Hoje Macau SociedadePac On | Concessionária de terreno perde no TSI [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Tribunal de Segunda Instância (TSI) considerou improcedente um recurso contencioso sobre a declaração da caducidade de um terreno no Pac On. Em Junho do ano passado, o Chefe do Executivo declarou a caducidade de um lote que tinha sido concessionado à empresa Interbloc – Materiais de Construção. Inconformada, a empresa recorreu do despacho do líder do Governo, mas a justiça não lhe deu razão. A concessionária alegou que em causa estava a violação dos princípios da proporcionalidade, da boa-fé, da tutela da confiança e da igualdade. O TSI entende que não houve violação do princípio de proporcionalidade, porque o despacho não teve na origem uma ponderação acerca da culpa do incumprimento da obrigação contratual dentro do prazo da concessão. No caso em análise, o que conta são factos objectivos, explica o tribunal: por um lado, a concessão tinha chegado ao fim e, por outro, o terreno não tinha sido aproveitado. “Não interessa convocar aqui as razões típicas da culpa”, lê-se no resumo da decisão feito pelo Tribunal de Última Instância. A empresa dizia ainda que a crise financeira asiática e do surto de pneumonia atípica, bem como o clima geral de insegurança antes no período da Administração Portuguesa tinham contribuído para que o lote não tivesse sido aproveitado. Esta explicação não convenceu o TSI. “De acordo com a cláusula do contrato, (…) a concessionária estava obrigada a transmitir prontamente, ao concedente, a ocorrência de casos de força maior ou outros factos relevantes cuja produção escapasse ao seu controlo, para justificar o incumprimento do aproveitamento no prazo fixado e ver-se desresponsabilizada pelo atraso”, aponta o tribunal. Não foi isso que aconteceu. “Além de nada ter comunicado espontaneamente, (…) também nada disse quando foi expressamente interpelada pela Administração sobre o não aproveitamento.” Depois, quando começou a crise financeira, em 1997, “já há muito se esgotara o prazo do aproveitamento”: era Dezembro de 1995. A Interbloc – Materiais de Construção acusava ainda a Administração de ter uma dualidade de critérios, apresentando outros casos em que o desfecho foi diferente. O TSI entendeu que, “nos casos invocados para comparação, verifica-se efectivamente o incumprimento dos prazos de aproveitamento, mas ainda vem longe o prazo da concessão nos contratos, de 25 anos, ao passo que o prazo da concessão no caso em apreço já se esgotou”.
Hoje Macau SociedadeJustiça | Ng Lap Seng condenado em caso de corrupção na ONU Poderá ser condenado a mais de 65 anos de prisão. De nada valeu à defesa garantir que o dinheiro dado foi a resposta a pedidos de diplomatas das Nações Unidas sem escrúpulos. Ng Lap Seng foi considerado culpado de todos os crimes de que ia acusado [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] empresário Ng Lap Seng, que queria construir um centro das Nações Unidas em Macau, foi condenado por corrupção e branqueamento de capitais, num caso que envolve um antigo presidente da Assembleia Geral da ONU. No final da semana passada, depois de um julgamento de quatro semanas, Ng Lap Seng, de 69 anos, foi condenado por todas as seis acusações que enfrentava, incluindo corrupção, suborno e branqueamento de capitais, no tribunal federal de Manhattan, em Nova Iorque. A data em que se procederá a deliberação sobre a pena não foi anunciada pelo tribunal. Ng pode enfrentar uma pena de prisão superior a 65 anos. Os procuradores acusaram Ng de pagar mais de um milhão de dólares em subornos para contornar os normais procedimentos das Nações Unidas, com o sonho de conquistar “fama e fortuna” com a sua ideia de desenvolver em Macau um centro tão grande como o edifício das Nações Unidas em Nova Iorque, que seria a “Genebra da Ásia”, com hotel, marina, heliporto, complexo de apartamentos e centro comercial. A procuradora Janis Echenberg afirmou que Ng pagou mais de 1,7 milhões de dólares em subornos, escreve a Associated Press. O empresário “corrompeu as Nações Unidas”, considerou Echenberg nas alegações finais. “Tijolo a tijolo, suborno a suborno, o réu construiu o caminho que ele julgava que ia permitir criar o seu legado”, afirmou. Ng é acusado de ter subornado John Ashe, que foi presidente da 68.ª sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas entre Setembro de 2013 e Setembro de 2014, e Francis Lorenzo, embaixador adjunto da República Dominicana junto da ONU. Ashe morreu num acidente em casa antes de ser levado a julgamento. Os procuradores dizem que, entre 2010 e 2015, Ng subornou John Ashe e Francis Lorenzo, pagando 50 mil dólares por mês num esquema para atrair para Macau um centro que servisse os países mais pobres do Hemisfério Sul. Ng Lap Seng foi o único de cinco acusados vivos a não aceitar a transacção de culpa que lhe foi proposta por duas vezes. Um dos cúmplices foi condenado a 20 meses de prisão e os outros três, incluindo Francis Lorenzo, aguardam a sentença. A defesa do empresário argumentou que, apesar dos pagamentos serem comuns, o centro nunca foi construído. E insistiu na tese da extorsão: Ng Lap Seng deu o dinheiro que os diplomatas das Nações Unidas lhe pediram. O triunfo da acusação O juiz Vernon S. Broderick afirmou que Ng está “literalmente em prisão domiciliária”, com uma fiança de 50 milhões de dólares, num apartamento de luxo em Manhattan, onde permaneceu grande parte do tempo desde que foi detido em Setembro de 2015, com vigilância 24 horas por dia. “Ele não pode sair daquele apartamento. Não há se, e ou mas sobre isso”, afirmou o juiz. Num comunicado, o procurador interino dos EUA Joon H. Kim afirmou que Ng “corrompeu os níveis mais altos das Nações Unidas”. “Através de subornos e empregos de fachada, Ng tornou líderes da ONU no seu bando privado de agiotas”, apontou. As Nações Unidas disseram que “cooperaram extensamente para facilitar a administração adequada da justiça neste caso, ao divulgar milhares de documentos e renunciar à imunidade de funcionários para que pudessem testemunhar no julgamento”. O veredicto foi um triunfo para os procuradores, que enfrentaram questões legais difíceis, em torno da imunidade dada aos diplomatas da ONU, antes de conseguirem a cooperação do embaixador suspenso da República Dominicana Francis Lorenzo, que testemunhou contra Ng. Lorenzo afirmou que Ng lhe pagou inicialmente 20 mil dólares por mês como presidente de uma publicação, antes de aumentar esse valor para 30 mil, na condição de que colocasse a empresa de construção de Ng em documentos oficiais da ONU, como a firma que iria construir o centro em Macau. Ng Lap Seng foi membro do principal órgão de consulta do Partido Comunista Chinês e, em Macau, foi membro da Comissão Preparatória da RAEM, do Conselho para o Desenvolvimento Económico, pertencendo também à comissão que elege o Chefe do Executivo. São também conhecidas as suas doações ao Partido Democrático dos Estados Unidos nos anos 1990 e à Administração de Bill Clinton, noticiadas na imprensa norte-americana por suscitarem suspeitas de origem ilícita.
Hoje Macau SociedadeLusitanistas | Associação regressa à Europa depois de congresso na RAEM O primeiro congresso da Associação Internacional de Lusitanistas na Ásia chegou ao fim e o balanço não podia ter sido melhor. Quem passou por cá leva a ideia de que a língua portuguesa interessa à China. E foi feita ciência no território [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] próximo congresso da Associação Internacional de Lusitanistas, em 2020, vai realizar-se em Roma, foi anunciado em Macau, na sessão de encerramento da 12.ª reunião, considerada um êxito pela organização. O interesse pelo português está a crescer fora dos países de língua portuguesa e “na Ásia foi espectacular”, disse Roberto Vecchi, da Universidade de Bolonha (Itália), que foi reconduzido no cargo de presidente da AIL por mais três anos (2018-2020). O responsável considerou que a “atenção dada” aos trabalhos da Associação Internacional de Lusitanistas (AIL) “tem um potencial muito grande”. Esta “impressão alimenta o optimismo (…). Vai ser interessante ver como se concretiza esse potencial nos próximos anos”, sublinhou, no final do primeiro congresso da AIL na Ásia. Em Macau estiveram cerca de 140 associados de 80 universidades, mas o espaço de referência da AIL abrange cerca de nove centenas de pessoas. “Considerar 900 estudiosos de língua e culturas que se expressam em português significa uma rede académica realmente global”, afirmou Vecchi, acrescentando que a AIL se está a transformar, ao passar de uma “associação de estudiosos” para uma “plataforma que promove os estudos” com dimensão internacional. A função da associação, “que é lateral”, é estimular e contribuir para a disseminação da língua e das culturas que falam português e para isso há vários projectos em curso, como a renovação da revista da AIL, Veredas, e a aposta numa plataforma para editar os trabalhos dos associados. A brilhar Um dos projectos mais conhecidos da AIL é a Plataforma 9 – Portal cultural do mundo da língua portuguesa, que regista 1,2 milhões de visualizações. “A Plataforma 9 teve uma explosão fantástica, mas é uma parte de um todo. É preciso equilibrar o sistema e fazer com que todas as acções cresçam de forma orgânica”, disse. Responsável pela organização do congresso em Macau, o director do Centro Pedagógico e Científico de Língua Portuguesa do Instituto Politécnico de Macau (IPM) considerou o balanço “francamente positivo” do ponto de vista científico. “Produziu-se ciência e foi feito em Macau”, afirmou Carlos Ascenso André. “Macau tem um claro papel a desempenhar, do ponto de vista geográfico, da herança e da identidade, tem meios e vontade política para o fazer”, sublinhou. Antes do encerramento dos trabalhos, Ettore Finazzi-Agrò, da universidade “La Sapienza” de Roma, apresentou a única candidatura à realização do próximo congresso da AIL. IPM lança revista científica em português [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Instituto Politécnico de Macau (IPM) vai lançar, no final do próximo ano, a revista “Orientes do Português”, uma publicação científica para responder às necessidades dos docentes de língua portuguesa no interior da China. O director do Centro Pedagógico e Científico de Língua Portuguesa do IPM, Carlos Ascenso André, afirmou que a nova revista “é uma prenda para os professores de português que ensinam no interior do China” feita em Macau. “Estes docentes têm consciência de que querem progredir na carreira académica e para isso é preciso fazer currículo, e o currículo que mais conta é o das publicações”, disse na sessão de encerramento do 12.º congresso da Associação Internacional de Lusitanistas. Estes professores “são muito jovens, não há tantas revistas como isso acessíveis e não há, no Oriente, revistas em português”, sublinhou Carlos Ascenso André. “A prenda foi para os professores de português que ensinam na China. Criar uma revista em Macau disponível para eles publicarem é uma prenda que lhes estamos a dar”, disse. A partir de Setembro, poderá ter início o pedido de contribuições para a revista, que terá inicialmente uma periodicidade anual. “Vou criar um conselho científico de pares anónimos para fazerem a arbitragem científica”, de 20 ou 30 pessoas, de “muita qualificação e de todo o mundo”, explicou. “Queremos que esta publicação ganhe reconhecimento por parte da comunidade científica e queremos que seja indexada”, disse o responsável, sublinhando que para uma revista ser indexada “tem de ter qualidade assegurada”. Carlos Ascenso André afirmou que um dos objectivos é ver a nova publicação do IPM ser indexada na China. A publicação vai ter divulgação mundial, através de uma edição digital e em papel. Pessanha em Novembro Carlos André anunciou também a realização de uma conferência sobre o Camilo Pessanha, em Novembro, com três convidados vindos de Portugal. Está já “garantida a presença de José Carlos Seabra Pereira, o maior especialista na área do simbolismo, movimento a que pertence o poeta”, disse. A resposta “muito positiva e imediata” de todas as pessoas que ensinam literatura portuguesa nas instituições de ensino superior de Macau significa que a conferência será feita “com tudo o que de melhor há em Macau e que pode falar sobre Camilo Pessanha”, destacou. Camilo Pessanha viveu parte da sua vida em Macau, onde morreu em 1926.
Isabel Castro Eventos MancheteVisita guiada | Margarida Saraiva, curadora do Museu de Arte de Macau Naqueles rostos e corpos está a história da arte e das pessoas de Macau. O MAM apresenta “Representações da Mulher”, uma exposição feita a partir da colecção do museu. Viagem com Margarida Saraiva, a curadora da mostra, a um passado mais ou menos distante, a partir do universo feminino [dropcap style≠’circle’]C[/dropcap]omo é que surgiu esta exposição? Havia a ideia, do director do Museu de Arte de Macau (MAM), de renovar completamente a forma como a nossa colecção tem sido apresentada. Fui incumbida dessa missão. Quando se faz uma exposição, a nossa primeira preocupação é efectivamente saber qual é o seu propósito. A segunda são os objectos: o que temos e que história é que podem contar. Depois, num terceiro nível, como é que esses objectos se relacionam com o mundo contemporâneo. Neste caso, são antigos, são obras do século XIX e do século XX. Comecei a ver a colecção toda e tive o desejo de fazer uma abordagem que fosse interdisciplinar, o que era uma inovação em relação às exposições que o MAM tem feito sobre a sua colecção, porque costumamos apresentar pintura a óleo, gravuras, serigrafias ou cerâmica de Shiwan. Aqui, o que tentei foi pegar num tema e, através dele, atravessei todas as formas de expressão que estão incluídas na nossa colecção. Por isso, temos pintura a óleo, temos desenhos, livros, temos gravuras, cerâmicas, aguarelas e posters, tudo na mesma exposição. E tudo sobre mulheres. Tudo sobre mulheres. Nunca tinha sido feito no nosso museu um trabalho sobre as mulheres. Têm sido feitos noutros museus, no mundo inteiro: o MoMA fez uma exposição sobre a mulher e a forma como é representada na sua colecção, o Louvre e o Prado também. Há uma tendência internacional para se olhar para as colecções e tentar perceber qual é o lugar da mulher no mundo da arte, não só a forma como a mulher é representada, mas também as artistas. Esta exposição é a primeira parte de uma investigação que terá uma segunda parte. Nesta parte, estudamos apenas a forma como a mulher é representada na história de arte e pela história de arte. O que encontramos aqui são representações da mulher e ainda não as mulheres artistas, que é a segunda parte da exposição, que há-de ser no próximo ano. Atendendo ao espólio que existe no MAM, como é que a mulher é representada? Temos aqui duas representações: aquelas que são feitas pelo olhar ocidental, mas também temos obras de artistas orientais. Liga-se à história da própria colecção do MAM. Este museu herda a sua colecção do Museu Luís de Camões, que originalmente não era um museu de arte – era um museu comercial, etnográfico, histórico. Só em 1933, com a aquisição do espólio de Manuel da Silva Mendes, é que o museu ganha uma componente propriamente artística que, até então, não tinha ou era pequena. Havia algumas obras de arte, mas eram poucas. A colecção de Silva Mendes começava com obras de arte de artistas ocidentais. Tínhamos Chinnery, Boswell Watson, Borget, e essas são as primeiras obras que apresentamos aqui e as primeiras representações de mulheres que nos surgem. E também Lam Qua, cujas obras já faziam parte da colecção também de Manuel da Silva Mendes. Efectivamente, a maior parte dos retratos que apresentamos da mulher, aqui nesta primeira galeria, que é sobre o século XIX, são pintados por Lam Qua. Um neto dele desenha também mulheres numa outra galeria mais à frente. Por isso, esta exposição acaba por ter vários níveis de leitura: não só conseguimos ver a forma como a mulher é retratada ao longo da história da arte, como também conseguimos acompanhar a história da colecção do museu, como ainda conseguimos acompanhar um bocadinho da história da arte de Macau, e até a relação que existe entre uns artistas e outros, às vezes relações que são também de natureza familiar. Falando do século XIX. A forma como se representa a mulher no Oriente e no Ocidente é substancialmente distinta? Através da nossa colecção, temos Chinnery que marca o início da forma como a mulher é representada, uma tradição puramente europeia, e seguimos com Lam Qua, que é um discípulo informal da obra de Chinnery, no sentido em que Chinnery nunca admitiu ter ensinado pintura a Lam Qua. Mas, de alguma forma, as obras mostram que há uma aproximação na forma da pintura. As primeiras representações que temos de mulheres chinesas são feitas por via de uma tradição que é fundamentalmente ocidental: Chinnery e os seus discípulos. São mulheres de uma classe social mais abastada, as senhoras dos mandarins que aparecem representadas, mulheres europeias, mulheres chinesas, macaenses. Esta obra é uma das mais antigas do espólio artístico deste museu que não fazia parte da colecção de Silva Mendes: é uma Senna Fernandes. Em princípio, o quadro deve ser de Lam Qua. Como é que este quadro chegou ao MAM? Existem os inventários antigos do espólio do Museu Luís de Camões e, a partir de 1926, existem registos de todas as obras que entraram no museu. Um dos directores teve a intenção de fazer uma exposição de quadros históricos e pediu a várias famílias importantes da cidade de Macau que cedessem obras para essa exposição. Muitos dos registos não são suficientemente detalhados para sabermos a que obra se referem, mas há outros que permitem. Neste caso particular, existe o recibo de entrada de uma obra de uma pintura a óleo de uma senhora da família Senna Fernandes. Esta é a única senhora da família Senna Fernandes que está no nosso espólio. Aquele recibo deve muito certamente corresponder a esta obra. Conseguimos, nestes casos, saber exactamente o dia, o mês e o ano em que a obra dá entrada no espólio do museu que, depois, herdámos. É possível perceber por estes retratos que histórias tiveram estas mulheres, o que é que significaram no século XIX em Macau? Fizemos um primeiro esforço de identificação das personagens que estão representadas. Não é possível identificar todas. Quando conseguimos identificar estas mulheres, muitas vezes temos pouquíssima informação sobre o papel que elas efectivamente tiveram na sociedade de Macau por falta de registos. Mas penso que este foi apenas o primeiro passo nesse sentido. Eventualmente, com a ajuda de outros investigadores que se dedicam ao estudo da mulher na cidade de Macau nos séculos XX e XX, vamos continuar a tentar saber mais histórias sobre estas mulheres. Nesta galeria do século XIX, além deste quadro de Ricardina Senna Fernandes, que outras obras destaca? Destaco a primeira obra de um macaense: Marciano Baptista, um artista nascido em Macau, que estudou cá, também é um dos discípulos de Chinnery. É a primeira representação a óleo de uma mulher do povo. O que acho engraçado neste quadro é o sapato. Normalmente, as senhoras do povo não tinham os pés enfaixados. Não é normal que uma mulher, que pode ser uma criada que vai ao mercado comprar coisas, leva o filho ou o irmão às costas, tenha os pés enfaixados. Este pormenor é o ponto exacto em que o artista expressa a sua visão sobre aquilo que é a condição feminina. Este sapato está fora de contexto. O sapato é a coisa mais pequenina neste quadro, quase não se vê, e é a mais importante. Além da pintura a óleo, há também desenhos. Sim. Estas são as famosas tancareiras, que foram muito representadas porque eram as primeiras mulheres que os homens viam quando chegavam a Macau de barco. Se nas pinturas a óleo temos sobretudo mulheres de uma classe social mais abastada, que resultam, penso eu, de encomendas, na maior parte dos casos, os artistas desenhavam as mulheres do povo, usando o desenho. É o esboço rápido daquilo que viam na rua. Aqui, conseguimos ter uma visão do papel da mulher de um outro estrato social. Mais uma vez, neste caso, George Chinnery tem uma relevância grande. Tem uma relevância grande porque não havia esta tradição na China de se desenhar cenas da vida quotidiana. Era uma tradição já bastante desenvolvida na Europa. O desenho à vista, rápido, das cenas da vida quotidiana, é quase antropológico. Chinnery às vezes punha notas nas suas obras. Como raramente assina os seus trabalhos, esta é uma forma que hoje se usa para saber que a obra é autêntica. Funciona como uma assinatura da obra. São pequenos apontamentos porque às vezes estes desenhos são estudos de composições de obras maiores. Apesar de sabermos pouco sobre estas mulheres, ainda assim é possível perceber que papel representavam. A mulher é representada como deusa, como mãe, como criada ou concubina. Todas essas funções estão aqui representadas. Passámos à frente de um dos quadros a óleo em que se vê uma mãe a amamentar o filho. Aqui temos uma concubina. É uma peça de cerâmica. É uma peça de cerâmica de Pan Yu Shu, um artista chinês, do final da dinastia Qing. Esta obra não é uma encomenda de Silva Mendes, ao contrário daquela ali, uma velhinha encomendada para decorar a sua vivenda, que faz parte de um conjunto só em cerâmica. As obras de Shiwan são em cerâmica, era uma tradição muito antiga que depois foi abandonada em favor desta técnica que vemos aqui, que usa o vidrado para as roupas e todo o corpo é deixado em barro. Hoje, a maior parte da cerâmica de Shiwan tem esta característica. Silva Mendes reiniciou a tradição antiga de Shiwan e houve alguns artistas em Shiwan que continuaram esta tradição. Quanto a esta concubina, é uma história linda, um clássico. Conta a história de um imperador que tem uma concubina, que se chama Yan Guifei, a favorita. Nessa condição, aqui é representada depois de prestar os seus favores ao imperador, a ver-se ao espelho, e o imperador manda o eunuco presenteá-la com pérolas. Ela começou a exercer cada vez mais influência sobre o imperador e a colocar na corte imperial todos os seus familiares. Outras pessoas da família do imperador começaram a achar que ele estava a ser manipulado por ela e fogem da corte. No percurso, todas estas pessoas que estão a fugir conseguem convencer o imperador de que a responsável por tudo é a concubina. O imperador mandou matá-la, mas nunca mais foi feliz. Passamos agora para esta sala, que ainda nos mostra obras do século XIX. São gravuras do final do século XIX, de Thomas Allom, um arquitecto inglês que se julga nunca ter estado na China, mas que a representou em função de coisas que leu, que estudou. Não é muito significativo que tenha estado na China ou não, se é uma ficção ou não, porque na realidade a publicação destas gravuras é responsável por uma certa visão que a Europa teve da China no final do século XIX. O livro onde estas imagens foram publicadas chama-se “China: In a Series of Views, Displaying the Scenery, Architecture and Social Habits of That Ancient Empire”. O que temos são cenas de casamentos, o dote que as famílias recebiam, as mulheres de uma família de mandarins a jogar às cartas. Expomos aqui o livro em que as obras foram publicadas, neste ‘touch screen’, para as pessoas poderem ter outra visão. Agora, estamos no século XX. Esta galeria tem obras incríveis porque são aguarelas, pinturas originais, de um artista de Macau, que são a base dos cartazes publicitários do início do século XX. Aqui temos as aguarelas; daquele lado temos os cartazes. Eram estas pinturas que, depois, davam origem àqueles cartazes. O que é mais raro é expor-se a aguarela, porque normalmente nas exposições usa-se o cartaz impresso. As mulheres que encontramos aqui já são completamente diferentes. Isto é importante do ponto de vista histórico. Estamos em 1912, aboliu-se o enfaixamento dos pés das senhoras. Nesta primeira república, surgem todas as ideias de que a mulher deve ocupar socialmente um lugar paralelo ou igual ao homem, todas a reivindicações de sufrágio universal, de direitos das mulheres. São criadas as primeiras escolas femininas, as mulheres começam a poder ir à escola, a escolas de arte, e há o primeiro jornal feminino na China. É também o momento em que, pela primeira vez, as mulheres entram numa exposição oficial chinesa, com um alto número de representação, juntamente com homens. Entramos na história da China. Em Macau é difícil fazer essa história, mas estas obras, de alguma forma, contam um bocadinho toda uma alteração da visão da mulher. É uma mulher que usa salto alto, que tem manga cava, as saias vão ficando cada vez mais curtas e os sapatos cada vez mais altos. Nestas duas peças, temos uma mulher que está de calças e outra a beber vinho, de calças também. Encontramos agora a propaganda de meados do século XX. É a primeira vez que este trabalho é exposto no MAM. É uma encomenda do Sindicato dos Trabalhadores de Macau à Associação de Artistas de Macau, foram doados ao museu em 2010. Servia para exibir no Sindicato dos Trabalhadores de Macau, para ensinar às mulheres e aos trabalhadores em geral como é que elas se deviam comportar e qual o papel que devem desempenhar. Neste quadro temos uma crítica: “A trabalhadora Ling era supersticiosa, com uma mentalidade antiquada, que adorava vestir-se”. Esta pintura refere-se a tudo o que aconteceu na galeria anterior. Toda aquela ideia da mulher feminina, que pode usar o decote e que, apesar de ser mãe, também pode exercer a sua feminilidade, vai acabar. Aqui neste quadro temos a nova mulher: todas as suas formas físicas desaparecem debaixo do uniforme maoísta, o cabelo não tem nenhum acessório. Esta mulher aprendeu o pensamento do Presidente Mao. Isto faz parte de toda época em que os cartazes de propaganda maoísta estavam em toda a China. Há um aspecto extraordinário: nesta altura, usava-se sobretudo xilogravuras, que eram enviadas para todas as províncias da China. Nessas províncias eram pintadas e, depois, distribuídas e usadas. Aqui, é pintura. É um trabalho extraordinário: alguns são a tinta-da-china; outros, a tinta-da-china com aguarela e guache. E aqui termina a exposição. Contámos um bocadinho da história da colecção, que tenho andado a estudar há já alguns anos. Apesar de ser uma abordagem sintética, quis fazer aqui homenagem a Manuel da Silva Mendes e ao seu contributo para que o MAM seja aquilo que é. Se não fosse esta colecção, o Museu Luís de Camões não se tinha transformado num museu de arte, e como herdámos este espólio, herdámos toda esta história que acaba por ter início na obra deste homem, que era um português.
Hoje Macau China / ÁsiaConselheiro indiano em Pequim para discutir problemas na fronteira A China não podia ser mais clara: a sua determinação em manter o território disputado é “inabalável” [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Conselheiro de Segurança Nacional indiano, Ajit Doval, esteve este fim de semana em Pequim, numa altura de renovada tensão entre a Índia e a China, em torno de uma área disputada nos Himalaias. Não houve declarações sobre o encontro entre Ajit Doval e o seu homólogo chinês, Yang Jiechi, mas os dois terão reunido, à margem de um fórum dedicado à segurança, do grupo de economias emergentes BRICS, que inclui ainda Brasil, Rússia e África do Sul. Tropas indianas estão desde Junho no planalto de Doklam (Donglang, em chinês), uma área também reclamada pelo Butão, que mantém com a Índia uma cooperação próxima a nível de segurança, e onde a China está a construir uma estrada. China e Índia, ambas potências nucleares, partilham uma fronteira com 3.500 quilómetros de extensão, a maioria contestada. Diferendos territoriais levaram a um conflito, em 1962, que causou milhares de mortos. Durante a reunião, Doval afirmou que a discussão sobre questões de segurança faz parte dos esforços para “ajudar a paz e estabilidade globais”. O grupo está sobretudo focado em questões económicas e comerciais e não tem um mecanismo formal para mediar disputas entre os seus membros, no âmbito da segurança. Palavras ditas A China exigiu a retirada de tropas indianas como condição para iniciar um diálogo, enquanto Nova Deli defende que ambos os lados se devem retirar. Ambos reclamam que contam com o apoio internacional na disputa. Esta semana, o ministro chinês da Defesa avisou a Índia para não subestimar a determinação da China em salvaguardar o que considera território seu. A determinação de Pequim em defender o seu território é “inabalável” e é “mais fácil fazer tremer uma montanha do que fazer tremer o Exército de Libertação Popular”, afirmou Wu, usando o nome oficial do exército chinês. “Aqui está um lembrete para a índia: não abusem da sorte e não se agarrem a fantasias”, afirmou. Na quinta-feira, o ministro indiano dos Negócios Estrangeiros, Gopal Baglay, recusou comentar os encontros de Doval em Pequim, mas disse que se deve lidar com o impasse pacificamente através do diálogo e “de forma a que não se torne numa disputa”. “Essa continua a ser a nossa posição e isso é exactamente o que dissemos no passado”, afirmou Baglay aos jornalistas. Irão | Enviado especial na posse de Rouhani [dropcap style≠’circle’]H[/dropcap]e Lifeng, enviado especial do presidente chinês Xi Jinping, participará da cerimónia de posse do presidente iraniano Hassan Rouhani em Teerão a 5 de agosto, anunciou na sexta-feira o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, Lu Kang. He, chefe da Comissão Nacional do Desenvolvimento e Reforma da China, participará na cerimónia a convite do governo iraniano, disse Lu, acrescentando que a China e o Irão gozam de uma relação amistosa e que em Janeiro de 2016, o presidente Xi fez uma visita de Estado àquele país, durante a qual as duas partes anunciaram que estabelecerão uma parceria estratégica integral. A China dá grande importância às relações com o Irão e trabalhará com o país para fortalecer a amizade e aprofundar a cooperação prática, disse o porta-voz. BRICS | Por um “ novo tipo de relação internacional” [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Presidente chinês, Xi Jinping, disse que aumentar a cooperação do BRICS não só protege e expande os interesses dos países do bloco, mas também ajuda a explorar caminhos para construir um novo tipo de relações internacionais. Xi fez o comentário quando se reuniu com o secretário do Conselho de Segurança Nikolai Patrushev (Rússia), o ministro de Segurança do Estado David Mahlobo (África do Sul), o conselheiro de Segurança Nacional Ajit Doval (Índia), e o ministro de Segurança Institucional Sérgio Etchegoyen (Brasil), que estão em Pequim para participar na 7ª reunião dos altos representantes do BRICS sobre assuntos de segurança. Xi felicitou o sucesso da reunião de dois dias, dizendo que o evento fez importantes preparações para a cimeira do BRICS que será em Setembro na cidade de Xiamen, sudeste da China. Trabalho | Menor desemprego urbano dos últimos anos [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] taxa de desemprego registado nas cidades chinesas fixou-se em 3,95% no fim do segundo trimestre, o nível mais baixo nos últimos anos, segundo os dados oficiais. A China criou 7,35 milhões de empregos no primeiro semestre do ano, 180 mil a mais que no mesmo período do ano passado, anunciou nesta sexta-feira o Ministério dos Recursos Humanos e da Segurança Social. A taxa de desemprego registado é calculada com base no número das pessoas desempregadas que se registaram nas autoridades de recursos humanos ou instituições de serviço de emprego.
Hoje Macau China / ÁsiaTufão Nesat | 81 feridos em Taiwan [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] primeiro tufão do ano em Taiwan deixou 81 pessoas feridas e cidades costeiras inundadas, com a ilha a preparar-se agora para uma segunda tempestade tropical. Os serviços meteorológicos de Taiwan indicam que o tufão Nesat tocou terra na costa nordeste da ilha no sábado à noite, com ventos máximos sustentados de 137 quilómetros por hora e rajadas até 173 quilómetros por hora. Os serviços de emergência informaram que o vento forte fez com que pessoas fossem atingidas por vidro, e fez tombar motas e até carrinhas. Mais de 10 mil pessoas, a maioria do sul de Taiwan, foram retiradas das suas casas antes de o tufão chegar, e 1.612 mantinham-se em abrigos temporários. O Nesat obrigou ao cancelamento de 145 voos internacionais e cortou a electricidade a quase meio milhão de casas. Mais de 3000 retirados de casa Mais de 3.100 pessoas já foram retiradas de suas casas na província de Fujian, no leste da China, devido ao tufão Nesat, que passou primeiro por Taiwan, informou a agência oficial de notícias Xinhua. A Administração Oceânica Estatal da China emitiu na sexta-feira um alerta laranja (o segundo mais grave) por ondas fortes na zona afectada e ordenou aos navios que voltassem ao porto, além de encerrar o acesso às praias. A autoridade advertiu que vão cair chuvas torrenciais até à próxima quarta-feira. Condenado à morte homem que matou 19 pessoas [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]s tribunais da província chinesa de Yunnan condenaram sexta-feira à morte Yang Qingpei, acusado de matar 19 pessoas com uma picareta em 28 de setembro de 2016, informou sexta-feira a agência oficial Xinhua. Yang matou primeiro os seus pais, quando estes recusaram dar-lhe dinheiro, e mais tarde matou 17 pessoas na cidade de Huize, por “temer ser descoberto”, segundo a sentença do tribunal. O atacante foi detido em Kunming, a capital de Yunnan, no dia a seguir aos crimes. Yang, nascido em 1989, declarou-se culpado de todas as acusações e anunciou que não vai recorrer da sentença.
Hoje Macau China / ÁsiaComércio | Arroz americano ainda não vai entrar no país [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Ministério do Comércio da China (MCC) divulgou uma nota informando que o arroz dos Estados Unidos precisa obter aprovação antes de entrar no mercado do país asiático, apesar de um acordo recente que abre a possibilidade de aquisições inéditas do cereal americano. Após várias rondas de negociações, autoridades chinesas e norte-americanas concordaram na semana passada com os requisitos de inspecção e quarentena para o arroz dos EUA entrar no mercado chinês, mas esse é apenas o primeiro passo, disse um porta-voz do MOFCOM numa declaração on-line. Os produtores de arroz dos EUA e as indústrias interessadas neste comércio ainda precisam de se registar no governo americano, e este recomendá-los à Administração Geral da China de Supervisão de Qualidade, Inspecção e Quarentena (AQSIQ), de acordo com o comunicado. Depois de obter aprovação do AQSIQ, os EUA ainda precisam realizar um processo de fumigação no arroz e enviar pesticidas e técnicas utilizadas no processo para autoridades chinesas para inspecção e confirmação, acrescentou o comunicado. “Os três passos acima são partes integrantes do processo”, disse o porta-voz do MOFCOM. “Até agora, apenas um passo foi concluído, então os EUA não podem ainda negociar arroz com a China “. Os EUA estão a tentar que a China abra o seu mercado interno a agricultores americanos, enquanto a China se consolida como o maior importador mundial de arroz. As compras chinesas baseiam-se sempre nos seus parceiros comerciais da Ásia. O acordo foi alcançado na semana passada durante a reunião de diálogo económico abrangente China-EUA em Washington DC e foi saudado pelos norte-americanos como um progresso histórico que beneficiaria muito os agricultores e industriais da América do Norte. Metal de má qualidade prejudica redução de excesso [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] primeiro-ministro chinês, Li Keqiang, pediu “esforços sólidos para impulsionar a redução do excesso da capacidade produtiva”, depois das inspecções do governo terem descoberto que várias siderúrgicas estavam a tentar retomar a produção de barras de aço de qualidade inferior. “Devemos permanecer firmes nos esforços de redução da capacidade excessiva para prevenir o regresso dos encerramentos na produção”, disse Li numa nota de instrução sobre as descobertas de uma inspecção do Conselho de Estado. “Aqueles que desobedecerem às regras do governo serão rigorosamente punidos, e as autoridades com supervisão fraca, responsabilizadas”, ameaçou Li. O gabinete chinês exigiu que todas as instalações produtoras de barras de aço de qualidade inferior fossem desmontadas em todo o país até ao final de Junho, mas a inspecção descobriu que duas fábricas em Tianjin ainda estavam em operações e que uma companhia fechada na província de Hunan estava a tentar reiniciar a produção. Como a capacidade excessiva pesou no desempenho económico geral da China, a redução é prioridade da agenda de reforma. Em 2016, a China cumpriu as metas anuais para carvão e aço antes do prazo. Este ano, a China pretende reduzir a capacidade de produção de aço em cerca de 50 milhões de toneladas e a de carvão em pelo menos 150 milhões de toneladas, de acordo com o relatório de trabalho do governo.
Valério Romão MancheteO mundo das mulheres [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] meu pai morreu quando eu tinha dezasseis anos. Tenho duas irmãs mais velhas. Na minha família, já de si diminuta, há poucos homens. As excepções são um tio, um cunhado e dois sobrinhos. O resto são mulheres. E são elas, invariavelmente, os esteios de força pelos quais a coesão familiar se mantém a despeito das mortes e outras tragédias semeadas ao acaso nas vidas das pessoas. Tenho alguns amigos homens, mas a maior parte dos meus amigos são mulheres. E apesar de na minha vida ter sempre estado rodeado de mulheres, nem sempre as compreendo ou compreendi. Quando se produziu, há cerca de ano e meio, a famosa lei do piropo, fui uma das pessoas que achei a medida excessiva, como acho todas as ingerências legislativas que tenham por finalidade regular o comportamento social. Nutro a perspectiva, porventura ingénua, de que o governo não precisa de nem deve de legislar sobre assuntos da ordem privada dos cidadãos, como a quantidade de sal no pão ou sobre as palavras que podem ou não ser proferidas numa conversa. Tenho alguma fé no bom senso. Achava manifestamente exagerado dar um enquadramento legal tão específico como aquele que foi concebido quando já havia um suporte legislativo no qual o assédio já era objecto de penalização. É claro que não sendo mulher, não estou habituado à objectificação do corpo à que estas estão sujeitas desde muito novas. Não sei o que é sentir medo de ser violada, por exemplo. Não sei o que é ter oitocentos pares de olhos a garimparem-me o decote. Não sei nada disso porque, embora tenha vivido e viva no mundo das pessoas que o sabem, estive sempre do outro lado. Na senda das conversas que foram surgindo um pouco por todo lado no Facebook, aquando da discussão dos prós e dos contra da chamada lei do piropo, fui percebendo que muitas das minhas amigas tinham de munir de uma força e resolução suplementares quando vestiam determinada roupa ou quando tinha de passar por determinados locais. Só por serem mulheres e, por isso, estarem expostas a níveis de cobiça e desejo mais ou menos declarados por parte dos homens. Eu não conhecia esta forma de força como a passei a conhecer. O paralelo mais adequado que encontro, na minha vida, é quando vou ao supermercado com o meu filho e toda a gente fica a olhar para nós porque ele grita sem razão aparente ou porque dá pulos no mesmo lugar enquanto esperamos para pagar. Mas ainda assim, e apesar de constrangedor e de exigir de mim uma resistência acrescida no contacto com os outros, não sinto qualquer tipo de ameaça. A grande ilusão do conhecimento advém da sua capacidade de se manter absolutamente anónimo e ocluso, mesmo na proximidade do sujeito, até o sujeito decidir orientar a sua atenção para ele. Como num número de magia, estamos ocupados com as mãos do prestigiador quando o truque, de facto, acontece apenas dois metros ao lado deste. Eu escrevo maioritariamente sobre mulheres. As minhas personagens são quase todas mulheres. As mais fortes são mulheres. No livro “O da Joana”, passe o reclame, o protagonista é uma mulher e as seis horas que esta passa numa sala de partos. Eu pensava que conhecia bem o mundo feminino. Mas não tinha estado atento à força discreta que as mulheres têm de convocar só para fazerem o caminho de casa para o trabalho. Não esperava de todo que fosse um registo continuado. Tinha a ideia – ingénua – de que apenas em situações excepcionais as mulheres eram forçadas a erigir a carapaça. Na verdade, como vim a perceber com mais clareza, a carapaça existe sempre, em maior ou menor espessura. Estava a olhar para as mãos do ilusionista e o truque, esse acontecia apenas dois metros ao lado.
Paulo José Miranda Em modo de perguntar ManchetePelin Esmer | A cineasta de Istambul Pelin Esmer (1972, Istambul) estudou Antropologia e é uma conceituada realizadora turca, galardoada com vários prémios. [dropcap style≠’circle’]F[/dropcap]azes filmes documentários e filmes ficcionais, e és cineasta premiada em ambos. O que diferencia uns dos outros? Para mim, os teus filmes documentários não se diferenciam dos filmes ficcionais. Há vários tipos de filmes documentários, de facto. Hoje o filme documentário já não se restringe a sua função informativa, embora ainda seja assim que a maioria das pessoas entendem o documentário. O que faz com que os meus filmes documentários não sejam filmes ficcionais, mas filmes documentários, é que os personagens são reais. Se eu não filmasse aquelas pessoas, ainda assim elas continuavam vivas e a terem a mesma vida que eu retrato. Este é, para mim, o argumento maior para dizer que os meus filmes documentários são filmes documentários e não filmes ficcionais. Evidentemente, os meus filmes documentários não são filmes informativos, não tem essa missão, como por exemplo os filmes documentários que se pode assistir em vários canais da TV cabo. Mas o que hoje em dia determina a diferença entre o ficcional e o documentário é precisamente a não criação de uma realidade. Eu não crio uma realidade nos meus filmes. A realidade já existe, mesmo que eu a não filme; mesmo que eu não existisse. Nos teus filmes ficcionais não crias uma realidade, mas crias um modo de ver. Se preferires, mostras o que estava escondido. Isso, sim. Pelo menos, é o que pretendo fazer com os meus filmes documentários. Pretendo mostrar sentimentos e condições das estruturas do humano que muitas vezes nos estão vedadas no nosso quotidiano. Por outro lado, mais do que dar respostas, os meus filmes são modos de fazer perguntas. E essa é precisamente a razão pela qual eu julgo os teus filmes, a que chamas de documentários, como não documentários. Entendo, mas não posso esquecer que a existência dos meus personagens não dependem da minha criação ou da criação de um escritor, eles existem. Há ainda uma outra diferença, que faz com que esses meus filmes sejam determinantemente filmes documentários: nos filmes de ficção, primeiro escreve-se o roteiro (script) e só depois se filma; no modo como trabalho o documentário há apenas um roteiro imaginado por mim, que é mais uma espécie de índice do que um roteiro, e quando vou filmar não forço a realidade que vou filmar para que actue de acordo com o meu roteiro imaginário. Só escrevo o roteiro no final, depois de ter tudo filmado, na montagem e usando o material filmado, isto é, usando o real e não o imaginário. Depois de Oyun (A Peça de Teatro), que saiu em 2005, nunca mais filmaste documentários. E Koleksiyoncu (O Coleccionador), o teu primeiro filme, saira em 2002. Quer isso dizer que abandonaste os filmes documentários e que eles foram apenas um modo de chegar ao filmes de ficção, 11’e 10 kala (Das 10 às 11), em 2009, Gözetleme Kulesi (A Torre de Vigia), em 2012 e mais recentemente Ise yarar bir sey (Uma Coisa Útil), em 2017? Não, de maneira nenhuma. Não deixarei de filmar documentários, aliás estou neste preciso momento a filmar um novo documentário, fora de Istambul, e nem vejo este tipo de filmes como algo para chegar aos filmes de ficção. Não penso que o filme documentário seja inferior ou superior ao filme de ficção. Fiz filmes de ficção, porque há já um tempo que tinha a ideia de os fazer. Agora, que encontrei novamente um bom assunto para fazer um documentário, regresso a esse tipo de filme. O que me interessa não é o filme documentário ou o filme de ficção, o que me interessa é o filme. Se existir algum personagem ou alguma história reais que me interessem bastante, filmo como documentário; se encontrar histórias ou personagens, quer seja eu que invente ou quer sejam outros que inventem, e que me interessem, filmo como ficção. Para além das questões técnicas, que não podem ser esquecidas, não faço distinções entre filmes documentários e filmes de ficção. Interessa-me fazer filmes. E o que é isso “fazer filmes”? Para mim, fazer filmes é fazer perguntas. Só faz sentido fazer um filme se tiver uma pergunta para fazer. Mas essa pergunta não vem apenas em palavras, já que se trata de usar uma câmara que capta imagens e sons. Posso até fazer essa pergunta ou perguntas sem qualquer palavra, ou com muito poucas palavras, mas sem imagens não será nunca um filme. Depois de tantos prémios internacionais e nacionais, e em especial o de Tribeca, em Nova Iorque, que foi entregue pelo próprio director do festival, Robert de Niro, que mudou na tua vida profissional? Deu mais visibilidade ao meu trabalho, mais oportunidades de encontrar outros directores e actores. Por outro lado, tornou-se um pouco mais fácil arranjar dinheiro para os outros filmes. E, também por causa disso, desse primeiro prémio em Tribeca, Oyun foi o primeiro filme documentário turco a ser exibido nos cinemas comerciais na Turquia. Podes adiantar algo acerca deste novo filme documentário que estás a filmar? Há 14 anos filmei “A Peça de Teatro”, que era um filme acerca de um grupo de mulheres numa aldeia no leste da Turquia, que resolveram fazer uma peça de teatro e com isso falar dos seus maridos, como elas os viam. A sociedade nestes lugares é demasiado fechada e esta peça constituí uma verdadeira revolução na aldeia e, por causa do filme, na sociedade turca. Agora regressei à aldeia e estou a filmar uma digressão que eles foram convidadas a fazer, por toda a região de Mersin. Por exemplo, amanhã elas irão actuar nas montanhas, para os nómadas. Estás familiarizada com o cinema português ou brasileiro? Do cinema português, do que conheço, o que mais me interessa são os filmes de João Rodrigues e o Tabu, de Miguel Gomes. Mas não conheço assim tanto dos novos realizadores. Quanto ao Brasil, embora não possa dizer que estou familiarizada, conheço alguns filmes. Gostei muito de Cidade de Deus, os filmes documentários de Eduardo Coutinho, o documentário Ônibus 174, o Estamira, de Marcos Prado, o Che Guevara e a Central do Brasil, de Walter Salles. Haverá mais que me estarei a esquecer… De resto, é muito difícil os bons filmes, que não tenham uma grande produtora, chegarem às salas de cinema, seja onde for. Esse é o problema do cinema, hoje, em qualquer parte do mundo. Excerto de Gözetleme Kulesi (A Torre de Vigia) https://www.youtube.com/watch?v=8HEzaXn5FiA
João Luz PolíticaProstituta [dropcap style≠’circle’]V[/dropcap]enham a mim, meus filhos, alimentem-se da generosa teta venusiana, saciem a sede de entendimento e redenção no meu sempre disponível regaço. Todos vós, homens de Macau, são meus filhos adoptivos e amantes eternos, assim tem sido desde que o delta escavou caminho até ao mar. Eu sou o pilar da Felicidade, a dona de todas as volúpias, a guardiã do cárcere da lubricidade onde prendo os vossos penitentes desejos. Vós, Rómulos e Remos, palpitantes de rubra intumescência como mil corações que pulsam no baixo ventre e uma boca que antecipa amamentação. É assim que vos quero, prontos para se perderem no meu fruto proibido, inebriados pelo meu canto de sereia, tresloucados a uivar em lupina excitação à Lua Nova. Venham a mim jovens aprendizes do amor, eduquem-se na minha academia de luxúria, aguardam-vos mundos secretos e pequenas mortes de êxtase em contorções suadas. Eu sou a fundação de Macau, muito para além dos Mandarins, do poder da pólvora, da autoridade do dinheiro, das promessas dos evangelhos, dos sortilégios do jogo. Sou em simultâneo a perdição e o perdão, o pecado e a absolvição, entre as minhas pernas guardo paraíso, inferno e a chave da cidade. Como na Grécia de Sólon, onde fui adubo da semente da democracia, amei o burguês e o vagabundo de igual e incondicional forma. Amei a democracia e fui pilar das finanças públicas, os impostos apurados nos bordéis públicos de Atenas pagaram o Templo da Afrodite Pandemia. Sou justiça e equidade, sou a dignidade do pobre que descobre que apenas no prazer e na morte os homens são iguais. Sou a história do mundo, sou a terra fértil que alimenta homem e besta, sou a terra árida que invoca a chuva, sou Vénus e Maria Madalena, a crucificação e a gloriosa ressurreição. Sou a conveniência compreensiva, o agasalho dos solitários, o indizível segredo dos adúlteros, o deslize para o conforto uterino, sou matriz e mulher da vida. Sou lótus florida a aguardar polinização em cama de hotel, trago a paz aos guerreiros tombados nas batalhas da sorte, o cheiro de casa aos desterrados, o conforto das almas irrequietas que precisam da sobremesa libertina depois de banquetes de erudição. Sou a tábula rasa, o zero absoluto, a singularidade matemática, o momento Eureka comprado por 500 patacas à hora. Estou em todo o lado. Em anúncios, casas de reputação duvidosa, nas esquinas das ruas das felicidades e nas memórias dos que me frequentaram, no vapor medicinal de inusitadas saunas. Estou em todo o lado, mas ninguém me vê, fogo-fátuo à beira da existência, eminência parda e rainha dos prazeres nocturnos. Durante o dia ninguém me vê, mas eu ando entre vós, camuflada pelo porte honrado com que deslizo pelas ruas. Sou a grande Babilónia, mãe dos prazeres. Sou a inebriação que eleva os pobres mas também me deito com todos os reis. Monto uma besta com sete cabeças blasfemando o nome de Deus aos sete ventos, enquanto emborco taças de sangue de mártires. Sou a idólatra, a besta, o anjo caído entre lençóis de seda. Venho das Filipinas, da Mongólia, da Ucrânia, Vietname, Camboja, China Interior, do Inferno, venho de onde o desespero é o pão diário, refaço-me longe de casa debaixo de estranhos hálitos. Faço-me forte todos os dias, erijo-me como uma montanha e apago os despojos da noite anterior em bolas de algodão. Limpo todos os homens desta cidade do meu corpo, os virtuosos e os monstruosos, e refaço-me em tardias alvoradas de anunciação. Canso-me neste carrossel lúbrico onde envelheço a alta velocidade, vendo a minha juventude e amor a quem pagar o preço certo. Esta pantomima fez-me empedernida, gasta. Só quero paz, silêncio, escuridão, folga das autoridades, clientes respeitadores e um duche perpétuo. Quero romper este ciclo e fugir para onde não me conheçam, onde o meu passado não existir. Mas mesmo que parta, vou sempre estar em Macau, nunca vou partir totalmente. Esta é a minha cidade, pois eu sou A-Má, protectora dos pescadores e das gentes dos mar, sou a mãe e a mulher da vida.
Jorge Rodrigues Simão PerspectivasOs Estados Unidos e o Acordo de Paris “On 11 November 2014, a remarkable event occurred. President Barack Obama of the United States and President Xi Jinping of China announced a bilateral agreement to reduce the emission of greenhouse gases (GHGs) that cause global warming by their respective nations. The Obama–Xi announcement was instrumental in the framing of the Paris Climate Agreement. The INDCs submitted by the USA and China were built closely upon the November 2014 bilateral announcement. China and the USA rank number one and two, respectively, in terms of national emission of GHGs. Practically speaking, unified global action to combat global warming required these two nations to get on the same page.”” “Paris Climate Agreement: Beacon of Hope” – Ross J. Salawitch, Timothy P. Canty, Austin P. Hope, Walter R. Tribett and Brian F. Bennett [dropcap]A[/dropcap] 21ª Conferência das Partes sobre alterações climáticas (COP-21 na sigla inglesa) realizou-se a 12 de Dezembro de 2015, em Paris, tendo os líderes mundiais presentes adoptado por consenso o “Acordo de Paris”. Os representantes dos Estados presentes na COP-21 concordaram em manter a temperatura média global abaixo dos 2 graus Célsius, acima dos níveis pré-industriais, e prosseguir os esforços para limitar o aumento da temperatura para 1,5 graus Célsius, acima dos níveis pré-industriais. As promessas efectuadas, foram seguidas do esclarecimento das medidas que os países tomariam, para atingirem os seus objectivos e concordaram que os países desenvolvidos ajudariam os países em desenvolvimento, a atingir os objectivos de energia renovável. A menos de um ano após a adopção do “Acordo de Paris”, a 4 de Novembro de 2016, passou a valer na ordem jurídica internacional como um tratado, com apoio universal sem precedentes. Apenas para salientar a importância do “Acordo de Paris”, a 22ª Conferência das Partes designada por (COP-22 na sigla inglesa), realizou-se a 6 de Dezembro de 2016, em Marraquexe. A causa principal do aquecimento global é o dióxido de carbono (CO2), que compõe a maioria dos gases de efeito estufa (GEE) que criam o calor na atmosfera, aquecendo a terra e os oceanos. O dióxido de carbono é um subproduto da queima de combustíveis fósseis, principalmente carvão, petróleo e gás natural, que é lançado na atmosfera à medida que são queimados, não desaparecendo o dióxido de carbono de alguma forma e imediatamente, pelo contrário, permanece na atmosfera por muito tempo, deixando vestígios por mil anos. A concentração global de dióxido de carbono na atmosfera, actualmente, ultrapassa o que aconteceu nos últimos seiscentos e cinquenta anos, e é cerca de 30 por cento maior do que era há cento e cinquenta anos. À medida que o planeta aquecer, as consequências serão maiores, como por exemplo, o derretimento do gelo no Árctico e na Antárctica que farão aumentar a taxa de aumento do nível das águas dos oceanos, bem como alguns lugares na terra serão muito quentes para serem habitados, assim como será impossível o cultivo de terras aráveis. É de considerar que muitos países pequenos, os denominados estados insulares, simplesmente desaparecerão e muitas espécies de aves, animais e insectos se extinguirão, e para além do aquecimento, o clima tornar-se-á cada vez mais instável e imprevisível. Dados os níveis extraordinariamente elevados de GEE encarcerados na atmosfera, é necessário reduzir as suas emissões para zero até 2070, para limitar o aumento da temperatura média global, a fim de atingir o objectivo de 1,5 graus Célsius. É possível, pois existem muitas fontes de energia renovável, como a energia solar, vento, marés, nuclear, geotérmica, biomassa e biodiesel. A questão mais complicada é de como os países poderão alcançar tal objectivo, ou mais especificamente, quais são as bases sociais que possibilitarão a cooperação global? A ideia deve ser a das igualdades e diferenças que nos unem, solidariamente, na procura do bem-estar colectivo e de um planeta habitável. Os seres humanos, são todos iguais e titulares de dignidade e de direitos humanos fundamentais. Esta é a premissa da Declaração Universal dos Direitos Humanos, inúmeros tratados internacionais e a maioria das constituições dos países. Tal, é o que quer dizer com o termo “humanidade” e “género humano”. Ao mesmo tempo, reconhecemos plenamente que nenhum dos seres humanos é semelhante ou o idêntico, ou seja, temos línguas, famílias, e personalidades diferentes e, em todas as outras formas, somos distintos uns dos outros. Todos os seres humanos são iguais e diferentes, o que pode ser um paradoxo e, no entanto, é uma das contradições que devemos aceitar com alegria. Além disso, porque reconhecemos que essa dualidade é a base da humanidade, e temos a capacidade de empatia, bem como o reconhecimento da vulnerabilidade. Ajudamos as crianças, os deficientes, os idosos, as pessoas sem alojamento e outras mais fracas que precisam do nosso auxílio, mas também somos capazes dos actos opostos à solidariedade e mais extremados, a ponto de destruirmos os demais seres humanos, retirando-lhes a dignidade, idoneidade, saúde, liberdade e vida por ódio, raiva, vingança e outros sentimentos negativos, e como se não bastasse no vão propósito de acumular riqueza levam à destruição do planeta e da vida nesse desvario. Parece que quem actua debaixo de tais irracionais sentimentos negativos contra a natureza humana e meio ambiente, forçosamente terá de padecer de grave e séria desordem mental, não justificável. Em suma, porque somos iguais e diferentes uns dos outros, temos muitas habilidades e interesses, de facto, infinitos, uma grande capacidade de empatia e uma compreensão compartilhada da vulnerabilidade. A necessidade urgente de enfrentar o imenso desafio de desacelerar e de travar o aquecimento do planeta exige que reconheçamos a nossa singularidade e igualdade. Tal irá animar as nossas capacidades subjacentes de empatia, compreensão das nossas vulnerabilidades e aumentar a apreciação da humanidade compartilhada e da própria individualidade. No entanto, existem obstáculos capitais. Um são os conflitos em curso que não são apenas catastróficos por si, mas gastam a energia e os recursos humanos. Outro é a indiferença ou a ignorância (muitas vezes amedrontada). Um terceiro é o nosso fracasso em questionar o capitalismo destrutivo e homogeneizador que põe em perigo culturas, identidades e as nossas idiossincrasias únicas. Os americanos, por qualquer motivo, em comparação com as pessoas de outros países, não estão especialmente preocupados com as alterações climáticas e aquecimento do planeta que é um sintoma de irresponsabilidade total e absoluta, e bem demonstrado pelo presidente americano ao querer retirar o país de membro signatário do “Acordo de Paris”, ao considerar uma falácia o aquecimento global, com as consequentes alterações climáticas. É uma tragédia pois os americanos pretendem desconhecer, que o seu país, têm a maior responsabilidade pela emissão de CO2 para a atmosfera e nela permanece por um milénio. Tal significa que tudo o que foi emitido ao longo do período de industrialização, durante os séculos XVIII e XIX, permanece na atmosfera, uma vez que as novas e actuais emissões também se acumulam. É verdade que tanto os Estados Unidos como a China são os principais emissores do mundo. Ambos são partes no “Acordo de Paris” e enquanto os desafios são extraordinários, as aptidões humanas para enfrentá-los são infinitas. O grande desafio para os americanos é garantir que os Estados Unidos assumam as suas responsabilidades internas e internacionais para ajudar a manter o planeta habitável, e que Donald Trump veementemente tem a audácia e ousadia de negar, assistindo o mundo impávido a esta aberração. A COP-22 pode ser lembrada como a mais decisiva para o destino da humanidade, ou melhor, para o destino do planeta habitável. O “Acordo de Paris” entrou em vigor a 4 de Novembro de 2016. É o tratado internacional que obriga os estados a fazerem a transição dos combustíveis fósseis, que são os responsáveis pelas emissões que aquecem a Terra, para as energias renováveis e estabelece directrizes para os países ricos, em grande parte responsáveis pelas emissões presentes na atmosfera a ajudar os países pobres. Os países adquirem tecnologias para as energias renováveis, nomeadamente as tecnologias solar, eólica e das marés. O número de pessoas presentes na COP-22 foi superior a vinte e cinco mil, incluindo cientistas, chefes de estado e ministros, agricultores, representantes de instituições de fé, povos indígenas, pescadores e mulheres, líderes de multinacionais, trabalhadores de organizações não-governamentais e jornalistas. As apresentações e sessões de discussão ficaram marcadas pela defesa de limites mais rigorosos para o aquecimento do planeta do que os propostos anteriormente, de 1,5 graus Célsius, ao invés de 2 graus Célsius, e que os combustíveis fósseis fossem eliminados até 2050. A COP-22 anunciou que Novembro de 2016, provavelmente seria o mês mais quente até então registado, bem como 2016, igualmente, o ano mais quente. Era evidente para qualquer pessoa que tivesse assistido a essas reuniões, ficasse ainda mais determinada a convencer o resto do mundo de que, quanto mais cedo os países conhecessem as metas para terminar com a dependência de combustíveis fósseis, mais seguros estariam. Mas então, como se um raio os tivesse atingido, os participantes ficaram a saber na madrugada de 9 de Novembro de 2016 que a pessoa que tinha proclamado que as mudanças climáticas eram um engano, tinha sido eleita presidente dos Estados Unidos. A ansiedade misturada com raiva e um clima de desânimo fizeram-se presentes nas reuniões durante dois dias, mas de seguida, a atmosfera mudou dramaticamente, tendo os participantes mostrado maior determinação para forjar parcerias internacionais, tendo em vista a colaboração e cooperação para combater as alterações climáticas. Após a reunião, os participantes salientaram que era imperativo reduzir o uso de combustíveis fósseis, nomeadamente o carvão e o petróleo, acabar com as emissões de gases de efeito estufa e adaptar as energias renováveis, nomeadamente, a energia solar, eólica e das marés. O limite de 1,5 graus Célsius não só foi reafirmado conforme consta da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do “Acordo de Paris”, como também que os países mais ricos ajudariam os países menos desenvolvidos a adquirir tecnologias renováveis ou ecológicas. O então secretário de Estado dos Estados Unidos, John Kerry, fez um discurso vigoroso, positivo e ousado, afirmando o imperativo da cooperação global para travar o ritmo das alterações climáticas, e sugeriu que a China assumisse o papel de liderança abdicado pelos Estados Unidos. O presidente americano está no inicio do seu mandato e ainda que difícil, é possível que seja persuadido de que o aquecimento do planeta é inevitável e deve comprometer-se a avançar nos esforços que os Estados Unidos já estão a fazer para reduzir a intensidade e velocidade do aquecimento climático. São necessários quatro anos para que qualquer parte saia do “Acordo de Paris” conforme estipula o seu artigo 28.º e, além disso, muitas empresas dos Estados Unidos, incluindo grandes multinacionais, já aproveitaram oportunidades para desenvolver tecnologias ecológicas, e alguns estados, como a Califórnia, e especialmente as cidades costeiras, como Boston, Honolulu, Miami, Nova Iorque e São Diego estão a prepara-se para reduzir as emissões e diminuir o impacto do aumento do nível das águas do mar. O último dia da COP-22, foi marcado pelos Estados Unidos que apresentaram um relatório ambicioso que estabelece planos para reduzirem internamente as emissões e armazenar ou sequestrar o carbono. O objectivo é de reduzir os gases de efeito estufa em 80 por cento até 2050. Todavia não é claro se o relatório aliviou as ansiedades dos participantes ou não, mas o plano é inequívoco, ou seja, os Estados Unidos cooperariam plenamente com outros países para, finalmente, dentro do século atingirem a meta de zero emissões de gases de efeito estufa. A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 afirma a igualdade de todas as pessoas, enfatizando que as vulneráveis como as crianças merecem protecção especial. No entanto, as pessoas não são iguais. Somos diferentes de forma infinita. A globalização, pelas muitas falhas que a caracterizam, fez-nos conscientizar da nossa igualdade e diferenças, proporcionando a todos os povos o incentivo e a capacidade de colaborar em solidariedade para que possamos reduzir o aquecimento do clima, colectivamente. A solução não é tão esotérica, pois envolve o abandono de combustíveis fósseis como fontes de energia, e mudança para energias renováveis, principalmente, a energia solar, as marés e o vento. A 2 de Dezembro de 2015, em Paris, os chefes de Estado de cento e noventa e cinco estados soberanos concordaram, em solidariedade, que, apesar dos muitos e grandes desentendimentos e diferenças ideológicas, históricas, económicas, culturais e sociais, deviam cooperar para diminuir as alterações climáticas. O “Acordo de Paris”, como sabemos, foi aprovado por consenso e posteriormente, foi aberto para assinatura e ratificação no “Dia Mundial da Terra”, a 22 de Abril de 2016. A 3 de Setembro de 2016, os presidentes Barack Obama e Xi Jinping concordaram formalmente em adoptar o tratado, acelerando ainda mais o seu cumprimento. A estipulação do n.º 1 do artigo 21.º do “Acordo de Paris” é de que entraria em vigor no trigésimo dia após a data em que pelo menos 55 partes do Acordo, representando no total pelo menos 55 por cento das emissões globais de gases de efeito estufa, o ratificassem. Esta estipulação foi cumprida, a 5 de Outubro de 2016, quando um total de 55 partes o ratificou. A Organização Internacional da Aviação Civil (OACI) que é uma agência especializada da ONU criada em 1944, com 191 países-membros e a sede em Montreal, no dia seguinte, ou seja, a 6 de Outubro de 2016 impôs restrições às emissões dos aviões, exigindo que as companhias aéreas comprassem créditos de carbono de projectos ambientais, em todo o mundo, para compensarem o crescimento das emissões. No entanto, surpreendentemente, a 15 de Outubro de 2016, em Kigali, Ruanda, cento e noventa e sete países aprovaram uma importante alteração ao “Protocolo de Montreal” para reduzir hidrofluorocarbonos (HFCs). A ONU descreveu os HFCs como os comumente usado em refrigeração e ar condicionado como substitutos de substâncias que destroem o ozono. Os HFCs são actualmente os gases de efeito estufa de crescimento mais rápido do mundo, aumentando as suas emissões em 10 por cento anualmente. Também, são um dos mais poderosos componentes, aprisionando milhares de vezes mais calor na atmosfera da Terra do que o dióxido de carbono (CO2). É de considerar, no entanto, que independentemente desses grandes sucessos e acordos extremamente importantes, existem profundas divisões internacionais alimentadas por guerras e conflitos, bem como a pobreza e a desigualdade. Existem ciências cépticas e os Estados Unidos têm a sua parcela no ceptcismo. Os americanos estão menos informados sobre as alterações climáticas do que as pessoas de muitos outros países e, é importante que reconheçam que contribuem mais para o aquecimento global, e isso ocorre porque as emissões geradas durante a era da industrialização permanecem na atmosfera até ao momento. É assente e reconhecido que a China e os Estados Unidos são os piores poluidores do mundo, sendo importante que ambos os países concordem em em cumprir o conteúdo do “Acordo de Paris”. A Cimeira de Hamburgo do G-20 de 7 e 8 de Julho de 2017, foi marcada por fortes dissensões entre os Estados Unidos e os restantes dezanove países no combate às alterações climáticas, mantendo-se Donald Trump irredutível, desde que a 1 de Junho de 2017 aunciou que o país se iria desvincular do “Acordo de Paris”. O presidente francês anunciou que irá organizar uma cimeira, a 12 de Dezembro de 2017, em Paris, por ocasão do segundo aniversário da assinatura do acordo, para discutir medidas adicionais às previstas. O “Acordo de Paris” deve dar mais ênfase aos avanços tecnológicos que moldaram a evolução da humanidade e como podem desbloquear as formas de combater as alterações climáticas e as ameaças ambientais. Devem existir novas perspectivas sobre as alterações climáticas e o desenvolvimento sustentável, aproveitando a tecnologia. Face às condições actuais, apenas um vegano desabrigado poderia alcançar uma pegada ecológica sustentável. Na realidade, seria impossível e até destrutivo tentar salvar o planeta interrompendo o consumo. Isso perturba a evolução e ameaça as forças motrizes da tecnologia que são a nossa esperança de combater as alterações climáticas e as ameaças ambientais no futuro. O crescimento global contínuo como o aumento do bem-estar são perfeitamente possíveis dentro das limitações ecológicas do nosso planeta se aprendemos a colocar a tecnologia a nosso proveito, um planeta será suficiente.
Hoje Macau InternacionalVenezuela | Urnas abertas para eleições da Assembleia Constituinte [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]s urnas para as eleições da Assembleia Constituinte na Venezuela abriram ontem às 6:00 horas locais, num sufrágio marcado pela polémica e que está a ser alvo de protestos da oposição do país. As urnas para as eleições foram abertas com o Presidente Nicolás Maduro a depositar o seu voto, que foi transmitido pela televisão estatal venezuelana VTV, poucos minutos depois das 6:00 horas locais. São chamados a votar mais de 19,8 milhões de venezuelanos nestas eleições. Segundo dados do Conselho Nacional Eleitoral (CNE) foram admitidas 6.120 candidaturas que disputam 545 cargos a eleger, 8 deles em representação indígena. Do total das candidaturas, 3.546 são por representação territorial e 2.574 de âmbito sectorial ou local. A convocatória para a Assembleia Constituinte foi feita a 1 de Maio pelo Presidente, Nicolás Maduro, com o principal objectivo de alterar a Constituição em vigor, nomeadamente os aspectos relacionados com as garantias de defesa e segurança da nação, entre outros pontos. A oposição venezuelana, que decidiu não participar nas eleições, acusa Nicolás Maduro de pretender usar a reforma para instaurar no país um regime cubano de modo a perseguir, deter e calar as vozes dissidentes. Segundo o ministro venezuelano do Interior e Justiça, Néstor Reverol, foram instalados 96 pontos para denúncias sobre delitos eleitorais. Para as eleições, o Conselho Nacional Eleitoral activou 24.139 mesas, ao longo dos 335 municípios da Venezuela, em 14.515 centros eleitorais. Cento e quarenta e dois mil funcionários dos organismos de segurança estão encarregados de vigiar os centros eleitorais e as Forças Armadas activaram várias zonas de protecção especial temporária, desde as 00:01 horas de sexta-feira, até às 23:50 horas da terça-feira, 1 de Agosto.
Isabel Castro Entrevista Manchete PolíticaEntrevista | José Tavares, presidente do conselho de administração do IACM A criação de órgãos municipais sem poder político será uma oportunidade para reestruturar o IACM e torná-lo mais compatível com a realidade de Macau, mas não deverão ser introduzidas alterações significativas ao que hoje é feito. José Tavares, presidente do instituto, acredita que, apesar de a casa ser grande, é possível dar conta do recado sem a multiplicação de organismos. Em entrevista, confessa que não estava à espera de dirigir o sucessor do Leal Senado, casa onde começou a trabalhar há mais de 30 anos [dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]stá há mais de um ano na presidência do conselho de administração do Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais (IACM). Como é que está a ser a experiência? É uma experiência nova de gestão. Estamos a falar de um serviço público que é o terceiro maior em termos de pessoal, são mais de 2600 funcionários, com 11 departamentos e 33 divisões. Engloba muitas áreas e cada uma com a sua especificidade. É um desafio e, ao mesmo tempo, uma experiência aliciante, apesar de já conhecer a casa – o meu primeiro emprego na Função Pública foi no Leal Senado, num cargo entretanto extinto, o de secretário-dactilógrafo. Regressou então a casa, mas com uma responsabilidade completamente diferente, o que é um desafio. Sempre gostei de desafios. Venho do desporto. Estou habituado a desafios. “Reduzir o número de obras não é uma solução – leva a apenas a uma acumulação de pedidos. A cidade obriga a estas transformações.” Quais são as áreas que considera prioritárias no IACM? Para mim, são todas prioritárias, mas posso destacar algumas, como a segurança alimentar. É uma área que temos tratado com maior intensidade nos últimos tempos. Temos acertado alguns parâmetros e índices alimentares para que Macau possa estar de acordo com as práticas internacionais. Em 2016, foram publicados quatro novos índices e normas, incluindo os relativos ao leite em pó, e nove novas orientações. Agora, estão em fase de elaboração várias normas, sobre os limites máximos de metais pesados e de resíduos de pesticidas nos géneros alimentícios, e para a utilização de conservantes e antioxidantes. Isto quer dizer que estamos cada vez mais a elevar os nossos padrões e exigências para os alimentos importados. Macau é uma cidade de turismo e de lazer – temos toda a preocupação de fazer a protecção logo na primeira linha. Tudo isto é uma prevenção para reforçar a nossa segurança alimentar. Depois, há o investimento feito nos nossos laboratórios. Há uma atenção acrescida no que diz respeito a esta área. No início deste ano, foi feita aqui uma conferência internacional sobre aditivos alimentares, com mais de 300 participantes de mais de 50 países. Isso significa alguma coisa. São organizações internacionais que conseguimos trazer, através do apoio da China. É um sinal de que Macau quer elevar os seus padrões ao nível internacional. A par da segurança alimentar, que outras áreas é que o preocupam? Muitas áreas. As vias públicas são uma realidade que temos de enfrentar. O crescimento acelerado da cidade obriga a ter valas sempre abertas. É uma consequência da realidade do crescimento da cidade. Reduzir o número de obras não é uma solução – leva a apenas a uma acumulação de pedidos. A cidade obriga a estas transformações. O que pode ser feito é reforçar a coordenação, que tem que ver com os diversos serviços e também com os concessionários. A coordenação poderá ser melhorada. Juntamente com a secretária para a Administração e Justiça e com o secretário para os Transportes e Obras Públicas, conseguimos melhorar esta coordenação. Antes de tudo, é preciso haver um aviso prévio da Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego (DSAT) para podermos emitir uma licença. Sem o parecer deles, não há emissão de licença, isto para presumir, logo à partida, que a montagem e o percurso da obra sejam delineados conforme a indicação da DSAT. “[As duas câmaras] tinham posturas diferentes e isso torna bastante difícil a execução de algumas políticas. Esta fusão faz todo o sentido.” Para garantir mais fluidez no trânsito? Sim, e para reduzir ao máximo os distúrbios que possam afectar a cidade durante as obras. Foi uma melhoria conseguida. O assunto foi abordado pelo Comissariado da Auditoria (CA), uma chamada de atenção feita acerca do período 2014-2015. Vimos o relatório. Achamos que há partes em que existe margem para melhorar e estamos a trabalhar nesse sentido. Outra preocupação tem que ver com os mercados e os vendilhões. Queremos alterar as leis sobre esta matéria porque já são muito antigas, vêm ainda da Administração Portuguesa. É um assunto urgente para resolvermos. As duas câmaras – o Leal Senado e a Câmara das Ilhas – tinham posturas diferentes. Nas ilhas fazia-se de uma maneira, aqui fazia-se de outra. Até hoje continua a ser assim porque a lei não foi mudada. Para nós, é muito difícil essa gestão. Depois, há ainda as zonas de lazer, que também foram alvo de um relatório do CA, que apontou algumas deficiências nos jardins e também nos espaços destinados às crianças. Tivemos essa preocupação e tudo foi composto em oito meses, conforme aquele relatório. Só que, durante este tratamento, verificámos outros problemas que não constavam da auditoria. Estamos agora a resolvê-los e espero que, até ao final do ano, o trabalho esteja concluído. Mas é um trabalho constante, porque a casa é grande. Estamos a falar de Macau inteiro. Em 2001, quando acabaram as Câmaras Municipais Provisórias, o Cotai não existia, era apenas um istmo. Faria algum sentido voltar a ter duas câmaras, atendendo a que hoje a Taipa e o Cotai têm uma dimensão muito maior do que quando foi pensado o IACM? Ou é preferível ter só uma estrutura? Acho que faz sentido ter só uma estrutura. Outrora, quando existiam duas câmaras, isso trouxe alguns problemas para a Administração, como referi. Tinham posturas diferentes e isso torna bastante difícil a execução de algumas políticas. Esta fusão faz todo o sentido. O IACM tem uma postura para todo o território. A nossa população e a nossa dimensão não justificam ter duas câmaras. Aliás, o IACM já não é uma câmara – a figura da câmara era um poder local que, agora, já não existe. O IACM precisa de ter maior autonomia, atendendo às funções de proximidade com a população? O IACM consegue satisfazer todas as necessidades da população com a sua estrutura actual. Temos uma grande proximidade com a população. Temos reuniões regulares com o Conselho Consultivo do IACM, colóquios nas freguesias, com os Conselhos Consultivos de Serviços Comunitários por Zonas, sessões abertas com a Administração, temos Centros de Prestação de Serviços ao Público, Postos de Atendimento e Informação, linhas telefónicas de atendimento ao público, com sistema de gravação de mensagens fora do horário de expediente, contas no Wechat, etc.. Não há outro serviço que tenha uma abertura junto da população como o IACM. Achamos que a actual estrutura do IACM é suficiente para dar resposta à realização de uma relação de proximidade com a população. Nos últimos tempos, o IACM perdeu competências em duas áreas – no desporto e na cultura. O desporto é uma área que lhe é muito próxima, trabalhou muitos anos neste campo. Que balanço faz destas alterações em termos orgânicos? Atendendo à complexidade de Macau, uma cidade muito densa, fez sentido libertar o IACM destas duas pastas? Fez e não fez. Fez, em certo sentido, por temos funções amplas e contacto próximo com a população. Mas também por isso os eventos culturais e desportivos podiam servir de elo de ligação com a população. Davam uma margem de manobra para o IACM poder ter um papel mais interventivo nas actividades recreativas, numa ligação mais imediata com a população. O que é que deverá ser o IACM no futuro? Acho que o IACM não deverá ser muito diferente do que é agora. O trabalho vai ser sempre feito por alguém. A criação de órgãos municipais sem poder político está prevista pela Lei Básica. São órgãos incumbidos pelo Governo de servir a população, designadamente nos domínios da cultura, recreio e salubridade pública, bem como dar pareceres de carácter consultivo ao Governo da RAEM em relação a essas matérias. Ou seja, o IACM, no futuro, não deverá ser muito diferente daquilo que conhecemos hoje. Julgo que essa mudança não traz grandes alterações em termos de prestação de serviços. Pode mudar o nome, pode mudar internamente alguns aspectos mas, por fora, o trabalho será o mesmo. Haverá um nome diferente, com uma estrutura eventualmente diferente, poderão ser feitos alguns pequenos ajustes, até porque já passaram 15 anos, aproveitando também para se adaptar à nova realidade de Macau. Com a introdução dessa figura poderemos então esperar que haja um aproveitamento do que é hoje o IACM? É uma reestruturação do IACM, porque já passaram 15 anos desde a sua criação. É preciso ter-se também em conta a nova realidade de Macau. “[A criação de um órgão municipal] pode mudar o nome, pode mudar internamente alguns aspectos mas, por fora, o trabalho será o mesmo.” Voltando ao trabalho que tem estado a desenvolver. Há planos para mais colaborações com entidades de fora de Macau, à semelhança da que estabeleceu com a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) de Portugal? Temos colaborações com várias entidades, quer aqui em Zhuhai, Cantão, Pequim, China e também em Portugal. É uma colaboração estreita, sobretudo na área da segurança alimentar. Isto é muito importante porque esta integração permite a troca de informações, há uma colaboração muito próxima em termos de tecnologias que estão a ser implementadas para a detecção de problemas. Além da segurança alimentar e do CEPA, temos uma colaboração constante com outras organizações internacionais, como na área da importação de animais e plantas em vias de extinção – que é muito importante, porque há muita prática de contrabando nesta área –, e Macau é obrigada a cumprir estas normas porque faz parte dos tratados neste âmbito, e nas áreas de inspecção fitossanitária e sanitária, e de prevenção e controlo de epidemias animais. Isto também está dentro do nosso pelouro. A colaboração com a ASAE está a ser muito frutífera, porque mal a secretária para a Administração e Justiça assinou o protocolo com o ministro, foi logo desencadeada uma série de iniciativas. O inspector-geral da ASAE esteve aqui comigo, traçámos metas, logo a seguir fizeram-se três seminários, para o ano vamos lá para acertar outras coisas, pelo que acho que está a resultar. Mas há mais ideias deste género para o futuro? A colaboração não pára aí. Estamos agora a implementar uma plataforma de transacções electrónicas online do Centro de Distribuição de Produtos Alimentares dos Países de Língua Portuguesa. É muito importante, quer para nós, quer para eles. Vem na linha da política “Uma Faixa, Uma Rota”. Iremos criar um mecanismo permanente, sincronizado e mútuo, de inspecção para produtos lusófonos que passam por Macau. Vai permitir que os produtos sejam colocados à venda no mercado com maior brevidade. É macaense, presidente do conselho de administração do IACM, um órgão com uma importância grande na cidade. Há uns anos, esperava que isto fosse possível? Sempre foi possível. O secretário Raimundo do Rosário é macaense. É nomeado pelo Governo Central. Tudo é possível. Só que eu não esperava. Foi uma surpresa para mim – agradeço o convite feito pelo Chefe do Executivo, agradeço à secretária para a Administração e Justiça, pela confiança que me foi depositada, porque nunca pensei que um secretário-dactilógrafo do Leal Senado fosse, um dia, presidente do IACM. Comecei a minha carreira aqui, tenho 33 anos de serviço, tive esta grande oportunidade. Para retribuir, vou dar o meu máximo. Sente saudades do Instituto do Desporto? Sou um homem do desporto. Continuo a ser um homem do desporto.
João Luz Manchete PolíticaAL | Regime do Ensino Superior aprovado na especialidade Macau passou a ter um regime legal que regulamenta o ensino superior, depois da aprovação da proposta de lei na especialidade em plenário da Assembleia Legislativa. A prescrição de matrícula, a avaliação de instituições e cursos, e o fundo do ensino superior foram as matérias que suscitaram mais dúvidas entre os deputados [dropcap style≠’circle’]”A[/dropcap] aprovação desta lei é um marco.” Assim começou a declaração de intenção de voto de Gabriel Tong. O secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, Alexis Tam, congratulou os deputados pela aprovação da lei depois de uma esgrima argumentativa na especialidade que se arrastou ao longo de 38 reuniões. Um dos primeiros assuntos que levantou questões foi a figura jurídica da prescrição de matrículas de alunos que não concluam os seus estudos dentro de um prazo definido. Mak Soi Kun entende que esta limitação não vai de encontro à política de formação de talentos, como tal pediu a votação do artigo respectivo em separado. Alexis Tam começou por argumentar que esta medida não se verifica apenas em Macau, sendo comum em todo o mundo como forma de garantir que os recursos são investidos de forma eficiente. O secretário recordou que esta já havia sido uma questão amplamente discutida na comissão permanente aquando da discussão na especialidade da proposta de lei. O deputado Gabriel Tong tomou a palavra para opinar que não vê no regime de prescrição qualquer objectivo de limitar a acção dos alunos. Outro dos capítulos que levantaram dúvidas dos deputados foi a forma como as instituições de ensino e cursos vão ser avaliados. Sou Chio Fai, coordenador do Gabinete de Apoio ao Ensino Superior (GAES) explica que as medidas têm como objectivo garantir a qualidade do ensino. O coordenador explicou que esta plataforma de avaliação permite uma maior competitividade e promove as boas práticas educativas. Igualmente, os cursos novos precisam de acreditação, reconhecimento de mérito académico que garanta ensino de qualidade. No aspecto da avaliação, Au Kam San manifestou a opinião de que as normas de avaliação são demasiado abstractas. Fundos e mundos Ainda no âmbito da avaliação, Pereira Coutinho argumenta que as normas que regem este mecanismo não são explícitas. “Quem faz a avaliação, uma entidade pública, ou privada?”, interrogou. Já Mak Soi Kun recordou ao hemiciclo os casos de corrupção nas fiscalizações que aconteceram na ponte em Y e no escândalo dos falsos exames às emissões de gases poluentes nos automóveis do grupo Volkswagen. O tribuno demonstrou preocupação pela possibilidade de ser contratada uma empresa de fiscalização que falsifique resultados. Alexis Tam tranquilizou os deputados reforçando a ideia de que a avaliação das instituições de ensino é um garante de qualidade. O secretário adiantou que não será o GAES a tratar desse assunto, que não haverá auto-avaliação e que serão convidadas instituições estrangeiras, europeias, norte-americanas para proceder à apreciação. No que diz respeito ao financiamento, Pereira Coutinho levantou algumas dúvidas, nomeadamente no que toca ao ensino superior privado. Nesse sentido, o deputado considera que o Fundo do Ensino Superior deve respeitar princípios de equidade e transparência. Uma das questões mais sensíveis levantadas pelo português foi como evitar duplo financiamento de instituições privadas. Alexis Tam explicou que vai caber ao GAES a gestão deste mecanismo público de financiamento e que os polos de ensino superior privado vão receber menos através do Fundo do Ensino Superior, uma vez que já recebem através da Fundação Macau e do Fundo para o Desenvolvimento das Ciências e Tecnologia. O secretário para os Assuntos Sociais e Culturais garante que o GAES terá “uma boa comunicação com a Fundação Macau” para evitar duplos financiamentos. Outra questão é a necessidade de reformulação do GAES que este diploma levanta. Alexis Tam anunciou que já “existe uma lei orgânica preparada para munir o futuro gabinete de competências para assumir mais funções”. As novas missões do GAES vão além da monitorização das universidades e outros estabelecimentos de ensino superior, vão também acompanhar os trabalhos de avaliação e acreditação, além da gestão do Fundo do Ensino Superior.
João Luz Manchete PolíticaPlenários | Comissão de Regimento e Mandatos retira artigo que proíbe adereços Ontem de manhã, antes da sessão plenária que votou a alteração às regras internas da Assembleia Legislativa, a Comissão de Regimento e Mandatos voltou atrás na proibição de exibição de cartazes durante os plenários. O artigo foi retirado e a lei aprovada na generalidade [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] questão dos cartazes exibidos por deputados durante sessões da Assembleia Legislativa (AL) tem causado polémica desde que a Comissão de Regimento e Mandatos propôs a medida. Muitas foram as vozes que se levantaram contra a alteração que teria como objectivo garantir a solenidade e dignidade que o órgão legislativo merece. Este ponto da ordem do dia começou com o anúncio de retirada do polémico artigo da proposta de lei, uma “notícia” que foi recebida com agrado geral. Ng Kuok Cheong, uma das vozes críticas, é da opinião de que “algumas normas do projecto visam, claramente, reprimir a liberdade de expressão dos deputados”. Ng Kuok Cheong foi um dos quatro deputados que votaram contra a proposta de lei, acompanhando Au Kam San, Pereira Coutinho e Leong Veng Chai. Este último deputado mostrou-se contente com a eliminação do artigo que proíbe a exibição de cartazes. Ainda assim, Leong Veng Chai deixou, em jeito de brincadeira, o aviso de que “se este projecto for aprovado, no próximo mandato ainda se vai controlar os decibéis dos deputados”. Pereira Coutinho, outra das vozes críticas em relação ao mal-afamado Artigo 47.º, apresentou uma placa aquando da sua intervenção no debate antes da votação, comentando que achava que aquela seria a última vez que poderia fazê-lo. O deputado considera que estes actos representam “liberdade de expressão e são uma maneira de mostrar um argumento aos colegas”. Pereira Coutinho condenou o facto de a Comissão de Regimento e Mandatos reunir à porta fechada, sem a presença da comunicação social. Nesse sentido, questionou quantos deputados concordaram, quantos discordaram e emitiram opiniões sobre a questão dos cartazes em sede de comissão. Pão e circo Com a legislatura à beira do fim, Melinda Chan prognosticou que esta matéria será deixada para depois das eleições e que espera que seja aprovada. Também Mak Soi Kun considera natural que o Regimento seja revisto, uma vez que entrou em vigor há muitos anos. Song Pek Kei acha que as alterações introduzidas foram feitas de uma forma apressada. A deputada recorda que em Março estavam a ser recolhidas opiniões e que depois desse momento houve muito poucas informações prestadas. Do outro lado da barricada, Leonel Alves começou por dizer que cada um pode exibir o que bem entender durante a sua intervenção. Porém, a questão muda de figura quando depois do uso da palavra um deputado decide colocar o cartaz em cima da bancada. No entender do histórico tribuno, esta é uma imagem pouco dignificante para um órgão político com as responsabilidades da AL. Apesar de discordar da proibição total, Leonel Alves é da opinião de que os cartazes não podem servir de tempo de antena das 15h às 20h, chegando a imaginar o que seria ter 32 deputados a exibir sinais. Se hoje em dia estas demonstrações são feitas de forma ordeira, quem garante que assim será no futuro? Esta é uma das interrogações levantadas por Leonel Alves, que disse que a AL não se pode parecer com um mercado municipal. O deputado, que está na recta final da carreira como legislador, chegou mesmo a gracejar com o facto de um artigo que foi retirado da proposta ter gerado uma acesa discussão de mais de uma hora. “É como discutir bacalhau durante um jantar chinês”, brincou. No entender de Leonel Alves toda esta questão é uma oportunidade de ouro para o populismo. “É um argumento fácil de que fazer e que dá visibilidade”, comenta. Tsui Wai Kwan concorda com Leonel Alves. O deputado nomeado pelo Chefe do Executivo considera que os adereços são materiais de teatro. Foi mais longe ao levantar a dúvida se devia chamar deputado ou actor a Ng Kuok Cheong. Apesar da retirada do artigo relativo aos cartazes, Tsui Wai Kwan considera que existe margem de manobra para voltar a discutir a matéria na próxima legislatura. Ainda assim, o deputado argumentou que os cartazes que ficam pendurados durante a sessão inteira são eles próprios uma restrição à liberdade de expressão dos restantes tribunos. O presidente da Comissão de Regimento e Mandatos, Vong Hin Fai, explicou que a “intenção das alterações foi no sentido de aperfeiçoar os respectivos artigos e garantir o bom funcionamento da AL”. Foi mais longe ao repudiar a ideia de que não houve ideia de restringir a liberdade de expressão. Quando à proposta sobre o tempo de debate, Vong Hin Fai, mostrou-se contra o regime actual que estabelece 30 minutos de intervenção por deputado, lembrando que essa restrição foi eliminada na proposta de alteração ao Regimento da AL. Outra questão que deve ser alterada pelo novo Regulamento é o fim das declarações de intenção de voto, solução que Vong Hin Fai não considera passível de interferir com os direitos dos deputados, uma vez que estes podem fazer a mesma declaração durante o debate. Como a sessão demorou demasiado tempo, principalmente dominada pela questão dos cartazes, a votação na especialidade foi adiada para hoje.
Hoje Macau PolíticaEleições | CAEAL rejeita pedido feito pela lista de Carl Ching Afinal, só na próxima semana é que vão ser afixadas as listas definitivas das listas para as legislativas de 17 de Setembro, A “Nova Ideais de Macau” quis substituir o candidato número dois pelo número três, mas a comissão eleitoral não deixou [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] presidente da Comissão de Assuntos Eleitorais da Assembleia Legislativa (CAEAL) anunciou ontem que a reclamação apresentada por uma candidatura foi rejeitada, devendo as listas definitivas às eleições de Setembro ser divulgadas na próxima semana. Na reclamação apresentada esta semana, a “Nova Ideais de Macau” reivindicava a troca da ordem de dois candidatos, de forma a que José Pedro Sales, actual número três, passasse a segundo da lista, e Hong Hok Sam a terceiro, o que a CAEAL rejeitou, disse em conferência de imprensa o juiz Tong Hio Fong. “Recebemos uma reclamação da ‘Nova Ideais de Macau’. Eles querem que a CAEAL possa ponderar sobre a alteração da ordem dos seus candidatos, (…) a CAEAL acha que essa reclamação não tem qualquer fundamento legal”, afirmou. “De acordo com a lei eleitoral (…) já não se podem apresentar novas informações. [Só] quando haja deficiências que precisem de suprimento e a CAEAL solicitar é que se podem apresentar essas informações”, acrescentou o presidente da comissão, explicando que já passou o prazo para fazer alterações. Liderada pelo candidato Carl Ching, a “Nova Ideais de Macau” tem agora um dia para recorrer da decisão junto do Tribunal de Última Instância (TUI), que por sua vez terá um dia para se pronunciar. Esta lista está a ser investigada por suspeitas de fraude, num caso de alegado fornecimento de informações falsas na angariação de assinaturas para a constituição de comissões de candidatura, que foi encaminhado pela CAEAL para a polícia. Candidato arrependido Além da reclamação, a CAEAL recebeu um pedido da lista “Linha da Frente dos Trabalhadores dos Casinos”, encabeçada por Chloee Chao, para retirar da lista a número três, Leong Lai Há, que desistiu da candidatura. Segundo as listas provisórias ontem afixadas, há 192 candidatos pelo sufrágio universal, num total de 25 listas, e 15 candidatos distribuídos por seis listas do sufrágio indirecto, através de associações. A reclamação apresentada na segunda-feira pela lista “Nova Ideais de Macau” à CAEAL fez adiar a afixação da lista completa das candidaturas admitidas às eleições de Setembro, inicialmente prevista para terça-feira. As listas definitivas deverão ser publicadas na próxima semana, disse Tong Hio Fong. “Se houver qualquer recurso contencioso temos de aguardar pelos resultados. Se não, penso que na próxima semana já temos uma lista definitiva”, afirmou. O juiz acrescentou que a CAEAL recebeu cerca de 30 queixas ou denúncias de alegada corrupção e que o Comissariado contra a Corrupção (CCAC) recebeu 35.
Hoje Macau SociedadeGIF | Macau vai manter combate ao branqueamento de capitais A coordenadora do Gabinete de Informação Financeira chamou ontem os jornalistas para dar conta dos progressos de Macau no combate ao branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo. A RAEM está a ser boa aluna e promete continuar a esforçar-se [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Gabinete de Informação Financeira (GIF) de Macau reafirmou ontem que vai continuar a trabalhar no combate ao branqueamento de capitais e financiamento ao terrorismo para reforçar o bom resultado obtido numa avaliação internacional. “Nos próximos anos vamos reforçar o trabalho” na prevenção e divulgação junto dos agentes económicos dos riscos nos crimes de branqueamento de capitais e apoio ao terrorismo, tendo em vista a próxima análise do Grupo Ásia-Pacífico contra o Branqueamento de Capitais (APG), disse a coordenadora do GIF, Ng Man Seong. Daqui a “cinco anos não se tratará de uma nova avaliação, mas sim de um acompanhamento da situação”, sublinhou, num encontro com a comunicação social. No relatório, aprovado a 19 de julho último, na reunião plenária anual no Sri Lanka, o APG aprovou o documento de avaliação mútua de Macau. De acordo com o texto, citado pelo GIF, “a RAEM obteve um resultado excepcional quer no domínio do cumprimento técnico em termos de conformidade do quadro normativo vigente com os padrões internacionais, quer no domínio da eficácia na implementação das medidas de combate contra o branqueamento de capitais, financiamento ao terrorismo e financiamento à proliferação de armas de destruição massiva”. A responsável sublinhou que um dos instrumentos mais importantes no combate ao branqueamento de capitais, “normalmente um crime transfronteiriço”, foi a revisão da lei de Macau, que passou a punir este tipo de crime autonomamente. Até aqui, a lei que vigorava fazia depender a acusação no crime de branqueamento de capitais da existência de um crime precedente, o que “implica cooperação internacional”, disse. “Se vier do estrangeiro, se falha a acusação, não era possível proceder [judicialmente], apesar de se poder saber que o dinheiro não é de fonte limpa”, acrescentou. A coordenadora do GIF sublinhou que a análise de risco em relação ao crime de branqueamento de capitais na região e em que meios podem acontecer estes crimes foi determinante na avaliação de Macau. O Governo da RAEM realizou actividades de divulgação, dando a conhecer quais os riscos e apresentou ao APG os resultados de um inquérito feito, entre 2013 e 2015, a sete serviços públicos e mais de mil entidades privadas, incluindo as seis concessionárias do jogo, promotores, entidades financeiras, agências imobiliárias, lojas de penhores, notários, contabilistas, empresas de venda de automóveis, entre outras. “Não são simples informações, mas dados que nos permitem avaliar quais os casos que apresentam maior risco em transacções de valor elevado, efectuadas por empresas com estruturas mais complexas”, disse. Assumir responsabilidades Além da recolha de dados, o inquérito mostrou se estas empresas tomaram medidas de combate ao branqueamento de capitais e financiamento ao terrorismo, acrescentou a responsável, sublinhando que o sector do jogo tem de realizar uma avaliação continuada dos riscos. A Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos (DCIJ) fez já uma revisão das regras e uma avaliação de risco. De acordo com as novas regras, cada estabelecimento comercial também tem de fazer esta avaliação e assumir as suas responsabilidades. Os resultados obtidos para Macau são “bastante positivos”, em 40 recomendações de itens de avaliação, 37 resultados são satisfatórios, dois em cumprimento parcial e um de não cumprimento, o que significa que ainda “há margem de reforço das medidas”. Apesar dos riscos existentes em Macau, o Governo tomou medidas eficazes, com um “bom sistema de controlo do risco”, com um regime de fiscalização muito completo em relação ao jogo e legislação adequada, afirmou, citando as conclusões do relatório. O APG foi criado em 1997 e é um dos membros do organismo internacional contra o branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo, o Grupo de Acção Financeira Internacional (GAFI). As 41 regiões que integram o APG são obrigadas a cumprir rigorosamente os padrões definidos pelo GAFI. Em 2001, Macau passou a ser um dos membros do APG. Esta é o terceiro relatório de avaliação mútua da RAEM pelo APG e Grupo de Supervisores de Centros Financeiros Internacionais (GIFCS). O documento vai ser publicado no final do próximo mês.
Victor Ng SociedadeTerapeutas | Ho Ion Sang apela à revisão de carreiras [dropcap style≠’circle’]É[/dropcap]necessária a alteração das carreiras relativas aos terapeutas, de modo a atrair mais profissionais locais. A ideia foi deixada pelo director do Centro da Política da Sabedoria Colectiva, Ho Ion Sang, ao HM. O objectivo é colmatar a escassez de pessoal a trabalhar na área. A falta é cada vez maior, na medida em que as necessidades no ensino especial têm vindo a aumentar. “Os casos que precisam do auxílio especializado na área do ensino especial são cada vez mais”, diz o director. As especialidades que se mostram mais urgentes são a terapia da fala, ocupacional e a fisioterapia, refere Ho Ion Sang. O director do Centro da Política da Sabedoria Colectiva vinca que os serviços disponíveis no território não são suficientes, pelo que, além da revisão do regime de carreiras, é necessário criar mais cursos no ensino superior nestas especialidades, para que seja possível dar resposta ao próprio desenvolvimento do território. O também deputado não deixa de fazer referência à situação actual, em que a maioria dos terapeutas é formada no exterior. Mais ainda, muitos há que foram estudar no estrangeiro e que não regressaram ao território. A razão, aponta, tem que ver, por um lado, com o facto de não encontrarem em Macau segurança quanto ao futuro profissional e, por outro, não terem a área de formação que querem a funcionar devidamente. Para incentivar o regresso, Ho Ion Sang sugere a credenciação dos terapeutas o mais rapidamente possível, para que se dignifique a profissão e se garanta o desenvolvimento na carreira. Não residentes de fora Apesar da escassez de recursos humanos na área da terapia, Ho Ion Sang não pondera a contratação de mão-de-obra especializada do exterior. “Com certeza, as vagas que exigem um alto nível profissional devem ser oferecidas aos locais, quer sejam vagas de formação ou vagas de trabalho. Penso que este é um princípio”, aponta o deputado. Por outro lado, considera, o Governo deve avançar com a maior brevidade com um mecanismo que garanta a existência de terapeutas no território e capaz de lhes dar garantias de futuro. Apesar de a Direcção dos Serviços de Educação e Juventude já ter anunciado a revisão de carreiras para este sector, Ho Ion Sang considera que não é suficiente. “É necessário um calendário concreto, uma vez que os trabalhos já estão em atraso”, remata.
Hoje Macau SociedadeLei de rendas | Sector imobiliário contra alterações propostas Dizem que o mercado caiu nos últimos dois anos e que o mercado já está a reajustar-se. Pedem ainda que se olhe para outras jurisdições, onde tentativas de controlo do mercado não tiveram sucesso. Os empresários da construção civil não querem a nova lei de rendas [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] Associação de Construtores Civis e Empresas de Fomento Predial de Macau pediu ontem à Assembleia Legislativa (AL) que não legisle sobre as rendas antes de fazer “uma consideração rigorosa”. Citado pelo canal chinês da Rádio Macau, Paulo Tse, director da associação, alegou que, depois da queda dos últimos dois anos dos valores praticados no arrendamento local, o mercado está a ajustar-se. Tse defende ainda que é preciso olhar para “os vários países” que tentaram controlar as rendas para proteger os grupos sociais mais vulneráveis. “Poucos tiveram sucesso com a implementação de tal política”, diz o dirigente. Mas há outros argumentos. Mak Tong Cheng, membro da associação, considera que o índice de ajustamento de rendas sugerido no projecto de lei em causa “não está muito relacionado com a mudança real nas rendas”. E fala em falta de transparência das estatísticas para avisar que será fácil surgirem “injustiças”. A associação está também contra o aumento do prazo da denúncia dos contratos, por parte dos proprietários. Os três anos sugeridos são “injustos” para os senhorios e podem ser prejudiciais para quem procura casa, pois os inquilinos serão escolhidos de modo mais exigente, o que levará a uma redução das fracções disponíveis no mercado. Para os membros da associação, a solução passa pela oferta de habitação pública para os residentes, uma vez que a percentagem de pessoas locais a arrendar casa não é significativa. Quem vive em casa que não é sua, apontam, é sobretudo quem não é de cá: trabalhadores não residentes e estudantes do exterior que, por norma, não ficam mais de três anos.
Hoje Macau China / ÁsiaPequim e Moscovo prometem coordenação em segurança estratégica [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] China e a Rússia concordaram em fortalecer a comunicação e a coordenação durante a 13ª ronda de consultas sobre segurança estratégica realizada em Pequim na quarta-feira. As consultas foram co-presididas pelo conselheiro de Estado chinês Yang Jiechi e pelo secretário do Conselho de Segurança da Rússia, Nikolai Patrushev. Yang elogiou o forte impulso das relações bilaterais como o seu melhor momento da história e pediu que as duas partes elevem ainda mais a confiança e a coordenação estratégicas mútuas, promovam a cooperação em segurança, e reforcem o apoio nos assuntos de interesse fundamental de cada um. Durante a visita de Estado feita pelo presidente chinês Xi Jinping à Rússia no início deste mês, Xi e seu homólogo russo Vladimir Putin assinaram um comunicado conjunto sobre o aprofundamento da parceria de coordenação estratégica integral entre a China e a Rússia. “As duas partes devem cumprir o importante consenso alcançado por seus chefes de Estado, promover as relações bilaterais e proteger seus interesses comuns na segurança estratégica”, disse Yang. “Promover a parceria de coordenação estratégica integral dos dois países é uma prioridade na diplomacia da Rússia”, afirmou Patrushev, que prometeu uma maior cooperação com a China em segurança estratégica e uma maior coordenação nos assuntos internacionais. As duas partes também concordaram em fortalecer a coordenação para o êxito da 7ª reunião de Altos Representantes dos Assuntos de Segurança do BRICS, que decorre esta sexta-feira em Pequim. Yang preside à reunião, que acolhe os altos representantes dos assuntos de segurança dos países do grupo BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), incluindo Patrushev.
Hoje Macau China / ÁsiaTribunal decide a favor de transexual contra antigo empregador [dropcap style≠’circle’]U[/dropcap]m tribunal chinês decidiu que um homem transexual foi injustamente despedido pelo antigo empregador, disse ontem o queixoso, no primeiro caso judicial no país sobre discriminação. O homem de 29 anos, que se identifica apenas como “Senhor C” para proteger a privacidade dos seus pais, disse que um tribunal da província de Guiyang decidiu que os seus direitos laborais foram violados. O tribunal condenou o antigo empregador do queixoso, a empresa do ramo da saúde Ciming Checkup, a uma multa equivalente a 253 euros. “Apesar de faltar um pedido formal de desculpa por parte da Ciming, penso que este caso alcançou o seu propósito”, afirmou o Senhor C, citado pela agência Associated Press. “Nunca foi sobre dinheiro”, acrescentou. “Esperamos que, através deste caso, pessoas em situação semelhante percebam que têm direitos, e esperamos que resulte numa lei contra a discriminação no local de trabalho”. Abrir caminho Apesar de continuar a ser relativamente conservadora, a sociedade chinesa, e sobretudo a geração mais jovem, tornou-se nos últimos anos mais tolerante com gays, lésbicas, bissexuais e transexuais. Em 2001, a Associação de Psiquiatria da China removeu a homossexualidade da sua lista de perturbações mentais, apesar de o país continuar a não ter leis que protejam os homossexuais ou o casamento entre pessoas do mesmo sexo ser ilegal. Mas a crescente tolerância da sociedade chinesa encorajou alguns membros de minorias sexuais a exigir direitos. Em 2014, um tribunal de Pequim decidiu que a “terapia de conversão”, que visa alterar as preferências sexuais de gay para hetero, é ilegal. No inicio deste ano, um tribunal da província de Henan obrigou um hospital psiquiátrico a emitir um pedido de desculpas publico e pagar 375 dólares em compensação, depois de ter forçado um homem gay a submeter-se à “terapia de conversão”. China repreende Botsuana por receber dalai-lama [dropcap style≠’circle’]P[/dropcap]equim repreendeu na quarta-feira o Botsuana, que planeia receber no próximo mês o exilado líder tibetano Tenzin Gyatso, 14.º dalai-lama, exortando o país africano a respeitar os “interesses fundamentais” da China. O dalai-lama deve participar numa conferência em Gaborone, entre 17 e 19 de agosto. O porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês Lu Kang pediu ao Botsuana que “respeite” a soberania e integridade territorial da China e “tome a decisão certa” sobre a visita do 14.º dalai-lama. “A China não interfere nos assuntos internos de outros países, mas não irá tolerar que um terceiro país afecte os interesses fundamentais da China”, disse Lu, em conferência de imprensa. Este mês, o Governo do Botsuana disse que o Presidente do país, Ian Khama, vai reunir-se com Tenzin Gyatso, quando este visitar o país, mas o ministro dos Negócios Estrangeiros do Botsuana, Pelonomi Venson-Moitoi, não mencionou esta reunião quando na terça-feira referiu a “visita privada” do dalai-lama ao país. No entanto, o responsável assegurou que Khama “irá demonstrar cortesia” para com o líder religioso e tratá-lo como “um dignitário estrangeiro” durante a visita. A China é um importante parceiro de Botsuana, onde financiou a construção de fábricas de carvão, estradas, escolas e pontes. O Governo chinês considera o líder espiritual dos tibetanos “um separatista” e condena os governos estrangeiros que o recebem. O dalai-lama diz querer mais autonomia para o Tibete, não a independência.
Sofia Margarida Mota Eventos MancheteEntrevista | Rui Vieira Nery, musicólogo É, desde 2012, o director do Programa Gulbenkian de Língua e Cultura Portuguesas. Rui Vieira Nery tem estado no território no âmbito do 12º. Congresso de Lusitanistas e acredita que a cultura, com o tempo, pode ter o lugar que merece nas prioridades políticas portuguesas [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] seu interesse pela música não é de estranhar, dado o seu contexto familiar, mas acabou por se formar, inicialmente, em História. Porquê?Pois, sou filho de um grande guitarrista de fado, um dos melhores do seu tempo, o Raul Nery, e, como tal, cresci a ouvir fado em minha casa. A minha mãe era uma melómana apaixonada por música clássica. De uma maneira ou de outra, a música fez sempre parte, desde criança. Ao mesmo tempo, interessei-me sempre por história e, a par da minha aprendizagem como pianista, que foi como comecei, sempre me interessei por pensar a música numa perspectiva histórica. Quando fui fazer o curso de História, acabei por perceber que podia ser historiador sem deixar a música. Foi por isso que escolhi a musicologia histórica e acabei por fazer o doutoramento em Musicologia na Universidade do Texas. Deixei de tocar, deixei de ser intérprete, mas continuei sempre ligado ao universo da música, embora numa perspectiva mais historiográfica. Não tem saudades de tocar? Tenho muitas. Mas era muito exigente comigo e não teria gostado de continuar a tocar se não conseguisse chegar a um nível que considerasse satisfatório e, para o conseguir, teria de me dedicar inteiramente à prática instrumental, que não poderia acumular com o meu trabalho de musicólogo. Tive de fazer uma opção e escolhi aquilo que achei que poderia fazer melhor. Mas custa-me muito e sinto muito a falta de fazer música. Uma das suas obras tem que ver com o encontro de culturas no mundo, “O Vilancico Português do Século XVII: Um fenómeno Intercultural”. Esta multiculturalidade de que hoje em dia tanto se fala já vem de há muito. Sim. Uma coisa que é característica do processo de globalização em que as chamadas Descobertas portuguesas se inserem é o encontro de culturas. Portugal levou consigo uma matriz cultural europeia e depois encontrou, nos vários lugares a que chegou, culturas vivas e ricas. Ao contrário de outros países que estiveram em expansão colonial nesse período, Portugal incorporou muitas das componentes dessas culturas que foi encontrando na sua própria cultura. Costumo dizer que somos uma cultura eminentemente mestiça e que essa é uma das características mais individuais da cultura portuguesa. Essa capacidade de experimentar outras canções, outras danças, outros temperos e outros namoros. Daí nascem muitas manifestações culturais e artísticas que são o resultado desse diálogo intercultural. Isto acontece logo a partir do séc. XVI. O estudo a que se refere é sobre o vilancico religioso desta altura em que temos cantigas em português, espanhol e em crioulo, cantadas na igreja, mas compostas por compositores portugueses de formação, digamos, “clássica”, que incorporam ritmos, melodias e danças populares de África e do Brasil. Temos também um exemplo mais acabado e mais moderno que é o próprio fado. Começa por ser uma dança cantada afro-brasileira, depois é apropriado pelos portugueses e transformado num fenómeno puramente nacional. O fado é “nosso”? Claro que é nosso. As primeiras manifestações que encontramos descritas e que tratam do fado são do Brasil, do início do séc. XIX. As primeiras manifestações da prática documentada em Portugal são já da década de 1820/30 e tudo indica que esta dança cantada, como muitas outras que foram chegando a Portugal ao longo dos séculos XVII e XVIII, foi apropriada pela cultura popular de Lisboa e foi transformada localmente. Costumo dizer que se um brasileiro tivesse chegado a Portugal em 1850 e visse cantar e dançar o fado em Lisboa perguntaria: ‘Mas o que é que eles estão a cantar e a dançar?’ Ou seja, Portugal apropria-se deste fado e fez dele uma manifestação puramente portuguesa. Integra este Congresso de Lusitanistas dedicado à língua portuguesa e à cultura de língua portuguesa e que, cada vez mais, se alarga a várias expressões. Penso que a Associação Internacional de Lusitanistas (AIL) tem tido uma preocupação em alargar o seu âmbito e passar do estudo da linguística e dos estudos literários em português para um estudo das várias culturas de expressão portuguesa. A língua não existe no vácuo, mas sim como um veículo de comunicação e de cultura. A língua é a comunicação do dia-a-dia, mas também é a poesia, a prosa, o cinema, o teatro e, de certa maneira, marca o nosso olhar sobre o mundo. As artes plásticas feitas por uma comunidade que fala português estão marcadas por um olhar que também tem a influência da língua e das suas estruturas. Como tal, faz sentido que não estudemos apenas a comunicação oral e escrita e que se veja, cada vez mais, o português como um veículo de culturas. Uma das coisas mais interessantes no caso do português é, precisamente, a riqueza e a variedade dessas muitas culturas a que serve de base. O português transformou-se num grande mosaico de expressões culturais diferentes, umas vezes concordantes, outras vezes em conflito, mas todas elas enraizadas na mesma língua. A AIL e os seus congressos seguem essa tendência. Estamos no final do encontro. Qual o balanço que faz? É um balanço muito positivo. Em primeiro lugar, pelo próprio facto de termos vindo para Macau. O último congresso foi em Cabo Verde e era muito importante que a AIL fizesse um congresso agora na Ásia, porque isso é a universalidade da própria língua portuguesa e da vitalidade destas comunidades que falam português. Por outro lado, e independentemente do lugar em que o congresso se faz, o nível científico é muito elevado. Estamos perante investigadores de múltiplas nacionalidades com um alto nível de pesquisa, de reflexão científica e de produção intelectual, e estamos aqui, a partir da língua portuguesa, a discutir questões de grande actualidade, podemos mesmo dizer questões de ponta, no debate científico internacional. Pode dar alguns exemplos dessas questões de ponta? A questão da própria diversidade cultural, do diálogo intercultural, da cultura como um veículo de inclusão ou de exclusão social. Tudo isto são questões muito importantes. A questão da ligação entre cultura erudita e cultura popular. São aspectos que estão na agenda dos estudos culturais em todo o mundo, e que nós aqui estivemos a discutir a partir da língua portuguesa e das culturas de expressão portuguesa. Como é que vê o valor da língua portuguesa para a China? É um valor óbvio. A China tem vindo a emergir como um grande parceiro geopolítico, cultural e económico à escala planetária. É muito importante estreitar, cada vez mais, as relações entre a cultura ocidental e a cultura chinesa porque somos parceiros naturais, digamos que numa nova ordem mundial que seja sustentável, justa e equilibrada. A aposta que a China faz no desenvolvimento do estudo da língua portuguesa é muito importante. O Governo Central definiu como prioridade importante o estudo e a promoção do português, e Macau, dentro dessa perspectiva, tem um papel de plataforma fundamental. O território é, naturalmente, um espaço de articulação. Macau tem um conjunto de instituições de ensino superior de grande qualidade e o Instituto Politécnico, em particular, tem feito um trabalho extraordinário. Estamos no bom caminho. A língua e o seu ensino podem ajudar-nos a descobrir as culturas de outras partes e de outras áreas. Para a semana vou estar no Congresso Mundial das Humanidades em Liége, na Bélgica, e é presidido por um investigador chinês. Este fenómeno está cada vez mais a suceder. Já há uma representatividade da investigação chinesa? A investigação chinesa é gigantesca e só por ignorância é que tem havido esta espécie de separação artificial entre o mundo académico europeu e norte-americano, por um lado, e o mundo académico chinês. Só temos a ganhar, de um lado e do outro, com a troca de experiências e de sabedorias. Temos um futuro muito entusiasmante nesta descoberta mútua e penso que o português pode ser um dos veículos nessa comunicação. Temos um espaço de língua comum que junta estas valências e que faz a ponte com esta realidade tão importante como é a realidade chinesa, o que acho muitíssimo positivo. Estamos perante um tempo áureo da língua portuguesa? Estamos a atravessar um período difícil para o planeta. Difícil em termos da paz mundial, em termos da justiça social, da sustentabilidade ecológica. Mas dentro desse quadro, que tem muitos elementos preocupantes, a entrada clara da China nas inter-relações à escala global é um factor muito positivo para a paz e para o desenvolvimento. Neste sentido, há perspectivas muito entusiasmantes de futuro, se todas as partes se souberem relacionar e encontrar caminhos partilhados. Está neste congresso a representar a Fundação Calouste Gulbenkian, um nome maior na cultura em Portugal. Como é que está a cultura portuguesa? Tem aspectos muito positivos, sendo que o principal é a grande quantidade de jovens agentes culturais que foram formados nas últimas duas, três décadas. Parece um lugar-comum, mas temos possivelmente a geração com maior número de profissionais da cultura com formação avançada. Naturalmente, aumenta a massa crítica e aumenta também o topo de gama dessa massa crítica. Temos, como nunca tivemos, um grande número de artistas, de escritores, de músicos, de investigadores nas áreas culturais. Este é o lado positivo. O lado negativo é o facto de a sociedade portuguesa ter dificuldade em encontrar formas de acolher essas novas gerações de profissionais da cultura e de lhes dar oportunidades de aplicarem a formação especializada. Acredito que, pouco a pouco, vamos tendo mais consciência da importância que este sector tem para o desenvolvimento global do país. Não é um luxo, não é um objecto decorativo para o qual se olha depois de se tratarem das coisas “importantes”. É parte das coisas importantes. É um factor de desenvolvimento essencial. Diria que, em termos das políticas públicas para a cultura, ainda há muito que fazer. Precisamos de mais orquestras, de mais teatros, de mais apoios para o cinema, de mais galerias de exposição, de mais oferta cultural à população em geral. É disso que estamos a falar: oferecer o acesso à cultura aos cidadãos, o que é uma obrigação constitucional. Tudo isso existe, penso, numa escala muito pequena em relação àquilo que seria o potencial do país. Hoje em dia fala-se muito da marca Portugal. É reconhecida internacionalmente em grande parte pelo impacto da cultura. Pelo cinema que ganha prémios em todos os festivais, pela música que faz um enorme sucesso em todo o circuito da world music, pelos escritores portugueses já traduzidos em muitas línguas, pelos sapatos que têm um design original e criativo. Já são efeitos da transferência da área artística para a área económica. Estamos a falar de factores de desenvolvimento essenciais para o país e que precisam de maior investimento na esfera cultural para depois terem esse impacto reprodutor. Mas sou um optimista por natureza e acredito que os próprios cidadãos irão ter, cada vez mais, noção desta necessidade de cultura e irão passando isso para as esferas de decisão política.
Hoje Macau EventosExposição | Albergue SCM apresenta obras de Eugénio Novikoff Sales Passou um período da vida em Moçambique e de lá trouxe cores e formas. Eugénio Novikoff Sales é um pintor autodidacta que cruza mundos no trabalho que faz. O Albergue SCM recebe-o na próxima semana [dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]stá marcada para a próxima quarta-feira, dia 2 de Agosto, a exposição “Kiss África – Macau+Lusofonia”, um conjunto de trabalhos recentes de Eugénio Novikoff Sales. As obras podem ser vistas no Albergue SCM, no Bairro de São Lázaro. De acordo com um comunicado da organização, a mostra integra 14 acrílicos sobre papel de arroz chinês, “com temáticas de um imaginário íntimo, carregado de significantes que se materializam no mundo identitário do artista, pleno de cores vibrantes”. Eugénio Novikoff Sales, macaense, filho de pai português e de mãe bielorrussa, é um pintor “apaixonado por África”, onde viveu durante alguns anos na sua juventude. Novikoff Sales expôs individualmente pela primeira vez em 1980, com apenas 20 anos, no Museu Luís de Camões, actual Museu de Arte de Macau. Apesar do seu gosto pela arte se ter manifestado desde cedo, apenas começou a desenhar em 1978, já no território. Autodidacta confesso, não tem formação artística académica, mas é grande admirador das obras de Picasso, Chagall, Matisse e Cézanne. O pintor assume na sua obra as raízes africanas, pois foi em África que passou uma parte da sua vida, de 1966 a 1975, misturando essa influência com Portugal e Macau. “Tive a grande sorte de ter passado a minha infância em Moçambique, convivendo desde muito cedo com a arte africana, desde as estátuas até aos tecidos de capulana, cujas cores fortes e temas variáveis me atraíram”, diz o pintor. A sua obra está representada em colecções de Macau, Hong Kong, China e Portugal. O pintor foi premiado com três medalhas de ouro, em Pequim (2008), Indonésia (2011) e Coreia do Sul (2013). Eugénio Novikoff Sales faz parte de um leque de artistas cujas obras estão patentes num mural na sede do Comité Olímpico Internacional, na Suíça. A exposição pode ser visitada até ao dia 3 de Setembro. A entrada é livre.
António de Castro Caeiro PolíticaLove is Blindness [dropcap style≠’circle’]U[/dropcap]ma canção egípcia entoa o encontro entre dois olhares. “Ah! No primeiro instante a promessa!” Um amor à primeira vista. Não importa se é amor, aquele amor que os amantes casados dizem que se transformou em amizade. Não importa se o amor é o olhar de si para o outro e o olhar do outro para o próprio. Não. Não tem que ver com atracção sexual. É outra coisa. “Ah! No primeiro instante a promessa!” O que importa é a promessa. Nem sequer é o futuro que aqui está em causa. É outra coisa. É ver-nos pela primeira vez como nunca nos víramos antes. É esse o sentido do futuro. Não é ser arrancado à solidão, porque podemos nunca ter-nos sentido sós. É outra coisa. Pode acontecer, quando nos sentimos tão bem que achamos que não há mais ninguém de quem precisemos. O futuro é um arremesso único. É como se até então nunca estivéssemos estado vivos, como se toda a auto suficiência, toda a nossa estabilidade recebesse um outro apelo. Um apelo vindo não se sabe de onde mas que é compreendido como uma forma de exclusividade. “Ah! No primeiro momento a promessa!” Esse olhar é um olhar-se o outro e sermos arrancados à exclusividade de si próprio. E anos mais tarde percebemos que é esse o olhar da eternidade, como dizem os teólogos. É a vida, mas a vida projectada pela eternidade. Porque esse instante dura um piscar de olhos. Vemos a beleza e a beleza a olhar para nós. Pode ser ao virar de uma esquina, nos lugares mais anódinos, mas é sempre onde nos encontramos. Encontramo-nos num canto do mundo e é nesse canto do mundo que alguém abre o azul para nós e nós esquecemo-nos de nós. No primeiro olhar, o relâmpago. A beleza encarnada como se houvesse um anjo sem asas a aterrar. Sem sabermos parece que a salvação, a esperança, nós próprios inamovíveis, somos transportados para outros sítios, para outros lugares. Pela primeira vez, há uma outra vida que sem apelo nem agravo, num outro corpo, num outro olhar, nos resgata. Sem sabermos que era para sermos resgatados. O olhar é azul, recíproco e simétrico. Toda a linguagem cala o que há para dizer ou então tem de ser inventada. Primeiro, há o silêncio. Não, não é o silêncio. É a mudez. Uma mudez que vem do corpo. Não, não vem do corpo. Vem do olhar. Como se toda a eternidade da noite do passado em que tínhamos permanecido antes de termos nascido fizesse sentido. Um olhar o outro e um olhar do outro para nós incendeia não se sabe bem o quê. Podemos nunca mais ter aquele encontro. Tivemos encontros, mas não como aquele. Um relâmpago é um deus que se intromete no acaso do tempo que faz o acaso do espaço para aquele encontro. Naquele primeiro olhar, a promessa. Naquele olhar, a promessa simples de tudo. E o tempo passa. Não pode passar muito tempo. A repetição da revisitação não nos trás aquele momento. Quando é correspondido, sabemos sem saber que o outro esteve lá em si onde nós estivemos em nós. E há a primeira palavra trocada. Uma palavra banal. Como te chamas? De onde vens? O que fazes? E a tarde passa sem tempo a falar abstracta mas concretamente de nós, um com o outro. O mundo metamorfoseia-se, porque a promessa vem do futuro tal como o sentido. É do futuro que vem o sentido. Não é um futuro limitado como uma semana ou um mês ou um ano. É o tempo todo que encarna naquele olhar azul. Pensamos fugir. O olhar azul pensa fugir. Mas ambos cedem ao encontro. Para o encontro é preciso a película daquela dimensão que transtorna um e outro e leva um para o outro. Naquele ano, ido, e ao mesmo tempo futuro, mas já sem preenchimento, existimos ou só um existiu, não se sabe bem. De todo o tempo, houve dias que repetiram aquela promessa. Poucos, porque somos humanos e os humanos lidam mal com a vida de todos os dias. De dois que éramos queríamos reaver-nos, mas como é possível? O ser dos dois é um único. Ficamos devolutos, mas ninguém se recupera. Talvez só um. Dizem-me que continuas deslumbrante, que constituíste família. Que és mãe. E vives longe. “Ah! No primeiro olhar, a promessa. Ah! No primeiro olhar, a despedida”. Diz a canção.