História | Quando a PIDE quis saber mais sobre Pedro José Lobo 

No início dos anos 60, ecoavam em Timor-Leste movimentos políticos de luta pela independência. A possível proclamação da “República Unida de Timor-Díli” e as eventuais ligações de familiares de Pedro José Lobo levaram a PIDE-DGS a pedir, a Macau e a Timor, informações sobre esta importante figura da comunidade macaense

 

Pedro José Lobo, figura de destaque entre a comunidade de Macau, funcionário público e poderoso homem de negócios, nascido em 1892 em Timor, chegou a ser investigado pela PIDE-DGS (Polícia Internacional de Defesa do Estado – Direcção Geral de Segurança), que funcionou em Portugal durante o período do Estado Novo.

Documentos arquivados na Torre do Tombo, em Lisboa, consultados pelo HM, provam que esta polícia política quis saber mais sobre a ligação de familiares de Pedro José Lobo à possível proclamação da “República Unida de Timor-Díli”, em 1961, um movimento nunca confirmado oficialmente.

Em causa, estava o facto de uma das filhas de Pedro José Lobo ser casada com Constâncio Lemos de Araújo, residente em Macau e filho de Francisco de Araújo, deportado de Timor para Macau. Este teria sido “um dos cabecilhas” de um motim ligado a movimentos independentistas de Timor.

Portugal, ao ter conhecimento de algumas notícias divulgadas sobre este movimento independentista, que teria levado à formação de um novo “governo de 12 ministros, presidido por A. Mao Klao”, pedia ao subdelegado da PIDE-DGS em Timor e à Polícia de Segurança Pública (PSP) de Macau detalhes sobre a vida de Pedro José Lobo.

A 28 de Junho de 1963, saía do Gabinete de Negócios Políticos, ligado ao Ministério do Ultramar, uma carta com esse pedido.

Em causa, estava uma notícia “fornecida de Djakarta pela Agência France Presse e publicada em diversos jornais” quando à proclamação, em “Batugade, no Timor Português, a ‘República Unida de Timor-Díli’”, que já teria pedido “o reconhecimento das outras nações”.

De Timor não chegaram informações concretas “quanto à veracidade da notícia”, não havendo “nada de concreto quanto à existência de quaisquer indícios que a justificassem”.

Apesar de a agência noticiosa “Antara” não ter dado “publicidade a tal notícia”, além de que na Indonésia “apenas os jornais comunistas a ela se referiram”, as autoridades portuguesas chamavam a atenção para o facto de o “Confidential Foreign Report”, em Abril de 1963, referir-se ao “ambiente em Timor” e estabelecer “a conexão com as prisões feitas em 1961 naquela província. A mesma publicação dava conta de que “um dos cabeças de motim, chamado Araújo, ao passar por Macau, enviara uma mensagem a um seu familiar, pessoa proeminente da província, o dr. Pedro Lobo”.

A notícia da proclamação da “República Unida de Timor-Díli” tinha, para a PIDE-DGS, um “carácter nebuloso”, relacionado com “o fraco acolhimento que encontrou na Indonésia, acrescido do facto de o indigitado ‘presidente’ [A. Mao Klao] ter um nome que pode denunciar uma origem de mestiço, de chinês e de Malaio”.

No entanto, dava-se atenção à “conexão estabelecida pelo ‘Confidential Foreign Report’, designadamente as relações que o Dr. Pedro Lobo mantém com Timor, quer por razões familiares, quer por interesses económicos”. Não eram esquecidas “as actividades de ordem económica por este senhor desenvolvidas em Macau e da possível interferência que ele possa ter, tanto na Agência France Presse como no jornal South China Morning Post, de Hong Kong, o primeiro a referir a notícia”.

Lobo inocente

A resposta ao pedido da PIDE-DGS veio confirmar que Pedro José Lobo nada tinha a ver com esta questão política. “O Francisco Araújo vive em Macau, em casa de seu filho, Constâncio Lemos de Araújo, levando pelo menos, aparentemente, uma vida calma, aparecendo raramente em público”. Além disso, descreviam as autoridades locais, “a sua conduta, na vida privada, não tem suscitado quaisquer suspeitas”.

“Também não consta que mantenha quaisquer ligações políticas com o dr. Pedro José Lobo. Desconhece-se qualquer ligação do dr. Pedro José Lobo com as notícias emanadas através da ‘Agência France Press’ ou publicadas no jornal South China Morning Post, de Hong Kong. Foi tudo o que se conseguiu apurar acerca do assunto tratado no ofício de vossa excelência”, lê-se no documento.

Confirmava-se, assim, que “as relações [de Pedro José Lobo] com o timorense Francisco de Araújo, ou Francisco Maria Xavier de Jesus Araújo, provêm, especialmente, do facto de uma das filhas do Dr. Pedro Lobo ser casada com um filho do Araújo, Constâncio Lemos de Araújo”. Além disso, “Francisco de Araújo, antes da sua deportação de Timor, administrava a já referida ‘Companhia Agrícola de Timor, de Lobo e Filhos’”, uma das muitas empresas do universo de negócios de Pedro José Lobo.

No entanto, as informações enviadas à PIDE-DGS não ignoravam a história pessoal de uma figura carismática de Macau. “A origem e meios utilizados para conseguir aquela fortuna são de origem bastante duvidosa, especialmente durante e após a segunda guerra mundial.”

A resposta enviada à PIDE-DGS dava ainda conta de que Pedro José Lobo havia sido “durante muitos anos chefe dos Serviços de Economia e Estatística Geral da província de Macau”, tendo “sido aposentado por ter atingido o limite de idade”. À data, Pedro José Lobo tinha “cerca de 71 anos de idade” e era presidente do Leal Senado da Comarca de Macau.

“É condecorado pelo Governo português, ocupando posição de destaque no meio social de Macau, não só pela sua elevada fortuna, como também pela influência que as suas actividades comerciais exercem sobre a vida económica daquela província. Entre outras, destacam-se as seguintes organizações comerciais nas quais possui largos interesses”.

No documento constavam empresas como a Sociedade de Abastecimento de Águas de Macau, a Companhia de Ouro “Wong On” de Macau, a Macau Air Transport, a “P.J. Lobo” em Macau e Hong Kong e a já referida Companhia Agrícola de Timor, de Lobo e Filhos, em Timor, administrada pela “Sociedade Agrícola Pátria e Trabalho lda”, de Díli.

Grande confiança

Célia Reis, investigadora do Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa, e com extenso trabalho publicado sobre a história de Macau, disse ao HM que a posição da PIDE-DGS “parece estar ligada às ramificações que este acontecimento [proclamação da República Unida de Timor-Díli] pudesse ter em Portugal”.

“Daí a chegada a Pedro José Lobo, não pela posição que ocupava em Macau, mas pelas possíveis implicações que pudesse ter” neste episódio.

A investigadora acrescenta que, no caso deste movimento político, “terá sido proclamada a independência da República de Timor em Abril de 1961, [tendo estado] ligado a um grupo radical islâmico que existia em Jacarta, na Indonésia”.

A actuação da PIDE-DGS fazia-se sentir também nas colónias, mas, nestes casos, era coordenada com o Ministério do Ultramar. Segundo Célia Reis, a política do Estado Novo “estava muito bem relacionada com todos os organismos oficiais, e quando solicitava informações, o natural é que esses organismos respondessem porque estavam todos ligados à mesma estrutura”.

“Podia não ter uma célula local, mas havia informação de outras fontes, como policiais, que contribuíam com relatórios ou mesmo com algumas suspeitas que houvesse”, frisou.

Célia Reis confessou que já tentou investigar as razões pelas quais Francisco de Araújo foi deportado de Timor para Macau, mas ainda não encontrou dados elucidativos nos documentos que pesquisou.

“A PIDE fazia sempre questão de analisar as várias ligações e havia a suspeita de que algumas informações tivessem sido transmitidas a Pedro José Lobo por esses familiares”, adiantou Célia Reis.

Grande parte da fortuna de Pedro José Lobo terá sido obtida através do comércio do ouro que se fazia em Macau por altura da II Guerra Mundial, pois ele continuava a ser director da Inspecção dos Serviços Económicos, o que “permitia que as licenças de importação passassem por ele”.

À época, Portugal não tinha assinado os Acordos de Bretton-Woods, que promoviam uma regulação do comércio mundial e dos valores do ouro. Tal levava a que esta matéria-prima fosse vendida a preços mais baixos pelos países assinantes dos Acordos face aos que eram praticados em Macau.

“[Pedro José Lobo] não agia sozinho, mas com ligação a pessoas ricas que beneficiaram desse comércio do ouro”, frisou a investigadora.

Muito antes de este comércio ser muito importante para a economia local, já Pedro José Lobo ocupava um lugar de destaque na regulação pública do comércio do ópio.

“A verdade é que Pedro José Lobo estava à frente desses serviços por causa da grande confiança que o Governador tinha nele. Ainda não era uma pessoa tão conhecida pela sua relevância económica, mas foi nomeado e passa a ter uma grande projecção porque, estando ligado a essa organização, acaba por ter um processo colocado pelo antigo monopolista do ópio”, recordou Célia Reis.

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