Cliteracia

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Sophia Wallace, uma artista visual norte americana, desenvolveu a palavra cliteracia para definir o estado de se ser cliterado, ou seja, de saber identificar o clitóris e entender o seu papel na sexualidade feminina.

Choquem-se: a anatomia do clitóris só foi descoberta em 1998. Desenvolveu-se a tecnologia para ir à lua, para realização de fertilização in vitro e clonou-se uma ovelha antes de se estudar a anatomia do clitóris.

A etimologia do clitóris vem do grego, kleitoris, que significa pequeno monte. O que Helen O’Connell descobriu ao dissecar corpos e ao realizar ecografias a mulheres vivas nos anos 90 é que o clitóris é bem mais complexo do que um “pequeno monte”. O clitóris é como um icebergue, tem toda uma estrutura interior que está associada a vários tecidos pélvicos. Tem uma forma que pode fazer lembrar um pinguim ou uma nave espacial com braços que podem ter até 9 centímetros. Com 8.000 terminações nervosas, é o único órgão dedicado ao prazer e tem sido sistematicamente ignorado e desrespeitado pelas sociedades contemporâneas.

Em certas zonas do planeta é objecto de mutilação física, em outros lugares, é objecto de mutilação psicológica e linguística. Foi Harriet Lerner, num artigo na Chicago Tribune em 2003, que alertou para essa dinâmica. A nossa linguagem tenta apagar a complexidade dos genitais de quem tem útero ao focar-se na vagina – o canal interior – ao invés de descrever um complexo genital que tem várias partes e funções. Vagina, significa “suporte de uma espada” e quão frequentemente ouvem esta como a única denominação do órgão sexual? Vulva é a descrição mais exacta para a genitália exterior, de onde faz parte o clitóris e os lábios.

O clitóris nem faz parte dos livros de anatomia nem de aulas de educação sexual, pelo menos por enquanto.
Cliteracia também implica saber que não é da vagina que vem o prazer. Aliás, se a vagina tivesse terminações nervosas o parto seria incrivelmente mais doloroso.

A razão pela qual algumas mulheres – as estatísticas apontam para 18 por cento delas – conseguem ter um orgasmo com penetração é porque o clitóris estende-se por várias zonas. A investigadora Helen O’Connell propõe o termo “complexo clitoriano”, que ainda não pegou na linguagem comum. Uma proposta que melhor nos explica como é que a estimulação vaginal consegue reverberar nesse órgão: desvendando assim o mistério do ponto G.

Cliteracia é entender que a ciência já sabia sobre o pénis, e nunca se preocupou com o clitóris – e entender as implicações disso. A cliteracia, de acordo com a artista e muitos educadores sexuais, é a chave principal para uma sociedade mais equitativa. O foco no prazer feminino é essencial para desfazer uma desigualdade milenar de herança cristã, essa de génese em forma de serpente que condenou Eva ao pecado.

Cliteracia também é saber que o clitóris não é um simples botão de on-off que se esfrega para obter resultados orgásmicos. O clitóris é um símbolo de emancipação e empoderamento, facilmente reconhecível. A forma do clitóris é partilhada com orgulho e até é tatuada, usada em brincos, colares, usada como bibelot e colocada em altares para veneração.

Cliteracia é não deixar que a vagina seja a única parte da anatomia conhecida – o tal suporte de espada – tanto na ciência, como no senso comum.

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