Hackear e Meditar

Quando a mãe olhou para o computador todo desfeito, pegou numa pá para bater no filho de oito anos. O computador tinha sido comprado a muito custo. Uma mãe solteira da classe baixa inglesa não ganhava para aquilo.

Dylan tinha chorado baba e ranho para que a mãe lhe comprasse aquele computador. Vê-lo despedaçado em várias partes foi para ela um grande choque que resultou num enxerto de porrada. Mesmo cheio de nódoas negras, Dylan passou a noite a pé. O computador estava de volta à sua forma original no dia seguinte. A partir daquele dia, a mãe nunca mais lhe bateu. Conheci Dylan já com 35 anos. Comprara uma casa perto de Coimbra e sediara a sua empresa de segurança digital em Portugal. Estava a vir de uma temporada na Suécia que se sucedeu depois uma temporada em Tóquio, mas o lugar que melhor conhecia era a baía de São Francisco. Foi ali que a sua empresa cresceu, no epicentro da fecundidade digital. Quis pôr-me a aprender programação em troca de aulas de português, mas já tenho muito em mãos a aprofundar o conhecimento das programações linguísticas às quais já me dedico. Então, decidiu ensinar-me a meditar.

Se nunca viram o Zuckerberg em retiros espirituais no Hawaii, é porque não andam atentos. De facto, nada como estar profundamente submerso no tecido tecnológico para reconhecer a importância de se ausentar dele. “É preciso manter sempre um sentimento de fundamentação (groundedness)”, dizia-me. Essa necessidade de sentir a materialidade do corpo como um alicerce que se equilibra com o campo da existência mental subjectiva, acabava por ser essencial. Meditar é um processo auto-regulatório da atenção. Executar funções cognitivas complexas corre melhor com menos cortisol no sangue. Não é por acaso que a grande indústria digital está de mão dadas com a neurociência – com nootrópicos a substiuirem os nossos psiquiatrizados receptadores de serotonina cuja fórmula não muda há muitas décadas. Optimização tecnológica é também optimização humana. É apenas natural que as mentes mais curiosas tentem compreender vias alternativas para problemas antigos e essa descoberta possa passar pela medicina preventiva de origem chinesa e indiana que tantas empresas em Silicon Valley estão agora a explorar.

Sobretudo, quando os fundos de investimento cientifico de grandes farmacêuticas ocidentais preferem perpetuar fórmulas ultrapassadas, por exemplo, de antidepressivos (tradozona?). Não é necessário ser-se apelidado de estúpido quando decidimos educar-nos sobre meditações oriundas do yoga, como a meditação transcendental e a meditação budista samatha. A relação entre a meditação e a diminuição de cortisol está comprovada em centenas de estudos fidedignos. Dylan não é um new age de rastas cheio de ametista ao peito. É CEO de uma empresa de segurança digital e hackeava computadores quando era pequeno. Agora, hackeia também a vida. Coloca em causa a nossa arrogância etnocêntrica em relação à supremacia da ciência ocidental e esse questionamento é uma tendência que veio para ficar. Todos devem ter acesso àquilo que a tecnologia de ponta produz em termos de saúde. E essa tecnologia passa tanto por vacinas anti-covid como pode perfeitamente passar pela revisitação dos benefícios da ashwagandha. Só se chega à verdade quando esta é permanentemente questionada. Continuemos a fazê-lo sem pudor e, acima de tudo, sem preconceitos.

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Isabel Ferreira
Isabel Ferreira
9 Abr 2021 23:18

Muito bom. Parabéns pela análise.