Carta ao poeta 白居易 Bai Juyi (774-842), em Hangzhou

Escrevo-te, meu querido e reverenciado amigo Bai Juyi, para te agradecer o acolhimento fraterno, de grande irmão mais velho que me proporcionaste nos cinco dias em que, no início da Primavera de 2011, estive a teu lado em Hangzhou, nas longas deambulações em redor do Lago Oeste, na visita aos tempos de Lingyin e de Yongfu, no passeio pelos diques e pela perfeição das ilhas do Lago.

Encontrei-te logo à chegada a Hangzhou. Estavas igual ao que sempre foste, agora moldado no bronze dos séculos, ali na margem norte do Lago despedindo-te da gente boa da cidade, em 824, após três anos como governador de Hangzhou. Nos olhos, na memória de todos, a figura do digno mandarim e letrado defensor de pobres e humildes.

Um forte abraço na tua estátua de bronze, e fomos retratados os dois, para testemunho da minha velha admiração.
Imortal da Poesia, foi cumprida nos séculos VIII e IX a tua excelente missão de funcionário imperial, mandarim, poeta e homem de bem. Hoje continuas sereno a assistir ao perpassar dos anos, junto ao Lago Oeste, admirado por multidões de chineses que, tal como eu, não resistem ao apelo da fotografia a teu lado. Aproveitei para te segredar que havia traduzido a tua poesia para português, a quinta língua mais falada do mundo e publicado em 1991, em Macau uma antologia, os Poemas de Bai Juyi[1], com parte representativa da tua obra, 202 poemas no total. Um finíssimo sorriso teu, de bronze, cumplicidade e amizade.

Chegaste a Hangzhou no Verão de 822, com 50 anos de idade e pouca vontade de exercer as funções de governador. Escreveste então: “Há muitos homens sábios na corte, eles dirigem os destinos do império. Eu prefiro voltar o meu rosto para o Lago Oeste e durante dois ou três anos ter como única ocupação o vinho e a poesia”.

No entanto, o teu nome ficou ligado a uma obra ainda hoje existente e emblemática para as gentes da cidade, a construção do Bai Di, um extenso dique no lado oeste do Lago capaz de conter e regularizar o fluxo das águas, o que facilitou a irrigação e os trabalhos agrícolas.

Uma das tarefas de um governador de cidade era endereçar preces aos deuses, pedindo auxílio e protecção. Deixaste-nos, Bai Juyi, bons exemplos do teu pragmatismo e utilitarismo, tão comum no homem chinês. Ao Dragão Negro do Norte, um dos espíritos que comanda as chuvas, escreveste: “Dirigimo-nos a ti na esperança de um favor, mas não te esqueças que a tua divindade depende de nós. As criaturas não são divinas por conta própria, são os crentes que as fazem divinas. Se dentro de três dias as chuvas começarem a cair, a água será uma bênção para os camponeses e nós reconheceremos os teus poderes sagrados. Mas se permaneceres quieto, olhando calmamente o estiolar das colheitas por falta de chuva, isso não será apenas desastroso para o povo, será também mau para ti. A ti compete decidir.”

Os quotidianos em Hangzhou, segundo as tuas próprias palavras, eram “festas, passeios, comer e dormir”. Em 824, no regresso a Chang’an, a actual Xi’an, capital do império, estavas triste, a vida na cidade do Lago Oeste fora agradável, pacífica e enriquecedora. Num adeus às gentes de Hangzhou, escreveste:

Não governei a cidade como os sábios do passado,
Porque vejo então lágrimas em vossos olhos?
Foram pesados os impostos, o povo é muito pobre,
Tempos difíceis para os camponeses, a seca assolando os campos.
Tudo o que fiz foi levantar um dique nas águas do Lago,
Ajudar um pouco a irrigar a terra.

Fizeste-me companhia nestes dias em Hangzhou, também nas caminhadas pelos arredores da cidade. Subimos ambos os montes até ao famoso e antiquíssimo templo budista de Lingyin construído no ano 326 onde os muitos romeiros chineses, em sucessivas genuflexões sentidas, pediam ao velho Buda de madeira de cânfora com 20 metros de altura, benesses e protecção, a eliminação do sofrimento, uma vida melhor e mais rica. Avançámos depois para o pouco conhecido templo de Yongfu, ou seja da Felicidade Completa. Longe dos homens, no vazio da floresta, havia pavilhões suspensos no verde das encostas, portões de madeira lavrada, a pequena névoa azul dos fumos de incenso, sorrisos dos budas, o rosa suave e denso das ameixieiras em flor, a água chilreando nas cascatas embalada pelo cantar dos pássaros.

Regressámos em paz ao Lago. Diante do pagode de Leifeng sentámo-nos num pequeno varandim sobre as águas, bebemos uns cálices de aguardente de sorgo. Caía a tarde, ouvimos cânticos do céu. Ofereceste-me então este teu poema, escrito aqui no ano de 824.

A norte, o mosteiro, a ocidente, o grande pavilhão,
cheio o lago Oeste, transbordando para as margens,
As nuvens dançam, parecem suspensas nas águas.
É Primavera, rouxinóis procuram árvores ao sol,
andorinhas ziguezagueiam sobre pequenas ondas,
a erva começa a cobrir os cascos dos cavalos,
meus olhos fascinados pela profusão das flores.
Gosto muito de passear na margem leste do lago,
poderia passar aqui todos os meus dias
na restinga de areia branca sombreada por salgueiros verdes.

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