Indonésia | Uma das maiores eleições do mundo marcada para 17 de Abril

A Indonésia encontra-se numa encruzilhada entre a continuidade e um possível retorno ao passado, a menos de duas semanas de um dos maiores actos eleitorais do mundo, em que participam cerca de 192 milhões de eleitores. Ligeiramente à frente nas sondagens, o actual Presidente Joko Widodo enfrenta nas urnas Prabowo Subianto, general reformado e ex-genro de Suharto, numa reedição das eleições de 2014

 

[dropcap]N[/dropcap]as atafulhadas ruas de Jacarta, onde o caótico trânsito se adensa na época das chuvas, proliferam os capacetes verdes das motas de transporte, que circulam ao lado dos multicoloridos cartazes e bandeiras das eleições nacionais de 17 de Abril.

Tal como há cinco anos, os rostos dominantes nos pósteres de campanha são os dos dois principais candidatos presidenciais: de um lado o actual chefe de Estado, Joko Widodo, quinto Presidente desde a queda do antigo ditador Suharto, do outro o ex-general das Forças Especiais e ex-genro de Suharto, Prabowo Subianto, derrotado por Widodo nas eleições de 2014.

As sondagens indicam uma ligeira vantagem para Joko Widodo, numa campanha onde se mistura tudo, desde economia a educação, ao debate do secularismo ‘versus’ o conservadorismo ou até as alterações climáticas e a política externa. Até Timor-Leste já foi falado, de passagem, num dos debates presidenciais, com Prabowo a referir-se ao referendo de há 20 anos – ainda que o seu passado como militar nas Kopassus, as Forças Especiais indonésias, seja praticamente ignorado.

A dimensão do processo eleitoral vê-se bem pelos números: são 192 milhões de eleitores e entre eles 70 milhões, entre 16 e 20 anos, que votam pela primeira vez.

Além do Presidente e vice-Presidente, os eleitores escolhem os 711 membros das duas câmaras da Assembleia Consultiva Popular (MPR), 575 no Conselho Representativo Popular (DPR) e 136 no Conselho Representativo Regional (DPD). Em jogo estarão ainda mais de 19.500 lugares em mais de 2.000 distritos eleitorais legislativos ao nível regional, municipal e local. Há 16 partidos concorrentes, entre eles quatro estreantes.

Os candidatos

A candidatura da oposição disse ter encontrado irregularidades ao nível de dados afectando milhões de cidadãos inscritos nos cadernos eleitorais. Depois da apresentação de queixa, e insatisfeitos com a resposta da comissão eleitoral, o partido de Prabowo Subianto fez a ameaça velada de usar o “poder do povo” caso os seus argumentos não forem atendidos. A oposição diz ter encontrado erros em datas de nascimentos, números de cartões de identidade duplicados, entre outras anomalias em cerca de 17,5 milhões de eleitores, um número que representa cerca de 9 por cento do total do eleitorado.

Do lado da campanha que procura a reeleição de Joko Widodo existem receios de que a disseminação de notícias falsas possa influenciar o resultado do sufrágio. O actual Presidente foi acusado de ser comunista, cristão e de ser de origem chinesa.

No que toca à campanha propriamente dita, Widodo, 57 anos, escolheu para seu ‘número dois’ Ma’ruf Amin – um intelectual e político islâmico, líder da Majelis Ulama Indonesia, a principal estrutura clerical muçulmana do país, criada na Nova Ordem de Suharto.

A dupla do actual chefe de Estado tem o apoio de nove partidos, entre eles o PDI-P da ex-Presidente Megawati Sukarnoputri, o Golkar (partido de Suharto) e o PKB, do ex-Presidente Wahid: entre si representam actualmente 60 por cento dos lugares no actual parlamento e 62 por cento dos votos nas últimas eleições.

Prabowo, por seu lado, tem como número dois Sandiaga Uno, actual vice-governador de Jacarta que, antes de entrar no mundo político, era um empresário de destacado perfil, com a dupla apoiada por vários partidos de menor dimensão que, entre si, representam 40 por cento dos lugares do parlamento e 36 por cento dos votos das eleições de 2014.

Esta é a terceira tentativa de Prabowo chegar ao Palácio Presidencial, ele que foi número dois na campanha de 2009 e rival de Jokowi em 2014, tendo na altura conseguido 46,85 por cento dos votos contra os 53,15 por cento obtidos pelo actual Presidente.

Na metrópole que continua a crescer a um ritmo desenfreado – a zona urbana de Jacarta acolhe 30 milhões de habitantes – os cartazes da campanha evidenciam as opções: fotos dos candidatos e, em alguns casos, um quadrado do boletim de voto com o desenho do prego de ferro com que, por estas paragens, se exerce o direito ao voto.

Hijabs e capacetes

No dia-a-dia da cidade, os motoristas das motas do GoJek e da Grab, as empresas de transporte com que muitos indonésios ganham o seu rendimento, serpenteiam por entre os carros, com os passageiros sentados atrás, tentando ganhar tempo no lento percurso. “Eu uso isto para ganhar mais algum dinheiro. É preciso porque as coisas estão mais caras. Mas há muitos clientes”, conta Dewi, uma motorista da Go-Jek, com o capacete por cima do hijab preto, um dos símbolos mais evidentes do crescente conservadorismo na Indonésia.

Goenwan Mohamad, hoje escritor e pintor, mas outrora jornalista e fundador da revista Tempo – uma das primeiras que nos anos 90 do século passado desafiou a Nova Ordem de Suharto –, diz que o crescente uso do hijab mostra “uma perda de liberdade de expressão física”.

“As pessoas pensam que a religião pode embelezar a alma, tornar-te até menos corrupto. Mas na prática isso não ocorre. O que se nota, sim, e é muito visível, por exemplo na forma como as pessoas se vestem, é um autocontrolo nas expressões físicas”, disse à Lusa. “Há 25 anos quase ninguém usava hijab. A liberdade de expressão física está muito mais limitada”, conta à Lusa.

Por outro lado, a proliferação dos capacetes verdes de quem oferece transporte na Indonésia – e a paralela revolução dos serviços ‘online’, de quase tudo, que continuam a crescer a ritmos estonteantes no sudeste asiático – é um sinal do empreendedorismo do país.

Credo económico

Mas, ainda que a economia indonésia continue a crescer – não aos 7 por cento prometidos por Joko Widodo – e que sejam evidentes os sinais de uma robusta classe média, as disparidades mantêm-se com muitos na sociedade a viverem em condições de total insegurança económica.

Na agenda dos debates eleitorais, por isso, figuram questões como o desenvolvimento económico nacional, a capacitação da mão-de-obra ou até problemas globais como as alterações climáticas, ainda que nos bastidores se viva, como explicou à Lusa o director do Australia Indonesia Centre, Kevin Evans, um debate entre uma visão secular e pluralista do país, de um lado, e o maior conservadorismo religioso e moral, do outro.

“As divisões políticas aqui não são baseadas em classe, a afiliação política não se decide pelo rendimento ‘per capita’. Define-se sempre entre os que se agarram firmemente a uma visão de uma sociedade mais pluralista e igualitária ‘versus’ os que querem um maior papel da religião, no caso o Islão, uma divisão idêntica à que se pode ver na Índia, ou em Israel”, disse.

Ainda assim Evans diz-se optimista, afirmando que os sinais de conservadorismo crescente duram há 30 anos e que começam a aparecer, até sinais de “maior agitação e mobilização dos que defendem os valores tradicionais de pluralismo”.

A religião está sempre presente, com Jokowi a mostrar-se mais pluralista, mas depois a escolher como ‘número dois’ um dos principais líderes islâmicos do país, e Prabowo a começar a relembrar que a sua mãe é cristã, mas depois a convocar uma oração colectiva em todos as mesquitas do país na manhã do próximo domingo.

Os candidatos presidenciais estão nos próximos dias em campanha em vários pontos do país, regressando a Jacarta na recta final, antes dos dois dias de reflexão e do voto.

Subscrever
Notifique-me de
guest
0 Comentários
Inline Feedbacks
Ver todos os comentários