande parte dos rendimentos de Macau serem ainda provenientes do ópio não era uma questão apenas do território, verificando-se sobretudo nos territórios mais pequenos.” Além disso, a comissão concluiu que, no território, “era extremamente difícil controlar todo o comércio, dada a ligação comercial que existia com a China, que fazia com que o tráfico ilícito fosse muito fácil”.

Como prova da redução do peso do ópio na sociedade local, o artigo aponta que em 1927 existiam no território 65 estabelecimentos de venda, número que passou para 63 em 1929, ainda assim uma diminuição ligeira.

Até à visita da comissão de inquérito da SDN, Macau era alvo de acusações por parte de outros países relativamente ao ópio que “não correspondiam à realidade”, aponta a autora do artigo.

“Havia interesse das outras nações, quando havia algum problema, em dizer que o ópio era proveniente de Macau. Era difícil ao Governo controlar esse tráfico antes de ele ser administrado pelas próprias autoridades, mas havia muitas acusações que eles consideravam infundadas. No final da década [de 20], mesmo com o acordo dos responsáveis internacionais, passou a ser dado um aditivo ao ópio de Macau, que não lhe alterava as qualidades, mas que dava para reconhecer se este era de Macau ou não. E isso foi uma grande vantagem para ver que, de facto, muitas acusações não eram verdade.”

Em termos gerais, Tamagnini Barbosa “até ficou satisfeito com os resultados desta análise, pois não colocava Macau numa situação à parte em relação a outros territórios do Oriente”, disse Célia Reis.

Administração assume controlo

Outrora explorado por particulares e concessionado, o comércio do ópio e a sua gestão foram alvo de remodelação em finais da década de 20, o que levou à criação, em 1929, da Inspecção dos Serviços Económicos, que tinham à frente figuras conhecidas da comunidade macaense como Pedro José Lobo e Joel José Choi Anock, entre outros. Importa frisar que estas figuras já antes estavam ligadas à inspecção e fiscalização deste tipo de comércio, embora inseridas noutro tipo de estrutura pública.

Célia Reis

A criação da Régie, como se chamava, ficou determinada após ter sido decidido, na Conferência de Genebra, que a gestão do comércio do ópio teria de passar dos particulares para o próprio Governo.

Célia Reis adianta que Pedro José Lobo e Joel José Choi Anock eram, acima de tudo, pessoas próximas do Governador, que na altura “tinha graves problemas com algumas figuras da comunidade local, nomeadamente as que estavam mais ligadas ao poder do Leal Senado, com quem o Governador tinha um confronto aberto”.

“Havia muitas acusações do antigo concessionário contra essas pessoas [Pedro José Lobo e Joel José Choi Anock] e o Governador disse mesmo que ele confiava muito nelas e que por isso é que estavam à frente dessas actividades.”

A posição da metrópole

O Governo chegava a obter uma taxa de lucro na ordem dos 35 por cento com o comércio do ópio, que vinha sobretudo da região da Pérsia, Índia Britânica e Hong Kong, até chegar a Macau. Nesta altura, as autoridades fizeram progressos no controlo contrabando e foi proibida a exportação de ópio através do território, tendo-se registado ainda um aumento da importação entre 1928 e 1929.

Quanto à posição da então metrópole, resolver a questão do ópio revelava-se fundamental por uma questão de imagem internacional do país. “Para Portugal, estas questões ultrapassavam muito Macau, porque, por um lado, sempre houve a pressão de que o que era proibido em Portugal poderia não ser proibido nas colónias. Aqui o jogo era regulamentado, mas não tinha nada a ver com o jogo em Macau, e o mesmo se passava com o ópio. Mas isso acontecia também com os outros países, Portugal não era uma excepção nesse aspecto. Mas, nesta fase, para as autoridades portuguesas, não são apenas as questões do consumo da SDN, mas também a imagem que o país oferece.”

Célia Reis ressalva que “Portugal tinha grandes dificuldades, e havia sempre o receio de perder as suas colónias, era alvo de muitas críticas”. Desta forma, “resolver o problema do ópio era uma forma de não acrescentar mais dificuldades a este relacionamento” internacional.

O artigo desta historiadora dá conta que o comércio do ópio “constituiu um elemento essencial no expansionismo no Oriente a partir dos séculos XVIII e XIX, quando, envolvendo as diversas fases, da produção à distribuição e consumo, se tornou fundamental para suprir o desequilíbrio das transacções ocidentais na China”.

O estupefaciente, consumido em Macau inclusivamente por algumas figuras proeminentes da sociedade, como o poeta Camilo Pessanha, era fundamental para a economia de muitas nações do sudeste asiático.

“A sua importância e os principais elementos sociais a que estava ligado permitia ultrapassar a visão do ‘vício’ que tinham os ocidentais”, descreve o documento. Se, inicialmente, o comércio era concessionado sob forma de monopólio a privados, depressa essa gestão passou para a hasta pública, criando-se as Régies. “A França foi pioneira dessa forma na Indochina, ainda no final do século XIX. Em 1914 aplicou-se em Hong Kong”, escreve a historiadora.

24 Mar 2022

Tribunal considera que Administração violou várias leis ao recusar renovar BIR

Os Serviços de Identificação recusaram renovar o BIR de uma residente, decisão validada pelo secretário para a Administração e Justiça. Segundo a deliberação apoiada por André Cheong, o BIR só seria renovado depois de a mulher apresentar um exame de ADN para ser verificada a paternidade

 

A Direcção dos Serviços de Identificação (DSI), numa decisão apoiada pelo secretário para a Administração e Justiça, recusou a renovação do BIR de uma residente permanente, obrigando-a a fazer um teste de paternidade.

A situação aconteceu em 2020, quando a residente se apresentou para renovar o documento e lhe foi exigido um teste de ADN para confirmar a paternidade, uma vez que a DSI suspeitava que o pai declarado no registo em 1988 não era o pai biológico.

No entanto, a residente, ao contrário dos pais, recusou o teste, e recorreu para os tribunais, já depois do recurso para o secretário para a Administração e Justiça ter sido negado. André Cheong, formado em Direito pela Universidade de Macau, considerou que a DSI “praticou o acto [de exigência do exame de paternidade] em observação do Direito”.

O caso vem relatado num acórdão do Tribunal de Segunda Instância (TSI), com a data de 27 de Janeiro, que revela igualmente que o Ministério Público, numa posição que mereceu concordância integral “e sem reservas” dos juízes Rui Ribeiro, Lai King Hong e Vasco Fong, arrasa por completo a conduta da Administração.

Segundo o tribunal, a decisão da DSI e do secretário André Cheong violou o direito ao bilhete de identidade de residente: “a lei não configura a emissão do BIR como um acto administrativo. É que, como resulta expressamente do n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 8/2002, a emissão do BIR é um direito dos residentes e como tal, verificando-se os respectivos pressupostos, a Administração fica constituída no correspectivo dever ou obrigação de facere”, foi explicado ao Governo. “Bastará, pois, que alguém tenha o estatuto de residente para que na sua esfera jurídica se constitua o direito subjectivo à emissão do BIR, não cabendo à Administração, previamente, declarar de forma unilateral e autoritária, como é próprio dos actos administrativos, que o interessado tem direito à emissão do BIR”, foi acrescentado.

Face à actuação da DSI e de André Cheong, o Tribunal deu como provado que foi violado o artigo da lei que define que “os residentes da RAEM têm direito à emissão do BIR”.

Sem margem de dúvidas

Além da suspensão de renovação do BIR a uma residente que sempre foi permanente, desde o nascimento, o acórdão contraria igualmente as suspeitas sobre a relação de filiação entre a residente e o pai.

Segundo o entendimento do tribunal, com base no parecer do MP, a paternidade está plenamente provada devido à emissão de certidão de nascimento: “a certidão do assento de nascimento da Recorrente prova plenamente a sua filiação. Mais. Como preceitua a norma do n.º 1 do artigo 3.º do Código do Registo Civil, ‘essa prova não pode sequer ser ilidida por qualquer outra, salvo nas acções de estado ou de registo’. Por isso dizemos que, perante um facto que se encontra plenamente provado pela única forma legalmente possível não são legítimas as dúvidas as Administração”, foi explicado à DSI e ao secretário.

O pedido de um teste de ADN foi igualmente considerado ilegal: “O exame de DNA que a Administração solicitou à Recorrente, não só se revela legalmente inadmissível, pois que a ilisão da prova resultante do registo só pode ser feita em acção judicial de estado ou de registo, como, além disso, é, na prática, redundante, uma vez que a Recorrente não tem de provar através de um exame pericial um facto que já se encontra plenamente provado”, foi completado.

No entanto, o tribunal também explicou à Administração que mesmo que o teste tivesse sido feito e ficasse provado que o pai declarado em 1988 não é o pai biológico, que o estatuto de residente não seria perdido automaticamente, pelo que se impunha à mesma a renovação do BIR.

Mas, não só, a Administração foi ainda criticada por suspender a renovação do BIR, com base num processo de impugnação de paternidade, que nunca foi iniciado, de acordo com o conhecimento do acórdão.

Três vícios

Na decisão judicial ficou ainda provado que a conduta da DSI cometeu um ‘hat-trick’ de ilegalidades, com violação de normas da lei do bilhete de identidade de residente, do regulamento administrativo do bilhete de identidade e ainda do Código do Procedimento Administrativo. “Isso mesmo acarretou, ademais, uma acrescida violação da norma do n.º 1 do artigo 33.º do CPA e bem assim da norma do n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 8/2002 por parte da Administração ao suspender o procedimento de renovação do BIR da Recorrente por considerar, erradamente, que tal renovação dependia da decisão de uma acção de impugnação de paternidade”, pode ler-se.

“Na verdade, a paternidade da Recorrente se encontra, como dissemos, estabelecida e plenamente provada, não se justificando, como é evidente, qualquer suspensão procedimental”, foi indicado.

Face ao acórdão, o HM contactou o secretário para a Administração Justiça, no dia 15 de Março ao meio-dia, para perceber se iria recorrer da decisão. A confirmação da recepção do email enviado pelo jornal chegou no dia seguinte pelas 10h37. No entanto, até ontem, à hora de fecho desta edição, o HM não recebeu resposta.

O HM também contactou ontem o Tribunal de Segunda Instância, por via telefónica, para perceber se a decisão tinha transitado em julgado, mas foi-nos explicado que além da publicação online do acórdão não havia mais informação a fornecer.

Wong Pou Ieng, a directora que prometeu “melhor servir” a população

A Direcção dos Serviços de Identificação é liderada por Wong Pou Ieng desde 18 de Maio de 2020, uma escolha do secretário para a Administração e Justiça, André Cheong.

Licenciada em tradução (Chinês-Português) pela Universidade de Macau, Wong adquiriu conhecimentos legais através de um mestrado em Direito da Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau. Além desta formação, a directora conta igualmente no currículo com um outro mestrado, em Gestão, pela Universidade de Zhongshan.

Quando tomou posse, em Maio de 2020, Wong Pou Ieng prometeu, de acordo com um comunicado do Governo, “melhor servir a população, zelar pelos princípios de integridade e imparcialidade, ser honesto e cordial, prestar serviços eficientes e de alta qualidade”.

Na altura, foi ainda traçado como objectivo “prestar serviços mais acessíveis e eficientes à população em comunhão de esforços com o pessoal da DSI”.

A escolha de Wong para directora foi justificada com “um profundo conhecimento e experiência” da DSI, o que se atenta pelo percurso profissional. A actual directora ingressou na DSI em 1998, tendo depois desempenhado as funções de Chefe da Divisão do Registo Criminal e do Departamento de Identificação de Residentes. A partir de Março de 2018 foi promovida a subdirectora da DSI, por escolha de Sónia Chan, anterior secretária para a Administração e Justiça, antes de chegar à posição actual.

23 Mar 2022

Ucrânia | China quer ser “potência responsável”, limitando os efeitos da ligação ao Kremlin

Luís Cunha, investigador do Instituto do Oriente, defende que a China pretende ser, no contexto da guerra na Ucrânia, uma “potência responsável, limitando os efeitos tóxicos” da sua ligação à Rússia. O autor destaca ainda que o país defende “os seus próprios interesses”, evitando sempre um confronto directo com os EUA

 

Muito se tem falado sobre a posição de neutralidade da China em relação ao conflito na Ucrânia, com os Estados Unidos (EUA) a apontarem o dedo a Pequim, alertando para a necessidade de acabar com essa postura diplomática. Luís Cunha, investigador do Instituto do Oriente da Universidade de Lisboa, acaba de publicar o artigo “O Dragão na Sala”, numa publicação do Instituto de Defesa Nacional (IDN), em Portugal, onde analisa a posição de Pequim no conflito.

O autor acredita que a China pretende ser “uma potência responsável, limitando os efeitos tóxicos” da ligação comercial que mantém com Moscovo. Face aos próximos tempos, a guerra na Ucrânia “implicará, provavelmente, uma maior dependência económica de Moscovo face a Pequim”, embora, devido às sanções aplicadas ao regime de Putin, “o auxílio a prestar pela China estará substancialmente condicionado”.

Acima de tudo, a China “defende os seus próprios interesses”, pretendendo “evitar o antagonismo frontal com os EUA, numa ocasião crítica para a política mundial e para a economia chinesa”. Esta será, nos próximos tempos, “a prioridade máxima para Pequim”, considera o autor.

A “neutralidade colaborante” do Governo de Xi Jinping “cumpre os critérios mínimos”, aponta ainda Luís Cunha. Isto porque “a coexistência pacífica é o principal mandamento da política externa chinesa, indispensável à sua ascensão à posição cimeira da economia mundial”.

No artigo publicado pelo IDN, lê-se também que “Pequim tem as suas próprias prioridades geopolíticas”, uma vez que “continuam em aberto as disputas territoriais com vários países no Mar do Sul da China, com o Japão e Índia”.

Para Luís Cunha, “a crise ucraniana serve também aqui de teste, uma vez que Pequim nunca renunciou ao possível uso da força para forçar a reunificação com Taiwan. Ao mesmo tempo que acusa os EUA de quererem formar uma versão asiática da NATO na Ásia-Pacífico – alusão à aliança AUKUS –, apoia a autonomia securitária da União Europeia, desde que afastada dos EUA”.

Desta forma, “a Rússia arrastou a China para uma posição incómoda, mas potencialmente vantajosa”. “Num curto espaço de tempo, Pequim observa o seu maior rival estratégico a sair debilitado do Afeganistão e o seu maior parceiro estratégico em rota auto-destrutiva”, acrescentou.

Em termos gerais, “a invasão da Ucrânia por parte da Rússia, enquanto potência desafiadora da ordem internacional, representa um enorme teste à capacidade de resposta do Ocidente, mas também à relação com a China, principal parceira estratégica”.

Uma questão histórica

Em 1997, anos depois da queda da URSS, os presidentes Jiang Zemin e Boris Yeltsin, respectivamente da China e URSS, “fizeram saber que uma nova ordem mundial multipolar estava em germinação”. Desde então que as duas nações “vêm fortalecendo uma aliança de conveniência”.

Luís Cunha recorda no seu artigo a assinatura, em 2001, do Tratado de Boa Vizinhança entre os dois países “que congelou as disputas numa fronteira comum com mais de 4.200 quilómetros”. Desde 2012 que a China “é o maior parceiro comercial da Rússia”, sendo que dois anos depois “não reconheceu a anexação da Crimeia” por parte de Moscovo. No entanto, “recorrendo ao habitual pragmatismo silencioso da diplomacia chinesa, também não condenou a iniciativa russa”.

“Apenas três meses após a anexação, Pequim socorria a sua aliada, alvo de sanções internacionais, com um investimento de 400 biliões de dólares no gasoduto Força da Sibéria, direcionado para a China. Oito anos volvidos, a invasão da Ucrânia provoca o reordenamento das relações internacionais, colocando a China no papel que está habituada a desempenhar: o de ser tudo para todos”, descreve Luís Cunha.

Luís Cunha aponta também que, duas semanas antes de invadir a Ucrânia, Vladimir Putin assinou com a China novos acordos comerciais. “O timing não terá sido inocente”, descreve o académico. “É admissível que [Putin] tenha informado o líder chinês da ‘operação militar especial’ em preparação na Ucrânia. Mas a avaliar pela reacção da embaixada da China em Kiev e pela carta aberta divulgada por alguns conhecidos historiadores chineses, que acusavam Putin de ter ‘enganado’ Xi, o líder russo terá ocultado a extensão e profundidade da intervenção planeada para a Ucrânia.”

A relação com a Ucrânia

A China mantém hoje “excelentes relações com a Ucrânia”, onde se inclui “uma estreita cooperação militar”. Acima de tudo, Pequim “reitera a necessidade de se respeitar a soberania e a integridade territorial de todos os países”, embora responsabilize os EUA e a NATO pela eclosão do conflito. Além disso, o Governo Central “não disfarça de permeio o incómodo pela posição em que Putin colocou a China, encarada pela comunidade internacional como a mediadora privilegiada para dirimir o conflito”.

No domingo, o embaixador chinês nos EUA, Qin Gang, confirmou ao canal CBS que Pequim não está a enviar assistência militar a Moscovo.

“Há desinformação de que a China está a fornecer assistência militar à Rússia. Nós rejeitamo-la”, disse Qin Gang, que acrescentou que o país “envia comida, medicamentos, sacos-cama e leite em pó”, e “não armas ou munições para as partes [do conflito]”, acrescentou, garantindo que o país fará tudo para diminuir a escalada militar. No entanto, Qin Gang evitou indicar se esta posição se irá manter no futuro.

Desde o início da invasão que a China se abstém de apelar a Putin para retirar as tropas russas da Ucrânia. “Uma condenação não resolve o problema. Eu ficaria surpreendido se a Rússia recuasse por causa das condenações”, acrescentou o diplomata chinês durante a entrevista.

Questionado se Xi Jinping pediu a Vladimir Putin para pôr fim à invasão da Ucrânia, Qin Gang disse que, “no segundo dia da operação militar da Rússia”, o Presidente chinês apelou para que Putin “considerasse retomar as negociações de paz”.

Na sexta-feira, numa videoconferência, Joe Biden advertiu Xi Jinping para as “implicações” e “consequências” para a China, caso forneça “apoio material” à Rússia no “brutal” ataque à Ucrânia. Os dois dirigentes também assinalaram a vontade de “manter os canais de comunicação abertos”.

Se, por um lado, Joe Biden não especificou as consequências para a China de um eventual apoio à Rússia, por outro, o chefe de Estado norte-americano “detalhou” a Pequim as duras sanções económicas e financeiras já impostas pelo Ocidente ao regime de Vladimir Putin, salientou a Casa Branca, no comunicado emitido na altura.

22 Mar 2022