O “Souvenir de Florença”

[dropcap]O[/dropcap] Sexteto de Cordas em Ré menor “Souvenir de Florence”, Op. 70  de Tchaikovsky, orquestrado para 2 violinos, 2 violas, e 2 violoncelos, foi composto no Verão de 1890, em resposta à sua nomeação como Membro Honorário da Sociedade de Música de Câmara de S. Petersburgo. A obra, na forma tradicional em quatro andamentos, foi intitulada “Souvenir de Florence” devido ao facto de o compositor ter esboçado um dos seus temas principais quando esteve em Florença no início de 1890, por um período de três meses, onde compôs a ópera Rainha de Espadas. O trabalho decorreu célere, e seis semanas após regressar a S. Petersburgo, a ópera estava terminada. “Sinto-me terrivelmente, tremendamente cansado!!” escreveu Tchaikovsky ao seu primo “e de que preciso agora para voltar ao normal? De me divertir, de fazer uma farra? Nem pensar! Vou começar imediatamente a trabalhar numa obra de grandes dimensões, mas completamente diferente; um sexteto de cordas.”

A composição de “Souvenir de Florence” não foi fácil. Numa carta ao seu irmão Modest, Tchaikovsky confessa: “Componho com um esforço incrível, não pela falta de ideias, mas pela novidade da forma. Devem existir seis partes independentes e ao mesmo tempo homogéneas”. Escreve ainda ao seu amigo Alexander Ziloti: “Sinto-me constantemente como se estivesse na verdade a escrever para orquestra e apenas a arranjar [a obra] de novo para seis instrumentos de cordas”. Talvez Tchaikovsky nunca tenha resolvido este problema. Os intérpretes da obra hoje ainda enfrentam as exigências contraditórias de uma abordagem orquestral ou solista; no entanto, este facto encoraja-os a adoptarem um estilo virtuoso que ajudou a colocar o Sexteto entre as obras mais populares no repertório de música de câmara.

A obra, dedicada à sua patrona Nadezhda bon Meck, foi esboçada em menos de duas semanas e orquestrada integralmente em 11 dias adicionais, tendo sido estreada em privado em S. Petersburgo no dia 7 de Dezembro de 1890, mas nem o compositor nem os músicos que estavam presentes ficaram inteiramente satisfeitos com a partitura. Após a primeira apresentação pública três dias mais tarde, na Sociedade de Música de Câmara de São Petersburgo, Tchaikovsky resolveu pô-la de lado. Um ano mais tarde, entre Dezembro de 1891 e Janeiro de 1892, reviu a obra, alterando sobretudo o terceiro e quarto andamentos, antes da segunda estreia que ocorreu no dia 6 de Dezembro de 1892, na Sociedade Musical Imperial Russa em S. Petersburgo, sob a direcção do violinista, maestro e compositor húngaro Leopold Auer.

Toda a obra tem um cariz preponderantemente russo. O primeiro andamento, Allegro con spirito, concebido em 1887 pouco depois de Tchaikovsky ter concluído a sua ópera A Feiticeira, apresenta uma textura rica e transpira intrepidez e entusiasmo. Escrito na forma sonata e sem introdução, inicia-se com o tema principal, bastante vigoroso embora melódico, em Ré menor, contrastado mais tarde por um segundo tema, na tonalidade dominante de Lá Maior, muito mais calmo, possivelmente a única melodia na obra cuja leveza apresenta um lirismo italiano, procedendo então para o desenvolvimento e recapitulação, que termina com uma coda rápida.

O andamento lento, Adagio cantabile e con moto, em Ré Maior, abre com uma versão lenta do tema principal do primeiro andamento, que evolui para uma melodia elegante e romântica inicialmente tocada pelo violino com acompanhamento de pizicatto antes de ser tomada pelo violoncelo. Na sequência de uma interrupção por um interlúdio para todos os instrumentos, o tema regressa para uma repetição da primeira secção.

Os últimos dois andamentos, Allegro moderato e Allegro con brio e vivace, com as suas melodias e ritmos distintamente russos e folclóricos, contrastam grandemente com os anteriores, sobretudo o trio do terceiro andamento que nos lembra que Tchaikovsky tinha as danças de O Quebra-Nozes na cabeça, e foi a secção central fugato do finale que levou o compositor a admitir: “É terrível quão radiante estou com a minha própria obra…”.

 

Sugestão de audição:
Pyotr Ilyich Tchaikovsky: String Sextet in D minor, Op. 70
Yuri Bashmet (violin), Valentin Berlinsky (cello), Dominant Quartet – Artservice, 2004

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