Xunzi 荀子 – Elementos de ética, visões do Caminho – O Enriquecimento do Estado, Parte I

A miríade de coisas partilha o mesmo cosmos. Todas têm corpos diferentes, mas apesar de serem desprovidas de cabimento intrínseco, são úteis para os humanos. Este é, simplesmente, o arranjo do mundo. Diversos graus de pessoas vivem juntas. Partilham os mesmos objectivos, mas têm métodos diferentes. Partilham os mesmos desejos, mas têm diferentes entendimentos. Esta é, simplesmente, a forma como nasceram. Todos consideram justas certas coisas, sendo nisto iguais o sábio e o néscio. Contudo, aquilo que consideram justo difere, e isso é o que separa o sábio do néscio. Se a autoridade das pessoas for igual, mas o seu entendimento das coisas for diferente, agindo em nome do ganho egoísta sem temer o desastre, deixando seus desejos proliferar selvaticamente sem fim, então os seus corações estarão agitados, sem nunca conhecerem apaziguamento. Se a situação assim for, os sábios não conseguirão obter o poder de controlar. Se os sábios não obtiverem o poder de controlar, então qualquer reconhecimento de mérito será impossível. Se nenhum reconhecimento de mérito for possível, então não haverá distinção entre as massas. Se não houver distinção entre as massas, então as posições de senhor e ministros não serão estabelecidas. Se não houver senhor que regule os ministros, ou nenhum superior que regule os inferiores, então todos sob o Céu sofrerão dano por deixarem os seus desejos proliferar selvaticamente.

Todas as pessoas desejam as mesmas coisas e todas detestam as mesmas coisas. Os seus desejos são muitos, mas são poucas as coisas que os satisfaçam e, por serem poucas, é certo que as pessoas pelejarão por elas. Os produtos dos cem ofícios são meios de nutrir a pessoa, mas nem mesmo os mais capazes se conseguem dedicar a todos os ofícios, nem é possível que alguém preencha todos os cargos oficiais. Se viverem separadas e não se entreajudarem as pessoas ficarão empobrecidas. Se viverem juntas, mas não tiverem divisões sociais, lutarão entre si. A pobreza é uma catástrofe, a luta é um desastre. Se quiseres salvá-las da catástrofe e eliminar o desastre, nada melhor do que estabelecer divisões sociais claras e assim dar emprego às massas. Se os fortes ameaçam os fracos, se os sábios aterrorizam os néscios, se quem está em baixo ignora os seus superiores, se os jovens importunam os mais velhos, se não governares pela virtude, então os velhos e os fracos enfrentarão a inquietude de perder os seus meios de sustento e aqueles que estão no seu auge enfrentarão o desastre da luta divisiva. Trabalho e labor são o que as pessoas detestam, mérito e lucro são o que apreciam. Mas se não houver divisão de ocupações, então as pessoas enfrentarão a catástrofe de tentar concluir o seu trabalho sozinhas e a calamidade de terem de lutar por mérito. Se o acordo entre macho e fêmea e a divisão entre marido e mulher não for regido pelos rituais de apresentação, compromisso e casamento, as pessoas enfrentarão a inquietude de perder esse acordo e o desastre de lutar por companheiros. Por isto, o sábio cria divisões para estas coisas.

 

Xunzi (荀子, Mestre Xun; de seu nome Xun Kuang, 荀況) viveu no século III Antes da Era Comum (circa 310 ACE – 238 ACE). Filósofo confucionista, é considerado, a par do próprio Confúcio e Mencius, como o terceiro expoente mais importante daquela corrente fundadora do pensamento e ética chineses. Todavia, como vários autores assinalam, Xunzi só muito recentemente obteve o devido reconhecimento no contexto do pensamento chinês, o que talvez se deva à sua rejeição da perspectiva de Mencius relativamente aos ensinamentos e doutrina de Mestre Kong. A versão agora apresentada baseia-se na tradução de Eric L. Hutton publicada pela Princeton University Press em 2016.

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