O hóspede do Hing Kee

[dropcap style≠’circle’]P[/dropcap]ercorridas pelo centro da cidade as estreitas ruas cimentadas, desde a Visconde de Paço d’ Arcos, no Porto Interior, até à Praia Grande, podia na escassa luz de um primeiro dia de estadia Camilo Pessanha visualizar a extensa baía com árvores plantadas, sombreando o mar, a murmurar no granito da muralha. O aterro, que estendera a Praia Grande até ao Bom Parto, fora realizado em 1869 e a rua arborizada. Árvores que seriam derrubadas por ventos tufónicos em 1883.

Na altura era Governador de Macau, Tomás de Sousa Rosa (1883-1886) que, ao Director das Obras Públicas, Capitão de engenharia José Horta e Costa, deu ordem para ser refeito o paredão da marginal e, no passeio, plantar de novo as árvores. Em 1894, ainda estas não haviam adquirido grande porte, sendo a Baía da Praia Grande o lugar europeu de Macau, com três fortes, uma série de esplêndidas mansões e onde se situavam as sedes de muitas das companhias comerciais, bem como o Palácio do Governo e outras repartições, entre elas os Correios.

A Rua da Praia Grande estava dividida por duas freguesias: a de S. Lourenço e a da Sé. Começa na Rua do Chunambeiro e até à Calçada de Santo Agostinho pertence a S. Lourenço. Seguindo daí, já na paróquia da Sé, chega à Estrada de S. Francisco. Apesar de toda a rua ter 55 casas, perdera em vinte anos algumas na freguesia de S. Lourenço, mas ganhara outras na Sé. Tal deveu-se ao seu prolongamento desde a Rua do Campo, onde em 1874 começava a Rua do Passeio, nome que desapareceu a favor da Rua da Praia Grande, quando esta a ocupou até à Estrada de S. Francisco.

À Rua da Praia Grande vinha dar, junto a São Francisco, o cano real, que começava no antigo Hospital de S. Rafael. O eng. Sousa Horta e Costa escreve num Boletim da Província de Macau e Timor de 1886:

“(…) fiz no novo bairro da Horta da Mitra, onde os canos cruzando-se como uma rede, e aumentando sucessivamente de secção, vão desaguar no cano geral da rua Thomaz Roza, que recebe também directamente as águas da parte da montanha do hospital, e vai levá-las ao grande cano, que passa na rua do Campo, que urge modificar, e que é um dos mais importantes de Macau.”

Da Colina de Santo Agostinho para Sul, chega-se à Rua da Praia Grande por transversais calçadas e travessas provenientes da Rua Central, o núcleo comercial da cidade. A meio da baía e próximo do Fortim de S. Pedro repousava o Hotel Hing Kee. Era um prédio urbano, com a fachada principal virada a Leste para a Rua da Praia Grande e o número de porta 65, dando as traseiras para a Rua da Sé, com a porta de serventia no número 8.

Não sabemos se ainda era assim ou se o edifício já contava com dois andares, de varanda corrida e vinte e quatro arcos e dez janelas gradeadas de ferro nos gudões (armazém, adega) com duas portas juntas uma à outra e uma porta lateral, tudo na Praia Grande, e uma porta traseira que dava para a Travessa Nova, que parte do Largo das Flores e situa-se na Rua da Sé.

Hospedado no Hing Kee até ao final do ano de 1895, pagava então Camilo Pessanha “quarenta patacas por mês – cama, roupa e mesa, mas sem direito a vinho, que, conforme conta a seu pai, custava um quarto de pataca por garrafa”, como refere Luís Andrade de Sá, que segue, “um preço suficientemente tentador para ter convencido também colegas de Pessanha, chegados com ele a Macau, como os professores de Geografia e de Francês”. João Pereira Vasco, o professor de Geografia, chegará mais tarde.

Este hotel, nos finais do século XIX inícios do seguinte, está para o Hotel Metrópole dos anos 80 e 90 do século XX, pois aí ficaram a residir muitos dos requisitados à Metrópole, até alugarem casa. “E o que mais encantava aos ‘exilados’ era justamente o sortilégio de certas noites, em que as águas se polvilhavam da farinha branca do luar e a brisa do sul trazia indefinidos odores tropicais”, segundo palavras de Emílio de San Bruno [pseudónimo literário de Filipe E. Paiva (1871-1954), Oficial da Armada], no seu romance O Caso da Rua Volong, cuja acção decorre em Macau nos primeiros anos do século XX. E com ele continuando, “Não era um Hotel de luxo, mas havia em todos os seus serviços, o conforto sólido, sadio, disciplinado e limpo do Hotel inglês”.

Registo de um hotel

Sobre o hotel, Henrique de Senna Fernandes no seu livro Mong-Há escreve um capítulo com o nome Hotel Riviera. Puxando da memória, pois só nos lembramos das coisas quando estas desaparecem, refere:

“Um dos edifícios sacrificados ao camartelo dos construtores civis foi o decrépito Hotel Riviera e não foi sem tristeza que o vimos cobrir-se de andaimes e da ola da demolição, os dobres finais duma morte inglória. É que, para o velho residente da terra e para os seus naturais, aquele edifício hoteleiro estava irmanado a muito evento social e histórico e todas as figuras importantes dos últimos cem anos pisaram os seus salões, ponto obrigatório onde antigamente convergiam todos os estrangeiros e todos aqueles que vinham da Metrópole ou doutras partes do Ultramar prestar serviço a estas paragens.

“Quando se inaugurou o hotel? (…)  posso afirmar que o casarão, ali pelas alturas de 1880, mais ano menos ano, começou por ser Hing Kee’s Hotel, sob a direcção de Pedro Hing Kee…”

Pelo registo de propriedade de 23 de Junho de 1883, ficamos a saber que o chinês Fong Rong Xi, negociante residente nesta cidade, apresentou a escritura de 21 do corrente mês lavrada nas notas do tabelião e ser este edifício de um andar, com um pátio à entrada na Rua da Sé e com um jardim para o lado da Praia Grande, contendo nove janelas no andar superior e um terraço no centro e quatro quartos com a frente para a Praia Grande.

Ainda nesse ano, a 17 de Setembro sobre o hotel escreve o Eng. Adolfo Loureiro:

“Fiquei hoje definitivamente instalado nos meus aposentos que são completamente independentes e mobilados conforme as minhas indicações. Na varanda coberta lá estão as frescas e cómodas cadeiras de rota; no salão, uma grande mesa para estender plantas e desenhos, estantes, secretárias, pequena mesa para quando quiser almoçar ou jantar no meu quarto, etc., no quarto de cama, um leito enorme de armação, mesas, toilettes, guarda-roupas, cabides; finalmente, uma pequena galeria envidraçada, dando para um pátio interior, e nela uma fresca sala de banho, com uma daquelas banheiras chinesas de barro, com esmaltes, que fazem lembrar as antigas tinas de banho gregas ou romanas. Estou optimamente instalado, e encontro no dono do hotel, que é um china cristão, o maior desejo de me ser agradável.

“(Pedro Hing Kee,) o bom chinês, com o seu ar muito prazenteiro, cara redonda e cheia, olhos pequenos e vivos, linguagem estranha e curiosíssima, mostrou o melhor desejo de ser-me agradável e de condescender com todas as minhas exigências. Foi ele também que se incumbiu de mandar fazer a minha equipagem.

“Ninguém em Macau anda a pé. Há as cadeirinhas da praça, com tarifas aprovadas pela câmara que, em Macau, se apelida Leal Senado. Uma pessoa que se preza tem, porém, a sua cadeirinha, com os seus dois culis uniformizados. A minha devia ser esplêndida com vidraça e stores, e os meus culis teriam cabaias e calções brancos, orlados de azul, com os seus grandes chapéus de palha de bambu também pintados de azul e branco. Já se vê que o meu hospedeiro era todo patriota, com decidido fraco pelas cores nacionais. (…) “Este serviço custar-me-ia: a boa cadeirinha 10 patacas, o fardamento dos dois culis outras 10; e o salário destes dois homens não passaria também de 10 patacas por mês, e a seco! (…) O jantar foi servido com profusão, com boa ordem e com uma cozinha, meio inglesa, meio portuguesa, que me não desagradou”.

Vivia-se muito bem no Hotel de Pedro Hing Kee em 1883. Mas onze anos depois, quando Camilo Pessanha, outro funcionário metropolitano, ali se hospeda, durante um ano e meio, pouco sabemos do que mudara. Pedro Hing Kee continua à frente do negócio, o edifício terá já mais um andar, quando o poeta ocupa um dos seus trinta quartos, mas… sem principescas mordomias auferidas pelo engenheiro Adolfo Loureiro, que se encontrava em Macau a fazer estudos sobre a viabilidade da construção de um dique, para obrigar as águas a deslocarem-se para um curso mais restrito, empurrando a corrente para norte da Ilha Verde e daí, rio abaixo, para a foz.

Com a construção do Istmo da Ilha Verde, em 1890, parecia ficar resolvido o problema do assoreamento no Porto Interior que, em vinte anos tinha perdido metade da sua profundidade, atingindo em 1883 apenas 1,7 metros. Agora, em poucos anos, volta a assorear..

Pessanha no Hing Kee

Luís Andrade de Sá escreve:

“O negócio do chinês Pedro Hing Kee assentava ainda numa política de baixos preços que inviabilizava outros projectos de co-habitação, tentados por funcionários deslocados em Macau, como o sistema de república – onde não se vive mais barato, pois a única que existe, onde estão os sobrinhos do Carvalhais, o Praça e um empregado da Fazenda, vai dissolver-se vindo todos viver para o Hotel por em casa gastarem muito mais, comenta Camilo Pessanha em carta dirigida a seu pai. O Hing Kee com as suas atracções, como um cravo, que Pessanha pensa excedentário de algum convento, e tigres-bebés, comprados pelo patrão, permite ainda ao descendente do almirante genovês uma efémera trégua nas agruras que, desde o início, se lhe deparam em Macau. As moiras esbeltas, acompanhadas dos maridos com turbante, um pintor austríaco que todos os dias partia, de cavalete às costas, para a Gruta de Camões, as valsas dançadas ao som do velho cravo, tornaram-se as referências que com maior simpatia descreve dos seus primeiros tempos de Macau. (…)

“Camilo Pessanha chegou a queixar-se dos grupos de ingleses que, embriagados, se punham ‘às patadas’ no chão dos quartos não o deixando dormir. A barulheira acontecia aos sábados quando os ingleses vinham de Hong Kong e Cantão para o fantã mas ao poeta também era permitido desfrutar dos favores de uma ou outra pi pa chai [pêi-pá-t’chai ou cantadeira: mulher geralmente jovem e bonita que tocava um instrumento de cordas (pi-pa ou pei-pa) e cantava nas casas de chá e bares de Macau] no conchego do seu quarto. (…)

“Para os não frequentadores do Clube União, mais tarde (em 1902) Clube de Macau, ou do Grémio Militar, era ali, no hotel, o centro do cavaco e dos boatos, das intrigas palacianas e ‘chuchumequices’ dos bairros, na pasmaceira colonial do cabo do mundo. Havia comensais, um ou outro estrangeiro que arribava à aventura, os old China hands, título dado aos ingleses com pelo menos doze anos de experiência e actividade comercial na China, oficiais de marinha ou do exército solteiros quando não viviam em ‘repúblicas’, algum funcionário público metropolitano, ainda desgarrado e sem vida instalada. Os macaenses, em geral, preferiam as comodidades do serão e da cozinha em suas casas, e os boémios, os mistérios e os eflúvios do Bazar”.

Quando mais tarde, em 12 de Maio de 1894, João Pereira Vasco chega a Macau, também aí se instala. E continuando com Luís Andrade de Sá: “como chega a vir a público na imprensa de Macau – ‘o próprio padre Narciso, jogando uma noite no Hotel do Hing Kee (no Hotel do Hing Kee, notem!) não a manilha ou o solo mas a batota (até às três da madrugada, notem mais!) ganhou ao Sr. João Pereira Vasco umas setenta patacas!’. Com batota ou sem ela, era uma casa familiar a hospedaria do Hing Kee, embora nem sempre bem vista devido à sua frequência”.

No final do ano de 1895, Camilo Pessanha deixa o Hotel pois este vai entrar em obras de ampliação. Estas ocorrerão em 1896 e, devido à morosidade dos trabalhos, muitos dos hóspedes resolvem mudar-se. As descrições, feitas por Adolfo Loureiro em 1883 e Emílio de San Bruno nos primeiros anos do século XX, estão separadas por vinte anos e, nesse espaço temporal, o Hing Kee sofreu transformações, tanto internas como externas. Por isso, só ajustando todas essas imagens, incluindo as fotográficas, se consegue imaginar como era no período em que Camilo Pessanha ali esteve hospedado.

No Registo de propriedade número 1291, no Averbamentos n.º 1 de 24 de Julho de 1899 é referido:

“É de dois andares x(mais)x varanda corrida com vinte e quatro arcos de dois andares e dez janelas gradeadas de ferro nos gudões com duas portas juntas uma à outra, uma porta lateral um número, tudo na Praia Grande e uma porta traseira que dá para a Travessa Nova e confronta de norte com a villa xxx da casa número sessenta e sete xxx com a Tesouraria do edifício dos Correios xxx do mesmo 15 da Praia Grande, de Leste com a rua da Praia Grande e do oeste com a Travessa Nova. 24 de Julho de 1899. Mendes xxx.”

Por volta de 1900, encontra-se no Tourist Book de Hong Kong o seguinte anúncio:

“Macao Hing Kee’s Hotel – A perfectly new Building – 30 bedrooms – A confortable family Hotel – Five Minutes from the Wharves steamer – Every thing of the Best – Charges very moderate.”

Como é normal em Macau, Abril dá início à estação das chuvas, apresentando um céu permanentemente encoberto. No entanto, em 1894, quando Camilo Pessanha chega, encontra dias abrasadores e a cidade a sofrer de seca, consequência da falta de chuva, não havendo água nas fontes e na maior parte dos poços.

Segundo relata o jornal Echo Macaense, a água chega a vender-se a cinco avos por pinga (dois baldes ordinários). A monção, que no tempo da vela permitia navegar num mês de Malaca para a China, entre Abril e Agosto, nesse ano de 1894 tarda e a espera está difícil de aguentar. Só em meados de Maio aparece a chuva, acompanhada de trovoadas, o que leva “as fontes e poços a começarem a prover-se de água”.

28 Jul 2017

As respostas que tardam sobre a ETAR de Macau

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]ão é que não haja outros assuntos, menos desagradáveis e menos mal cheirosos, a merecerem atenção, mas, já agora, na sequência da intervenção que anteriormente fiz sobre este assunto, convém deixar algumas perguntas. Pode ser que os responsáveis do Executivo, a Direcção dos Serviços de Protecção Ambiental (DSPA) ou, quem sabe, talvez o Comissariado contra a Corrupção (CCAC) – no cumprimento da sua missão de combater “firme e persistentemente a corrupção e a fraude“, fiscalizando os actos administrativos, bem como “a legalidade e a razoabilidade dos procedimentos administrativos, assegurando o estrito cumprimento da lei na actuação administrativa e salvaguardando efectivamente os direitos e interesses legítimos dos cidadãos” –, queiram interessar-se pelo assunto e se predisponham a encontrar respostas às questões que aqui coloco.

Anteontem, a TDM deu conta da conclusão dos trabalhos de substituição de uma conduta (ou seriam várias?) da ETAR de Macau, o que fez com que “as águas residuais fossem descarregadas sem tratamento” durante 24 horas.

Olhando um pouco para trás, verifica-se que em 20 de Abril de 2016 foi publicado, no Boletim Oficial n.º 16, pela DSPA, o anúncio público para o concurso de prestação de serviços de “Operação e Manutenção da Estação de Tratamento de Águas Residuais da Península de Macau”. O prazo para o contrato relativo a essa prestação de serviços seria de dois anos, isto é, entre 1/10/2016 e 30/09/2018.

Quer isto dizer, conclusão minha, que a substituição da conduta que agora teve lugar, e que obrigou à realização de descargas de muitos metros cúbicos (m3) de águas residuais sem qualquer tratamento, devia estar incluída nessa prestação de serviços. E chego a esta conclusão simplesmente lendo o programa do concurso, onde se podia descortinar o seguinte (sublinhados do signatário):

1. Executar a O & M [Operação e Manutenção, em português] da ETAR da Península de Macau (incluindo a estação elevatória de efluentes líquidos da ETAR da Península de Macau) e de todas as suas instalações, equipamentos, peças de reserva e ferramentas, etc.;

  1. Realizar as obras de reparação adequada dos edifícios e das instalações edificadas da ETAR da Península de Macau, incluindo mas não se limitando a: bocas de descarga dos tanques, plataformas de trabalho, escadas, escadas laterais, portas e janelas, vedação da ETAR, etc.;
  2. Tratar as águas residuais brutas que entram na ETAR da Península de Macau; o volume de águas residuais que se submetam a processo de tratamento biológico (tratamento secundário) não pode ser inferior a 70 mil m3 por dia;
  3. Descarregar o efluente tratado para os locais identificados pela entidade fiscalizadora. Além disso, na condição de que a qualidade dos afluentes atinja os requisitos projectados, o efluente resultante do tratamento biológico (tratamento secundário) deve estar em conformidade com os requisitos de descarga do efluente da ETAR da Península de Macau (vide IV. Ficha Técnica do Processo do Concurso);
  4. Tratar os odores e gases gerados durante a operação da ETAR da Península de Macau (incluindo a estação elevatória dos efluentes líquidos da ETAR da Península de Macau); depois do tratamento a emissão de odores e gases não deve causar qualquer incómodo no meio ambiente vizinho e deve cumprir os requisitos de emissão dos poluentes atmosféricos no âmbito da ETAR da Península de Macau (vide IV. Ficha Técnica do Processo do Concurso);
  5. Realizar o empacotamento dos sólidos, óleos e gorduras, e areais obtidos nas diferentes fases do procedimento do tratamento da ETAR da Península de Macau e transportá-los para os locais identificados pela entidade fiscalizadora;
  6. Transportar as lamas desidratadas produzidas na ETAR da Península de Macau para a CIRS de Macau ou para os locais identificados pela entidade fiscalizadora (deve ser pago à entidade adjudicante 400 patacas por cada tonelada de lamas transportadas para a CIRS de Macau (…)…), o teor de sólidos das lamas deve estar em conformidade com os requisitos de qualidade (…)“.

Quanto a esta parte, tirando os “etc.”, que num programa de um concurso público devem dar imenso jeito, convém ainda tomar nota de que em relação a um pedido de esclarecimento apresentado nesse concurso por um concorrente, foi referido o seguinte:

De acordo com os dados relativos às águas residuais apresentados entre 2011 e 2015, o volume de águas residuais submetidas ao processo de tratamento biológico (tratamento secundário) foi de 70 mil m3 por dia, pelo que o efluente pode atingir o padrão. No entanto, conforme os dados de águas residuais apresentados pela operadora em 2015 [quem são eles?] foi detectada uma redução do volume de águas tratadas no segundo semestre [é lá, “uma redução de volume“, o que é isto?; de quanto foi essa redução de volume?] e foram ponderados os princípios da imparcialidade e da boa fé assim como a fiscalização de cumprimento de obrigações contratuais pela empresa adjudicatária, pelo que, na condição de que o volume de águas residuais submetidas ao processo de tratamento biológico (tratamento secundário) seja de 70 mil m3 por dia e o efluente resultante desse tratamento não atinja o padrão, a entidade fiscalizadora terá uma comunicação estreita com a empresa adjudicatária antes de aplicar as respectivas sanções. Estas sanções só serão aplicáveis, caso seja verificado que a falta de padrão do efluente seja causada pela empresa adjudicatária, sem razão justificada.”

Agora vamos às dúvidas:

  1. Quais foram os trabalhos de renovação e substituição que, em concreto, foram indicados pela entidade adjudicatária para serem executados durante a prestação de serviços? A substituição da conduta ou tubagens danificadas estava ou não contemplada na prestação de serviços deste concurso? Deviam ou não ter sido programadas pelos concorrentes desse concurso? Eram necessárias? Se eram, ficaram previstas e foram contempladas? E eram nessa altura também urgentes?
  2. O que se fez desde o início desta prestação de serviços para se evitar a situação de ruptura a que se chegou? Porque não foi construída ao lado da estrutura danificada uma outra nova que a substituísse, e para onde fossem depois desviadas as águas, até a velha ser desactivada, de maneira a evitarem-se as descargas sem qualquer tratamento durante o tempo de reparação?
  3. Qual a razão para que no programa do concurso se diga que o tratamento não pode ser inferior a 70 mil m3/dia quando aquilo que nos foi vendido pelos outros senhores, no tempo daquele general de cujo nome só os por ele condecorados ainda se devem recordar, se é que se recordam, foi a de que estaríamos perante uma estação de tratamento projectada segundo as normas europeias para tratar 144.000 m3/dia?
  4. No prefácio do programa de concurso de 2016 refere-se que a ETAR de Macau recebe diariamente 180.000 m3 de águas residuais. É mesmo? Se só se tratam adequadamente 70 mil m3/dia (tratamento biológico), o que acontece aos restantes 110.000 m3? Alguém garante algum tratamento a estes 110.000 m3? Quem fiscaliza? Como?
  5. Durante quantos dias, se é que houve algum, é que quem ganhou esse concurso cumpriu com as especificações contratuais desde 1/10/2016, nos termos que foram exigidos aos concorrentes, isto é, quanto aos 70 mil dos 180 mil que lá chegaram diariamente?
  6. Qual a quantidade de m3 que efectivamente recebe o tratamento devido? Qual a quantidade que só é “passada por água”? Qual a que é descarregada sem receber qualquer tratamento? Quem deve responder pelos milhares de m3 que são despejados anualmente sem tratamento biológico adequado?
  7. Estas obras foram, ou são para ser, pagas por quem? Estavam orçamentadas?
  8. Ficou tudo resolvido? O que se vai fazer para se evitar que se repita?

Do que se viu e ouviu na reportagem da TDM, até pelas declarações daquele cidadão que diariamente vai fazer exercício físico na marginal, os cheiros e odores continuam, não havendo melhorias.

O actual Secretário para as Obras Públicas não tem que responder pelo que os antecessores fizeram, ou deixaram de fazer, penso eu, mas neste momento seria interessante saber para que serve a monitorização da DSPA, se depois não se tiver conhecimento dos resultados das análises que são feitas e não nos for dado um termo de comparação.

Quando eu faço análises ao sangue sei quais o valores que apresento e posso comparar com os valores normais que me são apresentados ao lado, na folha dos resultados, para saber se estou bem ou mal. É isso que também pergunto ao meu médico. Poder conhecer os resultados das análises, saber quais os valores-padrão adequados e depois poder comparar as análises de Macau com esses valores-padrão e com as que são feitas em ETARs idênticas na República Popular da China, era o mínimo exigível, sendo depois esses dados comparativos trazidos ao conhecimento público e levados ao conhecimento do governo central, para que este soubesse, com dados concretos, da qualidade de vida e do que é imposto à população da RAEM, em especial a que vive naquela zona da Areia Preta, com a gestão que tem sido feita da coisa pública pelos seus capatazes locais, um dos quais já a cumprir pena.

Dizem-me que quem construiu e andou ao longo de todos estes anos a fiscalizar o que se fez, antes e depois de 1999, continua por aí. Não me admira. Penso, no entanto, que a RAEM devia ter uma atitude mais exigente. A esses não deve nada.

E os cidadãos, os jornalistas, os deputados, todos deviam fazer mais perguntas para poderem cumprir com decência o seu papel. Porque com a saúde e os bens públicos não se brinca.

 

P.S. Espero que, a este propósito, o tratamento que tem sido dado à legionella – bactéria que aparece onde há falta de limpeza e de adequada manutenção – seja efectivo, e que o problema surgido há tempos num hotel/casino esteja totalmente debelado e a ser seguido. A pressão das autoridades sobre o proprietário do hotel/casino onde aquela foi encontrada deverá ser implacável, de maneira a que os cidadãos voltem a frequentar esse local com confiança e toda a segurança. Seria muito desagradável que o problema ainda não estivesse resolvido. Um surto de legionella não colocaria em causa apenas as instalações onde surgisse, mas toda a indústria do jogo pelas repercussões negativas que traria à RAEM, ao turismo e ao espírito de todos aqueles que estariam predispostos a visitar-nos. E, já agora, que tal as autoridades exigirem que as piscinas dos hotéis tenham chuveiros, em quantidade suficiente e localização estratégica, de maneira a que os seus utentes passem por lá antes de se atirarem para dentro de água com os corpos  transpirados?

28 Jul 2017

A partida

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] primeira perda que tive foi a morte. Tinha oito anos e a morte foi-me comunicada tal como ela é, sem paninhos quentes. Ainda não se pensava muito na psicologia das coisas e ainda bem, porque há assuntos em que os rodeios não cabem. A morte é a morte, eu não percebia o que não tinha de perceber, entendi mais tarde, uma semana ou duas talvez, quando compreendi que morrer era perder para sempre. A minha primeira perda foi também um chocolate com passas e frutos secos, de tamanho gigante, nas minhas mãos de tamanho mínimo, uma espécie de pedido de desculpas antecipado pelos olhos que, à minha volta, se acinzentaram.

Com o tempo, a perda ganhou outros contornos, depois do significado inicial. A dada altura, num exercício filosófico de adolescente amante de poesia, atrevi-me a pensar que a perda era mais do que a morte e não precisava necessariamente de ser provocada por ela. A escala da perda variava conforme a fragilidade do momento. Repensei a tese uns anos depois, quando a perda caiu que nem uma pedra, toda ela definitiva, independentemente da força que achava ter para sobreviver ao que desapareceu. Sem chocolate com passas e frutos secos.

Mas imaginemos que há um índice de perdas. A relativização é algo que nos dá jeito, sempre. Macau é uma terra em que se perde mais do que se ganha, apesar de se ganhar muito, de forma profundamente desequilibrada. Há perdas várias, a todos os momentos, sem termos de recorrer aos lugares-comuns dos casinos onde se perdem fortunas e azares, amantes e outras substâncias inebriantes. Há perdas bem mais difíceis, porque são mais importantes e decisivas, apesar de não serem imediatamente fatais.

Perder a oportunidade de crescer bem é quase tão mau quanto não se ser. Não se querer ver é quase tão mau quanto só ter a escuridão como hipótese. Não se saber pensar é o pior. O problema é, mais uma vez, da literatura, da falta de literatura, e da iliteracia, a das letras e a do resto, de não se saber ler o que vai nos rostos, nas mãos, nos gestos cansados. Perde-se a possibilidade de ser mais nesta letargia húmida que tudo invade.

Perdem-se pessoas. A cidade é demasiado pequena para as pessoas que se perdem no entra e sai das fronteiras, nas despedidas junto aos barcos, imagem romântica sem qualquer romantismo que resista ao cheiro do combustível queimado, da água estagnada, da respiração dos passageiros apressados. Perdem-se pessoas por via do mundo ser grande, ter tanto para descobrir, mas também por via do cansaço, da desistência, de quem quis mais para isto para descobrir que isto não é para mais, é só para isto.

Macau é uma terra de dispensáveis, de vai um chega outro, não há vizinhança que sobreviva para contar a história da porta fechada. Ninguém reparou, sequer, que a porta se fechou.

Com as pessoas vão as memórias. A cidade é demasiado estreita para que não sejam conservadas. Ficam as pedras que sobram e os rostos pintados, muitos deles desconhecidos, de quem foi copiosamente chorado para ser esquecido logo a seguir, quase logo a seguir.

Não nos ensinam a partir, ficando.

28 Jul 2017

Perfil | Nelson Moura, jornalista

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]asceu no coração do Porto, na Sé, e desde pequeno que se interessa pelas notícias do mundo. “Todos os fins-de-semana ia com os meus pais à praia e, enquanto eles liam o jornal, eu lia as minhas bandas desenhadas”, recorda. Mas não ficava por aí. “Quando acabava as bandas desenhadas, os meus pais já tinham acabado os jornais e era altura de eu lhes pegar”, conta. A razão tem que ver com o facto de sempre ter gostado de ler, mesmo que não entendesse bem o que lia.

A formação numa área ligada à comunicação social era evidente. “Estudei Ciências da Comunicação na Universidade Católica de Braga. Acabei em 2011 e depois fiz um estágio profissional de seis meses na secção do Porto da revista Visão.” No entanto, o mercado de trabalho em Portugal não era o melhor e, de modo a abrir horizontes e procurar mais possibilidades, Nelson Moura foi fazer um curso de jornalismo internacional na London School of Journalism.

Não contente, prosseguiu com um mestrado na mesma área, em Cardiff, que foi fundamental na sua formação, diz. “Aprendi mais num ano neste mestrado do que nos três em Portugal”, aponta. A razão é simples: “Foi um curso muito prático com um leque de alunos muito internacional”.

Para Nelson Moura, as falhas que teve em Portugal deveram-se a circunstâncias específicas, até porque era um curso que ainda estava a ser consolidado naquela universidade. Por outro lado, os primeiros dois anos foram, na opinião do jornalista, muito teóricos. “Como escrever e como entrevistar, por exemplo, não eram áreas muito exploradas no ensino”, compara, sendo que em Inglaterra era enviado para a rua e tinha de se “desenrascar”.

A caminho do Oriente

O Oriente apareceu primeiro com Taiwan. Nos últimos meses de mestrado em Cardiff e com os colegas asiáticos teve conhecimento de um projecto do Ministério do Turismo de Taiwan. A ideia era escrever uma peça acerca da cultura daquela região. “Era um projecto de divulgação turística e tinha direito a uma bolsa. Fiz uma candidatura para escrever acerca dos aborígenes de Taiwan, um conjunto de tribos descendentes dos maori da Polinésia, que chegaram ali e se estabeleceram”, conta.

Foi uma altura muito rica culturalmente. “Viajei pelo país e fiz entrevistas a várias tribos que ainda existem. São pessoas que ainda têm uma grande proximidade com a terra e com o ambiente à sua volta. São atléticos. Diz-se mesmo por lá que os aborígenes podem ser comparados, se falarmos no Ocidente, aos descendentes africanos, que são os melhores em música e no desporto”, refere o jornalista.

Depois de terminado este projecto e porque gostou de viver em Taiwan, decidiu aprender a língua. Inscreveu-se na universidade em Taipé onde, durante um ano, esteve a aprender mandarim. No entanto, como a maior parte dos alunos eram estrangeiros, a comunicação acabava por ser toda em inglês.

“Por outro lado, as pessoas acabam por ter a tendência para se isolarem, com outros estrangeiros”, explica Nelson Moura. Por isso, e de modo a embrenhar-se na língua, mudou de estratégia e foi aprender mandarim para uma escola profissional que ensinava a língua a trabalhadores estrangeiros. “Eram só vietnamitas e japoneses que não sabiam falar inglês”, conta. Foi ali que acabou por aprender “muito mais chinês do que na universidade”. Foram dois anos para assimilar a cultura, a língua, o país. “É um país muito acolhedor”, recorda.

Macau, um lugar difícil

Depois dos estudos e de ter trabalhado como professor de Inglês, jornalista freelancer que “escrevia artigos de vária ordem” e sem conseguir visto de trabalho, decidiu mandar o portfólio para os vários jornais de Macau. “Acabei por ser chamado para onde estou agora, o que até calhou bem.” “O meu português está, há muito, bastante enferrujado na escrita, por isso ainda bem que estou a trabalhar em inglês, onde me sinto mais à vontade”, explica.

Está em Macau há cerca de um ano e a adaptação não foi fácil. “Macau é o oposto de Taiwan”, diz. “O território é muito fechado, com muito trânsito e não há para onde fugir. Em Taiwan, a meia hora da cidade, de comboio, conseguimos estar na praia ou na montanha, conseguimos estar no meio da natureza e aqui é impossível”, diz. “Macau é como uma panela de pressão”, metaforiza, tendo em conta os limites e a humidade.

As coisas foram, com o tempo, melhorando. Agora já sabe onde ir para relaxar e evitar as multidões. “Dantes gostava muito de ir ao templo que fica por detrás do Jardim de Camões. Era um lugar mágico. À noite está cheio de gatos e incenso, e era um dos poucos sítios em que me sentia bastante relaxado. Agora vivo mais perto de Coloane e o meu sítio de eleição é a praia de Cheoc Van porque atrai muito menos gente do que Hác-Sá”, remata o jornalista do Porto.

28 Jul 2017

Al-Qaeda anuncia criação de grupo na Caxemira indiana

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] grupo radical Al-Qaeda anunciou a criação de um novo grupo ‘jihadista’ na Caxemira indiana, utilizando a imagem de um jovem separatista cuja morte em 2016 motivou protestos nesta região disputada entre a Índia e o Paquistão.

“Um novo movimento da ‘jihad’ foi fundado pelos camaradas do mártir Burhan Wani, sob a liderança do combatente Zakir Musa”, anunciou o gabinete de imprensa da Al-Qaeda para o subcontinente indiano, AQIS, num comunicado no seu canal na rede social Telegram.

Wani, um conhecido comandante da formação separatista de Caxemira Hizbul Mujahidden, morreu há um ano numa operação de tropas indianas, o que desencadeou uma onda de protestos violentos, que se saldaram em mais de 100 mortos e milhares de feridos.

“Após o martírio do heróico combatente Burhan Wani, a ‘jihad’ em Caxemira entrou numa etapa de despertar (…) para expulsar as agressões dos tiranos invasores indianos e, através da ‘jihad’, libertaremos a nossa pátria Caxemira”, explica o grupo terrorista, na nota.

O novo grupo foi baptizado como Ansar Ghazwat-ul-hind e será liderado por Musa.

Cenário de guerra

Caxemira é cenário habitual de ataques de rebeldes contra as tropas indianas e, neste ano, cerca de cem insurgentes e 40 elementos das forças de segurança morreram em confrontos, operações e ações terroristas.

A Índia acusa o Paquistão de apoiar terroristas que atacam em território indiano com o objetivo de impulsionar o movimento independentista em Caxemira.

Situada aos pés dos Himalaias, Caxemira é a única região indiana com maioria muçulmana e o Paquistão reclama a sua soberania desde a divisão do subcontinente e independência do império britânico em 1947.

As duas nações já se envolveram em várias guerras e conflitos menores no território, separado por uma fronteira provisória que divide Caxemira em dois e que é uma das zonas mais militarizadas do mundo.

28 Jul 2017

Entrevista | Isabel Pires de Lima, académica e ex-ministra da Cultura de Portugal

Os livros apareceram porque não havia outra hipótese e as escolhas académicas foram consequência de um percurso natural. A política chega porque sempre gostou de dar resposta ao que lhe pedem. Isabel Pires de Lima é uma mulher do Norte, uma investigadora sem papas na língua que explica por que razão é difícil mexer na cultura em Portugal

[dropcap style≠’circle’]C[/dropcap]omo é que apareceu o interesse pela literatura?
Com o quadro familiar. Foi-me induzido o gosto pela leitura em casa. A minha mãe era professora primária e evidentemente que lia. O meu pai tinha estudado em Coimbra, convivido com a geração dos neo-realistas e ainda com o resto dos presencistas, e tinha muito as referências literárias daquela geração. Desde cedo, comecei a ler porque tinha livros em casa. A prática de contar histórias também encheu a minha infância e, na adolescência, tive a sorte de não me ter alheado da leitura. Conquistamos facilmente as crianças para a leitura – o problema vem depois. Perdemos os leitores na adolescência. Se a passam, está ultrapassada a prova. Naquela altura também não havia a cultura impositiva da imagem, nem a oferta cultural que há hoje. Nasci em Braga, fiz lá o meu ensino secundário e fazia férias numa aldeia no norte da ilha da Madeira, de onde a minha mãe é originária. Havia muito que fazer, mas era entre primos. Na verdade, era um período em que lia muitos clássicos porque era o que havia. Fartei-me de ler Camilo. À medida que fui avançando nos estudos, fui-me interessando mais pela literatura, apesar de ser melhor aluna na área das ciências. Tinha um certo gosto pelo francês, apesar de não apreciar muito línguas. Tive hesitações, no secundário estive inscrita em Economia e gostava de Geografia. Acabei por me formar em Literaturas Modernas que, na altura, se chamava Filologia, na área de Português e Francês. Estive muito ligada à cultura francesa e até comecei a minha carreira universitária a ensinar literatura francesa. Só quando enveredei para a preparação do doutoramento é que me fixei na literatura portuguesa e hoje trabalho mais em literaturas de língua portuguesa e nas relações da literatura com outras artes, nomeadamente com as artes visuais.

 Como é feita essa relação?
Voltamos à questão do gosto pessoal. Hoje, quando penso nas minhas opções, percebo que o que andava à procura era de Sociologia que, na época, nem existia na universidade portuguesa. Mas aquilo de que gostava verdadeiramente na vida era ter sido artista visual, artista plástica. Não sou nada dotada, não desenho bem, mas é uma área que me interessa muito. Para este gosto foi fundamental o meu contexto familiar. Os meus pais viajavam bastante, eu também comecei a viajar sozinha muito cedo e ia a museus e galarias de arte. Fui-me formando bastante nesse campo. Por outro lado, como já disse, comecei por ensinar literatura francesa e um dos pratos fortes do meu programa foi o surrealismo francês. Estudar o surrealismo na literatura implica o trabalho no campo das artes visuais. Não faz sentido falar em literatura surrealista sem falar em artes plásticas. O surrealismo é de facto um campo em que o cruzamento interartístico semiótico é muito importante. Já tinha gosto e aprofundei-o muito. Nos últimos 15 a 20 anos tenho estado ligada a um instituto de investigação, o Instituto de Literatura Comparada Margarida Losa. Também integro o Conselho de Administração da Fundação de Serralves. Estou mergulhada nas artes.

 O seu doutoramento foi em literatura portuguesa do século XIX.
Sim, trabalhei sobre Eça de Queirós numa perspectiva sociológica. Hoje tenho noção de que andava à procura de uma área nas ciências sociais. Quando comecei a preparar o doutoramento, acabei por me fixar felizmente na literatura portuguesa. Acabei por lá ir parar também por necessidades da própria universidade. Escolhi um escritor realista e adoptei uma metodologia teórica associada à sociologia da produção literária. Não fui para a sociologia da recepção. Fixei-me no Eça, que não era evidente para mim até porque, um pouco ingenuamente, pensava que o essencial sobre o Eça estava feito. Mas na Universidade não havia muito trabalho com perspectivas contemporâneas sobre o Eça e “Os Maias” em concreto, pelo que foi uma espécie de pânico quando me foi dada esta obra.

Assustou-a porquê?
Porque achava que era uma obra-prima intocável e pensei que já estivesse muitíssimo explorada. Hoje estas questões não se colocam aos jovens investigadores. Há centenas de jovens a fazer doutoramentos. Na época era uma coisa raríssima e havia a ideia de que existiam campos em que era preciso explorar áreas que nunca tivessem sido exploradas. O que não é verdade. Fui empurrada para “Os Maias” e ainda bem, mas aconteceu-me aquilo que acontece a quem trabalha com clássicos: nunca mais se vê livre deles.

“Os Maias” é uma obra que faz parte do currículo do ensino secundário. Os jovens desta idade estão preparados para entender este tipo de clássicos?
Os Maias são a obra-prima do Eça. Talvez não seja o romance mais fácil para uma iniciação ao contacto com o autor. Talvez fosse mais fácil “O Primo Basílio”. Muitos estudantes são iniciados no Eça através de contos ainda antes de “Os Maias”. Talvez não seja o romance mais fácil, por ser um romance muito longo e nós hoje temos poucos leitores de longo fôlego – e não apenas na adolescência, temos mesmo poucos leitores.

O que é que se está a passar com o hábito de ler?
A literatura perdeu poder simbólico e perdeu muita capacidade de atractividade para preencher os espaços de lazer. As solicitações hoje são imensas e de variadíssimo tipo. Há uns anos tínhamos muito mais tempo. Não havia televisão ou internet. Não existiam as solicitações visuais e de imagem que há hoje. É difícil escapar ao império da imagem. A leitura é muito exigente: exige um espaço de solidão, de prática individual, um espaço de um certo silêncio, tudo aquilo que nós não temos, nem em casa. Se calhar, hoje em dia, os jovens até têm mais estas situações na escola do que propriamente em casa. Por isso temos perdido muitos leitores. Por outro lado, por que lêem mais as mulheres? As mulheres ainda estão tendencialmente mais reduzidas ao espaço doméstico. Estão muito mais em casa, têm mais espaços de solidão, há mais mulheres sozinhas do que homens sozinhos e tudo isto converge para levar este género a ler. Outro aspecto actual é que há mais mulheres com formação superior do que homens. Depois, por razões culturais, são mais induzidas a uma espécie de formação individual, de atenção ao mundo íntimo que pode ser feita através da literatura. Os homens ainda são mais educados no sentido do êxito fora de casa.

 Da literatura à política.
A política foi um acaso, como muitas outras coisas na minha vida. Tenho tido na vida a seguinte atitude: sou muito empenhada no meu trabalho onde quer que esteja, mas não sou muito ambiciosa. Não sendo ambiciosa, tenho uma atitude perante a vida de uma certa curiosidade intelectual, e raramente me furto às propostas e desafios que me fazem. Não tenho medo da mudança e é até uma coisa estimulante. A política veio ter comigo. Não estou inscrita em nenhum partido político mas, desde muito cedo, respondi sempre às solicitações da comunidade da cidade onde vivo, o Porto. Ia a diversas acções e palestras quando me era pedido. Atenção que fiz isto numa altura em que a própria universidade não via isso com muito bons olhos, já nos anos 1970 e mesmo 1980, porque era considerado uma dispersão àquela coisa que era o trabalho académico puro e duro. Mas sempre estive muito articulada com a vida cultural da cidade. Quando me propuseram integrar uma lista de candidatos a deputados pelo Partido Socialista, devo dizer que foi uma grande surpresa. Não estava nada à espera. Acabei por ir para o Parlamento um bocadinho por curiosidade.

 Acabou por ser ministra da Cultura.
Foi também surpreendente o convite que me foi feito. Desta vez menos, porque já estava na Assembleia da República (AR) e sempre ligada, de alguma forma, à cultura e às questões da língua. Fui sondada pelo então primeiro-ministro José Sócrates, com quem não tinha uma relação de grande proximidade. Curiosamente, de vez em quando falávamos de poesia, porque era uma área de que ambos gostávamos. Quando saí do Governo, continuei na AR mais um ano e meio.

Enquanto ministra da Cultura, quais foram os maiores desafios que encontrou?
Diria que o mais difícil foi o pôr um pouco de ordem numa casa bastante desorganizada. A cultura tinha ganho um estatuto de Ministério há relativamente poucos anos. Foi criada uma estrutura bastante ampla dentro do Ministério com uma multiplicação de direcções gerais, por exemplo. Logo a seguir, antes de mim, há o primeiro quadro comunitário de apoio à cultura. De repente há dinheiro para injectar, o que fez com que houvesse uma espécie de pujança do próprio ministério com o ministro Carrilho. Quando cheguei já não estávamos no tempo das vacas gordas, as vacas já estavam a emagrecer bastante, o que fez com que tivesse de existir contenção de meios. É preciso ainda lembrar outra coisa: no primeiro Governo de José Sócrates, encontrámos um défice de 7,5 por cento e, em cerca de ano e meio, reduzimos para três por cento. Isto obrigou a muita contenção orçamental. Foi preciso fundir organismos e isso gera sempre grandes tensões internas dentro do Ministério. São acções que levam sempre a perdas de pequenos e grandes poderes. Esta foi uma das dificuldades. Outra dificuldade foi a aposta que, claramente, fiz em políticas de descentralização. A cultura em Portugal era, de facto, muito em Lisboa. Apostar em políticas que prestassem atenção ao resto do território também gera algum incómodo. Ainda por cima, eu era uma ministra vinda do Porto e mulher, e não membro do Partido Socialista. Estas três coisas juntas dificultaram um bocadinho a minha vida. Fiz esta opção de descentralização também porque, entretanto, com os tais dinheiros comunitários que tinham chegado, tinha havido a construção de equipamentos descentrados. Alguns deles estavam fisicamente de pé, mas não acontecia nada lá dentro. Outra das dificuldades foi lidar com – e vou usar palavras que nunca usei enquanto estava no Ministério – uma certa mentalidade subsídio-dependente. Mas, atenção, acho que há razões para que exista esta subsidiodependência. Hoje já há um público mais alargado, mas naquela época não havia públicos. Muitas vezes dizia uma coisa que chocava um bocadinho quem me ouvia, nomeadamente no âmbito de acções do Partido Socialista: não é só a cultura que depende de subsídios em Portugal. A maior parte dos empresários também o é. Ninguém se escandaliza quando se atribui um subsídio a uma fábrica de salsichas, mas se for para a cultura é um problema. A razão é que na fábrica as pessoas vêem um retorno para a economia e, na cultura, o retorno é muito lento. Hoje já é bastante visível, mas é muito difícil fazer perceber isto.

O que é que se pode fazer?
É preciso fazer perceber às pessoas que o investimento na cultura é barato. Num Orçamento de Estado, são tostões. Todavia, a filosofia orçamental continua a ser do corte na cultura. Por mais que se tente explicar isso num Conselho de Ministros, designadamente a um primeiro-ministro, é sempre muito difícil passar a mensagem. Por exemplo, tentar acentuar que o pouco que se investe em cultura potencia enormemente o muito que se investe em educação. Esta relação é dificílima de se fazer entender e é uma coisa óbvia. Importa também dizer que não é só difícil em Portugal. Há excepções. O Reino Unido é uma delas, mas também tem uma organização muito diferente. Por outro lado, não é fácil lidar com os agentes culturais. Estou a incluir os criativos e os agentes no terreno. São pessoas muito individualistas e é muito difícil definir quem é o interlocutor. Enquanto o ministro da Educação sabe que o seu interlocutor é o sindicato, o ministro da Cultura recebe o grupo A que não se dá bem com o grupo B e o B fica chateado porque recebemos o A. Depois são também grupos inorgânicos. Isto tudo acrescido do facto de que estes agentes têm uma fácil cobertura da comunicação social. Costumo dizer a brincar, mas é a sério, que o artista e o agente cultural têm sempre um amigo na comunicação social, o que faz com que, de repente, uma coisa pequena ganhe uma dimensão extraordinária.

Há solução para esse problema no que respeita aos criativos e agentes?
Não é fácil. Tentámos alterar as regras dos concursos para apoios a projectos em várias áreas. Para que isso acontecesse fomos falar com todos os grupos do país, o que levou uns meses, de modo a poder fazer o levantamento. Era extraordinária a diferença de realidades e de reivindicações, e inclusivamente de comportamentos. Muitas vezes, os grupos reagem muito mal a qualquer tentativa que o Estado faça de controlo do seu investimento. Mas essa é uma obrigação de quem gere dinheiro público. Quando falávamos de controlo de bilheteira, era logo um nervoso geral. Depois, há sempre aquele fosso entre os grupos que são dependentes de subsídios e aqueles que praticam uma arte que é mais comercial e que não dependem desses dinheiros. No entanto, também têm outras reivindicações e tudo isto gera muita tensão. Por outro lado, é preciso entender que há áreas em que o Estado tem forçosamente de intervir e que vão ser sempre dependentes, a não ser que tivéssemos uma mentalidade e uma dinâmica empresarial que não temos. Por exemplo, dentro do património, não há empresas em Portugal a sustentarem os arquivos, como mecenato, por exemplo. Mas os arquivos têm de existir e têm uma manutenção elevadíssima. São áreas onde não é possível não pensar em investimento do Estado e ainda há muito por fazer. Há muita coisa feita, o tecido cultural português mudou muitíssimo desde o 25 de Abril para cá. Uma das áreas em que acho que tivemos muito sucesso foi no campo da educação e da saúde, e mesmo da segurança social e, claro, da cultura, onde tivemos muitos sucessos, pese embora a percepção colectiva não seja essa. A cultura tem a seu favor e contra si o facto de ser muito transversal. Hoje há a percepção de que estas transversalidades atingem todos os campos e todas as áreas. Não imagina quanto me sentia pregador no deserto ao falar em turismo cultural. Isto não foi assim há tanto tempo. Hoje penso que é realmente chato ter razão antes do tempo. Mas era muito claro, para quem se move neste universo da cultura, que Portugal tinha potencialidades a desenvolver ao nível do turismo cultural, muito mais do que ao nível do sol e da praia. Já na altura defendia que o Ministério da Cultura deveria ser da Cultura e Turismo, como já o é em alguns países. Claro que também tenho a percepção de que este boom do turismo cultural teve circunstâncias facilitadoras, como a perda do turismo no Magreb. Mas também é verdade que hoje o turismo de longo curso é mais facilitado. Mas, na Europa, era claro que Portugal tinha muito potencial.

27 Jul 2017

Proibição | Pró-democratas contra novo Regimento da Assembleia Legislativa

Os deputados Au Kam San e Ng Kuok Cheong realizaram uma conferência de imprensa para mostrarem o seu desagrado face à alteração ao Regimento da Assembleia Legislativa. Uma das razões prende-se com a proibição do uso de cartazes pelos deputados

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] decisão da Comissão de Regimento e Mandatos da Assembleia Legislativa (AL) de não permitir que os tribunos usem cartazes no plenário continua a fazer correr tinta, ao ponto de motivar uma conferência de imprensa dos deputados pró-democratas Ng Kuok Cheong e Au Kam San. O último explicou que, por vezes, durante as sessões plenárias os deputados não conseguem expressar completamente as suas ideias devido às restrições colocadas pelas regras internas da AL. É aí que os cartazes têm a sua utilidade, permitindo uma intervenção suave que não perturbe a ordem de trabalhos do órgão legislativo.   

Ainda dentro deste assunto, a dupla de pró-democratas não está satisfeita com o facto de esta medida apenas incidir sobre a conduta dos deputados, uma medida que consideram reduzir as próprias funções e capacidades da AL.

Na passada semana, o presidente da Comissão de Regimento e Mandatos, Vong Hin Fai, afastou a hipótese desta interdição restringir os direitos dos membros da AL.

De acordo com Au Kam San, a proibição de cartazes com mensagens políticas nos plenários foi uma ideia que surgiu de Chan Iek Lap, deputado eleito por via indirecta. A intenção será proteger a solenidade e dignidade da AL. Au Kam San, que também faz parte da Comissão de Regimento e Mandatos, não assinou a proposta de resolução que estatui a restrição.

O deputado pró-democrata argumentou ainda que em todos os congressos, assembleias e parlamentos em países democráticos não existe esta proibição.

Tempo escasso

A Comissão de Regimento e Mandatos mereceu a crítica dos deputados pró-democratas por causa de alterações que não constam da proposta de resolução. Os deputados são do entendimento de que os plenários não deveriam terminar às 20h, horário em que os trabalhos são suspensos. De igual modo, gostariam que as reuniões das comissões permanentes e de acompanhamento fossem abertas ao público, ideia que, de resto, tem sido subscrita recentemente por vários deputados.

Atendendo a todas estas reticências, Ng Kuok Cheong e Au Kam San vincaram que vão votar contra a proposta de resolução que visa alteração ao Regimento da AL, um dos pontos da ordem do dia do plenário desta tarde.

Apesar de não ter realizado um inquérito a outros tribunos, Au Kam San acredita que a maioria dos deputados eleitos por via directa irá votar contra as alterações ao funcionamento do plenário.

Durante a conferência de imprensa de ontem, Au Kam San disse ter recebido uma mensagem a pedir-lhe que participe numa reunião da Comissão de Regimento e Mandatos hoje de manhã, antes do plenário marcado para a tarde. O deputado confessou que não tem conhecimento do objectivo deste compromisso, uma vez que os detalhes das alterações foram discutidos nas reuniões passadas da comissão.

Grande Baía | Macau e Zhuhai antecipam ideia com Hengqin

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] parceria estratégica entre Macau e Zhuhai na Área Piloto do Comércio Livre de Hengqin será aprofundada, de forma a potenciar o fluxo de pessoas e mercadorias entre as duas regiões. Esta foi uma das decisões tomadas na reunião entre as autoridades da RAEM e os representantes de Zhuhai, nomeadamente o governador do município, Li Zezhong. Lionel Leong explicou que a experiência da Ilha da Montanha permite aprofundar a cooperação bilateral nas áreas industriais, emprego, protecção ambiental, educação, cultura e tecnologia. Ambos os representantes concordaram que esta cooperação potencia os benefícios que resultam da política “Uma Faixa, Uma Rota” e da Grande Baía Guangdong – Hong Kong – Macau. O secretário para a Economia e Finanças acrescentou que Macau continuará a potencializar as suas funções enquanto plataforma de serviços para a cooperação comercial entre a China e os países de língua portuguesa.

27 Jul 2017

Negócios | Lusófonos na Exposição de Franquia de Macau

[dropcap style≠’circle’]B[/dropcap]rasil, Moçambique e Portugal vão estar presentes na nona edição da Exposição de Franquia de Macau (MFE), que decorre entre hoje e domingo. “É sinal do crescente interesse dos países lusófonos em Macau, que está a desenvolver o seu papel de plataforma na promoção e diversificação económica com os países de língua portuguesa, sublinhou Irene Lau, do Instituto de Promoção do Comércio e Investimento de Macau (IPIM).

Além da presença lusófona, há mais de 155 expositores da China Continental, Japão, Coreia do Sul, Malásia, Singapura, Reino Unido, Vietname, Taiwan e Hong Kong. A Finlândia participa pela primeira vez. Em mais de seis mil metros quadrados e sob o lema “Expansão contínua de marcas – Novas oportunidades de negócio à vista”, a Exposição de Franquia de Macau vai apresentar também fóruns, bolsas de contactos e seminários, além de um dia “Startup Launchpad” de partilha de experiências entre casos de êxito e interessados em criar ou desenvolver negócios.

Entre empresas de moda e vestuário, educação, lazer e de apoio ao desenvolvimento empresarial, consultoria e serviços financeiros, a restauração vai estar em destaque, nesta edição, com a “Avenida Gourmet”, que vai promover produtos alimentares de Macau na procura de novos mercados.

Ao mesmo tempo, e pelo segundo ano consecutivo, vai realizar-se a feira dos produtos da província de Guangdong e Macau (GMBPF), o que permite “aumentar a eficácia das bolsas de contactos e criar oportunidades para as empresas do interior da China, Macau e do exterior, disse a responsável do IPIM.

27 Jul 2017

CPU | Parque junto à Assembleia Legislativa não é consensual

O terreno junto ao edifício da Assembleia Legislativa vai ser parcialmente convertido num edifício para estacionamento. Não há uma posição unânime no Conselho de Planeamento Urbanístico

[dropcap style≠’circle’]M[/dropcap]acau pode vir a ter mais um parque de estacionamento. Essa é a ideia de aproveitamento do terreno adjacente à Assembleia Legislativa (AL). No entanto, nem todos os membros do Conselho de Planeamento Urbanístico (CPU) concordam.

“Os funcionários do tribunal não têm um local para estacionar. Com um parque tão grande, não me parece que seja nem justo, nem razoável não ser aberto aos moradores da zona e aos funcionários dos serviços”, apontou Chan Tak Seng.

Li Canfeng, presidente do CPU, justificou a planta em discussão na reunião plenária de ontem. “A AL não tem lugares de estacionamento suficientes”, disse. O responsável avançou ainda que “não há muitos moradores ali e, como os funcionários da AL vão começar a usar o novo parque, os lugares de estacionamento no exterior ficarão vagos”. Por outro lado, sublinhou que “é embaraçoso não haver lugares de estacionamento suficientes quando são organizados eventos políticos”.

Verde discreto

Outra das questões levantadas acerca do edifício de 18 metros de altura que está planeado para aquela zona tem que ver com o facto de alguns dos membros considerarem que o local deveria ser aproveitado enquanto espaço verde.

Apesar de considerar a aproveitamento do lote enquanto parque de estacionamento como “admissível”, até porque “em quase todas as zonas da cidade a falta de estacionamento é crescente”, o arquitecto Rui Leão não entende porque é que o estacionamento não é feito no subsolo, recordando que no local há uma praceta e um espaço de representação para o edifício da AL. O arquitecto salientou ainda que “a configuração profunda desta praceta permite uma vista para o lago, ou seja, tem uma função urbana clara”.

Para Rui Leão, uma construção com 18 metros, “que é basicamente a mesma altura do edifício da Assembleia, vai tirar enormemente a representatividade da fachada principal da AL e também do passeio marginal de quem vem do centro da cidade até àquela zona”.

Rua experimental

Outro assunto abordado ontem teve que ver com a Rua do Teatro, que está a funcionar como projecto-piloto na implementação de um planeamento uniformizado. A responsabilidade é do Instituto Cultural e da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSOOPT). O tema surgiu no contexto do debate da manutenção de duas fachadas naquela artéria.

A representante do IC, Leong Wai Man, justificou a manutenção das fachadas não pelo seu valor arquitectónico, mas pelo seu papel no contexto em que se inserem. A responsável explica que, já no ano passado, o secretário Raimundo do Rosário, ex-presidente do CPU, solicitou que fosse definida uma rua “não muito grande” de modo a que fosse possível fazer um planeamento uniformizado. De acordo com Leong Wai Man, a Rua do Teatro foi a eleita consensualmente para protagonizar o projecto.

“Tem edifícios novos e antigos e é uma rua marginal, estando perto do rio”, explicou Leong Wai Man, acrescentando que se trata de “uma rua com características diversas e, por isso, testemunha também a evolução da nossa cidade”.

Aterros com destino ambiental

A zona dos novos aterros junto do aeroporto pode vir a albergar um depósito de gás liquidificado. O projecto foi apresentado ontem na reunião plenária do Conselho de Planeamento Urbanístico (CPU) sem, no entanto, reunir consenso. “Nas zonas periféricas, que construções futuras vão ser desenvolvidas?”, questionou Chan Tak Seng. As Obras Públicas esclareceram que a área é especialmente dedicada a construções com carácter industrial, sendo o objectivo de todo o aterro a concretização de um espaço ligado a indústrias relacionadas com a protecção ambiental. “Esta zona é para desenvolver projectos ambientais. Teremos também terrenos para sucatas automóveis ou materiais residuais”, afirmou Li Canfeng. O presidente do organismo adiantou ainda que o Corpo de Bombeiros já foi ouvido sendo que “tem de existir uma distância de segurança com os edifícios à volta”. A zona destinada ao depósito de gás tem uma área de 7500 metros quadrados e irá ser concessionada. “Não estamos a falar de uma concessão de 25 anos para uso privado e a concessão vai seguir o que for estipulado no contrato”, assegurou.

 

 

27 Jul 2017

Ambiente | Obras na ETAR de Macau estão prontas

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] Estação de Tratamento de Águas Residuais (ETAR) de Macau voltou a entrar em funcionamento ontem à tarde, depois de as operações na estrutura terem sido suspensas para a substituição de um colector a jusante da estação.

O plano inicial apontava para três dias de obras, período durante o qual as águas residuais iriam ser despejadas no mar sem qualquer tipo de tratamento. Optou-se, porém, por fazer a intervenção durante a noite, para acelerar o tempo da reparação dos equipamentos danificados.

Num curto comunicado, a Direcção dos Serviços de Protecção Ambiental (DSPA) explica que a obra foi concluída com sucesso, acrescentando que, durante o período em que foram feitos os trabalhos, equipas de fiscalização estiveram a monitorizar a qualidade das águas costeiras e as variações do ambiente. A DSPA promete continuar a fiscalização e agradece aos cidadãos a compreensão em relação ao impacto que as obras trouxeram.

A intervenção na ETAR da península suscitou várias dúvidas, com o secretário para os Transportes e Obras Públicas a esclarecer, na semana passada, que o problema tinha de ser resolvido, apesar de a solução ser indesejável. Raimundo do Rosário garantiu que a obra iria ser feita o mais depressa possível, de modo a minimizar as consequências para o ambiente e para os residentes que vivem nas imediações da estação.

27 Jul 2017

Fundação Macau | Kiang Wu recebeu 37 milhões para equipamentos

A associação de beneficência do hospital privado do território é o principal beneficiário dos apoios concedidos pela Fundação Macau no segundo trimestre deste ano. A Universidade da Cidade de Macau também assegurou uma maquia considerável, para fazer obras nas suas instalações

[dropcap style≠’circle’]É[/dropcap] a vencedora no ranking dos principais beneficiários da Fundação Macau (FM): a Associação de Beneficência do Hospital Kiang Wu recebeu 37 milhões de patacas como apoio financeiro para a aquisição de equipamentos médicos destinados à unidade hospitalar provada. O dinheiro diz respeito a 15 itens, não elencados na lista ontem publicada em Boletim Oficial, e trata-se ainda da primeira prestação.

Entre Abril e Junho, a FM repartiu mais de 178,781 milhões de patacas por uma longa lista de instituições particulares, com destaque para a área da cultura, com pequenos apoios a variadíssimas associações, que vão das artes plásticas à promoção da ópera chinesa. Também o ensino e a saúde foram contemplados na distribuição do segundo semestre deste ano da fundação liderada por Wu Zhilliang.

Do rol ontem publicado, destaque para a Fundação da Universidade da Cidade de Macau. A instituição de ensino superior ligada ao deputado e empresário Chan Meng Kam teve direito a um cheque de mais de 15,2 milhões de patacas. O montante destina-se ao financiamento de obras de recuperação dos equipamentos eléctricos do Edifício Tai Fung, e do melhoramento das escadas rolantes e dos elevadores da instituição de ensino superior, instalada em parte da estrutura que, outrora, acolheu a Universidade de Macau.

Também no capítulo das instituições de ensino superior, mas com um valor mais modesto, à Universidade de São José foi concedido um subsídio de 3,8 milhões de patacas, referente ainda ao plano de actividades do ano lectivo 2015/2016.

Para o Instituto Internacional de Tecnologia do “Software” seguiram quase dois milhões: 436 mil patacas para a recuperação e manutenção da Casa Silva Mendes e mais de 1,5 milhões para o arrendamento, reparação e manutenção do dormitório da entidade.

O Instituto Internacional de Macau recebeu 3,85 milhões de patacas como primeira prestação do plano de actividades de 2017.

Também no sector da educação, mas na vertente dos alunos, a FM entregou sete milhões de patacas para o plano de actividades da Associação Geral de Estudantes Chong Wa de Macau.

A lista de apoios do segundo trimestre deste ano inclui ainda os montantes destinados às bolsas de estudo para alunos não residentes de Macau. Em 37 bolsas para estudantes de países lusófonos e da Namíbia foram gastos 1,3 milhões de patacas.

A Federação da Juventude de Macau terá de se governar, por enquanto, com um subsídio na ordem dos 4,15 milhões.

Saúde e ajuda

Kiang Wu à parte, há várias instituições ligadas à beneficência, saúde e serviços sociais que mereceram o apoio recente da Fundação Macau. A Associação de Apoio aos Deficientes Mentais recebeu 2,15 milhões de patacas, a primeira prestação do ano para ajudar às cinco unidades que lhe estão subordinadas. Para a Associação dos Familiares Encarregados dos Deficientes Mentais seguiram dois milhões de patacas.

A Associação dos Médicos dos Serviços de Saúde de Macau contou com 1,8 milhões de patacas para a organização de duas iniciativas de carácter académico e científico.

A Caritas de Macau é beneficiária, desta vez, de um apoio de 5,25 milhões de patacas, dinheiro a distribuir pelas suas 28 unidades. Já para a Associação de Surdos de Macau foram destinados cinco milhões, a primeira prestação para o financiamento da acção “Preocupamo-nos com os vossos ouvidos e fala”. A Associação de Beneficência Sin Meng contou com 2,5 milhões.

A-Má, portugueses e violinos

No domínio da cultura, o apoio dado pela Fundação Macau para a Fundação da Deusa A-Má de Macau é de quatro milhões de patacas, a primeira parcela para o financiamento do 15.o Festival de Cultura e Turismo A-Má. Já a Associação dos Macaenses recebeu 1,1 milhões para o plano de actividades. Cinco milhões é o valor dado à Casa de Portugal para os 27 itens que constam do plano de actividades deste ano, sendo esta a primeira prestação. À Irmandade da Santa Casa da Misericórdia de Macau foram entregues 4,15 milhões de patacas que se destinam às iniciativas do Albergue. A Associação da Orquestra Sinfónica Jovem de Macau tem 3,15 milhões para desenvolver as primeiras actividades do corrente ano.

27 Jul 2017

Ng Lap Seng | Julgamento na recta final. Defesa tenta arrasar acusação

A acusação pediu a condenação. A defesa tentou convencer o júri de que Ng Lap Seng foi vítima de extorsão. Estão feitas as alegações finais do processo que tem como único arguido o empresário de Macau e que envolve diplomatas das Nações Unidas

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] acusação do processo que tem Ng Lap Seng como arguido instou esta semana o júri do tribunal federal de Manhattan a condenar o empresário. O milionário responde por crimes de corrupção, por ter alegadamente subornado dois diplomatas das Nações Unidas de modo a reunir apoio para a construção de um centro de convenções da ONU em Macau. Já a defesa considera que o caso é “um zero à esquerda”, relata a AP.

“O arguido Ng Lap Seng corrompeu as Nações Unidas”, disse a procuradora-adjunta Janis Echenberg durante as alegações finais. A magistrada vincou que o empresário, de 69 anos, deu milhões de dólares a dois embaixadores da ONU, durante um período de cinco anos, para que os diplomatas o ajudassem a garantir a construção em Macau do que seria a “Genebra da Ásia”. O complexo iria receber milhares de pessoas que gastariam dinheiro no hotel, na marina, no condomínio, no heliporto e no centro comercial do empresário de Macau, apontou.

Janis Echenberg afirmou também que o projecto iria dar a Ng Lap Seng e à sua família “fama e mais fortuna”. “Tijolo a tijolo, suborno a suborno, o arguido construir o caminho que julgou que seria o do seu legado”, acrescentou.

Já o advogado de defesa, Tai Park, considerou a acusação “francamente absurda”. “É um zero à esquerda”, atirou. O causídico releu partes de um relatório de um grupo de trabalho das Nações Unidas para tentar demonstrar que não existem regras ou interdições às parcerias público-privadas que Ng Lap Seng criou com as Nações Unidas e os seus diplomatas, com vista à construção do centro na RAEM.

O peso da testemunha

Tai Park reiterou as acusações deixadas durante o julgamento aos embaixadores envolvidos no caso – o antigo presidente da Assembleia Geral da ONU John Ashe e o diplomata dominicano Francis Lorenzo –, dizendo que abusaram da relação que mantinham com o empresário de Macau.

“Ng Lap Seng atirou literalmente o dinheiro dele em todas as direcções, conforme lhe foi pedido”, sublinhou o defensor.

Ashe, que morreu no ano passado vítima de um acidente em casa, pediu ajuda a Ng Lap Seng, em 2014, ao solicitar um donativo de 200 mil dólares norte-americanos para pagar um concerto, depois de a pessoa que ia financiar o evento ter recuado, exemplificou Tai Park.

Quanto ao salário mensal de 20 mil dólares pago a Lorenzo enquanto presidente de uma publicação do grupo de Ng Lap Seng, destinava-se a desenvolver trabalho que iria beneficiar nações em desenvolvimento, assegurou o advogado.

No que toca ao diplomata dominicano, Janis Echenberg contra-argumentou, apontando que, se houvesse dúvidas sobre a natureza dos pagamentos feitos por Ng a Lorenzo, teriam ficado desfeitas em Dezembro de 2012, quando prometeu ao diplomata mais 30 mil dólares por mês para garantir a construção do centro de convenções.

A magistrada disse ainda que o testemunho do diplomata da República Dominicana durante o julgamento foi tão prejudicial para o arguido que a defesa passou seis dias a contra-interrogá-lo. “Sabe-se que é culpado apenas pelo depoimento do embaixador Lorenzo.”

Francis Lorenzo aceitou a transacção de culpa que lhe foi proposta. Antes do início do julgamento, também Ng Lap Seng foi, por duas vezes, convidado a admitir que cometeu os crimes mas, de ambas as vezes, recusou a oferta da acusação, jurando que é inocente.

Sarampo | Serviços de Saúde adoptam medidas excepcionais

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]s bebés entre os nove e os 12 meses podem, a partir de agora, serem vacinados contra o sarampo. Por norma, a imunização para esta doença só se faz ao primeiro ano de vida. No entanto, os Serviços de Saúde de Macau (SSM) decidiram adoptar medidas temporárias como forma de evitar um surto epidémico da doença. Esta semana, surgiu mais um caso de sarampo numa criança que ainda não tinha sido vacinada, por ainda não ter idade para tal. Contraiu a doença depois de ter estado em contacto com uma prima, que também ainda não tem 12 meses. Tendo em conta estes dois casos, os SSM disponibilizam uma vacinação extra, sendo que a medida temporária vai estar em vigor durante um ano. Após receberem esta vacina, os bebés terão ainda de receber as duas doses habituais, aos 12 e aos 18 meses. Em comunicado, os Serviços de Saúde explicam que um dos bebés com sarampo já recuperou e teve alta hospitalar; o outro ainda está internado, mas o seu estado de saúde é estável.

Aviação | AirAsia lança voo directo para Jacarta

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] partir do próximo dia 7, já é possível viajar pela AirAsia de Macau para Jacarta. A nova rota permitirá ainda aos residentes de Macau apanharem voos para vários destinos na Indonésia, operados pela empresa. A AirAsia foi a primeira companhia aérea de baixo custo a estabelecer-se em Macau, em 2004. Desde então, passou a operar cinco rotas, através dos aviões de três empresas pertencentes ao grupo, com 58 voos semanais a aterrarem em Macau. De acordo com os números oficiais da transportadora, nos últimos 13 anos foram transportados mais de oito milhões de passageiros. Em comunicado, a companhia aérea diz esperar oferecer um novo destino aos residentes, mas também trazer mais passageiros para Macau.

Viagens | Titulares do passaporte da RAEM com vida mais fácil

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] Direcção dos Serviços de Identificação (DSI) deu ontem conta de novas facilidades concedidas aos titulares de passaportes da RAEM na entrada no Sri Lanka e no Tajiquistão. Em relação ao primeiro destino, quem se deslocar em turismo ou em viagens de negócios pode pedir, antes de partir, a “Electronic Travel Authority” (ETA). Caso a autorização seja concedida, poderá permanecer no Sri Lanka por um período máximo de 30 dias. Os vistos estão também disponíveis à chegada, nos aeroportos de Colombo e de Hambantota, mas a DSI recomenda o recurso a ETA, para evitar imprevistos. Quanto ao Tajiquistão, passa a ser possível obter um visto electrónico antes de embarcar, sendo válido por 45 dias. O passaporte da RAEM permite viajar para 134 países e territórios sem que seja necessário visto ou com a obtenção do documento à chegada. No que diz respeito aos vistos online ou electrónicos, o documento permite tratar das formalidades em relação a 12 países.

27 Jul 2017

Literatura | Congresso Internacional de Lusitanistas organiza mesa de escritores

Um moçambicano, uma brasileira e um português a viver em Macau discutem questões identitárias trazidas pela expressão verbal e escrita. Sob o auspício do Congresso da Associação Internacional de Lusitanistas, João Borges Coelho, Carlos Morais José e Ana Miranda falaram de letras, história, identidade e exílio, com a moderação de Hélder Macedo

[dropcap style≠’circle’]S[/dropcap]ob a batuta moderadora de Hélder Macedo, o Congresso da Associação Internacional de Lusitanistas juntou à mesa três escritores que acabaram por encontrar pontos em comum muito para além do português falado e escrito.

O moçambicano João Borges Coelho, a brasileira Ana Miranda e o português a viver em Macau Carlos Morais José discorreram sobre a união entre a história, a factualidade e a ficção que escrevem. Nesse ponto, Hélder Macedo, logo nas apresentações dos autores, fez questão de evidenciar essa ponte. “Existe uma relação entre história e factos, imaginação e memória, ambos lidam com aquilo que não está a acontecer”, introduz o moderador. Esse desapego ao presente que requer construção mental é um elo entre duas realidades que, por vezes, se tocam.

Ana Miranda, autora nascida em Fortaleza, no Ceará, é um bom exemplo dessa ligação entre imaginação e história. A brasileira tem uma obra onde despontam livros com forte componente histórica tal como “Boca do Inferno”, um romance que mistura as duas esferas – memória e fantasia. No livro, a autora descreve a cidade de Salvador da Bahia do século XVII, onde se cruzam o poeta Gregório de Matos e o afamado padre jesuíta António Vieira. A narrativa percorre um período de luta pelo poder entre personagens reais, o Governador António de Souza Menezes e Bernardo Vieira Ravasco, apoiado por Matos e o Padre António Vieira. O Governador António de Souza Menezes, figura temível da colonização portuguesa do Brasil, tinha uma prótese de metal que lhe valeu a alcunha Braço de Prata. Este detalhe parece ficcionado, algo extraído da imaginação, mas não é. “O que há de mais absurdo nos meus livros é a realidade, mais do que os sonhos”, explica Ana Miranda. A autora aproveita a boleia deste exemplo para revelar que “os encontros com as palavras nascem de sonhos e amor”.

Ana Miranda contou como a escrita chegou até si como algo de natural. “Entrei na literatura como um cachorro entra numa igreja, porque a porta estava aberta”, graceja.

Literatura histórica

Virando o foco para outro continente, Hélder Macedo apresenta o escritor João Borges Coelho como alguém que ultrapassa fronteiras nacionais, “um escritor moçambicano porque escolheu sê-lo, um exemplo de polissemia cultural e literária”.

Nascido no Porto, mas cedo emigrado para Moçambique, João Borges Coelho aventurou-se pela primeira vez no romance em 2003, dando uma guinada no seu percurso profissional como historiador. O moçambicano rompeu aquilo a que Hélder Macedo chamou de “a fronteira de ambiguidade que levanta o problema de quem é a primeira pessoa narrativa”. Ou seja, quem toma as rédeas do discurso interiorizado? Um personagem que se manifesta factual ou misticamente?

Neste jogo de conceitos a própria realidade parece adquirir contornos ficcionais, considera João Borges Coelho, mesmo comentando o onírico retorno ao território. “Macau tem um aspecto de sonho, cada vez que regresso está completamente diferente, mas tem também segredos nas esquinas e jardins misteriosos”, comenta. Até a própria chegada do escritor ao Terminal do Porto Exterior ganhou contornos fantásticos: “Fomos recebidos por um tufão que nunca vimos chegar a um mar calmo”.

O autor argumentou que a jovem literatura moçambicana nasceu ligada à história e a um sentido de nação. O laço à factualidade pode ser também aferido pela ligação ao jornalismo, mais concretamente pela via do escritor e jornalista José Albasini. As crónicas que escreveu são consideradas a primeira narrativa escrita por um moçambicano de origem africana.

Pátria e exílio

Casa é onde o coração estiver, costuma-se dizer em inglês. Da conversa entre escritores, promovida pelo Congresso da Associação Internacional de Lusitanistas, saiu uma ideia fulcral de ligação entre pátria, identidade e língua, mesmo no exílio.

Ana Miranda contou a comoção que sentiu ao desembarcar em Macau. Depois de ouvir alguém dizer que em breve estaria a pisar a Ásia pela primeira vez, reparou numa placa à saída do ferry com um aviso em chinês e português. Emocionou-se e reflectiu numa noção de pertença: “A língua é uma pátria, nós estamos em casa”. Nesse sentido, partilhou a mesma comoção sentida por Jorge Luis Borges quando o argentino visitou pela primeira vez o México.

Nesse sentido, a palavra escrita pode mesmo ser o cerne da identidade, muito para além de fronteiras geográficas. A intervenção de Carlos Morais José foi nesse sentido, na pátria achada nas letras a meio mundo de distância do local de origem. O escritor local começou por exprimir a ideia de que “Macau é um local de exílio físico e cultural”.

Mesmo quando a pessoa se ambienta a Macau, “quando essa realidade começa a ser familiar não deixa de ser estranha”, considera o português. É desta estranheza, desta inquietação, que “nasce a necessidade de reflexão interior que vai de encontro aos grandes conceitos que emergem do exílio: a questão do abandono, a distância e o sentimento de ausência”.

Carlos Morais José explica como a memória das origens se vai adocicando com o tempo vivido fora de fronteiras. “Como um abismo à volta do qual andamos, que vemos mas que já não nos atrai, vamos jogando com essa distância aproveitando o que o olhar distanciado nos proporciona”, explica.

Fica a palavra em português a servir de casa. Este sentimento de pertença que se encontra na palavra escrita e na língua foi algo que o escritor focou, recordando o exemplo de Venceslau de Morais. O autor do virar do século viveu no Japão, em Tokushima, rodeado por pessoas, incluindo a sua esposa, que apenas falavam japonês. Este foi um período de intensa produtividade literária de Venceslau de Morais, que escrevia compulsivamente. “Era na escrita que ele encontrava força para a manutenção da sua identidade”, comenta Carlos Morais José.

Também Ana Miranda descreve uma sensação de exílio permanente como leitmotif da sua obra, um sentimento que “surge do afastamento da referência, da distância do que éramos”, comenta a escritora. Esta sensação é sentida por Ana Miranda de duas formas, geográfica e temporalmente. Muito cedo mudou-se de Fortaleza, primeiro para o Rio de Janeiro e depois para Brasília. Uma criança “encantada pelo passado a viver na cidade do futuro”, recorda Ana Miranda. A autora passou a usar estes elementos na sua criação, dando voz a “personagens que são arrancados da sua situação”.

A literatura, apesar de ser um exercício solitário, reflexivo, é um caminho para a liberdade do espírito. Nesse sentido, Ana Miranda recorda uma conversa que teve com um amigo cineasta que lhe dizia: “Queria ser como você, poder meter 60 mil figurantes e não ter de lhes pagar”.

A autora falou ainda da forma como na criação literária tudo é permitido, pode-se matar um personagem sem se ser preso, cometer suicídio sem morrer, magicar mundos de fantasia numa cidade demasiado real. No fundo, o exercício da literatura é uma conquista daqueles que vivem em liberdade.

27 Jul 2017

Pequim funda agência de investigação militar de alta tecnologia

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] China fundou uma agência de investigação militar de alta tecnologia, inspirada no Pentágono dos Estados Unidos, para desenvolver equipamento de última geração, avançou ontem a televisão estatal CCTV.

O Comité de Gestão da Investigação Militar foi criado no início do ano e responde diretamente à Comissão Militar Central, o braço político do exército chinês, liderado pelo Presidente da China, Xi Jinping.

O novo organismo visa competir com a Agência de Projetos de Investigação Avançada de Defesa dos EUA (DARPA, na sigla em inglês), criadora da Internet ou do sistema GPS.

“A Internet, os sistemas de posicionamento global, caças furtivos, armas eletromagnéticas ou a lazer e outras tecnologias avançadas, estão quase todas vinculadas à DARPA”, explica uma reportagem difundida pela CCTV.

“No mundo actual, a inovação tecnológica converteu-se num elemento central”, acrescenta. “Para conseguir uma vantagem competitiva no âmbito militar, devemos esforçar-nos por promover a investigação científica”.

Historial de reformas

Numa longa reportagem, o programa refere as reformas empreendidas pelo Partido Comunista Chinês, incluindo a reforma de Exército de Libertação Popular, o ambicioso programa de modernização das Forças Armadas do país.

Com a reforma lançada por Xi, o Governo chinês espera eliminar o caráter soviético do seu exército, tornando-o mais ligeiro, rápido e funcional, enquanto moderniza as forças navais, numa altura em que a China reforça a sua presença militar em águas disputadas no Mar do Sul da China.

Em Março passado, a China anunciou a entrada em operação do caça furtivo de quinta geração J-20, o seu modelo mais avançado de aviação, convertendo-se no terceiro país dotado com este equipamento, a seguir aos EUA e Rússia.

Este mês, A China enviou soldados para a sua primeira base militar além-fronteiras em seis décadas, no Djibuti, sugerindo uma mudança na sua estratégia para África, onde nos últimos anos tem reforçado a sua influência.

China opõe-se a novas sanções dos EUA contra Pyongyang

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Governo chinês disse ontem opor-se à nova ronda de sanções contra a Coreia do Norte aprovada pelo Congresso dos Estados Unidos, afirmando que esta não “conduz à confiança mútua ou cooperação” entre Pequim e Washington.

“A China sempre se opôs a sanções unilaterais fora do âmbito do Conselho de Segurança da ONU e especialmente a que outros países imponham a sua jurisdição a empresas e cidadãos chineses”, afirmou o porta-voz do ministério chinês dos Negócios Estrangeiros Lu Kang.

As novas sanções poderão afectar firmas de terceiros países que fazem negócios com a Coreia do Norte. A China é o principal parceiro comercial do país governado por Kim Jong-un.

O porta-voz afirmou que a China “sempre aplicou estritamente as resoluções [das Nações Unidas] contra a Coreia do Norte” e que, face a suspeitas de violação das sanções por parte de firmas chinesas, iniciaria investigação “de acordo com a lei” chinesa.

A Câmara dos Representantes dos EUA aprovou na terça-feira novas sanções contra a Coreia do Norte, Irão e Rússia e limitou a capacidade do Governo de Donald Trump para pôr fim a estas sanções, face à intenção do líder norte-americano de relaxar a política para Moscovo.

As sanções chegam numa semana em que se prevê que a Coreia do Norte volte a desafiar a comunidade internacional com novos testes de mísseis balísticos, aos quais Pequim se opõe.

“Opomo-nos firmemente a qualquer palavra ou ação que possa elevar a tensão”, afirmou Lu Kang.

Xangai | Vaga de calor faz quatro mortos

[dropcap style≠’circle’]P[/dropcap]elo menos quatro pessoas morreram em Xangai, capital económica da China, devido a uma vaga de calor que elevou as temperaturas para o valor mais alto dos últimos 145 anos na cidade, informaram ontem as autoridades.

Na terça-feira, a cidade emitiu o terceiro alerta máximo do ano por altas temperaturas, depois de o termómetro alcançar os 40,5 graus.

Na passada sexta-feira os termómetros atingiram 40,9 graus, o número mais alto desde que há quase um século e meio se começaram a fazer registos. Altos níveis de humidade e poluição fazem com que a sensação térmica seja de cerca de 50 graus.

Segundo o jornal Shanghai Daily, o calor causou a morte de quatro pessoas, enquanto dezenas de outras, muitos idosos, foram internados no hospital com insolações e outras patologias.

A insolação pode resultar em perda de consciência, falhas no organismo, insuficiência cardíaca ou respiratória, ou um edema pulmonar ou cerebral.

Os mortos eram pessoas de idade avançada que se encontravam na rua ou em casas sem sistema de ar condicionado.

Segundo as indicações meteorológicas, as temperaturas começaram ontem a baixar.

27 Jul 2017

Portugal arranca ligação directa à China

[dropcap style≠’circle’]J[/dropcap]á aterrou em Lisboa a primeira ligação directa entre Portugal e China. Ontem de manhã, pelas 7h30, o primeiro voo desta rota, operado pela companhia aérea chinesa Beijing Capital Airlines, chegou ao Aeroporto Humberto Delgado, depois de uma viagem de 13 horas e com uma taxa de ocupação praticamente lotada. É o início de uma rota que, nos próximos anos, poderá trazer a Portugal um milhão de turistas chineses.

A rota directa Portugal-China, que faz a ligação entre Lisboa e Hangzhou, passando por Pequim, terá três frequências por semana, até ao final do Verão. A partir do Inverno, a Beijing Capital Airlines passa a operar mais uma frequência. Os primeiros quatro voos directos da China para Portugal estão já “praticamente esgotados”, enquanto, no sentido inverso, a taxa de ocupação ronda os 75%, adiantou à Lusa a companhia aérea chinesa.

Para os próximos tempos, disse António Costa durante o evento de apresentação desta ligação, o objetivo é continuar a reforçar estas frequências ou mesmo ligar a China a outras cidades. “Quem sabe, poderá haver a abertura para outras cidades portuguesas, nomeadamente o Porto”, disse o primeiro-ministro na altura.

Comissão de boas-vindas

A  aterragem contou com a presença do ministro do Planeamento e das Infraestruturas, Pedro Marques, que salientou o momento histórico. “Este é o verdadeiro lançamento da nova rota aérea da seda do século XXI. É um grande feito para Portugal a concretização desta ligação”, disse o ministro, citado pela Lusa.

“O potencial [destas ligações] é muito importante do ponto de vista turístico, mas também económico. Significa muito mais oportunidades para as empresas portuguesas se aproximarem do mercado chineses, no reforço das relações económicas com empresas chinesas e reforço do potencial das relações políticas entre os países”, acrescentou.

Um milhão de turistas chineses? “Podemos ser ambiciosos”

A nova ligação abre portas ao maior mercado emissor de turistas do mundo e, por isso mesmo, os objetivos são ambiciosos. Portugal recebeu, no ano passado, 183 mil turistas chineses, um aumento de 19% face a 2015. E o número de turistas vindos da China continua a aumentar: entre janeiro e abril, 68 mil vieram a Portugal, uma subida homóloga de 28%. A manter-se este ritmo, a marca “um milhão” pode ser alcançada num futuro não muito distante.

“Se tivermos aumentos de 35% ao ano, podemos rapidamente ser ambiciosos”, disse à Lusa o embaixador português em Pequim, Jorge Torres-Pereira, fixando o objetivo de chegar a um milhão de turistas chineses por ano.

“Não há dúvida de que entramos no radar do investimento chinês e, para usar uma expressão britânica, o céu é o limite”, disse ainda o diplomata.

Economia online

27 Jul 2017

Mondrian e outros vícios

22/07/2017

[dropcap style≠’circle’]É[/dropcap] mais do que certinho, por um sorriso já se travaram batalhas. O sorriso de Helena de Troia, por exemplo, devia ser de estalo. E eu tive de bater-me ao sorriso da minha mulher contra um espanhol de má raça. Coube-me agora a sorte de em três semanas em Lisboa ter encontrado três mulheres com um sorriso coruscante, por quem se iluminariam batalhas.

Azar meu que seja falso que tenhamos todos as nossas idades ao mesmo tempo. E que me sinta um coral vivo, colorido por dentro, enrugado por fora. E chega de lamúrias.

23/07/2017

Domingo, uma hora na fila, cativo da máquina de bilhetes para Cascais, para depois viajar de pé, no meio de uma chinfrineira pouco atraente, como se tivesse despertado em Babel.

Os custos de uma Lisboa aturadamente cosmopolita. Adivinho que daqui a duas gerações brotará uma meia-dúzia de poetas bilingues, trilingues, sendo o português um resíduo esquinado pelos ventos da história.

E prevejo que o número de videirinhos subirá em flecha. Sempre gostei de histórias de videirinhos e admiro-lhes a manha – suponho, por ser prato que nunca confeccionei, “pateta em aberto” de bolso roto e sem agenda secreta. Mas vão proliferar os videirinhos, verdadeiros canivetes-suiços da patranha. Na literatura idem e etc.

Ainda ontem, num bar, logo de entrada, me jurava um tipo:

“O que acontece comigo e me diferencia é que não tenho vícios!”

E eu vejo como o corpo o desmente, como cresceu sem parar, por puro vício; como lhe caiu o cabelo sem parar, por embriaguez genética; como a sua linguagem gestual está num perpétuo ponto-cruz, pelo vício de esgrimir argumentos sem parar até só ouvir o eco da sua voz. Vejo um homem à míngua de tímpanos, incapaz de aceitar o seu silêncio, emaranhado no grude da inteligência – a prazo só lhe resta mentir-se até convictamente acreditar no que a mentira bolça. Com talento, mas ao modo de um cardume num aquário, refém de si mesmo, sem exterior.

E eu que não me lembrei de Luis Buñuel nem me enfrasquei em dois gins!

Chego a casa e abro um António Ramos Rosa que nunca lera, de prosas e diálogos. E o poeta, para falar da sua extrema fragilidade, começa assim: “Sempre falaram alto. Muito alto. Demasiado alto. Todos exemplares e eufónicos, erectos no seu convencimento, na segurança de si, no excesso de personalidade e de expressão,”

Parece um retrato do outro, o homenzinho impoluto. É deste jaez – incontinente, insuperável.

Prefiro os sujos, os contraditórios, os que sabem que a si mesmo mentem e por isso perseguem envergonhadamente e falhos a bainha da verdade; os noctívagos que amam a luz; os que têm sede do mal para a diluírem no seu fígado, no afã de não se afastarem do lema de Camus que é o veio de uma ética: «sofrer, não te dá direitos!»; prefiro um gago à rasca a um sofista eloquente; preferirei sempre quem foda a quem se gaba de foder.

Talvez porque como Pessoa e tantos outros a quem amo mergulho na submersa nascente do sujo. Pior: há tanta gente digna que se encharcou em vícios que é inadmissível alguém se arrogar ao desplante de produzir sentenças sobre o menor dos vícios.

24/07/2017

Mantive sempre com Mondrian um trato difícil. Em sonhos espancava-o e chamava-lhe bandalho, e voltava a dar-lhe no focinho, agora com cubos e rectângulos e quadriláteros e losangos. Eu, que nem sou viciado na violência – há porém visões ascéticas que me cansam, sobretudo as que se esquecem de que a vida é um funil ao contrário, em centrifugação; que a vida, expansiva, não admite mandamentos.

Então descobri-lhe as flores, nos antípodas da sua pintura abstracta. A sensualidade, os matizes de uma cor que procura o seu tecido ou a sua carne, a fulgente precaridade da sua dimensão corpórea, com caules sempre à beira de soçobrarem, pétalas na agonia de caírem, pedúnculos num fio, e uma pincelada láctea, às vezes hesitante, mas prenhe de um lirismo tangencial ao humano e que dá, afinal, outra densidade aos futuros ganhos expressivos da sua abstracção. Desde então, deixei de o espancar nos meus sonhos, temos tido até excelentes conversas sobre os relojoeiros de Samarcanda.

Um dia destes conto-vos os meus sonhos com a Ava Gardner. Sou o seu melhor amante de sempre – o Sinatra. onde ficou! Porque, geometrias, só as que se despenteiam ao vento.

25/07/2017

Não digam a ninguém, mas estou a construir uma Arca. Como a de Noé. Para financiar a operação apoiámo-nos nos emolumentos da cultura que me represou e que agora guarnecem as provisões da Arca.

Leiloámos as ligas e mais lingerie da última amante de Lacan a pala do olho de John Ford, e, recursivamente, o braço recuperado de Cendrars, as tesouras de unhas de Deleuze, o fígado restaurado de Malcolm Lowry, o pezinho em diamante de Moravia, o mistral de Joris Ivens, a Anne Karenine do Pierrot le Fou, a neve sobre a alameda de coqueiros, na Quinta de Santa Catarina, em Sines, onde o Al Berto espatifava os triciclos, o Casanova de Sollers, cinco rentéis de vinho de palma, as máscaras do mapiko, um pote com os pulsos das palavras de Guimarães Rosa e o lugar de onde a minha infância olhava a camisa-de-onze-varas que nos despia os fetiches: o Cabo Espichel.

E para quem acredite em Deus, leiloaremos por fim, a radiografia do pirilampo.

Falta-nos discutir o regime musical, pouco transigente

Impolutos não arrependidos é que nunca levaremos para a Arca.

27 Jul 2017

A fronteira e a utopia

[dropcap style≠’circle’]T[/dropcap]enho passado os últimos fins-de-semana ali do outro lado das Portas do Cerco, uma vez em Guangzhou, e depois em Zhongshan, uma cidade a cerca de 80 km de Macau. Ambas estão à distância de uma hora e de 25 minutos, respectivamente, através dos novos comboios rápidos da CRH.  Quanto à capital da província de Cantão, nada me surpreendeu por aí além, mas fiquei encantado com Zhongshan. Nunca tinha lá estado antes, confesso, mas aquilo que encontrei deixou-me positivamente surpreendido.

Uma pequena cidade – ainda assim maior que Macau – com “apenas” três milhões de habitantes, que é um verdadeiro hino ao progresso. Vias bem projectadas, prédios novos e bonitos, zonas pedonais ajardinadas, com respeito pelo urbanismo, uma oferta de espaços de restauração e de entretenimento fabulosa, e tudo providenciado por gente educada, respeitadora e simpática. Miséria? Vê-se, mas aqui deste lado também, e deixem-me que vos diga que estes dois últimos fins-de-semana têm sido retemperadores, mesmo nesse particular.

E nada disto é coreografado, como no reino do faz-de-conta da Coreia do Norte. Esta geração de chineses, da nova China, é da paz. São os netos daqueles que viveram os horrores da revolução cultural, filhos dos que ainda assistiram aos eventos da Praça Tiananmen em 1989, e que deixaram o mundo com um pé atrás em relação ao país do meio. São jovens que também querem eles ser cidadãos do mundo, mas tudo a seu tempo. A China é, como se sabe, a segunda maior economia do mundo, mas ainda a 70ª no que toca ao rendimento per capita, atrás de países como o México e a Eslováquia. Mas tudo a seu tempo, e não esqueçamos que estamos aqui a falar de um país com 1200 milhões de pessoas, mas com uma qualidade de vida com que outros “gigantes”, como é o caso da vizinha Índia, uma “democracia”, pode apenas sonhar.

Entretanto regresso no mesmo comboio rápido a Macau, que há anos que espera pelo tal metro de superfície, do património delapidado, das habitações degradadas que se encontram lado a lado com os espaços comerciais abandonados, com os fios eléctricos pendurados e o correio acumulado na caixa, tudo em pleno centro histórico. A Macau que separada por um braço de rio que constitui a fronteira para o continente, ainda olha com desconfiança e até algum  desdém para os seus irmãos do continente – e porquê, fico-me a interrogar. “Ora essa, aqui não temos o espaço que eles tem lá da outra banda”, dirá o leitor mais céptico. Pois não, mas também já tivemos menos. Os aterros que fizeram a cidade crescer em tamanho foram usados para fazer casinos, que nada deram aos residentes em matéria de qualidade de vida, e que em alguns casos são um autêntico atentado ao urbanismo. Os tais aterros serviram ainda para construir habitação que não está ao alcance do cidadão médio de Macau. É caso para nos interrogarmos: o que temos beneficiado com o tal segundo sistema, além das tão apregoadas “liberdades”, que na verdade não passam do papel?

Pronto, tudo bem, longe de mim questionar a sacrossantidade do estatuto especial de Macau que nos permite aceder ao Facebook, e consigo até imaginar alguns leitores a levar as mãos à cabeça, “ai o que está este rapaz para aqui a dizer”, mas desafio-vos a irem lá e verem pelos vossos próprios olhos, e sentirem a diferença. Não custa mais do que falar sem saber. O ideal mesmo seria ter o melhor dos dois mundos, mas isso não passa apenas de uma utopia. E sonhar ainda é grátis.

27 Jul 2017

Cinco estrelas Macau Roosevelt Hotel inaugurado

[dropcap style≠’circle’]U[/dropcap]m novo cinco estrelas inspirado no Hotel Roosevelt, em Hollywood, foi inaugurado ontem em Macau.

O Macau Roosevelt Hotel conta com 380 quartos e casino, uma vez que as mesas de jogo que estavam em operação no Macau Jockey Club, ao abrigo da licença da Sociedade de Jogos de Macau, foram relocalizadas para o empreendimento, informou a Rádio Macau.

Na cerimónia de inauguração, o presidente da empresa, Mike Lam, referiu a aposta feita no design do projecto.

Há um ano, o representante do grupo investidor Aaron Iu disse à imprensa que o hotel localizado junto ao Jockey Club, na ilha da Taipa, iria abrir sem componente de jogo.

Em Outubro de 2013, o projecto foi apresentado como um hotel com “um toque moderno do ‘glamour’ de Hollywood e um ‘twist’ no design retro dos anos 1950”. À época, o projecto incluía 373 quartos e quatro ‘villas’ e reservava uma área de jogo com mais de 5.000 metros quadrados.

“O conceito não é exactamente o mesmo do hotel de Hollywood, onde foi construído o primeiro. Este combina as tradições de Macau e as de Hollywood”, afirmou mais tarde, em 2016, Aaron Iu.

Música | Chico Buarque tem novo álbum

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] músico brasileiro Chico Buarque editará em Agosto o álbum “Caravanas”, mas na sexta-feira é revelado um primeiro tema, “Tua cantiga”, nas plataformas digitais, anunciou a editora Biscoito Fino. Chico Buarque, 73 anos, já não lançava um álbum de originais desde 2011, quando saiu “Chico”. “Caravanas” será o 23.º álbum de estúdio e conta com nove temas, entre os quais “Tua cantiga”, com letra de Chico Buarque e melodia do pianista Cristóvão Bastos. “Caravanas” foi produzido por Vinícius França e tem arranjos do maestro e violonista Luiz Cláudio Ramos, com quem Chico Buarque trabalha há mais de 30 anos. A pensar na divulgação do álbum na Internet – tal como aconteceu com “Chico” (2011) -, a equipa que faz a promoção do artista criou um perfil na rede social Instagram. É nesta rede social, com mais de 42 mil seguidores conquistados em cinco dias, que se revela que “Chico tem ido ao estúdio pelo menos uma vez por semana para dar os retoques finais nas sete músicas inéditas e duas canções já conhecidas, de sua autoria, embora nunca gravadas”.

Transferências | Renato Sanches mais próximo do Milan

[dropcap style≠’circle’]S[/dropcap]egundo o L`Équipe, Renato Sanches estará próximo de abandonar o Bayern Munique para ingressar nos italianos do Milan. Depois de uma primeira época complicada ao serviço dos bávaros, o ex-jogador do Benfica será contratado por cerca de 40 milhões de euros e assinará um contrato de quatro anos com o clube de André Silva. O próprio jogador admitiu o cenário de mudança após o jogo frente ao Chelsea, que se realizou na terça-feira na China. «O Milan é uma opção interessante e gosto dessa possibilidade, porque sei que terei oportunidade de jogar regularmente.» De recordar que o jogador de 19 anos foi contratado no Verão de 2016 ao Benfica, a troco de 35 milhões de euros.

China | Dez clubes liquidam dívidas

[dropcap style≠’circle’]D[/dropcap]ez clubes do campeonato chinês de futebol anunciaram ontem a liquidação de dívidas de pagamento de salários e taxas de transferências, depois da Confederação Asiática (AFC) atribuir um prazo de cumprimento, sob pena de exclusão das competições continentais. Os clubes chineses em questão foram advertidos para que, caso a situação financeira não fosse cumprida, tendo como data limite o dia 15 de agosto, enfrentariam partidas de suspensão, não só a nível continental, mas também na ‘Chinese Super League’. Apenas três em 16 clubes da primeira divisão chinesa ficaram de fora da advertência da AFC. O Guangzhou Evergrande afirmou ter resolvido as suas dívidas em Dezembro de 2016 e em Janeiro de 2017, tal como o Shanghai SIPG, equipa treinada pelo português André Villas-Boas, que também assegurou ter tudo em ordem. O Shenhua, outro clube de Xangai, disse ter pago “90%” dos valores reclamados pela AFC.

27 Jul 2017

Wynn Macau | Lucros da operadora sobem 57,5%

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]s lucros da operadora de jogo Wynn Macau subiram 57,5% para 102,6 milhões de dólares (88,1 milhões de euros), no segundo trimestre de 2017, comparativamente a igual período do ano passado (65,1 milhões de dólares ou 55,9 milhões de euros).

De acordo com um comunicado enviado ontem à bolsa de Hong Kong, no segundo trimestre de 2017 a Wynn Macau, umas das seis operadoras de jogo da região, registou receitas totais de 1.097,3 milhões de dólares entre Março e Junho, mais 71,6 % do que os 639,3 milhões de dólares em igual período do ano passado.

Do total, 1.024,7 milhões de dólares correspondem a receitas dos casinos, ou mais 68,4% comparando com o segundo trimestre do ano passado.

A Wynn, que tem dois empreendimentos no território: o Wynn Macau, no centro da cidade em funcionamento desde 2006 e o Wynn Palace, a mais recente propriedade do grupo que abriu a 22 de agosto no Cotai, a ‘strip’ de casinos da cidade.

Segundo o comunicado, a Wynn Resorts, que inclui as operações em Las Vegas, nos Estados Unidos, registou receitas de 1.530 milhões de dólares, ou mais 44,5% em relação às receitas de 1.060 milhões de dólares auferidas entre Março e Junho de 2016.

O aumento das receitas foi justificado com os 414,7 milhões de dólares gerados pelo Wynn Palace e com os aumentos de 43,4 milhões de dólares  e de 12,9 milhões de dólares da Wynn Macau e das operações do grupo em Las Vegas, respectivamente.

O EBITDA ajustado (resultados antes de impostos, juros, depreciações e amortizações) do grupo foi de 430 milhões de dólares, mais 37,5% do que no segundo trimestre de 2016.

Macau, que figura como a capital mundial do jogo, é o único local na China onde o jogo em casino é legal.

Os casinos de Macau fecharam o mês de Junho com receitas de 19.994 milhões de patacas, um aumento de 25,9% face ao período homólogo do ano passado, segundo dados oficiais.

Em 2017, as receitas mensais do jogo cresceram sempre a dois dígitos em termos homólogos, à excepção do primeiro mês do ano (+3,1%), mas acima dos 20% só em Maio (23,7%) e em Junho (25,9%).

27 Jul 2017

Entrevista | Chan Chak Mo, deputado e empresário

É deputado eleito pela via indirecta pelos sectores culturais e do desporto. Chan Chak Mo acredita na revisão da Lei de Terras e é contra o controlo do arrendamento no território. Entende que os negócios não interferem com a política e garante que luta sempre pelo bem comum

[dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]stá no final de mais uma legislatura. Qual foi a matéria que esteve em análise na 2.ª Comissão Permanente da Assembleia Legislativa (AL), à qual preside, em que foi mais complicado trabalhar?
Foi a lei referente às partes comuns dos condomínios. Foi um assunto em que as opiniões divergiram muito. Os proprietários, por exemplo, queriam que os seus locais tivessem condições de trabalho, ao mesmo tempo que não queriam gastar muito dinheiro com as manutenções dos espaços. Por outro lado, as empresas de gestão de condomínios queriam uma lei em que todas as pessoas tivessem de pagar a sua parte para manter os edifícios e os serviços necessários. As empresas de gestão também consideram que, se não têm o seu investimento de volta, desistem dos serviços e os edifícios acabam por não ser bem mantidos. Se existirem 100 proprietários em que 50 não pagam, não é justo para a metade que paga. O dinheiro que é pago não é suficiente para assegurar as despesas de condomínio. Alguns proprietários compram casas, não para viver, mas para investir e arrendar, e por isso acabavam por nunca pagar as despesas de manutenção. Com a nova lei, mesmo com a venda da fracção, os proprietários têm sempre de pagar as despesas de condomínio nem que seja aquando da venda, em que é descontado o montante em falta. No momento da transacção, as dívidas também são claras. Até agora não havia qualquer obrigação de pagamento neste sentido.

Pensa que está garantida uma forma de assegurar os custos das despesas de manutenção dos edifícios?
Sim. Assegura, pelo menos, que as empresas encarregadas da administração dos condomínios possam ter dinheiro suficiente para algumas das necessidades, como a manutenção regular, e que, daqui a uns dez anos, possam ter como pintar os edifícios. Penso que é uma boa lei. Mesmo na votação na especialidade na Assembleia Legislativa, esta lei poderá vir a dar discussão, mas a posição do Governo é clara e é boa.

Acha que vai ser aprovada?
Não sei. Vai depender da posição do Governo.

A lei do tabaco, que também esteve em análise, foi de mais simples tratamento?
Não foi tão difícil. A alteração maior que teve foi a permissão de salas de fumo nos casinos. Ng Kuok Cheong opôs-se muito a isso, mas ele sabe a necessidade desta alteração. Penso que foi mais para ter um ponto de vista político porque era algo que era preciso fazer. Nesta lei fizemos alterações importantes também. Por exemplo, as salas VIP, em que até agora era permitido fumar – o que era prejudicial para os croupiers que ali trabalhavam –, vão passar a ser isentas de fumo. Não interessa o montante que seja apostado, o apostador tem de se dirigir à sala de fumo. Penso que é um passo em frente. Por outro lado,  a economia de Macau depende maioritariamente do negócio dos casinos. Não se encontra nenhuma cidade no mundo que se possa comparar a Macau neste sentido.

Não acha que é muito limitativo depender apenas da indústria do jogo?
É, mas é a única coisa que temos. Somos muito pequenos. Não temos indústria, nem força financeira. Não temos bolsa, por exemplo. Não temos inovação tecnológica. Não temos sequer pequenas indústrias como a produção de jóias ou de relógios, nada. Desde o início do século que temos o jogo. Sem os casinos, o Governo não tem muito onde ir buscar dinheiro. Os sistemas de educação, de saúde, a segurança social, têm todos dinheiro vindo dos casinos. O caso de Macau é mesmo muito particular. Cerca de 70 por cento do dinheiro vem do jogo.

Como deputado, tem a seu cargo a representação dos sectores cultural e desportivo. Um dos aspectos em que o Governo insiste é no turismo cultural enquanto fonte de diversificação económica do território. O que pensa acerca disso, enquanto representante do sector?
Macau está a fazer um excelente trabalho no que respeita ao património. O problema é que este trabalho no património não sustenta o desenvolvimento de negócios. Temos de prestar atenção a uma cultura combinada em que é integrado o factor negócio. Por exemplo, se formos a Milão, temos ao lado da catedral uma série de negócios ligados às lembranças, temos cafés e coisas desse género. E é isso que também temos de fazer. Macau olha para o património como sendo sagrado e não podemos fazer nada ali. Mas se virmos os edifícios históricos na Europa, estão todos cercados de negócios e são locais onde há publicidade que também é uma fonte de rendimento. Quando se fala de património, não interessa apenas manter os edifícios, é preciso pensar que há uma série de coisas que podem ser feitas com esses espaços. Aqui não, aqui as acções são no sentido de não tocar neste património. É necessário fazer com que os edifícios históricos coincidam com as ideias de se fazer negócio, dinheiro e atrair turistas. Um turista que venha a Macau, passeia no centro histórico durante duas horas e depois faz o quê? Outra coisa é a reserva de espaços para as grandes companhias poderem fazer publicidade. É uma forma de rentabilizar os espaços. Se eu for o dono de um edifício, como é que posso fazer dinheiro com ele se não me autorizarem a fazer um restaurante? Pedem-me dinheiro para a manutenção, mas se me permitirem tirar algum rendimento com um negócio ou com a autorização de ter publicidade no exterior do meu edifício, posso conservar este edifício também melhor. Mas aqui, se tenho um edifício histórico, não posso fazer nada. Como é que um museu pode fazer dinheiro se não se paga nada?

Mas também há muitos lugares como museus com entradas gratuitas, mesmo na Europa.
Sim, mas podem ser feitas coisas à volta desses edifícios que o justificam.

O sector pelo qual foi eleito é da cultura e do desporto. Como está o desporto em Macau? O que tem sido feito?
É muito difícil falar de desporto em Macau de uma forma nacional. Mais uma vez, o território é muito pequeno e não somos, nem podemos ser parte do Comité Olímpico Internacional (COI). Hong Kong, por exemplo, antes da transferência de soberania, já fazia parte do COI, separadamente de Inglaterra, e é por isso que continuam separados da China também. Macau não. Na altura da administração portuguesa, ninguém se preocupou com isso e depois, como somos pequenos, fazemos parte da China, mesmo neste aspecto. A melhor coisa que fizemos foi fazer parte do Conselho Olímpico da Ásia. Integramos os Jogos Asiáticos, mas Macau é tão pequeno que não conseguimos ter um sistema bem desenvolvido para o treino de atletas profissionais. Mesmo com atletas, eles não conseguem sobreviver e precisam de um emprego. Já há atletas agora que vão para Hong Kong para as escolas de desporto.

Seria possível fazer o mesmo – escolas especializadas – em Macau?
Estamos a tentar abrir o Instituto do Desporto a isso, mas vai levar tempo. O Governo, nos últimos anos, também devido à recessão no jogo, cortou algum financiamento ao sector. É cada vez mais difícil conseguir financiamento para ir a qualquer competição internacional.

Há analistas que consideram que Chan Chak Mo e Vitor Cheung Lup Kwan não têm um contacto próximo com a cultura e com o desporto que justifique a vossa representação do sector. Como olha para estas críticas?
Não tenho de lutar por benefícios na AL. Sou membro do Conselho de Desporto e posso dar a minha opinião aí. Na AL, penso que a minha atitude mais valiosa é enquanto homem de negócios porque também o sou. Por outro lado, temos o Ma Chi Seng que está sempre preocupado com o desporto e, como tal, deixo-o fazer os comentários acerca do sector. É só isso. Não é que não tenha nada a dizer, só não quero fazer ninguém perder tempo porque tenho um canal directo para mostrar a minha opinião quando se trata de desporto.

No que respeita à Lei de Terras.  Disse há umas semanas que acredita que o Governo irá dialogar acerca de uma possível revisão.
Sim, penso que vai haver alguma mudança no que respeita à interpretação da Lei de Terras. O princípio básico tem que ver com o facto de que se um concessionário não fez nada de errado, não há razão para que lhe seja retirada a concessão. Esta é a questão que tem de se ver, a forma como é interpretada a lei. Se não é da responsabilidade do concessionário o não aproveitamento dentro dos prazos, se é da responsabilidade do Governo, deve-se considerar dar mais tempo aos concessionários. Esta é a direcção certa.

É candidato de novo pelo sufrágio indirecto. O que pretende fazer?
Sou uma pessoa discreta. O que quer que diga pode ser mal-entendido ou pode levar a pensar que estou a falar pelo Governo por ser membro do Conselho Executivo. Por isso, prefiro não expressar a minha opinião. Faço o meu trabalho. Há um ditado chinês que diz que se for uma pessoa boa para todos, então poderei dormir bem. É isso que faço. Não é para proveito pessoal. Tenho muito que fazer, tenho muitos negócios, tenho muito com que me preocupar. Durmo bem.

Isso leva-nos a outra questão. É um homem de sucesso nos negócios. Não acha que esse aspecto pode colidir com o trabalho político?
Não. Eu só interfiro, não em nome pessoal, mas em nome dos negócios. Por exemplo, eu dirijo restaurantes, quando está em discussão o sector, eu falo do geral, nunca dos restaurantes em particular, mas sim de todo o sector da restauração. Só quero que sejam melhoradas as condições do sector e os procedimentos que são necessários fazer, de modo a que toda a indústria seja mais “user friendly”. Se quero mudar alguma coisa, é para o benefício do sector por inteiro. As burocracias são uma loucura em Macau. Ter uma licença pode demorar dois anos.

São necessárias mudanças nesse aspecto?
Sim. Fazer coisas em Macau é um processo muito lento. Uma licença de construção pode levar dez anos.

Tem-se manifestado contra a lei sindical. Porquê?
Não tenho nada contra ela, mas acho que não temos um sistema que necessite dessa legislação, como acontece na Europa ou nos Estados Unidos.

Porquê?
Porque estamos a falar do direito à greve. Sem falar nos meus negócios, vamos dar como exemplo os casinos. Se as greves forem autorizadas, os funcionários vão pedir aumentos anualmente e, se não foram dados, há a ameaça de greve, e todo o território morreria. Penso que se trata de um jogo de poder. Os sindicatos querem com este tipo de leis controlar também os trabalhadores. Em Macau, há as leis laborais que penso que funcionam muito bem. Há um departamento responsável pela defesa dos trabalhadores, porquê criar sindicatos? A economia em Macau é boa, não são necessários.

Tem património imobiliário em Macau. O que acha das alterações ao arrendamento?
Sou contra. Não é por ser proprietário. Depois da recessão dos rendimentos dos casinos, já voltou tudo ao normal, porque é que se há-de controlar as rendas? Tem de ser uma economia livre. As propriedades têm de estar num mercado livre.

Mas não acha que as rendas são muito altas e que estamos perante um cenário de especulação imobiliária?
Nos negócios, é sempre necessário que haja alguém que combata e alguém para ser combatido. São precisos dois para dançar o tango.  Mesmo que controlem o aumento da renda, os proprietários podem arranjar forma de contornar a situação: passam a cobrar por outras coisas, como por exemplo pela mobília. Na compra e venda, se o banco só dá, por exemplo, 15 por cento para a compra de uma casa, o proprietário pode negociar com o interessado e avançar com 30 por cento e fazer negócio com isso. Por muito necessária que seja a lei, vai sempre existir forma de a contornar, porque se trata de um acordo mútuo. Por outro lado, não pode existir nas maiores cidades do mundo um desenvolvimento saudável do mercado imobiliário se existir controlo de terras e de rendas. Podemos olhar para Nova Iorque ou Detroit, em que quando os proprietários são impedidos de aumentar a renda, deixam de fazer obras nos edifícios velhos. Os prédios acabam por ficar extremamente deteriorados.

As pessoas não sentiriam uma maior estabilidade, sabendo que não teriam grandes oscilações nas rendas?
As pessoas podem assinar os contratos que quiserem. O controlo das rendas não é uma coisa boa.

26 Jul 2017

Deputados contestam críticas a lei das rendas

O projecto ainda não foi aprovado na Assembleia Legislativa, mas está a ser recebido com reticências pelo sector imobiliário. Song Pek Kei garante que o texto foi bem trabalhado e Ng Kuok Cheong recorda que há tempo para compreender as alterações até à entrada em vigor das novas normas

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] assunto foi amplamente debatido em sede de comissão e foi objecto de uma ampla consulta pública, com recolha de opiniões junto de vários sectores da sociedade. São estes os argumentos da deputada Song Pek Kei para rebater a contestação ao projecto de lei que visa introduzir alterações ao regime jurídico do arrendamento no Código Civil.

A deputada não concorda com a acusação que tem sido feita pelo sector imobiliário, que fala em “preparação insuficiente” para as modificações à legislação. Em declarações ao Jornal do Cidadão, recorda que a actual legislatura está quase a chegar ao fim e diz não querer sequer imaginar “o impacto para a população” caso o projecto de lei seja abandonado.

Song Pek Kei acredita que a sociedade sairá beneficiada da alteração à chamada lei das rendas, acrescentando que talvez parte da população não esteja suficientemente elucidada sobre o que se pretende fazer. Neste contexto, vinca que a proibição de denúncia unilateral dos contratos, no prazo de três anos, não significa a impossibilidade de fazer contratos mais curtos: aumentam-se, isso sim, as garantias dadas aos inquilinos que pretenderem ficar três anos na mesma casa.

Quanto ao mecanismo de ajustamento das rendas, uma hipótese que será concedida ao Chefe do Executivo, a deputada defende a opção explicando que é um direito e um dever do Governo poder garantir o desenvolvimento saudável do mercado. A liberdade de negociação entre inquilinos e arrendatários não está a ser colocada em causa, vinca, pretendendo-se apenas evitar aumentos sem fundamento.

Ao mesmo jornal, Ng Kuok Cheong afasta também a possibilidade de deixar para a próxima legislatura a apreciação do projecto de lei, por entender que não existe tal necessidade. Para o pró-democrata, só quando um articulado é “muito mau” é que deve ser abandonado, o que não se aplica ao caso em questão.

O deputado salienta que a lei só entrará em vigor meio ano após a aprovação, o que faz com que o Governo tenha tempo para a sua divulgação, tentando assim afastar receios de que não seja compreendida pela população.

Mais casas disponíveis

Em defesa da nova lei de rendas saiu também o vice-presidente da Associação Aliança de Povo de Instituição de Macau, movimento ligado aos deputados Chan Meng Kam, Si Ka Lon e Song Pek Kei. Chan Tak Seng não só considera que a alteração legislativa trará vantagens em termos gerais, como ajudará a combater o fenómeno das pensões ilegais.

Num texto que fez publicar no Jornal do Cidadão, Chan refere que grande parte dos contratos de arrendamento não foi comunicada ao Governo, o que faz com que as autoridades não tenham percepção da situação real do mercado. O vice-presidente explica que, com o valor das rendas a aumentar, há vários proprietários quer preferem deixar as casas vazias, com receio de que as fracções sejam utilizadas para alojamento ilegal.

Chan Tak Seng recorda ainda que é a própria Direcção dos Serviços de Turismo que reconhece a dificuldade no combate a este tipo de ilegalidade. Como as alterações propostas prevêem o reconhecimento das assinaturas dos contratos, o dirigente associativo acredita que isso irá contribuir para que os senhorios arrendem mais facilmente as casas.

26 Jul 2017

AL | Governo ainda não respondeu a 72 interpelações escritas

 

A três semanas do fim da legislatura, há vários deputados que se arriscam a ficar sem resposta às questões que colocaram ao Governo. São mais de sete dezenas de réplicas que ainda não chegaram à Assembleia Legislativa. Ainda assim, a situação já foi pior

 

[dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]m Fevereiro deste ano, José Pereira Coutinho escreveu ao Executivo a propósito dos trabalhos de fiscalização dos autocarros de turismo e dos “shuttle bus”. Passado um mês, Si Ka Lon quis saber das melhorias que o Governo pretende introduzir para o desenvolvimento do sector logístico. Os dois deputados continuam à espera de resposta.

Não são os únicos. Ontem, à hora a que este texto foi escrito, havia 72 interpelações escritas a aguardar réplica do Executivo. As missivas são o método mais usado pelos deputados no exercício da fiscalização da acção governativa, mas o destinatário parece continuar a ter dificuldades em lidar com as solicitações.

“Tem havido um enorme esforço do Governo”, concede ao HM Pereira Coutinho, na Assembleia Legislativa (AL) desde 2005. Houve alturas em que a situação era pior; a grande mudança dos últimos anos prende-se com o número de interpelações enviadas. “É evidente que o aumento de intervenções e interpelações por parte dos deputados exige uma capacidade de resposta diferente daquela que, neste momento, o Governo está a dar.”

Só este mês, da AL saíram 25 missivas. Nenhuma delas mereceu, por enquanto, resposta. Focam assuntos tão diferentes como a prevenção da doença do Legionário, tema que o secretário para os Assuntos Sociais e Cultura terá de encaminhar para os Serviços de Saúde, o horário de funcionamento do trilho entre o Jardim do Lago e as Casas da Taipa, assunto que preocupa Chan Meng Kam, ou o reforço ao combate ao alojamento ilegal.

Junho foi um mês de grande produção de interpelações escritas, com os deputados a assinarem 64 documentos do género. Há 34 que continuam sem resposta. Pereira Coutinho aguarda esclarecimentos sobre quatro temas diferentes e o seu colega de bancada, Leong Veng Chai, tem outras tantas questões pendentes. Chan Meng Kam ainda não recebeu explicações sobre o plano de apoio para os equipamentos destinados à protecção ambiental, sendo que a bancada de Fujian tem mais três interpelações do mês passado sem resposta.

Melinda Chan encontra-se na mesma situação em relação a um pedido de explicações remetido, Au Kam San abordou três assuntos que ainda estarão a ser estudados, Ng Kuok Cheong enviou duas interpelações cuja réplica ainda não recebeu, o mesmo número de questões que Ho Ion Sang e Zheng Anting querem ver esclarecidas. Mak Soi Kun, Wong Kit Cheng Kwan Tsui Hang, Ella Lei e Chan Hong completam a lista dos deputados a aguardar.

Das 59 interpelações escritas enviadas em Maio, falta responder a cinco. Das 55 de Abril, há ainda seis réplicas a serem elaboradas pelo Governo. O Executivo terá também de enviar representantes à AL para falarem sobre 14 interpelações orais. As reuniões estão ainda por agendar.

 

O drama das traduções

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] número de interpelações escritas à espera de resposta não surpreende Pereira Coutinho. “Tem vindo sempre a ser assim”, constata, encontrando duas razões para a demora: a tradução e a dificuldade que o Governo tem em responder “a temas mais sensíveis”. No que toca às traduções, o deputado lamenta que a Administração continue a ter dificuldades nesta matéria. “Ainda hoje [ontem] recebi uma resposta a um requerimento em línguas distintas. Ou seja, tinha feito aquilo em português e eles responderam-me em chinês. Isto demonstra que, de facto, a Administração luta com enormes dificuldades para ter as traduções a tempo.” O problema da utilização do português e do chinês não é de hoje, observa Coutinho, que lamenta que o Governo não tenha prestado mais atenção ao assunto no passado. “Agora é que vem dizer que faltam pelo menos 200 intérpretes-tradutores.”

 

Regimento | Novo Macau escreve aos deputados

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] Associação Novo Macau (ANM), que deixou de ter voz oficial na Assembleia Legislativa (AL) desde que Ng Kuok Cheong e Au Kam San bateram com a porta, escreveu ao hemiciclo a pedir aos seus membros que votem contra a alteração ao Regimento que visa a proibição de cartazes nas bancadas dos deputados.

Na semana passada, a ANM fez uma conferência de imprensa em que se mostrou contra a proposta de resolução da Comissão de Regimento e Mandatos que prevê esta interdição. Agora, a associação de Scott Chiang reitera a argumentação, considerando que a utilização de tais objectos não coloca em causa a solenidade do órgão legislativo.

Para os pró-democratas, “a solenidade e a dignidade da AL estão ligadas à sua capacidade de fiscalização ao Governo, à actualização das leis para que sejam capazes de dar resposta à passagem do tempo, ao aproveitamento adequado do erário da RAEM e à responsabilização real dos funcionários públicos”. Para a associação, o recurso a objectos nas sessões plenárias deve ser respeitado e permitido. Caso os acessórios perturbem a ordem de trabalhos, alega a ANM, o presidente da AL pode suspender o uso da palavra dos deputados em causa ou pedir-lhes que abandonem o plenário.

O assunto vai ser debatido amanhã. O projecto de resolução vai ser votado na generalidade e na especialidade no mesmo plenário.

26 Jul 2017

Aviação | Voo Capital Airlines em Macau para ligação Pequim-Lisboa

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] voo inaugural entre Pequim e Macau da Capital Airlines, para coincidir com a nova ligação da transportadora chinesa a Lisboa, aterrou ontem no aeroporto internacional do território.

A nova rota da transportadora Beijing Capital Airlines vai ser assegurada por quatro voos semanais entre a Macau e a capital chinesa, para coincidir com a ligação a Lisboa e servir também os cerca de 15 mil portugueses que vivem no território, de acordo com um comunicado da Companhia do Aeroporto de Macau (CAM).

Os voos entre Macau e Pequim vão efectuar-se à segunda, terça, quinta-feira e sábado. Ao todo e desde ontem, 25 voos semanais vão ligar a RAEM a Pequim, acrescentou o comunicado.

A nova ligação directa entre Pequim e Lisboa, também da Capital Airlines, terá três frequências por semana – quarta-feira, sexta-feira e domingo – entre a cidade de Hangzhou, na costa leste da China, e Lisboa, com paragem em Pequim. O voo arranca hoje.

A ligação entre Pequim e Lisboa demorará cerca de 13 horas e, no sentido inverso, demorará 12 horas. A actual ligação mais rápida entre a capital dos dois países demora 14 horas, com escala em Frankfurt, na Alemanha.

Nos últimos três anos, o número de turistas chineses que visitaram Portugal triplicou, para 183 mil, e deverá aumentar “exponencialmente” com a abertura da ligação directa, afirmou, em Abril passado, a secretária de Estado do Turismo, Ana Mendes Godinho.

A China é já o maior emissor mundial de turistas e, segundo estatísticas oficiais, 135,1 milhões de chineses viajaram para fora da China Continental, em 2016, num aumento de 12,5 por cento em relação ao ano anterior.

A Capital Airlines é uma das subsidiárias do grupo chinês HNA, accionista da TAP, através do consórcio Atlantic Gateway e da companhia brasileira Azul.

26 Jul 2017

Contratos | Mais de 20 trabalhadores ainda em situação irregular no IC

Leung Hio Ming revelou que o Instituto Cultural ainda tem 24 trabalhadores vinculados através do regime de aquisição de bens e serviços. Por outro lado, anunciou que Macau vai ter espaços novos para a cultura, incluindo um Centro de Performances na zona A dos novos aterros

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Instituto Cultural (IC) ainda tem 24 trabalhadores em situação irregular a trabalhar nos seus quadros até ao Verão do próximo ano. A polémica continua desde o demolidor relatório do Comissariado contra a Corrupção (CCAC), que trouxe à baila a forma como o (IC) recrutou pessoal. Aos ajustes no recrutamento juntaram-se os processos disciplinares contra o antigo presidente Ung Vai Meng e os actuais presidente, Leung Hio Ming, e vice-presidente, Chan Peng Fai.

O relatório do CCAC indicava que o IC havia recorrido “ao modelo de aquisição de serviços para contornar sistematicamente o regime legal de recrutamento centralizado e concurso público”, sem a autorização do secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, Alexis Tam.

Nesse aspecto, Leung Hio Ming revela que, de um universo de 94 funcionários contratados fora do regime de concurso público, mais de 70 não terão o vínculo renovado assim que o contrato expirar. “A maior parte saiu em finais de Junho, no final do prazo dos contratos que assinaram”, explica o presidente do IC. Uma pequena percentagem destes funcionários termina o seu vínculo laboral com o IC no final de Agosto e Setembro.

Restam ainda 24 trabalhadores recrutados pelo regime de aquisição de bens e serviços, que permanecem nos quadros do IC com a autorização de Alexis Tam. Esses funcionários ficam até Junho/Julho de 2018, ao abrigo de uma “situação de emergência”. De acordo com as declarações do presidente do IC, trata-se de mão-de-obra que faz “trabalhos de gestão e planeamento, por exemplo, dos festivais de Macau”.

Novos espaços

No que toca à admissão de novo pessoal para colmatar a saída dos trabalhadores que se encontravam em situação irregular, Leung Hio Ming revela que não existe “qualquer plano para o recrutamento”. Porém, o presidente do IC vincou que se no futuro surgir uma situação de carência que a isso exigir será utilizado o mecanismo geral de admissão, ou seja, o concurso público.

Leung Hio Ming avançou ainda que está em projecto a construção de um espaço, perto do Centro Cultural de Macau, para acolher a produção artística. O presidente do IC adiantou ainda a existência de um plano de construção de um centro de performances na zona A dos novos aterros.

As declarações foram prestadas à margem da apresentação do Festival Internacional de Música de Macau. Ainda no que diz respeito a espaços com capacidade para acolher criação artística, como grupos musicais locais, Leung Hio Ming salientou que há que “aproveitar instalações actuais como, por exemplo, o auditório da Universidade de Macau”.

26 Jul 2017