Hong Kong recebe em Março festival para jovens leitores

[dropcap style≠’circle’]D[/dropcap]esde 2012 que a região vizinha tem um Festival Internacional de Jovens Leitores (HKIYRF, na sigla inglesa). O cartaz de 2017 já foi tornado público e os bilhetes também já estão à venda. Durante dez dias, a partir de 6 de Março, escritores de renome e autores em princípio de carreira juntam-se no evento da antiga colónia britânica. Em comum têm o facto de escreverem para leitores que vão dos quatro aos 17 anos.

O festival tem como grande objectivo “encorajar as crianças e os adolescentes a descobrirem o prazer da leitura e a diversidade de livros, ao facilitar a interacção entre autores e jovens leitores, através de workshops e de sessões com os escritores”, explica a organização.

O cartaz é vasto e são muitos os convidados. Os promotores do HKIYRF destacam Sarah Brennan, de Hong Kong, autora das colecções best-seller “Chinese Calendar Tales” e “Dirty Story”. Também a norte-americana Roshani Chokshi merece uma referência especial: “The Star Maiden”, uma das suas obras, ganhou o British Fantasy Science Award.

Matthew Cooper, de Hong Kong, escreveu três livros para crianças que têm a região como espaço de acção. Sarah Davis, da Nova Zelândia, ilustrou mais de 37 livros. A sua primeira obra (também) enquanto escritora foi publicada este ano.

Além de vários autores de Hong Kong, Nova Zelândia e Estados Unidos, vão estar presentes escritores e ilustradores de Singapura, Austrália, Reino Unido e Coreia do Sul.

Acções motivadoras

O festival tem um programa especial para as escolas. “Todos os anos, levamos autores aos estabelecimentos de ensino para ajudarmos a promover os níveis de literacia em Hong Kong. Acreditamos que a literatura é – e deveria ser – uma componente essencial no ensino de línguas. Queremos contribuir para motivar os alunos dos mais diversos contextos e de diferentes níveis de leitura a desenvolverem o interesse pelos livros e pelas artes que lhes estão associadas”, nota a organização.

Do cartaz fazem também parte eventos abertos ao público em geral: estão agendados vários workshops e palestras para os dias 11 e 12 de Março. Vão decorrer na Comix Home Base, em Wanchai.

O HKIYRF é organizado pela organização sem fins lucrativos responsável pela organização anual do Festival Literário Internacional de Hong Kong.

13 Fev 2017

Arte | Vhils inaugura primeira exposição individual em Macau

Depois do mural no Consulado Geral de Portugal, Alexandre Farto regressa a Macau para uma exposição individual no território. O convite foi feito pelo Instituto Cultural

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] artista português Alexandre Farto, conhecido como Vhils, vai inaugurar a sua primeira exposição individual em Macau no final de Maio, revelou à Agência Lusa fonte do Instituto Cultural (IC), responsável pela organização da mostra.

“Destroços” vai ser inaugurada a 31 de Maio nas Oficinas Navais N.º1, ficando patente ao público de 1 de Junho a 5 de Novembro.

“A ideia é fazer uma reflexão sobre o meio urbano de Macau e as suas particularidades”, explicou Vhils à Lusa, em Banguecoque, indicando que, “de alguma maneira”, a ideia passa por “confrontá-la com a realidade de outras cidades”.

“Vai haver varias técnicas, não só paredes como os ‘posters’ de rua, as madeiras, o metal, ou seja, vai haver os vários ‘media’ com que trabalho e especialmente paredes no espaço público”, disse o artista.

Esta será a primeira exposição individual de Vhils na RAEM, mas a sua marca pode ser encontrada no território desde 9 de Dezembro, dia em que inaugurou um mural com uma imagem de Camilo Pessanha nos jardins do Consulado de Portugal em Macau, cidade onde o poeta viveu e morreu.

Além de ser a primeira obra do artista em Macau, esse mural constituiu também a primeira numa representação diplomática portuguesa, mas deixou de ser a única.

Desde sexta-feira passada os rostos de Banguecoque, em especial os olhos, passaram a estar gravados na embaixada de Portugal na Tailândia, através de um mural de Vhils em homenagem à relação de longa data entre os dois países, uma obra que marcou também a estreia do artista urbano no ‘país dos sorrisos’.

Pequim depois

O nome da primeira mostra individual de Vhils em Macau é idêntico ao da sua primeira na vizinha Hong Kong, inaugurada em Março do ano passado.

“Debris”, exposta no topo do Pier 4 (Cais 4), reuniu aproximadamente 50 peças, em diferentes materiais, fruto de um trabalho de quase dois anos de preparação no âmbito de uma residência artística que Vhils realizou na antiga colónia britânica.

Terá “várias intervenções” à semelhança e na continuidade da que foi feita em Hong Kong, confirmou Vhils, adiantando que, este ano, tem prevista também uma exposição em Pequim.

A mostra em Macau vai ter lugar nas Oficinas Navais N.º1, mas a ideia é que depois também haja obras espalhadas pelo espaço público. As Oficinas Navais N.º 1 foram antigamente um estaleiro, onde se produziam e se fazia a manutenção dos barcos, revestindo-se, portanto, de um significado especial na história de Macau, com um passado muito ligado ao mar. Localizado na zona da Barra, o espaço foi recentemente revitalizado e convertido num local dedicado à cultura e às artes. A primeira exposição a ter as Oficinas Navais N.º 1 como palco foi inaugurada em Dezembro último.

13 Fev 2017

Manuel Afonso Costa: “Uma parte da minha alma é oriental”

“Memórias da Casa da China e de Outras Visitas” é o mais recente livro de poesia de Manuel Afonso Costa, lançado ontem pela editora portuguesa Assírio e Alvim. A obra não representa apenas um regresso do poeta às publicações, ao fim de dez anos. É também uma forma de assumir que o Oriente, a China, lhe entrou em casa, que é como quem diz, pela alma adentro

[dropcap]Q[/dropcap]uando é que começou a pensar este livro, a escrevê-lo?
Esse livro surge numa linha de continuidade, de uma poética que lhe é anterior. Não há um momento inaugural em que tenha decidido escrever poemas que obedecem a um determinado critério ou objectivo. Não há um thelos, no sentido de finalidade, de algo que esteja definido à priori. Isso acontece, talvez, no romance, em que a pessoa se senta para contar uma história.

Para começar algo do zero.
Sim. Com a poesia, a pessoa desde que começa a escrever, a determinada altura da vida, não deixa de o fazer e acaba por ir reunindo poemas suficientes para publicar. Não tem de existir uma ruptura, um ponto final e depois o começar de outra coisa. Dentro dessa linha de continuidade, tem de haver o aparecimento progressivo de alguma coisa diferente e nova. Mas deixe-me referir que vai haver um encontro de literatura e filosofia, em Macau e em Lisboa, promovido pelo Instituto Internacional de Macau, onde vão falar da minha poesia, com o tema “O aparecer da China na poesia de Manuel Afonso Costa”. Portanto há uma realidade que aparece, que é a China, sendo que não poderia aparecer apenas a partir dos livros.

Aparece também a partir da sua vivência com a sociedade.
Exacto. Já conhecia a China, teoricamente, já tinha visto gravuras, já tinha lido livros. Já tinha tido acesso à poesia chinesa, há muitos anos, mas nada tem que ver com o choque com a realidade. Este livro fala das memórias da casa na China. Claro que não é a casa onde eu vivi, é uma casa simbólica, é o lugar China, no sentido lato, onde vivi e tive o meu espaço próprio.

A descrição do seu livro fala precisamente da casa enquanto símbolo. Metaforicamente falando, que tipo de casa é esta? É uma casa que alberga a sociedade chinesa?
Em concreto, não. Diria que a minha poesia é muito fenomenológica, está sempre muito ligada às vivências. Foi muito importante vir para o Oriente e entrar em contacto com uma realidade. Esta desafia-nos. Existe a intencionalidade da nossa consciência, mas existe também a intencionalidade quase provocatória da realidade sobre nós. A realidade estimula-nos a reagir. Viver aqui, numa sociedade com um grafismo e arquitectura diferentes… Mas não me refiro só a Macau, embora seja o elemento predominante, porque foi o sítio onde passei os meus últimos anos de Oriente. Fui muitas vezes a Hong Kong nos anos 90 e vivi quase um ano em Zhuhai. Então é todo o conjunto que me estimula. Quando me refiro à casa, é uma casa simbólica. Não é essa casa, com a sua arquitectura própria. Ela é concreta porque está plantada num lugar diferente, um lugar cuja entourage [o que está à volta] é diferente. Refiro-me a uma parte do mundo onde vivi grande parte da minha vida, e a nossa vida é toda feita de casa em casa.

De vivência em vivência.
Vamos deixando nessas casas um bocado de nós enquanto lá vivemos. Ficam ligadas a elas todas as memórias. É em casa que escrevemos (eu pelo menos), amamos, cozinhamos, dormimos. A casa desempenha um papel extraordinariamente rico nas nossas memórias. A casa é opaca, está de alguma maneira fechada, uns afectos abrem-se, outros nem tanto. Ao mesmo tempo, a realidade exterior entra pelas paredes da casa. Se não, viveria aqui como se estivesse a viver em Lisboa ou em Paris. Estamos permanentemente em contacto com uma língua diferente e um grafismo diferente. Uma das coisas que mais me impressionou foi andar meio perdido por certas zonas de Macau, onde são ostensivos e quase histéricos os painéis publicitários mostrados ao exterior. Isso dá uma certa geometria estética, colorida, de luz e caracteres, algo extraordinariamente intenso. É essa realidade que entra em contacto com a casa, que entra dentro de nós. E quando escrevemos ou pintamos, enquanto artistas, damos conta dessa transmigração das realidades.

Disse que este livro é o resultado do que tem vindo a publicar até aqui. A última obra intitula-se “Caligrafia Imperial e Dias Duvidosos”. Passou de uma referência à caligrafia, um elemento muito característico da cultura chinesa, para essa vivência da China. De que forma é que estas obras se interligam?
Têm um ponto em comum. O livro “Caligrafia Imperial e Dias Duvidosos” tem cerca de 17 poemas que publiquei numa revista de cultura, sendo uma réplica literária minha do quadro dos tributários que está no museu em Taipé, uma obra de um imperador chinês do século XVIII. É uma obra chinesa, megalómana, e sensibilizou-me muito, tal como a Cidade Proibida e as Muralhas da China. Depois dou-lhe o nome de caligrafia [ao livro] porque um dos elementos do quadro dos tributários é a caligrafia: há uma gravura e há um texto. Com isso o imperador captou toda a realidade, que não conseguiu captar com os sentidos. Foi uma das primeiras formas de ligação à cultura e sociedade chinesa, e à grandeza da poesia e cultura chinesas. Há uma continuidade porque os primeiros poemas deste livro [Memórias da Casa da China e de Outras Visitas] também foram publicados na revista de cultura, na minha segunda passagem pela China. Estes novos poemas não abordam o quadro dos tributários, mas fazem referência a alguns poetas chineses e à literatura chinesa. O modo de dizer da poesia chinesa é sempre mais sentencioso do que o nosso e esse é um aspecto que me sempre atraiu. É uma poesia despojada, onde as coisas aparecem como se fossem sentenças, mas depois não são para ler à letra. Contém outra realidade e sou sensível a essa ironia muito bem disfarçada e austera da poesia chinesa. Chamei-lhe casa pela simples razão de que agora tenho o direito de me referir a uma casa na China.

Ao fim de tantos anos…
Já tenho uma parte da minha alma que é oriental. Eu já tenho uma casa na China. Acharia pretensioso se dissesse isso em 1994, tendo acabado de chegar a Macau. Passou muito tempo, com tantas experiências, e tendo uma parte da minha vida que ver com esta realidade, posso dizer que tenho uma morada no Oriente.

O livro “Caligrafia Imperial e Dias Duvidosos” foi publicado em 2007, há exactamente dez anos. Porquê esse interregno?
Muitas pessoas me perguntam isso. Creio até que este livro é melhor do que o anterior, e acredito que o próximo venha a ser melhor que este. Houve uma continuidade de escrita, fui apurando, em termos de savoir-faire, que é muito importante. Há uma maneira de fazer, com prática, experiência e continuidade. Não vou ser hipócrita: nunca deixei de ler e escrever. A escrita e a poesia são as maiores paixões da minha vida. Acontece que não paro muito em lado nenhum. Estive em Macau de 1993 a 2000, depois fui-me embora, estive em França, nos Estados Unidos, e desde 2011 vivo em Macau. Perco os contactos, as rotinas. Depois tive duas filhas, fiz o doutoramento, algo megalómano, e não tendo nunca deixado de escrever, fui pondo um pouco de lado as questões mais burocráticas. Isso porque é mais fácil escrever do que publicar. Os livros deveriam aparecer publicados por milagre. Gosto infinitamente mais de escrever e ainda mais de ler.

É também crítico literário. É algo que falta em Macau?
Sim, mas não é só em Macau. Temos de ser justos. Em Portugal a crise nesse domínio é avassaladora. E a poesia está, em larga medida, a desaparecer das livrarias por esse mundo fora. Em França escreve-se e publica-se muito pouca poesia.

Como explica isso?
Há uma tendência clara de uma crise das humanidades, está tudo interligado.  O fim do latim e do grego para mim é catastrófico, e basta ler o George Stein [crítico literário] para se perceber porque é que é catastrófico. Há um desinvestimento nas áreas literárias, e os jornais são um espelho da sociedade. Fala-se da crise, dos números, das taxas. Houve um tempo em que todos os jornais, na sua maioria, tinham suplementos literários. Eu, que era uma pessoa com poucas posses, comprava sempre esses suplementos, que eram autênticos dossiers que tinha em casa. Os críticos eram verdadeiros profissionais, criticavam o que gostavam e o que não gostavam.

10 Fev 2017

Three Phantoms estreia dia 28 no Parisian

A classe mundial dos musicais promete encantar as noites de Macau. O Teatro do Parisian é a casa que recebe o espectáculo Three Phantoms, um musical que reúne alguns dos melhores momentos de “O Fantasma da Ópera”

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] próximo mês promete agitar a agenda dos fãs de musicais de Macau, assim como de todos os turistas que visitem o Cotai. De 28 de Fevereiro a 26 de Março, o Teatro do Parisian recebe o musical “Three Phantoms”, abrilhantado pelas estrelas que subiram ao palco para interpretar “O Fantasma da Ópera”.

O evento promete abalar as fundações do casino, reunindo uma compilação de músicas que fazem parte do afamado musical do reportório de Andrew Lloyd Webber. Já foi descrito como a melhor noite de gala de teatro musical alguma vez escrito, numa produção que promete deslumbrar os espectadores. Com milhares de performances enquanto fantasmas na famosa peça que encantou as “mecas” dos musicais West End e Broadway, vão subir ao palco três performers: Kieran Brown (Estados Unidos), David Shannon (Irlanda) and Earl Carpenter (Inglaterra).

Earl Carpenter tem uma longa e bem-sucedida carreira internacional, desempenhando papéis principais nalguns dos maiores sucessos musicais do último quarto de século. No seu currículo tem espectáculos de relevo como “Os Miseráveis”, “As Bruxas de Eastwick”, “Sunset Boulevard”, “Evita” e “A Bela e o Monstro”. Carpenter é também o dono e director criativo da Ginger Boy Productions, através do qual foi criado e dirigido este espectáculo que chega ao Teatro do Parisian.

No total, subirão ao palco dez cantores e bailarinos de renome mundial, naquele que tem sido um espectáculo com aclamação crítica, assim como um sucesso junto do público por onde a tournée tem passado. A sessão será acompanhada pela Concert Philharmonic Orchestra. Segundo a nota de imprensa sobre o evento, as performances, a encenação cuidada ao detalhe e o espectáculo de luzes evocaram o drama e a excitação que as músicas merecem.

Os bilhetes estarão à venda a partir de hoje em todas as bilheteiras do Cotai Ticketing, com um preço de 180 patacas.

9 Fev 2017

Teatro | CCM estreia este fim-de-semana a comédia “Idiot”

Com “Idiot”, a companhia teatral de Macau Canu Theatre traz-nos um espectáculo de comédia onde não há diálogo e em que as expressões corporais, à maneira da personagem Mr. Bean, fazem tudo o resto

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]o Japão, uma mulher coloca um anúncio para recrutar um rapaz que lhe faça uns recados durante o dia e tudo o que ela pedir. Um jovem decide responder para ver o que acontece mas, se para uns essa decisão pode ser idiota, para outros pode ser apenas algo diferente. Quem são, afinal, os idiotas do nosso dia-a-dia? É este o mote para a história de “Idiot”, a mais recente produção da companhia teatral local Canu Theatre, que estreia na próxima sexta-feira no Centro Cultural de Macau (CCM), com mais um espectáculo agendado para sábado.

O público poderá ver um exemplo de teatro físico de comédia, sem diálogo entre os seus personagens. Joyce Chan, produtora do espectáculo, contou ao HM que tudo começou em França, onde estudou com Sami Abu Wardeh, actor que dará corpo à personagem principal. Lá teve o primeiro contacto com a forma de interpretação utilizada pelos palhaços e percebeu que tinha de fazer um espectáculo com estes elementos. Daí até à viagem ao Japão, onde viu um anúncio semelhante ao que deu mote à peça, foi um passo. “Os palhaços não fazem propriamente uma interpretação, mas fazem bastantes gestos e usam muito o corpo para transmitir mensagens. Mostram-se bastante ao público, é algo que vem de dentro, intimista. É diferente dos guiões que escrevemos para outro tipo de personagens”, explicou a autora de “Idiot”.

A opção por um espectáculo de comédia acabou por ser natural. “Durante o meu curso tivemos aulas sobre comédia e tragédia. Sempre que fazia trabalhos na área da comédia, e via as reacções do público a rir, sentia-me muito satisfeita, percebia que o público reagia de forma entusiástica ao que via. Pensei também que em Macau não há muitos espectáculos de comédia, então achei que seria uma boa oportunidade para trazer estes elementos para cá e fazer com o que o público local tenha acesso ao que aprendi em França.”

A inspiração de Mr. Bean

Sendo a primeira vez que pisa os palcos de Macau, Sami Abu Wardeh, londrino, revela-se expectante sobre um projecto que considera único. “Tem sido incrível trabalhar neste espaço e ter acesso a todas estas infra-estruturas. Temos muita liberdade para experimentar coisas diferentes”, disse. “Este tipo de interpretação, para mim, é mais honesto, temos mais liberdade, porque a maior parte das interpretações são isso mesmo, interpretações no sentido mais estático. Estou feliz por estar neste projecto. É algo alternativo sob várias formas, não vemos muitos projectos como este”, contou o actor ao HM.

Para Sami Abu Wardeh, a inspiração para compor o “idiota” veio de dois anos de trabalho com Joyce Chan, e também do famoso personagem da série televisiva Mr. Bean, interpretado por Rowan Atkinson. Joyce Chan admitiu que teve de fazer algumas adaptações ao público de Macau na hora de escrever a peça. “O início do projecto não foi fácil porque, no estrangeiro, a reacção à comédia é diferente, muitas vezes é difícil compreender o que é engraçado e o que não é, então fiz algumas adaptações para o público de Macau. Combinei vários elementos.” Fazer um espectáculo sem diálogo é, para Joyce Chan, uma forma mais libertadora de representar. “Uma performance sem linguagem oral é importante porque temos vários actores estrangeiros e usamos muitos gestos e expressões corporais. É uma forma bonita de contar uma história. Espero que as pessoas possam ter uma nova perspectiva, de que uma peça sem diálogo pode funcionar.”

Rir em Macau

Sendo a comédia um género pouco comum em Macau, Joyce Chan espera mudar mentalidades e aproximar o público a um tipo de espectáculo que é raro acontecer no território. “As pessoas gostam de comédia. Tudo depende do pensamento pessoal de cada produtor e a dimensão que pretende trazer para o público. Todos podem ter humor nos seus corações, todos podem sorrir. As pessoas de Macau vão gostar muito deste espectáculo”, apontou. Na calha está uma nova peça, também de comédia, mas mais virada para a crítica do panorama político local. Joyce Chan revelou estar confiante. “No curso abordámos também outro conceito de comédia com base na crítica política, onde exageramos expressões corporais. No futuro gostaria de fazer um espectáculo assim. O Governo de Macau dá-nos a liberdade para falarmos e esse espectáculo que quero fazer é uma forma leve de fazer comédia sobre questões políticas, por isso é que acredito ser possível levar esse projecto avante.”

8 Fev 2017

IIM lança livro sobre evolução económica da região do Delta do Rio das Pérolas

 

[dropcap style≠’circle’]P[/dropcap]ublicado em inglês, sob a chancela editorial do Instituto Internacional de Macau (IIM), “Pearl River Delta – From the World Factory to Global Innovator”, é um livro que estuda o desenvolvimento económico de Cantão, Shenzhen, Foshan, Dongguan, Huizghou, Zhongshan, Jianmen, Zhuhai e Zhaoqing.

Este livro surge na sequência de outros oito volumes, um sobre cada grande cidade, escrito por Thomas Chan, especialista na zona em análise, consultor do Executivo de Hong Kong e do Governo chinês, e por Louise do Rosário, jornalista do Economist. Gonçalo César de Sá, do Macaulink, foi o coordenador da obra.

Mas porquê focar a atenção nesta zona? “Vivem nesta região cerca de 60 milhões de pessoas e achámos que pode ser mais utilizada pelos empresários de língua portuguesa. Existe tudo aqui no sul, este é o grande motor económico da China”, explica César de Sá. Dar a conhecer estas cidades pode despoletar oportunidades de investimento, de criação de parcerias entre empresários de países de língua portuguesa e os seus congéneres chineses do Delta do Rio das Pérolas. Outro dos objectivos passou por transmitir aos empresários portugueses o conceito de desenvolvimento económico local “e dizer: aprendam”, esclarece o coordenador do livro.

Uma ponte económica

Depois da publicação dos oito livros em língua portuguesa, para cada uma das cidades acima elencadas, faltava um que somasse tudo. O problema é que, com o rápido desenvolvimento da zona, as oito publicações em língua portuguesa estavam completamente ultrapassadas. Dessa forma, o IIM resolveu fazer um novo livro, desta vez em inglês, para alargar o público-alvo que estava limitado aos países de língua portuguesa.

A obra já inclui as novas directivas da China para o desenvolvimento da zona. Analisam-se os planos de “integração e criação de uma megalópolis que vai abarcar tudo, desde Guangdong, até Hong Kong e Macau tornando isto uma zona de grande desenvolvimento”, comenta o coordenador do livro.

Neste âmbito estão também grandes obras públicas, como a ponte Hong Kong – Macau – Zhuhai. Para Gonçalo César de Sá, esta obra é “apenas uma pequena peça do puzzle da grande integração económica. Outras peças serão, por exemplo, “a linha de caminho-de-ferro rápida que vai ligar Zhuhai a Cantão, que mais tarde ligará a Hengqin, finalmente entrando em Macau com o metro. Um exemplo de que os chineses planeiam a longo prazo e cumprem a curto prazo”, explica César de Sá.

8 Fev 2017

Hélder Beja, director de programação do Rota das Letras: “É a maior edição do festival”

Já mexe a sexta edição do Festival Literário de Macau. Entre os principais convidados do Rota das Letras contam-se os finalistas de 2016 do Man Booker Prize Madeleine Thien e Graeme Burnet, assim como o escritor chinês Yu Hua. Sérgio Godinho apresenta o seu primeiro romance. Falámos com Hélder Beja, fundador e director de programação do festival.

[dropcap]O[/dropcap] que podemos esperar desta edição do Rota das Letras?
Esta é, de longe, mais uma vez, a maior edição de sempre do festival. Volta a crescer em relação ao ano passado, o que achávamos que não seria possível, mas que acabou por acontecer. Houve uma série de sinergias que levaram a que o festival pudesse crescer, assim como convidados que queríamos e que conseguimos trazer. Na literatura, que é o ‘core’ do festival, diria que o grande destaque de todos é a vinda de Yu Hua a Macau. Para mim, é um dos maiores autores chineses vivos. Do ponto de vista pessoal, é o que mais admiro dos autores da literatura chinesa contemporânea. É um excelente romancista, tem romances como “To Live” e “Brothers”, mas é também um grande ensaísta. O livro que mais gosto chama-se “China in Ten Words” e, ao que parece, vai ser editado em português brevemente. É, para mim, o grande destaque deste ano da programação, pelo menos em língua chinesa.

E em português?
Na língua portuguesa, conseguimos trazer, finalmente, o Pedro Mexia, que já estava para visitar o festival no ano passado. Não pôde, mas vem este ano. É um dos grandes intelectuais do seu tempo, um bom poeta e muito bom crítico literário. Será um prazer tê-lo por aqui, porque é um homem da renascença, pode falar um pouco de todas as coisas.

Que outros autores salienta no cartaz deste ano?
Na programação internacional, estamos muito contentes por termos assegurado a vinda de dois finalistas do Booker, são dois autores bastante interessantes. A Madeleine Thien tem um background relevante com relações familiares à Ásia. O seu último livro, que foi nomeado para o Booker – “Don’t Say We Have Nothing” – é a história de uma família chinesa que atravessa a Revolução Cultural. O livro é muito musical. É a história de um músico que, como outros artistas durante a Revolução Cultural, foi completamente desacreditado, perdeu um bocado o chão e foi tido como burguês. É uma narrativa muito interessante que atravessa três gerações. Depois temos Graeme Burnet, num estilo completamente diferente. O romance que o levou à final do Booker passa-se no século XIX, tem uma linguagem um bocadinho arcaica, mas uma voz narrativa incrível porque é a voz de um miúdo de 17 anos que cometeu um triplo homicídio. O que lemos são as memórias que ele teria escrito enquanto aguardava julgamento. São dois autores que saltaram para a ribalta este ano com as nomeações para a short-list de cinco livros do Booker e que, acho, nos próximos anos vão afirmar-se no panorama internacional. Estavam ambos a fazer festivais aqui na região e conseguimos trazê-los cá.

O festival caminha para a profissionalização a passos largos.
Acho que está à porta da rota dos grandes festivais literários, e este ano vamos dar vários passos nessa direcção. Em primeiro lugar, porque começámos a trabalhar numa rede de contactos com outros festivais. Por exemplo, este festival de Adelaide, onde conseguimos estes dois convidados para Macau, assim como a parceria que estabelecemos com o novo festival de Cabo Verde, o Morabeza, que está a nascer agora. Algo que também queremos fazer é desenvolver o festival dentro do espaço lusófono. O número de nacionalidades no festival também sobe, este ano temos autores de 20 países e regiões. Outro dos aspectos no caminho para a profissionalização é termos mais visitas de jornalistas de vários países como, por exemplo, os meios de comunicação dos países de origem dos convidados, não só aqui a imprensa da região. Acho que este ano estamos a conseguir que o festival se afirme, nos próximos dois/três anos o festival estará, seguramente, num roteiro de festivais que têm os principais nomes de literatura contemporânea. Por aí passará, obviamente, ter prémios Booker com regularidade, Pulitzers e, eventualmente, ter aqui um prémio Nobel. Não é o desígnio do festival mas gostaríamos de ter, pela qualidade dos autores e pela projecção.

Este ano o festival aposta também na banda desenhada.
Temos pensado para os próximos anos temas como humor e a ficção científica. O grafic novel e a BD faziam parte desse grupo e este ano, de repente, havia um grupo de dois ou três autores e a ideia começou a fazer sentido. O Filipe Melo vem cá, o que é para nós muito bom. Vem também o Philippe Graton, filho de Jean Graton, que tem a série Michel Vaillant. Neste caso tudo começou com a relação que ele tinha com Macau. Percebemos que o Philippe estaria disponível para vir e que poderia mostrar os originais do álbum “Rendez-vous à Macao”. Achámos maravilhoso poder fazer isso aqui. Depois começámos a montar um pequeno programa à volta disso. O Dick Ng vem de Shenzhen, mas vive em Hangzhou, conheci-o num pequeno festival em Cantão onde fui há uns meses. Fiquei muito impressionado com ele porque é um jovem chinês que fala muito bem inglês e que se dedica a fazer tiras de comics, acima de tudo, online, onde tem mais de 50 mil seguidores. A BD nunca tinha feito parte do festival de uma forma consistente, é uma novidade este ano.

Tem sido mais fácil conseguir convidados de renome?
Sim, é muito mais fácil porque quando fazes o convite a um autor, por exemplo, da dimensão do Yu Hua, ou da Madeleine Thien, o lastro do festival conta muito. O facto de termos tido no ano passado o Adam Johnson foi muito importante para conseguirmos este ano estes autores. Não estou a dizer que não viriam, mas claro que as pessoas informam-se, querem perceber que festival é este, e cada vez será mais fácil ter convidados com maior notoriedade.

Uma das estrelas do cartaz será Sérgio Godinho.
É uma coisa maravilhosa ter cá o Sérgio Godinho, que vem com o seu primeiro romance, editado pela Quetzal, uma editora amiga do festival. A vinda do Sérgio Godinho foi uma coincidência de timings, ele vai lançar o romance agora em Fevereiro, estará a apresentá-lo em Portugal, a dar entrevistas e depois segue logo para cá. Enfim, ele é um dos grandes cantautores da nossa língua. Obviamente, um bom poeta, não só nas letras, mas também no que tem publicado de poesia. Já tinha arriscado no conto e agora, já com a idade que tem, decide ainda arriscar no romance. Acho que é a prova de que é um artista tremendo.

Vem apenas apresentar um livro?
Não, vamos ter, também, um concerto dele. Temos dois actos musicais, ambos no Teatro do Venetian, um a 15 e outro a 16 de Março. O Sérgio Godinho com um companheiro de palco ao piano, num concerto mais intimista. Ele esteve cá há pouco tempo e houve a preocupação de fazer um concerto diferente. Depois a Christine Hsu, que é uma cantautora de Taiwan, com um repertório mais virado para as baladas, muito do agrado do público chinês. Este ano temos estes dois concertos, já houve edições em que tivemos mais música do que este ano, mas estamos muito contentes com os dois nomes que temos para esta edição.

Como vê a evolução do festival desde a fundação?
É um projecto difícil de qualificar, do ponto de vista pessoal porque, basicamente, abalroou os últimos seis anos da minha vida. Isso tem coisas muito positivas, e outras menos. Sempre acreditámos que o festival poderia crescer, mas talvez nunca tenhamos pensado que pudesse crescer tanto, em tão pouco tempo. Quando olho para o festival, não só em termos de dimensão, mas do impacto, projecção e qualidade, e vemos o que está à nossa zona em termos de festivais literários, acho que este trabalho é muito especial e muito bom. Começou muito pequenino, no Instituto Politécnico de Macau, com muito pouco know-how, a cometer erros naturais e evidentes quando se quer fazer uma coisa arriscada. No segundo e terceiro anos houve dores de crescimento e, a partir do quarto ano, a coisa começou a correr mesmo bem. O terceiro ano foi o da explosão em termos de impacto, porque o cartaz era incrível. De Portugal tivemos Ricardo Araújo Pereira, Valter Hugo Mãe, Dulce Maria Cardoso, José Eduardo Agualusa, etc. Um programa que nunca mais acabava. Mas para nós, organizadores, é no quarto ano que sentimos que o festival amadurece. No ano passado, o quinto, muito bem, e agora estamos na sexta edição. Diria que o balanço é muito positivo. Em 2016 dizíamos que não queríamos crescer muito mais, e não queremos. Em termos de sessões não cresce de certeza, no ano passado foram 104 sessões ao todo.

Então, quais os desafios que o festival tem pela frente?
O que queremos a partir de agora, e que já fazemos este ano, é alargar o festival com outros pequenos projectos. Estabelecer parcerias, uma delas com o festival Morabeza, em que a partir deste ano teremos um escritor de Cabo Verde a visitar o festival de Macau, e vice-versa. Acho que será importante para a literatura de Macau mostrar-se noutros países do espaço da lusofonia. Temos também uma parceria com a Universidade de Macau, que começa este ano, para uma residência literária, que arrancará com uma autora de Singapura. Desta vez a residência é curta, serão apenas duas semanas antes de a autora começar a participar no festival, mas queremos que seja mais longa e que desagúe no festival. Outra coisa que gostaríamos de fazer é criar no futuro, em parcerias com instituições de ensino, uma bolsa de tradução literária para um aluno interessado em desenvolver as suas capacidades na tradução português-chinês, chinês-português, de literatura, algo que não há. Há muitas opções em termos de cursos de tradução mas são todas elas, praticamente, só técnicas. Gostávamos de dar esse contributo. Outra coisa que começou no ano passado, e que queremos fazer mais em 2017, é que o festival tenha episodicamente pequenos eventos ao longo do ano.

Haverá também lugar à actualidade.
Sim, darem um pouco de atenção aos assuntos actuais, o festival também quer posicionar-se aí e discutir temas mais prementes, criar uma zona em que um tema da actualidade esteja presente. Isto começou com certos convidados que conseguimos confirmar e, depois, começámos a construir um programa à volta deles. A Clara Law, nascida cá, tem um documentário – “Letters to Ali” – sobre os refugiados afegãos na Austrália. Foi talvez o ponto de partida. De repente percebemos que havia a possibilidade de trazer o Henrique Raposo e o José Manuel Rosendo para falarem sobre o Médio Oriente, o terrorismo e as migrações. Depois temos também a Sanaz Fotouhi, que foi produtora de um documentário de mulheres afegãs refugiadas. Tudo isto começou a compor-se e a fazer sentido. Não digo que há seis meses este tema estivesse na nossa cabeça, mas acabou por aparecer e faz todo o sentido discutir isto neste momento.

7 Fev 2017

Exposição | Realidade das empregadas de Hong Kong em Lisboa

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] realidade das empregadas domésticas filipinas que residem em Hong Kong vai estar exposta em Lisboa na exposição “Arquivo e Democracia”, com fotografias de José Maçãs de Carvalho. A iniciativa estará patente no novo Museu de Arte, Arquitectura e Tecnologia e é inaugurada amanhã.

“José Maçãs de Carvalho. Arquivo e Democracia”, com curadoria de Ana Rito, reúne trabalhos fotográficos e videográficos da obra do fotógrafo num projecto desenvolvido no oriente. A exposição documenta um acontecimento protagonizado por uma comunidade de empregadas domésticas filipinas, que se reúnem nas ruas do centro de Hong Kong, habitando-as como se de uma casa ou um quarto se tratasse, fazendo coincidir o espaço público com o espaço privado.

“As filipinas são imigrantes e ocupam o último lugar da pirâmide social de Hong Kong. São as empregadas domésticas dos chineses, ganham miseravelmente e não podem, nem em grupo, alugar quartos. Por isso dormem nas casas onde trabalham, nas cozinhas, em camas desmontáveis. Têm um dia de folga que é o domingo e invadem, literalmente, o centro da cidade”, explica o artista numa nota sobre a exposição.

A exposição “Dimensões Variáveis”, também inaugurada amanhã no MAAT, tem curadoria de Gregory Lang & Inês Grosso e vai propor “um novo olhar e novos diálogos sobre a relação entre artistas e arquitectura”, com obras de mais de 40 artistas e arquitectos portugueses e estrangeiros.

6 Fev 2017

Cinema | Joshua Wong em documentário “inspirador” para norte-americanos

[dropcap style≠’circle’]U[/dropcap]m documentário sobre o jovem de Hong Kong que fundou o movimento Scholarism está a dar que falar nos Estados Unidos. “Joshua: Teenager vs. Superpower” foi distinguido com o prémio do público Sundance Film Festival

O activista Joshua Wong, que se tornou o rosto dos protestos pró-democracia em Hong Kong há dois anos, quando ainda era um adolescente, é a estrela de um documentário que está a inspirar os norte-americanos, conta a Agência Lusa.

Assinado pelo cineasta Joe Piscatella, “Joshua: Teenager vs. Superpower” é o novo documentário sobre o jovem activista de Hong Kong, que no final de Janeiro conquistou o prémio do público no Sundance Film Festival na competição dedicada ao World Cinema Documentary.

“A reacção [do público norte-americano] foi muito, muito boa. (…) Tivemos conversas muito interessantes nas sessões”, disse à Lusa o também activista de Hong Kong Derek Lam, que acompanhou Joe Piscatella e Joshua Wong ao Sundance Film Festival, nos Estados Unidos.

O documentário, que acompanha o activismo de Joshua Wong, aborda directa e indirectamente vários acontecimentos relacionados com a sociedade chinesa, incluindo a repressão estudantil na Praça de Tiananmen, a 4 de Junho de 1989, em Pequim, e a transição de Hong Kong da soberania britânica para a China, a 1 de Julho de 1997, explicou Derek Lam.

“Este filme é uma introdução muito boa sobre a situação política em Hong Kong”, para aqueles que se interessam pela “história ou em saber por que é que é uma cidade tão diferente de outras na China”, disse.

“O ponto principal” é que o público ocidental “vai ficar a saber mais sobre a situação política em Hong Kong”, disse Derek Lam, afirmando que “talvez o mais importante” é que o filme inspira as pessoas a lutar pela defesa dos ideais em que acreditam.

Milhares de pessoas têm-se manifestado nos Estados Unidos em protesto contra a eleição, tomada de posse, e medidas de Donald Trump desde que é Presidente.

“Muitas vezes nas sessões de perguntas e respostas [após a exibição do filme] falavam do Presidente [Donald] Trump e perguntavam-nos o que podiam fazer. Talvez este filme lhes dê alguma inspiração: se queres mesmo mudar a tua situação, é altura de te afirmares”, disse.

Em Hong Kong nem por isso

Além da distinção no Sundance Film Festival, o documentário “Joshua: Teenager vs. Superpower” foi seleccionado pela Netflix, serviço norte-americano de televisão pela Internet.

Já a exibição em Hong Kong é vista como “difícil” por Derek Lam. “As salas de cinema têm uma autocensura muito grande. É quase impossível”, disse.

No ano passado, o filme “Ten Years”, sobre a próxima década em Hong Kong sob a influência chinesa – eleito “melhor filme” nos Hong Kong Film Awards –, foi um sucesso de bilheteira até ter sido retirado das salas de cinemas da antiga colónia britânica pelo que vários observadores apontaram como razões políticas.

Nascido em 1996, Joshua Wong era um aluno do secundário quando, aos 14 anos, fundou o grupo estudantil Scholarism, que liderou a luta contra a disciplina de Educação Nacional que o Governo de Hong Kong pretendia introduzir nas escolas em 2012.

Joshua Wong continuou os protestos de rua, ficando internacionalmente conhecido como o rosto das manifestações pró-democracia e em prol do sufrágio universal para a eleição do Chefe do Executivo que paralisaram várias zonas de Hong Kong durante 79 dias em 2014.

Esses protestos, conhecidos por “Umbrella Movement” [Movimento dos Guarda-Chuvas], acabaram, no entanto, por ser desmobilizados pelas autoridades, sem qualquer concessão por parte do Governo, mantendo-se o ‘status quo’ na escolha do líder da cidade por um colégio eleitoral de apenas 1200 membros, a maioria ligados a interesses pró-Pequim.

Em 2016, Joshua Wong co-fundou o partido político Demosisto, que defende a realização de um referendo sobre a “autodeterminação” e o futuro estatuto de Hong Kong após 2047.

Em Setembro, o Demosisto elegeu Nathan Law, de 23 anos, como o mais novo deputado de Hong Kong. Na altura, com apenas 19 anos, Joshua Wong não se candidatou por não ter a idade mínima exigida de 21 anos.

O agora estudante universitário de 20 anos continua também a participar em fóruns e palestras, tendo sido notícia quando foi impedido de entrar na Malásia e Tailândia, e já este ano atacado em Taiwan, juntamente com outros activistas e deputados, por manifestantes pró-Pequim. “Não ganhámos a última batalha”, disse, afirmando, no entanto, que continua “optimista em ganhar a guerra”, disse à AFP Joshua Wong.

6 Fev 2017

Arte | Decreto de Donald Trump mina exposições e intercâmbios

A decisão de barrar a entrada nos Estados Unidos de cidadãos de vários países muçulmanos está a ter consequências práticas aos mais diversos níveis. Há curadores e artistas com projectos que passaram a ser impossíveis. Existe ainda o receio de que Donald Trump acabe com o financiamento para a arte

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] alerta é deixado por artistas e curadores que trabalham com arte do Irão: a impossibilidade de acesso aos Estados Unidos para aqueles que constam da lista de países malditos definida por Donald Trump está a ameaçar o intercâmbio, a organização de exposições e a realização de residências artísticas.

O Art Newspaper conta que dois artistas iranianos cancelaram uma viagem dos Estados Unidos para o Canadá, com receio de terem problemas no regresso a casa, apesar de serem detentores do cartão de residência permanente. Iam à cerimónia de inauguração de uma exposição de arte contemporânea no Museu Aga Khan.

A publicação explica que até mesmo os cidadãos iranianos que têm passaporte americano ou os que residem nos Estados Unidos há muitos anos se sentem ameaçados e inseguros. Para reforçar a sensação de incerteza, as notícias que dão conta dos planos da Administração Trump em relação ao fundo nacional para as artes: diz-se que o Presidente quer acabar com este mecanismo.

O responsável pela revista online Reorient, Joobin Bekhrad, cancelou, por enquanto, as viagens para os Estados Unidos. Bekhrad faz um trabalho significativo na divulgação da arte do Médio Oriente e tem dupla nacionalidade – é iraniano e canadiano. “Dizem que, por ser também canadiano, não devo ter razões para me preocupar, mas não acredito”, explica. “Vou sentir falta de ir a exposições, mas penso que não valem a humilhação.”

Sanções para a arte

Têm sido realizadas várias exposições importantes de artistas iranianos nos Estados Unidos. O Warhol Museum confirmou esta semana que vai para a frente com uma mostra do artista iraniano (também com nacionalidade americana) Farhad Moshir, programada para Outubro. “O artista aborda tradições e o isolacionismo histórico do Irão, demonstrando, em simultâneo, o poderoso apelo e influência da cultura ocidental no seu país natal”, declarou um porta-voz do museu.

Já a curadora Roya Khadjavi-Heidari que, no ano passado, organizou uma exposição de arte iraniana e cubana no nova-iorquino Rogue Space, admite estar preocupada com um projecto que tem em mãos: uma iniciativa agendada para Abirl, composta por 30 trabalhos de três irmãos do norte do Irão, Morteza, Mojtaba e Sina Ghasemi.

Khadjavi-Heidari está fortemente envolvida em programas de intercâmbio cultural e o decreto presidencial tem um forte impacto no seu trabalho. “Julgo que não se pensou nas consequências, é uma medida que vai trazer muitas complicações. A arte nunca fez parte das sanções, sempre conseguimos trazer obras com alguma facilidade”, aponta. “Estou preocupada. Será impossível a estes três artistas conseguirem os vistos de entrada.”

Em Paris, a curadora Leila Varasteh recorda que, mesmo sem a iniciativa de Donald Trump, já era difícil fazer chegar ao Ocidente obras de artistas iranianos, por causa das sanções a Teerão propostas pelos Estados Unidos e que os países europeus subscreveram.

“É difícil ir buscar arte e não posso pagar aos artistas porque, se o fizer, congelam as minhas contas bancárias”, explica. “Durante a Administração Obama, houve ainda uma pequena esperança que agora desapareceu. É uma pena porque as trocas culturais entre os Estados Unidos e o Irão eram fantásticas. Tudo aquilo que vem do Irão está a ser cancelado, de dentro do país e também dos iranianos que vivem no estrangeiro.”

Ainda assim, os protestos nos Estados Unidos e na Europa contra as novas interdições de entrada em solo norte-americano fazem com que Leila Varasteh diga que “a esperança está a voltar aos poucos”.

Medo de estar, medo de sair

Nascida no Irão, a artista Bahar Behbahani vive em Brooklyn e tem dupla nacionalidade. Com uma exposição neste momento em New Hampshire, confessa não se sentir segura, não obstante o facto de ter passaporte norte-americano.

Behbahani tem sido aplaudida por uma série de trabalhos que têm por base os jardins persas. Em 2007 fez um filme sobre uma mulher no Irão que observa um jardim perfeito, mas fá-lo de pernas para o ar. Na semana passada, diz a artista, teve a mesma sensação de deslocamento e estranheza nos Estados Unidos. “Quase dez anos depois, senti-me de novo ao contrário. Na última semana senti-me confrontada com a minha nacionalidade, mas também com o facto de ser artista. Não é relevante de onde se vem, quando nos sentimos ameaçados com as notícias de que o fundo para as artes poderá ser eliminado. Isso também é uma ameaça”, afirma. “Não sou só eu a ter esta sensação. Há tantos americanos que se sentem também de pernas para o ar, em vários aspectos. São tempos difíceis para todos.”

O artista iraniano Shahpour Pouyan, a viver em Nova Iorque com um cartão de residência permanente, diz sentir-se “preso”. “Não posso deixar o país e, como artista, tudo isto significa que não posso fazer exposições e mostrar os meus trabalhos lá fora”, explicou ao New York Times. Shahpour Pouyan é um dos artistas que cancelou a viagem ao Canadá.

3 Fev 2017

Vhils apresenta trabalho na embaixada portuguesa em Banguecoque

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] português Alexandre Farto, que assina como Vhils, vai criar este mês uma obra na embaixada de Portugal em Banguecoque, que será a primeira do artista na Tailândia.

De acordo com o Instituto Camões, a peça, criada “no muro exterior da embaixada de Portugal, situada no terreno oferecido em 1820 pelo Rei Rama II”, será inaugurada no próximo dia 10.

Contactado pela Lusa, Alexandre Farto adiantou tratar-se de uma obra isolada em Banguecoque, que será a primeira que fará na Tailândia, mas escusou-se a revelar qual o seu conteúdo.

A obra é uma iniciativa da embaixada de Portugal e do Centro Cultural Português em Banguecoque, com o apoio do Instituto Camões e do Minor Group.

Alexandre Farto cresceu no Seixal, onde começou por pintar paredes e comboios com graffiti, aos 13 anos, antes de rumar a Londres, para estudar Belas Artes, na Central Saint Martins, depois de não ter conseguido média para uma faculdade portuguesa.

A técnica que notabilizou Vhils consiste em criar imagens, em paredes ou murais, através da remoção de camadas de materiais de construção, criando uma imagem em negativo. Além das paredes, já aplicou a mesma técnica em madeira, metal e papel, nomeadamente em cartazes que se vão acumulando nos muros das cidades.

Em 2014, Alexandre Farto inaugurou a sua primeira grande exposição numa instituição portuguesa, o Museu da Electricidade, em Lisboa: “Dissecação/Dissection” atraiu mais de 65 mil visitantes em três meses.

Esse ano ficaria também marcado pela colaboração com a banda irlandesa U2, para quem criou um vídeo incluído no projecto visual “Films of Innocence”, que foi editado em Dezembro de 2014, e é um complemento do álbum “Songs of Innocence”.

Em 2015, o trabalho de Vhils também chegou ao espaço, através da Estação Espacial Internacional, no âmbito do filme “O Sentido da Vida”, do realizador Miguel Gonçalves Mendes.

Em Março do ano passado, inaugurou a primeira exposição individual em Hong Kong, “Debris”, no topo do Pier 4, uma mostra que reflecte a cidade e a identidade de quem nela habita para ver e, sobretudo, “sentir”. Em Dezembro, chegou a vez de Macau, com um mural nos jardins do Consulado de Portugal. Foi a primeira obra de Vhils numa representação diplomática portuguesa.

Ainda no ano passado, Vhils recebeu o prémio personalidade do ano 2015 da Associação da Imprensa Estrangeira em Portugal.

Paralelamente ao desenvolvimento da sua carreira criou, com a francesa Pauline Foessel, a plataforma Underdogs, projecto cultural que se divide entre arte pública, com pinturas nas paredes da cidade, e exposições dentro de portas, em Lisboa.

3 Fev 2017

Organizadores do Clockenflap trazem Sonar, festival de música electrónica, a Hong Kong

Hong Kong recebe, em Abril, a primeira edição do Sónar, um festival criado há mais de 20 anos em Barcelona. A iniciativa é sobretudo para quem gosta de música electrónica, mas não só. As novas tecnologias vão ser tema de conversa

[dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]m Barcelona dura três dias; a estreia em Hong Kong é mais modesta. No próximo dia 1 de Abril, realiza-se na região vizinha o festival Sónar, um evento que junta música, criatividade e tecnologia. A organização está a cargo dos responsáveis pelo Clockenflap.

“Respeitado por fãs de música de todo o mundo devido ao seu alinhamento ecléctico, a produção de grande qualidade e o apoio de artistas importantes da música electrónica, o Sónar representa mais um marco no panorama cultural de Hong Kong”, escrevem os organizadores na apresentação do festival.

Através da ligação entre música, criatividade e tecnologia, “o Sónar ganhou uma merecida reputação por juntar os amantes da música electrónica e pessoas criativas de diferentes disciplinas e comunidades, oferecendo uma plataforma única de colaboração cultural”, diz-se também.

O festival foi lançado em Barcelona em 1994. Desde então que tem recebido uma diversidade de músicos e de criativos. No ano passado, contou com a presença de 115 mil pessoas de mais de cem países.

Aqui ao lado, o Sónar vai ser realizado no Hong Kong Science Park, em cinco palcos diferentes, ao ar livre mas também em recintos fechados. Começa às 11h de sábado e prolonga-se pelas primeiras horas de domingo. A organização ainda não divulgou o cartaz, mas promete desde já que o público pode contar com “uma curadoria experiente que junta artistas de renome e novos talentos”. O festival vai ser composto por performances de diferentes géneros, de concertos a actuações de DJs, com sets para quem gosta de dançar, mas também com abordagens à música electrónica experimental.

O espaço dos criativos

À semelhança do que acontece com o festival espanhol, o Sónar de Hong Kong integra o Sónar +D, um congresso de tecnologias criativas que junta uma série de actividades ligadas à inovação. Assim, estão programados workshops, palestras e uma exposição. A organização promete ainda oferecer experiências de realidade virtual. “É uma oportunidade única para as pessoas trocarem ideias e explorarem o espaço onde a criatividade e a tecnologia se encontram, num ambiente divertido e inspirador”, prometem os responsáveis pelo evento.

Ainda sem um alinhamento divulgado ao público, os organizadores do festival, que se realiza em Tai Po, garantem desde já que vai haver um sistema de transportes para tornar o destino mais conveniente a todos aqueles que se queiram juntar ao primeiro Sónar de Hong Kong.

2 Fev 2017

Novo livro de Mário Mesquita Borges analisa manutenção da língua e cultura portuguesas

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] portugalidade encontra-se num progressivo desvanecimento em Macau. Essa é uma das ideias mestras do livro “Macau, as Últimas Memórias de Portugal”, de Mário Mesquita Borges. A obra, que vai ser apresentada no próximo dia 8, às 18h30, no auditório do Consulado Geral de Portugal, traça um futuro negro, reminiscente, para a cultura lusa no território.

O ex-jornalista, hoje professor universitário na Universidade Católica, considera que as instituições que tentam promover Portugal na RAEM não estão a fazer o suficiente para manter viva uma herança com quatro séculos de história. Para Mário Mesquita Borges, a língua, a cultura e o património de génese portuguesa estão nas mãos dos próprios macaenses.

“A sobrevivência da língua reside então, e não só, na permanência e uso institucional, mas na sua presença diária, na sua continuidade prática.” Este desvanecer cultural, em troca da crescente “sinização”, foi o resultado natural da transferência de poderes, mas também de outros factores externos. O mandarim é uma língua em crescendo de importância por todo o mundo, portanto, não é de estranhar que em Macau o ensino tenha privilegiado a língua de Confúcio, em detrimento da de Camões, mesmo entre macaenses.

Outros sinais de desaparecimento luso da região são a perda de importância da Igreja Católica, assim como “o decréscimo da miscigenação com o português de origem europeia ocorrido ao longo das últimas décadas, e a integração, em fluxo contrário, com os chineses”.

Como é óbvio, na origem desta mudança não se encontram unicamente razões culturais e económicas, mas também políticas. “Poucos meses depois da transferência de poderes, a presidente do Instituto Cultural afirmou que a instituição tinha como missão para o ano entretanto iniciado (2000) a divulgação e valorização da cultura chinesa no território com o objectivo de que a população de Macau conheça melhor as suas origens”, contextualiza o autor na obra. O livro, que promete lançar discussões, é publicado na colecção Cadernos Hoje, da editora COD.

1 Fev 2017

André Lui, artista plástico: “A história é a minha inspiração”

 

Depois de largos anos na Europa, apesar de vir com frequência a Macau, o artista plástico e arquitecto André Lui redescobriu a velha cidade e transformou-a em arte. Um exemplo de como uma abordagem contemporânea se pode inspirar no passado

 

[dropcap style≠’circle’]D[/dropcap]epois de passar a década de 1990 em Portugal, André Lui regressou a Macau, para partir, de novo, para uma temporada de três anos em França. Durante a fase portuguesa, o artista raramente regressava à urbe banhada pela foz do Rio das Pérolas. Mas sempre que o fazia encontrava uma cidade diferente, com grandes mudanças, a crescer para cima. Ainda assim, nada que se compare “com a mudança gigante dos últimos dez anos”.

Quando estudava no liceu gostava de pegar nos materiais e de ir pintar para o meio da rua, dava-lhe gozo retratar velhos prédios degradados. Esse exercício abriu-lhe duas portas: a porta da expressão artística que nasce da história, e a porta da própria arquitectura, que estudou na Universidade Técnica de Lisboa. “Normalmente, a cultura e o passado dos sítios são uma grande inspiração para mim, os antepassados dos edifícios da cidade chamam-me muito a atenção”, revela o arquitecto. É nesta fantasmagoria urbana que nasce a inspiração de André Lui.

O artista reflecte na sua arte locais de Macau como o Jardim Lou Lim Ioc, o centro histórico e a zona de Nam Van. Aliás, estas zonas são o cerne da exposição “Impressão de Macau”, patente na S2 da galeria junto ao Lago Nam Van, ao abrigo do Anim’Arte, e que conta com mais de 20 obras do artista local.

Redescobrir a velha China

O Jardim Lou Lim Ioc foi um caso interessante na vida de André. Depois das longas temporadas passadas na Europa, o arquitecto regressou a casa sedento da antiga Macau. “Quando voltei, tive uma vontade muito grande de redescobrir a velha cultura chinesa tradicional, que está espalhada pela cidade ainda hoje.” Nessa altura, a passagem pelo Velho Continente ainda o marcava bastante, em particular no que toca às cores usadas pela pintura francesa do século XIX. “Gosto muito do impressionismo, assim como do pós-impressionismo, e as pinturas do Jardim Lou Lim Ieoc foram muito influenciadas por esse movimento artístico, mesmo ao nível das cores com que trabalhei”, confessa.

Apesar de se inspirar muito no passado arquitectónico, André Lui também se deixa influenciar pela vida quotidiana de quem mora em Macau. Em particular, com o crescimento que a cidade sentiu nos últimos dez anos. Com o desenvolvimento cresceram os problemas, à medida que o espaço para habitar e circular diminuíram. “Como sou arquitecto, também me interessa a vivência contemporânea dos cidadãos”, conta. Como tal, pegando na sensação de claustrofobia que o progresso trouxe ao território, o artista montou uma instalação que procurou retratar a falta de espaço que Macau tem para oferecer aos seus habitantes.

André é um artista multifacetado, trabalha também com fotografia, videografia, assim como pintura e instalação. Não consegue escolher um meio predilecto, mas comenta que a instalação lhe “oferece mais possibilidades, é mais versátil”. Dessa forma pode usar um leque variado de técnicas e materiais, baseando-se no carácter tridimensional das obras.

Porém, os desenhos ou pinturas são elementos mais fáceis de controlar. Se uma expressão artística privilegia o espaço, a outra trabalha mais à superfície, num plano bidimensional. Para André, mesmo ao nível da inspiração, “uma pintura é mais fácil de trabalhar, porque está mais ligada às emoções pessoais”. Outra razão pela qual não faz tantas instalações prende-se com a relação que a obra tem com o espaço onde está exposta, e essa é a razão pela qual tem menos oportunidades de expor este meio em Macau.

Mergulho na Praia Grande

Quando desenha, ou pinta, André Lui é muito frequentemente capturado pelas questões do património e história da cidade. Uma das zonas que mais o fascina é, também, a mais retratada de Macau: a Praia Grande. Hoje em dia, é um zona de beira lago, mas o passado do que era o Lago Nam Van é desconhecido para grande parte da população mais nova. André desenhou a zona como era antigamente, com base em antigas gravuras de pintores como George Chinnery, e até chegou a dar umas pequenas aulas de história sobre a zona. “Mostrei imagens antigas da Praia Grande aos alunos e a verdade é que a maioria não imaginava o passado da zona”, releva.

Ao longo do século XIX, a Praia Grande era o centro social e financeiro de Macau. Com uma ampla avenida estendida à beira-mar, ao longo da baía, polvilhada por casas luxuosas ligadas a negócios europeus. Era uma espécie de hub de comércio internacional. “A história desta zona é a que mais me puxa a atenção em toda a cidade”, revela. Era uma parte de Macau muito vibrante, com mercadores e pescadores a viverem lado a lado, e uma coabitação harmoniosa entre as culturas orientais e ocidentais.

Era a parte da cidade mais emblemática, que a melhor representava, o seu indiscutível cartão de visita. Daí ter sido imortalizada nas pinturas de George Chinnery e de outros pintores que passaram para a tela a curvatura da baía.

Na exposição patente no Largo Nam Van, o artista conta a história do local, assim como a evolução ocorrida ao longo dos anos. “Na Praia Grande podemos ver a grande mudança que ocorreu na imagem da cidade”, explica. Essa evolução de património e paisagem inspiraram-no. “Na série de desenhos que fiz da zona, tentei fazer uma comparação entre a imagem da cidade actual e o aspecto que tinha no século XIX”, acrescenta André.

O fascínio por esta parte da cidade mantém-se muito além da inspiração artística. Quando tem tempo, André Lui gosta de dar umas voltas pela zona que fica a sul e que se estende pela Rua da Praia do Bom Parto. “Ainda tem a mesma atmosfera que tinha nos anos 80 e 90.” Além de conter ainda intacta grande parte do que foi a zona nobre da Macau antiga, é uma zona óptima para passear, ou dar uma corrida aproveitando a sombra das árvores.

26 Jan 2017

Licínio de Azevedo, realizador | Uma vida a contar estórias

Licínio de Azevedo, nome maior do cinema moçambicano, fez uma transição suave do jornalismo para o cinema. Os seus filmes contam estórias de dor e profundo humanismo, e estão em exibição, até quinta-feira, na Fundação Rui Cunha, num ciclo organizado pela Associação dos Amigos de Moçambique

[dropcap]C[/dropcap]omo é que passou do jornalismo para o cinema?
Foi bastante natural. No Brasil, fazia um tipo de jornalismo diferente, baseado no novo jornalismo norte-americano, muito influenciado por John Reed, que escreveu “Os Dois Dias que Abalaram o Mundo”, “México Rebelde”, e o próprio Garcia Marquez que, antes de ser escritor, trabalhou na Venezuela como jornalista. Os textos dele já eram contos, eram estórias, não era aquele jornalismo objectivo. Procurava fazer algo assim, contar uma estória. Viajava muito pela América Latina, publicava na imprensa independente da época, nos jornais de oposição ao Governo militar. Fiz reportagens sobre os mineiros na Bolívia e coisas assim, mas sempre com uma estória, com personagens e tudo isso. Entrei pelo cinema através da escrita, com essa ligação do jornalismo com a literatura, e nem me interessava em fazer cinema, o que queria mesmo era escrever. Depois, em 1976, estive na Guiné Bissau e recolhi muitas estórias sobre a guerra da independência. Fiz entrevistas a combatentes, a camponeses, e publiquei um livro no Brasil com esse estilo, baseado nas entrevistas, mas mais literário. Entretanto, o Ruy Guerra, um cineasta brasileiro famoso, convidou-me para ir para Moçambique em 1977 para ajudar à criação do Instituto Nacional de Cinema. Era a primeira instituição cultural criada pelo Governo pós-independência. Eles apostavam muito na força da imagem para a criação da unidade, porque o povo falava várias línguas e tinha um nível de analfabetismo muito grande. O cinema era um instrumento de comunicação mais forte que a escrita.

Como foi a sua chegada a Moçambique?
Fui directo para as antigas zonas libertadas do norte do país e fiquei alguns meses recolhendo estórias que foram publicadas, inicialmente, em formato de livro. “Relatos do Povo Armado” são dois volumes com 30 e tal estórias que serviram de base para a primeira longa-metragem de ficção moçambicana, “O Tempo dos Leopardos”. O filme foi realizado por um jugoslavo porque, na época, não havia cineastas moçambicanos. Em Moçambique os documentários eram muito formais, filmávamos e eu escrevia os guiões e as partes de voz off. Só uns dez anos depois é que comecei a realizar, já em meados dos anos 80, mantendo ainda alguma ligação com o jornalismo. De vez em quando ainda enviava alguma reportagem mas, aos poucos, comecei a fazer cinema e achei que valia a pena.

Como entra na ficção?
Comecei a fazer pequenas experiências em vídeo, com narrativas diferentes em curtas-metragens. O primeiro filme grande que fiz, uma produção independente, foi uma ficção, “A Colheita do Diabo”. Depois disso, o meu lado de jornalista ganhou preponderância novamente e passei muitos anos a fazer só documentários, sempre com uma linguagem pouco tradicional. Fazia a pesquisa e um guião usando os elementos narrativos da ficção.

O que aprendeu com o contacto que teve com Jean-Luc Godard?
Tínhamos grandes discussões teóricas sobre linguagem, assim como algumas regras básicas de cinema. Ele dizia que o cinema era contabilidade, que o grande exercício seria filmar um minutos e montar três, aquelas maluquices do Godard. São coisas que nos ficam na cabeça. Além disso, foi a primeira pessoa que chegou a Moçambique com uma câmara de vídeo quando, na época, a grande opção era a 16mm, enquanto as produções maiores eram 35mm. Foi através do Godard que se introduziu o vídeo em Moçambique e, graças a ele, nunca fiz um filme em película e ainda bem. Mas ele nunca filmou em Moçambique, assim como o Ruy Guerra, tinham projectos grandes, mas o problema dos cineastas é que são muito individualistas. Como já eram estrelas, entraram em confronto com a instituição revolucionária que tinha uma visão mais colectivista. Então, as coisas não funcionaram bem para nenhum deles.

Como compara o cinema e o jornalismo em termos de intervenção social?
A criação do Instituto Nacional de Cinema era um organismo educativo de informação, um instrumento político. Isso continua até hoje, fazemos muitos pequenos filmes institucionais, educativos, que é algo que me dá muito prazer porque me faz viajar pelo país inteiro. Apesar de serem institucionais, tenho liberdade total para escolher a forma como passar a mensagem, seja sobre educação, saúde ou agricultura. Cheguei até a fazer um filme mudo, de meia hora, sobre a água dos poços, porque em Moçambique há várias línguas diferentes.

Apesar de filmados em África os seus filmes têm projecção internacional.
Moçambique passou por várias fases diferentes. Independência, euforia e depois veio o começo da guerra com a agressão rodesiana, de seguida o começo da guerra civil, que destruiu completamente o país. Depois o retorno dos refugiados, a reconstrução e o recomeço da guerra. Tudo isso levou-me a pensar em temas actuais, sendo que o cinema também passou a ter outra função bastante forte, que foi transmitir durante a guerra toda essa informação para públicos de outros países. Trabalhei muito com a ZDF, a BBC, Channel 4, com televisões francesas. Agora perderam um pouco o interesse porque há conflitos por todo o lado, o mundo está a arder completamente e há mais dificuldade em conseguir fundos. Hoje para fazer documentário em Moçambique é algo de uma dificuldade terrível, porque o interesse das televisões está muito disperso por todo o lado. Há a Síria, o Iraque, a Líbia e as Primaveras que se transformam em Invernos. É mais difícil para mim, por incrível que pareça, conseguir financiamento para documentários do que para ficção, apesar do documentário ser bem mais barato.

Qual foi o passo fundamental para entrar definitivamente na ficção?
“Desobediência” foi a transição. Fiz pequenas experiências de ficção nos anos 80, mas parei para fazer só documentário, contando uma estória onde os personagens agiam diante da câmara. O filme “Desobediência” nasceu quando vi uma pequena notícia no jornal. No centro do país, num sítio completamente isolado onde as pessoas não tinha televisão, um homem suicidou-se porque a mulher era desobediente, o que achei completamente absurdo. Com tanta mulher bonita no mundo vai suicidar-se porque a mulher não obedece? Fui para lá e encontrei uma estória completamente diferente, que me obrigou a fazer um filme diferente, onde as pessoas reproduziram tudo aquilo que aconteceu. Há um tabu, do tipo Electra ou Édipo, ao género das tragédias gregas, em que gémeos não podem fazer amor com a mesma mulher. O homem que se suicidou fez amor com a esposa do irmão gémeo. Os espíritos começaram a agir dentro dele, as pessoas acreditam nisso, e ele matou-se. Para não revelarem esse segredo culparam a viúva de desobediência. Digo que foi uma transição porque as pessoas não tinham televisão, nunca tinham visto um filme e, então, aproveitaram aquela oportunidade para provarem que tinha razão. Ou seja, que a mulher era, realmente, desobediente. Consultaram um curandeiro, houve muitas agressões que quase resultaram em morte. Inscrevi este filme do Festival de Biarritz na área de documentário e foi rejeitado. Acabou por concorrer como ficção. Enfim, ganhou o prémio de melhor ficção, um filme feito com 100 mil euros, que concorreu com ficções de 10 milhões e 15 milhões de euros. Passa amanhã às 18h30 na Fundação Rui Cunha.

Qual a estória por detrás do filme “Virgem Margarida”?

© Ricardo Rangel
O grande fotógrafo moçambicano Ricardo Rangel mostrou-me uma fotografia a que ele chamou “A última prostituta”. A foto era do tempo depois da independência, e tinha dois militares da guerrilha a escoltar uma prostituta para ser enviada para os centros de reeducação no norte do país, no meio da selva. Estes centros eram na realidade campos de concentração. Isto era algo que fazia parte de um processo maluco que era a criação do homem novo, cheio de boas intenções, mas que acabou em tragédia com a morte de centenas de mulheres. Inspirado nessa fotografia, fiz um documentário bem tradicional. Entrevistei senhoras que foram “reeducadas”, antigas prostitutas e as chefes guerrilheiras desses centros, que eram de trabalhos forçados. E uma delas contou-me uma estória de um minuto, que aparece no filme, sobre uma jovem que foi com ela para lá. Era uma adolescente camponesa, de 15 anos, que não tinha bilhete de identidade. Tinha ido à cidade comprar o enxoval para o casamento e foi considerada prostituta por não ter identificação. Uma estória que foi contada num minuto deu uma ficção de longa-metragem. O documentário serviu-me de pesquisa para escrever o guião do “Virgem Margarida”, e criei uma estória em torno daquele centro de reeducação, onde uma das personagens principais é essa jovem virgem. Coloquei elementos ficcionais, ela é violada e suicida-se. O filme saiu há quatro anos e venceu três prémios internacionais.

Como está a ser a aceitação do seu último filme?
“O Comboio do Sal e Açúcar” é um filme com co-produção portuguesa da Ukbar Filmes, e está a ser lançado com enorme sucesso. Ganhou o prémio no Festival de Locarno, onde passou na Piazza Grande para 4500 pessoas. Ganhou o melhor filme do Festival de Joanesburgo, e no Cairo ganhei o prémio de melhor realizador. O filme está a ter grande aceitação, foi convidado para 18 países diferentes, e com muitas possibilidades de sair em salas até na Turquia. Ou seja, nem consigo mais pensar em projectos de documentário, porque tudo é mais demorado. Tenho três projectos de ficção e um deles está bem encaminhado, rapidamente consigo financiamento.

O que nos pode adiantar do próximo projecto?
É um filme baseado num livro de um escritor brasileiro, Altair Maia, que é praticamente um guião. Li-o e apaixonei-me. O livro chama-se “Tributo a Jonathan Makeba”, que é um líder comunitário, mas também um homem de negócios do Burkina Faso, uma personagem real. Ele tinha um negócio de fosfatos para adubos, entre o Niger e o Burkina Faso. Makeba desenvolveu um projecto a pensar nas comunidades desses dois países, e criou milhares de empregos. Cerca de 25 por cento do investimento que vinha do estrangeiro ia para contas bancárias de líderes e não sobrava nada para a população. Neste filme falo da corrupção como um problema actual em África, Moçambique, Angola, em quase todos os países africanos. Aliás, é por isso que as pessoas ficam presas ao poder, como por exemplo, agora, na Gâmbia. O filme é muito actual, mas ainda é um projecto, ainda não rodei mas já tenho produtoras interessadas.

TRAILER DE “O Comboio do Sal e Açúcar”

25 Jan 2017

Régis Bonvicino volta a publicar nos Estados Unidos

[dropcap style≠’circle’]D[/dropcap]e volta aos escaparates, o autor brasileiro repete a proeza de editar um livro de no mercado livreiro norte-americano. Esta é a segunda vez que Régis Bonvicino tem uma colectânea de poesia, “Além do muro”, publicada nos Estados Unidos. A edição está a cargo da Green Integer.

Este é um feito raro entre poetas do Brasil. A compilação reúne poemas dos três mais recentes livros do autor: “Estado   crítico” (2013,   Hedra), “Página   órfã” (2007,   Martins   Fontes)   e “Remorso do cosmos” (2003, Ateliê Editorial). O livro reúne poemas traduzidos ao longo dos últimos 15 anos de publicações em revistas, assim como de poemas que nasceram de leituras que o poeta realizou nos Estados Unidos. Esta publicação ocorre mais de 16 anos depois da primeira colectânea publicada em terras do Tio Sam, depois de “Sky-eclipse”, que abarcou um período anterior da sua obra.

“Além do muro” foi traduzido para o inglês pelos conceituados Charles Bernstein e Odile Cisneros, reunindo um total de 60 textos. É de salientar que Bernstein é um poeta norte-americano de renome, um dos mais reputados críticos da especialidade, assim como o principal representante do movimento literário Language Poetry, que conheceu as seus tempos áureos nas décadas de 70 e 80.

Régis Bonvicino, além de poeta, é tradutor, editor e crítica de literatura. De acordo com alguma crítica brasileira é um dos autores mais consistentes da actual cena poética, além de ter conseguido muita projecção além fronteiras. Também no campo da poesia publicou dois pequenos livros na década de 70, ainda muito jovem, “Bicho Papel” (1975) e “Régis Hotel” (1978), tendo a sua obra conhecido um período mais prolífero nas décadas de 80 e 90. O brasileiro tem também um livro editado em Portugal: “Lindero Nuevo Vedado”, publicado em 2002 pelas Edições Quasi.

“Além do muro” reúne alguns dos poemas de maior cariz político do autor paulista. Com uma linguagem plena de vitalidade, Bonvicino oscila entre a descrição de imagens avassaladoras de natureza e as duras realidades da industrialização em ambientes urbanos.

24 Jan 2017

Catalyser | Pop rock made in Macau

Numa cidade com pouco mercado para o pop rock, os Catalyser formaram-se a partir de um grupo de amigos de escola com uma paixão em comum: a música

[dropcap style≠’circle’]C[/dropcap]omo muitas bandas de rock, os Catalyser conheceram-se na escola secundária, um percurso habitual numa idade em que a identificação musical é muito importante. Nos últimos meses de liceu, em 2012, fizeram um pequeno concerto para os amigos, sem grandes ambições, que viria a ter repercussões pouco tempo depois. No fim do ano lectivo, o grupo de amigos que subiu a palco e que partilhava o amor pela música decidiu que chegara a altura de formar uma banda.

Assim nasciam os Catalyser, nome inspirado no conceito químico que aprenderam numa aula de Ciências. “Queríamos que a nossa música fosse um catalisador entre pessoas, algo que promovesse a união, que incitasse, por isso escolhemos este nome”, conta Daniel, guitarrista da banda, que também trabalha com vídeo, principalmente em publicidade.

A banda, inevitavelmente, foi influenciada pela cena cantopop de Hong Kong, como os Supper Moment. Este tipo de sonoridade é fortemente inspirado no pop chinês, assim como nas sonoridades pop de bandas que inundaram as MTV durante a década de 90. Dessa forma, não é de estranhar que o Ocidente musical também tenha chegado aos ouvidos e às influências dos Catalyser, como não podia deixar de ser. Bandas com projecção global como Green Day, Coldplay e Radiohead são alguns dos pontos de conexão dos Catalyser com as sonoridades mais ocidentais.

Reflexões em disco

No ano passado, a banda reuniu as composições que tinha e foi para estúdio. O resultado foi um disco chamado “Reflections”, que projectou a banda para a cena cantopop de Macau. Com concertos tocados na rua, e para qualquer palco que os convide, a popularidade da banda cresceu, dentro da dimensão do território, com o seu nome a passar de boca em boca.

Em 2015 ganharam o prémio de música da TDM, um evento que marcou a banda. “Foi um momento memorável, deixou-nos muito felizes, apesar de achar que havia outros melhores do que nós, foi algo que nos surpreendeu muito e que não poderia ser conseguido sem a ajuda de outras bandas”, conta Daniel. O prémio deu-lhes alguma visibilidade, além de uma injecção de confiança para comporem algo mais arrojado.

Em Setembro do ano passado, a banda mudou de rumo e passou a ter uma voz feminina, Iron. Uma mudança que não trouxe disrupção no sentido condutor que guia a sonoridade dos Catalyser. Apesar de ser uma banda de gente jovem, na casa dos 20 anos, o som tem alguns contornos maduros, principalmente no que toca aos arranjos. Com composições algo melancólicas e canções que evocam perda, a banda de Macau fez uma transição suave de uma voz masculina para a voz de Iron. A vocalista encaixou bem na sonoridade do conjunto, e sente-se como peixe na água em palco. Aliás, tocar ao vivo é algo que lhe enche a alma, em particular quando sente “que o público está a gostar da música”.

“Apesar de todos enfrentarmos a nossas dificuldades, seguimos os nossos caminhos, porque a música é o catalisador das nossas vidas”, sintetiza a banda no seu canal de Youtube.

24 Jan 2017

Pintura | Inaugurada amanhã a exposição de Manuela Martins

[dropcap style≠’circle’]C[/dropcap]om uma vida recheada, Manuela Martins foi professora de meia Macau, viveu em Moçambique, constituiu família, mas apesar das trocas de continente teve sempre uma constante na sua vida: a pintura. Já com idade avançada, 84 anos, e com problemas de saúde, não pudemos chegar à fala com a pintora. Como tal, falámos com um dos seus filhos, Rui Calçada Bastos, artista plástico, que organizou a exposição. O público poderá ver uma selecção de peças que a artista tinha em casa, desde quadros de 2009 até mais recentes “da última vez que esteve cá, mas sempre muito direccionadas para temas relacionados com Macau”, explica o filho. Entre os quadros escolhidos há retrato do emblemático Padre Teixeira, o que vem de encontro ao modo de pintar de Manuela Martins, retratar aquilo que vê pelos sítios por onde vai passando, daí o nome da exposição: Observações.

Quem se deslocar à Casa Garden poderá ver entre 25 a 28 telas, no habitual óleo que caracteriza a carreira da pintora. Enquanto deu aulas em Macau, Manuela foi expondo com regularidade, todos anos havia sempre algo a apresentar. Mesmo hoje, com 84 anos, continua com uma produção considerável. “Isso já vai muito além dos conceitos, se é arte contemporânea, ou não, já não interessa muito, acho que é mais a demonstração de acreditar na pintura e de manter uma enorme curiosidade no olhar”, comenta o artista plástico.

Traço de uma geração

Com uma formação muito académica como artista, fiel ao óleo sobre tela e às representações figurativas, Manuela Martins faz parte da geração que estudou nas Belas Artes nos anos 50. Colega de artistas conceituados como Lourdes Castro e José Escada, Manuela trilhou um caminho diferente, não inteiramente dedicado às artes. “O que aconteceu com a minha mãe foi ter mudado de vida várias vezes, foi viver para Moçambique, apaixonou-se, teve filhos, tudo rumos complicados para uma carreira artística”, explica o filho. Ao contrário dos seus colegas que investiram a sério numa carreira, Manuela seguiu a vida “normal” de uma mulher. Para Rui Calçada Bastos, a mãe poderia ter chegado a outro patamar de visibilidade, se tivesse apostado apenas na pintura. No entanto, a vida deu-lhe experiência que se reflecte na sua arte. “Sempre foi honesta consigo própria, pintando aquilo que via”, explica o filho, e organizador da exposição, acrescentando ainda que acha que a mãe deixa um legado genial, porque tem “pinturas dos costumes africanos dos anos 50/60, e depois a visão que ela teve de Macau”.

“A minha mãe foi o trigger disto tudo, eu cresci a vê-la pintar”, conta o artista plástico. Dos quatro filhos que Manuela teve, Rui foi o que decidiu também abraçar as artes. Foi pelo pincel da mãe que percebeu “que há coisas no mundo externo que não estão lá ao primeiro olhar, essa curiosidade foi ela que me imprimiu”, explica. Certamente que Rui não será a único a ser inspirado por uma figura incontornável desta cidade, de alguém que transformou a sua visão de Macau em arte.

23 Jan 2017

Fernando Sales Lopes fala sobre ano novo lunar na FRC

É um final de tarde dedicado a quem tem curiosidade sobre os rituais do ano novo lunar. Amanhã, na Fundação Rui Cunha, Fernando Sales Lopes partilha ideias sobre a festa mais importante da comunidade chinesa
Fernando Sales Lopes

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]contece “a pedido de várias famílias” e não é um momento inédito. Há alguns anos, Fernando Sales Lopes, historiador e mestre em Relações Interculturais, foi o responsável por uma sessão do género, que tem como público-alvo aqueles que, tendo algumas noções sobre a importância do ano novo lunar, pretendem saber mais sobre este momento importante para a comunidade chinesa.

“A maior parte das pessoas não sabe o que se passa no ano novo chinês e tem curiosidade, como é óbvio”, diz o investigador, com trabalho feito em festividades chinesas. “Às vezes a informação também não é a melhor. Regra geral, as coisas oscilam ‘entre isto dá sorte’ e ‘aquilo dá azar’.”

Acontece que a grande festa do ano é muito mais do que uma questão de fortuna ou de desgraça. Sales Lopes vai falar do ano novo lunar de “uma forma mais ou menos estruturada”, explicando o que é, o que significa na China e porque é que há determinadas práticas nesta altura.

“As pessoas têm muita curiosidade em relação a certas coisas: hoje pode fazer-se isto, amanhã pode fazer-se aquilo, as dívidas têm de ser pagas, há que cortar o cabelo, arranjar a casa, visitar a família”, observa. O investigador vai falar dos rituais, do significado da cor, o significado da forma, “porque é que as coisas acontecem assim e não de outra maneira”.

Um mundo em movimento

Fernando Sales Lopes destaca que estas tradições fazem parte da maior festa da comunidade chinesa, com uma enorme importância social. “Neste momento, na China, já andam milhões de pessoas de um lado para o outro, é a maior migração do mundo, porque é a festa da família. As pessoas encontram-se, correm meio mundo, há outros que estão emigrados e que regressam nesta altura para estarem com as famílias. É uma festa importantíssima nesse aspecto, porque é a festa da família.”

Ainda em relação ao modo como o ano novo lunar é vivido, é difícil destacar um momento, seja pela importância ou pela peculiaridade, numa festividade que engloba uma série de rituais. “São todos muito curiosos e, assim sendo, apelava à curiosidade das pessoas para irem ver a sessão, para a gente falar sobre isso”, desafia.

É uma festa muito rica do ponto de vista das tradições. “Há a ceia da família, do ano novo, a chegada do ano, o regresso a casa na noite de ano novo do Deus do Fogão, que sai 15 dias antes para ir lá a cima levar ao Imperador de Jade o relatório sobre como a família se portou o ano inteiro”, exemplifica. “Há uma altura do ano novo chinês em que as pessoas ficam em casa e há outra em que vêm todas para a rua. Tudo isto tem um significado.”

“O ano novo chinês – Costumes e tradições”, com Fernando Sales Lopes, tem início marcado para as 18h30, amanhã, na Fundação Rui Cunha.

23 Jan 2017

Performance | Festival Fringe apresenta trabalho de Jenny Mok

O edifício do antigo tribunal recebe a performance “Paisagem Entrelaçada: Maré da Noite” amanhã e domingo, pelas 20h. Fomos conhecer Jenny Mok, a coreógrafa que pisará o palco numa dança mais que plástica

 

[dropcap style≠’circle’]“É[/dropcap] uma coreografia pensada para materiais, em vez de ser para feita da forma tradicional, para o corpo humano.” As palavras são de Jenny Mok, a performer e coreógrafa que apresentará ao público do Festival Fringe este fim-de-semana o seu espectáculo sobre paisagens naturais em movimento. Anteriormente, a artista de Macau já havia trabalhado com tecidos no seu processo criativo, nomeadamente o algodão. Neste espectáculo, “Paisagem Entrelaçada: Maré da Noite”, o material escolhido foi o plástico. Esta exibição foi preparada a meias com a sua amiga e designer visual Nip Man Teng.

Há dois anos que a coreógrafa começou os seus trabalhos a solo. Primeiro começou por explorar a interacção entre corpo, som e luz, como partes iguais, que se fundiam numa linguagem única. Depois veio a preocupação com o que mais se poderia fazer em palco, além do trabalho físico com o corpo. Os materiais vieram por arrasto, naturalmente. “Quisemos fazer coreografias para corpos não-humanos, foi o primeiro passo”, comenta a coreógrafa. Jenny explica também que tenta dirigir o material enquanto representa, “mas o material fixa o tom” do que transmite, uma vez que a textura se conjuga com os restantes elementos em palco.

Jenny Mok considera que o plástico, sacos em particular, carregam uma carga negativa nos dias de hoje, muito ligados à deterioração do ambiente e ao excesso de consumo, e são o resultado de manipulação, outra palavra com uma conotação negativa. Paradoxalmente, usa estes dois elementos para transmitir algo natural.

“O que é engraçado é que, quando se tenta trabalhar com estes materiais manipulados, artificiais, em coreografia, eles dão uma impressão de paisagem natural”, explica a performer. “Também Macau é muito trabalhado, em constante transformação, e pegámos neste conceito de paisagens alteradas para fazer coreografia”, explica.

Mundo plástico

Jenny Mok tem formação em literatura inglesa, algo que considera importante na sua formação como artista, uma vez que lhe deu perspectiva para melhor entender o processo artístico. Durante o seu tempo como estudante universitária, começou a interessar-se por artes performativas, algo que ao primeiro contacto lhe “acelerou o coração”. O arrebatamento chegou antes de ter iniciado qualquer tipo de formação na área artística. A porta de entrada para a criação cultural foi como espectadora, mais precisamente no Festival Fringe de 2001. Sem ter compreendido muito bem o que tinha visto, Jenny ficou muito impressionada com a performance vanguardista a que assistiu. Um ano depois estaria a ter aulas de dança com a companhia que a tinha impressionado, depois de se voluntariar para ajudar no que fosse preciso.

Na primeira vez que pisou o palco, a artista confessa que não sabia muito bem o que estava a fazer, apenas tentou expressar-se da melhor forma que conseguiu. O seu processo criativo foi-se apurando até chegar a uma mensagem que transmite ao público usando a linguagem do movimento corporal.

Macau foi uma das inspirações para a artista, uma vez que a manipulação de paisagens atinge uma intensidade muito grande, comparando com outras cidades do mundo. “Esta não é uma performance sobre as mudanças nos horizontes de Macau, mas a cidade tem um enorme impacto em mim, enquanto criadora”, explica Jenny Mok. A artista completa que “é impossível não sentir a influência do sítio onde vivemos”.

Apesar do elemento de improviso, os espectadores terão uma visão de algo detalhadamente planeado. Ainda assim, “com este material nunca sei muito bem o que vai acontecer, eu tento manipular esse o plástico mas, por vezes, ele é que acaba por me manipular”.

20 Jan 2017

Espectáculo “Made in Macau 2.0” recorda vivências nas fábricas

É já em Fevereiro que estreia em Macau o espectáculo “Made in Macau 2.0”, que retrata o tempo em que milhares de pessoas vieram do Continente para trabalhar nas fábricas de Macau. Teresa Lam, mentora do espectáculo de teatro documental, optou por contar a sua história de vida, num misto de ficção e realidade

[dropcap style≠’circle’]F[/dropcap]oi por pouco que Teresa Lam não nascia no meio de uma fábrica de têxteis, a meio da noite. A mãe, imigrante oriunda da China, sem posses económicas, sentiu as fortes dores do parto e foi sozinha para o hospital. Estávamos em 1980 e em Macau o boom do turismo ainda não se fazia sentir. Havia dificuldades económicas e muitos procuravam emprego.

Foi esta a realidade que Teresa Lam optou por retratar no projecto de teatro documental “Made in Macau 2.0”, que subirá ao palco do edifício do antigo tribunal nos dias 18 e 19 de Fevereiro. Ao HM, Teresa Lam explicou por que optou por ser a personagem principal da sua própria criação.

“Este projecto é sobre a minha família, que saiu da China para se estabelecer em Macau, e conta a história de como cresci numa fábrica têxtil. Nos anos 80 e 90 as fábricas eram muito comuns. Claro que, depois, a indústria do turismo tornou-se dominante e todas as fábricas foram fechando. Faço parte da geração que assistiu a esta rápida mudança, porque nasci em 1980 e a primeira parte da minha vida vivi-a numa antiga colónia portuguesa, mas depois tive de regressar à China com a minha família. Somos a geração que mais vivenciou esta rápida transformação da história de Macau.”

Sendo uma mistura de teatro documental com storytelling, “Made in Macao 2.0” pretende mostrar à sociedade dos dias de hoje a história de um tempo passado. “Esta é uma colecção de memórias muito especial para as pessoas de Macau. Espero que o público possa recordar os tempos difíceis de Macau por comparação a uma fase em que temos o PIB mais elevado do mundo”, defendeu Teresa Lam.

Para a mentora deste projecto, só faria sentido falar de si mesma se fosse para mostrar a história de tantas outras pessoas. “Pensei que, se fosse falar de mim, teria de ser mostrando toda a Macau e como o território mudou. E como as ideologias foram mudando, porque os nossos pais mudaram-se para Macau devido à situação política na China naquela altura. As suas visões são muito diferentes. O público poderá ver como nascemos e crescemos. Praticamente nasci na fábrica.”

Experiência checa

Esta não é, contudo, a primeira vez que este espectáculo sobe ao palco. Tudo começou em Praga, na República Checa, onde Teresa e Kevin Chio, produtor do espectáculo, fizeram os seus mestrados nesta área.

“Em dois anos fizemos um projecto final e decidimos que tínhamos de fazer algo sobre Macau. Ficámos muito felizes com um contacto que conseguimos com um centro de arte performativa local, um dos maiores de Praga. Foi importante porque a maioria dos teatros são em checo, mas este está aberto a profissionais do estrangeiro e, por isso, conseguimos apresentar o nosso projecto. Também cooperamos com artistas de Praga ligados ao teatro documental.”

Para Teresa Lam, estar em Praga e apresentar lá o seu espectáculo foi importante do ponto de vista criativo. “Conseguiram transmitir-nos uma visão estrangeira ao projecto, porque muitas vezes introduzimos elementos de uma cultura, como os pauzinhos, e não compreendemos como os outros vão olhar e entender esses elementos culturais.”

No ano passado, Teresa Lam e Kevin Chio foram convidados para regressar à capital checa, onde fizeram a segunda fase do “Made in Macau 2.0”, que vai agora ser apresentada ao público local.

Apesar de conter uma boa dose de realidade, “Made in Macao 2.0” também será feito de ficção. “O espectáculo vai mostrar a realidade, mas também alguma imaginação, sobretudo sobre o período anterior ao meu nascimento, quando os meus pais vieram para Macau. Abordo também os amigos dos meus pais, que não tiveram a mesma sorte de vir para o território. Fiz alguma pesquisa sobre isso e criei alguma ficção à volta desse período”, concluiu.

O espectáculo está a cargo da companhia de teatro alternativo Rolling Puppet, fundada por Teresa Lam, e será apresentado ao público no dia 18 de Fevereiro às 20h e no dia 19 de Fevereiro às 15h. Os bilhetes já se encontram à venda.

19 Jan 2017

Laura Nyögéri, directora artística da Artfusion | A arte de aprender a ser livre

A Artfusion existe há quase três anos para ensinar a criar em liberdade. A direcção artística é assumida por Laura Nyögéri que, um dia, substituiu a publicidade pela criatividade e agora encaminha os mais novos na descoberta

[dropcap]C[/dropcap]omo é que descreve o projecto Artfusion?
O Artfusion é um grupo de artes performativas que existe em Macau desde 2014. Surgiu exactamente nesta altura, no ano novo chinês. Era o ano do Cavalo e a formação apareceu de uma colaboração com o grupo de capoeira Axé. Tivemos a ideia de juntar a capoeira e os batuques com dança contemporânea, ginástica e muita criatividade. O resultado foi surpreendente. Nasceu o conceito de fusão de artes, de onde apareceu o nosso nome.

Não ficaram por aí.
Não. Com a experiência resolvemos começar a organizar workshops onde desenvolvemos várias áreas das artes performativas. Optámos, desde logo, por diversas vertentes: a expressão dramática, a dança, técnicas de improviso e até as próprias artes plásticas. Este trabalho permitiu aos alunos que se inscreveram o contacto com várias valências e, a nós, percebermos quais as competências das crianças e jovens para delinearmos qual seria o caminho a seguir. A partir daí, iniciámos as aulas de artes performativas em que as inscrições foram muitas. Tivemos alunos dos quatro aos 17 anos, o que fez com que começássemos a dividir as formações por turmas, consoante as idades. Actualmente temos cerca de 50 alunos, divididos em três grupos.

São também uma escola?
Acabamos por ser. Uma das nossas principais missões é a formação através das artes orientada para o desenvolvimento da expressão da criatividade e, acima de tudo, para a noção de liberdade. Outro aspecto importante é o desenvolvimento da expressão individual e de grupo. Pontualmente funcionamos com grupos de adultos para eventos específicos. Neste momento, cerca de 80 por cento dos alunos são portugueses e os restantes dividem-se entre macaenses e chineses. Também aqui há uma fusão de culturas que torna a experiência muito interessante.

Como são organizadas as aulas?
Exploramos e seguimos muitos modelos e técnicas criativas aliadas à expressão corporal e dramática. Queremos também permitir a exploração da consciência do eu e do outro para que não só desenvolvam conhecimentos nas diversas áreas artísticas, mas que encontrem também aqui um lugar de divertimento e de criação. Sinto que muitos jovens têm um plano curricular com muitas actividades e uma das maiores dificuldades é terem tempo para fazerem as coisas. É por isso também que temos aulas apenas uma vez por semana e, mesmo assim, os alunos têm, frequentemente, de fazer alguma ginástica com a agenda para conseguirem fazer tudo. Por outro lado, isto também implica algum trabalho das próprias famílias para coordenar os vários horários, mas é possível. Eles gostam muito das aulas.

O Artfusion tem aulas e espectáculos?
Sim. Muitas vezes aproveitamos as aulas para o ensaio de espectáculos, mas também sinto que temos de parar esse processo de produção para que tenham espaço para se libertarem. Sinto que precisam deste espaço.

Não são uma associação. Como é que se organizam?
Somos um grupo que colabora com a associação “Macau no coração”, o que nos permite participar em actividades organizadas por instituições governamentais. Quando participamos em determinados eventos, como a Lusofonia, fazemos questão de levar conteúdos, de alguma forma, lusófonos. Já dançamos o fado, por exemplo.

Como é que chegam à ideia para um espectáculo?
Os alunos também têm aí um papel muito importante. Tentamos perceber quais são os seus interesses e de que forma a nossa cultura pode ser interessante para ser explorada por eles. O nosso público é, essencialmente, familiar e o nosso universo muito vasto pelo que, para agradarmos a todos, temos de fazer um espectáculo o mais completo possível. Tentamos explorar conceitos que inicialmente podem parecer mais abstractos e torná-los mais simples.

E como é que fazem isso?
Posso mesmo dizer que os alunos são a principal fonte de inspiração. Antes da concepção de qualquer espectáculo exploramos os temas que queremos abordar com os estudantes. Eles dão ideias, que não são só verbais, mas também ao nível do corpo. Procuro sempre que, por exemplo, através do grafismo ou do desenho, também possam expressar o seu universo. Depois fazemos a nossa pesquisa e levamos ideias do nosso contacto com grupos que não são de cá.

O Cirque du Soleil é um exemplo?
Sim. Passei o Verão de 2016 nos Estados Unidos a acompanhar o Cirque du Soleil num dos seus espectáculos. Juntei-me a eles desde a criação do espectáculo à digressão. Era uma outsider, mas acompanhei todos os departamentos, vi como aconteciam as coisas e como se fazia a produção, e aprendi com os excelentes profissionais que fazem parte daquela equipa. Foi uma experiência única, apesar de assustadora. É uma equipa muito grande e que envolve uma logística que a maioria das pessoas não faz ideia.

O que trouxe do Cirque du Soleil para Macau?
Trouxe um bocadinho de tudo aquilo. Trouxe ideias, daquelas que muitas vezes nos assustam por acharmos que não são possíveis, mas depois pensamos que existe sempre alguma forma de as concretizar ou adaptar à nossa realidade. Também tive, nos Estados Unidos, oportunidade de conhecer vários grupos de jovens em que o trabalho deles era sem qualquer limite. Ali tudo era possível e é este universo de possibilidades infinitas que acho importante trazer para Macau. Quase nunca é fácil, mas não é impossível.

Quais são as maiores dificuldades que têm sentido?
Os alunos mudam todos os semestres. Crescem e saem de Macau ou experimentam outras actividades. A diferença é que o Artfusion acontece aqui mas poderia acontecer em qualquer lado. Recentemente estivemos em Portugal e fizemos um intercâmbio com vários municípios. Na mira está Taipé onde pretendo que nos juntemos, além de integrar outras actividades, ao Cirque du Soleil na sua digressão asiática da companhia. Esta actividade permitirá mostrar o que é fazer produção em grande escala e com uma equipa em que trabalham profissionais de várias áreas. Quero organizar um programa de residência artística em que poderão participar não só alunos do Artfusion, mas todos os interessados: uma semana de workshops com os artistas do Cirque vindos de diferentes backgrounds, visitas a espaços culturais e artísticos, visitas aos bastidores, etc. Enfim, é dar oportunidade aos jovens de terem contacto com esta realidade e conhecerem o percurso daqueles artistas.

E o seu percurso até aqui, como foi?
Sou formada em Publicidade e Marketing e, da minha experiência, foi a criatividade que mais me chamou a atenção. Acabei por trabalhar em cinema e em televisão, fiz formação em teatro e, com os conteúdos que fui assimilando, descobri que o que mais gostava de fazer era estar na produção, nomeadamente na direcção artística. O facto de ter passado por vários departamentos foi para mim muito importante: deu-me consciência do que é o trabalho de equipa.

Trabalham essencialmente com jovens. Porquê esta população?
O que vejo de especial nestas pessoas é a espontaneidade e a capacidade de trabalhar os medos. As crianças e os jovens são também muito criativos e verdadeiros, o que para mim é um desafio. Cada um tem de ser trabalhado de uma forma individual e, depois, quando colocados em trabalho de equipa, mostram uma grande transformação. Acabo também por desenvolver as minhas competências para poder chegar até eles.

O que vamos ter no espectáculo integrado no Fringe?
Este espectáculo é uma estreia em Macau, a primeira vez que foi apresentado foi em Shenzhen. Mas são espectáculos diferentes. Aqui tive de fazer várias adaptações. Ter o Nam Van como palco foi um desafio enorme, é um palco muito grande. Chama-se “Connection” e o objectivo foi explorar o próprio conceito da palavra, ou seja, como é que o ser humano está ligado aos outros, à natureza, ao mundo à sua volta, muitas vezes de forma inconsciente. Este é um trabalho de alerta para a inconsciência das ligações que existem. São laços muitas vezes invisíveis ou ignorados e, cada vez mais no mundo real, esta falta de consciência transforma-se em intolerância. Todo o trabalho de concepção é neste sentido e os protagonistas têm de sentir tudo isto para fazerem um bom espectáculo, que só acontece se conseguirem fazer com que o público sinta o mesmo.

18 Jan 2017

Husam Abed, artista: “Não sei o que é ter uma casa”

Husam Abed é palestiniano, mas podia ser da Jordânia. Nasceu em Baka, um campo de refugiados a norte de Amã, e não conhece as origens. Está em Macau para apresentar hoje, sábado e domingo, o espectáculo “Uma Vida Suave”, com Réka Deák, mulher e directora de cenografia. A peça junta realidade, marionetas e público à mesa

[dropcap]É[/dropcap] palestiniano, mas nasceu na Jordânia.
Nasci num campo de refugiados. Em 1949, a minha família fugiu de uma pequena aldeia e ficaram num campo em Jericó. Em 1967, tiveram de mudar de novo e foram para Karama, para um campo de palestinianos. No ano seguinte mudaram para o campo de Baka, a norte de Amã. Hoje é um campo que acolhe cerca de 150 mil pessoas. Foi lá que nasci. No início, as pessoas viviam em tendas mas, aos poucos, foi mudando e agora têm casas. Mas é ainda sobrepovoado e vive numa situação ambígua. Não é reconhecido pelo estado da Jordânia, nem as Nações Unidas prestam lá cuidados. As pessoas estão no meio de dois fogos.

Como é crescer num campo de refugiados?
Vivia na Jordânia, mas só conheci alguém de lá já deveria ter uns 20 anos. É viver numa comunidade muito fechada onde se levanta a questão da identidade de uma forma muito forte. Muitas pessoas não sentem que são da Jordânia, mesmo depois de 60 anos a ali viverem, nem que são da Palestina, que já não passa de uma memória longínqua. Eu, por exemplo, conheci a minha avó há apenas dois anos. Ela ficou em Jericó e nunca a tinha visto. O meu pai morreu e a minha mãe foi lá buscá-la. É uma senhora muito velhinha, com o corpo cheio de cicatrizes da guerra. Ali, a guerra é diária. Por outro lado, toda a gente fala da Palestina e no direito de regressar. Não sei o que é ter uma casa. Nunca pude construir essa ideia. Há um sentimento nostálgico de que a “casa” existe, mas eu não sei o que é, nunca lá estive. É mais um sentimento de diáspora ou de exílio. Quando queremos ter educação ou saúde, não somos de lá, e não temos direito a nada.

Como é que fez para estudar?
A questão da educação na Palestina sempre foi muito forte. E esse foi o meu caso também. Apesar de o meu avô paterno ser talhante, teve o cuidado de possibilitar educação superior aos filhos e eu fui educado nessa perspectiva. A única hipótese era ir estudar para as mesquitas na Síria. O meu professor de inglês costumava dizer que, quando uma catástrofe atinge algumas pessoas, haverá outras a beneficiar com isso. Na Síria, que foi colonizada pelos franceses, o ensino do inglês era muito mau mas, com o regresso dos palestinianos, vieram muitos académicos que acabaram por se tornar professores de inglês e colmataram uma falha. A educação sempre foi uma questão essencial para os palestinianos.

Como é que apareceram as marionetas?
Quando estava a estudar Química tornei-me voluntário no orfanato que existia no campo de Baka. Não havia actividades para os mais jovens e não havia como libertar a energia. Existia um clube de desporto em que as pessoas se encontravam e a associação dos órfãos. Para conhecer a dinâmica da comunidade era necessário fazer algum trabalho voluntário ou social. Fazia campos de Verão e programas educacionais com as crianças. Queria também fazer qualquer coisa que ajudasse as crianças na formação do seu carácter e lembrei-me de fazer algo mais artístico. Foi quando apareceu a ideia das marionetas. Até então, só tinha visto os bonecos na televisão e nem sabia como fazer. Falei com os meus colegas e discutimos como fazer um guião, fazer os bonecos, etc.. Começou aí. Na altura, tinha uma ideia baseada no budismo, em que, depois de não existirem árvores, água e animais, o homem descobre que não pode comer dinheiro. Era essa a reflexão que queria passar. Fui ao mercado, comprei umas bonecas e precisava de uma personagem que fosse o contador de histórias. Num desses dias de compras vi um homem a vender melão. É um fruto que tem uma espécie de rugas e achei interessante. Tirei o interior e transformei-o num boneco. Foi a minha primeira marioneta. No entanto, acabei o curso em Química Aplicada, trabalhei numa refinaria de petróleo durante dois anos e depois comecei a dar aulas. Passado um ano decidi que não era aquilo que queria. Foi um choque para a minha família o facto de estar a perder uma oportunidade de estabilizar e ter um futuro. Decidi que queria trabalhar com marionetas.

Estudou em Praga.
Sim, mas foi uma coincidência. Quando fiz a minha escolha, em 2009, tive o meu próprio espectáculo e fiz alguns workshops para campos de refugiados. Em 2010 comecei a trabalhar com refugiados iraquianos. Trabalhei em Zaatari com a comunidade em geral e já fazia coisas também para adultos. Mas sentia que ninguém estava convencido com o meu trabalho e que precisava de algum tipo de reconhecimento internacional. Comecei à procura de opções. Apareceu-me uma formação na Alemanha, mas não podia ingressar sem um curso de língua. Ainda comecei a estudar mas só me aceitariam por meio ano porque já tinha mais de 26 anos. Continuei à procura e encontrei cursos em inglês em Praga.

A capital internacional das marionetas…
Sim, mas eu não sabia. Foi o que me apareceu. É uma história muito estranha. Descobri quando lá cheguei e nem queria acreditar. Os bonecos que tinha visto na televisão, que eram os meus favoritos, tinham sido criados ali, e eu estava ali. Fui admitido numa escola de teatro e estavam marionetas em todo o lado. Fiz o curso, durante três semanas, e o meu professor, responsável pelo programa, perguntou-me se não me queria candidatar ao programa de mestrado. Foi muito complicado. Não tinha um background no teatro e sentia-me completamente perdido. Sentia que não conseguia encontrar a minha forma de expressão. Vinha de uma cultura muito diferente e não me sentia pronto. Fui à Índia, onde vi alguns festivais que me inspiraram e me proporcionaram uma abordagem diferente das coisas. Regressei a Praga e consegui fazer um projecto mais pessoal. Aprofundei a área do teatro documental, que conta histórias.

O que é que vamos ter com “Uma Vida Suave” aqui em Macau?
Comecei a sentir que tinha de fazer teatro em que pudesse jogar com os limites da realidade e da fantasia, e em que pudesse juntar alguma actividade. Nesta peça estamos em casa, à mesa, e as pessoas vêm ouvir algumas histórias acerca da minha infância. A mesa tem estampado o mapa da Palestina e, ao mesmo tempo que vou contando as histórias, as pessoas vão bebendo chá. A peça acaba com a partilha de uma refeição tipicamente palestiniana que, traduzindo, se chama “de pernas para o ar”. É uma refeição especial que se faz especialmente ao fim-de-semana. A cenografia está a cargo da Réka Deák. Concebeu uma mesa com gavetas e as histórias vão saindo delas. É também uma peça sobre a família e as memórias. Acima de tudo, o que quero mostrar é que cada pessoa tem a sua história que deve ser contada. Estamos num tempo em que as pessoas se reduzem a números. Lidamos como as pessoas como se fossem algarismos. Por exemplo, diz-se que três mil pessoas foram mortas, mas quem são estas pessoas? As pessoas tornam-se números e os números esquecem-se. Mas as histórias não. As histórias devem fazer a diferença, e ficar no coração e na memória das pessoas.

17 Jan 2017

Moçambique | Ciclo de cinema na FRC para dar a conhecer o país real

O cinema moçambicano vai estar em destaque do dia 21 a 26 na Fundação Rui Cunha. A iniciativa é organizada pela Associação dos Amigos de Moçambique. A ideia é permitir a quem vive cá conhecer o cinema e a cultura daquele país

 

[dropcap style≠’circle’]S[/dropcap]ão cinco os filmes que vão integrar a terceira edição do ciclo de cinema feito em Moçambique. O evento tem lugar entre 21 e 26 deste mês no auditório da Fundação Rui Cunha e no cartaz traz quatro filmes de Licínio Azevedo e um da realizadora Teresa Prata.

“Não podemos chamar a iniciativa de festival”, disse ao HM Helena Brandão, “porque não é uma coisa grande”. Para a responsável pela Associação dos Amigos de Moçambique, entidade organizadora, esta é antes “uma forma de alargar as actividades de forma sustentável”.

“O dinheiro não é muito e fazemos o que podemos”, explicou. A iniciativa teve a primeira edição em 2012 e a ideia de projectar filmes surgiu como sendo a mais viável, de modo a que possam ser levadas a cabo outras actividades além da semana gastronómica.

Para a organizadora, “basta ter cerca de 15 pessoas a assistir que podemos considerar um sucesso”. Mas certo é que a adesão tem vindo a crescer a cada edição.

A ideia é mostrar à população de Macau um pouco mais da cultura moçambicana. Vasta e diversificada, Helena Brandão lamenta que não seja possível trazer mais actividades. “Gostava muito de ter cá teatro, que é uma área de relevo em Moçambique, mas é difícil trazer os actores, é muito dispendioso.”

Com empenho, a associação consegue trazer, mais uma vez a Macau, o realizador Licínio Azevedo. Brasileiro de origem, Licínio Azevedo está radicado em Moçambique há mais de 40 anos e é hoje uma das maiores referências da sétima arte do país. O reconhecimento internacional aconteceu no âmbito do programa “Open Doors” do Festival de Cinema de Locarno, com o destaque que foi dado a “Comboio de Sal e Açúcar”. A película conta a história de um comboio e dos seus passageiros, que embarcam numa viagem perigosa durante a guerra civil moçambicana.

Quatro histórias

Do cineasta serão exibidos em Macau “A Ponte”, “Ferro em Brasa”, “A Ilha dos Espíritos” e “Desobediência”.

“A Ponte” é a história do esforço colectivo para fazer uma travessia. De acordo com a apresentação da película, na estação das chuvas os rios enchem, e Chimanimami, uma das mais bonitas regiões de Moçambique, fica isolada do resto do país. No entanto, com a intenção de criar ali uma reserva natural, cuja principal atracção é o Monte Binga, o ponto mais alto de Moçambique, é necessário construir uma ponte e é a aldeia que se une para contribuir para a concretização do projecto.

Um documentário sobre o fotojornalista Ricardo Rangel é a proposta de “Ferro em Brasa”. O fotógrafo, de 80 anos, é o símbolo vivo da geração que, no fim dos anos 40, iniciou as primeiras denúncias contra a situação colonial. Enquanto fotografava a cidade dos colonos, “Ricardo revelava a desumanidade e a crueldade do colonialismo”, lê-se na mesma apresentação. Desde então, e até ao fim da guerra civil pós-independência, o protagonista fotografou 60 anos da história de Moçambique. Neste filme, o fotógrafo conduz o público pela sua vida e obra, onde a cidade de Maputo, a boémia e o jazz têm um lugar especial.

Também em formato documental é “A Ilha dos Espíritos”. Muito antes de dar nome ao país, a ilha de Moçambique teve um papel fundamental no Oceano Índico. “Foi um ponto de paragem de caravelas, de encontro de piratas, lugar de mistura de raças.” Os seus habitantes, orgulhosos do passado glorioso da ilha, são aqui personagens excêntricas que deambulam pelas ruas.

Ainda de Licínio Azevedo é “A Desobediência”. Um filme real interpretado pelos protagonistas da história que conta. A película documenta a saga de Rosa, uma camponesa moçambicana que é acusada pela família do marido de ser a causadora do seu suicídio, por se recusar a obedecer-lhe. Para provar a inocência, e recuperar os filhos e os poucos bens que o casal possuía, Rosa submete-se a dois julgamentos: o primeiro num curandeiro e o segundo num tribunal. É absolvida em ambos.

Durante a filmagem, o realizador decidiu instalar uma segunda câmara para seguir a história até ao fim. Segundo a apresentação da película, “uma montagem desta complexidade não tem paralelo no cinema africano.”

Todas as projecções contam com a presença de Licínio Azevedo, que vai estar em Macau para falar não só dos filmes que faz, mas também da situação actual do país onde vive, do cinema que por lá existe e da cultura que o acolhe.

A vida na tela

Realizado por Teresa Prata é “Terra Sonâmbula”, uma longa-metragem premiada. Entre outras distinções, ganhou, em 2008, o FIPRESCI do International Film Festival Kerala, na Índia.

O filme conta a história do velho Tuahir que encontrou Muidinga ainda com vida enquanto ajudava a enterrar crianças assassinadas numa aldeia. Tuahir cuidou da criança e viajou com ela para fugir da guerra. Cansados e com fome, encontraram um autocarro atacado pouco tempo antes, onde descobriram um diário. O achado leva as personagens à história de Kindzu, um jovem que teve a família assassinada e que estava em viagem à procura de uma criança.

De acordo com a organização, “com o correr dos anos o cinema moçambicano ganhou experiência, tornou-se maduro e hoje, ainda sem actores profissionais, mais do que cinema político, conta histórias de factos como o drama humano, em histórias de ficção baseadas em factos reais, e é um cinema que, acima de tudo, revela a sociedade moçambicana pós-colonial e as suas contradições”.

16 Jan 2017