Luta entre grilos

[dropcap]O[/dropcap] som intenso produzido pela série de pêlos colocados nas bordas das asas ao roçarem uma na outra dá para perceber estar o macho à procura de atrair uma fêmea. O grilo, insecto omnívoro da ordem Orthoptera da Família Gryllidae conta com cerca de 900 espécies. Em Outubro a fêmea põe c.500 ovos que eclodem em Abril, Maio, e nos primeiros 20 a 25 dias muda a pele por seis vezes, levando cada uma de 3 a 4 dias. Vivem 150 dias, sendo o seu cantar um sinal de boa sorte.

O combate entre grilos foi para os chineses um dos seus divertimentos milenares e se a facilidade de os encontrar no campo permitia ao povo poder usufruir sem custos tal diversão, houve aficcionados entre oficiais governamentais e mesmo na corte imperial que não enjeitavam assistir a esses confrontos e alguns até adquiriram um animal vencedor. Inveterados jogadores, os chineses investiram nesses combates, que num entusiasmo crescente evoluiu para um negócio, fazendo-se apostas a atingir avultadas somas. Assim era preciso arranjar possantes grilos machos e daí aparecerem pessoas especializadas em os capturar nas tocas. Estes não se deixavam facilmente apanhar e só ao fim da tarde e à noite davam com o canto sinal da sua existência. Segundo Leonel Barros, “O grilo campestre é um dos insectos mais vulgares e abundantes na China. O preço de cada animal varia pelo seu tamanho e pela constituição física, podendo portanto, um bom grilo com três centímetros de comprimento, com fortes patas traseiras, vir a custar cerca de setecentas a novecentas patacas. Os menores, isto é, os que não ultrapassam os dois centímetros custam apenas umas cem a cento e vinte patacas, o que já se pode considerar bastante caro, pois o verdadeiro preço para animais desse tamanho, fora da época das apostas é apenas de umas cinco ou seis patacas.” Texto de meados do século XX que, em conjunto com o de Luís Gonzaga Gomes, refere os nomes das variedades dos grilos lutadores: cabeça branca; cabeça amarela; cabeça preta; mandíbulas de caranguejo; fios de seda; antenas prateadas; e mancha de flor de ameixoeira conhecido por Mui-fá-tim.

“Os grilos apanhados nas tocas de escolopendras ou serpentes, também em hibernação, são os mais combativos e difíceis de apanhar, razão por que os insectos apanhados nestas circunstâncias são vendidos por elevados preços, que chegam a ser cinco vezes superiores ao valor dos grilos capturados nos campos de cultura”, segundo Leonel Barros, que adita, “Nas ilhas da Taipa e Coloane encontram-se alguns grilos que servem para os combates. No entanto, os mais apreciados são aqueles que vêm da China e, para os trazer existem pessoas especializadas.” Para os grilos entrarem em Macau era necessário pagar uma taxa de importação e por isso eram eles transportados ilegalmente dentro de “tubos de bambu em cujo interior existem algumas folhas verdes e bagos de alpista”, escondidos nas bagagens. “Só que as mais das vezes, tal intenção não é aceite pelo transportado: segundo consta, os grilos vêm muito caladinhos nos tubos de bambu e, como se possuíssem um sexto sentido começam a fazer barulho junto à alfândega… Daí que muitos sejam transportados de barco, para evitar aborrecimentos.”

O valor de um grilo campeão, um Mui-fá-tim era de uma fortuna, pois rendia muito dinheiro ao seu proprietário “sendo o mais estimado e mais valioso, o bicho cujo chiar for mais ruidoso e estrídulo” e em Macau, os melhores exemplares “eram disputados principalmente entre os membros das riquíssimas famílias Siu, Lei e Kuan desta cidade.”
Tratados como ídolos, os grilos “viviam em verdadeiros hotéis de luxo (luxuosos potes de barro vidrado), com todas as mordomias. Alimentavam-nos de duas espécies de peixe, gorgulhos especiais, castanha ou arroz cozido e mel para os avigorentar. Quando se encontram atacados de indigestão, uma dose regular de larvas vermelhas, os hong-tch’ong, põe-nos outra vez lestos. Se estão constipados, pequena porção de mosquitos, curam-nos logo; se andam febris, são restabelecidos com rebentos da ervilheira selvagem, e se a respiração se lhes torna difícil, administram-se-lhes borboletas de bambu. Além desses cuidados materiais, o macho necessita de ser visitado por uma companheira todas as noites, não lhe sendo, porém, permitido prolongar essa visita por mais de duas horas”, segundo LGG

Os combates

Sendo Macau no início do século XX célebre pela luta de grilos, em Agosto as inúmeras hospedarias e hotéis enchiam-se de vendedores desses insectos e de entusiastas que chegavam como apostadores.

Em dias previamente fixados, aberto ao público realizavam-se os combates em locais como o Hotel Central e o Hotel Ung Chao (situado primeiro na Rua do Bocage e depois na Rua das Lorchas), bem como em algumas residências particulares de chineses como na Rua dos Cules, na Travessa dos Anjos e na Calçada do Gamboa.

Uma multidão enchia o espaço para assistir aos combates, iniciados pela escolha dos grilos que se vão gladiar através do peso, da sua força e do tamanho. A partir daí fazem-se as apostas, que nunca eram com dinheiro a pronto, havendo apenas duas espécies de paradas, as de porco assado (kâm-tchü ou Siu Chi 金猪), que podiam ser de $300, $150 ou de $100, conforme prévio ajuste e a do péang (饼, bolo chinês), de menor valor. As apostas eram feitas por contratos sob palavra ou lavravam-se promissórias e “Feita a jogada, nenhuma das partes podia voltar com a palavra atrás e as paradas elevavam-se frequentemente a mais de dez porcos assados ou seja, a uns poucos de milhares de patacas.”

Colocados os grilos num vaso circular a servir de arena, os donos com um pincel de pêlo de bigode de rato esfregavam as costas do seu insecto acicatando-os, levando ao início de um combate cujo desenlace era decidido, ou pelo desmembramento de um dos animais, ou pela recusa e fuga de um dos grilos.

Segundo Luís Gonzaga Gomes, “O proprietário do local ou do exclusivista recebia 20% e os donos dos grilos vencedores numa cerimónia solene com um galhardete encarnado, tendo inscritos caracteres laudatórios ao grilo campeão. Forma-se, em seguida, um cortejo para fazer regressar o grilo à casa do proprietário, indo à frente um criado empunhando com donaire o galhardete e durante o trajecto lançam-se petardos, com o fim de atrair a multidão dos curiosos.”

“Quando morriam, os grilos vitoriosos eram metidos em pequenos recipientes, do tamanho de uma caixa de fósforos, e enterrados com grande pompa”, segundo Leonel Barros que termina dizendo haver em Macau “cerca de vinte equipas que participam todos os anos nos combates de grilos, organizando mesmo competições internacionais com equipas de Hong Kong, onde se disputam e distribuem medalhas de ouro aos vencedores.”

Estas lutas ocorreram entre a segunda metade do século XIX e a primeira do seguinte. Desde então decaíram e agora deixaram de se fazer.

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