Ai Portugal VozesMata menor, na prisão “suicidou-se” André Namora - 24 Mar 2025 A criminalidade familiar ou passional está a aumentar todos os anos. As autoridades não têm mãos a medir para investigar as causas dos crimes, e na maioria dos casos, os investigadores ficam-se pela percepção. Há pessoas que matam ou mandam matar os seus companheiros, alegadamente, por amor. É uma realidade transversal a todas as faixas etárias e a todos os estratos sociais, e que acontece ao longo de todo o ano. O crime passional acontece por ciúmes, vingança, por um sentimento de posse levado ao extremo, ou simplesmente porque a relação terminou e não se consegue viver sem a presença da outra pessoa – a maioria dos autores destes crimes passionais são imputáveis sendo raros os casos de inconsciência por causas patológicas. Quem decide castigar desta forma os seus companheiros ou ex-companheiros, encontra sempre uma razão que legitima a morte do outro. Acontece muitas vezes o homicida, suicidar-se de seguida. Os dados mais recentes apontam para um aumento no homicídio conjugal em Portugal, nos últimos dez anos. O pior de tudo é quando o crime passional insere a morte dos filhos pequenos. Há psicólogos que ainda não arranjaram explicação cabal que justifique como é que um pai consegue matar um filho menor. As nossas prisões estão cheias de criminosos, mas nos presídios há um “estatuto” muito especial para os reclusos que mataram a companheira ou um filho, tal como irão saber mais à frente. Esse estatuto interno é justiceiro para quem, mesmo tendo cometido outra espécie de crime, não aceita nem admite que se mate uma criança. As prisões do nosso país já foram dezenas de vezes notícia nos diversos órgãos de comunicação social. Ou porque têm reclusos a mais, sem condições de higiene, sem comida com o mínimo de qualidade, com pouco tempo de recreio, com adiamento de apoio médico, enfim, uma panóplia de lacunas que coloca Portugal na cauda dos países que não cumprem as regras dos direitos humanos. Os presídios portugueses são um mundo à parte, onde acontece de tudo um pouco e até fugas de tal forma escandalosas que são notícia internacional. Tivemos recentemente aquela fuga de Vale dos Judeus, onde cinco dos maiores criminosos detidos conseguiram fugir enquanto um vigilante comia um pastel de nata… Por sinal, junto de nós reside um chefe guarda prisional e um dia destes convidei-o para tomar um café. Por acaso, eu bebi o café mas ele bebeu umas seis cervejas. Tudo bem. A conversa demonstra bem o que se passa no submundo das prisões. Então, vocês agora tiveram um aumento. Não foi mau? Ah!… O senhor pensa que o aumento no salário foi alguma coisa que resolva a vida difícil que temos? Nem pensar. E o subsídio de risco? Olhe, ainda não recebi nada e pelo que ouvi lá na prisão de Monsanto, o subsídio de risco é uma treta… Diga-me uma coisa: como é que foi possível que aqueles criminosos perigosos tivessem conseguido fugir de Vale dos Judeus? E porque não estavam em Monsanto? Bem, em primeiro lugar também nunca percebi como é que o pior deles estava na minha prisão de Monsanto e foi transferido para Vale de Judeus, onde tinha amigos… de certeza que houve movimentos de muito dinheiro… Para quem? Bem, isso agora não lhe posso dizer, mas o senhor imagina certamente que quem manda nas prisões não são santinhos nenhuns… E aquela fuga foi muito bem preparada com o apoio mafioso do exterior. Mas, vocês guardas prisionais é que têm a fama de serem corruptos. De levarem a droga, de introduzirem os telemóveis e outros objectos letais… Não é bem assim. Não podemos tomar um ramo seco pela árvore. Claro, que tenho colegas que ganham bom dinheiro com o que acaba de dizer, mas não são todos. E sobre os telemóveis e drogas, posso dizer-lhe que já apanhámos mulheres de reclusos que iam à visita e tinham tudo isso no interior da vagina… Um telemóvel? Exactamente! Nada de especial para algumas… Outra coisa, vocês correm ou não perigo de vida, ou têm um “acordo” com os chefes dos presos? Nós corremos risco de vida se fizermos a vida negra aos reclusos. Há muitos que não brincam em serviço, há muitos que controlam o negócio da droga através de mensagens codificadas para o exterior, há chefes mesmo mafiosos que controlam a vida no interior das prisões em todos os aspectos e até controlam a actividade no exterior. Dou-lhe um exemplo: nas prisões existe um certo “estatuto” entre os presidiários. Esses chefes dos reclusos não admitem nem por nada aqueles que vão para a prisão por matarem a mulher ou um filho pequenito… aí, não conseguimos fazer nada, mesmo se colocamos esses que mataram os filhos em solitária… eles lá arranjam maneira de quando é a hora do banho lhes tratarem da saúde. Levam pancadaria? Pancadaria? Muita e não só. Enfiam-lhes com um pau pelo rabo a dentro, obrigam-nos a sexo oral e sempre que podem matam-nos… E a notícia não é dada à família e ao público? Claro, que é dada a informação. Mas sempre da mesma maneira. Como? Que o recluso se suicidou… – E vocês, guardas prisionais, caladinhos… Obviamente. O senhor também não tem família? Está a perceber-me? Em absoluto. Gostava de lhe perguntar outra coisa: existe muita homossexualidade nas prisões. Vocês permitem? Não é uma questão de permitirmos. Isso acontece durante o banho, nas celas com mais de um preso, nos trabalhos no campo e até nas bibliotecas, especialmente o sexo oral. Vê alguma solução para que a vida nas prisões possa ter mais qualidade e mais direitos humanos? Não vejo. Daqui para a frente será sempre pior porque não se constroem novas prisões como, por exemplo, nos países nórdicos. Agradeço este encontro e posso informá-lo que a nossa conversa vai ser lida em Macau, mas esteja descansado que o seu nome não existe. Obrigado. Tive prazer em conhecê-lo melhor.