Sporting mais perto da permanência

João Maria Pegado

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]as sexta feira a jornada 8 da Liga Elite teve início com o jogo grande na luta pela permanência, Sporting De Macau 1 Vs 0 Development Team.

Os Leões do território apareceram neste jogo com um onze diferente do habitual. No lado esquerdo da defesa jogou Iuri Capelo no lugar do habitual titular Chan Fai e no meio campo apresentou dois novos reforços: o médio centro Kande e o extremo Cisse. No lado dos Sub 23 o habitual onze sem grandes surpresas.

O primeiro grande destaque vai para a escassa qualidade futebolística apresentada no relvado do estádio da Taipa, o que não impediu um jogo emotivo devido à incerteza até ao último minuto do resultado final.

O Sporting entrou bem no jogo aproveitando o facto de ter surpreendido no onze e logo cedo se instalou no meio campo ofensivo dos sub 23, os quais tinham a lição bem estuda e com ataques rápidos tentavam explorar a profundidade, aproveitando as dificuldades na transição defensiva dos pupilos de Nuno Capela, que ficavam expostos quando perdiam a bola em organização ofensiva não havendo ninguém que pressionasse na perda de bola.

Aos 15 minutos apareceu o único golo do encontro marcado por Ema Maicon que aproveita um erro da defensiva dos jovens da associação, que ao tentarem sair a jogar com a bola controlada a partir de trás, permitiram a recuperação de bola à entrada da área, pelo antigo jogador do KA I, que  com calma tirou um adversário do caminho e ficou só com o guarda redes pela frente e tranquilamente desviou para o fundo da redes. Estava feito o golo que o Sporting procurou desde do inicio e aqui o jogo mudou.

Os Leões do território, que após o golo, talvez pela importância dos três pontos em disputa e para não serem apanhados na perigosa transição ofensiva rápidos jogadores dos Sub 23, recuou a suas linhas e deixou de chegar ao meio campo ofensivo com homens suficientes para criar perigo e até ao intervalo foram o jovens da selecção a terem as melhores oportunidades.

Após o intervalo e percebendo que os sub 23 não tinham tanta qualidade quando tinham que jogar de ataque planeado, o técnico do Sporting montou uma boa organização defensiva e utilizou a arma que tinha sido até então da equipa adversária, o contra ataque. Reforçou o seu meio campo com Duarte Pinheiro Torres e dando mais músculo na primeira fase de pressão com o Marroquino Marouan. Nesta fase destaque para Pedro Lopes o guarda redes do Sporting que com boas defesas ia permitindo a vantagem do marcador.

No lado dos Sub 23 destaque para Cheong Hoi  San, o capitão da equipa da associação, dos seus pés saíram as jogadas de maior perigo da sua equipa muitas vezes jogando em combinações no lado esquerdo com Hun Seng Kuai, lateral esquerdo que dava muita profundidade ao seu corredor e com uma disponibilidade física muito boa. E foi precisamente nesta parte física que o Sporting começou a perder a luta do meio campo, contra uns jovens da associação bem preparados fisicamente e começaram a empurrar os leões para sua defensiva. Nesta fase o Sporting usou e abusou do anti-jogo algo que não é novidade na equipa leonina mas mesmo assim os jovens da associação não desistiram de procurar o golo mas nunca tiveram qualidade no ultimo terço do terreno onde a organização defensiva do Sporting esteve muito bem. Destaque ainda para as expulsões de alguns elementos técnicos do Sporting de Macau pelo segundo jogo consecutivo.

O resultado mais justo para este encontro seria o empate que premiaria a ousadia e a melhor qualidade no processo colectivo dos jovens dos Sub 23, mas o Sporting com  mais experiência soube controlar os momentos do jogo e conseguir uma vitória bastante importantíssima na luta pela permanência.

Sábado feio

Este dia fica marcado pelo triste episódio  que deve deixar todos os intervenientes do futebol de Macau tristes, especialmente a associação de futebol. No jogo entre a CPK 2 Vs 0 Policia, com golos de Ho Ka Seng e Diego Patriota, o destaque vai para a cena de pancadaria no período de desconto da segunda parte, onde o jogador do CPK Lucas, foi agredido por meia equipa da Policia. Para além das culpas óbvias que se podem ver nas imagens televisivas de quem poderá ter originado toda esta confusão, não posso deixar de responsabilizar a equipa de arbitragem, que sabendo da forma agressiva, por vezes violenta, que equipa da Policia se apresenta em todos os jogos, deixa arrastar o jogo para estas situações não controlando o jogo logo de início punindo certas entradas com admoestação de cartões e não sendo passivo na gestão do jogo.

No outro jogo (KA I 2 Vs 1 Lai Chi)o Ka I continua a somar pontos e desta vez venceu o Lai Chi com um bis de William Carlos Gomes.

O passeio continua

Benfica 4 Vs 0 Kei Lun. O líder continua a passear a sua classe pelo campeonato. Desta vez foi à bem organizada equipa de Josi Cler, que apresentou uma novidade na baliza, o brasileiro Douglas Jardim. No último jogo da jornada o Monte Carlo continua também o seu passeio com mais uma goleada, desta vez ao Cheng Fung por 7-2, confirmando a grande vocação ofensiva da equipa canarinha que mais uma vez sofreu dois golos.

Jogador da jornada- #18 Cheong Hoi  San ( Development Team ) – Jogo de gente crescida e o capitão dos Sub 23 disse presente. Excelente na fase defensiva onde sabia onde se posicionar e não se escondia do choque, recuperando muitas vezes a bola para sua equipa. Mas foi na fase ofensiva que mais se destacou onde escolhia com critério as jogadas de ataque da sua equipa. Muita qualidade com e sem bola, com certeza os grandes já andarão de olho nele.

21 Mar 2017

Desrespeito à autoridade

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] desrespeito à autoridade, ou “desprezo pela polícia” para seguir o jargão americano (contempt of cop), tem sido ultimamente um dos tópicos de discussão em Hong Kong, no seguimento da prisão de sete agentes condenados a prisão por assalto. Há quem ache que a polícia pode ser insultada durante o cumprimento do dever.

A “Wikipedia” define o “desprezo pela polícia” nos seguintes termos:

“Desprezo pela polícia é o termo usado nos Estados Unidos para descrever comportamentos que os agentes considerem ofensivos à sua autoridade…. Quando se discute esta questão associa-se muitas vezes a detenções arbitrárias e ilegais, que frequentemente ocorrem na sequência da expressão e do exercício de direitos garantidos pela Constituição dos Estados Unidos. A reacção dos agentes ao “desprezo pela polícia” aparece muitas vezes relacionada com más condutas policiais, como o uso de força excessiva ou mesmo violência policial, e não como uma resposta legítima para impor a Lei.

As prisões motivadas por desrespeito à autoridade podem ter origem em certos tipos de comportamento “arrogante” que, segundo o agente em questão, põe a sua autoridade em causa. Na perspectiva destes agentes o “desprezo pela polícia” implica desrespeito e falta de deferência (desobediência a instruções, manifestação da vontade de participar do agente). Fugir à polícia também é considerado uma forma de desprezo pela autoridade. Estas situações podem ser potenciadas se estes comportamentos alegadamente desrespeitadores forem presenciados por outros agentes.”

Mas o desrespeito à autoridade não está apenas previsto nos EUA, em Macau também é considerado na lei. Se repararmos nos artigos 129 (2) (h), 175, 176 e 178 do Código Penal, constataremos que uma ofensa a um agente da autoridade, que se encontre no exercício das suas funções, tem uma penalização 1,5 vezes superior ao normal.

A legislação sobre os actos de desrespeito à autoridade pode dar mais protecção à polícia e vir a evitar que os agentes sejam insultados durante o cumprimento do dever. Como podemos ver pelas notícias, actualmente em Hong Kong as relações entre aqueles que exercem o direito de associação e assembleia e a polícia não são as melhores. E isto porque a força pode estar envolvida. Mas mesmo que essa força não se faça sentir, os comportamentos dos manifestantes envolvem habitualmente gritos e insultos à polícia. Estas atitudes podem despertar ressentimentos nas autoridades. Depois da Fish Ball Riot (Revolta das Bolinhas de Peixe), no ano passado, e da recente condenação de sete polícias, não é de admirar que estas questões sejam assunto de conversa em Hong Kong.

Se o Governo de Hong Kong quiser manter este tipo de legislação as seguintes questões terão de ser consideradas.

Em primeiro lugar, é importante que os residentes de Hong Kong saibam o que cabe exactamente no conceito de “Desrespeito pela Autoridade”. Que tipo de acções podem ser consideradas insultuosas para agentes no exercício das suas funções? Por exemplo, utilizar uma linguagem vulgar pode ser considerado desrespeito pela autoridade? Gritar com o agente pode significar desprezo pela polícia? É preciso não esquecer que, de acordo com as normas da Força Policial de Hong Kong, mesmo que um agente esteja fora de serviço é sempre considerado um agente e terá de ser tratado como tal. Se usar uma linguagem vulgar e gritar com um agente pode significar desprezo pela polícia, então será sempre necessário dirigirmo-nos às autoridades de forma educada.

Em segundo lugar, se a legislação sobre esta matéria for aprovada, é preciso saber a que força disciplinar caberá a responsabilidade da sua aplicação. A resposta é: à Força Policial de Hong Kong. Se alguém se dirigir a um polícia de forma rude, este pode prende-lo por desrespeito à autoridade. Nesse caso que atitude deve a pessoa adoptar? Pode manter a atitude insultuosa, pois já que quebrou a lei uma vez, pode quebrar meia dúzia que vai dar ao mesmo. Saliente-se que, se a pessoa for presa por insultar um polícia, pode oferecer mais resistência. A legislação em casos de desrespeito à autoridade pode colocar numa posição injusta quer o agente quer o cidadão. Podem sair ambos a perder.

Em terceiro lugar é preciso perguntar porque é que esta legislação só contempla a polícia. E os outros funcionários públicos? É forçoso que nos lembremos que muitos funcionários do governo desempenham funções de atendimento ao público. Se a polícia precisa de protecção, porque é que os outros funcionários públicos não beneficiam de igual apoio? Parece ser um pouco injusto.

A ideia de penalizar o desrespeito à autoridade é boa. Dará mais protecção à polícia, sobretudo se algumas pessoas se portarem de forma irracional. Este tipo de legislação pode, em certa medida, travar os comportamentos desajustados. Mas como actualmente em Hong Kong os conflitos entre os residentes a polícia tendem a aumentar, não vai ser tarefa fácil. Se desta vez o projecto de lei for rejeitado pelo Conselho Legislativo, não parece que algum dia venha a passar. Neste sentido, é bom que o Governo de Hong Kong pese todas estas questões cuidadosamente antes de tomar qualquer decisão.         

Professor Associado do IPM
Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
21 Mar 2017

Os pronomes importam-se

[dropcap style≠’circle’]P[/dropcap]orque é que os pronomes haveriam de se importar? Os pronomes, com a sua capacidade limitada de reflexão, ainda assim, importam-se com o género das pessoas. Na língua inglesa os pronomes estão em especial destaque porque é das poucas ocasiões em que reflectimos sobre a identidade de género da pessoa com quem comunicamos. Pois ora bem, os pronomes importam porque, se usados incorrectamente, podem ser entendidos como ofensivos. É claro que ninguém se chateia com a criatura que está a aprender uma língua nova e troca os géneros de tudo e todos. Mas para os proficientes que comunicam de forma adequada com o mundo, confundir um ele com uma ela, não é muito simpático. De uma forma silenciosa reforçam-se pré-concepções de sexo e de género, reforçam-se exigências que todos nós, de uma forma ou de outra, estamos constantemente a prescrever.

Começa logo desde muito cedo, com as roupas cor-de-rosa para as meninas e azul para os rapazes, ou com as histórias que lemos aos nossos filhos antes de dormir – estive no outro dia a ver um exercício onde mostravam a percentagem de livros infantis onde há meninas-guerreiras-fortes-heroínas: sem grandes surpresas, a quantidade era pequeníssima. As mulheres têm que vestir certas roupas, têm que entrar nas casas de banho com o bonequinho de saias, têm de uma data de coisas – tal como os rapazes. O que dificulta a criação de um espaço intermédio, que não seja ‘carne, nem peixe’, vá. As pessoas que não se identificam com um género ou outro (não quer dizer necessariamente que queiram ser do género oposto, podem simplesmente não se identificar com nenhum dos dois) vêm-se despojados de um apoio formal, e de um apoio linguístico.

Como vivemos num mundo ainda mais consciente da identidade trans e do espectro (flexível) de género, os pronomes começam a importar(-se) cada vez mais. E para as cabeças que julgam que a identidade trans é uma modernice, as provas não são poucas de que sempre existiu, desde o início dos tempos. Parece que estou a bater no ceguinho com estas coisas de género, sempre a repetir-me a mim própria, mas não me canso: o género não é determinado biologicamente.

Não vou apontar o dedo às pessoas que se confundem com as identidades de género, porque até os mais conscientes e sensíveis ao tópico podem enganar-se (os famosos viéses, já falei disso?). Contudo, temos que saber lidar com o engano e temos que aprender a escutar e a observar as necessidades identitárias dos outros. Se tens dúvidas, pergunta. Se te enganas, pedes desculpa e pedes que te expliquem. Simples. Difícil é viver num mundo que reconhece pouco esta diversidade. A complexificação para fora do binarismo sempre existiu, e foi reprimida durante demasiado tempo. Tabu? Sermos nós próprios pode algum dia ser considerado tabu?

Infelizmente, os pronomes (ou o género dos vocábulos) não têm acompanhado a nossa consciência libertária de que a biologia não explica tudo, muito menos o sexo. Por isso é que há movimentos que apoiam e divulgam formas de como lidar com os pronomes (esses diabinhos linguísticos). Há propostas para formas de escrita, para uma linguagem mais inclusiva – certamente já viram Car@s, Car*s, Carxs ou Cares. Há quem identifique à cabeça os pronomes pelos quais desejam ser tratados, seja feminino, masculino ou neutro. Em português ainda não temos um pronome oficialmente neutro, mas em inglês há tentativas de implementar o pronome they/them na forma singular para quem não se identifique com nenhuma das formas disponíveis – feminina ou masculina. A Suécia já foi um passo à frente e oficializou a existência do pronome pessoal neutro – usando o ‘e’. Agora disponível na nova edição do dicionário de Sueco, é correcto (e incentivado) usar o género neutro quando nos dirigimos a quem não se identifica com este mundo aborrecido do binarismo. Os pronomes importam-se, as pessoas que sentem os desafios da diferença diariamente, ainda mais.

21 Mar 2017

Donos do grupo sul-coreano Lotte julgados por corrupção

[dropcap style≠’circle’]Q[/dropcap]uatro membros da família que controla o gigante retalhista sul-coreano Lotte, incluindo o seu fundador, de 93 anos, foram presentes ontem a tribunal onde começaram a ser julgados por desvio de dinheiro, evasão fiscal e fraude.

O processo contra o presidente da empresa, Shin Dong-Bin, de 61 anos, o seu irmão, irmã e pai – e também a amante do patriarca quase 40 anos mais nova – surge numa altura em que o quinto maior conglomerado da Coreia do Sul enfrenta boicotes por parte da China.

A empresa facultou terrenos a Seul para acolher um sistema de defesa antimíssil norte-americano THAAD, e quase 90% das lojas Lotte Mart na China foram desde então obrigadas a fechar portas ou pelas autoridades ou devido a manifestações populares.

O julgamento é o mais recente golpe na reputação de conglomerados controlados por famílias que nas últimas décadas impulsionaram o crescimento da quarta economia da Ásia.

Mais recentemente tornaram-se num crescente foco de descontentamento popular contra a corrupção e desigualdade como ocorreu no escândalo que resultou, no início do mês, na destituição definitiva da Presidente sul-coreana, Park Guen-Hye.

O presidente da Lotte, Shin Dong-Bin, é acusado de ter custado à firma 175 mil milhões de won (145 milhões de euros) através de uma série de evasões fiscais, esquemas financeiros e outras irregularidades.

Foi ainda acusado de negligência por conceder lucrativos negócios ou pagar “salários” no valor de milhões de dólares a parentes que pouco contribuíram para a gestão.

“Sinto muito ter causado preocupação. Vou cooperar sinceramente no julgamento”, afirmou Shin, aos jornalistas, antes de entrar ontem na sala de audiências.

Tudo em família

Idênticas acusações pendem contra o seu irmão mais velho, Shin Dong-Joo, a sua irmã mais velha, Shin Young-Ja, bem como contra o seu pai, Shin Kyuk-Ho.

Não ficou claro se o fundador nonagenário compareceu em tribunal, mas não passou pelos jornalistas que se encontravam à entrada do edifício em Seul.

A sua amante, de 57 anos, também foi acusada por desvio de dinheiro por ter encaixado avultadas somas em “salários” apesar de ter um pequeno papel na gestão da empresa.

Os cinco foram formalmente indiciados pelo Ministério Público em Outubro.

As acusações não estão directamente relacionadas com o escândalo de corrupção e tráfico de influências que levou à queda de Park.

O grupo Lotte, sediado em Seul e fundado em Tóquio em 1948, tem uma vasta rede de negócios na Coreia do Sul e no Japão, com activos combinados avaliados em mais de 90 mil milhões de dólares norte-americanos.

A decisão de Seul de destacar o sistema antimíssil norte-americano THAAD como forma de se proteger contra ameaças da Coreia do Norte desencadeou a ira da China, que receia que belisque as suas próprias capacidades militares.

As primeiras partes do sistema THAAD chegaram à Coreia do Sul há duas semanas depois de a Lotte ter assinado um acordo de troca de terrenos oferecendo um campo de golfe no condado de Seongju, no sul, para a instalação do sistema.

Desde então, as autoridades fecharam dezenas de lojas da Lotte, devido a “questões de segurança”, com manifestantes a realizar protestos em todo o país denunciando o grupo e outros negócios sul-coreanos.

A Lotte, focada em alimentos, retalho e hotelaria, investiu mais de 8 milhões de dólares nas suas operações na China e tem mais de 120 estabelecimentos no país, empregando 26 mil funcionários locais.

A família Shin tornou-se alvo de investigação estatal depois de 2015, quando uma azeda disputa pública entre os dois irmãos pelo controlo do grupo desencadeou a ira pública sobre como os conglomerados administrados por famílias conduzem os seus negócios.

21 Mar 2017

Regula – “Toni do Rock” (ft. Veecious V)

“Toni do Rock”

Casca, casca!

Tu nunca me vês com a mêma ROMI no bote, ROMI no bote
Tomei uma decisão concreta (ahh), sem ter a visão do profeta
Eu vi que buli prós outros a vida inteira, isso é prisão perpétua, (yes)
Tou a dar cartas mas tu népia, (ya) nem aos teus tu matas a fomeca
Quando é pra molhar o cú, tu cagas a cueca, até te apagas da marmeca
Um homem só rasga bonecas, desde guinaldas a pulecas (manda vir)
Não tenhas conversa de homem com meninos, diz ao junkies não te acordem os inquilinos
Vocês dormem como finos, eu rep o meu bloco a tempo inteiro (yes)
Dá pra saber se eu tou no spot, só pelo cheiro
As queridas chamam-me Midas, tenho o toque certeiro
O Rei do Gado, desde o tempo do Rock Santeiro!
Eu já ’tou-ma ver velhote parceiro, com um dog rafeiro e mais dois ou três velhotes barbeiros, a bater lerpas e etc. (uhh)
Envelopes com dinheiro, até ao dia que tu me enforques num pinheiro

Vai ser assim…

Escuta eu sou o verdadeiro Toni do Rock, Toni do Rock
Toni do Rock, Toni do Rock
Tu nunca me vês com a mêma ROMI no bote, ROMI no bote
ROMI no bote, ROMI no bote

Certifica-te Boy, a mim só uma dica me preocupa
Pois dizer à minha Mama, não há mais drama nem preocupações (na…)
Gigs por mês, no mínimo chuta dois
Muitas hoje dizem o ponteiro do teu parro, parece o das rotações (uhh)
Pra quem ficava embriagado até ver tudo ao contrário (cego)
Agora eu sou solicitado, pra opinar no preçário
Yeah, eu passei de empregado a empresário (xiu)

Sem comentários!

Talvez não te recordes, mas lembras-te quando éramos pobres? (tesos)
Se calhar um dia destes ainda aparecemos na Forbes (money)
Concordo, drago um bimmer Clio ou Ford
Ou talvez acorde num navio com queridas a bordo (mêmo a veres)
Só tava abancado no degrau do Catita, (tava)
Fiz o que tive de fazer e pus-me a pau ca guita (e agora?)
Enquanto os outros dizem que eu sou o mau da fita
Eu beijo a minha mãe na testa e digo: E se tiver mau apita. (muah)

Escuta eu sou o verdadeiro Toni do Rock, Toni do Rock
Toni do Rock, Toni do Rock
Tu nunca me vês com a mêma ROMI no bote, ROMI no bote
ROMI no bote, ROMI no bote

Toni do Rock, Toni do Rock
Oh, oh, oh Yeah….

Regula

20 Mar 2017

Rui Afonso | Macau de luto com a morte de advogado e antigo deputado

Faleceu na sexta-feira um homem cuja história pessoal e profissional é fundamental nas últimas décadas de Macau. Rui Afonso é recordado como uma figura incontornável, de grande elegância no trato e com princípios de correcção e ética inabaláveis. Ajudou a modernizar a legislação do território e a preparar a abertura de Macau ao mundo
Rui Afonso, “uma figura histórica de Macau”

[dropcap style≠’circle’]D[/dropcap]ificilmente se encontra uma pessoa que reúna consensos. É coisa rara, ao alcance de poucos. Porém, Rui Afonso é uma dessas pessoas, granjeando um respeito transversal mesmo entre aqueles com quem discordou politicamente. Faleceu na passada sexta-feira uma figura incontornável aos últimos 30 anos em Macau, em particular durante o período de transição para a Administração chinesa. De uma correcção e finura reconhecida por todos, foi pai da abordagem do modelo político-constitucional e jurídico-administrativo português importado para o ordenamento de leis do território. Em termos pessoais, José Luís Sales Marques destaca Rui Afonso como uma “pessoa que sempre mereceu o maior respeito da sociedade de Macau”.

Pouco tempo depois de ter chegado ao território foi nomeado director dos Serviços de Administração e Função Pública, ajudando a reformular a máquina administrativa. Assumiu as funções de deputado entre 1984 e 1997 na Assembleia Legislativa (AL), onde participou no desenho do ordenamento jurídico do território que, em parte, perdura até hoje. Foi, ainda, membro do Conselho Consultivo da Lei Básica e do Conselho Superior de Justiça de Macau.

“O contributo do Rui Afonso para a modernização legislativa do território é inestimável, algo que aconteceu dentro e fora da Assembleia”, conta Anabela Ritchie, ex-presidente da AL. Neste papel, destaca o carácter “trabalhador, incansável e rigoroso” do deputado. Fica na memória da ex-parlamentar como uma pessoa muito atenta, dialogante, estimado e respeitado por todos. O inteiro quadro legislativo que passou pela AL nos anos de transição foi “analisado por nós ao pormenor, a opinião de Rui Afonso era muito escutada”, recorda.

Também no plano político foi alguém que ajudou a ex-presidente da AL a alcançar consensos, algo que era uma característica muito vincada na sua personalidade. Conseguia reunir harmonia naturalmente através da sua finura de trato e apurada argúcia.

Rui Afonso foi uma das pessoas responsáveis pelo alargamento do sufrágio e imprimiu uma visão moderna a Macau, principalmente no que toca ao desenvolvimento de condições para a abertura do território ao mundo.

Leonel Alves retrata a advogado como um “exímio parlamentar”. Neste detalhe, o histórico deputado na AL confessa não perceber porque Rui Afonso nunca seguiu a carreira política em Portugal. “Daria um bom deputado na Assembleia da República, e tinha perfil para fazer um percurso governativo de relevo”, completa.

Finura na crítica

Mesmo na discórdia política granjeou o respeito dos seus pares. “Quer se concorde, ou não, ele teve uma influência importante em tudo o que nós vemos no próprio sistema político que herdámos destas últimas décadas”, comenta Miguel de Senna Fernandes. O deputado que substituiu Rui Afonso, depois deste ter pedido a demissão das suas funções na AL, acrescenta que o advogado “é uma figura histórica de Macau”.

Uma das fases mais marcantes da acção de Rui Afonso em prol da transparência política em Macau deu-se quando entrou em choque com a administração do, à altura, Governador Rocha Vieira, nomeadamente com posições que tomou enquanto deputado na AL.

Sérgio de Almeida Correia, amigo e colega de Rui Afonso destaca o amor incondicional que este tinha à liberdade. Algo que o advogado sentiu na pele numa altura em que assinava artigos de opinião muito críticos em relação à Administração de Rocha Vieira. “Cheguei a dizer-lhe que ia deixar de escrever porque achava que estava a criar problemas ao escritório”, conta o amigo de Rui Afonso. A resposta que recebeu foi: “nem pense nisso, porque aquilo que está a fazer é muito importante para os portugueses e para a população de Macau”.

Sérgio de Almeida Correia salienta o carácter de um homem que abominava “trafulhices e golpadas”. Neste registo, o advogado categoriza Rui Afonso como “um homem de palavra, dos mais sérios e honestos que conheceu” em toda a sua vida.

Enquanto deputado, era alguém muito atento aos reais problemas de Macau, ao que era necessário ser feito. Nesse aspecto, Sérgio de Almeida Correia recorda que Rui Afonso era implacável com promiscuidades entre a produção legislativa e os casos de justiça que corriam nos tribunais. Quando apareciam propostas de alterações pontuais às leis para favorecer um tribuno, ou um interesse que este representasse, a resposta de Rui Afonso era implacável. “O que vemos hoje já acontecia de forma velada, seja quando é aprovada legislação que lhes dá jeito, ou quando não aprovam legislação para não serem prejudicados nos seus negócios”, explica o advogado. Sérgio de Almeida Correia salienta que “antigamente isso não acontecia como acontece hoje, porque havia gente na AL como o Rui Afonso, que não o permitia”. Apesar do lamaçal que a política sempre envolveu, ainda havia defensores da legalidade, com uma conduta “do ponto de vista moral e ético de grande integridade”, explica.

Defensor da transparência

Anabela Ritchie concorda com esta visão de rectidão, acrescentando que foi uma pessoa que “não levou os aspectos e interesses pessoais para dentro da AL”.

Esta característica intrépida ficou vincada no seu papel aquando do relatório à Fundação Oriente, em que ficou patente que os fundos que eram recebidos da indústria do jogo, “eram pura e simplesmente canalizados, na íntegra, para Portugal”, conta Sérgio de Almeida Correia. Algo que não agradava, naturalmente, à população de Macau, em particular aos chineses. Nesse aspecto o advogado destaca o papel de Rui Afonso, que “foi a primeira pessoa a dizer que a única saída decente para aquilo era devolver o dinheiro a Macau”.

De acordo com o amigo, uma das coisas que Rui Afonso mais abominava era a forma como os dinheiros públicos eram geridos na recta final da administração portuguesa do território.

Aliás, este grau de integridade valerem-lhe o respeito por todos os sectores da sociedade. “Foi uma peça importante para o estabelecimento de pontes entre as diversas comunidades, aliás, a comunidade chinesa tinha por ele um grande apreço por ele”, explica Leonel Alves.

Bombeiro de serviço

A sua coragem não se ficou apenas na acção política, em particular num episódio digno de um filme de super-heróis. Uma vez, em viagem numa auto-estrada portuguesa, Rui Afonso deparou-se com um veículo a arder. “Diz que nem pensou e agiu por impulso”, conta Anabela Ritchie. Saiu do seu carro e socorreu a pessoa que se encontrava no veículo em chamas. “Quando nos contou isso, não o fez como quem relata um acto heróico”. O episódio deixou-lhe queimaduras na mão e no rosto. De acordo com a ex-presidente da AL, o seu amigo de 30 anos considerou o acontecimento como “algo que qualquer pessoa faria”.

De resto, o advogado fica para a memória de quem privou com ele como uma pessoa de integridade inquestionável e afabilidade. Na esfera privada, era alguém que gostava de mimar os amigos, em especial à mesa, em torno de um bom queijo e uma garrafa de vinho. “Era um ‘bon vivant’, gostava de ter a casa cheia, apreciava e sabia receber, era uma pessoa com uma simpatia fora de série”, conta Sérgio de Almeida Correia.

Além dos prazeres da conversa à mesa, não dispensava uma caminhada domingueira pelos trilhos de Coloane, e não conseguia viver sem livros, cinema e música. Aliás, neste aspecto o amigo e vizinho recorda um episódio em que depois de uma manhã em que exagerou no volume da aparelhagem, apanha Rui Afonso e a mulher no elevador. Começaram por elogiar o gosto musical do vizinho. Comentando, em seguida, que não era preciso preocupar-se uma vez que também gostavam muito “de Brel e da Carmina Burana”.

Sérgio de Almeida Correia conta este episódio com ternura, salientando a personalidade de Rui Afonso que, além da correcção extrema, tinha uma personalidade que punha qualquer pessoa à vontade.

Deixa-nos alguém que ganhou o respeito de Macau, que não recusava casos no seu escritório, mesmo quando, por vezes, os clientes não conseguissem pagar os seus honorários, ou em situações de contratos rescindidos, ou processos disciplinares injustos movidos pela antiga Administração portuguesa. Sérgio de Almeida Correia conta que quem recorria ao seu escritório sabia que “ali ninguém tinha medo do Poder, ninguém tinha medo da Administração de Macau, algo que não se via em todos os escritórios”. Parte como chegou e como viveu: em liberdade e sem medo.

20 Mar 2017

O ardina viajou

[dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]u estava hospedado no central Metrópole. Já nos conhecíamos, mas naquele dia quente e húmido de Junho de 1993, ele veio buscar-me ao hotel para irmos jantar, no belíssimo Saab 900 turbo, azul escuro, com os estofos de cor creme, que me ficaria na retina e viria a ser o meu carro nos anos seguintes.

Tratava-se de acertar os termos da minha contratação, qual mini-estrela do universo da advocacia lisboeta, com experiência anterior da Administração de Macau, referências de boa vizinhança nos anos em que cá residira, quando era apanhado logo pela manhã à porta do elevador com a sua mulher a dizer-me que a música era boa. E eu envergonhadíssimo pelo volume de som que saía das sinfónicas ou das vozes, então de Brel, Ferré e Brassens, que tomava conta do patamar de acesso aos elevadores, ali na Rodrigo Rodrigues.

Sempre impecável na simpatia e na afabilidade do trato, acertámos o pouco que havia, verbalmente, como é timbre entre homens de bem, e passados dois meses eu desembarcava de novo em Macau para me atirar de corpo e alma ao escritório que nessa época ficava no edifício da Nam Kwong, na Almeida Ribeiro, onde éramos vizinhos do Grupo de Ligação Conjunto Luso-Chinês.

Macau dera o salto da pequena vilória colonial da era pré-Almeidista, com pretensões a cidade, para a metrópole consolidada do final do século XX que crescera fora do espaço que lhe estava destinado, espremida entre a zona de aterros do porto exterior, mais a dos novos aterros e os que haveriam de vir a sê-lo mais alguns anos volvidos.

Nesse tempo, a Assembleia Legislativa (AL) era uma máquina de produção legislativa, atenta, rigorosa e eficiente que causava problemas à inércia governativa, aos amanuenses da Praia Grande e gelava os paninhos quentes com que alguns queriam tratar dos assuntos que interessavam a Macau e aos seus cidadãos.

Aqui demandavam os melhores e mais pragmáticos homens do direito. Não havia tempo a perder, nem lugar para protagonismos. Era tempo de combate. Era preciso tomar conta das acções em curso, preparar novas petições, analisar contratos, acompanhar as questões do aeroporto e da AL, ler os pareceres, formular uma opinião sobre os caminhos a seguir. E depois começaram as escrituras e impunha-se tomar conta daquilo tudo.

Não me perdi. Com o apoio de uma querida amiga, com o beneplácito do Rui, fui tratando de desempenhar as minhas tarefas com a competência e o brio de quem, acabado de chegar depois de um interregno de três anos, vinha disposto ao trabalho no escritório do parceiro contratante para que ele se pudesse dedicar por inteiro às questões da transição.

Anos antes, depois de uma reunião no Palácio do Governo, onde também funcionava a AL, discutíramos as primeiras questões do bilinguismo e as perspectivas do Prof. Heuser (Heidelberg), e quando em Novembro de 1989 me predispusera a regressar à pátria, ele teve a gentileza de nos convidar – à saudosa Lurdes, ao meu amigo Pedro Horta e Costa e a mim, para almoçarmos na Galera, em jeito de despedida.

Nesse primeiro interregno da minha vida macaense continuei a contactar com o Rui, com o Frederico e o com o Francisco, prestando alguns serviços avulsos para uma pequena sociedade que tinham em Portugal. Foi pouco no volume e no valor, muito na solidariedade e no apoio a quem queria ingressar, sozinho, no complicado mundo da advocacia lisboeta, respeitando escrupulosamente as regras deontológicas. Creio que nunca lhes agradeci devidamente o que então por mim fizeram.

O regresso em 1993 foi, pois, mais fácil. Todas as questões se resolviam com uma aparente facilidade graças às referências que o Rui possuía e ao extenso conhecimento que tinha de leis, regulamentos, fontes e tudo o mais que era necessário num dia-a-dia onde não nos podíamos dar ao luxo de perder demasiado tempo com rodriguinhos. Havia o trabalho na AL, os actos notariais, os tribunais, o acompanhamento da imprensa, os contratos do aeroporto, as tertúlias e os tempos de descanso, que nisso o Rui tratava os trabalhadores como príncipes. Ninguém se queixava e ainda havia a sua eterna boa disposição.

O pior era lá fora, na selva, onde o tráfico de influências, as negociatas, o compadrio, o clientelismo, os generais, os coronéis, os seus avençados e as seitas campeavam. Sabendo que o mundo não iria terminar no dia seguinte, e que a 1999 se seguiria 2000, a tudo isso o Rui resistiu. Com a maior das facilidades e sorrindo com desdém aos merceeiros que se deixavam vender por pataca e meia e uma quota num terreno. Depois, quando foi necessário assegurar informação credível e transparente lá surgiu o Futuro de Macau. Cumpriu a sua missão como seriedade. Outra coisa não seria de esperar.

Preocupado como estava com esse mesmo futuro, o Rui não se poupou a esforços. Eram leis e relatórios, múltiplas reuniões, mais o Conselho Superior de Justiça e até, por pouco tempo, a presença no Conselho Superior de Advocacia. Durou pouco a sua presença em tal órgão, de onde se demitiu. Fazer de corpo presente não era com ele. Hoje, alguns do que lamentam o seu trágico e prematuro fim foram os mesmos que ao melhor jeito estalinista eliminaram as suas referências na AAM. Como se ele não tivesse sido um dos primeiros, como se não tivesse, também ali, dado o seu melhor e não tivesse sido fundamental para que a AAM tivesse adquirido o estatuto que teve e, entretanto, tem vindo a perder. O Rui nunca ligou a essa desfeita que lhe fizeram. Eu protestei, sem sucesso, com os vários pastores que por lá passaram, mas estes nunca me deram resposta, e aquele rebanho seguiu pastando para onde o mandavam. Por isso, hoje, os tribunais estão como estão e o português assume cabisbaixo, não fora o esforço de alguns magistrados na sua preservação, o estatuto de língua morta perante a horda de ruminantes que dele tomou conta. Chorai, pois, que lenços não faltarão e sempre sobrarão as mangas das camisas quando aqueles forem levados pela corrente. O agravo não ficará com quem já partiu.

Como director dos SAFP deu o pontapé de saída para a reforma da administração, para dotar Macau de quadros capazes, competentes e bilingues. Foi acima de tudo um homem preocupado com os problemas da localização e autonomização jurídicas de Macau. Para o Rui, seria impensável deixar um sistema à mercê do que viesse de Cantão ou Fuquien, ou sujeito aos humores de um qualquer serventuário do poder ou do partido. Macau e as suas gentes, de qualquer origem ou etnia, e a dignidade de Portugal e dos portugueses que aqui vivem e trabalham deviam ser os únicos referentes, a marca indelével dos séculos e dos que aqui nos precederam entrando e saindo de cabeça erguida.

A revisão de 1990 do Estatuto Orgânico, a lei de imprensa, toda a legislação penal avulsa, dos animais às associações criminosas, a defesa intransigente dos direitos e garantias dos cidadãos de Macau, que se dúvidas houvesse ficou plasmada no relatório do financiamento da Fundação Oriente e, pouco depois, em 2000, quando nos estúdios da TDM sugeriu a devolução do dinheiro da Fundação Jorge Álvares à RAEM como única saída decente para o esbulho feito às gentes de Macau. Da pouca vergonha do Instituto Internacional de Macau e do caminho seguido pela Escola Portuguesa é escusado falar agora.

Também a Fundação D. Belchior Carneiro lhe deve hoje o belíssimo lar-residência de Oeiras, depois dele, do João Frazão e de eu próprio desbloquearmos o imbróglio do terreno que havia sido impingido aos irmãos da Santa Casa pelo belga, em leito de cheia e com o “aval”, como sempre, da Administração de Macau.

É bom recordar tudo isto agora que o último figurante da administração portuguesa, o reservista ao serviço da EDP, aqui desembarcou, iniciando nova romaria para rever a sua pandilha local a pretexto da Escola Portuguesa. Já se adivinha, de novo, o cheiro a barbecue.

Enfim, que hei-de eu dizer nesta hora triste em que vejo partir um amigo que me acompanhou ao logo de trinta anos, que me ajudou na vida e na carreira, que contribuiu com as suas ideias e achegas para o meu sucesso académico e que me abriu sempre as portas de sua casa como se fosse a minha.

O legado de um homem cujo sentido da honra e da dignidade estão acima dos circunstancialismos de conjuntura é sempre de difícil avaliação. Mas foram esses mesmos valores que o impediram de dobrar a cerviz a troco de medalhas, de tostões ou de milhões, como fez quando recusou ser advogado em regime de avença dos interesses do jogo. O Rui não estava para aturar tipos que acham que os milhões que ganham lhes dão o direito de pedir favores e de telefonar às 3 ou 4 da manhã de um spa em Las Vegas para insultarem o advogado que não lhes reconheceu as assinaturas nuns contratos manhosos num inglês mal redigido e destinados a uma terra onde se fala em português e chinês. Negociatas de bordel, golpadas e moscambilhas nunca foi com ele. A gente anda na rua e fala com as pessoas.

Quando se demitiu da AL, em ruptura com o soba colonial, estava preocupado com as questões da segurança, embora soubesse que Portugal se afundava em negociatas de sanitas, aquisições de quadros com dinheiros públicos por troca com facturas de livros e restauros de peças antigas que nunca regressaram, mas fê-lo com a lealdade de sempre. O Rui dispensava o comprometimento do seu nome e a reputação do escritório nos cambalachos de fim de ciclo do império. Por a CNN ou a imprensa estrangeira que vinha a Macau queriam conversar com ele.

Da falta de alinhamento com as negociatas nos ressentimos todos lá no escritório, quando o trabalho escasseou à laia de represália. E também aí, nessa altura, não lhe foi ouvido um ai. Um senhor. Como também não foi ouvido quando numa auto-estrada, depois de um acidente, foi em auxílio dos outros, suportando a explosão de um outro carro em chamas para ver as mãos e a cara queimarem-se-lhe, sofrendo depois enxertos vários em Coimbra, para poder salvar uma mulher inconsciente que estava dentro de um veículo acidentado. Antes dos bombeiros chegarem. Ou agora, como ainda há dias o vi, lutando estoicamente, lutando como só um herói sabe fazer, mantendo sempre a compostura, a dignidade e o sorriso apesar de ver ali o seu próprio corpo ser corroído pela dor e a ingrata antecipação do fim a chegar.

O Rui nunca foi de fazer fretes porque era um homem sério e honesto como poucos. Porque teve a consciência em todo o seu percurso da necessidade de se preservarem princípios e valores, porque sabia que estes, ao longo da vida, não necessitam de segurança pessoal, e dispensam a pertença a igrejas, a seitas, a partidos ou a associação discretas. Em rigor, o Rui comportava-se sempre como o verdadeiro anarquista que nunca foi mas que no íntimo lhe espreitava.

Devo-lhe a amizade, a camaradagem, a confiança sem limite no meu trabalho, o estímulo e a palavra amiga na hora certa. E também o trabalho diário de ardina digital junto dos seus amigos, trabalho a que nem a doença retirava o humor após meses de sofrimento. Na primeira aberta, mesmo depois de doente e entre tratamentos, lá chegava o e-mail com o anexo e uma única frase: “o ardina está de volta”. Até ao fim, o Rui teve sentido de humor. O Rui foi um dos poucos duros que conheci em toda a vida, que sorria e inspirava qualquer que fosse o combate e o estado das tropas. Até a um céptico como eu.

Três décadas de convívio depois, vendo-o partir assim, desta forma apressada, inacabada, sem jeito, com tantos livros para lermos e discutirmos (o último que aqui tenho é “O que resta da esquerda?”, do Nick Cohen), tantos filmes para comentarmos (irei ver o “Silêncio” logo que possa) sem tempo para ele poder assistir à discussão do trabalho que me consumiu, envelheceu e roubou horas ao nosso convívio dos últimos anos, torna-se mais imperioso do que nunca assegurar-lhe que iremos todos continuar a discutir os milhões que vão para a Universidade de Jinan, os que à custa do desinvestimento na saúde pública de Macau contribuem para dinamizar a incompetência grosseira, encher os bolsos de clínicas e hospitais privados de onde um dia começarão a nascer os cogumelos dos novos casinos. Esses e todos os outros.

Enquanto os grilos locais tecem loas em seu nome e agitam a casaca negra entre missas, nós continuaremos a resistir. E a olhar por esse imenso legado. Na língua em que nos deixarem. Sem receio de perdermos alguns amendoins.

Porque no fim, o que verdadeiramente importa, como sempre nos importou, são os nossos. Os nossos valores, os nossos princípios, a nossa gente, que são aqueles com quem nos cruzamos no dia-a-dia, os que nos vêm bater à porta com um pedido de ajuda, os injustiçados desta vida, os que todas as manhã nos dizem bom dia olhando-nos nos olhos.

Até ao fim, sans Dieu ni maître, como cantou o Ferré, cá estaremos, Rui. Honrando a memória e o legado. Com os que estiverem connosco às sextas-feiras. E nos outros dias. À alvorada, se necessário. Continuando a percorrer os trilhos e as veredas incertas da vida com o mesmo à-vontade. Como homens livres que sempre fomos. Até ao fim. Resistindo sem quebrar. Como o bambu. Como tu fizeste, como só tu soubeste ser. O melhor dos ardinas. Até ao fim, sorrindo, sorrindo sempre.

20 Mar 2017

Pequim | Chui Sai On traz recados para dirigentes do Governo

De dedo bem esticado: terminadas as reuniões da Assembleia Popular Nacional e da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês, o Chefe do Executivo trouxe um recado sério dirigido às chefias locais: “descentralização do poder” e “combate à corrupção”

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]uma altura em que o antigo procurador da RAEM, Ho Chio Meng, responde em tribunal pela acusação da prática de mais de 1500 crimes, Chui Sai On, Chefe do Executivo, chega de Pequim com mensagens claras para todos os que trabalham na Função Pública, sobretudo para quem tem responsabilidades de chefia.

Segundo um comunicado oficial, o Chefe do Executivo fez na passada sexta-feira um balanço das reuniões da Assembleia Popular Nacional (APN) e da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês (CCPPC). Citado pelo documento, Chui Sai On terá alertado para a necessidade de “acelerar a reforma legislativa e da administração pública”, bem como “melhorar a governação pública”.

Foi ainda referido que “os dirigentes de todos os serviços da administração pública devem ser os primeiros a aprender e aprofundar o espírito das duas reuniões”. Chui Sai On considerou ainda que “os dirigentes de todos os serviços da administração pública devem concretizar, sem falhar no alvo, os objectivos do Governo Central e cumprir escrupulosamente a Constituição e a Lei Básica de Macau no exercício das suas funções”.

Os funcionários devem ainda “defender, com firmeza e soberania, a segurança e os interesses de desenvolvimento do país e aproveitar, de maneira eficiente, o regime de ‘Um País, Dois Sistemas’, as vantagens e características singulares de Macau”.

Para Macau, considera o Chefe do Executivo, é fundamental “seguir escrupulosamente a Constituição e a Lei Básica, acelerar a reforma da administração pública, a descentralização do poder, o combate à corrupção e promover a integridade”.

Zona A e trânsito

Chui Sai On falou ainda de quatro áreas importantes, às quais a sociedade local deve prestar atenção. Como líder de Governo, Chui Sai On disse ser necessário “dar prioridade às questões relacionadas com o bem-estar da população e a diversificação adequada da economia”, sem esquecer a implementação do Plano de Desenvolvimento Quinquenal de Macau.

Devem concretizar-se, assim, “as medidas benéficas e a resolução dos problemas que afligem a população”. Além disso, deve “continuar a dar-se prioridade aos trabalhos que interessam à população, nomeadamente habitação e trânsito, entre outros”.

Sobre o projecto dos novos aterros, Chui Sai On entendeu ser fundamental “acelerar as obras de aterro da zona A, contribuindo para a criação de um lar e conforto para os residentes”, sem esquecer as restantes obras de infra-estruturas transfronteiriças, designadamente a ponte Hong Kong, Zhuhai Macau e os novos acessos entre Guangdong e Macau”.

O Chefe do Executivo falou ainda da necessidade de promover o lado empreendedor dos mais jovens, sempre com o foco na garantia da ideia de “amor à Pátria”.

O ano das eleições

Edmund Ho, primeiro Chefe do Executivo da era RAEM e vice-presidente da CCPPC, também esteve presente na reunião, tendo feito referência “à nova concepção de governação, quer ao nível de ideologia, quer ao nível de mentalidades e estratégias”, contida no discurso do presidente chinês, Xi Jinping.

Lembrando que 2017 é o ano de eleições legislativas, Edmund Ho referiu que “será importante criar e garantir um bom ambiente político e consequentemente impulsionar o desenvolvimento de todos os vectores da sociedade de Macau”.

Wang Zhimin, director do Gabinete de Ligação do Governo Central na Região Administrativa Especial de Macau, revelou ainda “três desejos” para o território: que a sociedade local tenha “confiança no desenvolvimento do País e de Macau”, que possam “aproveitar as vantagens do segundo sistema”, em prol do “desenvolvimento sustentável da economia diversificada”. Para além disso, “todos os sectores da sociedade devem continuar a promover o amor à Pátria”.


Passagem de saber preocupa Ng Fok

O Chefe do Executivo reuniu “recentemente” com Ng Fok, conhecido empresário local, presidente da Associação de Amizade e Coordenação dos ex-Deputados da APN e ex-Membros da CCPPC. Segundo um comunicado, foram trocadas “ideias sobre o desenvolvimento da sociedade, da economia e assuntos dos jovens de Macau”. Os dirigentes associativos apresentaram o programa de actividades deste ano, tendo referido que é “importante a associação envolver os jovens”, de forma a “garantir a passagem de saber de geração em geração”.

20 Mar 2017

Eleições | Linha e página de denúncias já estão em funcionamento

Os residentes do território já podem fazer denúncias de irregularidades relativas ao processo para as eleições legislativas deste ano. Entrou no passado sábado em funcionamento o mecanismo de comunicação partilhado que pretende garantir umas eleições justas

 

[dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]ntrou em funcionamento no sábado passado a linha telefónica para a denúncia de irregularidades sobre o processo das eleições legislativas. Também já há um portal com o mesmo objectivo. A informação foi dada à comunicação social após um encontro entre a Comissão dos Assuntos Eleitorais da Assembleia Legislativa (CAEAL) e o Comissariado contra a Corrupção (CCAC).

“Os meios de denúncia, como a linha aberta e a página electrónica, estão em funcionamento de 18 de Março a 17 de Setembro, e já temos a equipa de trabalho preparada para atender as queixas da população”, afirmou o presidente da CAEAL, Tong Hio Fong.

Com a criação do mecanismo de comunicação entre os dois organismos pretende-se “um ambiente justo e imparcial durante o período das eleições”.

André Cheong, comissário da CCAC, explicou que, a pensar nos dispositivos móveis, os interessados podem recorrer ao código QR que dá acesso à aplicação para denúncias. “A existência de uma página na Internet e de uma aplicação móvel serve para facilitar a vida dos mais jovens”, explicou.

Denunciar sem medo

O comissário frisou ainda a confidencialidade dos dados pessoais dos residentes que queiram proceder a queixas. “Temos uma série de regras para o tratamento das denúncias que funcionam de forma semelhante ao tratamento dos casos de corrupção”, disse, sublinhando que “todas as informações são encriptadas, incluindo os dados pessoais do queixoso, pelo que não é preciso ter medo”.

Depois de recebidas as denúncias, o CCAC avalia se é um caso em que urge a acção imediata por parte do organismo. “Há casos que não necessitam de uma acção imediata, mas há outros que sim, porque se não forem tratados logo, as provas podem ser perdidas”, explicou. André Cheong deixou um exemplo: “Se alguém andar a distribuir dinheiro na rua, temos de agir o mais rápido possível”.

A criação de um mecanismo de comunicação entre a CAEAL e o CCAC foi uma decisão tomada no encontro entre os organismos a 1 de Março. “A comissão e o CCAC chegaram a consenso numa questão: depois de termos trocado várias opiniões, vamos disponibilizar uma linha uniformizada para facilitar à população a denúncia de qualquer irregularidade”, disse Tong Hio Fong.

Para o responsável, estavam reunidas as condições para implementar o serviço que irá “evitar a repetição do uso nos recursos despendidos”.

A linha telefónica insere-se num conjunto de mecanismos de comunicação entre as duas entidades. “Chegámos a consenso para que, aquando do começo dos procedimentos eleitorais, tenha início o funcionamento de uma rede de comunicação para assinalar qualquer irregularidade que possa acontecer nas eleições. Vamos trocar informações e, sempre que for detectada alguma infracção, estaremos em comunicação estreita com base nesse mecanismo”, disse Tong Hio Fong.

A linha telefónica está em funcionamento 24 horas por dia através do número 28997733 e o site pode ser acedido no endereço www.complaint2017.gov.mo.

20 Mar 2017

Taxas de veículos | Pedido de debate de Leong Veng Chai é votado amanhã

[dropcap style≠’circle’]É[/dropcap] já amanhã que a Assembleia Legislativa (AL) reúne para votar a realização de um debate sobre o aumento das taxas de veículos, medida que entrou em vigor no passado dia 1 de Janeiro. O pedido de debate foi feito pelo deputado Leong Veng Chai, número dois de José Pereira Coutinho no hemiciclo.

Na proposta de debate entregue no hemiciclo, Leong Veng Chai questiona se “este aumento é razoável”, esperando que “todos os deputados possa apresentar as suas opiniões, de modo a ir ao encontro da opinião pública e evitar suspeitas sobre a existência de transferência de interesses entre o Governo e as entidades privadas”.

Para o deputado, a realização do debate com membros do Governo permitirá ao Chefe do Executivo, Chui Sai On, “reunir amplamente os conhecimentos, a fim de tomar uma decisão resoluta”. “Os salários dos residentes não só não conseguem acompanhar a subida da inflação, como também vão ter de suportar a subida em flecha, cerca de 13 vezes, do valor das taxas, aumentando assim cada vez mais o custo de vida das famílias”, argumenta ainda o deputado na nota justificativa.

Leong Veng Chai considera ainda que a “a actual rede de trânsito é desequilibrada, os lugares de estacionamento são insuficientes e as taxas tiveram um aumento exagerado”, o deputado eleito por sufrágio universal sustenta ainda que o Governo não melhorou a qualidade de vida da população, mas antes “aumentou as dificuldades dos cidadãos”.

O debate de amanhã vai servir ainda para discutir a Conta de Gerência da AL relativa ao ano passado, bem como discutir e votar o 1.º Orçamento Suplementar da AL relativo ao ano económico de 2017.

20 Mar 2017

Parquímetros | Aumentos “geram desconfiança na sociedade”

Analistas referem que as pessoas continuam a não perceber o aumento súbito dos parquímetros, desconfiando da existência de “conluio” com empresários. Lam U Tou sugere aumentos graduais, a cada dois anos

 

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]ão pára de gerar polémica o anúncio do Governo face ao aumento dos valores cobrados nos parquímetros. Opiniões recolhidas pelo Jornal do Cidadão revelam que não só a sociedade questiona as razões para essa política como suspeitam da existência de interesses de empresários ligados à área dos parques de estacionamento.

Lam U Tou, presidente da Associação Sinergia de Macau, sugere que possa ser implementado um aumento gradual dos valores dos parquímetros, a cada dois anos. Isto a ver se sossegam os ânimos e as pessoas.

O responsável considera que o aumento dos valores cobrados não é exagerado, uma vez que tem como base os preços praticados. No entanto, Lam U Tou defende que o Governo adoptou uma medida forte demais para controlar o número de veículos, não tendo considerado as opiniões dos cidadãos. O dirigente associativo considera, no entanto, que os aumentos podem melhorar o fluxo da utilização dos lugares de estacionamento com parquímetro, bem como levar a uma redução das ilegalidades.

O presidente da Associação Sinergia Macau lamenta que o Governo não divulgue melhor as informações sobre este tipo de medidas e que continue a discutir os aumentos apenas no seio do Conselho Consultivo do Trânsito. Lam U Tou defende que há muitos dados e informações que devem ser melhor divulgados junto do público.

Que interesses?

Por outro lado, Au Kam San, deputado à Assembleia Legislativa (AL), alerta para a tensão sentida pela sociedade, a qual foi causada pelo Governo, pedindo para adiar o aumento dos valores de parquímetros.

Au Kam San lembrou que recentemente o Governo avançou com várias medidas sobre o aumento das taxas e dos valores para veículos. No entanto, na visão do deputado, os benefícios causados pelas medidas vão todos para as mãos dos empresários, sendo que tal merece uma discussão pública, pois, na sua visão, existe a possibilidade de conluio entre as entidades públicas e as concessionárias que gerem os parquímetros e parques de estacionamento.

Au Kam San considera que o aumento dos custos relacionados com veículos pode reduzir a sua utilização, mas o Governo deve garantir, em primeiro lugar, a implementação de mais transportes públicos. O deputado disse que o serviço de autocarros melhorou, mas não há espaço suficiente para a sua circulação dos autocarros, o que diminui a sua eficiência do funcionamento.

Para isso, Au Kam San pede que o Governo construa mais vias exclusivas para transportes públicos, por forma a oferecer mais espaço aos autocarros e para que se possa diminuir o uso de veículos privados.

Hoi Long Tong, membro do Conselho Consultivo do Trânsito, concorda com a intenção do controlo de veículos do Governo, mas disse que este não pode alcançar o objectivo usando só meios económicos.

Leis eficazes ou à medida?

Sobre a inspecção de veículos, Hoi Long Tong explica que, para as Pequenas e Médias Empresas (PME) que tenham a necessidade de utilizar automóveis com regularidade, têm de suportar os aumentos das taxas. Relativamente aos cidadãos que tenham pouca vontade de andar de pé, mesmo com o aumento das taxas, não vão desistir de utilizar os seus veículos.

Portanto, para Hoi Long Tong, as referidas medidas não só contrariam o objectivo de controlo de veículos, mas também trazem maior pressão económica aos cidadãos, sendo que muitos falam de um alegado conluio entre o Governo e os empresários. Para tal, Hoi Long Tong solicita que o Governo reveja a eficiência dos novos valores e medidas para a inspecção regular dos veículos e, sobretudo, divulgue mais dados junto do público.

20 Mar 2017

Irregularidades | Governo recupera habitações económicas

Candidataram-se a uma habitação colocada à venda pelo Governo, a custos mais baixos, mas não vivem lá. Há ainda quem tenha alterado a finalidade da fracção ou feito do apartamento uma pensão ilegal. O Instituto de Habitação entrou em acção e há três compradores que já devolveram as casas

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Instituto de Habitação (IH) detectou, no ano passado, 49 casos suspeitos de irregularidades na utilização de habitações económicas. O organismo fiscalizou 3267 fracções em 2016, tendo dado início aos procedimentos de resolução do contrato-promessa de compra e venda em relação a 40 casos. São situações em que se suspeita que os compradores não residem efectiva e permanentemente nos apartamentos cedidos pelo Governo, explica o IH, recordando que se trata de uma das condições necessárias para a aquisição de uma habitação económica.

Do total de casos suspeitos, sete promitentes-compradores já procederam à devolução das fracções. Deste grupo, em três casos encontram-se concluídos os procedimentos de reembolso do preço e devolução das fracções, estando a ser acompanhado o procedimento administrativo relativo à devolução das fracções dos restantes casos.

Em comunicado, o IH explica que foram abertos os procedimentos sancionatórios relativos a cinco casos suspeitos de cedência da habitação, a título gratuito, a outrem. Foram remetidos para acompanhamento pelas Obras Públicas dois casos suspeitos de alteração de finalidade da fracção para fins comerciais, e foram enviados para os Serviços de Turismo outros dois casos suspeitos de utilização das fracções para prestação ilegal de alojamento.

O modo como alguns apartamentos integrados no conceito de habitação económica têm estado a ser utilizados é motivo de preocupação para alguns deputados à Assembleia Legislativa. Agora, o Instituto de Habitação vem garantir que vai continuar a fiscalizar, de forma contínua, as habitações económicas. “Caso se verifiquem situações de não cumprimento da lei da habitação económica, o IH irá proceder ao respectivo acompanhamento”, promete.

Em situações em que termina o contrato, explica ainda o organismo, o promitente-comprador tem direito ao reembolso do preço pago pela compra da fracção, mas não na totalidade. É deduzido o montante em dívida a ser reembolsado à entidade credora, no caso de ser devedor de um empréstimo bancário para a compra da respectiva fracção, e o montante correspondente a um por cento do preço de venda da fracção, para compensação das despesas administrativas suportadas pelo IH. O comprador fica ainda sem o valor previsível das despesas com a execução das obras que sejam necessárias realizar para a reposição das condições de habitabilidade da fracção, tendo ainda de deixar dinheiro para despesas por pagar, como o condomínio, a água e a electricidade.

20 Mar 2017

Deputada critica abordagem da educação sexual

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] deputada Wong Kit Cheng interpelou o Governo sobre a adesão das escolas ao “Plano de apoio à educação sexual nas escolas”, alertando sobre a necessidade de mais instituições de ensino terem o dever de aderir a esta medida promovida pela Direcção dos Serviços de Educação e Juventude (DSEJ).

“Desde a implementação do referido plano, as escolas participantes representam apenas 70 por cento de todos os estabelecimentos de ensino de Macau”, lembra Wong Kit Cheng. Nesse sentido, a deputada, eleita pela União Geral das Associações de Moradores de Macau (UGAMM, ou Kaifong), deseja saber “como é que as autoridades vão garantir a participação de todas as escolas no referido plano, de modo a maximizar os seus efeitos?”, questionou. A deputada quer ainda saber como é que o Executivo “vai avaliar os resultados obtidos nos trabalhos ao nível da educação sexual”.

Quanto à aplicação prática do referido plano, Wong Kit Cheng frisou que “as autoridades realizaram um inquérito para recolher opiniões dos respectivos docentes, verificando-se que o referido plano obtém o reconhecimento da maioria dos inquiridos”. Para além disso, “uma pequena parte deles continua a preocupar-se com a falta de técnicas de ensino de educação sexual, o que significa que o plano em causa pode melhorar as técnicas do ensino dos professores”, escreveu a deputada.

Wong Kit Cheng fala ainda da existência de uma atitude conservadora na implementação deste plano. “De acordo com um estudo levado a cabo em 2013, os pais e as escolas de Macau têm uma atitude relativamente conservadora junto dos jovens quanto à educação sexual, sendo mais conservadora a atitude dos pais, e alguns jovens não falam com os professores ou os pais sobre questões sexuais.”

“O que é que as autoridades já realizaram nos últimos anos para encorajar os pais a participarem nos trabalhos de educação sexual? Futuramente como vão aumentar o seu entusiasmo?”, questionou ainda Wong Kit Cheng.

20 Mar 2017

PJ investiga causas de incêndio no Grand Lisboa Palace

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] Polícia Judiciária (PJ) de Macau está a investigar as causas de um incêndio que deflagrou na noite de sexta-feira nos estaleiros de um hotel-casino em Macau obrigando à retirada de mais de 500 trabalhadores.

O alerta de incêndio foi dado às 19:05 de sábado, disse fonte dos Bombeiros à agência Lusa, indicando que o fogo, que deflagrou no Grand Lisboa Palace que se encontra em construção no Cotai, foi dado como extinto aproximadamente duas horas depois.

Para o local foram enviados 52 bombeiros, apoiados por 17 viaturas, com o combate às chamas, que ocuparam uma área de 300 metros quadrados, a ser dificultado pelo facto de o incêndio ter deflagrado no 14.º andar, onde não havia electricidade ou fontes de abastecimento de água, segundo explicou o responsável.

Apesar de terem sido retirados 522 trabalhadores da obra, não foram registados feridos, indicou a fonte dos Bombeiros, afirmando que não encontraram uma causa aparente do incêndio, admitindo poder tratar-se de fogo posto, pelo que chamaram a PJ. À Lusa, fonte da PJ confirmou que aquela polícia está a investigar o caso.

No local do incêndio estavam armazenados tintas e materiais de construção. Segundo informação recente à bolsa de Hong Kong, a construção do Grand Lisboa Palace, o empreendimento da Sociedade de Jogos de Macau (SJM), começou em Fevereiro de 2014, devendo estar concluída no final deste ano e abrir no primeiro semestre de 2018.

20 Mar 2017

Rota das Letras | Gei Fei poderá estar presente em 2018

Terminada mais uma edição do festival literário Rota das Letras, Hélder Beja, director de programação do evento, fala da diversidade de autores que passaram por Macau e levanta a ponta do véu para a próxima edição: Gei Fei, autor chinês contemporâneo, que começou a publicar na década de 80

[dropcap style≠’circle’]C[/dropcap]hegou ontem ao fim a edição deste ano do festival literário Rota das Letras, que durante duas semanas trouxe ao edifício do antigo tribunal uma panóplia de autores de vinte nacionalidades diferentes, sem esquecer os concertos e os espectáculos. Para Hélder Beja, director do programação do festival, essa diversidade cultural foi um dos pontos altos.

“O ano passado tivemos várias nacionalidades mas este ano tivemos mais: cerca de vinte, uma coisa nova para Macau e para este festival. A maior parte das sessões tiveram bastante público. Esse para mim é o grande resumo: a diversidade resultou e o festival tem de continuar a ser essa ponte entre a China e os países de língua portuguesa, mas deve ser mais do que isso e, a partir de agora, vai ser ainda mais isso”, contou ao HM.

A pensar nisso, Hélder Beja falou de um importante nome da literatura contemporânea chinesa que já foi convidado e que poderá mesmo marcar presença em 2018: Gei Fei. “Ainda não veio, há-de vir, está convidado. Queremos trazê-lo para o ano, mas tudo depende muito das agendas dos autores”, apontou Hélder Beja.

“Os pontos altos desta edição foram os que esperávamos: a passagem por Macau de pessoas como o Pedro Mexia ou Yu Hua. Houve pontos altos surpreendentes, como a Jéssica Faleiro, uma autora que nos surpreendeu a nós e que recebeu a atenção do público, e Bruno Vieira do Amaral, por ser um autor com muita qualidade e por ter o dom da palavra, sem ser deselegante, o que é raro de encontrar”, acrescentou Hélder Beja.

Ao nível dos espectáculos e performances, o subdirector do Rota das Letras destaca a presença de Sérgio Godinho, “como autor e como músico”, e ainda da “performance lindíssima da Vera Paz, uma das mais lindas em seis anos de festival”.

Palavras do mundo

Num lugar onde vários idiomas se misturam, o director de programação do Rota das Letras considera que a ligação entre a literatura chinesa e os autores internacionais acaba por ser mais imediata, por comparação com o distanciamento físico da literatura portuguesa.

“Esse encontro [da língua chinesa] é até mais fácil do que o encontro com a literatura em língua portuguesa. Isto porque os autores que trazemos aqui já estão traduzidos para inglês, mas não estão em português. Na literatura em português há um maior desconhecimento, o que é normal, porque os autores vivem noutro hemisfério, que passa mais pela língua portuguesa”, adiantou.

Cheng Yongxin, director da revista literária Harvest, editor e escritor, disse ao HM ter ficado surpreendido com a diversidade cultural que este festival conseguiu trazer. “Fiquei muito surpreendido quando recebi o convite e quando vi este festival, achava que Macau era um lugar só com casinos, mas este festival teve uma grande escala, com tantos escritores. A literatura tem uma grande influência em pessoas tão diferentes e de todo o mundo, então penso que este evento é muito importante.”

Quanto aos autores de Macau, Hélder Beja referiu que é objectivo da direcção do festival continuar a convidar cerca de seis nomes por edição. “Há que ser muito estruturado em algumas coisas. Há três anos decidimos ter seis autores de Macau em cada edição, não achamos ser possível haver mais autores de Macau do que esse número, muitas vezes porque não há. Temos de fazer um trabalho de ir à procura de autores que não têm nada publicado numa outra língua que não seja o chinês. Queremos continuar a trazer autores de língua portuguesa de Macau, de língua chinesa e também autores internacionais que façam de Macau a sua casa.”

“Um livro excelente”

Em relação ao concurso de contos, os vencedores foram João Carvalho da Silva, que, apesar de ser português, venceu na categoria de conto em inglês. A brasileira Adi Berenice e Silva venceu na categoria do conto escrito em português, enquanto que Chi Pang Loi foi o vencedor de língua chinesa. O livro com os contos vencedores e com contos escritos por alguns autores da edição 2016 do festival foi ontem lançado.

“O concurso correu bem, não tivemos mais submissões do que o ano anterior. Estendemos o prazo e isso ajudou. Este quinto livro é excelente, tivemos muitas contribuições dos autores de 2016”, rematou Hélder Beja.

20 Mar 2017

Entrevista | Ouyang Jianghe, poeta: “Sou o que escrevo”

Ouyang Jianghe é um dos poetas com mais relevo na China. Uma escrita simples, ritmada e de interpretação complexa marca o trabalho do autor que abandonou a exultação dos grandes acontecimentos históricos para se dedicar à expressão pessoal. O poeta falou ao HM do que escreve, dos desafios da tradução e da descoberta que fez

[dropcap]N[/dropcap]asceu em Sichuan, na altura da Revolução Cultural. Como é que nestas circunstâncias a poesia apareceu na sua vida?
Penso que precisava de me descobrir e não sabia como. A poesia não é só um meio de expressão das opiniões acerca do sentido do mundo e da vida. O processo de escrita é uma descoberta que se confunde com a própria vida. Expressamos o que dentro de nós se transformou, na nossa forma de ver o que nos rodeia. Por outro lado, é nesse processo que aprendemos a moldar a própria vida. Acaba por ser a escrita que se impõe e que nos faz o que somos. Escrever acaba por se confundir com o que somos.

Faz parte da segunda geração de autores que deixa a tradição histórica e recorre ao quotidiano. No seu caso, através de uma simplicidade de palavras que não corresponde à complexidade dos conteúdos.
De facto, recorro aparentemente a vocabulário muito simples. Uso palavras que as pessoas podem realmente compreender a um nível superficial. Mas as ideias e pontos de vista subjacentes são outros. Faço um processo de condensação de ideias que se escondem em vocábulos. É também uma poesia muito visual em que uso os caracteres enquanto símbolos. É uma forma de encriptação de informação. A leitura passa a ser outro processo, o de interpretação dessa linguagem encriptada, o da procura e descoberta do que está omisso e secreto. Muita da minha poesia usa palavras muito simples, mas o processo é muito complexo. Podemos ainda fazer uso de grandes figuras como o Confúcio, e ressuscitá-las. É o “voltar a viver”. Mas a ideia principal é, de facto, esconder a complexidade atrás das palavras simples e é trabalho dos leitores interpretar o texto.

O que nos leva a outra questão. Para o público estrangeiro, que lê as traduções, há outro elemento que é a própria tradução. Como é que vê o seu trabalho, tão específico na língua chinesa, traduzido?
É realmente muito difícil traduzir o meu trabalho. A maior dificuldade, penso, é conseguir transmitir as ideias que estão ali condensadas. O processo de tradução engloba muitas camadas que se sobrepõem. Numa tradução mais superficial, e que deverá ser a primeira, é a tradução do significado básico da palavra. Estamos ao nível mais simples mas fundamental para uma primeira leitura. Um poema também tem muita técnica de escrita implícita, que inclui a expressão do imaginário e em que é usada, por exemplo, a metáfora. Encontramos aqui o segundo nível da tradução: o entendimento e interpretação do imaginário. Fazer a sua tradução e encontrar um possível equivalente na língua de chegada que possa espalhar de alguma forma, a imagem do poema.

Estamos perante um terceiro produto?
O poeta e tradutor americano Forrest Gander assinala que, num poema, o que pode ser traduzido não é realmente a parte mais importante. O que não pode ser traduzido é o cerne. Quando um poema é traduzido é recriado. Deixa de ser o original e passa, de facto, a ser um novo produto com um novo significado e capaz de ser interpretado por outra cultura, a que fala a língua de chegada. Podemos mesmo dizer que aparece numa espécie de terceira linguagem. A imagem dentro de cada poema só fica completa quando passa por uma tradução. A tradução acaba por findar um ciclo de criação. É também um processo feito a dois, durante o qual, na troca que proporciona, se consegue abranger as muitas interpretações possíveis. É tornar o poema completo de novo, até para o próprio poeta. Quando um poema é traduzido também pode perder o seu som, que um poema também é música. Mas pode ser criada uma nova canção. O processo implica perdas, mas também implica uma nova criação e é capaz de dar ao texto uma nova vida. Outra questão relevante é que quando pensamos em tradução associamos sempre a línguas diferentes. Na verdade, os poemas podem ser traduzidos dentro do mesmo idioma. No chinês acontece frequentemente. Um poema tem de ser traduzido dentro da própria língua porque é necessário ir além do tal significado superficial e nem os nativos de chinês podem muitas vezes compreender o texto se não tiverem estas traduções. Acontece com muitos dos nossos grandes poetas, como Li Bai ou Du Fu. A razão é que a interpretação e compreensão das ideias que formam um poema exigem um conhecimento vasto e profundo de toda uma realidade linguística, cultural e histórica que não é acessível a todos. O processo da tradução, seja qual for, vai resgatar as palavras e significados exilados.

Deixou de escrever durante uma década, o que marca dois períodos de criação com características diferentes. Porquê a paragem e o que é que aconteceu neste período para levar à mudança?
O período que abrange o momento em que comecei a escrever até ter decidido parar tem dois aspectos. Na primeira fase, ainda era muito jovem e escrevia em Sichuan, onde estava muito limitado à minha experiência pessoal, com as características culturais e sociais daquela província. A minha escrita não era tão pessoal mas mais dirigida às pessoas, o que fazia com que abordasse mais aspectos sociais e políticos e, talvez, mais rebeldes. A intenção era chegar a um público. Em 1993 fui para os Estados Unidos durante cinco anos. Não sabia inglês e a minha forma de expressão e pensamento mudou. Como não falava a língua, não podia falar para os outros e tinha monólogos comigo próprio. Foi quando senti que alguma coisa estava a acontecer e a mudar. Ao falar comigo percebi que afinal falava com ninguém e, por vezes, com uma espécie de fantasma. Por vezes transformava esse fantasma em alguém que admirasse, como Li Bai. Expressava-me para o vazio e isso fez com que me visse obrigado a ouvir-me. Esta voz transformou-se, mais tarde, nos meus poemas. Se não tivesse ido para os Estados Unidos, se calhar nunca tinha percebido isso. Foi também ali que comecei a ver poesia em tudo. Recordo uma situação em que fui a um museu e vi uma moeda grega. Era dinheiro, mas sem valor e muito bonito. Pensei que podia escrever sobre este dinheiro transformado em arte e história e que, dadas as imagens e o relevo, era uma escultura com um padrão. Foi também quando comecei a trabalhar na rima e na sua integração no poema. Percebi que a minha poesia também podia ter forma, podia ser uma peça. Podia desenhar as palavras. A mudança que ocorreu em mim e no meu trabalho pode ser metaforizada numa conhecida história de um prisioneiro que gostava muito de jogar xadrez. Enquanto detido, fazia-o sozinho, até que conseguiu sair em liberdade. Foi quando percebeu o que tinha aprendido antes, na sua solidão. Ganhou os campeonatos em que participou. Quando parei de escrever desenvolveram-se muitas coisas dentro de mim, e os Estados Unidos acabaram por ser a minha prisão. Quando voltei à escrita, o que saiu foi o resultado dessas observações. A palavra e a rima chinesa transformaram-se nas minhas peças de xadrez que, quando jogadas, ganhavam asas.

A China está a mudar e o Ocidente parece estar cada vez mais interessado na literatura que se faz no país. Como é que vê este interesse crescente?
O desenvolvimento da China e o interesse por ela e pela sua literatura é de facto uma coisa relativamente nova, mas considero que é um fenómeno essencialmente político. Há pessoas que estão satisfeitas com isso e outras que nem tanto. Recordo que em 2008, enquanto falava com um tradutor sobre esta questão, ele dizia-me que o crescimento da China fez com que o país existisse para o mundo. Na sua opinião, essa é a razão que leva à necessidade de conhecimento acerca deste país, porque passou a representar um tipo de ameaça. Passou a ser importante saber o que era esta China que ganhava cada vez mais relevo económico no mundo. Qual era a raiz deste país? Até aí, havia muito poucas pessoas a querem saber da China. É aí que também entra a literatura enquanto forma de aceder à cultura chinesa. Por outro lado, a razão para a falta de conhecimento da literatura chinesa assenta em dois pilares. Por um lado, a questão da tradução. Por outro, penso que há um mal-entendido entre Ocidente e China, e as pessoas que procuram a literatura chinesa não estão realmente interessadas nos livros, mas sim em procurar as circunstâncias políticas e económicas de um país. Procuram a controvérsia e querem ouvir as vozes que mais lhes convêm e o que esperam saber. Querem ouvir essencialmente vozes políticas. Não estão abertas a histórias que relatem uma sociedade contemporânea, buscam a confusão e não verdadeiramente um retrato descritivo. Penso que não têm realmente um interesse pela língua e literatura do país. A realidade de hoje não é só de hoje. O que vemos hoje tem passado e já abarca o futuro. A poesia é também isso, uma mostra do que foi, é e poderá ser a sociedade chinesa. No que faço também é isso que tento mostrar: o lado literário do que se faz hoje na China.

Já não é a primeira vez em Macau.
É a quarta. Mas a ocasião que mais me marcou aqui foi a terceira visita. Vim integrado numa comitiva para conversarmos acerca dos passos a dar no território para o desenvolvimento da arte contemporânea. Fiquei muito espantado porque a única coisa que se passou foi um almoço sem mais conteúdos. No entanto, Macau não deixa de ser uma inspiração, até mesmo devido aos casinos, e ao poder e significado do dinheiro. Já escrevi sobre isso. Aqui, quando se joga não se vê o dinheiro real, são tudo fichas. Mas por exemplo, quando se perde, o dinheiro que não se vê torna-se visível apesar de já não existir. O mesmo acontece com as palavras. Às vezes só ganham peso depois de desaparecerem.

20 Mar 2017

Hong Kong | Manifestantes condenados a três anos de prisão por motins de 2016

[dropcap style≠’circle’]T[/dropcap]rês jovens manifestantes de Hong Kong foram condenados sexta-feira a uma pena de três anos de prisão cada devido à sua participação nos tumultos que degeneraram em violentos confrontos em Fevereiro do ano passado.

Os estudantes Hui Ka-ki, de 23 anos, e Mak Tsz-hei, de 20, e o cozinheiro Sit Tat-wing, de 33, foram os primeiros a serem condenados pelos motins ocorridos na zona comercial bastante movimentada de Mong Kok em Fevereiro do ano passado por ocasião do Ano Novo chinês.

Os distúrbios, que surgiram na sequência de uma operação policial contra venda ambulante ilegal de comida, resvalaram em confrontos considerados os mais violentos dos últimos anos e a maior demonstração de descontentamento popular na antiga colónia britânica desde os protestos pró-democracia do final de 2014.

Mais de 100 pessoas ficaram feridas, incluindo polícias, manifestantes e jornalistas, e 65 foram detidas naquele que foi um raro surto de violência em Hong Kong.

A defesa alegou que os três manifestantes agora condenados – e que incorriam numa pena máxima de dez anos de cadeia – estavam a expressar o seu descontentamento para com o governo de Hong Kong que activistas afirmam ser uma marioneta de Pequim.

“Qualquer pessoa que participe nesse tipo de motins precisa de compreender que há um preço a pagar”, afirmou o juiz Sham Siu-man, apontando que “violência é violência”.

A sentença tem lugar quando falta pouco mais de uma semana para as eleições para o chefe do Executivo de Hong Kong, marcadas para o próximo dia 26.

O líder da Região Administrativa Especial de Hong Kong é escolhido por um comité eleitoral formado por 1.200 membros, representativos de diferentes sectores da sociedade, que é dominado por elites ou interesses pró-Pequim.

20 Mar 2017

HRW | China usa lei anti-terrorismo como instrumento político

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] organização de defesa dos direitos humanos Human Rights Watch (HRW) culpou sexta-feira o Governo chinês por instrumentalizar a lei antiterrorista do país, visando “perseguir” actividades pacíficas incómodas para o regime.

“Nenhuma informação pública disponível sobre as pessoas que foram punidas, em 2016, por crimes relacionados com terrorismo indica que estas perpetuaram, ou estiveram vinculadas a qualquer acção violenta”, afirmou a directora da HRW para a China, Sophie Richardson, em comunicado.

“Enquanto os processos penais continuarem a ser opacos (…) as penas por terrorismo no país continuarão a gerar desconfiança”, lê-se na mesma nota.

A HRW afirma que a luta antiterrorista na China, principalmente na região do Xinjiang, palco frequente de conflitos étnicos, permite abusos pela sua “ampla definição de terrorismo, falta de transparência e violações do direito a um julgamento justo”.

Com uma área quase 18 vezes superior à de Portugal, a região do Xinjiang, onde habita a minoria muçulmana uigur, faz fronteira com o Afeganistão, Paquistão e Índia.

Pequim vincula os conflitos que frequentemente ocorrem na região com grupos separatistas, como o Movimento do Turquestão Oriental, enquanto peritos e grupos de defesa dos direitos humanos consideram que a política repressiva das autoridades relativamente à cultura e religião dos uigures alimenta as tensões.

O Supremo Tribunal Popular da China revelou este mês, no seu relatório anual apresentado na Assembleia Nacional Popular, o legislativo chinês, que 1.419 pessoas foram condenadas, em 2015, por “ameaçar a segurança nacional, incitar ao separatismo e participar de actividades terroristas”.

Acesso bloqueado

“O Governo assegura estar a combater as ameaças terroristas, sobretudo na região do Xinjiang, mas oferece poucos detalhes, enquanto exerce um controlo severo sobre a imprensa e outros actores independentes”, lamentou a responsável da HRW.

A organização denunciou que o Executivo chinês bloqueia o acesso a investigadores independentes, tanto chineses como estrangeiros, incluindo aqueles que integram as Nações Unidas.

A HRW revela que “apenas” quatro sentenças por casos relacionados com o terrorismo foram tornadas públicas, em 2016.

Segundo os dados difundidos, os quatro condenados foram acusados por posse, acesso ou distribuição de material audiovisual relacionado com o terrorismo, através da Internet, redes sociais ou correio electrónico.

O Supremo Tribunal obriga a publicar os veredictos judiciais, mas exclui todos aqueles que envolvam segredos de Estado, violem a privacidade pessoal ou sejam “desadequados” a tornarem-se de domínio público.

A HRW detalha que houve uma dezena de casos no ano passado que envolveram multas e detenções por assistir, descarregar ou armazenar conteúdo audiovisual relacionado com terrorismo, “algo que não é suficientemente grave para constituir um acto criminal”.

20 Mar 2017

Xi Jinping e Rex Tillerson prometem fortalecer laços entre os países

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Presidente chinês Xi Jinping e o secretário de Estado norte-americano Rex Tillerson comprometeram-se este domingo, em Pequim, a trabalhar para fortalecer os laços entre os seus países.

Xi e Tillerson encontraram-se horas depois de a Coreia do Norte ter lançado um ‘rocket’ e quando decorrem negociações para uma cimeira no próximo mês com Xi e Donald Trump, nos Estados Unidos.

Xi disse a Tillerson que ele e Trump decidiram, num telefonema no mês passado, “fazer um esforço conjunto para desenvolver a cooperação China-Estados Unidos”. “Acreditamos que podemos garantir que a relação vai avançar de forma construtiva para uma nova era”, afirmou.

“Estou confiante que, desde que consigamos fazer isto, a relação pode certamente avançar na direcção certa”, acrescentou o Presidente chinês.

A caminho de Pequim, Tillerson visitou o Japão e a Coreia do Sul, onde declarou que Washington vai abandonar a estratégia “falhada” de paciência diplomática com Pyongyang, algo que pode desagradar à China. Na sexta-feira, Trump escreveu no Twitter que a China não está a fazer o suficiente para controlar o vizinho e aliado histórico norte-coreano.

As relações com Pequim foram também postas à prova com a instalação de um sistema de defesa antimísseis na Coreia do Sul, a que a China se opõe.

Ainda assim, Tillerson adoptou uma postura conciliatória: “Sabemos que através do diálogo chegaremos a uma melhor compreensão, que conduzirá a um reforço dos laços entre a China e os Estados Unidos e definirá o tom da nossa futura relação de cooperação”.

Alta tensão

Washington e Pequim concordaram ainda que a tensão na península coreana alcançou um nível “bastante perigoso” e comprometeram-se a fazer “todo o possível” para evitar um conflito, afirmou o secretário de Estado dos Estados unidos.

“Penso que partilhamos a opinião de que as tensões na península são agora bastante elevadas e de que as coisas alcançaram um nível bastante perigoso”, afirmou Tillerson numa conferência de imprensa depois de se reunir com o ministro dos Negócios Estrangeiros da China, Wang Yi.

“Comprometemo-nos a fazer tudo o que possamos para prevenir o rebentamento de qualquer conflito”, adiantou.

Tillerson disse ainda que Washington e Pequim iriam trabalhar para ver se conseguiam convencer Pyongyang a corrigir o percurso a afastar-se do desenvolvimento das armas nucleares.

O secretário de Estado dos Estados Unidos debateu com o Governo chinês uma nova estratégia para lidar com a Coreia do Norte, naquela que é a primeira visita ao país asiático de um membro do gabinete de Trump.

Rex Tillerson chegou este sábado a Pequim proveniente da Coreia do Sul e do Japão, onde lembrou a necessidade de mudar a estratégia de Washington em relação a Pyongyang e assegurou que todas as “opções estão abertas”.

Em outras escalas desta viagem à Ásia, o secretário de Estado defendeu um novo plano para fazer frente aos avanços norte-coreanos após os seus últimos ensaios, mas não deu quaisquer detalhes.

Na sexta-feira, o secretário de Estado norte-americano, Rex Tillerson disse que uma acção militar dos Estados Unidos contra o regime de Pyongyang era “uma opção que está em cima da mesa”, após visitar a zona desmilitarizada que divide a península coreana.

“Nós não queremos que as coisas cheguem a um conflito militar”, disse Tillerson, acrescentando que se a Coreia do Norte incrementar “as ameaças”, as opções passam a ser militares.

“Se eles [Coreia do Norte] elevarem a ameaça através do programa de armamento a um nível que, acreditamos, pode obrigar a uma acção [militar], então essa opção fica em cima da mesa”, afirmou o secretário de Estado norte-americano.

20 Mar 2017

A Barca da Morte

[dropcap style≠’circle’]D.[/dropcap] H. Lawrence tem um belo poema muito ao estilo de uma velha barcarola, com o título deste enunciado. Ele, que foi o escritor dos «Amores no Feno» e de toda uma atmosfera que o coroou de erótica neblina, ele – e talvez por isso – fosse um desbravador indómito, poético, um arauto que se debruçou de forma muito bela sobre a morte, essa porta da iniciação que não está desligada da sexualidade e cujo movimento retorna ao ponto fixo de uma mesma força — lembro que lhe tocava em profundidade o orgasmo dos condenados à morte por enforcamento.

Estes homens não tinham como hoje as respostas organizadas para todos os efeitos como se fossem a parte robótica de si mesmos. Eles estavam animados de uma película cuja deidade desconhecemos, nós, os transmissores de todos os fenómenos em que nunca acreditamos. Decerto que Lawrence, até devido à sua saúde frágil ao longo da vida, se interrogou acerca da morte e essa imensa indagação deu origem a belas reflexões como naquele pequeno conto, «O homem que morreu», é encantador e quase crístico pela forma como se levanta um defunto e se vai lembrando em seu redor (Jerusalém) dos cheiros e dos elementos. Isto tudo a partir de um estranho cantar de um Galo que à mesma hora em que é libertado acciona nele a ressurreição…. No seu belo poema «Canção da morte» formas tautológicas que tão emblematicamente o mantiveram como um mestre do suspense sedutor, mas foi nesta Barca que o seu dom se demorou um pouco mais, talvez até mais, que nas formas de uma mulher.

Esta viagem parte do Outono, eufemisticamente, pois que é nele que embarcamos de forma compenetrada e silenciosa rumo a ela, e ele afirma que:

é tempo de ir/ do adeus ao próprio eu/ de encontrar uma saída do eu caído/e, no ar, a morte, como um cheiro de cinzas!/ E no corpo ferido, a alma assustada/(…)

Sim, toda esta inquietude e formação de um outro ser que renasce na viagem para depor o eu vencido é bonita de celebrar como um rito muito puro de passagem, e inquire-nos de forma bastante frontal:

Já construíste a tua barca da morte, a tua?/ Constrói a tua barca da morte, vais precisar dela.

Todos vamos precisar de construir tal Barca e mesmo que os preconceitos do nosso tempo não assumam esta causa como uma condição articulada de profunda humanidade, ela deve ser trabalhada como a Arca da Aliança, com madeiras belas e ramos de acácia. Não devemos estar impreparados diante do desconhecido, dos desconhecidos, tudo o que é transpor um portal tem de ser “vivido” com um rito que quebre as formas saturadas. Daí, cada um, quando a vida começar a fechar o postigo das possibilidades, se deva abeirar daquele mar de dentro e, sem vontades pessoais, abrir espaço abstractamente para deixar passar a Barca. Morremos sempre por uma causa mas quase sempre nascemos por um mistério.

Nós que já atravessámos tantos mares, que temos marcas de vida em permanência, que temos todas as cicatrizes como trunfos de uma guerra muita vezes inglória, que nem sempre escolhemos, pois que somos escolhidos na abrangência das decisões, que navegamos quando não é preciso e vivemos quando não faz falta, que de tanto estarmos vivos temos uma engrenagem parada em movimento permanente, podemos ter a gravidade dos iniciados quando desta Barca se tratar.

É sempre bom para a alma contemplar outras entradas sem a visão das coisas ao redor e suas certezas, é bom sairmos deste local onde a nossa vida deixou de ter o interesse pretendido:

morrendo, estamos morrendo/ agora só nos resta aceitar a morte/ e construir a barca/ agora, lança à água a pequena barca/ agora, que o corpo morre e a vida parte, lança a alma frágil/ na frágil barca da coragem, na arca da fé.

Talvez que a morte seja um Dilúvio e sejamos nós a construir a Arca, a Barca, para atravessar aquela grande provação de águas que galgam toda a firme certeza que tivéramos de haver terra… talvez que tenhamos essa ideia profunda de voltar a navegar num oceano sem fim e só nesse fim a Pomba, a Luz, a Fonte sejam na nossa travessia tudo o que desejámos saber, contemplar. Se mudados atravessarmos tudo isto e renascermos, não seremos apenas o desejo pessoal de uma condição que ficou, pois que muitos nos tomaram para sermos e, na senda de ser abarcámos a Barca, como a insígnia mais pessoal do enviado que somos, que fomos, dos seres únicos em que cada um se tornou.

É muito bonita a analogia com a passagem bíblica… – e Noé construiu uma Arca – constrói a tua Barca – a pomba voltou ainda com um ramo de oliveira para lembrar, talvez, a ressurreição… mas era cedo e Noé não desceu, mais tarde largou de novo a ave e ela não mais voltou. O pássaro da alma que vai tentar a vida uma outra vez dizendo que ela continua, indicando outro ciclo, esta é uma bela noção de imortalidade que, estando plasmada em nomes, símbolos e incompreensíveis formas, nós conhecemos como taumaturgos de um processo imenso…

Temos medo, sim, do dilúvio, que a Barca se afunde pelo peso sombrio das nossas memórias deixadas, temos medo de atravessar esse imenso nevoeiro e não sabemos se a sombra da alma fará mais escura a travessia… se a bloqueia em porto incerto… mas os que estão livres das questões e não zelam pelo nada como parte descartável para uma vida que contaminou estes mares, entram nela como nas longas catedrais, plenos de respeito pela travessia. Saiba a nossa guardar intacto o assombro de merecer este Poema, tão cheio de vida, como esta morte que se anuncia às portas da Primavera. Lawrence, quase fecundou o momento – este momento – onde vamos descendo no grande e belíssimo instante da jornada.

Desce o dilúvio, e o corpo como uma concha polida
Emerge extraordinário e belo.
E a pequena barca torna a casa, deslizando, trémula,
E a frágil alma desembarca, volta a casa.
Cheia de paz.
O coração renovado embala-se na paz,
Mesmo na do próprio esquecimento.
Constrói a tua barca da morte, a tua!
Vais precisar dela.
espera-te a viagem do esquecimento.

20 Mar 2017

Porta fechada

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] recente aumento de tensão entre a União Europeia e a Turquia, a propósito de acções de campanha que alguns ministros de Erdogan queriam efectuar junto de comunidades turcas na Alemanha, Áustria e Holanda, e que foram travadas pelos governos europeus, veio pôr em evidência a impossibilidade de um acordo de adesão da Turquia à União Europeia. Isso ficou ainda mais acentuado, quando, neste fim-de-semana, o governo alemão autorizou uma manifestação de curdos anti-Erdogan em Frankfurt.

O tom da retaliação de Ancara, que acusou os governos de Berlim, Haia e Viena de nazismo, é um sinal de que, nem no curto nem no médio prazos, o processo negocial sofrerá avanços. Desde que a Turquia requereu formalmente a entrada na União Europeia, em 1987, e a União Europeia lhe permitiu adquirir o estatuto de país-candidato, pouco ou nada tem avançado. É um facto que a União e Ancara estabeleceram um acordo aduaneiro, que está em vigor desde 1995. Mas dos 16 dossiers abertos (de um total de 33!) sobre as matérias respeitantes ao processo de adesão, as áreas de trabalho nas quais a Turquia teria de se aproximar aos padrões europeus para ser aceite no clube dos 28, apenas um chegou a bom porto. A questão dos direitos humanos, das liberdades fundamentais e da qualidade da democracia, sofreram um enorme revés com o golpe de estado do ano passado.

A tentativa de golpe de 15 de Julho de 2016, abortada no dia seguinte, fez 241 mortos e perto de 2200 feridos, segundo os dados oficiais, e foi atribuída pelas autoridades ao movimento Fethullah Gülen. Gülen é um antigo imã, que se encontra radicado nos Estados Unidos, e que preside a uma rede global de escolas turcas. É considerado por alguns como “um dos rostos mais encorajadores do Islão hoje em dia” – escreveu-o, por exemplo, no Huffington Post, Graham Fuller, um destacado dirigente do National Intelligence Council norte-americano, um think tank que apoia as agências de informação americanas, com análise e tendências.

É evidente que esta visão das coisas olha para o Islão como algo que deve ser dividido entre o radical e o moderado. A tentativa de golpe de estado e tudo o que se seguiu seriam episódios de um conflito interno turco, de uma aparente divisão transversal da sociedade entre duas forças antagónicas: de um lado, encontrar-se-ia uma visão mais liberal do Estado e, do outro, estaria uma visão mais autoritária da causa pública.

Com os desvios autoritários de Erdogan cada vez mais visíveis – a Freedom House coloca a democracia turca no grupo de países “parcialmente livres”, que tem, no entanto, uma imprensa “não livre” –, Güllen, sob protecção norte-americana (assim decreta a narrativa turca oficial), estaria a travar uma luta com Erdogan. Segundo alguns autores, acima de tudo, isto seria um ataque ao chamado “modelo de governo turco”, que combina o Islão com democracia e economia de mercado (um modelo que estaria na base das genericamente falhadas primaveras árabes).

A resposta de Erdogan aos eventos do ano passado não deixa, de facto, dúvidas sobre o caminho que quer trilhar o presidente turco: a União Europeia, no seu relatório anual sobre a Turquia, publicado no final de Setembro, indica que a purga conduzida pelo presidente turco levou à detenção de cerca de 40 mil pessoas, 31 mil das quais permanecerão presas, incluindo 81 jornalistas. Na administração do Estado, 66 mil funcionários públicos continuavam suspensos e 63 mil tinham sido despedidos. Mais de 4.000 instituições e empresas foram encerradas e os seus bens apreendidos ou transferidos para instituições públicas. A tentativa de purga chegou mesmo à Europa, com Ancara a pedir a vários Estados-membros da União Europeia o encerramento de escolas ou instituições alegadamente ligadas ao movimento Gülen. Neste contexto, há relatos de que membros da diáspora turca que vivem na Europa estão sob pressão para relatar outros membros destas comunidades.

Tal como Putin, Erdogan tem demonstrado um certo apego ao poder. Está na chefia do Estado turco há apenas três anos, mas serviu como primeiro-ministro de 2003 a 2014, após três rotundas vitórias eleitorais à frente do Partido da Justiça e do Desenvolvimento, que criou em 2001. Mais do que a comparação em termos de estilo, deve salientar-se a aproximação entre os dois líderes políticos. Depois de a Turquia ter pedido desculpas por ter abatido um caça russo no âmbito do conflito sírio, as relações Ancara-Moscovo foram normalizadas um mês antes do golpe de estado; numa altura, em que os turcos criticavam fortemente os Estados Unidos, seu aliado da NATO, pela falta de assistência na luta contra as forças curdas na Síria.

Com os desvios autoritários de Erdogan cada vez mais visíveis, consubstanciados pela consulta popular de 16 de Abril, não espanta que outros Estados-membros venham, nesta Europa de 2017, das posições extremadas e da cedência fácil ao populismo, juntar a sua à voz da Áustria, que, que na sequência da purga de Erdogan requereu o fim do processo de adesão da Turquia à União Europeia. Mesmo com a União Europeia a pagar à Turquia para manter nas suas fronteiras cerca de 3 milhões refugiados sírios nas suas fronteiras.

20 Mar 2017

NATO | Alemanha responde a Trump: “Não há dívida nenhuma”

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]penas um dia depois do encontro entre Angela Merkel e Donald Trump, os dois países já trocam acusações. O Presidente norte-americano escreveu já este domingo que a Alemanha “deve vastas somas de dinheiro” à NATO e aos EUA, e não ficou sem resposta. Poucas horas depois das declarações de Trump na rede social Twitter, a ministra alemã da Defesa, Ursula von der Leyen, disse que “não há nenhuma dívida à NATO”.

Além de negar a dívida apontada por Trump, Leyen explicou que o objectivo dos membros da Aliança Atlântica de gastar 2% do PIB até 2023 em defesa não se traduzia apenas nas contribuições para a NATO. “As despesas com defesa vão também para missões de paz da ONU, nas nossas missões europeias e na nossa contribuição na luta como o terrorismo”, disse em comunicado.

De acordo com a Reuters, a despesa da Alemanha com Defesa aumentará para os 38,5 mil milhões de euros em 2018, o que representa 1,26% do PIB. E Merkel, no encontro que teve com Donald Trump, prometeu aumentar a fatia para os 2% que estão apenas previstos serem atingidos pelos estados signatários do Tratado do Atlântico Norte em 2024.

Outros comentários

A ministra alemã não foi a única a “explicar” a Donald Trump como funciona a NATO. O antigo embaixador dos EUA na NATO, Ivo Daalder, expôs os erros de interpretação do Presidente numa série de tweets. O diplomata diz que “não é assim que as coisas funcionam”, explicando que cada país decide o que paga, sendo que está acordado que o objectivo é que contribuam com 2% do PIB.

Daalder acrescenta que a Alemanha não deve nada aos EUA, porque o financiamento à NATO não é um financiamento aos Estados Unidos e cada contribuição que os países fazem não é para a segurança própria, mas para o bem comum. “Combatemos duas Guerras Mundiais na Europa e uma Guerra Fria. Manter a Europa inteira, livre e em paz é vital para os interesses dos EUA”, escreveu.

20 Mar 2017

Vício | Jogo patológico é um problema invisível na terra dos casinos

Macau é uma cidade onde o jogo é, de longe, o principal motor económico. Com quase 40 casinos em pouco mais de 30 quilómetros quadrados, não é de estranhar que o vício de jogo seja algo endémico no território. O HM foi à procura de quem sofre e de quem trata

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]a cidade dos néones, o brilho ofusca aqueles que apostam mais do que podem cobrir. “Se tiver mil patacas, e for obrigado a escolher entre droga ou jogo, escolho o jogo”, revela S., um veterano de vários vícios. Com um historial vasto de consumo de opiáceos, este homem de 58 anos é um fantasma da velha Macau, em que o crime nos casinos era visível e transbordava para as ruas.

Aos 14 anos a vida levou-o a entrar num gang onde vendia e consumia heroína. Foi agiota e fez de tudo um pouco no lado negro que ensombrava o glamour dos casinos. Hoje em dia, com a luz que a regulação fez incidir na indústria, já não dispõe das largas somas de dinheiro que apostava. No passado, como o dinheiro não era problema, o jogo também não.

O destino trocou-lhe as voltas, mas o jogo e a heroína continuam no seu percurso. No entanto, S. não tem dúvidas de que, no menu dos vícios, “o jogo é a sua prioridade”. O seu caso não é único e encaixa perfeitamente no conceito de personalidade aditiva. Algo que não é de estranhar, uma vez que o vício dos jogadores patológicos tem perigosas semelhanças com a toxicodependência.

“Em termos biológicos, cerebrais, o jogo e a droga acabam por tocar na mesma zona do cérebro, acontecem as mesmas reacções químicas, são libertadas as mesmas hormonas, são realidades muito semelhantes.” As palavras são de Marta Bucho, Coordenadora do Centro Feminino da Associação de Reabilitação de Toxicodependentes de Macau (ARTM). Aliás, estudos indicam que os jogadores também têm sintomas de privação semelhantes, ou seja, ressaca. Em ambos os casos, o cérebro é inundado por serotonina e dopamina, hormonas que regulam o humor, a ansiedade, o humor, o sono, o stress e o prazer. “Normalmente, não temos uma libertação tão forte destes químicos”, explica Marta Bucho.

Quem cai nas malhas do jogo, frequentemente, encontra neste prazer algo que lhe falta na vida. São coisas que andam de mãos dadas. Problemas psicológicos como depressão, traumas, stress, ansiedade e fobias podem ser precursores à adição. Estas pessoas acabam, muitas vezes, por “usar o jogo como forma de auto-tratamento”, explica a terapeuta. O uso de álcool e drogas também servem de meio de medicação, num mosaico aditivo muito complexo de tratar. Pessoas que têm deficit de atenção e hiperactividade fazem parte de outro grupo de risco, vulneráveis ao vício, encontrando no jogo uma forma para se focarem.

Casino omnipresente

Este problema agiganta-se com diversos factores. O sentimento de vergonha, e a aceitação social e cultural são dois elementos explosivos.

“A cultura é um problema, porque entre os chineses há a ideia de que pode ser escondido e que a família consegue resolver a situação sozinha”, conta Elaine Tang, assistente social na Casa da Vontade Firme, uma instituição da Divisão de Prevenção e Tratamento do Jogo Problemático.

Estes factores levam a que, na maioria dos casos, a procura de apoio seja tardia. “Quando procuram ajuda é porque já têm muitas dívidas e o problema é muito maior”, explica. Além disso, a rede familiar incorre no erro de julgar que se pagar as dívidas do jogador, a lição é aprendida. Mas o vício não funciona dentro destes parâmetros. Recusar ajuda a um familiar que esteja desesperado, com agiotas à perna, pode ser o mais aconselhável.

Outro dos problemas é a facilidade de acesso, a conveniência do jogo. Macau tem perto de 40 casinos, espalhados por pouco mais de 30 quilómetros quadrados. Além de ser mais bem visto que o consumo de estupefacientes, o jogo é uma presença constante e a cidade está estruturada para que se jogue. Os casinos facultam quartos, têm caixas ATM estrategicamente colocadas, comida e bebidas grátis. Aliás, a omnipresença é de tal magnitude que a Casa de Vontade Firme está ironicamente ao lado do L’Arc Casino. Ou seja, quem procurar ajuda na instituição, que funciona sob a égide do Instituto de Acção Social (IAS), passa por vários casinos até lá chegar.

Atacar o mal

Elaine Tang, do IAS, destaca a complexidade da questão e a forma como cada caso é único. Quem chega à Casa de Vontade Firme fala com uma assistente social para que sejam aferidos os problemas que enfrenta. De seguida, delimitam-se prioridades na abordagem a cada caso, uma vez que os viciados que ali chegam trazem consigo dificuldades financeiras, familiares, laborais e sociais.

“Pedem largas somas de dinheiro, dizem que pagam em prestações e chegam, também, a pedir que sejamos fiadores para recorrerem a empréstimos” junto da banca, conta Elaine Tang. Obviamente, os serviços não emprestam apoio monetário, mas fazem algo muito mais valioso no longo prazo. “Há pessoas que não têm um conceito do que é o dinheiro, porque nunca tiveram problemas financeiros”, explica a assistente social. Normalmente, este tipo de viciados não apresenta quadros clínicos de consumo de droga, mas não têm noções de poupança. “Tenho um caso de uma pessoa que tem de marcar todas as suas despesas diárias. Depois de seis meses, aprendeu quanto dinheiro precisa para sustentar a família todos os meses”, revela Elaine. Este paciente, com um casamento destruído pelo jogo, vive hoje em dia com o pai e é a ele que confia as suas finanças.

Um dos casos que preocupa a assistente social é o de uma mulher que trabalha exclusivamente para sustentar o vício. Quando sai do emprego, vai para o casino onde passa a noite inteira a jogar, largando as mesas de jogo apenas quando chega a hora de regressar ao trabalho. Este ciclo pode durar três dias seguidos, sem interrupção, até que cai exausta na cama e dorme um dia inteiro. Depois do descanso, o ciclo repete-se.

Na Casa de Vontade Firme não há uma abordagem farmacológica ao vício do jogo. Já no centro de reabilitação da ARTM essa é uma realidade incontornável, uma vez que a doença carece de um reequilíbrio químico. Depois de ser prescrita medicação, começa-se a atacar a desestruturação que o jogo patológico trouxe à vida da pessoa. “Voltamos a puxar os valores como a dignidade, honestidade, porque tudo se foi perdendo com o vício”, explica Marta Bucho.

Inicia-se o processo de ressocialização do doente. Primeiro, tal como nas drogas, é necessário enfrentar a realidade de que a pessoa não deixará de jogar de um dia para o outro, há que proceder a uma redução de danos e a um desmame gradual. O passo inicial é aceitar o problema, só depois se pode ir reduzindo, aos poucos, a frequência com que se joga, a quantidade de dinheiro e o tempo que se passa no casino.

Os estágios seguintes no caminho para a cura são a intervenção psicossocial e a vida em comunidade. Quem entra no centro de reabilitação da ARTM reaprende valores da ajuda mútua, o respeito pelos outros. Outro dos pilares de suporte é a solidariedade e a experiência dos jogadores que se encontram em recuperação há mais tempo.

Números azarados

Elaine Tang conta que conhece jogadores com perdas que ascendem a dois milhões de patacas e que apenas auferem 20 mil por mês. A maioria destes casos chega ao IAS já numa situação complicada de resolver, com agiotas à perna, os pacientes a sentirem-se ameaçados. Com alguma frequência, este tipo de viciados, depois de receberem aconselhamento financeiro, não voltam à instituição.

Os serviços do IAS começaram a registar os casos de viciados em jogo que procuraram ajuda nos seus centros a partir de 2011. Desde então, até 2016, 856 pessoas recorreram aos serviços do instituto.

Quanto à taxa de reincidência, o IAS apenas revelou que o caminho para a recuperação é longo e árduo, e as recaídas muito frequentes.

Um estudo elaborado pelo Instituto de Estudos sobre a Indústria do Jogo da Universidade de Macau revelou que, em 2015, havia 14 mil jogadores viciados, o que representa 2,15 por cento da população. Em 2016, a incidência de pessoas com problemas com jogo era de 2,5 por cento, um ligeiro aumento.

No ano passado, segundo informação da Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos de Macau, pediram auto-exclusão dos casinos 351 pessoas. Em contrapartida, as receitas brutas do sector continuam numa curva ascendente.

Mas para que alguém ganhe, outros têm de perder, e há quem perca tudo. Entre a panóplia de casos de adição, os jogadores são os que têm maior tendência para o suicídio, mais significativa do que entre os consumidores de drogas.

Apesar de ser uma realidade pouco estudada na região, a Universidade de Hong Kong fez um estudo que revelou que, em 2003, dos 1201 suicídios registados na cidade, 233 estavam relacionados com problemas de jogo, o que representa quase 20 por cento.

De resto, uma larga fatia dos telefonemas recebidos pela Linha de Prevenção de Suicídio da Cáritas é relativa a desespero nascido nas mesas dos casinos. “Há diversos estudos que apontam que jogo e o suicídio estão muito ligados”, completa Marta Bucho.

Apesar do brilho do Cotai, há uma parte de Macau que sente nas entranhas os excessos que o jogo arrasta consigo.

L., de 46 anos, vai ao serviço extensivo do ARTM na Areia Preta, um centro de redução de danos que distribui seringas e refeições, comer uma sopa e conviver um pouco. Com um largo historial de consumo de heroína, metanfetaminas, álcool e tudo o que vier à mão, o jogo é uma das constantes da sua vida. Partilhou casa com toxicodependentes durante três anos e pensou várias vezes no suicídio. Parecia-lhe a única saída da miséria. Perdeu todo o dinheiro, perdeu a família, e teve dias em que perdeu a vontade de viver. A meio da entrevista ao HM levanta-se para mostrar a identificação para poder usufruir da refeição quente que a ARTM lhe providencia. A vida não lhe corre bem, mas quando fala no prazer que lhe dá um jogo de bacará os seus olhos brilham como os néones.

17 Mar 2017

Ho Ion Sang pede fiscalização na habitação pública

 

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] deputado Ho Ion Sang pede ao Executivo mais acções de fiscalização no sector da habitação pública. “O Governo deve realizar acções especiais de fiscalização da qualidade dos projectos”, lê-se em interpelação. O tribuno considera que é missão do Executivo proceder ao reforço das acções de inspecção, de modo a garantir a respectiva fiscalização e gestão nas diversas fases do período de construção.

Em causa, salienta, está a “má qualidade” dos edifícios destinados à habitação pública. “Existem diversos problemas de qualidade nos projectos”, afirma. Ho Ion Sang compara a construção pública com a privada, sendo que salienta as diferenças entre ambas, em situações idênticas. “Por que razão é que os prédios de dimensão semelhante e concluídos ao mesmo tempo, se são privados, apresentam menos problemas de qualidade do que os prédios de habitação pública, cuja qualidade é sempre má?”, lança.

O desprendimento de azulejos, as infiltrações de água e o mau funcionamento dos elevadores são apontados como razões para “a habitação pública ser sinónimo de má qualidade”.

Revisão urgente

Ho Ion Sang recorda que, segundo o próprio Executivo, nas Linhas de Acção Governativa para 2017, “tem vindo a ser dada uma grande importância ao assunto, e vão continuar os trabalhos de melhoramento do mecanismo de fiscalização e apuramento das eventuais responsabilidades nos termos previstos nos respectivos regimes e contratos”.

O Executivo assegurou que “a aprovação dos projectos, incluindo os de habitação pública, é efectuada nos termos do Regulamento Geral da Construção Urbana e que existe um mecanismo permanente para a fiscalização das especificações e à qualidade da obra”.

O tribuno salienta que o regulamento em vigor data de “há mais de 30 anos e já está desactualizado”. Para o deputado, “devido à falta de um calendário concreto para os trabalhos de revisão do diploma, o Governo não consegue fiscalizar eficazmente os projectos, o que pode constituir um risco para a segurança e qualidade das obras”.

Neste sentido, o tribuno apela a uma revisão urgente do regulamento, até porque, e segundo o relatório das LAG, o Executivo pretende construir cerca de 12.600 fracções de habitação pública, no âmbito do plano a curto e médio prazo, e cerca de 28.000 na zona A dos novos aterros, no âmbito do plano a longo prazo.

17 Mar 2017