Cortes salariais

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Uma empresa envolvida num conflito laboral apresentou recurso no Tribunal de Segunda Instância de Macau e o caso foi ouvido a semana passada. Estavam em análise as alterações das condições de trabalho de três trabalhadores, cortes e atrasos no pagamento de salários e de horas extraordinárias entre Fevereiro e Julho de 2020, situação que se ficou a dever ao impacto da pandemia na empresa. A empresa recorreu ao Tribunal de Segunda Instância depois de ter perdido a causa no Tribunal Judicial de Base. A empresa alega que a os problemas ocorridos se devem a motivos de força maior.

Depois de rever os argumentos jurídicos e as informações relevantes de ambas as partes, o Tribunal de Segunda Instância manteve a decisão original e a empresa perdeu o caso. As razões legais do Tribunal de Segunda Instância são muito claras. Neste caso, a questão principal é a redução salarial. De acordo com o Artigo 59, parágrafo 5, da Lei das Relações de Trabalho de Macau, o salário de um trabalhador só pode ser reduzido mediante um acordo escrito entre o empregador e o empregado.

Ao mesmo tempo, o empregador tem de notificar a Direcção de Serviços para os Assuntos Laborais no prazo máximo de dez dias após assinatura do documento e, só nessa altura, a redução de salário pode entrar em vigor. O Artigo 92.º estipula que a Direcção de Serviços para os Assuntos Laborais tem o poder de monitorizar a implementação da Lei das Relações de Trabalho. A activação de um novo contrato de trabalho está sujeita à supervisão da Direcção de Serviços para os Assuntos Laborais.

Os noticiários não explicavam porque o tribunal não aceitou a rescisão do contrato com base em motivos de força maior, mas não é difícil de perceber. Força maior é um evento natural ou humano que, embora possa ser previsível, é totalmente inevitável. Trata-se de uma possível causa excludente da responsabilidade civil.

Exemplos típicos são desastres naturais e desastres causados pelo homem. No referido caso, se a força maior tivesse sido considerada, o contrato de trabalho entre o empregador e o trabalhador teria sido rescindido. No entanto, agora que o contrato de trabalho se mantem activo, os trabalhadores reclamam o salário e o pagamento de horas extraordinárias entre Fevereiro e Julho de 2020. A epidemia afecta o negócio das empresas, não os contratos de trabalho. Não se trata, portanto, de um caso de força maior.

A celebração de um contrato de trabalho em Macau deve estar em conformidade com as disposições da Lei das Relações de Trabalho. Um contrato de trabalho com prazo limite deve ser celebrado por escrito e deve conter as identidades tanto do empregador como do trabalhador, endereços, termos, posição do trabalhador, salário, horas de trabalho, assinaturas de ambas as partes, etc. Cada parte deve ter uma cópia comprovativa. Além disso, o Artigo 63 estipula ainda que o salário deve ser pago na moeda de Macau. Salvo acordo em contrário, o local de pagamento do salário terá de ser Macau.

As condições previstas no contrato de trabalho resultam da negociação entre o empregador e o empregado. Todos os contratos de trabalho têm de obedecer às disposições do Artigo 14. As regalias do trabalhador não podem ser inferiores às que estão estipuladas na Lei das Relações de Trabalho, caso contrário, as condições serão consideradas inexistentes e substituídas pelas disposições pertinentes da Lei das Relações de Trabalho.

Por exemplo, esta lei estipula que todas as trabalhadoras têm direito a 70 dias de licença de maternidade. Se, por exemplo, num contrato de trabalho constar que a trabalhadora só tem direito a 60 dias de licença de maternidade, à luz das disposições do artigo 14, como esta regalia é inferior à estipulada pela Lei do Trabalho, será anulada e substituída pela licença legal de 70 dias. Pelo contrário, se o contrato de trabalho estipular 90 dias de licença de maternidade, como a regalia dada pelo acordo é superior aos requisitos da Lei das Relações de Trabalho, e que resulta da negociação entre o empregador e o trabalhador, esta disposição é válida e ambas as partes devem respeitá-la.

O recurso apresentado no Tribunal de Segunda Instância não é novidade em Macau. No passado mês de Junho, os trabalhadores dos casinos sofreram reduções salariais. Nessa altura, foi salientado que a redução salarial exigia um acordo escrito entre o empregador e o trabalhador. Mais tarde, soube-se que os casinos tinham substituído a diferença salarial por acções. Como acima mencionado, os salários dos trabalhadores devem ser pagos na moeda de Macau, ou seja, não devem receber em acções, mas sim em patacas.

Claro que, no mundo empresarial, acontece vermos trabalhadores receberem acções, especialmente os trabalhadores mais antigos. E porque é que isto acontece? Os empregados mais antigos têm salários elevados. ganham muito mais do que os mais novos, o que é inevitável. Os salários no seu conjunto representam uma grande fatia das despesas da empresa.

Se as despesas forem muito elevadas, os lucros baixam, e os dividendos que os accionistas recebem também baixam. Portanto, os salários elevados dos trabalhadores mais antigos entram em conflito com os dividendos que os accionistas recebem.

Para equilibrar os vários interesses, muitas empresas fazem dos trabalhadores mais antigos accionistas, de modo que quando tomam decisões, tenham em consideração não só os interesses da empresa, mas também os interesses dos accionistas. Esta estratégia beneficia a empresa, os empregados e os accionistas. Temos de compreender que a oferta de acções aos colaboradores mais velhos é um método de gestão. as acções não são substitutos dos salários.

Para maximizar os interesses dos acionistas, os colaboradores mais antigos têm de receber salários mais baixos. Em algumas empresas de Hong Kong, os directores recebem 5.000 dólares de Hong Kong por ano, mas possuem uma grande quantidade de acções das empresas. Os directores nunca cortam salários quando há recessão económica. Quem dita a lei são os accionistas.

Em tempo de recessão económica, estejamos onde estivermos, haverá sempre conflitos laborais. A lei das Relações de Trabalho só pode regular as situações de cortes salariais, mas não as pode reduzir. Esta situação só pode melhorar aos poucos depois da economia recuperar.


Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado da Escola Superior de Ciências de Gestão/ Instituto Politécnico de Macau
Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog
Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk

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