Festejos em HK nos Clubes portugueses

[dropcap style≠‘circle’]R[/dropcap]ivalidades na comunidade portuguesa de Hong Kong levam dois clubes a ter distintos programas para as celebrações do 4.º centenário do descobrimento do caminho marítimo para a Índia. O Club Luzitano, sob a presidência do Sr. Conselheiro Agostinho Guilherme Romano, irá celebrar no dia 17 de Maio de 1898 um Te-Deum às 5,30 da tarde na Catedral de Nossa Senhora da Conceição, pelo vigário apostólico de Hong Kong, Bispo de Clazomme, com a assistência do clero espanhol, francês e italiano ali residente. Nesse dia ainda se realizará um sarau literário e musical, assim como a inauguração do busto de Vasco da Gama no Club Luzitano e a iluminação do edifício sede, que continuará até ao dia seguinte, quando se irá efectuar o baile no Club. Já o Club Vasco da Gama propõe-se fazer uma festa no seu Club, na Peel Street e uma excursão a Macau, mas a 8 de Maio de 1898 a comissão executiva da celebração do Club Vasco da Gama resolve: 1.º Que em vista do luto que cobre muitas famílias e da dor que, pela irreparável perda de entes estremecidos, actualmente as excrucia, o referido Club e os seus aderentes não fizessem nenhuns festejos aos quais se pudessem atribuir qualquer sombra de regozijo público, e que se pusesse de lado a ideia de adiamento de tais festejos por não deverem ter lugar em época tão anormal como a que estamos atravessando, e nem depois, porque, depois, o que se deverá fazer será darem-se graças a Deus por nos haver libertado do terrível flagelo que óra nos traz consternadíssimos a todos. 2.º Que se convocasse uma nova reunião, a fim de nela se deliberar sobre a melhor aplicação humanitária e patriótica a dar-se à quantia subscrita para os festejos que estavam projectados”, de M. Fernandes de Carvalho n’ O Porvir.

A 9 de Maio, a Comissão Executiva da Celebração em Macau do IV Centenário publica uma circular: <devido ao irregular estado sanitário da província, não serão enviados convites especiais para os festejos oficiais aos portugueses e estrangeiros residentes fora de Macau>. Sobre a terrível epidemia da peste bubónica já dois meses antes o Hongkong Daily Press de 7 de Março de 1898 dá conta de existir na colónia inglesa.

O Cônsul-Geral de Portugal em Hong Kong emite a 10 de Maio uma circular, “Tendo-me comunicado a Direcção do Club Lusitano a resolução tomada, de acordo com os sócios do Club, de se adiarem os festejos comemorativos (…) – em vista do estado de consternação geral, estando por tal motivo bastante sobressaltados os habitantes desta colónia; pedindo-me a referida Direcção ao mesmo tempo para assim o fazer constar a todos os portugueses aqui residentes, cumpro por esta forma este dever, sentindo, como representante do governo (…) este adiamento forçado…”

O Porvir, cujo editor responsável é Lisbello J. Xavier, presidente do Club Vasco da Gama, a 14 de Maio cai logo sobre o Sr. Agostinho Guilherme Romano, Cônsul, referindo, “… os festejos comemorativos do Centenário da Índia, que deveriam ter lugar no Club Lusitano, seriam obra exclusivamente dos dignos sócios do mesmo Club, pelo que não teriam nem poderiam ter um carácter público” … “O Sr. Romano assinar a circular como cônsul, sendo presidente do Club, e devendo, portanto, tê-la sua Exa. expedido nesta qualidade ou tê-la feito assinar e expedir pelo sr. secretário do mesmo Club. (…) Além disso, a circular era do Club Lusitano e só aos sócios dele pode interessar, que não a todos os portugueses residentes aqui, pois que a grande maioria destes últimos não pertence àquela agremiação e, nem que quisessem, poderiam ir ao baile daqueles, por não haver onde os alojar, e, mesmo que o houvesse, sabem bem que a ‘boda ou baptizado não se deve ir sem ter-se contribuído para isso ou ter-se sido convidado’, caso que se não deu com eles, com essa grande maioria dos portugueses residentes em Hong-Kong.”

“Ainda se o Club Lusitano estivesse, relativamente aos festejos do Centenário, nas circunstâncias do Club Vasco da Gama, vá que não vá. Este tem como subscritores e aderentes, para os festejos que projectara, grandíssimo número de cavalheiros portugueses residentes aqui e que são completamente estranhos a ele. Por tal motivo, a festa promovida por este, em comemoração do Centenário da Índia, teria um carácter mais nacional e seria mais da nossa comunidade, porque esta tomaria maior parte nela, e as decisões a tal respeito tomadas pela comissão executiva do Club Vasco da Gama devem, portanto, interessá-la mais do que as decisões da direcção do Club Lusitano sobre o mesmo assunto, visto que a festa projectada por aquele seria uma festa pública portuguesa, em quanto que a d’este seria uma coisa apenas dos seus sócios”, n’ O Porvir.

Tristes festejos

No dia 17 de Maio em Hong Kong não se canta um Te Deum na Catedral Católica em honra do centenário da Índia e somente é içada uma bandeira no Club Lusitano. O Independente de 22 de Maio diz ter a direcção do Club Luzitano resolvido “adiar os festejos projectados para comemorar o Centenário. Contudo, não podia o jubileu nacional, nesta ocasião, fossem quais fossem as circunstâncias, passar despercebido a essa associação que em tantíssimas ocasiões tem sabido honrar a nossa querida pátria, que é a de todos os seus membros efectivos; por isso o seu digno presidente, Sr. conselheiro Agostinho Guilherme Romano, nosso cônsul geral nessa colónia, no dia 17, o primeiro dos festejos, à noite depois das 7 horas, quando no Club se costuma reunir o maior número de sócios, convidou todos os presentes a subirem ao salão Luís de Camões. Aí ficaram todos agradavelmente surpreendidos vendo erguida no meio da sala, no topo de uma linda haste dourada, uma bandeira de seda, semelhante à que guiou Vasco da Gama na gloriosa viagem à Índia, e que gentilmente fora feita e oferecida ao Club pela esposa do Sr. Conselheiro Romano para cobrir o busto do grande navegador e que no referido dia devia, segundo o programa dos festejos que foram adiados, ter sido ali inaugurado. O Sr. Conselheiro tendo feito servir champanhe,” pede licença para oferecer ao Club Lusitano essa bandeira, que ficará sendo a da associação. Bandeira semelhante conserva-se na fachada do edifício do Club, arvorada durante os dias 17 a 20, período em que no Consulado está hasteada a bandeira nacional.

Múltiplos brindes se fazem e ainda no dia 17 o Sr. conselheiro Romano expede para Lisboa telegramas, um como presidente do Club Lusitano para a Comissão do Centenário e outro como cônsul para El-Rei o Sr. D. Carlos, associando-se ao jubileu nacional em nome da comunidade portuguesa desta colónia, mas sem lhe dar conhecimento. No dia seguinte recebe a resposta: <Suas Majestades agradecem muito. Conde Arnoso>.

Estes os únicos festejos em Hong Kong e a desencantada comunidade portuguesa logo a 1 de Julho de 1898 assiste ao júbilo do Reino Unido, quando força a China a arrendar-lhe os Novos Territórios por 99 anos para os juntar a Hong Kong, tomada em 1841 e a Kowloon, anexada em 1860.

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