As alterações climáticas e as correntes oceânicas

Para facilitar o estudo do sistema complexo que é o clima, convencionou-se considerá-lo constituído por cinco componentes que interagem entre si: atmosfera, hidrosfera, litosfera, criosfera e biosfera.

As duas primeiras são as que mais se ressentem do comportamento de uma pequena parte da biosfera, nós próprios. Já não é novidade para ninguém, exceto para os negacionistas, que as alterações climáticas são devidas às atividades antropogénicas, que constituem a causa principal da injeção de gases de efeito de estufa na atmosfera.

Nestas duas componentes ocorrem mecanismos naturais que contribuem grandemente para o equilíbrio do clima: a circulação geral da atmosfera e a circulação oceânica. Cabe a ambas a tarefa de distribuir pelo globo terrestre o calor recebido do Sol na forma de radiação. Esta incide mais intensamente nas regiões das latitudes baixas.

Sem estes mecanismos naturais, o calor ficaria mais concentrado nas regiões equatoriais e tropicais, as quais continuariam indefinidamente a aquecer, enquanto o arrefecimento também não pararia nas latitudes mais altas. A circulação geral da atmosfera e a circulação oceânica contribuem, assim, para o equilíbrio do sistema climático. No que se refere à primeira, é facilmente compreensível que o facto de o ar se deslocar faz com que o calor seja distribuído pelo globo. O vento, nas suas mais variadas formas, tem um papel importante neste processo.

As correntes de jato, os ventos alísios, as monções, as brisas, os ventos catabáticos e anabáticos, entre outras formas em que o vento ocorre na natureza, encarregam-se dessa distribuição do calor. Inseridos neste mecanismo, os ciclones tropicais (tempestades tropicais, tufões e furacões), caracterizados por ventos muito fortes, contribuem grandemente para o transporte de energia calorífica das regiões mais quentes para as mais frias, na medida em que as suas trajetórias, que têm início nas latitudes baixas, descrevem estatisticamente uma espécie de parábola, progredindo para latitudes mais altas.

Por exemplo, no oeste do Pacífico Norte, os tufões têm geralmente o seu início em pequenas perturbações do campo da pressão atmosférica, entre as Ilhas Marianas e as Filipinas, progredindo para oeste, noroeste, norte, recurvando para nordeste e leste, transformando-se em depressões extratropicais. Os furacões, no Atlântico Norte, têm um comportamento semelhante, geralmente com início em pequenas perturbações do campo da pressão no bordo sul do anticiclone dos Açores, próximo de Cabo Verde, progredindo de maneira análoga para latitudes médias e altas. Independentemente das consequências por vezes catastróficas dos ciclones tropicais, estes fenómenos meteorológicos desempenham um papel indispensável na redistribuição do calor, contribuindo, assim, para o equilíbrio do clima à escala global.

Em complemento à ação da circulação atmosférica, a circulação oceânica desempenha um papel importante na redistribuição do calor. Além dos ventos persistentes, a temperatura e a salinidade da água, e consequentemente a sua densidade, são fatores que dão origem às correntes oceânicas, o comportamento das quais é sensível à variação destes parâmetros.

É incontestável que o aquecimento global tem vindo a provocar a fusão do gelo das calotas polares e dos glaciares, em ritmo cada vez mais acelerado, fazendo com que a água doce daí resultante escoe para o mar, o que poderá provocar alterações dos padrões atuais que caracterizam as correntes oceânicas.

E é aqui que a atenção de alguns cientistas está a incidir, considerando que as consequências destas alterações são preocupantes, em especial no Oceano Atlântico. Um dos estudos recentes refere-se às implicações que este processo tem na chamada Circulação Meridional de Reversão no Atlântico (tradução para português de Atlantic Meridional Overturning Circulation – AMOC), da qual faz parte a Corrente do Golfo, que progride de sul para norte, impulsionada pelo vento associado ao anticiclone dos Açores, transportando água quente do Golfo do México (sorry, Mr. Trump) para as regiões vizinhas da costa leste dos Estados Unidos da América e do noroeste da Europa, condicionando positivamente o clima nestas regiões.

A circulação AMOC consiste num sistema de correntes no Atlântico, à superfície e em profundidade, através do qual a água quente e salgada (na figura a vermelho) é transportada das regiões tropicais do Atlântico Norte, de sul para norte, e que, ao arrefecer, se afunda, invertendo o seu deslocamento para sul, em profundidade. Este processo poderá sofrer disrupção devido ao cada vez maior afluxo de água doce proveniente do degelo, o que provoca diluição da água superficial, a qual, assim diluída, deixaria de se afundar devido à sua menor densidade, o que poderá enfraquecer o ramo frio que flui em profundidade de norte para sul.

O padrão da circulação no Pacífico é diferente da AMOC, devido, entre outros, a fatores geográficos. Em vez de uma forte corrente de retorno em profundidade, prevalecem as correntes à superfície, impulsionadas pelo vento.

As correntes oceânicas contribuem grandemente para o equilíbrio do clima. Uma vez alteradas, gera-se desequilíbrio no sistema climático, com consequências que poderão ser graves para a sustentabilidade da vida no globo. Sobre este assunto foram publicados recentemente estudos, algo contraditórios nas conclusões no que se refere às consequências das alterações da AMOC. Segundo cientistas da Universidade de Copenhaga, conforme estudo elaborado em 2023 e publicado na revista científica “Nature”, poderá ocorrer um colapso da AMOC ainda durante este século, entre os anos 2025 e 2095, com possíveis graves consequências para o clima do Atlântico Norte. Por outro lado, um trabalho elaborado por cientistas do “Met Office” (Serviço Meteorológico do Reino Unido) e da Universidade de Exeter, em 2024, não é tão pessimista. Defende que a AMOC possa sofrer enfraquecimento, mas que é improvável o seu colapso durante este século.

Seja como for, estes estudos sobre as correntes oceânicas constituem mais um alerta relativamente às consequências do aquecimento global sobre o equilíbrio do sistema climático.

Meteorologista

Subscrever
Notifique-me de
guest
0 Comentários
Mais Antigo
Mais Recente Mais Votado
Inline Feedbacks
Ver todos os comentários