Elaboração do plano director de Macau adjudicada à Ove Arup & Partners de Hong Kong

A elaboração do plano director foi adjudicada à Ove Arup & Partners de Hong Kong que propôs executar a tarefa dentro de um ano. Arquitectos ouvidos pelo HM falam da importância de levar em conta as especificidades de Macau, de se articular com a salvaguarda do património, de definir uma marca distintiva no cenário regional e de serem ouvidas vozes locais

 

[dropcap style≠’circle’]S[/dropcap]aiu o resultado do concurso por pré-qualificação, lançado pela Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT), para a elaboração do plano director. O projecto foi adjudicado à Ove Arup & Partners Hong Kong Limited que propôs executá-lo em 365 dias. A empresa, com um vasto portefólio internacional, mas também com projectos em Macau, impôs-se às restantes três admitidas à segunda fase do concurso. A proposta que apresentou foi a mais barata – 11 milhões de patacas contra um máximo de 88 milhões. Em paralelo, ofereceu uma solução intermédia em termos do prazo de execução, dado que as concorrentes iam de três meses a dois anos.

Olhando ao calendário, a proposta seleccionada vai ao encontro da meta definida pelo Secretário para os Transportes e Obras Públicas que, aquando da apresentação das Linhas de Acção Governativa, definiu o plano director como uma das prioridades da sua tutela. Na altura, em Dezembro, Raimundo do Rosário afirmou mesmo esperar conclui-lo até 2019.

No entanto, pairam incertezas relativamente ao prazo proposto. “Não acredito que o plano esteja pronto daqui a um ano”, afirmou Maria José de Freitas ao HM. “Macau é uma cidade pequena, com quase 500 anos de história, mas com uma especificidade muito ‘sui generis’ e que, portanto, tem dentro de si diversas facetas ou cambiantes que devem ser analisadas com cuidado”, observou a arquitecta.

Francisco Vizeu Pinheiro considera o prazo exequível: “Penso que um ano é suficiente. Macau já está muito desenvolvido, com um cadastro muito bem qualificado, com o levantamento integral de todos os espaços, pelo que é relativamente rápido fazer um plano director”. Miguel Campina subscreve: “Não é impossível fazê-lo e até acho que é possível fazê-lo bem – dependendo da dimensão e da qualidade da equipa, dos meios que forem mobilizados e dos objectivos que tenham sido definidos”.

Embora reconheça que a empresa tem “renome mundial”, Maria José de Freitas nota que desconhece a representação que a Ove Arup & Partners Hong Kong Limited tem aqui e, mais importante, se tem “a vivência de Macau que a elaboração de um plano director exige”. “O futuro plano director não pode ser feito ‘by the book’, isso é demasiado simplista”, frisou.

“Basta vermos a exigência da Lei [do Planeamento Urbanístico] do que o plano deve conter. Em paralelo, tem que se articular com a salvaguarda do património, com “a política de reordenamento dos bairros antigos” ou com a ambiental, “ainda por definir”, exemplificou. “O plano director não se pode divorciar do que está a ser feito por outros sectores”, sublinhou Maria José de Freitas. “Parece-me que o prazo de um ano é muito curto para que aconteça, ou se acontecer vão ser linhas tão vagas que não são elas em si próprias os alicerces de um plano director”. Para a arquitecta, o preço apresentado (11 milhões) também parece baixo atendendo à envergadura de um plano que exige “tanta polivalência, que engloba tantas disciplinas” e que deve conter “uma visão holística do que será Macau”.

Segundo dados facultados pela DSSOPT, o âmbito do Plano Director abrange a península e as ilhas da Taipa e de Coloane, o novo campus da Universidade de Macau na Ilha Montanha, bem como os novos aterros urbanos e o posto fronteiriço na ilha artificial da Ponte Hong Kong-Zhuhai-Macau. Cobre ainda os 85 quilómetros quadrados de áreas marítimas que, há dois anos, ficaram sob jurisdição de Macau após a aprovação pelo Conselho de Estado da China de um novo mapa de divisão administrativa.

Uma cidade, diferentes malhas

Para Francisco Vizeu Pinheiro, o fundamental é que o futuro plano director tenha em conta precisamente que “Macau tem diferentes malhas”. “O plano director não pode estabelecer leis iguais para cada zona. É um pouco senso-comum que a zona histórica tem que ter uma lei diferente de uma nova feita à base de aterros”, sustentou.

Dominic Choi também defende regulações que variem consoante a zona, porque a parte antiga nada tem que ver com a dos casinos, por exemplo, dado que apresentam “condições muito diferentes”. “Não se deve apenas olhar para a nova área, até porque a maior parte de Macau é antiga”, frisou o presidente dos Arquitectos sem Fronteiras de Macau.

Olhar o antigo figura, aliás, como principal desafio na perspectiva de Miguel Campina: “A parte mais difícil do plano director não é o que se vai fazer de novo, mas a que diz respeito ao ordenamento existente”. “Quem está a fazer desenhos ou propostas numa folha em branco tem essa vantagem, de partir quase do nada, tem meia dúzia de ideias, princípios, regras e objectivos e, portanto, trabalha nessa base. Mas como melhorar um livro que está escrito? Como se dá sentido a uma coisa que ao longo destes anos foi tão maltratada?”, questiona.

Lembrando o extinto Conselho Consultivo para o Reordenamento dos Bairros Antigos, que “morreu de morte natural” há uns anos, Miguel Campina lamenta que “não haja ideias nenhumas” para as zonas antigas, embora reconheça as dificuldades inerentes. “Não sei, por exemplo, se do caderno de encargos consta esta abordagem tão complexa”, mas, de facto, com a “sobreocupação” e “desordenação”, os espaços “com características muito próprias e uma vivência muito particular estão em risco de desaparecer”. “As pessoas vão envelhecendo e essas zonas vão ficando abandonadas, porque não foram objecto de nenhum cuidado ao longo destes anos”, complementou o arquitecto, apontando que quando se olha de cima para a malha antiga facilmente se compreende “todo o desconcerto” que existe e que “as condições de vida não são boas”.

Francisco Vizeu Pinheiro também coloca a tónica na qualidade de vida. “As zonas antigas também têm que ser estudadas e pensar-se em soluções para elas. Não podemos simplesmente esperar que o edifício caia, ou seja substituído por um mais alto”, afirmou. “Tem que haver limites à densidade de construção e os limites a essa densidade são a qualidade de vida. Não podemos ter torres de 20 andares em ruas de nove metros em que não há espaço para estacionar, não há zonas verdes nem equipamentos públicos”, complementou.

Neste âmbito, partilha dos receios de Maria José de Freitas relativamente à sensibilidade de uma empresa de fora, neste caso, no tocante às distintas malhas de Macau. “Já foram feitos muitos planos e consultas com empresas que têm uma dimensão de experiência e um portfólio que não se aplicam à realidade da cidade. Macau é um microcosmos e um clima especial que tem de ser estudado e adaptado e o que acontece é que, muitas vezes, importamos soluções de Hong Kong, com uma mega escala que não é a de Macau”.

“Precisamos de soluções nativas, ligadas à nossa história, cultura, às condições geográficas, topográficas e sociais”, realçou. Neste sentido, “penso que era bom o plano ser revisto por especialistas locais e haver também consulta à população”, insistiu. Isto porque “quem vem de fora normalmente faz uma vista geral e resolve de acordo com a sua experiência”.

Ouvir especialistas

Dominic Choi concorda: “Embora a empresa escolhida tenha muita experiência internacionalmente, pode não saber muito do que se passa em Macau”. Assim, para o presidente dos Arquitectos sem Fronteiras de Macau, “o mais importante” na feitura do plano director passa pela abertura da adjudicatária e do Governo para auscultar. “É fundamental ouvir a voz do público e particularmente as de técnicos acreditados em Macau, como arquitectos ou urbanistas. Isto porque “as regulações devem adaptar-se ou estar em conformidade com as novas formas de pensamento ou estratégicas políticas, pelo que é muito importante envolver os profissionais localmente para que sejam levantadas preocupações e apresentadas questões pertinentes ao planeador”, sustentou.

Maria José de Freitas também aprova uma auscultação sectorial. “Parece-me essencial que sejam aferidas as opiniões de técnicos que estão em Macau e que têm, com certeza, um pensamento urbano, arquitectónico e estratégico para Macau”, disse. Em paralelo, defendeu a arquitecta, “deviam ser analisados e revistos os muitos planos feitos no passado”. Contudo, Miguel Campina espera que haja um “passo qualitativo” relativamente “aos estudos atrás de estudos que se limitaram a enunciar princípios genéricos”, até porque, a seu ver, “o enquadramento económico, sociológico, cultural continua a ser extremamente vago”.

“Vai depender dos especialistas, da abertura que tiverem, da capacidade de cada um e da forma como for feito o entrosamento entre estes aspectos que têm a ver com o ordenamento global do território e depois com as disciplinas específicas que vão ter que articular de modo a fazer funcionar tudo isto de uma forma mais transparente, ordenada e direccionada”, apontou. No entanto, do ponto de vista político, “seria importante que houvesse orientações claras relativamente aos objectivos desta fase do plano director, que a administração estivesse habilitada para contribuir positivamente para os resultados que se pretendem” e que não se comportasse como “uma força de bloqueio” como sucedeu nos últimos anos.

Prioridades no conteúdo

Para a elaboração do plano director, Francisco Vizeu Pinheiro defende que seja tido em conta o mapa climático de Macau feito por uma universidade de Hong Kong que “mostra os corredores que devem ser mantidos sem construções que obstruam a ventilação da cidade”. Ou seja: deve ficar claro que há zonas em que não deve haver construção, que outras estão saturadas e precisam de espaços verdes ou de zonas recreativas, como parques, piscinas ou campos desportivos. “Esses elementos devem estar salvaguardados no plano, não devem ser as últimas coisas a serem consideradas, mas das primeiras, porque é como se fossem órgãos vitais do corpo humano”, defendeu. O arquitecto aponta ainda que “a qualidade de vida depende de como todos esses espaços jogam em harmonia e também em relações de complementaridade em vez de concorrência”.

Cooperação regional

Complementaridade é uma palavra-chave para Maria José de Freitas que, olhando Macau como um todo, incluindo os novos aterros, chama a atenção para a importância de haver também uma articulação a nível regional. “Este plano deve estar em linha de conta com o que se pretende para Macau, com o que vai permitir a Macau manter uma diferenciação relativamente às outras dez cidades do grande delta e qual é a complementaridade que pode introduzir”. “O plano director deve ponderar tudo isto, a articulação a montante e a jusante”, acrescentou a arquitecta.

Francisco Vizeu Pinheiro defende precisamente mais cooperação regional, pensando em concreto na filosofia da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau. “O conceito quer dizer mais cooperação entre as cidades e, neste momento, há muito pouca que facilite, por exemplo, a transição de pessoas. Tem de haver mais cooperação nesse sentido, em termos de planeamento conjunto”, sublinhou o arquitecto.

27 Mar 2018

Galaxy Entertainment vai adquirir 5,3 milhões de acções da Wynn Resorts

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] Galaxy Entertainment anunciou na sexta-feira que vai adquirir 5,3 milhões de acções primárias da Wynn Resorts pelo valor global de 927,5 milhões de dólares norte-americanos. Segundo a Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos (DICJ), a alteração à estrutura accionista da “empresa-mãe” da Wynn Macau, com sede dos Estados Unidos, “não afecta o sector do jogo” em Macau.

Em comunicado, a DICJ afirmou que a intenção foi objecto de comunicação prévia ao Governo e prometeu “acompanhar de perto a situação, analisando e avaliando a evolução do caso, com vista a assegurar o desenvolvimento saudável do sector de jogos de fortuna ou azar”.

À luz da legislação de Macau, uma operadora de jogo não pode deter mais do que 5 por cento de outra. Com a compra das acções, “a Galaxy Entertainment fica com 4,9 por cento do capital da Wynn Resorts que, por sua vez, detém 72 por cento da Wynn Macau, na qual passa a ter, na prática, uma fatia de mais ou menos 3,5 por cento”, realçou Davis Fong, director do Instituto de Estudos sobre a Indústria de Jogo na Universidade de Macau ao HM, para apontar que “a transferência de acções não significa que as duas empresas sejam uma só”.

“Se olharmos para trás, há 15 anos, esperava-se introduzir concorrência, portanto, se as duas empresas se vierem a tornar numa só, no final, não me parece que essa seja uma situação que a sociedade gostasse de ver acontecer. Por isso, devem continuar independentes, numa relação só de investidores. É o que eu espero”, afirmou o também deputado, defendendo que “a DICJ deve prestar atenção” aos próximos desenvolvimentos, na medida em que tal “tem que ver com a concorrência justa”.

“É uma oportunidade única de adquirir um investimento num grupo de entretenimento globalmente reconhecido com activos de excepcional qualidade e planos de desenvolvimento significativos”, afirmou Francis Liu, vice-presidente da Galaxy Entertainment. No mesmo comunicado conjunto, Matt Maddox, CEO da Wynn Resorts, referiu, por seu turno, ser “uma honra ter uma empresa distinta como a Galaxy Entertainment como accionista com a qual partilha muitas das principais filosofias e valores operacionais”.

Em paralelo, foi também anunciado na sexta-feira que dois investidores institucionais – ambos com participações na Wynn Resorts – acordaram a compra das restantes oito milhões de acções detidas por Steve Wynn, fundador da Wynn Resorts e antigo CEO, também pelo preço unitário de 175 dólares. Estas aquisições, combinadas com anteriores, fazem com que o magnata deixe de ter qualquer participação na empresa que fundou.

No mês passado, Steve Wynn, de 76 anos, deixou a liderança e todo os cargos que ocupava no grupo na sequência do escândalo de alegados abusos sexuais nos Estados Unidos em que está envolvido.

26 Mar 2018

Lei do Hino Nacional | Sónia Chan promete quadro penal sem grandes mexidas

A Secretária desdramatiza a Lei do Hino: “É uma responsabilidade que a RAEM tem de assumir”, explica

 

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] garantia foi deixada pela Secretária para a Administração e Justiça: a revisão da lei de utilização e protecção da bandeira, emblema e hino da China não prevê “grande alteração em termos de penalização”. A revisão da lei, que se encontra em vigor desde 1999, “centra-se essencialmente nas ocasiões e cerimónias protocolares onde se toca e canta o Hino Nacional assim como nas no içar da Bandeira Nacional”, afirmou Sónia Chan, na sexta-feira, à margem de uma actividade comemorativa do 25.º aniversário da promulgação da Lei Básica.

A versão preliminar, elaborada pelo Governo para coordenar a implementação da Lei do Hino Nacional, encontra-se actualmente “em procedimento legislativo interno a ser concluído em Abril ou Maio”. Este deveria ter terminado em Janeiro, segundo o calendário inicialmente previsto.

“Não é uma lei radical como as pessoas pensam”, afirmou Sónia Chan, em declarações reproduzidas pela TDM. “Se, por ventura, o hino estiver a passar na televisão, não vai ser preciso que as pessoas se levantem em sinal de respeito. Por favor, não tenham receios infundados”, complementou.

No mesmo dia, o gabinete da Secretária para a Administração e Justiça reagiu “à opinião de uma personalidade da área jurídica”, que discorda da revisão da lei do hino, argumentando que se trata “de uma responsabilidade que a RAEM tem de assumir”.

A reacção surgiu um dia depois de o presidente da Associação dos Advogados, Jorge Neto Valente, ter comentado o tema. “Alguém já em Macau cometeu alguma indelicadeza ou descortesia quanto à lei do hino? É preciso perseguir criminalmente as pessoas que não têm educação e sentidos patrióticos? Eu acho que não é preciso. Não precisamos de ter uma lei para tudo e mais alguma coisa”, comentou, citado pela Rádio Macau.

A Lei do Hino Nacional da China foi promulgada no final do ano passado por Pequim. Em Novembro, a Assembleia Popular Nacional (APN, parlamento chinês) aprovou a sua inclusão nos anexos das Leis Básicas de Macau e de Hong Kong, que regulam as leis nacionais a aplicar nas duas regiões administrativas especiais.

Segundo a proposta relativa à aplicação da Lei do Hino Nacional em Hong Kong, recentemente divulgada, quem “publicamente e deliberadamente alterar as letras ou as notas”, cantar de “forma distorcida ou depreciativa” ou insultar “de qualquer maneira” o hino chinês será punido com multa de até 50.000 dólares de Hong Kong e pena de prisão de até três anos. A versão inicial do diploma impõe também às escolas do ensino primário e secundário da antiga colónia britânica que ensinem o hino aos alunos.

O hino chinês, composto nos anos 1930 e conhecido como a “Marcha dos Voluntários”, foi elevado ao seu estatuto actual após a instauração da República Popular em 1949, ainda que durante a Revolução Cultural tenha sido proibido e substituído pela popular melodia “O Leste é Vermelho”, que exalta Mao Tsé-Tung.

26 Mar 2018

Rota das Letras | Presidência da Assembleia da República afirma prestar atenção a Macau

O gabinete de Ferro Rodrigues, presidente da Assembleia da República portuguesa, recusa a ideia de que não existe “um acompanhamento regular da situação” de Macau. Ainda assim, o Grupo de Amigos de Macau, com cariz informal, deixou de existir. Sobre o caso Rota das Letras, ministro dos Negócios Estrangeiros português disse que “China sabe qual o sistema que deve vigorar em Macau”

 

[dropcap style≠’circle’]É[/dropcap] certo que a sétima edição do festival literário Rota das Letras chegou ontem ao fim, mas o caso da suspensão dos três escritores cuja visita ao território não seria oportuna continua a gerar reacções. Depois das declarações do ex-deputado e historiador Rui Tavares, sobre a necessidade da Assembleia da República (AR) prestar mais atenção à RAEM, eis que o gabinete do presidente do parlamento português, Eduardo Ferro Rodrigues, garantiu ao HM que nunca houve esquecimento face a Macau.

“O gabinete de imprensa do presidente da AR está em condições de lhe adiantar que, em relação a Macau, não se confirma que ‘não haja um acompanhamento regular da situação’”, disse apenas o assessor José Pedro Pinto. Ferro Rodrigues não pôde responder às restantes questões colocadas pelo HM por se encontrar a recuperar de uma cirurgia.

Apesar disso, o HM confirmou junto do deputado Vitalino Canas, ligado ao Grupo Parlamentar de Amizade Portugal-China, que o Grupo de Amigos de Macau, criado pela ex-deputada do Partido Social Democrata (PSD) Mónica Ferro, deixou de existir. Este grupo existia de forma informal na AR e desconhecem-se as razões para o seu fim. O HM questionou Mónica Ferro sobre este assunto, mas não recebeu qualquer resposta.

O deputado à Assembleia Legislativa José Pereira Coutinho sempre esteve ligado a esta iniciativa, na qualidade de membro do Conselho das Comunidades Portuguesas, tendo adiantado que o grupo chegou mesmo ao fim por “desinteresse de ambas as partes”.

Em 2013 o jornal Ponto Final escrevia mesmo que responsáveis governamentais de Macau teriam dito a Mónica Ferro que haveria um certo incómodo pela existência deste grupo, criado em 2012. De acordo com o jornal, os assuntos de Macau, sendo uma região administrativa especial chinesa, deveriam ser “tratados através do Grupo de Amizade Portugal-China, que tem uma existência formal e reconhecida por Pequim.

Nas entrevistas que deu em Macau, Rui Tavares, convidado do festival Rota das Letras, defendeu um maior acompanhamento da parte da AR, com a criação de uma comissão especializada e elaboração de relatórios anuais sobre a implementação prática da Declaração Conjunta e da Lei Básica.

Santos Silva reagiu

Entretanto, e de acordo com a agência Lusa, o ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, Santos Silva, disse que “a China sabe qual é o sistema que deve vigorar em Macau”, comentando a polémica à volta da retirada do convite a três escritores.

“Os termos são muito claros, e foram acordados entre Portugal e a China para a passagem de Macau para a plena soberania chinesa; seguem estritamente o princípio ‘um país, dois sistemas’, e todos os nossos amigos chineses sabem bem qual é o sistema que deve vigorar em Macau”, disse o chefe da diplomacia portuguesa aos jornalistas, à margem de uma conferência sobre a Nova Rota da Seda, que decorreu em Lisboa.

O Ministério já tinha reagido ao caso Rota das Letras através de uma resposta escrita enviada ao nosso jornal. “O Festival Literário de Macau, Rota das Letras, é uma iniciativa muito meritória da sociedade civil da Região Administrativa Especial de Macau, que conta com o patrocínio do Instituto Português do Oriente, com o objectivo de desenvolver a cultura e a promoção dos escritores”, pelo que se “lamenta a eventualidade do cancelamento desta iniciativa”, frisou ao nosso jornal.

26 Mar 2018

Exposição de Raquel Gralheiro inaugurada segunda-feira no Albergue SCM

O Albergue SCM acolhe, a partir de segunda-feira, “O meu zodíaco chinês”, uma exposição da pintora portuguesa Raquel Gralheiro. O mostra apresenta uma releitura artísticas dos 12 signos, com a particularidade de aliar os animais à figura humana

A ideia surgiu depois de uma viagem pela Ásia com um grupo de amigos. Após passagens pelo Brasil, Moçambique e Cabo Verde em intercâmbios artísticos, a curiosidade de conhecer os lugares onde os portugueses deixaram a sua marca, trouxe Raquel Gralheiro a Macau para viver a cidade e mostrar o seu trabalho. Eis que surge “O meu zodíaco chinês”, uma mostra que resulta da simbiose entre o animal e a mulher, um imagem de marca da pintora natural de Viseu, mas radicada no Porto.

“Há alguns anos que tenho explorado na minha linguagem pictórica a relação entre o ser humano e o animal. Inicialmente, eram os animais de estimação, mas fui alargando o universo – também porque hoje em dia a relação com eles é diferente – e, de repente, tinha quase um jardim zoológico”, diz, em jeito de brincadeira, a pintora portuguesa ao HM. A imagem da mulher, essa, esteve sempre lá (ora sozinha ora acompanhada) e continua, talvez por ser essa a sua condição, afirma.

O projecto de trabalhar os signos chineses surgiu “de repente”, exactamente há um ano, depois da viagem ao Oriente, onde ficou fascinada com as “cores fortes” – dos vermelhos aos dourados –, “muito próximas” das que utiliza habitualmente nos seus quadros.

A coincidência de ter trabalhos com animais que integram o zodíaco chinês – como o galo, o porco ou a serpente – foram meio caminho andado para pôr o projecto em marcha. “Quando estava em Hong Kong decidi enviar uma proposta ao Albergue SCM a propor uma colecção para expor em Macau. Reuni com o arquitecto Carlos Marreiros para apresentar a minha ideia e mostrei três ou quatro pinturas que seleccionei”, indica Raquel Gralheiro.

“Como o meu trabalho tem sempre o animal e a figura humana presentes e como andava com a mania de conhecer Macau pensei em juntar o útil ao agradável”, realça.

“O meu zodíaco chinês” resulta de um ano de dedicação, que incluiu estudar a simbologia da cultura chinesa. “Não queria cometer nenhum erro nem ferir qualquer tipo de susceptibilidade” dadas as diferenças culturais, salienta Raquel Gralheiro. Como tal, a artista contou com a ajuda de um chinês, amigo de uma amiga, que visitou o seu ateliê no Porto para atestar que estava tudo bem.

A exposição reúne, ao todo, 25 obras inéditas. Entre elas 13 telas em acrílico, 12 para cada um dos signos e uma que reúne todos no mesmo quadro. Noutras perspectiva, a mostra tem também 12 caixas, em técnica mista, que, com um vidro na frente, se assemelham a uma redoma. No interior, as figuras em miniatura de cada um dos animais do zodíaco surgem a dourado, com a imagem da mulher sempre em pano de fundo numa combinação de pinturas e colagens.

Paixão à obra

Numa visão global das obras, Raquel Gralheiro não consegue escolher uma imagem predilecta. “Estou muito satisfeita com o trabalho final. Gosto de todos: são quase como filhos”. Para a pintora portuguesa, também não poderia ser de outra maneira. “Tenho que estar apaixonada. Não consigo assinar um trabalho sem gostar dele. Tenho de ser a primeira a gostar, não é?”
Mesmo no meio da indecisão emocional, um dos quadros é particularmente especial para a artista. “Acho que o quadro que reúne os 12 signos é fabuloso. Adorei fazê-lo. Foram mais de três meses de trabalho, porque é muito minucioso, até nisso tem um pouco a ver com a cultura oriental. Deu-me mesmo luta e até pensei em desistir a meio porque tinha muitas ideias na cabeça”.
As expectativas são elevadas. “Francamente, acho que vão gostar”, diz entre risos.

“Dediquei-me durante um ano e trabalhei com entusiasmo num projecto que idealizei para ter a minha marca, mas também a pensar na afinidade” que podia gerar com público. “Espero que achem engraçado que uma portuguesa tenha explorado [o zodíaco chinês]. Penso que vão poder sentir bastantes referências e ligações à sua cultura”.

Todos os trabalhos da exposição, que vai ficar patente até 13 de Maio, encontram-se disponíveis para venda, com os preços a oscilarem entre 8.600 e 45.000 patacas. No entanto, a artista não esconde que gostaria de poder ir mais além. “Adorava levar a exposição para Hong Kong ou para a grande China”, afirma a pintora, de 48 anos, que expõe curiosamente desde 1999, tendo participado em mostras individuais e colectivas.

A exposição no Albergue SCM surge integrada na iniciativa ARTFEM – a primeira bienal internacional de mulheres artistas, no âmbito da qual tem também um quadro que se encontra exposto no Museu de Arte.

23 Mar 2018

Hélder Beja, director de programação do Rota das Letras: “Foi aberto um precedente”

Sete anos depois, o director de programação do Rota das Letras vai deixar o projecto que ajudou a criar e a colocar no calendário cultural de Macau. Embora reconheça que os eventos que culminaram no cancelamento da vinda de três escritores deixaram “uma marca indelével”, Hélder Beja considera que o Festival Literário é importante e pode ter continuidade desde que as regras do jogo sejam claras. Na calha, tem ideias novas, também à volta dos livros, e a expectativa de que passem por Macau, um espaço que espera que continue a ser “de relativa liberdade”

O Festival Literário de Macau – Rota das Letras termina no domingo. Qual é o balanço da sétima edição?

Foi uma boa edição, embora relativamente diferente das anteriores, obviamente por tudo o que aconteceu antes do arranque. Julgo que, de alguma forma, marcou esta edição. Era impossível que fosse de outra maneira, mas penso que as coisas também foram voltando à normalidade com o passar dos dias. Acabámos por ter excelentes sessões, óptimos autores, muito bons moderadores. Houve um cuidado especial com isso e também um esforço para ter transmissões online com qualidade, pelo que o impacto das sessões acabou até por ser maior, em alguns casos, do que em anos anteriores.

Das inúmeras sessões do Rota das Letras, que começou a 10 de Março, destaca alguma em particular?

Uma das revelações – acho que para toda a gente que pôde assistir – foi Li-Young Lee, poeta nascido na Indonésia de ascendência chinesa. É um homem que tem uma ligação histórica à China através do bisavô, [Yuan Shikai], que foi o primeiro Presidente republicano da China após o governo provisório de Sun Yat-sen, e do pai, que trabalhou para Mao Tsé-Tung. Ele vive há muitíssimos anos nos Estados Unidos e, apesar de ser muito americano, tem também qualquer coisa de ancestral no sentido de buscar dentro dele próprio as coisas mais essenciais da vida. Isso nota-se na forma como escreve, como lê a sua poesia e como comunica com as pessoas. Foi uma grande surpresa. Por outro lado, como estava à espera, foi um prazer ter Peter Hessler e Leslie Chang até porque eram desejos antigos do festival. Foi uma grande partilha sobre a China, sobre o Médio Oriente e norte de África, com a questão da Primavera Árabe. Outra boa surpresa foram os autores do Sudeste Asiático: o Miguel Syjuco e o Prabda Yoon. Foi muito bom, de facto, trazer autores com qualidade de países sobre os quais sabemos muito pouco do ponto de vista literário e perceber que há vozes muito interessantes – no caso do Prabda – e muito interventivas – no caso do Miguel.

Na véspera do arranque do Rota das Letras anunciou a demissão do cargo de director de programação, com efeitos a partir de segunda-feira, na sequência dos eventos que culminaram no cancelamento da vinda de três escritores por não estar garantida a sua entrada. Reconsiderar é uma hipótese?

Não. Esta decisão foi pensada e ponderada e também significa o fechar de um ciclo para mim. São sete anos. Estive na fundação do festival como o Ricardo [Pinto] e julgo que conseguimos construir um projecto muito bonito, muito singular e, diria até, inédito no panorama cultural em Macau, com grande esforço sempre, por parte de todos, claro. Foi também esse acumular que me fez tomar esta decisão e, a juntar a isso, a minha vida pessoal também diz que é o momento de fechar esse ciclo e de pensar em novos projectos e em novos desafios. Saio de consciência tranquila, porque sempre dei o melhor e tenho prazer em ter contribuído, o melhor que pude, e a grande custo às vezes, para deixar uma marca positiva na cena literária de Macau.

Mas o fechar desse ciclo foi precipitado pelo que aconteceu…

Completamente. A razão central foi o que aconteceu antes do festival começar que já foi, entretanto, mais clarificada do que estava quando anunciei a minha demissão. Não poderia ser eu a libertar toda a informação, porque a recebi em segunda mão e, portanto, não me cabia a mim indicar a fonte. Felizmente, essa clarificação aconteceu. É algo que prezo e sinto-me melhor com esta situação neste momento porque pelo menos chamámos as coisas pelos nomes.

Esta foi uma situação sem precedentes no Rota das Letras, fundado em 2012. É a morte do Festival Literário de Macau? Pode a continuidade do festival implicar, por exemplo, sujeitar uma lista de autores convidados a aprovação prévia?

Eu nunca estaria disponível para fazer um festival em que fosse preciso, ou necessário, enviar uma lista de autores para aprovação. Não me parece também que seja essa a vontade dos que estiveram envolvidos até hoje, como o Ricardo Pinto ou o Yao Feng. Na minha opinião – e posso estar errado – não me parece que ninguém queira isso. Aconteceu desta vez este caso e, obviamente, pode repetir-se no futuro, porque foi aberto um precedente. No entanto, julgo que continua a ser possível fazer o festival, mas é preciso perceber com que liberdade e quais as regras do jogo. Também temos de ser realistas e perceber o sítio em que vivemos e que nem tudo é possível numa Região Administrativa Especial da China.

A própria história do festival sinaliza que aparentemente já foi…

Sim. Mas, de facto, agora há a sensação de que nem tudo é. Tudo depende se estamos dispostos a aceitar, ou não, essa premissa e como é que vamos reagir quando acontecer alguma coisa – porque essa é uma questão fundamental de toda esta história. A reacção é quase tão importante como o acto anterior. Portanto, desde que esteja bem ciente na cabeça de quem possa eventualmente continuar o projecto o que é que está disposto a aceitar e como irá reagir se algo do género voltar a acontecer, parece-me possível continuar a fazer um festival literário.

Mas o festival pode vir a ter espartilhos…

É claro que o que aconteceu deixa uma marca indelével, mas também acho que o festival é muito importante. Entre o festival não trazer nada à cidade, ou trazer tudo aquilo que seja possível, acho que é mais importante trazer tudo aquilo que seja possível. Este ano aconteceu isto – é muito grave – mas o programa foi riquíssimo na mesma. Em causa está uma questão de princípio e essa, sim, é problemática.

Como foi transmitida a mensagem aos autores convidados de que a sua entrada não estaria garantida? Como foi recebida?

Foi-lhes comunicado exactamente o que foi dito na esfera pública, de que tínhamos sido informados oficiosamente da elevada probabilidade de não poderem entrar em Macau. Discutimos com eles e, juntos, decidimos que era melhor as viagens não acontecerem. Eles perceberam, de um modo geral, a mensagem e o que estava em causa.

O Festival Literário chegou a indagar por que razão era inoportuna a vinda daqueles três escritores em particular? No passado, chegaram a ter outros autores com livros banidos na China, por exemplo…

Pensei muito sobre isso, mas são tudo especulações. As ideias que eu tenho não são importantes agora. Como não participei nas conversas, não percebo qual foi o raciocínio do lado de lá. Obviamente, importa dizer que não me parece que nenhum deles devesse ser alguma vez impedido de vir a Macau, e também relembrar que a Jung Chang esteve no Festival Literário de Hong Kong há pouquíssimo tempo. Isto é muito importante, porque estamos a falar das duas regiões administrativas especiais e houve aqui uma clara diferença.

Esperava algum tipo de reacção, por parte do Governo, de Macau ou até de Portugal, ou da comunidade, por exemplo, dado que estamos perante um caso que vai muito além do próprio festival?

Penso que estamos a falar de estruturas muito intricadas e é sempre muito difícil perceber como é que estas estruturas reagem a coisas que acontecem e que depois passam para a esfera pública. Claro que teria sido reconfortante que alguém tivesse falado verdadeiramente sobre este caso, mas isso não aconteceu. Acho que também são as formas de gerir os processos que existem aqui (…) e, portanto, vai ficar tudo como está. Não me surpreendeu por aí além, mas não é fácil também lidar com essa situação, claro.

Uma das componentes mais importantes do Festival Literário é o Rota das Escolas, uma iniciativa que tem contado com a coordenação da Direcção dos Serviços de Educação e Juventude (DSEJ). Este ano, porém, o organismo decidiu não participar para “evitar afectar as actividades regulares de ensino nas escolas” devido ao período de exames, isto quando o Rota das Letras tem habitualmente lugar em Março. Esta edição foi penalizada de algum modo por isso?

Poderia ter sido mas, felizmente, acho que não foi, porque fizemos um esforço tremendo para manter o nível e conseguimos levar os autores a muitas escolas e a muitos jovens leitores. Amanhã [hoje] vamos à Escola Hou Kong, com a autora Maria Inês Almeida e também à Pui Ching com duas escritoras de literatura infantil de Hong Kong, ou seja, a duas das principais escolas chinesas. Nas escolas, talvez o número de sessões tenha diminuído ligeiramente, mas não muito. Claro que não deixou de ser surpreendente uma colaboração de tantos anos ter sido interrompida deste modo, mas não é de todo apenas uma desculpa, porque durante a abordagem individual também houve escolas que nos deram esse argumento. Em contrapartida, reforçámos – e de que maneira – as sessões em universidades e, se juntarmos, num pacote, todas as sessões, na verdade, tivemos mais do que em anos anteriores.

Falaste em novos projectos, novos desafios. Passam por Macau?

Espero que sim, não consigo ainda adiantar muito, mas tenho ideias e quero fazer coisas novas, espero que muitas delas passem por Macau. A minha decisão não é um adeus nem um virar de costas a Macau – de todo. A decisão foi ponderada e difícil, mas acho que também sensata e acertada. Espero poder olhar para trás e perceber que fiz a coisa certa. Acho que Macau é um sítio onde ainda é possível fazer coisas. Espero que continue a ser um espaço de relativa liberdade, porque está obviamente e cada vez mais sob alçada da República Popular da China e sabemos quais são as questões de liberdade que se colocam nesse panorama. Mas, sendo Macau um sítio que eu acredito que pode continuar a ser de relativa liberdade, quero continuar a fazer coisas aqui.

Também à volta dos livros?

Sim, porque, acima de tudo, são a minha vida. Portanto, acho que, de alguma forma, passarão sempre por outros projectos que possa vir a fazer, em Macau ou noutros sítios.

Se esses projectos forem em Macau não receias que suceda o mesmo que te levou a decidir deixar o Rota das Letras?

Estamos sempre sujeitos àquilo que possa acontecer mas, desde que tenhamos os nossos princípios bem fundamentados, julgo que não devemos desistir. Tanto as pessoas, como a história de Macau, merecem esse esforço e essa continuidade. Não acho que devemos todos desistir de fazer coisas por causa de um episódio mau. Não quero desistir de fazer projectos interessantes em Macau.

23 Mar 2018

Literatura | “Reflexões de Mesquita” com versão em português e em chinês

É sobre uma destacada figura de Macau que Marco Lobo se debruça no segundo romance histórico: Vicente Nicolau de Mesquita. Na obra, originalmente publicada em inglês e agora vertida para português e chinês, Marco Lobo recupera um “herói acidental”, imaginando a dimensão humana que ficou de fora dos relatos da História

 

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]traído por personagens com defeitos e emocionalmente alteradas, Marco Lobo escolheu o ilustre militar e oficial macaense Vicente Nicolau de Mesquita (1818-1880) como figura central do seu romance histórico – o primeiro sobre Macau, terra dos seus antepassados. “Dado que o livro era sobre Macau, achei que devia ter como personagem principal um macaense. Além disso, ele é muito importante na história de Macau. É por causa dele que Macau é o que é hoje”, explica.

“Eu diria que ele foi um herói acidental, porque foi por causa da morte do seu chefe, o governador Ferreira do Amaral [assassinado em 1849], que ele liderou o ataque ao Forte de Baishaling [Passaleão]. Por causa desse sucesso – embora não imediatamente, mas pouco depois da sua morte [1880] – Macau foi entregue a Portugal como colónia [1887]. As coisas estão completamente relacionadas”, refere.

Marco Lobo, convidado do Festival Literário – Rota das Letras – contextualiza: “O livro começa em 1849 [data da batalha do Passaleão], mas os eventos já estavam a acontecer na mudança do século: A rainha D. Maria II, de Portugal, estava enfraquecida, a coroa era contestada e, em 1822, o Brasil declarou a independência. Toda a Europa estava também em revolução: os militares tinham sido profundamente derrotados e esmagados por Napoleão, os ingleses estavam altamente dependentes dos seus aliados. Ora, tudo isto, criou uma atmosfera em que Portugal queria reconquistar o seu estatuto, além de que Hong Kong tinha acabado de ficar sob domínio britânico [1842], pelo que Ferreira do Amaral viu a Inglaterra como modelo”.

Considerando que a chave estava em derrotar a China no campo de batalha, “o governador Ferreira do Amaral foi criando uma série de situações para antagonizar os chineses e propiciar um conflito, mas acabaria assassinado. Os chineses não queriam uma guerra, mas as humilhações foram suficientes para que um pequeno exército se reunisse para atacar Macau. Eis que surge Mesquita que lidera o assalto ao Forte do Passaleão [nas cercanias das Portas do Cerco] e que, por acidente, diria eu, acabou por vencer a batalha”, diz o autor.

Estava criado o mito de um herói romântico que o escritor, de certo modo, contesta. “Quando fiz pesquisa para o livro, tentei ser o mais factual possível, mas também conto a história como a vejo. Por exemplo, acredito nos relatos sobre a Batalha do Passaleão? Não, de todo. Não acredito que pouco mais de 30 homens os derrotaram num único acto fazendo com que os chineses fugissem como ratos”, sublinha Marco Lobo que explorou as razões que terão levado à vitória, como a superioridade tecnológica em termos de armas.

Se, por um lado, procura ser “historicamente preciso”, adequando-se à época, por outro, Marco Lobo toma liberdades na caracterização das personagens, explorando o lado humano de Mesquita que escapa à História. “Não há muito escrito sobre ele como homem, pelo que tive que o imaginar”, revela.

Depois do grande feito, Mesquita “esperava ser distinguido como herói. Era segundo tenente na altura e, tipicamente, passados dez anos recebe-se um distintivo militar, mas ele demorou tempo a consegui-lo, por isso, penso que ele não era muito especial. Depois, como o chefe tinha sido assassinado não havia ninguém para o promover, só subiu de posto mais de um ano depois [da batalha], quando chegou o novo governador, passando a primeiro tenente. Havia, logo aqui, feridas emocionais”, descreve Marco Lobo. “Ele queixou-se a vida toda de que era olhado com inferioridade, porque era macaense e não português e talvez haja alguma verdade nisso”.

A simbologia das estátuas

Mesquita ganhou uma estátua décadas depois da sua trágica morte (suicidou-se depois de matar a mulher e uma filha num ataque de loucura) após ter sido reabilitado. Inaugurada em 1940 no Leal Senado acabaria por ser derrubada durante os incidentes do “1,2,3”, ocorridos em Dezembro de 1966, a primeira vez que a Revolução Cultural galgou as fronteiras da China. “As estátuas são sempre símbolo de algo. Basta pensarmos no Iraque, onde o derrube da estátua de Saddam Hussein [em 2003] marcou simbolicamente o fim do regime. Neste sentido, a estátua do Coronel Mesquita era símbolo de algo muito poderoso, pelo menos o suficiente para os chineses o atacarem”, argumenta.

“Reflexões de Mesquita” foi publicado originalmente em 2017 em inglês, ganhando uma versão em chinês e em português com a chancela da Praia Grande Edições, que organiza o Festival Literário de Macau – Rota das Letras, depois do desafio lançado por Ricardo Pinto. “Achei bastante interessante. Nunca tinha pensado nisso antes”, sublinha Marco Lobo, reconhecendo o potencial estimulante da nova audiência.

“Ao escrever sobre a diáspora portuguesa nunca tive a certeza se a audiência ocidental seria o verdadeiro mercado. Tenho a certeza que muita gente nem sabe onde fica Macau. Nós temos uma boa ideia da diversidade cultural porque vivemos aqui. De muitas formas esta pode ser uma melhor audiência para o livro porque a história é conhecida em Macau e na China, embora eu não tenha a certeza sobre quão conhecida é, pelo menos entre os chineses”, observa. O livro foi escrito de “vários pontos de vista”, incluindo o de Mesquita, [e] não sou gentil com ninguém”, salienta.

“O tempo em que decorre a acção é, por um lado, a Macau bonita das pinturas de George Chinnery e, por outro, a do comércio do ópio e do tráfico de cules. É um cenário em que há luz e escuridão”, sintetiza o escritor.

Macau em livro

Marco Lobo tem um terceiro romance em preparação que, por acaso, também se cruza com Macau. Com data prevista de lançamento para o Outono, o novo livro – ainda sem título – aborda o governador que sucedeu a Ferreira do Amaral, Pedro Alexandrino da Cunha, que permaneceu apenas 38 dias no cargo. Terá morrido de cólera, mas na nova trama de Marco Lobo a história é diferente. “O livro gira em torno das circunstâncias da sua morte. Ele é só central para a história porque morre, dado que um dos personagens está envolvido na sua morte”, explica Marco Lobo que recuperou personagens ficcionadas do livro “Reflexões de Mesquita” para o novo romance. Outra parte desenrola-se na Califórnia, nos tempos da corrida pelo ouro. “Esse personagem chinês, tal como outros, vai tentar encontrar a sua fortuna na Califórnia que, em 1850, conquista o estatuto de Estado norte-americano.

Biografia do avô Pedro José Lobo em estudo

Marco Lobo é filho de Sir Roger Lobo e neto de Pedro José Lobo, uma figura incontornável do século XX em Macau. Escrever sobre o avô é “uma ideia sob consideração”. “Até estou sob um pouco de pressão para escrever por parte das algumas pessoas, mas vamos ver como corre”, diz, entre risos. Há uma condição prévia para avançar com o projecto, que seria uma biografia ao invés de um romance. “Teria que ter total liberdade para escrever tudo o que quero e isso é difícil, até porque tenho uma família enorme”, enfatiza Marco Lobo, que profissionalmente é professor universitário de Economia.

Além da diáspora portuguesa – o seu primeiro livro, “The Witch Hunter’s Amulet” debruça-se sobre Goa – Marco Lobo, de 63 anos, tem particular interesse pelos conflitos culturais que envolvem a raça e a religião, como fica patente no romance histórico “Reflexões de Mesquita”.

Nascido em Hong Kong, sempre teve uma ligação muito íntima com Macau, onde vinha frequentemente passar o Verão ou o Natal porque o avô morava no território. “Macau é-me muito familiar. Guardo memórias muito queridas e nostálgicas da antiga Macau”, sublinha Marco Lobo, que estudou em Inglaterra e nos Estados Unidos antes de partir para o Japão, onde se encontra radicado há décadas.

22 Mar 2018

Macau espera 40 mil visitantes na Expo Internacional que se realiza em Abril

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] directora dos Serviços de Turismo (DST), Helena de Senna Fernandes, espera que a Expo Internacional de Turismo de Macau, que vai decorrer entre 27 e 29 de Abril, atraia 40 mil visitantes. A previsão encontra-se em linha com o aumento da própria feira, com capacidade para acolher mais de 500 ‘stands’. Até ontem, estava confirmada a presença de quase 300 entidades, oriundas de 36 países e territórios.

“Espero que com 10 por cento de aumento em termos de expositores, [ter] pelo menos mais 10 por cento em termos de visitantes. Estamos a apontar para mais ou menos 40 mil”, afirmou ontem Helena de Senna Fernandes. A pesar na influência estará também o facto de o evento ter sido antecipado de Julho para Abril para facilitar a promoção dos produtos turísticos para a época alta das férias de Verão, o que constitui “um benefício para todas as partes”. A partir de agora, vai ser sempre em Abril, o que oferece “mais possibilidades de fazer crescer o evento”, sublinhou ontem à margem da apresentação do programa.

Com um orçamento de 16 milhões de patacas, nove dos quais suportados pelo Governo, a Expo Internacional de Turismo de Macau tem cinco destaques, como a zona temática dedicada à gastronomia depois da inclusão de Macau na rede de Cidades Criativas da UNESCO e de 2018 ter sido, por conseguinte, designado o “Ano da Gastronomia de Macau”.

As indústrias criativas e culturais também vão estar em foco. “Porta da Arte” reúne expositores de lembranças artísticas relacionados com as indústrias culturais e criativas. “Este ano vamos continuar a promover mais a parte criativa e dar mais ênfase às PME [Pequenas e Médias Empresas] que, além de venderem os seus produtos, podem procurar parceiros da China ou de outros países”, afirmou Helena de Senna Fernandes.

Outros destaques – salientados durante a conferência organizada pela DST em conjunto com a Associação das Agências de Viagens – encontram-se em sintonia com a iniciativa “Uma Faixa, Uma Rota” e com o projecto da “Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau”. Em paralelo, a feira vai reservar um espaço a bolsas de contacto de turismo China-Portugal, mantendo como “objectivo futuro” criar uma zona dedicada a Portugal.

A Expo Internacional de Turismo, que vai ter lugar no Venetian, conta com a inscrição de 62 empresas de Macau, incluindo 19 agências de viagens, que vão ocupar 165 expositores dos 490 confirmados. Já a Grande Baía vai estar representada com, pelo menos, 11 expositores na feira, em que marcam presença praticamente todos os países de língua oficial portuguesa.

No ano passado, a Expo Internacional de Turismo de Macau, com 473 expositores, de 303 entidades de 45 países e territórios, fechou com 31 acordos de cooperação.

22 Mar 2018

Vogais de associações têm direito a aceder a informações sobre apoios financeiros

O Tribunal de Segunda Instância (TSI) deu razão a um vogal da direcção de uma associação que pediu dados sobre os apoios financeiros que lhe foram concedidos pelo Instituto de Acção Social (IAS). O acórdão do tribunal defende que o vogal tem o legítimo direito a aceder a todas as informações fundamentais da associação a que pertence

 

[dropcap style≠‘circle’]O[/dropcap] Tribunal de Segunda Instância (TSI) decidiu a favor de um vogal da direcção de uma pessoa colectiva de utilidade pública administrativa que solicitou ao IAS informações sobre os apoios financeiros, concedidos desde 1999, ao centro de convívio da associação. Depois de ter esperado sensivelmente um mês por uma resposta, que nunca chegou, decidiu intentar uma acção sobre a prestação de informação, consulta de processo ou passagem de certidão junto do Tribunal Administrativo que indeferiu o pedido. Essa decisão foi revertida agora pela decisão do TSI.

O Tribunal Administrativo indeferiu o pedido sob o fundamento de que “não tinha poder de representação”, e que “os apoios eram concedidos à associação e não ao próprio”. A decisão da primeira instância argumentou ainda que o recorrente “não apresentou documentos que demonstrassem que tivesse interesse próprio comprovado, sério e útil na obtenção das informações em causa”, e que o IAS publica, “legal e periodicamente, as informações sobre os apoios no Boletim Oficial”.

Inconformado com a decisão, recorreu para o TSI, alegando que, como vogal da direcção, “era responsável pela gestão dos assuntos quotidianos da associação” e que tinha, por conseguinte, legitimidade para obter as respectivas informações financeiras “para efeitos de confrontação”. Por outro lado, na eventualidade de serem detectados problemas no uso de fundos públicos – segundo argumentou – tal afectaria não apenas o interesse da própria associação, mas também o interesse público.

 

Direito a saber

O TSI deu-lhe razão, considerando que “deveria usufruir do direito de acesso a todas as informações” relativas à associação à luz do Código do Procedimento Administrativo. “O recorrente tinha o direito de obter as informações fundamentais sobre o funcionamento da associação, já que só assim poderia ter o pleno conhecimento da situação do uso dos recursos públicos (…) e compreender precisamente o estado da concessão dos apoios financeiros à associação pelos serviços públicos”.

Segundo o acórdão do TSI, divulgado ontem, o colectivo considerou que “o meio mais directo era obter as informações através da fonte”, pelo que “o fornecimento dessas informações gerais [publicadas em BO e que, portanto, não tinham conteúdo confidencial] consubstanciaria “uma revelação da concretização do princípio da transparência na administração pública e do princípio da transparência máxima das informações dos arquivos”. Além disso, “não causaria prejuízo ao interesse público”, sublinha o TSI.

O recorrente pretendia “obter as informações sobre apoios para fiscalizar e gerir melhor o uso dos apoios pela associação”, com o objectivo de apurar como foram repartidos internamente esses recursos, de acordo com o TSI.

21 Mar 2018

Vitalino Canas diz que AR não tem competências para fiscalizar Declaração Conjunta

O deputado português Vitalino Canas defende que a Assembleia da República (AR) não tem competências para fiscalizar a aplicação da Declaração Conjunta. Já a ausência de posições públicas do Governo resulta, a seu ver, de diferenças no “estilo de diplomacia” e na forma como Lisboa se relaciona com Pequim

[dropcap style≠‘circle’]O[/dropcap] Reino Unido pronuncia-se com frequência sobre Hong Kong, ao contrário do que faz Portugal relativamente a Macau. Mas tal não significa que Lisboa não acompanhe as obrigações constantes da Declaração Conjunta, firmada há três décadas entre Portugal e China. A opinião é defendida por Vitalino Canas, deputado do Partido Socialista (PS) à Assembleia da República, para quem a postura de Portugal talvez seja apenas mais discreta.

Apesar de acompanhar “a situação política” de Macau, onde exerceu funções políticas antes de 1999, Vitalino Canas preferiu ser “reservado” relativamente a “um assunto de política interna”. Neste sentido, absteve-se de comentar casos concretos passíveis de beliscar princípios como “um país, dois sistemas”, como o cancelamento da vinda de três escritores ao Festival Literário de Macau – Rota das Letras, após indicação oficiosa por parte do Gabinete de Ligação de que a sua entrada no território não estava garantida.

Em termos gerais, sobre a postura de Lisboa relativamente a Macau, por oposição à de Londres face a Hong Kong, Vitalino Canas observou que “Portugal sempre se relacionou com a China de uma forma mais discreta” e que “talvez seja uma atitude menos visível do que a que o Reino Unido sempre teve”. “Talvez seja menos exposta ou talvez se utilizem canais diferentes”, continuou o constitucionalista. “Não se sabe o que é que, no romance dos gabinetes, o Governo tem dito à China em relação a Macau. Se calhar não se vai saber, porque talvez seja o tipo de informações que normalmente não são divulgadas”, argumentou. “Acredito que através do Consulado e do MNE que o diálogo necessário com a China está a ser feito”, comentou Vitalino Canas, em Macau para participar de um seminário do Instituto de Estudos Europeus (IEEM).

Em paralelo, Portugal tem um “estilo de diplomacia” diferente dos outros, anotou Vitalino Canas, observando que, por vezes, o país é criticado, em termos gerais, por ter “uma atitude relativamente tolerante ou macia”.

Rui Tavares, ex-deputado à AR, também em Macau, desta feita para participar do Rota das Letras, entende que Portugal deveria ter uma posição “mais activa” relativamente às suas obrigações, mas admite que tal pode ser feito de uma forma discreta. No entanto, é mais assertivo relativamente ao papel da AR, lamentando que “não haja um acompanhamento regular da situação de Macau, com uma comissão parlamentar que reúna regularmente e produza relatórios” – à semelhança do que faz o parlamento britânico relativamente a Hong Kong. “A AR tem a obrigação de agir de uma forma mais política e pública”, sustentou em entrevista ao HM.

Vitalino Canas discorda: “A questão do acompanhamento por parte da AR da forma como o acordo [Declaração Conjunta] está a ser aplicado não é da competência da AR”. De acordo com o deputado, o Parlamento português “não tem competência para fiscalizar a forma como terceiros Estados cumprem as obrigações internacionais a que se vincularam com o Estado português. Compreendo a ideia e, eventualmente, é uma ideia a discutir, mas vejo algumas dificuldades”, observou.

“Nunca tivemos – que eu saiba – nenhum grupo dedicado especificamente a acompanhar a execução de um tratado internacional”. Embora seja um acordo “muito importante”, “não há tradição na AR e não me parece que caia nas suas competências”, frisou.

21 Mar 2018

25.º aniversário da promulgação assinalado com actividades de divulgação

[dropcap style≠‘circle’]A[/dropcap]rrancaram ontem as actividades comemorativas do 25.º aniversário da promulgação da Lei Básica. As iniciativas, organizadas pela Associação de Divulgação da Lei Básica de Macau, em parceria com a Direcção dos Serviços de Assuntos de Justiça (DSAJ), o Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais (IACM) e a Direcção dos Serviços de Educação e Juventude (DSEJ), vão custar 4,5 milhões de patacas.

O programa inclui uma série de actividades, que arrancaram ontem com o primeiro de três cursos de formação previstos na celebração. Na Quinta-feira tem lugar um seminário intitulado “Avançar para o novo caminho da implementação do princípio ‘um país, dois sistemas’”, que vai juntar académicos de Macau, Hong Kong, Taiwan e China, enquanto que para Sexta-feira está agendado um espectáculo nocturno. No dia seguinte, Sábado, decorre um fórum sobre a educação da ‘miniconstituição’ de Macau nas escolas e a abertura de uma nova exposição na Galeria Comemorativa da Lei Básica, que celebra cinco anos.

O programa de comemorações, que inclui ainda jogos e concursos, direccionados para as escolas, mas também para o público em geral, decorre todo o ano.

Na conferência de imprensa de apresentação do programa, foram feitas perguntas sobre temas da actualidade relacionados com a Lei Básica, como a eventual necessidade de revisão da Lei relativa à defesa da segurança do Estado ou o cancelamento da vinda de escritores ao Rota das Letras após indicação do Gabinete de Ligação. No entanto, ficaram sem resposta, por serem um “assunto não relacionado”.

20 Mar 2018

Cartoonista Rodrigo de Matos inaugura “Punacotheca” na quinta-feira

[dropcap style =’circle’] R [/dropcap] odrigo de Matos inaugura, na próxima quinta-feira a exposição “Punacotheca”, integrada no Festival Literário – Rota das Letras. A mostra, que estará patente na Creative, reúne 30 trabalhos de pintura e ilustração num jogo de significados entre imagens e palavras

Rodrigo de Matos, conhecido como cartoonista, com trabalhos publicados em jornais em Macau e em Portugal, decidiu sair da sua zona de conforto e aventurar-se noutra área criativa . Na primeira exposição individual de pintura, Rodrigo de Matos propõe um jogo entre imagens – ambíguas e até ridículas – e os múltiplos significados de palavras ou expressões.

Em “Punacotheca” (em inglês) ou “Pinacotroca” (em português) – que brinca com a palavra trocadilho e pinacoteca – “propus-me a fazer uma série de pinturas e ilustrações que partem justamente de trocadilhos visuais e de sentidos. Na maior parte, as expressões que escolhi funcionam nas duas línguas (português e inglês)”, explicou o artista ao HM.

Embora tenha participado anteriormente em colectivas, Rodrigo de Matos nunca expôs pintura a solo. “No fundo, o que eu pretendi foi variar um pouco em relação àquilo que as pessoas conhecem do meu trabalho, que é o que sai publicado, mas há outras coisas que gosto de fazer além do cartoon, como pintar e brincar com os materiais”, sublinha.

“Esta exposição permitiu-me desenvolver um pouco a minha técnica que, no dia-a-dia, fica um pouco restrita ao meu estilo e limitações do cartoon, pelo que tento fugir um pouco”, explica Rodrigo de Matos que, em “Punacotheca”, explora habilidades que ficam de fora do quotidiano. “Procurei recuperar um pouco essa veia”, complementa.

Macau em tela

A exposição reúne 15 trabalhos de pintura e outros tantos de ilustração. “As pintura têm várias dimensões, normalmente com tinta acrílica sobre tela, enquanto entre as ilustrações, feitas à mão, são usadas canetas de tinta permanente mas também há pequenos toques ou apontamentos com tinta acrílica sobre cartolina”, especifica.

Se, por um lado, há imagens mais genéricas, por outro, encontram-se também referências concretas à realidade de Macau. “Sim, algumas são mais próprias para serem percebidas pelas pessoas de Macau ou, pelo menos, são coisas que têm estado mais na berra aqui. Mas penso que mesmo alguém de fora também irá perceber o jogo dos significados”.

“O que eu tentei em cada trabalho, independentemente dos que se enquadram num lado ou noutro, foi a partir de uma notícia, por exemplo, descodificar esses pequenos termos utilizados, como ‘talento bilingue’. No fundo, tentei jogar apenas com o significado das expressões, sem incutir qualquer opinião ou crítica política ao contrário do que faço habitualmente no cartoon”, explica Rodrigo de Matos.

Sem destacar uma obra em particular, Rodrigo de Matos entende que a mostra “vale como um todo”, estando a piada no jogo entre as imagens – com “uma certa dose de ambiguidade e até um pouco ridículas” – e os títulos dos quadros. Essa brincadeira permite que “as pessoas as possam interpretar como quiserem e todas as interpretações serão válidas”, sublinha.

“Penso que os mais ou menos bem-humorados são capazes de achar piada”, concluiu.

“Punacotheca”, que fica patente na Creative até 21 de Abril, é a terceira exposição de Rodrigo de Matos em Macau, mas a primeira que apresenta fora do universo dos cartoons.

20 Mar 2018

Tomás Ramos de Deus e Miguel Noronha Andrade lançam álbum “Oito” na próxima quarta-feira

Tomás Ramos de Deus e Miguel Noronha Andrade apresentam, na próxima quarta-feira, o álbum “Oito” no âmbito do Festival Literário de Macau – Rota das Letras. O projecto, da Casa de Portugal, alia a poesia à música

 

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] desafio foi lançado pelo poeta Yao Jingming, Tomás Ramos de Deus e Miguel Noronha Andrade aceitaram e a obra nasceu: Um álbum que reúne oito poemas de autores chineses cantados em português. A apresentação de “Oito”, que invoca o número da sorte chinês, tem lugar, na Quarta-feira às 20h, no edifício do antigo tribunal, no âmbito do Rota das Letras.

A ideia partiu de Yao Jingming. “Ele disse-nos o que tinha pensado e perguntou-nos se estaríamos disponíveis para esse desafio. Nós respondemos que sim e a Casa de Portugal também achou imensa graça, pelo que pusemo-nos logo a trabalhar”, afirmou o músico Tomás Ramos de Deus ao HM. 

O CD reúne oito poemas de autores chineses, incluindo do próprio Yao Jingming (que responde pelo pseudónimo de Yao Feng enquanto poeta) a quem coube a selecção e tradução, musicados por Tomás Ramos de Deus e Miguel Noronha Andrade. Além de Yao Feng, o álbum conta com poemas de Huang Lihai, Lan Lan, Yu Xiang e Gu Cheng.

O processo, que envolveu desde a selecção de poemas até criação das músicas, aos arranjos, gravações, produção e masterização do disco, iniciou-se no Outono. “A fase de produção do disco foi de Outubro/Novembro até ao final do ano. De Janeiro até agora, dedicámo-nos à preparação do concerto de apresentação”, explicou Tomás Ramos de Deus que, embora habituado a adaptar e a musicar poemas, nota que “Oito” foi “mais desafiante”.

Letras e notas

“Este álbum é diferente porque tem poesia que foi traduzida de chinês para português. Embora o processo tenha sido semelhante a outros álbuns (em que também adaptamos poemas feitos e musicamos), este foi mais desafiante em termos do conteúdo”, sublinhou Tomás Ramos de Deus. “Alguns poemas, por exemplo, são muito pequeninos e tivemos que os transformar em músicas que não fossem mínimas, mas acho que fizemos um bom trabalho”, avalia.

As sonoridades também vão beber ao Oriente, acabando por criar uma fusão: “As músicas foram criadas consoante as nossas influências, o que ouvimos, estudamos e aprendemos, mas depois tentamos, através de alguns instrumentos chineses, dar uma sonoridade chinesa às músicas e uma cor diferente ao disco”.

Neste sentido, a expectativa de Tomás Ramos de Deus é a de que o público goste das músicas e do que tentaram criar com o álbum “Oito”: “Espero que tentem apreciar a fusão que fizemos” de sons Oriente com o Ocidente, afirmou.

19 Mar 2018

Subsídios | Detectadas violações graves com vales de saúde nas policlínicas

Os Serviços de Saúde anunciaram que foram detectadas “graves violações” no uso de vales de saúde por parte de policlínicas. Em resposta, decidiram excluir do programa os estabelecimentos de prestação de cuidados de saúde, passando a aceitar apenas colaborações com profissionais que podem aderir individualmente

 

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]pós a descoberta de “graves violações” no uso de vales de saúde por parte das policlínicas, os Serviços de Saúde decidiram excluir os estabelecimentos de prestação de cuidados de saúde do programa criado em 2009. A medida foi anunciada na Sexta-feira após uma reunião com o Conselho para os Assuntos Médicos, presidido por Lei Chin Ion.

Datas de impressão anteriores aos dias de consulta, processos clínicos com dados incompletos aquando da consulta ou um irracional número de pacientes face aos vales de saúde recebidos figuram entre os exemplos das “graves violações”, com os Serviços de Saúde a darem ainda conta de casos de policlínicas que emitiram novas inscrições após terem sido encerradas.

Essas irregularidades ficaram, contudo, impunes. “A autoridade administrativa não conseguiu verificar” quem foram os profissionais de saúde ao serviço das policlínicas que violaram as normas de uso dos vales de saúde, pelo que “não foi possível proceder à aplicação das sanções dissuasoras”.

Desde que o Programa de Comparticipação nos Cuidados de Saúde foi criado, o uso de vales de saúde nas policlínicas sofreu um aumento progressivo. Em 2009 representava 17 por cento, enquanto que no ano passado a proporção aumentou para 55 por cento, o que significa, na prática, “um apoio monetário superior a 100 milhões” de patacas, de acordo com dados facultados pelos Serviços de Saúde em comunicado.

Fora do programa

Na sequência das irregularidades detectadas, o organismo decidiu introduzir mexidas no programa, pelo que vai deixar de aceitar pedidos de acesso por parte dos estabelecimentos de prestação de cuidados de saúde. Assim, apenas serão aceites colaborações com profissionais que preencham os requisitos, sendo que o valor do subsídio financeiro a atribuir vai passar a ser transferido para as suas respectivas contas bancárias.

“Com esta medida pretende-se ainda que sejam os profissionais de saúde a usufruir dos subsídios e não as clínicas. Os profissionais de saúde que sejam empregados das policlínicas podem aderir, de forma individual, a este programa”, clarificam os Serviços de Saúde, deixando a garantia de que não haverá qualquer impacto na qualificação de adesão ao programa nem no uso dos vales de saúde com as mexidas.

Segundo o organismo, a maioria dos membros do sector de profissionais médicos concorda com o projecto de aperfeiçoamento do Programa de Comparticipação nos Cuidados de Saúde, considerando que o novo modelo pode “combater a violação de uso dos vales de saúde”, permitir “alcançar o objectivo real de programa”, saudando o apoio directo aos prestadores de cuidados de saúde.

Actualmente, os Serviços de Saúde encontram-se a elaborar instruções, estando a decorrer acertos com os Serviços de Finanças relativamente à simplificação de procedimentos para que os profissionais de saúde, empregados das policlínicas, possam declarar a sua contribuição na qualidade de trabalhador por conta própria.

O Programa de Comparticipação nos Cuidados de Saúde vai sofrer outras mexidas, anunciadas anteriormente e com entrada prevista para 1 de Maio. Os vales vão passar a ser electrónicos e ter a validade alargada de um para dois anos e podem ser acumulados. Em paralelo, para aumentar a flexibilidade do uso, o valor nominal de cada vale de saúde vai passar das actuais 50 patacas para uma pataca.

Aos vales de saúde, atribuídos anualmente e cujo valor corresponde a 600 patacas, são elegíveis apenas os titulares de Bilhete de Identidade de Residente Permanente.

O Programa de Comparticipação nos Cuidados de Saúde foi lançado com o objectivo de “apoiar o exercício das actividades dos profissionais de saúde do sector privado, disponibilizando mais recursos médicos para a comunidade”, nomeadamente com o intuito de “criar o conceito de médico de família” e a pensar na prestação de “cuidados de saúde periódicos”.

19 Mar 2018

Rota das Letras | Portugal desconhece restrições a liberdades e lamenta eventual cancelamento do festival

O Ministério dos Negócios Estrangeiros português desconhece restrições por parte das autoridades chinesas ao exercício das liberdades e garantias dos participantes no Festival Literário de Macau – Rota das Letras, pelo que apenas “lamenta a eventualidade do cancelamento” da “muito meritória” iniciativa

 

[dropcap style≠’circle’]“O[/dropcap] Ministério dos Negócios Estrangeiros não tomou conhecimento de restrições por parte das autoridades chinesas ao exercício das liberdades e garantias dos participantes no referido Festival no espaço do Território”, afirmou a diplomacia portuguesa ao HM. É a primeira reacção de Lisboa ao cancelamento da presença de três escritores pelo Rota das Letras após indicação de que a vinda de Jung Chang, James Church e Suki Kim “não era considerada oportuna”, pelo que “não estava garantida a sua entrada no território”.

Segundo o director do Festival Literário de Macau, Ricardo Pinto, essa indicação veio da parte do Gabinete de Ligação, embora o chefe da representação da República Popular da China em Macau, Zheng Xiaosong, tenha afirmado desconhecer o caso em torno da Rota das Letras. A situação, “especialmente desconcertante”, levou a organização a cancelar a presença dos três autores para não colocar os convidados na situação de serem eventualmente barrados na fronteira.

Este episódio, sem precedentes na história do Festival Literário, criado em 2012, vai levar o Rota das Letras a reflectir sobre a continuidade de um evento que conquistou um lugar no calendário cultural de Macau. “Depois do que aconteceu, obviamente tudo terá que ser reflectido, repensado e discutido” para “ver até que ponto faz sentido continuar com o festival, em que termos, em que circunstâncias, em que condições”, reconheceu Ricardo Pinto.

“O Festival Literário de Macau, Rota das Letras, é uma iniciativa muito meritória da sociedade civil da Região Administrativa Especial de Macau, que conta com o patrocínio do Instituto Português do Oriente, com o objectivo de desenvolver a cultura e a promoção dos escritores”, pelo que o Ministério dos Negócios Estrangeiros “lamenta a eventualidade do cancelamento desta iniciativa”, diz a resposta escrita, sem mais. Sobre os princípios acordados na Declaração Conjunta ou eventuais diligências a respeito do caso, como consultar a parte chinesa, o MNE nada diz, atendendo a que garante, desde logo, desconhecer restrições a liberdades e garantias.

Indiferença desaconselhável

O historiador Rui Tavares, actualmente em Macau a participar da sétima edição do Rota das Letras, que decorre até Domingo, defende que Portugal não pode fechar os olhos ao que aconteceu. Num artigo de opinião, publicado na Sexta-feira, no jornal Público, é assertivo a comentar o caso. “Isto não é qualquer coisa a que Portugal possa ficar indiferente, desde logo porque o estatuto especial de Macau, incluindo as suas liberdades, está consagrado em garantias e protecções que obrigam tanto à China quanto ao nosso país”.

“No caso de Hong Kong, por exemplo, o parlamento britânico tem uma comissão de acompanhamento que realiza relatórios regulares a respeito da autonomia e liberdades nesse antigo território britânico”, sublinha Rui Tavares. “Em Portugal, infelizmente, a nossa Assembleia da República desligou-se completamente das suas obrigações perante estes temas em Macau”, observou o ex-eurodeputado.

“Podemos dizer que factos como estes empalidecem em comparação com a gravidade de situações de violação de direitos humanos no resto da China. Mas a verdade é que com Macau temos obrigações morais e políticas especificamente portuguesas e, se ficarmos passivos agora, não nos admiremos que a situação se torne mais grave depois. Fica o alerta e a garantia de continuar a seguir este assunto”, escreveu.

19 Mar 2018

Rota das Letras| Rui Paiva lança livro e inaugura exposição no Sábado

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] Livraria Portuguesa vai ser palco no sábado, pelas 14h30, do lançamento do livro “Nuvem Branca” e da exposição “Paisagens Literárias de Um Viajante”, da autoria de Rui Paiva que regressa a Macau para o Rota das Letras.

“Nuvem Branca”, recentemente editada pelo próprio autor, é “um livro de artista e, em simultâneo, um livro de vida”. “Achei que era interessante pela primeira vez e, de uma forma natural, contar a minha vida enquanto artista. É profusamente ilustrado com as minhas obras de arte desde início e vai mesmo aos primeiros desenhos que fui guardando da minha juventude”, começa por explicar Rui Paiva ao HM.

A obra percorre as “diferentes fases” do percurso artístico que Rui Paiva foi trilhando, desde como começou a pintar, incluindo uma cronologia que “mostra todas as exposições individuais para que se perceba que há uma consistência relativamente à carreira”. Esse fio condutor foi preparado pelo filho que cresceu entre as telas do pai, o “Rui da Economia”, como lhe chamava o Monsenhor Manuel Teixeira. Afinal, foi nos Serviços de Economia que Rui Paiva iniciou, em 1979, a sua vida profissional em Macau, antes de enveredar pelo mundo da banca que o levou também a Hong Kong e, posteriormente, de regresso a Portugal.

Foi sensivelmente há três décadas que começou a participar de forma mais activa em exposições individuais e colectivas em latitudes tão distintas como Vietname, Malásia, Coreia do Sul ou Japão, além de Macau, Hong Kong e Portugal. Rui Paiva fala com entusiasmo das exposições, elencando uma e outra, com datas, e até convidados, até fechar o ângulo para pormenores de pinturas ou desenhos.

Uma das mais significativas foi precisamente em Macau porque a viu como uma causa. “Sépias e Sanguíneas do Deserto” era o título da mostra de 1991 – também na Livraria Portuguesa – que, apesar de inaugurada em dia de tufão, acabou por ser “um sucesso”. O tema: a guerra do Golfo. “Tratei-a como uma guerra espectáculo porque era como a víamos através da CNN quando chegávamos a casa. As pessoas viam os mísseis e iam dormir tranquilas. Essa indiferença e passividade em geral relativamente a uma guerra fundamental em termos geopolíticos e económicos deixava-me de algum modo preocupado”. Os trabalhos, retratados no livro, eram principalmente desenhos, “quase como uma insinuação de banda desenhada”, mas também “havia colagens de papéis rasgados”, recorda.

“Nuvem Branca” tem “outra particularidade”. “Embora haja uma cronologia tem também pequenas ilhas”, assinala o artista, dando o exemplo da “Série das Máscaras”: “Em 2009 começou a dizer-se que ia ser o ano da crise em Portugal – infelizmente durou quase uma década. Quando se começou a falar achei que metaforicamente devia conceber um ano com 16 meses porque achava que ia ter mais de 12, pelo que criei uma máscara para cada um desses meses de 2009”.

Já a faceta do livro de vida surge a partir do entendimento de que “as obras de arte não devem surgir do nada”, pelo que cobre a sua vida profissional e dá a conhecer “os bastidores” do artista para que o autor e a sua obra possam ser compreendidos. “Mais importante do que ter sucesso é o artista ter uma identidade”, sublinha Rui Paiva.

Um peculiar início de carreira

O início da carreira artística foi fora de comum. Tudo começou depois de ter mostrado desenhos a um homem que não sabia exactamente quem era. Deixou-o ver, tirar fotocópias, mas nunca mais soube dele, até que, passado um mês, enquanto passava pelo Leal Senado viu um desenho seu, o primeiro de quatro, plasmado no jornal, acompanhado por “uma crítica altamente positiva”, descobrindo que o apreciador era, afinal, um crítico de arte que escrevia para o Va Kio.

Deixou o território em 1982 – pela primeira vez. Regressado a Portugal decidiu ir burilar as habilidades, frequentando a Sociedade Nacional de Belas Artes durante dois anos. Em 1988 estava de volta a Macau, onde efectivamente começa a expor. “Macau foi sempre importante”, realça Rui Paiva, sem esquecer as pedras que surgiram pelo caminho. “Foi um a luta muito grande para entrar no meio artístico de Macau, porque havia barreiras enormes e muitos preconceitos. Eu era um director de banco e, se calhar, por disso, achavam que não podia ser artista”, observa.

Na obra, Rui Paiva também faz uma incursão pela terra natal: Moçambique. Nomeadamente pelos tempos em que, depois de tirar um curso de cinema, andou pelos subúrbios de Lourenço Marques (actual Maputo) a filmar com um grupo de companheiros que lhe ofereceram as pequenas bobinas quando foi para Portugal. Essas imagens, mostrando o fenómeno das mulheres apanhadoras de amêijoas ou as aulas de alfabetização com ‘mamanas’, trouxe-as consigo na expectativa de as poder exibir durante a exposição a inaugurar no Sábado, a par com o lançamento de “Nuvem Branca”.

Intitulada “Paisagens Literárias de Um Viajante”, a mostra reúne mais de 30 obras, da pintura, ao desenho, passando pela instalação, incluindo, entre outros, um conjunto inédito, em papel de arroz sobre tela, “mais espiritual”.

 

16 Mar 2018

Efeméride | Restaurante “A Vencedora” celebra 100 anos

[dropcap style≠’circle’]É[/dropcap] um dos restaurantes de comida portuguesa mais antigos de Macau. O letreiro amarelo para lá aponta: 1918. De portas abertas há 100 anos “A Vencedora”, localizada na central Rua do Campo, podia ser um estabelecimento de comidas chinês igual a tantos outros que se encontram facilmente ao virar de uma esquina. Mas não é: a distinção faz-se à mesa com um menu de comida portuguesa.

Um século é muito tempo. Tanto que a Lam Kok Veng faltam pistas sobre a data precisa da fundação d’ “A Vencedora”: “Não sei dizer em que dia abriu. Só sei que mudamos para aqui em Junho de 1992. Antigamente a casa ficava ali ao lado”. Também pouco ou nada se sabe sobre o significado por detrás do nome. Só que foi “escolhido por amigos” do avô de Lam que foi quem teve o rasgo de abrir o negócio no ano que ficaria marcado no mundo pelo fim da I Guerra Mundial.

Em tempos em que os negócios tradicionais se vêem obrigados a sucumbir à voracidade do mercado imobiliário, “A Vencedora” faz jus ao nome com que a baptizaram. E não se limita a sobreviver. Pelo menos a olhar pela azáfama que toma conta do modesto espaço principalmente ao almoço, que acolhe gente de todas as franjas da sociedade. “Hoje tem entrecosto, bacalhau cozido com grão de bico…” – a ementa chega, a alto e bom som, pela voz do irmão de Lam e em português. De bloco na mão, à medida do tamanho do bolso do pólo onde o enfia depois de anotar os pedidos, é o mestre de cerimónias d’ “A Vencedora”.

À hora de almoço, praticamente não pára: anda de trás para a frente, orientando a dúzia e meia de funcionários, a maioria mulheres. Da cozinha, ouvem-se campainhas – mais uma refeição pronta a seguir. Quando o movimento amaina, sossega-se junto à porta e vai ver quem passa. Quem chega de fora dificilmente imagina que ali se serve feijoada ou iscas, aprendidos pelos antepassados junto de antigos patrões portugueses. À parte da gastronomia lusa, que ali encontra “variantes”, e dos “fai chi” que dão lugar a um garfo e a uma colher, tudo o resto é chinês. Lam fica na caixa, ao lado da mulher, a acompanhar de perto a clientela. A receber quem chega e a cumprimentar quem vai, mas só depois de pagarem a conta, claro. É que nem sempre foi assim.

Os calotes

Dos tempos em que os militares frequentavam o sítio ficaram dívidas nunca cobradas. “Nunca contei o valor”, diz o proprietário d’ “A Vencedora”. Os calotes, manuscritos em folhas soltas dentro de diminutos envelopes, acumulam pó numa caixa de madeira agastada que retira de uma gaveta do balcão. Lam, de 66 anos, puxa do primeiro exemplo que descobre entre uma série de papéis amarelados. O senhor António, cujo apelido deixou de ser legível, ficou a dever à casa 80 patacas a 3 de Março de 1979. “Era muito dinheiro na altura, uma parte do salário”, realça Lam. Essa informação é a única que consta dessa nota escrita há quase quatro décadas, sem indicação de morada ou de um contacto de telefone fixo. A pensar naqueles que eram, afinal, os seus principais fregueses, “A Vencedora” disponibilizava vales de refeição a cobrar em épocas mais prósperas. “Mesmo no final do mês não tinham dinheiro para pagar”, conta Lam, traulitando o verso concebido a pretexto, teoricamente pelos endividados: “Português de Portugal, come bem e paga mal”.

“A maioria dos tropas nunca mais voltou” nem ali nem a Macau, até porque, argumenta, apenas duas circunstâncias os fariam permanecer nesta terra: emprego ou casamento. Lam tem mais senhas em casa. Não sabe quantas nem quanto totalizam as dívidas: “Nunca contei o valor”, diz, entre risos.

João de Almeida Santos, que chegou a Macau em 1967, era um dos militares que frequentava “A Vencedora”: “Eu não tinha vales, paguei sempre tudo a pronto”. “Antigamente, a malta portuguesa vinha cá toda”, diz um dos habitués do espaço, remetendo para os “souvenirs” expostos na vitrina ofertados à casa por amigos portugueses e macaenses. Entre as criações bordalianas figura precisamente um Zé Povinho que com o seu característico manguito responde “Toma!” à pergunta “Se queres fiado?”. Na montra há uma miscelânea de artefactos, como típicas peças de cerâmica com a forma de folhas de couve, jarras, canecas e travessas, grande parte dos quais com as cores, letras ou emblemas que remetem para Portugal.

Um lugar de convívio

Uma série de memórias perdeu-se, mas ainda há muitos clientes que privaram com as diferentes gerações de homens d’ “A Vencedora”. Cristina Ferreira, por exemplo, lembra-se bem dos tempos em que o então jovem Lam “apenas ia ajudar o pai no restaurante à noite depois de terminar expediente como motorista numa agência de turismo”. Ultimamente frequenta “A Vencedora” com mais regularidade, acompanhada por colegas, dada a proximidade ao local de trabalho. Mas vai naturalmente também pela comida – gosta particularmente das lulas – e pelo par de irmãos “simpáticos e cativantes” que conhece desde quase sempre, dado que viveu toda a vida em Macau à excepção de uns anos passados no Brasil.

É também mais pelo “ambiente” , pela “convivência” e pela proximidade que José Mário Drogas ali vai há cinco anos – há tantos quantos chegou – e não tanto pela relação qualidade/preço. As preferências ora vão para a costeleta panada (41 patacas), para o peixe cozido (100 patacas) ora para o bacalhau com grão de bico (130 patacas), como reza o menu, também disponível em português. À regra portuguesa escapam outros pratos como o típico minchi macaense, sobre o qual recaiu a escolha na mesa ao lado.

“Não é caro nem barato”, observa José Sales Marques, acabado de chegar. “Há pessoas que vêm ao almoço e ao jantar. É como uma cantina”, diz, descrevendo-se como “um adepto incondicional”. “Há muito tempo que venho e gostava de vir mais vezes, porque esta casa é uma instituição”, sublinha. “Aprecio muito o peixe, porque é tudo fresco do mercado ali ao lado”, afirma o macaense. “Venho pela convivência, pelos amigos, mas também gosto da forma exemplar e autêntica como servem”, diz, apontando para a lata de azeite recém-colocado sobre a mesa cor-de-rosa.

Já para Ieong, de 55 anos, “A Vencedora” tem dias quase religiosamente reservados. “Vem sempre duas ou três vezes por mês”, garante a filha, de 19 anos, que o acompanha e ajuda no processo de tradução. “Gostamos muito da comida portuguesa, sobretudo da feijoada”, conta a jovem. O pai não nega, porém, que apreciava mais quando “A Vencedora” era quase exclusivamente frequentada por locais: “Agora há muitos turistas, o restaurante está sempre cheio, preferia quando era mais sossegado”.

Andy Cheng veio de fora, mas perdeu o estatuto de turista. Afinal, volta sempre que tem de vir a Macau por motivos de trabalho desde que amigos lhe deram a conhecer o restaurante central há sensivelmente cinco anos. “Talvez o preço seja ligeiramente elevado, mas gosto do ambiente, da cultura e da comida”, diz o jovem de 35 anos, natural da vizinha Hong Kong.

O próprio Lam reconhece, porém, que “o ambiente de antigamente era muito diferente – mais animado e engraçado. Todos se conheciam, vinha o pai, o filho… Agora, há uma mistura de tudo: portugueses, macaenses, chineses”, diz em português, uma língua que aprendeu em pequeno “de ouvido” entre as paredes brancas d’ “A Vencedora”, que atravessou três gerações sem sangue lusitano.

De facto, Lam entusiasma-se mais com o passado do que com o presente, embora pouco tenha mudado naquelas bandas além do figurino da carteira de clientes, como evidenciam as imagens de outrora. Tais como as de um recorte de que remonta ao início dos anos 1920 e que exibe com orgulho. Da página encadernada consta um anúncio da “Loja Vencedora”, que tem “vinhos, azeite, conservas portuguesas, chouriços de sangue e de carne”, e “fornece no seu estabelecimento e aceita comensais de fora”.

Num século de vida, “A Vencedora” apenas fechou portas uma vez, “por uma semana”, durante aquele que foi um dos episódios mais tensos do século XX em Macau: os motins do “1, 2, 3”, de 3 de Dezembro de 1966. Isto segundo a memória de segundo a memória de Lam, que era um adolescente na altura. “São muito anos, estou velho”, mas de “boa saúde”, ressalva de seguida, apesar do “muito trabalho”, já que “A Vencedora” abre todos os dias, à excepção de terça-feira, funcionando das 11h45 às 22h00. Lam tem dois descendentes (um em Macau outro no estrangeiro), mas nenhum parece inclinado para seguir as pegadas dos pais e tomar conta do característico restaurante. “O meu filho está em Inglaterra, a minha filha em Macau, mas acho que ela não gosta [do negócio]. Acha muito complicado”, diz.

16 Mar 2018

Partos | Alexis Tam ouve hoje representantes dos trabalhadores não residentes

O Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura vai reunir-se hoje com representantes dos trabalhadores não residentes para ouvir o que pensam sobre a proposta de aumento dos preços dos partos no hospital público

 

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]lexis Tam vai fazer hoje o que não fizeram os Serviços de Saúde antes de apresentarem a proposta de aumento dos preços dos partos: ouvir representantes dos trabalhadores não residentes, um dos grupos penalizados pelo recém-proposto ajustamento. Duas associações – uma de migrantes filipinos e outra de indonésios – vão ser recebidas hoje, em encontros separados, para falarem da proposta que carece ainda de ser aprovada pela tutela.

Segundo revelou a secretaria dos Assuntos Sociais e Cultura ao HM, Alexis Tam vai receber na sede do Governo a Indonesian Migrant Workers Union e a Greens Philippines Migrant Workers Union. Contactados pelo HM, ambos os grupos afirmaram que pretendem primeiro ouvir o que tem o Governo a dizer. Benedita Palcon, dirigente da Greens Philippines Migrant Workers Union, espera uma postura de abertura. “Espero que sim [que reconsiderem]. Estamos contra o aumento, porque é muito elevado, sobretudo atendendo aos baixos salários dos trabalhadores não residentes. Talvez possa, pelo menos, ser menor”, afirmou.

O encontro do Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura com as duas associações foi prometido, na semana passada, por Alexis Tam que lamentou o facto de os Serviços de Saúde não terem consultado previamente os trabalhadores não residentes, dado que apenas foram auscultadas duas organizações tradicionais (os Kaifong e a Associação das Mulheres), que não representam as trabalhadoras migrantes.

Embora tenha sublinhado que “é preciso ponderar o interesse das trabalhadoras não residentes”, atendendo nomeadamente ao “grande contributo” para “o desenvolvimento de Macau”, Alexis Tam defendeu a necessidade de actualizar o valor das taxas de partos, dado que vigora há mais de duas décadas.

Os Serviços de Saúde pretendem aumentar em nove vezes as taxas moderadoras a pagar pelas grávidas portadoras de ‘blue card’. Actualmente, uma trabalhadora não residente paga 957 patacas para ter o seu filho no Centro Hospitalar Conde de São Januário mas, se Alexis Tam aprovar a proposta, terá que desembolsar 8.755 patacas por um parto normal. Já caso necessite de uma cesariana, o valor sofre um aumento das actuais 3.900 para 17.550 patacas.

Mais sorte têm as mulheres casadas com residentes, que ficam isentas do pagamento de taxas, à semelhança do que sucede com as portadoras de Bilhete de Identidade de Macau (BIR), que têm o direito a ter os seus filhos gratuitamente no hospital público.

Dados facultados pelos Serviços de Saúde, indicam que, entre 2015 e 2017, houve uma média anual de 3.371 partos no hospital público, dos quais apenas oito por cento (ou 269) respeitantes a trabalhadoras não residentes.

15 Mar 2018

Ana Margarida de Carvalho, escritora: “O que realmente me interessa é contar histórias”

É de contar histórias que Ana Margarida de Carvalho gosta. Primeiro fê-lo como jornalista, ao longo de uma carreira de 25 anos, agora como escritora a tempo inteiro. Sem rotinas, pouco dada e até avessa à disciplina, prepara uma nova obra, após ter conquistado, com apenas dois romances um lugar na ficção portuguesa

[dropcap]O[/dropcap]s romances “Que Importa a Fúria da Mar” (2013) e “Não se Pode Morar nos Olhos de Um Gato” (2016), premiados com o Grande Prémio de Romance e Novela da Associação Portuguesa de Escritores (APE), foram escritos ainda quando era jornalista. Como foi o processo de transição para a literatura?
Fui jornalista durante 25 anos, portanto, sempre me adaptei a uma linguagem que tem de ser funcional, denotativa, directa. O que conta no jornalismo é a eficiência, transmitir a verdade mas, conhecendo o cânone, sempre tentei fazer a escrita jornalística de uma forma um pouco diferente, pelo que a minha transição não foi uma coisa abrupta de maneira nenhuma. Além disso, sempre fiz muitas reportagens longas em que a parte formal era muito importante e, portanto, sempre tive isso em conta. Por outro lado, trabalhei em géneros híbridos como a crónica ou a crítica cinematográfica em que o nosso lado subjectivo está muito lá. O que realmente me interessa é contar histórias e isso faz-se em ambos os registos. Só que no jornalismo temos um pacto de verdade com o leitor, enquanto na ficção temos um da verosimilhança. Além disso, simultaneamente escrevia guiões. Sempre tive um lado meu muito virado para a ficção, pelo que não senti que tivesse de fazer uma adaptação interior.

Depois de sair da revista Visão, em Dezembro de 2016, nunca mais pensou em regressar ao jornalismo?
Eu fui mandada fora, considerada dispensável e despedida. Não só eu, mais outros dez colegas. Curiosamente foram pinçados os que teriam mais a ver com o ADN da revista e um carácter mais jornalístico e menos tarefeiro, pessoas que pensavam mais pela sua própria cabeça talvez e não tanto executantes. Talvez fosse esse o critério – não percebi, nunca nos foi explicado. Mas o jornalismo demora muito tempo a sair-nos da cabeça. Estou sempre com apelos de reportagens, de entrevistas, mas depois paro e penso que isso já não tem nada a ver comigo. O meu olhar jornalístico ainda existe – essa transição é que eu tenho de fazer. Tenho de voltar a ter um olhar mais estético, que seria mais interessante para uma ficcionista. Embora também haja curiosidade pessoal, tantos anos de jornalismo não passam por nós sem deixar marcas.

Quão distinto foi o primeiro romance do segundo? Há uma Ana Margarida de Carvalho diferente?
Achei que no primeiro [“Que Importa a Fúria da Mar”] auto-impus-me mais constrangimentos. O livro encontra-se dividido em duas partes, têm o mesmo número de capítulos, tudo converge para o mesmo ponto. Em “Não se Pode Morar nos Olhos de Um Gato” há um turbilhão ou vários turbilhões em simultâneo que se vão enrodilhando. O primeiro, apesar de ter uma mistura entre tempos e espaços, não é um livro linear, escrevi-o se calhar com mais alguma contenção. Este foi escrito com uma maior sensação de liberdade, talvez seja essa a diferença. Eu se pudesse, se não tivesse que haver este cuidado para comodidade dos leitores e alguma pressão por parte das editoras, nem tinha posto capítulos. Sinto que no segundo romance são um bocadinho artificiais.

O que se segue agora? Há um novo romance em preparação?
Sim. Recebi uma bolsa do Estado português para escrever um romance e, portanto, é isso que que tenho de fazer em 2018. [O livro] está numa fase inicial, mas passa-se num Alentejo um bocado profundo e ambíguo antes do 25 de Abril, talvez nos anos 1950/60 numa aldeia onde se vive uma ambivalência: a de ajudar os resistentes a passarem a fronteira e de, ao mesmo tempo, e a de denunciar ou entregar à polícia política. Depois gostava de introduzir também o ambiente fechado que se vivia nos arrais de pesca de atum no Algarve e vou cruzar esses dois ambientes.

O seu pai, Mário de Carvalho, serve-lhe de referência, inspiração ou, em certa medida, acaba por ser um fardo?
Sim, talvez mais fardo, embora não seja algo muito simpático de dizer [risos], porque a quota literária familiar já estava preenchida, mas também não foi algo que me perturbasse particularmente. Ele é uma referência, claro, mas é-me difícil distinguir a referência paterna da referência literária.

Teve outras referências?
Tantas. A história não tem rigorosamente nada a ver, mas quando penso num livro referencial para a primeira obra penso em “A Amante do Tenente Francês”, de John Fowles, um livro de culto de que gosto muito, que foi uma referência formal, mas também um pouco mais do que isso. A referência para o segundo seria “A Nave dos Loucos”, de Katherine Anne Porter, porque me fez pensar que é possível fazer um livro em que não há nenhuma personagem principal, em que o leitor sinta empatia, em que as pessoas são todas odiosas e estão todas fechadas.

E na literatura portuguesa?
Gosto muito de José Saramago, que é daqueles autores que quase que li a obra toda, de José Cardoso Pires e também do António Lobo Antunes, um escritor a sério, porque consegue olhar para uma coisa vulgar com assombro.

E como foi a experiência de escrever para crianças, com o livro infantil “A Arca do É”? A repetir?
Gostava muito, mas aí já não depende só de mim. Já é preciso um ilustrador, é um trabalho a meias. Até tenho uma ideia para fazer, mas o ilustrador, entretanto, também me se tornou muito requisitado e tem projectos próprios, portanto, teria que encontrar outro disponível, mas este ano está reservado para o romance. Mas com esse livro, destinado a crianças ainda não autónomas na leitura, houve duas partes muito boas: por um lado, ter um ilustrador a interpretar o texto que escrevi, que é bastante simples, e, por outro, as sessões com crianças. Isto porque quando não têm maus professores – aqueles que lhes impõe uma maneira de pensar e regras estereotipadas – permitem sessões interessantíssimas, porque os miúdos têm ainda uma liberdade de pensamento e uma falta de autocensura que lhes permitem fazer perguntas muito estimulantes. O livro tem a ver com a arca de Noé, imaginei que ele tinha um irmão que era completamente o oposto dele – o “É” – , numa brincadeira com o ‘é’ e o ‘não é’. Era uma espécie de Epimeteu, por contraponto ao Prometeu. Uma vez, quando estava a explicar a um grupo de meninos, que inventamos as histórias, que podemos fazer tudo o quisermos, como se fossemos uma espécie de Deus, uma menina perguntou: ‘Ai é? Então porque não puseste uma senhora? Realmente fui apanhada. Tinha dito que podiam fazer tudo à vontade, enfrentar tudo, pôr o céu a amarelo e o mar a roxo, quebrar os estereótipos e depois aquela menina apanhou-me [risos].

Por falar no feminino, olhando para a literatura houve evolução na forma como são vistas?
Uma vez estive numa mesa, num evento deste género, com outro escritor, em que ele começou a enumerar escritores de quem gostava e não enunciou um único nome feminino. Foi, de facto, uma coisa que me chocou bastante. Acho que foi um esquecimento um pouco selectivo demais.

É um sinal de que nada mudou em termos genéricos?
Até temo que tenha piorado. Como atravessamos uma crise muito dura, atrás dessa crise veio também uma crise de costumes e civilizacional – porque vem sempre. Economicamente estamos a recuperar mas até recuperarmos a outra parte, da mentalidade, se calhar demora mais tempo. Tenho essa sensação que houve um retrocesso em termos da forma como se olha a mulher.

E Macau? Que sensações lhe despertou a primeira visita?
Estou um bocado assoberbada de estímulos, é uma cidade que parece que não pára, parece que toda a gente está com pressa de ir para todo o lado em sentidos divergentes, o que me causa certa confusão. Tenho uma vida bastante pacata, estou quase todos os dias sozinha, e, de repente, há todos este estímulos visuais e pessoas a movimentarem-se, os carros e a poluição. Perdi-me naqueles casinos loucos onde até há cheiro, sons, imagens e tudo ao mesmo tempo. Tudo isto causa-me um certo atordoamento. Até achei que havia mais velha Macau do que nova, mas logo na Taipa tive o meu choque de artificialismo, porque é disso que se trata: pessoas encafuadas, pouquíssima natureza (…). Não pensei que o dinheiro do jogo fosse uma coisa tão poderosa, mas devia ter pensado. Tinha lido sobre uma Macau com resquícios misturados de China e de Portugal e, depois, deparei-me com arranha-céus completamente histriónicos e com aquelas imitações um bocadinho grotescas.

14 Mar 2018

Novo Macau | Pelo menos três membros sob investigação devido a actividades eleitorais

Pelo menos três membros da Associação Novo Macau (ANM), incluindo o próprio Sulu Sou, enfrentam novas investigações por alegados crimes relacionados com as actividades eleitorais. Um dos casos está já nas mãos do Ministério Público

 

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] Novo Macau revelou ontem que pelo menos três membros da maior associação pró-democracia se encontram sob investigação por crimes relacionados com a campanha para as eleições à Assembleia Legislativa, classificando as acusações de “irrazoáveis”.

Sem facultar detalhes sobre os novos casos, a Novo Macau adiantou apenas que “há pelo menos três” membros a serem investigados por propaganda ilegal e desobediência, mas admitiu a possibilidade de o número aumentar. Um dos casos seguiu entretanto para o Ministério Público.

“As autoridades abusam do poder que têm para investigar os cidadãos que se envolvem no movimento democrático. Os dados apresentados pelo Secretário para a Segurança Wong Sio Chak também demonstram que, nos últimos anos, houve um aumento significativo do número de acusações por desobediência”, afirmou o vice-presidente da Novo Macau, Sulu Sou, em conferência de imprensa, descrevendo uma tendência “preocupante” que exerce “uma grande pressão” para uma organização política como a Novo Macau.

Com efeito, Sulu Sou é um dos membros que está a ser alvo de uma nova investigação criminal, revelou o próprio à Rádio Macau, numa informação posteriormente confirmada ao HM. Assim, arrisca um segundo processo além daquele por desobediência qualificada que culminou na suspensão do seu mandato há precisamente 100 dias e que aguarda julgamento. Já o caso que seguiu entretanto para o Ministério Público diz respeito a Paul Chan Wai Chi, número dois da lista de Sulu Sou, indicou o próprio à TDM.

Sobre Scott Chiang, ex-presidente da Novo Macau, recaem também dois processos. Além do caso em que é arguido com Sulu Sou por desobediência qualificada devido ao protesto de Maio de 2016 contra o subsídio concedido à Universidade de Jinan, é acusado pelos crimes de introdução em lugar vedado ao público e dano, devido à faixa afixada no antigo Hotel Estoril a criticar o Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, Alexis Tam, estando o julgamento agendado para o próximo mês de Setembro.

Avisos de manifestação à PSP preocupam

A Novo Macau manifestou ainda preocupação relativamente à proposta de lei que prevê que a PSP passe a receber directamente os avisos de manifestação, substituindo o Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais (IACM) nas funções. “Não aceitamos o argumento do [porta-voz do Conselho Executivo], Leong Heng Teng, de mais eficácia”.

“Há uma razão para que os pedidos de manifestação sejam entregues ao IACM [que depois notifica a PSP], mas não directamente à PSP. Trata-se de um assunto civil e não de segurança”, afirmou Sulu Sou, antecipando “problemas” devido à transferência do poder para a PSP, como a rejeição por “motivos irrazoáveis”. Neste sentido, como sintetizou Alexis Chan, também presente na conferência, há receio de que a principal preocupação seja a segurança em vez do direito à manifestação.

“Preocupamo-nos com isso [e] eles podem mudar de alguma maneira os procedimentos no futuro”, afirmou. Andrew Cheung complementou: “Normalmente, da experiência que temos, quem obstrói as actividades é a PSP e não o IACM, pelo que se dependermos deles para aceitarem [a sua realização], obviamente vai aumentar a obstrução”. “Quando tudo fica eficaz, a supervisão pode ficar de fora. Preocupa-nos que a PSP seja muito forte neste caso e possa ser um bocado ditadora”, argumentou.

Apesar de a Novo Macau não organizar protestos desde a manifestação de Maio de 2016 contra o subsídio concedido à Universidade de Jinan, a organização entende também que as associações deviam ter sido ouvidas.

Na ordem do dia figura também a utilização de câmaras nos equipamentos da polícia, uma medida que começa a funcionar a partir de hoje. “Preocupa-nos se é só para [combaterem o] crime ou se para supervisionarem toda a gente”, sublinhou Andrew Cheung.

A Novo Macau comentou ainda a breve referência a Macau no relatório da Amnistia Internacional sobre o estado dos direitos humanos no mundo que enuncia apenas dois casos: a suspensão do mandato dos mais jovem deputado e a proibição de entrada no território de quatro jornalistas de Hong Kong. “Para mim não foi surpresa o relatório incluir esses dois episódios, mas antes que haja apenas dois”, observou Sulu Sou.

“O panorama dos direitos humanos em Macau está a deteriorar-se. A autocensura e o abuso do poder executivo continua a ser frequente, especialmente por parte da polícia”, avaliou. “Os residentes têm medo de falar, porque podem ser demitidos no trabalho ou sofrer pressões na escola”, enfatizou o jovem activista.

 

Rota das Letras| Mais um ataque aos direitos

A Novo Macau lamentou ontem o cancelamento da vinda de três escritores ao Festival Literário de Macau – Rota das Letras, por não estar garantida a sua entrada no território, considerando que se trata de mais um caso que belisca os direitos.

“Não temos informações detalhadas sobre o assunto”, mas “é um assunto sério que afecta os direitos humanos em Macau. A Novo Macau vai comunicar com o director do festival para saber mais pormenores”, afirmou Sulu Sou.

O Tribunal Judicial de Base (TJB) ainda não decidiu se marca nova data para o julgamento de Sulu Sou, pelo crime de desobediência qualificada, que foi adiado em Janeiro. Sulu Sou considera que o processo-crime pode avançar, tendo o advogado pedido, na semana passada, nova marcação. No entanto, o Ministério Público entende que o julgamento só deve ter início depois de haver uma decisão do Tribunal de Última Instância sobre o recurso interposto pelo deputado.

14 Mar 2018

Subsídios actualizados no próximo ano lectivo

[dropcap style≠‘circle’]O[/dropcap]s subsídios para a aquisição de manuais escolares vão ser actualizados no próximo ano lectivo. Segundo um despacho do Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, publicado ontem em Boletim Oficial, o montante sobe 200 patacas para cada um dos níveis de ensino.

No caso dos ensinos infantil e primário, o apoio aumenta de 2.200 para 2.400 patacas; enquanto o do secundário vai passar das actuais 2.900 para 3.100 patacas.

O mesmo despacho, com efeitos a partir do próximo ano lectivo, também revê em alta o montante do subsídio de alimentação de 3.400 para 3.600 patacas.

Já o subsídio para pagamento de propinas mantém-se em todas as frentes: 4.000 patacas para os estudantes dos ensinos infantil e primário; 6.000 patacas para os do ensino secundário geral e de 9.000 para os do ensino secundário complementar.

Os subsídios para pagamento de propinas, de alimentação e de aquisição de material escolar destinam-se a apoiar famílias carenciadas, pelo que são atribuídos com base no rendimento mensal do agregado familiar. No caso de uma família com dois elementos, por exemplo, o limite é de 11.160 patacas, enquanto numa de quatro o tecto corresponde a 18.690 patacas. Já para famílias de oito ou mais membros o rendimento médio mensal máximo é de 25.930 patacas.

13 Mar 2018

Exposições e convenções | Sector tem crescido mas continua a deparar-se com entraves

A indústria das reuniões, incentivos, convenções e exposições (MICE, na sigla inglesa) continua a crescer a um ritmo moderado, mas persistem problemas crónicos relacionados com acessibilidade e infra-estruturas. Para representantes do sector, falta também promoção e uma estratégica concertada

 

 

[dropcap style≠‘circle’]A[/dropcap]o longo do ano passado, Macau foi palco de 1.381 reuniões, conferências, exposições e eventos de incentivo (+105 em termos anuais) que juntaram mais de 1,9 milhões de participantes e/ou visitantes (+10,4 por cento), de acordo com a Direcção dos Serviços de Estatística e Censos (DSEC). Números que atestam o “bom desempenho” que a indústria tem tido, observa o presidente da Associação de Convenções e Exposições de Macau, Alan Ho, para quem é, no entanto, “preciso uma maior aposta na promoção para que o sector se possa internacionalizar”.

Mais do que promoção, Bruno Simões, director executivo da empresa smallWorldExperience e membro da direcção da Associação de Reuniões, Incentivos e Eventos Especiais (MISE na sigla em inglês), defende, por seu lado, melhorias “a nível da coordenação”.

“Penso que tem que haver uma estratégia mais concertada dentro dos departamentos do Governo e que tem de se trabalhar com os privados este sector – é assim que se faz em todo o mundo”, aponta Bruno Simões, para quem “provavelmente faz falta em Macau” um organismo que “una entidades públicas e privadas na atracção de grandes eventos para a cidade”. “Outro grande entrave é sempre a questão dos recursos humanos”, acrescentou.

Em termos de instalações, Alan Ho considera que o território se encontra bem servido, dado que conta com uma série de espaços disponibilizados pelas operadoras de jogo, as quais se revelam, no entanto, “insuficientes” durante a época alta, ou seja, entre Outubro e Novembro.

Neste sentido, defende, “o Governo devia abrir espaços públicos, como o Centro de Ciência, por exemplo, ou as instalações de instituições de ensino, como a Universidade de Macau ou o Instituto Politécnico de Macau para as convenções”. “Apresentamos essa proposta e o Governo respondeu que o vai fazer passo-a-passo”, disse Alan Ho, indicando que, este ano, vão ser organizadas duas convenções no Centro de Ciência.

Para Alan Ho, o facto da oferta de espaços para o sector MICE estar muito concentrada na ‘strip’ do Cotai também pode ser, por vezes, um inconveniente: “Algumas convenções deviam ser organizadas na península, para que seja mais fácil aos visitantes/participantes visitarem o centro histórico e fazer compras nos bairros antigos”.

Apesar de também constatar que o sector MICE “continua a crescer a um ritmo moderado”, em linha com o próprio desenvolvimento da cidade, Bruno Simões separa as águas: “O MICE é composto por vários segmentos e acaba por ser lato, e nem sempre todos crescem ao mesmo ritmo”.

“Diria que o das exposições está muito condicionado e que tem havido até algum desinvestimento”, afirmou. Para o empresário, tal afigura-se “normal”, atendendo a que “a cidade não oferece condições favoráveis nesse segmento, não tem indústrias locais fortes como outras cidades, não tem condições de acesso boas. São essas as razões pelas quais as feiras não são bem sucedidas em Macau”.

“As principais dificuldades para atrair eventos, ainda e passados estes anos todos, são as condições de acesso, as infra-estruturas. Não estamos preparados, não somos competitivos e isso tem afectado bastante o sector”, sustentou.

Já Alan Ho destaca que o sector “evoluiu bastante” nos últimos anos, como atesta, a seu ver, o ‘ranking’ da Associação Internacional de Congressos e Convenções (ICCA, na sigla em inglês), dado que Macau passou da 49.ª posição no mercado da Ásia-Pacífico em 2012 para a 17.ª em 2016. Em paralelo, tem mais eventos acreditados pela UFI, uma das principais organizações do sector a nível internacional, realçou. “Estamos confiantes de que este ano e no próximo se vai manter o crescimento do sector MICE”, afirmou o mesmo responsável, destacando a “boa notícia” que representa a Ponte Hong Kong-Zhuhai-Macau para a indústria.

Apesar de considerar que Macau e Hong Kong têm estratégias e mercados diferentes (a primeira voltada para as reuniões, a segunda para as exposições), Alan Ho reconhece que “Macau provavelmente precisaria de duas ou três décadas” para alcançar, em termos genéricos, o nível da região vizinha no que toca ao segmento MICE.

 

Falta de espaços ao ar livre

Apesar das diferenças entre os dois territórios, Maureen Earls, da Central Harbourfront Event Space, de Hong Kong, encontra um denominador comum: “A grande dificuldade é ter espaços ao ar livre, onde possamos fazer eventos de grande escala para milhares de pessoas, como concertos e diferentes tipos de exposições”. Para Maureen Earls, que esteve envolvida na organização das cerimónias de transferência de Macau e de Hong Kong, em sentido inverso, “há muitos espaços ‘indoor’ para a organização de seminários, exposições, encontros de negócios. Parece-me haver abundância”, comentou ao HM.

13 Mar 2018

Câmaras em uniformes da polícia podem não ter base legal

A partir de amanhã, 100 agentes da PSP vão receber câmaras de filmar que serão usadas nos uniformes. Apesar de Wong Sio Chak ter garantido que só serão usadas em caso de necessidade, e seguindo instruções claras, a aplicabilidade da medida pode não ter base legal. As instruções específicas e o parecer do Gabinete para a Protecção dos Dados Pessoais que lhe deu luz verde ainda não foram tornados públicos

 

 

[dropcap style≠‘circle’]A[/dropcap] partir de amanhã serão disponibilizadas 100 câmaras para as forças de segurança de Macau, que numa primeira fase serão atribuídos a agentes dos comissariados policiais e os do Grupo de Patrulha Especial. A medida foi anunciada pelo secretário para a Segurança, Wong Sio Chak, durante o fim-de-semana, tendo assegurado que os aparelhos apenas serão ligados em caso de necessidade e que existem instruções claras sobre a sua utilização.

Porém, a medida aparenta a carência de base legal, ou seja, o uso destas câmaras não está regulado no ordenamento jurídico de Macau.

“Não sei qual é a base legal para esta medida, se não houver pode colocar em causa o princípio da legalidade e, se for usado como prova constituirá um acto nulo”, explica Luís Cardoso, advogado. “Mal, ou bem, tem de haver uma lei que regule devidamente esta situação prevendo, por exemplo, quem tem acesso a estas imagens, a não ser que se queiram refugir nos argumentos da ordem e tranquilidade públicas, conceitos indeterminados para mim”, acrescenta o jurista.

Ao HM, a Polícia de Segurança Pública (PSP) referiu que “os agentes policiais podem fazer uso da câmara em situações que põem em causa a ordem pública, o interesse público, a segurança de pessoas, bens e valores”, quando ocorram “confrontos, ou quando as acções policiais são impedidas”.

Em relação às regras que os agentes devem observar, a PSP limitou-se a reproduzir as palavras do secretário afirmando que o uso do equipamento segue “estritamente as regras do seu uso”. Não há informação quais as regras que estão em causa, ainda assim, a PSP refere que “assim que puderem, os agentes devem sempre gravar o motivo do uso” do equipamento, “garantindo que o uso e acesso dos dados estejam em conformidade com o princípio da confidencialidade dos dados pessoais e as leis e regulamentos relevantes”.

É aqui que começam os problemas legais desta medida. No ordenamento jurídico de Macau, um dos diplomas mais próximos da realidade em questão é a lei que regula a videovigilância das câmaras de CCTV espalhadas pela cidade, o regime jurídico da videovigilância em espaços públicos. De acordo com informação dada ao HM pelo Gabinete para a Protecção de Dados Pessoais (GPDP), esta lei não se aplica à medida dos agentes policiais munidos com câmaras. Neste caso, Luís Cardoso acha que “se não se remete para a lei da videovigilância dos espaços públicos, então, aí há um vazio legal”.

 

Por cumprir

A questão da vigilância tem sido um dos desafios legais de maior complexidade enfrentado pelas autoridades na Era da tecnologia. Catarina Guerra Gonçalves, advogada e jurista especializada na área dos dados pessoais, entende que “só com casos concretos é que se pode ver a aplicabilidade desta medida”.

A advogada recorda que em casos desta natureza há dois valores, “de certa forma conflituantes”, a segurança/ordem pública e a reserva da intimidade da vida privada. Como tal, é necessário avaliar a adequação e proporcionalidade dos meios utilizados, “tendo em conta os direitos fundamentais que estão a ser atingidos e as finalidades que estão estabelecidas”, uma competência do GPDP. A entidade já se pronunciou favoravelmente à medida, tendo adiantado ao HM que o parecer será publicado em breve.

Segundo Catarina Guerra Gonçalves, “há partida, pode haver conflito de valores” entre segurança e privacidade. A jurista prevê que o fundamento legal para esta medida se situe no nº4 do Art.º 6 da Lei da Protecção de Dados Pessoais. Ou seja, que o tratamento destes dados seja feito no exercício de uma missão de interesse público, ou exercício de poderes da autoridade pública. O mesmo artigo, que estabelece as condições de legitimidade do tratamento de dados, diz no número 1 que estes só podem ser efectuados “se o seu titular tiver dado de forma inequívoca o seu consentimento”.

 

À queima-roupa

“Como é que isto vai resultar na prática não sei, poderá dar azo a alguns abusos”, projecta Catarina Guerra Gonçalves. A advogada ouvida pelo HM considera que, “talvez a medida seja pouco ponderada do ponto de vista legal”. Apesar do GPDP afirmar que a lei da videovigilância em espaços públicos não se aplica a esta medida, é um diploma que prevê situações aproximadas. Assim sendo, e como se trata de uma câmara de vigilância, é obrigatório que os agentes que usam o equipamento estejam devidamente identificados como tal.

Outro requisito prende-se com a necessidade de publicar em Boletim Oficial um despacho que autorize o uso das câmaras, que indique quantas são e quem as irá usar. Depois de uma pesquisa em Boletim Oficial, verificámos que estes requisitos não foram cumpridos. “A necessidade do titular saber que está a ser filmado talvez não tenha tido sido levado em conta pelo GPDP”, comenta a jurista especialista em protecção de dados.

“Se não houver publicação em despacho do Boletim Oficial do número de câmaras que passa a funcionar, por esta via esta medida está inquinada por não observar um requisito legal”, elucida Catarina Guerra Gonçalves.

É de salientar que, legalmente, se estivermos perante um caso em que está a ocorrer um crime, o consentimento do titular é dispensado porque há um interesse maior em questão.

Caso não se verifique um crime, se não existir um aviso às pessoas de que estão a ser filmadas estas não podem dar o seu consentimento. Nesse caso, segundo Catarina Guerra Gonçalves, “a legitimidade para fazer a filmagem terá de ser em parâmetros muito estritos, só em casos realmente muito excepcionais”.

 

Linha azul

Esta medida é utilizada, com algumas falhas reveladas por casos trágicos, pela polícia norte-americana. Em Inglaterra, o uso de câmaras nos uniformes dos agentes de autoridade também foi implementada, mas estes são obrigados a informar a pessoa de que vão iniciar a filmagem.

De acordo com a PSP, “sempre que puderem, os agentes devem gravar previamente para a câmara” a razão do seu uso, referindo o tipo de ocorrência em causa e entregar o equipamento no final do serviço.

Foi também revelado que “os agentes têm de seguir os procedimentos”, e que “o acesso aos dados deve ser feito em conformidade com o princípio da confidencialidade dos dados pessoais e as leis e regulamentos relevantes”.

Luís Cardoso até concorda “que todos os polícias fardados usem câmara”, mas que estas filmagens “não devem servir de prova apenas para a acusação, mas também para a defesa”, apesar de não ver qual é a base legal para a implementação desta medida.

Quando necessita recorrer a imagens de câmaras CCTV, Luís Cardoso enfrenta constantes barreiras. “Eu, como advogado, e muito dos meus colegas, quando requeremos ao tribunal para que oficie a polícia ou a DSAT para nos fornecer imagens devido a acidentes de viação, muitas vezes a resposta é negativa”, conta.

13 Mar 2018

Hato | Dez anos para recuperar áreas florestais da Taipa e Coloane

As áreas florestais da Taipa e de Coloane devem precisar de uma década para se recompor totalmente dos estragos provocados pelo tufão Hato. Actualmente, a prioridade vai para as zonas urbanas, onde serão plantadas 2000 árvores até ao final do ano

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais (IACM) calcula serem precisos dez anos para recuperar as zonas de floresta na Taipa e em Coloane, fortemente atingidas pela passagem do tufão Hato em Agosto. Ao todo, meio milhão de árvores, o equivalente a uma área de 500 hectares, foram afectadas.

“Os prejuízos foram tão graves que vai levar anos para se conseguir fazer a recuperação total da zona florestada das ilhas”, afirmou o chefe da Divisão de Espaços Verdes Urbanos do IACM, Ung Sio Wai, apontando que, “em princípio”, devem ser precisos dez anos.

Na chamada Semana Verde, iniciativa anual que vai decorrer entre 17 e 25 de Março, vão ser plantadas mil árvores, ou o equivalente a uma área de um hectare, nas zonas florestadas da Taipa e de Coloane, com a prioridade a ser dada ao restabelecimento da paisagem num raio de dez metros dos dois lados dos trilhos. No entanto, dado que “envolve um trabalho mais complexo e lento”, que exige “limpeza e replantação”, o plano de recuperação propriamente dito arranca vai arrancar apenas em 2019.

Mais de 2000 árvores nas zonas urbanas

Já nas zonas urbanas vão ser plantadas mais de 2000 árvores até ao final do ano, revelou Ung Sio Wai, durante um encontro com jornalistas que teve lugar na sexta-feira, na Areia Preta, onde estavam a decorrer trabalhos de replantação. “Até ao final do ano, 70 a 80 por cento das árvores destruídas serão replantadas”, garantiu o mesmo responsável.

Após a passagem daquele que foi o pior tufão a atingir Macau em mais de meio século, o IACM tratou mais de 17 mil árvores nas zonas urbanas (na península e ilhas), removeu 3500 e endireitou mais de 1000. Segundo Ung Sio Wai, do universo de 555 árvores antigas, houve 44 afectadas pelo Hato, incluindo nove que caíram e tiveram que ser arrancadas.

Após a experiência, o IACM, com a ajuda de especialistas da Administração Florestal de Guangdong, decidiu escolher para a replantação árvores “de menor porte”, mas com “características mais robustas”, com maior capacidade de resistência o vento, que vão demorar cerca de três a cinco anos a crescer. “As mudas são essencialmente provenientes da província de Guangdong e foram recomendadas pelo mesmo departamento”, adiantou Ung Sio Wai, dando conta de que, no total, foram seleccionadas 15 espécies.

De acordo com o chefe da Divisão de Espaços Verdes Urbanos do IACM, o tufão não colocou sob ameaça nenhuma espécie existente. Contudo, na opinião dos peritos, há árvores que não são muito adequadas para os arruamentos. “Por exemplo, a árvore de Pagoda tem as raízes grandes, mas não vão a uma profundidade que dê para [a] segurar”, explicou Ung Sio Wai.

Durante o processo de replantação, vão ser observados critérios como o reordenamento das ruas, as instalações envolventes das redes de transporte, a segurança de veículos e peões ou a distribuição da rede de esgotos. Além disso, o IACM vai também rever se o local é adequado para a replantação, conforme o número e localização das caldeiras de árvores, pelo que há a possibilidade de algumas poderem continuar cobertas com cimento.

Face à dimensão da destruição provocada pelo tufão Hato nas zonas verdes, o orçamento do plano de replantação vai ser gradualmente actualizado. Numa primeira fase, o IACM adquiriu perto de 1500 árvores, as quais vão então ser plantadas em diversos pontos da cidade, sendo o orçamento correspondente de mais de oito milhões de patacas.

Macau contava, no final de Janeiro, com 22.343 árvores nas áreas urbanas, de acordo com dados do Sistema de Gestão e Conservação das Árvores.

12 Mar 2018