Hoje Macau SociedadeFórum de infra-estruturas | Angola, Moçambique e Brasil entre os países com acordos [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] fórum sobre investimento em infra-estruturas que se realizou em Macau foi palco de acordo de construção para uma série de países, entre os quais sete projectos em Angola, Moçambique e Brasil. No final do 8.º Fórum Internacional sobre o Investimento e Construção de Infra-estruturas (IIICF, na sigla em inglês), o presidente do Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau (IPIM), Jackson Chang, explicou que os projectos estão “relacionados com parques industriais multiusos, com serviços, agricultura, desenvolvimento de pontes e também reformulação de sectores de centros históricos de várias cidades”. “Foram celebrados, ao todo, 24 contratos de negócios, acordos-quadro e memorandos de entendimento”, pelo que “os resultados alcançados foram satisfatórios”, afirmou Jackson Chang, na conferência de imprensa de encerramento do IIICF, que juntou, ao longo de dois dias, mais de 1700 participantes, entre os quais 57 quadros de nível ministerial, de um universo de 63 países e regiões. Portugal fez-se representar pelos secretários de Estado da Indústria e da Internacionalização, João Vasconcelos e Jorge Oliveira, respectivamente. Pacotes amplos “Testemunhamos a assinatura de grandes projectos”, disse, por seu turno, o presidente da Associação dos Construtores Civis Internacionais da China, a outra entidade co-organizadora, destacando que os acordos selados envolvem, no total, um “valor recorde” de 12 mil milhões de dólares norte-americanos. Neste âmbito, Fang Qiuchen elencou “três projectos essenciais” no Gana, na Jamaica e em Angola, com o último a dizer respeito a um pólo de desenvolvimento turístico. “É um projecto muito grande. É um parque turístico em Cabo Ledo”, afirmou, descrevendo “um pacote muito alargado que inclui infra-estruturas, um parque industrial e todos os aspectos de recreação, como hotéis, etc.”. Os restantes acordos envolvendo Angola dizem respeito à construção de parques industriais, de agricultura e de pescas e de uma área de restauração. Já o único projecto em Moçambique versa sobre a manutenção da ponte sobre o rio Save e a construção de uma nova na EN1, a única via que cruza o país de norte a sul; enquanto o memorando de entendimento relativo ao Brasil tem que ver com um projecto de engenharia. A próxima edição do fórum realiza-se a 7 e 8 de Junho do próximo ano.
Andreia Sofia Silva Manchete SociedadeCheques | Comparticipação pecuniária a partir de Julho Os cheques entregues anualmente pelo Governo começam a ser distribuídos já no próximo mês de Julho, representando para os cofres públicos uma despesa de 6,8 milhões de patacas. Hoje há mais 116 mil residentes a beneficiar da política em relação a 2008, ano em que o programa arrancou [dropcap style≠’circle’]V[/dropcap]em aí a nova fase de distribuição dos cheques do Governo, no âmbito do plano de comparticipação pecuniária, e começa já no próximo mês. Os valores mantém-se iguais aos do ano passado, sendo que os residentes permanentes recebem nove mil patacas, enquanto os residentes não permanentes continuam a receber 5400. A edição deste ano do plano foi apresentada em Conselho Executivo e, segundo informações anunciadas pelo porta-voz, Leong Heng Teng, o Governo vai ter uma despesa total de 6,82 milhões de patacas, um valor superior ao que foi gasto no ano passado: 5,94 milhões. A partir de Julho, quase 700 mil residentes, permanentes e não permanentes, começam a receber os seus cheques. A prioridade é dada aos beneficiários do subsídio para idosos e de outros subsídios, como o de invalidez. Estão também incluídas as pessoas que recebem bolsas de estudo atribuídas pelo Governo. Neste grupo prioritário entram também os funcionários públicos aposentados, as pessoas que recebem apoio financeiro do Instituto de Acção Social ou aqueles que pediram para receber o valor por transferência bancária. Durante o mês de Julho, todos os funcionários públicos vão também receber o seu cheque, seguindo-se, a partir do dia 10, a distribuição a quem nasceu no ano de 1954 ou antes, sendo depois feita a entrega por ordem crescente, consoante o ano do nascimento. A distribuição dos cheques acaba a 15 de Setembro. Mais residentes a receber Dados apresentados na conferência de imprensa do Conselho Executivo mostram que hoje há mais 116 mil residentes a receber este apoio em relação a 2008, ano que marcou o arranque do plano de comparticipação pecuniária. Tal aumento representa também um acréscimo dos gastos com esta medida, uma vez que o Governo gastou, em 2016, mais 3,1 milhões de patacas em relação a 2008. Leong Heng Teng não soube precisar quantos beneficiários desta medida residem no estrangeiro. Para que estes residentes continuem a receber o apoio, devem ter toda a documentação em ordem, mesmo que não vivam no território. Caso tal não seja possível, é permitido, através de atestado médico ou um documento “emitido por uma instituição de solidariedade social” comprovar “a situação actual de [os beneficiários] não poderem regressar a Macau para proceder à substituição dos antigos documentos de identificação por bilhetes de identidade de residente da RAEM, por se encontrarem permanentemente acamados, total ou parcialmente paralisados”. CITES | Criados modelos para registo e licença O Governo concluiu também a elaboração do regulamento administrativo referente à lei de execução da Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies de Fauna e da Flora Selvagens Ameaçadas de Extinção (CITES). Na prática, o regulamento vem definir os procedimentos da emissão de certificados, os respectivos modelos e o regime especial de licença para quem for criador ou para quem comercializar espécies de fauna e flora abrangidos nesta lei. Caberá à Direcção dos Serviços da Economia (DSE) a coordenação de todos os pedidos e emissão de documentos no prazo de 30 dias. Segundo uma responsável da DSE, são poucas as pessoas que se dedicam ao negócio de viveiros ou que sejam criadores de espécies. “De acordo com o que temos conhecimento, há poucos casos. Talvez haja mais pessoas com viveiros, mas é possível que nem haja muitas pessoas com condições físicas para a criação de animais. Só depois da inscrição desses profissionais é que teremos números mais precisos”, apontou. O regulamento administrativo entra em vigor a 1 de Setembro deste ano, dia em que também entra em vigor a lei que regulamenta a CITES.
Hoje Macau SociedadeAmbiente | Recolha de materiais electrónicos até final do ano [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Governo vai, até ao final do ano, proceder a uma recolha de produtos electrónicos. A ideia foi deixada por Tam Vai Man, responsável pela Direcção dos Serviços de Protecção Ambiental (DSPA), em declarações ao Jornal do Cidadão. “No segundo semestre, a DSPA vai avançar com um plano de recolha de computadores, telemóveis e impressoras, a ser feito nas escolas departamentos públicos e instituições sem fins lucrativos”, disse Tam Vai Man. O objectivo é a sua reciclagem que pode ser feita através da transformação ou da reutilização. Para o efeito, o Governo pondera a entrega de alguns destes produtos a instituições de caridade e a pessoas financeiramente carenciadas. À mesma fonte, o director da DSPA sublinhou a sua satisfação no que respeita ao desenvolvimento do programa de recolha de pilhas que entrou em acção no final do ano passado. “Actualmente existem mais de 400 postos de recolha de pilhas e de baterias e, no segundo semestre deste ano, vamos accionar mais postos, principalmente em empresas, edifícios residenciais, escolas e institutos de ensino superior”, disse. Questionado acerca do nova central de incineração, Tam Vai Man disse acreditar que a terceira fase, referente à construção do projecto, poderá estar pronta em 2021. “Estão terminados os trabalhos de design e segue-se a avaliação de impacto ambiental”, explicou o responsável. Por outro lado, o director da DSPA tentou tranquilizar a faixa da população que se mostra preocupada com a proximidade do projecto de habitação social de Wai Long, sendo que o director da DSPA garante que “estão a ser adoptados os padrões da União Europeia”.
Hoje Macau SociedadeComércio on-line | Macau precisa de avançar no sector [dropcap style≠’circle’]M[/dropcap]acau deve investir mais no comércio electrónico. A ideia é deixada por Pang Chuan, membro do Conselho para o Desenvolvimento Económico que considera que os residentes estão a mudar os padrões de consumo. Para Pang Chuan são cada vez mais os consumidores do território que optam pelas compras on-line e de modo a manter competitividade, Macau deve investir no sector. O membro do Conselho para o Desenvolvimento Económico, em declarações ao jornal Ou Mun, afirma ainda que com o desenvolvimento do turismo, são várias as empresas de fora interessadas em investir na região. Para Pang Chuan o desenvolvimento local vai continuar a ter cada vez mais interacções com as regiões vizinhas e, como tal, é fundamental que se mobilize dentro do sector do comércio electrónico de modo a manter essas relações. Por outro lado, o representante do Conselho considera que o desenvolvimento do comércio on-line pode ainda fortalecer o território enquanto plataforma entre o Continente e os países da língua portuguesa. De acordo com a mesma fonte, Pang Chuan não deixa de lamentar o progresso lento que tem sido feito neste sentido. Para resolver a situação, sugere que o Governo considere uma acção integrada que envolva os vários departamentos.
Andreia Sofia Silva SociedadeElevadores | Governo vai legislar sobre a matéria A Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes está a preparar a elaboração de uma lei que vai garantir a segurança dos elevadores e escadas rolantes. Actualmente existem algumas instruções, mas não têm poder vinculativo junto das empresas de manutenção [dropcap style≠’circle’]T[/dropcap]rês anos depois de ter lançado algumas normas para fiscalizar o funcionamento de escadas rolantes e elevadores, a Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT) vai elaborar uma proposta de lei para garantir uma maior segurança do sector. Numa resposta enviada ao HM, a DSSOPT afirma que, “no intuito de melhor reforçar a fiscalização dos equipamentos de elevadores, estão a ser efectuados os trabalhos preparatórios da fase inicial respeitantes à elaboração do projecto de lei em causa”. A deputada Kwan Tsui Hang já tinha questionado o assunto através de algumas interpelações enviadas ao Governo, tendo exigido a elaboração de uma lei. “As instruções foram implementadas há quatro anos, todavia, por não terem natureza vinculativa, a sua inobservância não implica quaisquer sanções, nem a aplicação de quaisquer medidas coercivas, pelo que os efeitos nunca foram satisfatórios. Por que razão é que a Administração ainda não elaborou uma lei para tornar obrigatória a reparação e conservação periódica dos equipamentos de elevadores?”, interpelou em Abril. Citando dados relativos a Setembro do ano passado, a deputada lembrou que apenas sido requeridos os certificados anuais de segurança relativos a 1200 equipamentos, quando a DSSOPT recebeu 5193 declarações de elevadores ou escadas rolantes. Tal representa 90 por cento dos equipamentos existentes no território. Só exclusão Segundo a resposta concedida pela DSSOPT, o ónus da responsabilidade está do lado das empresas que instalam e mantêm este tipo de equipamentos. “O proprietário dos equipamentos de elevadores é responsável por assegurar o seu bom funcionamento e as condições adequadas de segurança”, aponta o organismo dirigido por Li Canfeng. Caso não seja afixado o “certificado de inspecção anual de segurança de funcionamento”, ou não seja apresentada a declaração à DSSOPT sobre a realização das inspecções anuais, “o proprietário deve contactar a empresa de manutenção e reparação contratada para corrigir esta situação”. A criação deste regime, em 2013, implicou também a criação de uma base de dados sobre as empresas de manutenção e reparação que operam no território. Estas “estão sujeitas a supervisão administrativa”, sendo que, “em caso de infracção, o registo pode ser suspenso ou excluído”. Não há, no entanto, qualquer referência à aplicação de multas ou sanções mais graves.
Hoje Macau SociedadeHabitação | Sugerida limitação de compra de fracções A China Continental já o fez. Para controlar a especulação imobiliária limitou a compra de fracções. Cheong Sok Leng, subdirectora do Centro da Política da Sabedoria Colectiva acha que Macau deve seguir o exemplo. Em causa está a dificuldade da classe média em ter uma habitação e a opção de muitos em congelar a carreira para poder concorrer às casas do Governo [dropcap style≠’circle’]Q[/dropcap]uando se trata de habitação, Macau deve seguir o exemplo do Continente. A ideia foi deixada por Cheong Sok Leng, subdirectora do Centro da Política da Sabedoria Colectiva que considera que a solução para a especulação imobiliária no território passa por limitar a aquisição de fracções. Em declarações ao Jornal Ou Mun, Cheong Sok Leng, lamenta a inércia do Governo no que respeita a medidas efectivas capazes de controlar a especulação do mercado imobiliário. “São medidas leves demais e não contribuíram em nada para ajudar os jovens locais ou os residentes da classe média”, disse a responsável. A questão da habitação é, considera Cheong Sok Leng, fulcral para o desenvolvimento de qualquer sociedade, sendo que as dificuldades em adquirir casa que se sentem no território têm impactos em várias frentes. Como exemplo, a responsável alerta: a situação interfere directamente quando se fala de ascensão profissional dos residentes. Carreira estagnada De acordo com a subdirectora do Centro da Política da Sabedoria Colectiva, há mesmo quem opte por não querer subir na carreira para conseguir ter acesso a uma casa. Desta forma, afirma, “as pessoas podem ter a possibilidade de se candidatar à habitação pública na medida em que apresentam menos rendimentos. “Há pessoas que optam por se manter no mesmo escalão profissional ou por trabalhar a tempo parcial só para satisfazer os requisitos do Governo”, afirmou Cheong Sok Leng. A responsável considera ainda que a tomada de medidas efectivas é urgente e o exemplo dado pelo Continente pode ser um caminho a seguir pelo Governo do território. Na China Continental, e face ao aumento excessivo do preço da habitação, a aquisição de imobiliário passou a ser limitada. Paralelamente, Cheong Sok Leng sugere que o Executivo avance com estratégias de desenvolvimento de habitação pública e privada. Para o efeito, o Governo deve proceder ao planeamento dos terrenos de modo a ter em conta as diferentes classes sociais e as suas possibilidades para que o mercado imobiliário possa, diz, “voltar à normalidade”.
Sofia Margarida Mota EventosBruno Gaspar, responsável pelo Cinantrop Film Fest: “O cinema não é uma coisa morta por cá” Bruno Gaspar está a dar a volta ao mundo com a Lusofonia na bagagem. É o mentor do festival de cinema etnográfico Cinantrop que decorre em Portugal. Nesta edição, o evento dá destaque a Macau e à China. O território é, desde o ano passado, o seu “quartel-general” enquanto percorre a Ásia. O Cinantrop Film Fest é um festival exclusivamente dedicado ao cinema etnográfico. Como é que nasceu? O Cinantrop Film Fest nasceu em 2013. É um projecto pessoal criado com a intenção de unir os povos. A ideia é preservar e divulgar o património material e imaterial. O projecto começou na Alta Estremadura, em Portugal. Apesar de ter nascido em Paris, foi ali que cresci. Por outro lado, a ideia apareceu quando, ainda miúdo, assisti a umas projecções dedicadas ao realizador António Campos, um cineasta independente com contributos fundamentais quando se fala em cinema etnográfico. A partir daí, fiquei com um interesse muito grande pelo seu trabalho. É também em homenagem a António Campos que o prémio vencedor do Cinantrop tem o mesmo nome. O festival decorre em cinco museus da Alta Estremadura. O objectivo é que haja filmes em simultâneo em vários sítios durante uma semana e, desta forma, levar o cinema a quem muitas vezes não tem acesso a ele. Se calhar seria mais fácil fazer outro tipo e festival, de ficção ou de cinema de animação. São áreas com as quais as pessoas estão mais familiarizadas e de consumo mais fácil. Mas quero apostar nesta linha e é para continuar. Além das projecções nos museus da região centro de Portugal, o festival já tem também projecções em Lisboa e estou ainda a preparar um DVD com os filmes premiados nas várias edições. Não tem sido fácil porque muitas vezes tenho de ser eu a custear as despesas. Ainda relativamente ao legado de António Campos e dada a sua importância no cinema etnográfico, faz parte dos planos do festival trazer sua obra a Macau. Estou a tentar fazer os contactos para isso. Não tem sido fácil trabalhar com entidades públicas. Uma outra dificuldade que tenho sentido, é a de atingir um dos grandes objectivos do Cinantrop: a digitalização das películas deste realizador que, de alguma forma, é o responsável pela existência do festival. Esta digitalização tem dois objectivos: manter a obra viva porque o original em película tende a degradar-se com o tempo, e poder levar o seu trabalho a vários sítios. Gostava de a trazer também a Macau. Espero que com isso possa despertar o interesse pela temáticas do festival, e pela identidade dos povos. Porquê a opção por dedicar a presente edição do festival a Macau e ao Continente? Decidi incluir Macau e China nesta edição porque estou a tentar criar uma rede lusófona, de cariz cultural e falada em português entre todos os continentes. Um vez que estou em Macau e a par da minha outra actividade, em que estou a dar a volta ao mundo e sou cronista de viagens, Macau parece-me o ponto mais importante quando se fala de Lusofonia na Ásia. Tem a relação histórica que tem com Portugal e é para mim uma pedra angular de divulgação e de descoberta do mundo lusófono. Macau é também o meu quartel general que me permite chegar a outros países na Ásia. Como agora estou neste projecto de uma longa viagem de volta ao mundo, trago comigo uma mala em que tenho poesia de escritores de língua portuguesa que quero ver traduzidas para chinês mas tenho também os filmes que passam no Cinantrop. A viagem está a ser uma oportunidade de os divulgar. Já mostrei os filmes em aldeias que nunca viram Portugal, o Brasil ou S. Tomé e Príncipe. Já consegui ter apresentações no Japão, na Malásia e nas Filipinas. Estive recentemente na China, na Universidade Internacional de Xangai e espero continuar a conseguir passar pela universidades chinesas onde se aprende a língua portuguesa para criar uma troca de conhecimento linguístico e não só. Como é que conheceu o cinema feito por cá? Comecei a pesquisar. Fui batendo a várias portas e estando atento aos festivais que vão decorrendo no território. Depois acabei por me ir cruzando com realizadores de cá, sobretudo portugueses. O cinema feito em Macau surpreendeu-me. Porquê? Há capital humano com qualidade para poder desenvolver o cinema e Macau só tem mesmo é de continuar o caminho que está a seguir. O cinema não é uma coisa morta por cá e é bom que seja tratado como uma bandeira de atracção e de desenvolvimento do território. Como é que seleccionou os filmes que vão ser apresentados? Quais os critérios? A selecção, por uma questão de barreira linguística, deu prioridade ao trabalho já feito sob orientação portuguesa. Para isso recorri não só à Casa de Portugal mas a realizadores que falam português e que já têm trabalho feito. Não nos podemos esquecer que estamos muito longe de Portugal. Existem diferenças culturais que, considero, são também a vertente mais bonita e mais rica do que é apresentado. Nesta primeira fase de aproximação também decidi que a selecção de filmes deveria ser consequência de um olhar de alguém que não é nem Chinês nem de Macau, de alguém que olha para as tradições de cá como algo novo e que quer mostrar esse tipo de olhar. É esta novidade que é mostrada depois em Portugal. Como é que acha que estes filmes vão ser recebidos? Penso que vão ser muito bem recebidos. Tenho consciência que o Cinantropo é um projecto que está a ganhar público. É um projecto contínuo e transversal. Não envolve apenas as projecções de cinema. Tenho tentado envolver escolas e a chegar a um público mais novo. Tento também ter vários realizadores, motivar aqueles que normalmente estão mais virados para a ficção para tentarem abordar o documentário. Peço-lhes para pegarem nas câmaras e irem buscar histórias e costumes da realidade, especificamente de uma realidade mais etnográfica e antropológica. Este desafio tem começado a dar frutos e há cada vez mais público sensibilizado para esta temática. Mas o mais importante é o que o Cinantrop passe a representar um legado cultural para futuras gerações. Também aqui, Macau ocupa um lugar fulcral e, no que respeita à Lusofonia, reúne todas as condições e características para ser um centro nevrálgico neste projecto. O território pode ser visto como uma espécie de capital do cinema etnográfico da Ásia. A programação do festival integra também uma série de trabalhos de João Pimenta que está em Pequim. Porquê esta escolha? O trabalho do João Pimenta foi uma descoberta fruto da pesquisa que fui fazendo. Aqui já se funde o trabalho do jornalista com o trabalho do filme na sua dimensão documental tendo em conta interesses e conteúdos etnográficos. É uma parte da programação que está mais virada para o Continente e que considero fundamental no sentido de desmistificar uma série de preconceitos relativos a este país. Quero também ajudar a fazer compreender esta China actual. Há ainda algum preconceito por parte do ocidente em relação à China e muita gente ainda pensa que se trata de um país subdesenvolvido.
Hoje Macau China / ÁsiaTiananmen | Censura e educação causam “amnésia” sobre massacre [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] chinês Jiahao nasceu em 1989, o ano em que a sangrenta repressão do movimento de Tiananmen abalou a China, mas foi só quase três décadas depois, quando estudava nos EUA, que descobriu o que se passou. “Só então entendi porque punham as pessoas uma expressão que era um misto de curiosidade e cautela, quando me perguntavam o que eu achava do 4 de Junho”, lembra Jiahao à agência Lusa. Iniciado por estudantes da Universidade de Pequim, o movimento pró-democracia da Praça Tiananmen foi esmagado pelo exército na noite de 3 para 4 de Junho de 1989, quando os tanques do exército foram enviados para pôr fim a sete semanas de protestos. O número exacto de pessoas mortas continua a ser segredo de Estado, mas as “Mães de Tiananmen”, associação não-governamental constituída por mulheres que perderam os filhos naquela altura, já identificaram mais de 200. Natural de Pequim e fluente em inglês, Jiahao teve que pesquisar no Google – motor de busca bloqueado na China-, para saber do que se tratava, ilustrando o sucesso do Governo chinês em censurar qualquer informação relativa ao episódio. “A China tem sido notavelmente bem-sucedida em eliminar a memória” da repressão de há 28 anos, diz Louisa Lim, investigadora que escreveu um livro sobre o movimento. A autora do “The People’s Republic of Amnesia: Tiananmen Revisited”, publicado em 2014, diz mesmo ter ficado “chocada com o nível de ignorância sobre as mortes dos estudantes chineses em 1989”. Desde que o Presidente chinês, Xi Jinping, ascendeu ao poder, em 2013, passaram a existir “movimentações no sentido de prevenir actos de homenagem privados”, como a “detenção de pessoas que se reúnem à porta fechada”, em memória das vítimas, conta a académica ligada à Universidade de Michigan. Nem o ‘boom’ do número de cibernautas no país – são já cerca de 730 milhões – parece abalar a censura, que tem conseguido controlar a informação difundida na rede. Por outro lado, a educação patriótica promovida após o massacre desviou também a atenção das novas gerações chinesas para as preocupações económicas, em detrimento das políticas. Muitos jovens chineses têm hoje outras prioridades, “mais tangíveis”, como “encontrar emprego ou comprar uma casa”, conta Lim. Outros valores Desde 1989, a economia chinesa cresceu, em média, quase 10% ao ano, o triplo da média global. A China é hoje a segunda maior economia do mundo e principal potência comercial do planeta, tendo-se convertido numa potência capaz de disputar a liderança global com os EUA. Chen Xi, 28 anos e gestor de compras num hospital de Pequim, diz que Tiananmen “pertence à geração dos seus pais.” “A política não me interessa muito”, aponta. “Aquilo que sei é através de conversas entre os meus pais, que de vez em quando comentam o que se passou”. As autoridades defendem que a acção do Governo, em 1989, foi necessária para abrir caminho ao crescimento económico, e que se o exército não interviesse, “a China mergulharia no caos”, como aconteceu em outros países socialistas. Louisa diz que se trata de “uma justificação retrospectiva da repressão”, que se tornou numa “corrente dominante na China”, até porque “as pessoas podem ver que as suas vidas são melhores do que a que os seus pais e avôs tiveram”. O uso da força, contudo, foi “claramente uma movimentação política, com o intuito de enviar a mensagem de que movimentos coordenados não seriam tolerados”, defende. E a julgar pelas declarações de Cheng Yunhui, jovem natural de Pequim, o massacre parece ter surtido o efeito desejado. “Se apelares aos estudantes de hoje para se unirem em torno de uma causa, duvido que tenham o mesmo voluntarismo”, diz. “As pessoas tornaram-se apáticas”. Em Macau, os acontecimentos de Tiananmen foram lembrados com uma vigília na praça do Leal Senado.
Hoje Macau h | Artes, Letras e IdeiasArquivo das Confissões. Bernardo Vasques e a Inveja: Recensão e Estudo breve Fernanda Gil Costa [dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]ão é propriamente uma novidade ver o romance contemporâneo português envolvido de novo com a História em torno de alguns dos seus mais conhecidos agentes e motivos, assim celebrando a ‘controlada’ ficção de que falava Agustina na conhecida e oportuna definição de História. O retorno a Camões (à figura histórica, no caso que nos interessa) parece merecer particular destaque, já que surge inesperadamente em dois romances publicados entre o final de 2016 e o princípio de 2017. Na verdade, é o autor de Os Lusíadas, acompanhado dos mistérios que a sua lenda continuamente projecta, ainda mais adensada pelos raros esclarecimentos documentais, que vem ao encontro do obscuro mundo do início do século XXI sem aparentemente estranhar o deslocado terreno ou sentir qualquer constrangimento. É o caso de Arquivo das Confissões. Bernardo Vasques e a Inveja, de Carlos Morais José (lançado em Lisboa em Outubro de 2016), publicado em Macau no mesmo ano, e de Os Naufrágios de Camões, de Mário Cláudio (lançado em Fevereiro de 2017). Ocupamo-nos aqui do primeiro caso por ser o autor pessoa pública em Macau – o jornalista Carlos Morais José igualmente reconhecido como autor de extensa obra própria, sobretudo lírica, com firmado nome literário não só em Macau, onde normalmente exerce a sua multifacetada actividade e vive há mais de 26 anos. Merece ressalva o facto de justamente esta sua última obra ser um romance sobre a história de Macau e ter sido motivo de um convite para o festival “Correntes d’ Escrita” (edição de 2017), que deixou o autor surpreendido (como o próprio confessa), embora nos pareça mais do que justo e natural. Na verdade, Macau e a sua população, as suas letras em várias línguas e os seus autores multifacetados (infelizmente bastante ignorados) não parecem chamar habitualmente a atenção de Lisboa. Ao falar da sua obra, Morais José remete precisamente para o que chama com oportunidade uma “escrita de exílio”, sublinhando o centralismo da literatura portuguesa tantas vezes alheada da diáspora que por todos os cantos do mundo continua a imprimir-se em saudável variedade de tons e nuances linguísticas, embora se considere satisfeito com o chamamento à Póvoa de Varzim: “Mais por Macau do que por mim”, afirma. E acrescenta a seguir: “Esta cidade é, em si mesma e na sua mitologia literária, praticamente inesgotável e há ainda muito por descobrir e explorar.” (Hoje Macau, 15/12/2016) A ideia de ter existido em Macau – a Cidade do Nome de Deus, um arquivo de confissões, compilado e guardado pelos jesuítas para efeitos de estudo e reflexão dos membros da ordem sobre a sua especial comunidade de pecadores, no auge do período de evangelização do Oriente, parece ao mesmo tempo apelativamente herética e incautamente remota. Logo, perfeita como argumento de ficção e motivo de envolvimento com a História. Assim, na “Advertência ao leitor” esclarece-se a propósito: “A história que se segue não pretende rigor histórico ou justeza, na descrição de factos, hábitos ou comportamentos de antanho. As datas referidas e os intervenientes querem-se, obviamente, tão ficcionais quanto a realidade”. Sendo, pois, o ponto de partida do romance um assumido desafio a todo o propósito ‘sensatamente’ realista, a sua organização retoma as melhores tradições do género da narrativa enquadrada – gavetas de histórias que se abrem e esvaziam a partir de outras, articuladas em móveis geometrias de eventos misteriosos, de segredos e tesouros perdidos, dando origem à variedade das vozes e ‘fantasmas’ que lenta e intencionalmente desenrolam um imbricado novelo que só uma arquitectura onírica sustenta: um padre inglês protestante recebe por mero acaso um secreto legado, perdido e de origem desconhecida, cedendo a voz, na recepção do inesperado tesouro, a um padre católico irlandês em trânsito entre mundos que, por sua vez, lê (ou cita) um jesuíta português, que ouve e regista em confissão um estranho, patético bandido e navegante português de neo-pícaro recorte, o qual durante uma viagem teve e gulosamente aproveitou a oportunidade de se apropriar pelo roubo de nem mais nem menos do que uma obra desconhecida e auto-biográfica de Luís de Camões. As Mil e uma Noites e os Canterbury Tales, para deixar dois exemplos conhecidos e replicados em imensas variantes, são na sua estrutura longínquos modelos do género da narrativa que desafia o tempo (a morte) – uma luta travestida na busca de segredo intangível, que ainda recentemente orientou também obras tão notáveis como O Nome da Rosa, de Umberto Eco. Note-se ainda que o tema igualmente dominante do roubo de autoria, ligado à inveja, norteou há poucos decénios uma obra tão famosa como Amadeus de Peter Shaffer (1979), na origem do filme de Milos Forman (1984) com o mesmo título. E que a mesma ideia, embora disfarçada de roubo de identidade (não será a mesma coisa, tratando-se de Camões?) surja igualmente na já referida obra de Mário Cláudio só revela que uma coincidência pode ser auspiciosa. Signo também de pós-modernismo e dos diálogos e cruzamentos acrónicos que o mesmo promove, a mais ou menos velada exibição do parentesco literário da obra não é um propósito em Carlos Morais José, cujo romance sobre a inveja (pela via pérfida de Bernardo Vasques) vai muito além da recepção parodística dos clássicos e da propagação criativa da lenda romântico /nacionalista de Camões. Dois registos são fundamentais nesta obra: primeiro, o da literatura de viagem que colhe na tradição vastíssima do género (pícaro, aventura, viagem iniciática); segundo, o da reflexão filosófica que invade a perspectiva através da voz do narrador principal. O romance sobre a história de Bernardo Vasques é por isso em primeiro lugar um romance de viagens, tradição bem vincada na literatura portuguesa por textos maiores como Peregrinação e História Trágico-Marítima, com a qual a obra de Morais José intermitentemente dialoga. A viagem é o espaço da narrativa dentro e fora do relato do herói. Todas as personagens estão em viagem (viagem por mar, deambulação por impérios) o que explica o afastamento ou ausência de figuras femininas. Além disso, só a viagem que decorre no presente, a do padre inglês, está escorada por eventos com substância narrativa; as outras, a do padre irlandês e a de Bernardo Vasques são relatos escritos/lidos e pertencem ao tempo passado da história, embora a viagem também seja nelas um elemento agregador, tendo ainda em comum o facto de os narradores/ contadores desaparecerem logo depois do relato, acentuando o ambiente rarefeito e a atmosfera onírica da história enquadrada Para além da viagem e das múltiplas portas por ela abertas à tradição do género, o romance é igualmente uma reflexão filosófica, sempre que a voz principal da narrativa, a do padre inglês que encontra nas docas de Singapura o padre irlandês que abandonou a vida sóbria, conduz o relato; sobre ele avisa o estalajadeiro: “o vinho, por vezes, cai-lhe mal; a aguardente, pior; não ligueis ao que ele vos disse”…159 – o que acontece no início e no fim – já que a história central é a confissão de fim de vida de Bernardo Vasques, com os seus muitos episódios entre o pícaro e o deslumbrado delírio. Essa voz, que se adensa no entendimento do humano e da sua pequenez, origem da Inveja, raiz do pecado e do mal em sentido bíblico, e que no grafismo do texto é assinalada pelo cursivo, constitui a interpelação ao leitor que se aproxima do livro para ler além da paródia e da referência, a caminho de um simbolismo iluminador. A única viagem verdadeira no tempo presente da história é afinal a que se faz entre Singapura e Macau, entre o império inglês e o império português, em vésperas do incêndio do Colégio de S. Paulo, a primeira universidade católica da Ásia. Essa viagem está por isso cheia de sentido iniciático já que o protestante encontra em Macau os jesuítas acossados pelos ventos de fim de ciclo que o iminente desaparecimento do colégio sublinha de forma inevitável. Ficará apenas a ruína assombrada de um destino por cumprir e que a neurótica aventura de BV só vem acentuar e questionar. O seu relato é afinal a voz do poeta maldito que transporta em si, já que Bernardo – o ventríloquo, sintomaticamente desaparece antes da bênção e do perdão final, coada no poema decorado (por amor, não por inveja – uma vez que a inveja é esse sentimento dúplice próximo por vezes da ‘ironia romântica’ (a tal que define a definitiva imperfeição e corresponde ao desejo de absoluto) sobre a qual afirma o impotente (embora convencido) narrador: “talvez só Deus saiba como julgar a inveja”…, 157). “O Mal infecta-me como os versos do poeta infectavam Bernardo Vasques” (164) – é nesta frase que se pode encontrar, em nosso entender, a palavra passe da obra, a sua trave mestra. O mal é a outra face do bem, produto da negação (a inveja benigna é afinal negação produtiva da insatisfação em tudo, da aceitação da miséria moral e da insuficiência do esforço), sonho obscuro e polémico que encontramos na arte desde que Goethe criou um inesquecível Mefistófeles mundano, que com Deus, através de singular aposta (e por intermédio do homem – Fausto), no humano plasmou o desejo de mais-querer, a porfia e o esforço de conhecimento e acção (streben, diz-se em alemão), que é afinal a medida transcendente em que a verdadeira, exigente dimensão humana modernamente se reconhece, pelo menos desde o Renascimento. Arquivo das Confissões. Bernardo Vasques ou a Inveja é um livro feliz, que se lê em duas noites pelo tom jocoso e pela frescura do assunto e que além disso traz aquele sabor a vinho antigo que torna a leitura deliciosa e faz regressar em busca dos ecos e das alusões, um frutuoso exercício de pós-modernismo literário.
Hoje Macau China / ÁsiaPrograma nuclear de Pyongyang é “uma ameaça para todos”, diz Jim Mattis [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] secretário da Defesa norte-americano, Jim Mattis, alertou sábado para o acelerado desenvolvimento do programa de armamento da Coreia do Norte, que representa “uma ameaça para todos” e que é encarado pelos Estados Unidos como “um claro perigo”. Em declarações numa conferência sobre segurança internacional em Singapura, Mattis disse que a administração Trump se sente encorajada pelo compromisso renovado da China em trabalhar com os Estados Unidos para impedir o desenvolvimento de armas nucleares pela Coreia do Norte. A China bloqueou as novas e mais severas sanções contra Pyongyang que os Estados Unido propuseram ao Conselho de Segurança da ONU. Ainda assim, o Conselho de segurança votou unanimemente para adicionar 15 indivíduos e quatro entidades ligadas ao programa nuclear e de mísseis norte-coreano à ‘lista negra’ de sanções da ONU. “O contínuo desenvolvimento, pela Coreia do Norte, de armas nucleares e meios para as lançar não é novo, mas o regime acelerou o ritmo e alargou âmbito dos seus esforços”, disse, aludindo aos vários testes de dispositivos nucleares e mísseis que o regime de Kimg Jong-un tem levado a cabo. “Apesar de o regime da Coreia do Norte ter um longo historial de homicídio de diplomatas, sequestros, morte de marinheiros, e actividade criminosa, o seu programa de armas nucleares é uma ameaça para todos. Em termos de segurança nacional, os Estados Unidos consideram que a ameaça da Coreia do Norte é um perigo claro e presente”, afirmou Mattis. No seu discurso, Mattis equilibrou os elogios à China com críticas ao que chamou de desrespeito de Pequim pela lei internacional devido à sua “indiscutível militarização” de ilhas artificiais em zonas disputadas no Mar do Sul da China. “Não podemos e não vamos aceitar mudanças unilaterais e coercivas ao ‘status quo’” no Mar do Sul da China, disse.
Fa Seong A Canhota VozesEstamos a viver “juntos”? [dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]ntre os 640 mil habitantes de Macau, além de residentes locais, vivem quase 180 mil trabalhadores-não-residentes (TNR). Este número abrange pessoas das mais variadas proveniências, com destaque para a maioria que vem do interior da China. Os restantes chegam das Filipinas, da Indonésia, do Vietname, entre outros lugares. Entretanto, quando se usa o termo “nós, pessoas de Macau” estão abrangidos esses não-locais? Neste território é fácil encontrarmos TNR quase todos os dias, são empregadas domésticas, seguranças, empregados de mesa, trabalhadores de construção. Todas posições tipicamente consideradas de classes baixas. No entanto, entre eles quem sabe se não haverá licenciados, profissionais de áreas que são normalmente ocupadas pela classe média ou alta. Pessoas com baixos vencimentos nos seus países de origem e que escolheram Macau apenas com o objectivo de ter vencimento superior, mesmo empregados em trabalhos aborrecidos. Apesar da contribuição para muitos sectores económicos de Macau, damos sempre prioridade a “nós cidadãos”, “nós residentes”, procuramos, a toda a força, proteger os direitos dos trabalhadores-residentes, em privilegiarmos os locais. Mas alguém pensa em proteger os também habitantes de Macau desprovidos da qualidade jurídica que a residência confere? O mais absurdo é que por cá existem pessoas que pagam apenas uns poucos milhares de patacas à sua empregada doméstica mas querem um controlo digno de escravidão. Obrigam-na a dormir em casa deles, não a deixam sair, não a deixam fazer amigos, especialmente, para amigos que se possam converter em namorados e futuros pais dos filhos das empregadas. Os patrões têm o poder sobre as empregadas e exercem-no de forma a que estas façam tudo o que lhes é exigido, e devem fazê-lo bem, sob pena de serem facilmente substituídas. Esta é uma situação que se espelha na grande procura de empregadas domésticas das Filipinas, e de outros países, em Macau. Esta circunstância coloca as empregadas numa posição frágil, não podendo queixar-se de maus tratos, tendo de aguentar o sofrimento sem reclamar. Eles também são humanos, são adultos como nós, também têm direito a viver normalmente, também fazem parte da sociedade de Macau, estamos ligados mas, por vezes, nós ignoramos essa ligação. Não entendemos porque é que os TNR dos países Sudeste da Ásia se juntam sempre no Lago Nam Van para conversar, cantar e dançar, apenas nos focamos no barulho que podem fazer. Não percebemos que eles estão longe de casa e da família, que precisam de fazer amigos, que precisam de rir e relaxar, tal e qual como nós. Neste pequeno território vivemos em conjunto, mas parece que não existe um ponto de intersecção entre os dois lados. Os TNR continuam a fazer as suas actividades sem a participação dos locais, e quando nós realizamos as nossas actividades, parece que não os temos em consideração. Vale a pena repensar estas relações, avaliar se se podem manter assim, ou se podem avançar para outro patamar.
António Saraiva VozesPó… PóPó… PóPó… Pó… Multas e mais multas [dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]ão há muito um responsável policial afirmava na TV que o número de multas nos parquímetros era muito elevado. E concluía que tal se deve às multas serem muito baixas. Isto é, a possibilidade de os condutores não terem acordado a tempo – nem ao domingo há descanso, há que pôr as moedinhas logo a partir das 9 horas da manhã – se terem esquecido de pôr moedas, ou estarem em reuniões ou outras actividades que não puderam interromper – é simplesmente descartado como uma “não existência”. Como os cidadãos são, tanto quanto possível, cumpridores, há que “aproveitar” as horas em que, por esquecimento ou preguiça, será mais provável colher os cidadãos em falta…por exemplo às 9h e 10 m da manhã, ou às 9 horas da noite…ou certas situações – por exemplo quando os carros vão a entrar para os parques de estacionamento…Às 2 horas da manhã da noite de Natal andava um Polícia a multar junto ao Parque Central da Taipa!!! Back to basics Temos de voltar ao “básico” – e assim enunciar a noção fundamental, a nunca perder de vista – as leis são para FACILITAR A VIDA AOS CIDADÃOS, e não para lhes impor cargas desnecessárias. Assim – para que servem as proibições de estacionamento? Para encher os cofres do Governo não será, porque este de tal não precisa. As proibições servem para a) Manter a fluidez do trânsito, impedindo que as ruas, ou as saídas de garagens sejam bloqueadas por veículos; b) Possibilitar uma rotação dos lugares de estacionamento, uma vez que estes são escassos e não é justo que alguns os utilizem em permanência, impedindo os demais de estacionarem. c) Manter livres os passeios, de forma a assegurar a passagem de peões, carrinhos de bebé, cadeiras de rodas, etc. Circular e parar Mas o manter a fluidez do trânsito é apenas metade do problema – se os cidadãos têm carro é para o utilizarem – para irem tratar de negócios, transportarem materiais, levarem ou buscarem os filhos à escola (ou às “actividades”), fazer compras, ir ao Hospital…etc. Isto é, e em resumo: CIRCULAR É TÃO IMPORTANTE (ou “é indissociável” de) QUANTO PARAR. Ora este segundo aspecto parece estar ausente das preocupações dos nossos responsáveis pelo trânsito. Nenhuma escola tem um local para deixar as crianças – junto à porta há traços amarelos contínuos que impedem a simples paragem. Que fazer se quisermos deixar ou buscar uma criança à Escola Portuguesa?? Entrar para a lista dos prevaricadores?? E a lista dos locais onde só se pode estacionar ilegalmente não se limita às Escolas – os supermercados, os Centros de Saúde, as lojas de materiais de construção, etc., não têm local de estacionamento – quando muito um simples traço amarelo interrompido. Mas quem deixe o carro por momentos para acompanhar um doente ao Centro de Saúde, ou para ajudar a mulher a trazer os sacos até ao carro está sujeito a uma multa. Não se trata de suposições, mas de situações concretas que me sucederam. No caso do Centro de Saúde bem pude mostrar ao Polícia o papel da Consulta – mas em vão. A “Marca Amarela” Este desconhecimento da realidade, aliado a certa falta de preparação, é evidenciado pela proliferação das linhas amarelas. Como a lei, em meu entender, é para ser cumprida, um traço amarelo só se justifica em vias estreitas, ou muito movimentadas – situações em que a paragem de veículos causaria problemas graves à fluidez do trânsito. Mas a “marca amarela” chegou a ruas onde um veículo pode estar parado meia hora sem causar o menor problema de trânsito, o que evidencia bem a ligeireza/falta de critério com que foi colocada. A “marca amarela” chegou até a vias sem saída, como nos Jardins de Lisboa, ou os parques de estacionamento! como no caso do parque junto ao Parque de Seac Pai Wan!. Assim vêem-se não poucas vezes cidadãos a correrem esbaforidos para o carro para evitar multas, o que, convenhamos, os põe numa situação pouco digna, mais própria de crianças que de homens ou mulheres. Duas sugestões Com todo este arrazoado pode o leitor pensar que sou um anarquista militante. Nada mais longe da verdade (bom, como bom português tenho sempre uma costela anarquista…). Mas tenho de afirmar que, das muito numerosas multas que levei não considero mais que três ou quatro “justas”. E para demonstrar que não estou apenas esbracejando – propus inclusive à Direcção de Assuntos de Tráfego que fossem criados “estacionamentos de curta duração” (máximo de 30 minutos e uma pataca por cada dez minutos). E complementando esta ideia poderiam os serviços de tráfego rever as linhas amarelas contínuas e substituírem-nas por linhas tracejadas, sempre que as contínuas não fossem absolutamente necessárias; e os polícias passariam a deixar um aviso nos carros estacionados nestes locais e voltariam ao fim de 10-15 minutos, só então multando as viaturas. Também no espírito de não dificultar demasiado a vida aos cidadãos, não se colocariam imobilizadores (trancas) nos veículos estacionados em parquímetros (os imobilizadores de veículos podem traduzir-se em prejuízos graves para os condutores/proprietários desses veículos); quando muito haveria nova multa passadas duas horas. Por vezes tenho a sensação que se quer tornar Macau uma cidade “perfeita” sem lixos e sem conflitos (assunto que mereceria outro artigo). Mas, como já ensina o Taoísmo, quanto mais leis mais imperfeições.
Andreia Sofia Silva Sociedade10 de Junho | José Luís Carneiro destaca “orgulho de ser português” [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] secretário de Estado das Comunidades destacou ontem “o optimismo que envolve o país” e o “orgulho de todos os que vibram com o sucesso de Portugal”, numa mensagem divulgada a propósito do 10 de Junho. “Neste 10 de Junho de 2017, cujas cerimónias oficiais têm epicentro nas cidades do Porto, São Paulo e Rio de Janeiro, celebra-se também uma época de optimismo que envolve o país e reforça o orgulho de todos os que vibram com o sucesso de Portugal”, refere José Luís Carneiro, na mensagem dirigida às comunidades portuguesas. O secretário de Estado dá como exemplos deste “início de ciclo virtuoso que o país está a viver” a vitória da selecção de futebol no Euro 2016, a eleição de António Guterres para Secretário-Geral das Nações Unidas, a vitória de Salvador Sobral no Festival da Eurovisão, a eleição das cidades portuguesas nos rankings do Turismo e o posicionamento cimeiro das universidades nacionais nos ‘rankings’ mundiais de excelência no ensino, na investigação e na ciência. José Luís Carneiro sublinha também, a nível político, a saída de Portugal do procedimento por défice excessivo, com a obtenção, em 2016, de um valor do défice orçamental de 2% do PIB, o crescimento de 2,8% registado no primeiro trimestre deste ano e a redução da taxa de desemprego. Metas alcançadas Na mensagem, o secretário de Estado destaca também alguns objectivos atingidos em matérias relacionadas com as comunidades portuguesas, como a entrada em funcionamento do ato único de inscrição consular em Barcelona, prevendo o Governante que esta mudança nos serviços consulares seja alargada até 2019 à grande parte da rede externa do Ministério dos Negócios Estrangeiros. José Luís Carneiro sublinha também a aprovação em Conselho de Ministros do recenseamento automático que “representa o reconhecimento de um direito fundamental àqueles que, todos os dias, afirmam Portugal no mundo, garantindo-lhes as mesmas condições no recenseamento que estão asseguradas aos portugueses em território nacional, tornando-o automático e vinculado à morada do Cartão do Cidadão”. O secretário de Estado dá conta ainda conta da aprovação do decreto-lei que altera o regulamento nacionalidade portuguesa, a entrada em funcionamento do “Espaço do Cidadão” em Paris e em São Paulo, a aplicação do “Registo Viajante” que dá maior garantia de apoio e protecção consular aos portugueses em mobilidade e a criação da plataforma de ensino da língua portuguesa à distância denominada “Português Mais Perto”. “Neste 10 de Junho que celebra o Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas há novas razões para reforçar o orgulho de sempre”, refere ainda José Luís Carneiro na mensagem.
Sofia Margarida Mota Entrevista MancheteEntrevista | João Vasconcelos, secretário de Estado da Indústria de Portugal Uma China moderna e tecnológica. Foi o que a comitiva que acompanhou o secretário de Estado da Indústria de Portugal, João Vasconcelos, teve oportunidade de observar na visita dos últimos dias ao Continente. Em Macau, João Vasconcelos que ver fortalecidos os laços para a implementação de uma estrutura de acolhimento que facilite a chegada de empresários portugueses. O futuro passa pelo território e Portugal pode ter uma posição de relevo [dropcap]A[/dropcap]ntes de visitar o território, esteve na China Continental, nomeadamente em Shenzhen e Zhuhai. O que trouxe desta visita? Foi uma visita muito especial. Pela primeira vez pude trazer de Portugal um ecossistema empresarial ligado à ciência e à inovação, de modo a que os empresários pudessem conhecer esta China virada para a tecnologia e que ainda é muito desconhecida na Europa e em Portugal. Ainda não temos o hábito de associar a China a algumas das melhores empresas do mundo na área da tecnologia. Fomos a Shenzhen que hoje é a capital mundial da inovação. É uma cidade líder quando se fala, por exemplo, de hardware e de produção. Visitámos várias incubadoras de centros tecnológicos. Estivemos ainda com empresas portuguesas que já estão a funcionar em Shenzhen. É impressionante como esta capital está a apenas a uma hora de barco de Macau. Podemos fazer com facilidade o que fizemos nesta viagem. Fomos cerca de 20 pessoas comer um bife à “casa do Benfica” de Macau, o Santos, e a uma hora de distância temos a cidade líder da inovação. Macau é, há centenas de anos, uma porta de entrada para os portugueses na China. A sua proximidade a Shenzhen obriga-nos a ter mais ambições nesta relação. Qual é concretamente o papel que Macau pode ter? Macau continua a ser o melhor local para um empresário português se posicionar para que, a partir daqui, possam ser feitas parcerias e estabelecidas relações de compra e venda com a China. Temos feito um grande trabalho com o secretário para a Economia e Finanças, Lionel Leong, nesta aproximação. O objectivo é que Macau venha a ter todas as características e facilidades que um empresário português precisa para que possa utilizar o território como plataforma. Mas queremos ir mais além: queremos que as empresas chinesas façam o mesmo, ou seja, utilizem Macau para contactar com Portugal e com a Europa. Já há essa abertura materializada em acções concretas? Sim. Ainda este ano vamos ter um espaço em Lisboa que o secretário Lionel Leong já visitou. Também os serviços de Economia e Finanças de Macau estão a preparar um espaço na capital portuguesa para receber empresários do território e do Continente. A ideia é ainda que possamos ter também, em Macau, uma estrutura análoga capaz de acolher os nossos empreendedores. Queremos que os nossos empresários, na sua chegada ao território, tenham o chamado “soft landing”, ou seja, possam chegar e começar a trabalhar de imediato num escritório com um ambiente preparado para os receber: com as parcerias certas, com os advogados e contabilistas certos, com toda uma equipa de assessoria. O objectivo é tornar esta chegada muito mais fácil para a entrada neste grande mercado que é a China. Trata-se de um mercado exigente, com procedimentos, cultura e hábitos muito diferentes dos nossos, pelo que precisamos sempre de alguém que faça as respectivas traduções. Além da própria língua, precisamos deste tipo de tradução mais alargada. Este papel cabe a Macau. Por outro lado, penso também que o território quer continuar a ter esta função quando se fala em nova economia e em nova China. Não podemos esquecer a crescente abertura do Continente ao mundo e Macau tem de acompanhar a situação. São várias as medidas que já estamos a implementar e esta visita vai nesse sentido. A maior parte das pessoas que me estão a acompanhar nesta comitiva está pela primeira vez em Macau. Também temos de mostrar a esta nova geração de portugueses, que têm entre 20 e 30 anos, que o território não é tão distante quanto pensam. Temos de voltar a aproximar-nos e dar a conhecer ao mundo que aqui ao lado de Shenzhen, que já tem créditos dados, está uma região em que os portugueses se podem sentir em casa. Na sua actividade política, o apoio às “startups” tem tido destaque. Porquê esta opção? Penso que tenho tido um papel importante quando se fala de empreendedorismo em geral. O empreendedorismo é uma das principais fontes de novo emprego. Em Portugal, neste momento, quase metade do novo emprego é dado por empresas com menos de cinco anos. Outro factor interessante é que são estas novas empresas que, muitas vezes, pagam mais e são também as principais fontes de inovação em vários sectores. São aquelas que apresentam modelos de negócio mais ambiciosos e mais disruptivos. As novas empresas nasceram dentro de uma das mais profundas crises que Portugal teve nos últimos anos, e apresentam produtos e serviços globais. Um bom exemplo é o facto de, muitas vezes, começarem a exportar logo desde o primeiro ano. Neste momento, quase 30 por cento das nossas cotações são empresas com menos de dez anos. Um país que não tenha uma estratégia clara, forte e sólida para apoiar a criação de novas empresas está a desistir do futuro e da inovação. Isto é o que eu não quero que aconteça com Portugal. Outro aspecto importante é quando falamos de indústrias digitais. Num país dito periférico como o nosso – ou seja, não tem recursos naturais relevantes, tem um mercado interno pequeno, situa-se numa ponta da Europa –, as dificuldades são muitas se pensarmos em logística e transportes, por exemplo. Se pensarmos em termos digitais, a situação muda e podemos dizer que Portugal está no centro do mundo. Quem quiser ter uma empresa para vender para a Europa, para África e para a América, Portugal está na melhor posição possível. Quando falamos de digital, a posição de Portugal é óptima. Podemos estar a vender para todos os cantos do mundo a partir do nosso país. E é aí que Portugal tem de pretender sobressair. Não podemos querer ter uma posição relevante em indústrias pesadas porque não temos matérias-primas e estamos longe do cliente, pelo que a logística irá ter um custo muito grande. Podemos sim estar destacados quando se trata deste tipo de indústrias leves que são também as indústrias do conhecimento, da ciência e da tecnologia. É esse o nosso programa económico. Não são apenas as “startups”, são também empresas de software, hardware, empresas de ciência, farmacêuticas e ligadas à biotecnologia. São empresas como a Farfetch que vende centenas de milhões de euros na China e que, este ano, já tem 800 funcionários em Portugal, está a contratar mais 500 e o maior mercado que tem é precisamente a China. São estas iniciativas que a nova economia permite que queremos fomentar. É a isso que chama “nova revolução industrial”? Sim. O digital é a revolução que está neste momento a acontecer, mas em Portugal é uma revolução, como diz Marcelo Rebelo de Sousa, “silenciosa”. Está a alterar a maneira como produzimos, como fabricamos, como vendemos, como nos relacionamos, está a alterar tudo. Neste momento esta zona do globo está sob alguma pressão devido às circunstâncias que envolvem a Coreia do Norte, os Estados Unidos e a China. Acha que esta situação pode influenciar o interesse, nomeadamente dos portugueses, em investir aqui? Penso que não. A tensão com a Coreia do Norte, de certa forma, já existe há muito tempo. A nossa relação, pelo menos da Europa com a China, é muito mais intensa do que se pensa e estas circunstâncias não vão ter qualquer influência no interesse dos empresários, muito menos quando falamos de relações económicas. Esteve envolvido, no ano passado, numa iniciativa civil, a Caravana Aylan Kurdi, que levou toneladas de bens essenciais aos refugiados Sírios que estavam na Hungria. Como é que vê a posição da Europa relativamente a este problema? Continuamos com muitos desafios de integração e no que respeita a ter uma posição europeia integrada e coordenada em relação a vários problemas. Um deles é o dos refugiados. Penso que vários países fizeram o seu papel ao nível individual, mas era exigida uma posição europeia que nunca chegou a existir. Na situação dos refugiados, foi ainda notório que os líderes europeus muitas vezes anseiam por posições oficiais em assuntos que lhes interessam e noutros nunca exigem o mesmo. No caso dos refugiados faltou essa posição clara, porque se não é a Europa a assumir perante o mundo os valores que devem nortear quem ocupa uma função pública e uma sociedade no sentido de promover a tolerância e a igualdade, dificilmente haverá outras regiões a fazê-lo. No caso dos refugiados, alguns países comportaram-se bem, e em conformidade com a história do continente e do papel que a Europa tem no mundo, enquanto outros nem por isso. Daí também a intervenção que fizemos. Foi acima de tudo uma iniciativa da sociedade civil, com o apoio de milhares de portugueses, e em que atravessámos a Europa para prestar o auxílio que, naquela altura, nos era possível dar, num momento em que vários países estavam a fechar portas a quem estava a fugir à morte.
Hoje Macau PolíticaFórum Macau | Fundo está a analisar mais de 20 projectos Foi lançado em 2013 mas, até agora, serviu apenas para ajudar em três projectos lusófonos. Os mil milhões de Pequim poderão agora começar a ter outra utilidade. Espera-se que, com a transferência do fundo para Macau, sejam construídas mais redes [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] fundo chinês de mil milhões de dólares destinado a investimentos de e para o universo lusófono, cuja sede foi ontem oficialmente transferida para Macau, continua a analisar mais de 20 projetos, incluindo de Portugal e Timor-Leste. A informação foi facultada numa conferência de imprensa conjunta do Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau (IPIM) e da Direcção dos Serviços de Economia (DSE), à margem da cerimónia de descerramento da placa da sede do fundo, que marca a sua transferência de Pequim para Macau, inserida no 8.º Fórum Internacional sobre o Investimento e Construção de Infra-estruturas (IIICF), que arrancou ontem. Activado em Junho de 2013, o denominado Fundo de Cooperação para o Desenvolvimento entre a China e os Países de Língua Portuguesa, anunciado em 2010 pelo então primeiro-ministro chinês Wen Jiabao, aprovou, até ao momento, o financiamento de apenas três projectos em Moçambique, Angola e Brasil, concedendo um montante total de cerca de 35 milhões de dólares norte-americanos. Trata-se de um projecto agrícola em Moçambique da empresa chinesa Wanbao, um relacionado com o fornecimento de equipamentos para transmissão e distribuição de electricidade em Angola e um projecto solar no Brasil que, no seu conjunto, representam investimentos na ordem de 600 milhões de dólares. Actualmente, o fundo encontra-se a acompanhar mais de 20 projectos, incluindo de Portugal, Timor-Leste, Brasil e Cabo Verde envolvendo investimentos de 800 milhões de dólares, ou seja, um número de candidaturas idêntico ao que tinha em mãos há mais de um ano. No caso de Portugal, está sob análise um projecto relacionado com o terminal do porto de Sines. “Estamos a olhar para esse projecto, temos de acompanhar, de avaliar, penso que ainda está numa fase inicial”, disse à Agência Lusa o presidente do fundo, Chi Jianxin, à margem do IIICF, indicando que foi recentemente discutido em Pequim com um representante português dos Negócios Estrangeiros. Já no caso de Cabo Verde o pedido de financiamento diz respeito ao projecto hoteleiro do empresário de Macau David Chow, que prevê a construção de uma estância turística no ilhéu de Santa Maria, situado defronte da capital, Cidade da Praia. Não foram divulgados detalhes sobre as outras candidaturas. Casa nova em três anos O fundo vai funcionar provisoriamente no Centro de Apoio Empresarial adstrito ao IPIM, prevendo-se que se mude, dentro de três anos, para o Complexo da Plataforma de Serviços para a Cooperação Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa. Aquando da V Conferência Ministerial do Fórum Macau, em Outubro último, realizou-se uma cerimónia de descerramento da placa desse complexo – que está ainda por construir –, aproveitando a presença do primeiro-ministro chinês, Li Keqiang. Chi Jianxin entende que a mudança da sede do fundo de Pequim para Macau apresenta vantagens, desde logo porque o território tem uma maior relação de proximidade com os países de língua portuguesa, o que irá permitir uma maior divulgação relativa à operacionalidade do fundo, que segue as regras do mercado, e potenciar candidaturas, “permitindo criar uma rede mais ampla de cooperação”. O Governo de Macau destacou, por seu turno, que a mudança da sede tem “um sentido significativo”, nomeadamente por possibilitar um maior apoio às empresas locais na exploração de oportunidades nos mercados dos países de língua portuguesa. Em paralelo, o fundo, ao tornar-se numa empresa registada e explorada em Macau, vai formar profissionais na área, “criando um precedente de desenvolvimento do sistema financeiro com características próprias de Macau”. Tal surge na senda do novo desígnio de transformar Macau numa “plataforma de serviços financeiros entre a China e os países de língua portuguesa” – plasmado nas medidas anunciadas pelo primeiro-ministro chinês, Li Keqiang, para o período 2017-19, no âmbito da V Conferência Ministerial do Fórum Macau. Ontem foram ainda celebrados dois protocolos referentes à cooperação estratégia no desenvolvimento e investimento em Macau e nos países de língua portuguesa entre o fundo e empresas da China e entre o fundo e empresas de Macau.
Andreia Sofia Silva Manchete PolíticaColoane | AL rejeita projecto de lei de José Pereira Coutinho A Assembleia Legislativa entende não poder aceitar novamente o projecto de lei da autoria do deputado José Pereira Coutinho referente à protecção da reserva natural de Coloane. Alega-se que é necessário o consentimento prévio do Chefe do Executivo [dropcap style≠’circle’]H[/dropcap]á muito que tinha dado entrado na Assembleia Legislativa (AL), pela quarta vez, o projecto de lei do deputado José Pereira Coutinho que propõe uma norma interpretativa sobre a garantia da protecção da reserva natural de Coloane. Contudo, o agendamento da discussão e votação do diploma tardava a chegar. As razões deste atraso são agora conhecidas. Segundo um parecer da Comissão de Regimento e Mandatos da AL, o projecto de lei não pode ser acolhido pelo hemiciclo sem que haja autorização do Chefe do Executivo. “O projecto de lei não reúne as condições para ser novamente admitido sem que esteja cumprido o requisito do consentimento prévio”, lê-se no parecer. Um dos motivos está relacionado com o facto de o deputado ter apresentado, no ano passado, o mesmo projecto de lei, ainda na presente sessão legislativa, tendo o mesmo sido chumbado a 20 de Novembro, “pelo que não pode ser agora admitido”, lê-se. Depois, a AL considera que parte deste projecto de lei repete o conteúdo da Lei de Terras, além de pretender legislar sobre uma matéria que é da responsabilidade do Governo: terrenos. O parecer alerta para o facto de, segundo a Lei Básica, os deputados à AL poderem apresentar, de forma autónoma, projectos de lei, desde que não “envolvam a política do Governo”. Quando a reserva de iniciativa legislativa é do Chefe do Executivo, tem de ser dada autorização prévia. “Uma vez que o Governo da RAEM é responsável pela gestão, uso e desenvolvimento dos solos e dos recursos naturais, julga-se que a iniciativa legislativa agora em questão se insere no conceito de ‘matéria atinente à política do Governo’”, acrescenta o documento. O projecto de José Pereira Coutinho faz referência ao “interesse público” que existe na protecção de reserva natural de Coloane. Contudo, a comissão entende que tal já consta na Lei de Terras em vigor. “Ouvida a assessoria, a comissão concluiu que a norma interpretativa é o somatório do segundo parágrafo do preâmbulo do decreto-lei (referente à dimensão da reserva natural de Coloane), bem como da Lei de Terras. A parte interpretativa propriamente dita traduz-se na concretização do conceito de interesse público constante na Lei de Terras.” Contactado pelo HM, o deputado José Pereira Coutinho disse estar “incrédulo” e pondera mesmo recorrer da decisão do hemiciclo. “Há uma dualidade de critérios para este caso em concreto. Se consegui, no passado, por várias vezes apresentar [o projecto de lei] sem autorização do Chefe do Executivo, por que preciso de o fazer agora? Estou incrédulo. Estou a ponderar recorrer da decisão, considero que é muito injusta.” Um precedente? A análise em questão foi pedida pelo presidente da AL, Ho Iat Seng, no passado dia 4 de Maio, sendo que a decisão foi tornada pública esta semana. O parecer da Comissão de Regimento e Mandatos, que é presidida pelo deputado Vong Hin Fai, faz também referência à análise que foi feita ao projecto de lei apresentado pelo Gabriel Tong, que propunha uma nova interpretação da Lei de Terras, e que também não foi admitido no hemiciclo. Uma das razões para Ho Iat Seng ter pedido esta análise da Comissão de Regimento e Mandatos foi, precisamente, o projecto de Gabriel Tong. Isto “por ter sido feita uma análise exaustiva e circunstanciada sobre leis interpretativas, o exercício da iniciativa legislativa no âmbito destas leis e sobre a reserva de iniciativa legislativa dos deputados em geral”. O documento dá ainda explicações sobre o conceito de interesse público no direito, tendo alertado José Pereira Coutinho para a necessidade de ser mais específico na elaboração do seu projecto de lei. “O conceito de interesse público é um conceito indeterminado, com um alto grau de abstracção, que necessita de ser preenchido para ser concretizado e se cumprir na ordem jurídica. A concretização do interesse público pressupõe que este seja interpretado num determinado sentido, de forma a poder ser tomada uma decisão que torne este conceito abstracto em algo objectivo e concreto.” Além disso, “dependerá de cada agente em concreto a interpretação que faça do interesse público em causa e, em consequência, a forma como preenche o conceito indeterminado envolvido”, aponta o parecer.
João Luz Manchete SociedadeFamília | Nasce em Macau “Grupo de Acção para a Adopção” Depois da aprovação da lei da violência doméstica, Juliana Devoy decidiu que se devia focar na questão da adopção em Macau. Como tal, o Centro do Bom Pastor ajudou a criar um grupo que promete lidar com a situação [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] adopção é um assunto a necessitar de urgente intervenção, e para o qual Juliana Devoy considerou estarem reunidas as condições para, finalmente, ser tratado. Em primeiro lugar, ficou decidido que se deveriam juntar pais adoptivos e fazer um brainstorming de forma a identificar os principais problemas e intervir. “Achámos que o melhor não era falar de adopção, mas falar dos direitos das crianças em crescer numa família”, revela Juliana Devoy. Estava dado o pontapé de saída para a criação do Grupo de Acção para a Adopção. Este é um assunto muito próximo do Centro do Bom Pastor, uma vez que a instituição, desde 1990, acolheu 92 mulheres que decidiram ter filhos apesar de não terem condições para tal. Dessas mulheres, 32 eram menores de idade. Neste ponto há uma situação institucional que não favorece as crianças: um bebé só pode ser adoptado depois de a mãe completar 18 anos de idade. Isto leva a que criança não tenha estabilidade familiar. Primeiro fica com a progenitora e, por falta de maturidade, a responsabilidade de criar a criança acaba por recair sobre a avó. Mais tarde, quando a mãe se torna maior de idade, coloca a criança para adopção. Além disso, em Macau, adoptar é um pesadelo burocrático, uma vez que os processos se arrastam, demorando “talvez dois ou três anos”, conta Juliana Devoy. A demora leva a que os potenciais pais adoptivos se sintam desencorajados a darem esse passo. Outra questão é a cultura da região. “Na maioria das famílias, se têm uma filha grávida escondem esse facto, ao ponto de não quererem que ela traga o bebé para casa depois de dar à luz”, conta a directora do Centro do Bom Pastor. Mesmo entre os casais que adoptam, esse acto é mantido em segredo, apenas sendo revelado muito tarde na vida dos filhos. “É algo pouco saudável”, conta, e um grande choque psicológico para a criança. “Entre os chineses há um sentido de vergonha”, comenta Juliana Devoy. Os casais interessados ainda têm de enfrentar o facto de as adopções em Macau serem limitadas ao território, e no Interior da China. “Não podem adoptar um bebé em Hong Kong ou em Taiwan, não existem adopções internacionais”, explica a directora do Centro do Bom Pastor. O grupo que foi apresentado ontem, Dia Mundial da Criança, tenciona recolher informação sobre os processos de adopção nos países vizinhos, de forma a ter pontos de referência. No Dia Mundial da Adopção, que se celebra a 11 de Novembro, o Grupo de Acção para a Adopção organiza uma mesa redonda na Fundação Rui Cunha, para sensibilizar a população para o tema. Participam na discussão pais adoptivos que contarão as suas histórias, de forma a ilustrar o quão importante é para uma criança crescer em família.
Victor Ng SociedadeMais de metade das famílias jovens passa dificuldades financeiras [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] Associação da Construção Conjunta de Um Bom Lar realizou um inquérito com o objectivo de perceber a situação das famílias jovens no território. A entidade ligada à Associação Geral das Mulheres de Macau revelou que mais de 55 por cento dos agregados ouvidos vivem uma situação de dificuldade financeira. Noutro patamar, cerca de dez por cento das famílias inquiridas têm extremas dificuldades financeiras, nomeadamente no que toca a dar resposta a despesas com os filhos, habitação e refeições diárias. O inquérito relevou que alguns dos aspectos que contribuem para o stress das jovens famílias é o acesso à habitação, a inexistência de apoio financeiro, a falta de lugares em creches e um ambiente de trabalho adverso à vida em família, assim como a necessidade de cuidados de familiares idosos. Outro dos resultados que salta à vista foi o grau de insatisfação dos pais em relação ao pouco tempo que têm com os filhos. Ieong Man Kit, responsável pelo inquérito, observa que, apesar do desenvolvimento de Macau, as gerações que nasceram nos anos 80 e 90 têm de enfrentar os problemas da inflação e as consequências do envelhecimento populacional. Neste contexto, Wong Kit Cheng, directora da Associação Geral das Mulheres de Macau e deputada, acha fundamental o Governo implementar políticas que facilitem a vida familiar. A começar pela licença de paternidade e alargamento da licença de maternidade, passando pela melhoria da oferta dos serviços de creches e pelas políticas de protecção dos idosos. A deputada considera que o Executivo precisa focar-se nestes tópicos, de forma a reduzir a pressão sobre as famílias mais jovens. A política de habitação foi um dos temas que teve pior pontuação no inquérito, recebendo 1,98 pontos numa escala de cinco. Nesse aspecto, Wong Kit Cheng é da opinião de que o Governo deve responder à necessidade de habitação pública com mais construção de fracções para famílias jovens.
Andreia Sofia Silva Manchete SociedadeAuditoria | Fundação Oriente vai pagar 21,4 milhões à FEPM A Fundação Oriente tem mesmo uma dívida para com a Fundação da Escola Portuguesa de Macau. A auditoria encomendada pelo ex-ministro Nuno Crato tem estado na gaveta desde 2015, mas revela a existência de uma dívida de 21,4 milhões de patacas que vão ser pagos, adiantou José Luís Sales Marques ao HM [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] dívida que a Fundação Oriente (FO) tem para com a Fundação da Escola Portuguesa de Macau (FEPM) já está apurada desde Julho de 2015, mas tem estado no segredo dos deuses. Segundo o relatório de auditoria a operações financeiras entre a FO e a FEPM, a que o HM teve acesso, a FO deve 21,4 milhões de patacas (2,43 milhões de euros) à FEPM. Ao HM, José Luís Sales Marques, membro do conselho de administração da FEPM, garantiu que já foram iniciadas conversações para que este valor seja restituído. “Pelas informações que tenho, a FO predispõe-se a pagar este montante. Os pormenores não conheço. Sei que há um princípio de acordo e que estão a ser negociados os pormenores”, afirmou. O HM tentou, sem sucesso, falar com Carlos Monjardino, presidente do conselho de administração da FO. A última vez que este assunto foi notícia foi em Setembro de 2015, quando ainda não se sabia se havia, de facto, uma dívida. Sem saber a conclusão da auditoria, João Amorim, vogal do conselho de administração da FO, afiançou ao jornal Ponto Final que “a FO não tem qualquer dívida à FEPM, tendo sempre pago aquilo a que se comprometeu”. A conclusão dos inspectores de educação em Portugal é, no entanto, outra. Referindo-se ao período temporal entre 1997 e 2014, o relatório deixa explícito que “a FO, à semelhança dos restantes instituidores [da FEPM], assumiu, sem reservas expressas, obrigações com a outorga do protocolo [de criação da FEPM], entre as quais, garantir em 49 por cento os meios financeiros necessários ao funcionamento anual da Escola Portuguesa de Macau (EPM)”. Isso significa que “mesmo que a FO questione a legitimidade da obrigação legal (que teria sido imposta pelo Governo português), subsistirão sempre as obrigações contratuais que assumiu quando celebrou o referido protocolo”. Da “boa-fé” Os inspectores de educação consideram que “não se afigura legítima a tomada de posição da FO no sentido de considerar que nada lhe seria exigível e que, consequentemente, as quantias que transferiu para a FEPM resultaram apenas de uma liberdade e não do cumprimento de uma obrigação, independentemente de a mesma decorrer de lei ou de contrato”. A resposta da FO ao relatório, assinada por Carlos Monjardino, fala de “uma postura de boa-fé” face aos financiamentos que foram feitos desde o ano lectivo de 1999/2000 à FEPM. “Importa à FO confirmar as suas objecções quanto ao modo como se processou a instituição daquela fundação (FEPM), com irregularidades que, no seu entender, colocam em causa o próprio acto fundacional e a aquisição de personalidade jurídica da FEPM (…).” A FO disse ainda discordar das “obrigações que lhe foram unilateralmente endossadas e decorrentes de um acto legislativo do Governo português”. “Este contributo da FO decorreu de uma vontade própria e não de uma obrigação, sempre contestada, que para si resultasse do inadequado acto de instituição da FEPM”, aponta ainda Monjardino na sua resposta. Fora do plano Os números apurados pelos inspectores permitem concluir que a FO fez contribuições financeiras de forma irregular. Nos anos lectivos de 2010 a 2012 não foram feitas quaisquer contribuições, sendo que, no ano lectivo seguinte, foram pagas 100 mil patacas, “um montante decidido pela FO”. Houve outras alturas em que a FO deu mais dinheiro, tal como no ano lectivo de 2006/2007, quando pagou três prestações que cobriram na totalidade o orçamento da EPM. Entre Novembro de 1999 e Janeiro de 2013, a FO transferiu para a FEPM mais de 89 milhões de patacas. Em declarações ao HM, José Luís Sales Marques explica que estes problemas sempre foram tratados “num outro plano”. “Estas questões, da suspensão do apoio [da FO] até à questão da contestação da existência da dívida, sempre foram tratadas num outro plano, e não no plano do conselho de administração. Foram tratadas mais no plano das relações entre os instituidores. Diria até que pré-datam a existência da própria fundação”, rematou. Despesas da EPM aumentaram desde a saída da FO O relatório faz ainda referência a um aumento de gastos da EPM desde a saída da FO dos estatutos da FEPM. “A participação da FO parece ter tido um efeito de travão ao nível do crescimento da despesa da escola, a qual, em apenas cinco anos, após a saída da FO, aumentou cerca de 38 por cento [os custos], sem que tenha havido variação proporcional ao nível de alunos matriculados (mais 17,9 por cento) ou do número de trabalhadores (mais 10,1 por cento)”. José Luís Sales Marques justificou o aumento dos gastos com a inflação, a necessidade de reparações no edifício da escola e as actualizações salariais dos docentes. Auditoria critica funcionamento da FEPM O relatório de auditoria encomendado por Nuno Crato não aponta só o dedo à Fundação Oriente (FO). São várias as críticas feitas em relação à gestão da Fundação da Escola Portuguesa de Macau (FEPM) nos últimos anos. Alguns problemas, como a saída da FO, os novos estatutos e a criação do Conselho de Curadores, já estão resolvidos. Mas os inspectores depararam-se com documentação dispersa e mal organizada, actas assinadas apenas por alguns membros do conselho de administração da FEPM, uma actividade deficitária do conselho fiscal, ou as poucas reuniões realizadas por ano, ao contrário do que obrigavam os estatutos. O documento contém conclusões como “no período de 1998 a 2014, a prestação de contas da FEPM não foi uniforme” ou ainda “todo o acervo documental da FEPM (disponibilizado em Lisboa) revela, pelo menos até 2012, uma deficiente organização que não permite garantir como foi obtida toda a informação existente”. Conclui-se também que “não existe a garantia de que a informação relativa à FEPM (nomeadamente contabilística) é integral e fiável”. O conselho de administração da FEPM “não cumpriu a maioria das suas competências estatutárias”, lê-se ainda. Uma vida atribulada Ao HM, José Luís Sales Marques garantiu que a FEPM está, dois anos depois da elaboração do relatório, mais organizada. “No passado havia, de facto, uma certa dispersão, porque funcionava uma parte em Lisboa e outra em Macau.” A sede oficial continua a ser na própria EPM, enquanto em Lisboa as reuniões decorrem nas instalações do Ministério da Educação. Sales Marques disse ainda que era difícil reunir quatro vezes por ano. “[As diferenças horárias e a presença de membros em Macau e Lisboa] traziam inconvenientes à fundação. Esses problemas, a partir de certa altura, começaram a ser ‘atacados’ a partir do momento em que começou a mudança de estatutos. Mas a partir daí houve alguma reorganização”, explicou. O também economista garantiu que não são pagos salários aos membros da FEPM, existindo apenas uma secretária. A fundação vai agora tentar reunir quatro vezes por ano, sendo que Sales Marques garante que a não divulgação dos orçamentos e relatórios de contas é feita por opção. “A fundação cumpre os seus objectivos e isso é mais do que transparente. A fundação teve uma vida muito atribulada, e nunca apareceu a reclamar de coisa nenhuma. A FEPM trabalha nos bastidores, porque o actor principal é a EPM. Se algum dia lançar outro projecto, que não tem que ver com a EPM, e até pode ser que isso venha a acontecer, aí será outra coisa”, apontou José Luís Sales Marques. “A fundação não tem nada a esconder, dificilmente haverá uma fundação que tenha sido tão escrutinada como a nossa”, acrescentou o responsável. Salários congelados Sales Marques assume que a FEPM passou por momentos de algumas dificuldades financeiras, que obrigaram a EPM a ter salários congelados durante alguns anos. “A escola teve salários congelados durante bastante tempo, mais tempo do que seria desejável, tendo em conta a taxa de inflação e o aumento das rendas. Percebemos que havia problemas enfrentados por professores contratados ao exterior. A certa altura tentamos melhorar esse problema. Mas os salários da EPM ainda são inferiores aos que se pagam nas escolas públicas”, diz. A auditoria faz ainda referência ao facto de os orçamentos da FEPM e da EPM não estarem separados, mas Sales Marques afirma que tudo está em ordem. “A fundação, até uma certa altura, quase se confundia com a própria escola. Isso aconteceu nos primeiros anos. Mas a partir da perspectiva de mudança de instalações, a fundação começou a ter uma vida mais própria.”
Hoje Macau SociedadeReceitas dos casinos subiram 23,7 por cento em Maio [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]s casinos de Macau fecharam o mês passado com receitas de 22,742 mil milhões de patacas. O número representa um aumento de 23,7 por cento em relação ao ano passado. Segundo dados publicados ontem pela Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos (DICJ), os casinos registaram no acumulado de Janeiro a Maio receitas de 106,382 mil milhões de patacas, mais 15,8 por cento face aos primeiros cinco meses do ano passado. Maio marcou o décimo mês consecutivo de subida das receitas da indústria do jogo. Além disso, registou-se o maior aumento percentual desde o início da recuperação das receitas dos casinos, ou seja, desde que Agosto pôs termo a 26 meses de consecutivos de quedas anuais homólogas. Não obstante, figura como o mês com o segundo melhor desempenho em termos de receitas a seguir a Fevereiro. Apesar da recuperação do sector iniciada no passado Verão, as receitas dos casinos de Macau caíram pelo terceiro ano consecutivo em 2016, registando uma queda de 3,3 por cento que se seguiu a uma descida de 34,3 por cento em 2015 e de 2,6 por cento em 2014. Arrastada pelo desempenho do sector do jogo, a economia de Macau contraiu-se em 2016 pelo terceiro ano consecutivo e o Produto Interno Bruto (PIB) caiu 2,1 por cento em termos reais, com a recuperação da indústria a ser insuficiente para permitir uma retoma. Este resultado representou, porém, uma significativa melhoria depois da diminuição de 21,5 por cento em 2015. Em 2014, o PIB de Macau caiu 1,2 por cento, em termos reais, segundo dados revistos, naquela que foi a primeira queda desde a transferência de administração, em 1999, impulsionada pelo início da curva descendente das receitas dos casinos. Economia ao lado Em linha com o desempenho do jogo, a economia de Macau tem vindo a demonstrar sinais de recuperação. De acordo com estimativas oficiais, divulgadas esta semana, o PIB de Macau cresceu 10,3 por cento em termos reais no primeiro trimestre do ano. O Fundo Monetário Internacional (FMI) reviu, em Fevereiro, a sua previsão de crescimento da economia de Macau para este ano, avançada em Outubro, de 0,2 por cento para 2,8 por cento. No final de Março, o território contava com 6423 mesas de jogo e 16.018 slot machines, distribuídas por 39 casinos.
Sofia Margarida Mota Eventos MancheteFilipe Dores, artista plástico: “Não há espaço para criar em Macau” “Nocturno” é a exposição de aguarelas de Filipe Dores que vai ser inaugurada no próximo dia 6, na galeria do Albergue SCM. A iniciativa insere-se nas comemorações de “Junho, Mês de Portugal” que acolhe o artista local já distinguido no Reino Unido. Para Filipe Dores, Macau tem talentos, mas falta motivação para ir além-fronteiras [dropcap]O[/dropcap] que é que podemos ver em “Nocturno”? A exposição é constituída por 30 quadros. São obras sobre ruas silenciosas de Macau e, por isso, representam um contraste com o ambiente diurno do território, em que os espaços estão cheios de gente. As pessoas que virem os meus quadros vão sentir o seu espaço nocturno. Podem entrar dentro dos quadros e sentir que andam naquelas ruas. Como é que foram escolhidas estas ruas? Não escolhi ruas novas, apesar de ser difícil encontrar ruas antigas. Desde pequeno que as ruas se têm vindo a transformar. Quando quero espaços que sempre conheci como são agora, tento ir buscar informação a documentos e fotografias antigas. Pinto-os como penso que eram antes. A aguarela é a técnica que mais usa no seu trabalho. Porquê esta escolha? Comecei a usar aguarela no exame de acesso ao Instituto Politécnico de Macau. O exame durava três horas e se utilizasse outras técnicas seria difícil de o fazer. A aguarela era um bom material. Com o tempo comecei a pintar mais e continuei a usar a técnica, até hoje. Gosto de trabalhar com aguarela porque é um material muito honesto, porque é transparente. Não mente. Cada camada é transparente, não há tinta branca, não se pode corrigir, pode ver-se tudo. As suas imagens parecem fotografias. Têm uma luz muito real. Começo o trabalho com um plano de frente, como nos trabalhos de arquitectura. É uma influência do meu avô materno, que fazia maquetes de edifícios. Gosto dos planos que fui criando e continuei com essa abordagem. Na apresentação do seu trabalho, a curadoria salienta o facto de as obras serem vazias de pessoas. Porquê esta opção? Para quem cria uma pintura, esse acto é uma forma de comunicação consigo mesmo. O artista pergunta-se o que quer pintar, como o quer fazer e que tema pretende abordar. A escolha de ruas vazias é uma forma de comunicar mais facilmente comigo. Outro aspecto que a curadoria comenta é a relação que tenta dar a conhecer entre ambiente e realidade. Como é que concretiza esta opinião? Não é fácil de explicar. Para mim, a realidade tem mais que ver com o sujeito, com quem sente e o que se sente. O que é sentido é real, é um fenómeno interno das pessoas. O ambiente, por seu lado, é o que existe, já está fixo e é exterior. Quero que as ruas que pinto transmitam aquilo que tenho como realidade e que façam sentir alguma coisa em que exista uma comunicação interna. Já foi distinguido no estrangeiro, antes mesmo de ser conhecido, como é actualmente, em Macau. Em que é que estes prémios contribuíram para a projecção do seu trabalho? Claro que os concursos estrangeiros são muito importantes. É muito difícil entrar neste tipo de competições. Percebi também o porquê da dificuldade logo da primeira vez que participei e fui a Londres ver os trabalhos seleccionados: eram todos muito bons. Eram excelentes artistas oriundos de todo o mundo. Mas acho que os criadores locais têm todas as capacidades para chegar a este patamar. No entanto, infelizmente, a maior parte dos criadores de Macau não tem motivação para o fazer. Porque é que isso acontece? Em primeiro lugar, a falta de participação em concursos internacionais tem que ver com motivos económicos. Quando concorremos mandamos primeiro os trabalhos em formato digital. Até aí tudo bem, mas caso sejamos seleccionados, como aconteceu comigo, pedem que sejam enviadas as obras. Faz parte deste momento de selecção a avaliação da obra física. No meu caso, quando soube que fui seleccionado fiquei muito satisfeito mas, minutos depois, quando me apercebi que tinha de enviar os quadros, fiquei receoso. Não é só a viagem de ida das obras. Depois temos de voltar a trazer as obras para casa. O transporte de um quadro não é barato. No primeiro ano em que participei, uma das obras seleccionadas media, com moldura, mais de 1,60 metros. Acabei por ser premiado, o que foi bom. Os artistas pensam que fica muito caro concorrer a este tipo de iniciativas, mas penso que o que deveriam ponderar é que estes gastos são um investimento que fazem neles próprios. Os criadores de Macau ainda não têm noção disso. O que vemos é que o máximo que conseguem é uma exposição no território e acabam por nem pensar ir mais longe do que isso. Acha que os artistas de Macau têm talento para avançar? Sim. Há muitos artistas com qualidade. No entanto, existem outras dificuldades que têm de enfrentar. Uma delas é a língua. Muitas vezes é necessário o domínio do inglês, pelo menos. No meu caso, este é um aspecto que não me preocupa porque acho que o que vai comunicar verdadeiramente é o meu trabalho. Há também aqueles artistas que acham que não vale a pena tentar. Podia ser dado algum apoio para que os artistas locais pudessem ter mais acesso a estes concursos internacionais? Sim. No segundo ano que concorri a um concurso no Reino Unido, tive um subsídio do Instituto Cultural de 20 mil patacas. Este ano não tive. No entanto, apesar da ajuda, penso que este montante não cobre as despesas, porque estar em Inglaterra também fica muito caro. O que pensa fazer depois de “Nocturno”? Tenho estado com alguns trabalhos na área do design para ganhar experiência. Estou também a pensar em novos projectos e quero fazer uma instalação. Neste momento estou a definir o conceito. Para trabalhar com instalações é necessário ter um suporte económico, pelo que estou a ver formas de o conseguir. Quais são as maiores dificuldades que os artistas locais enfrentam? As rendas das casas e dos espaços. As pessoas não têm lugar para criar. Há 20 anos, por exemplo, era possível ter um estúdio ou um espaço grande num edifício industrial. Agora, com os preços que se praticam, é impossível. Não há espaço para criar em Macau. Por outro lado, e no que respeita à educação, penso que os responsáveis deveriam concentrar-se na formação de artistas locais. As escolas, por exemplo, são capazes de gastar 500 mil patacas para mudar de computadores que vão estar actualizados apenas por cinco anos, mas não disponibilizam 30 mil patacas para comprar um forno de cerâmica que dura mais de 30. Esta mensagem de priorizar a tecnologia sobre a arte vai ser percebida pelos alunos que vão acabar por seguir o exemplo: dar menos importância à arte. Qual é o papel da cultura e da arte na sociedade? A arte é tudo. Em todas as circunstâncias as pessoas usam arte e a criação. Por exemplo, para nos vestirmos é necessário que alguém crie os modelos: é necessária a arte. Todas as sociedades têm de ter uma noção de beleza, o que é muito importante. Se isso não acontecer, as pessoas acabam por fazer apenas cópias. Acabaria por ser tudo igual.
Hoje Macau China / ÁsiaCorrupção | Ex-chefe das estatísticas condenado a prisão perpétua [dropcap style≠’circle’]W[/dropcap]ang Baoan, ex-director do Gabinete Nacional de Estatísticas (GNE) chinês, organismo encarregado de calcular e anunciar os dados económicos do país, foi condenado na quarta-feira a prisão perpétua, por aceitar subornos, informou a agência noticiosa oficial Xinhua. A sentença foi anunciada pelo Tribunal Popular Intermédio de Zhangjiakou, que ordenou o confisco de todos os bens de Wang e a sua privação de direitos políticos para sempre. O tribunal considerou Wang, 52 anos, culpado por aceitar subornos no valor de mais de 153 milhões de yuan durante os diferentes cargos que ocupou na Administração Estatal dos Impostos, Ministério das Finanças, governo provincial de Heilongjiang e no GNE. A investigação contra Wang foi anunciada em Janeiro de 2016, uma semana depois de este ter anunciado, em conferência de imprensa, os dados referentes ao crescimento da economia chinesa no ano anterior. Em Agosto passado foi expulso do Partido Comunista Chinês (PCC). A Comissão Central de Disciplina e Inspecção do PCC acusa-o de “falta absoluta de convicções políticas”, de se “envolver regularmente em actividades supersticiosas”, ou “fazer discursos contra os princípios do PCC”. Wang é um funcionário na “bancarrota moral”, considerou o órgão máximo anti-corrupção do PCC, acusando-o de frequentar hotéis e locais de luxo e de usar a sua posição para obter dinheiro e favores sexuais, “de forma insaciável”. Segundo a Xinhua, Wang recebeu uma sentença “benévola”, por ter cooperado com as investigações, entregue os ganhos obtidos ilegalmente e admitido os seus crimes. Cheios de penas Na quarta-feira, foram anunciadas as penas de vários casos de corrupção envolvendo figuras proeminentes na China, como a sentença a seis anos de prisão de Chang Xiaobing, o ex-presidente das estatais China Telecom e China Unicom, também acusado de receber subornos. O antigo vice-governador da província de Sichuan, centro do país, Li Chengyun, foi condenado a dez anos de prisão acusado do mesmo crime. Lu Ziyue, presidente da câmara da cidade portuária de Ningbo, foi também condenado a prisão perpétua por receber subornos. Após ascender ao poder, o Presidente chinês, Xi Jinping, lançou uma campanha anti-corrupção, hoje considerada a mais persistente e ampla na história da China comunista, e que resultou já na punição de um milhão de membros do partido. Os alvos incluíram oficiais menores, a que Xi se refere como “moscas”, mas também mais de uma centena de “tigres” – altos quadros do partido, com a categoria de vice-ministro ou superior. Os dois casos mais mediáticos envolveram a prisão do antigo chefe da Segurança Zhou Yongkang e do ex-director do Comité Central do PCC e adjunto do antigo presidente Hu Jintao, Ling Jihua.
Hoje Macau China / ÁsiaChina | Empresa que fabrica sapatos Ivanka Trump rejeita acusações [dropcap style≠’circle’]U[/dropcap]ma empresa chinesa que fabrica sapatos para a marca da filha do Presidente norte-americano, Donald Trump, rejeitou ontem as acusações de salários baixos e tempo de trabalho excessivo feitas por três activistas que se encontram detidos ou desaparecidos. Hua Haifeng, um dos investigadores da organização não-governamental norte-americana China Labor Watch, foi detido por vigilância ilegal, segundo avançou a agência The Associated Press. Dois colegas seus – Li Zhao e Su Heng – estão desaparecidos. Os três estavam a elaborar um relatório sobre as condições de trabalho na Huajian, empresa chinesa que produz sapatos da marca Ivanka Trump, que incluía acusações de salários baixos, tempo de trabalho excessivo e abuso de estagiários. “Estamos chocados”, disse Long Shan, porta-voz do grupo Huajian, num e-mail enviado à Associated Press. “Vocês avançaram com informações falsas que não são baseadas em factos, e sem o nosso consentimento”, refere. Long afirmou que a empresa parou de produzir sapatos Ivanka Trump há vários meses e revelou que Hua Haifeng trabalhou no grupo em Maio, por menos de uma semana, enquanto Su Heng entrou para a fábrica no final de Abril, mas saiu pouco tempo depois. A porta-voz do grupo disse ainda desconhecer onde estão os dois homens. Problemas de expressão Long disse que acusações de que os patrões abusavam verbalmente dos funcionários, inclusive insultando-os, têm como base mal-entendidos. “É o dialecto local a ser utilizado como linguagem de gestão”, disse. A porta-voz afirmou ainda que a Huajian está a investigar alegações sobre o uso impróprio de estagiários. Nos últimos 17 anos, a China Labor Watch tem investigado as condições de trabalho nos fornecedores chineses de algumas das empresas mais conhecidas a nível mundial, mas nunca tinha atraído o escrutínio do aparelho de segurança chinês, segundo Li Qiang. O caso levantou questões sobre se os interesses comerciais da família Trump na China podem influenciar a posição norte-americana na promoção dos direitos humanos.
Paulo José Miranda Em modo de perguntar h | Artes, Letras e IdeiasKaradeniz: “Não sinto culpa por ter matado quem matei” (Continuação) [dropcap style≠’circle’]C[/dropcap]ostumam encontrar-se? Raramente. Ele vem cá uma ou outra vez, mas eu nunca vou a Londres. Por vezes, o T. também vem a Istambul e nem sequer tem tempo para me visitar. Não tem medo que, depois de publicar esta entrevista, ele reconheça o pai? Não, Paulo! Não acredito que o livro venha a ser muito conhecido e menos ainda que o T. o possa vir a ler. Ele nunca lê, para além do que tem que ver com o seu trabalho. Que idade tinha o Karadeniz, quando a sua mulher se separou, quando ela deixou Istambul e regressou a Londres? Tinha 49 anos. O T. era uma criança com nove anos. Ainda na década de 70… Sim, em 1975, precisamente. A B. não voltou a casar? Não. Julgo que teve namorados, mas foi sempre muito discreta em relação a isso, por causa do filho. Não lhe deve ter sido difícil, ela não era uma mulher muito fogosa, não tinha muita necessidade de ter relações sexuais. Quando acontecia fazermos amor gostava, mas não eram muitas as vezes que lhe apetecia. Quanto à solidão, ela não a deveria sentir rodeada de tantos gatos. Os gatos eram o verdadeiro amor da sua vida. Os gatos que tinha aqui em Istambul, deixou-os cá? Nem pensar! Enviou-os todos por barco para Inglaterra. E o Karadeniz voltou a ter namoradas? Voltei, claro! Mas nunca nada sério. Mais tarde, comecei a preferir ir a Zurique, ficar bem instalado no Ritz e telefonar a uma agência de acompanhantes. Ainda mata gatos? Não! Não os posso nem ver, mas já não os persigo. Há muito que deixei de matar o que quer que seja. E quando vê um gato lembra-se da sua mulher? Isso é inevitável! E a solidão, o Karadeniz não se sente só? Não, Paulo! Leio bastante, como sabes, oiço os meus discos de jazz e vejo filmes. Mas a leitura e a música é que são as minhas companhias. Sempre leu muito ou foi influência da sua mulher? Sempre li muito, Paulo! Lia muito mais do que B. Com a porcaria dos gatos, ela não tinha tempo nem disposição para ler. Sempre leu muito poesia, como parece que lê agora? Sempre! Ao longo da minha vida, as minhas leituras foram sempre divididas entre os livros técnicos, de engenharia, física, química, matemática e os livros de poesia. Mas a leitura é e sempre foi para mim uma actividade nocturna, o que realmente ocupa mais o meu tempo, as horas dos dias, é a minha colecção de coisas. Comecei a adoptar coisas quando percebi o amor não correspondido pelo meu filho. Guardo isso tudo em uma outra casa, do outro lado do Corno de Ouro, muito perto de Eminonu. 4. A COLECÇÃO Eminonu é um grande centro de chegadas e partidas dos vários destinos de Istambul. Os turistas conhecem certamente o Bazar Egípcio (de especiarias), a mesquita de Suleyman e o pequeno porto onde estão atracados os barcos que os hão-de levar a passear ao longo do Bósforo. Mas para quem vive em Istambul, Eminonu é principalmente um centro de comércio barato, com centenas de lojas onde tudo se compra e a todos os preços. Quando se pensa em Eminonu, pensa-se imediatamente na ponte de Gálata, com dezenas de homens em cima a pescaram e outras dezenas debaixo dela a beberem cerveja e a comerem petiscos. Ao contrário da maioria dos turcos, Karadeniz preferia o xadrez ao gamão. Quando comecei a acompanhar Karadeniz à casa da colecção, parávamos sempre debaixo da ponte para umas cervejas e um rápido jogo de xadrez. Descrever aquela casa é de uma dificuldade extrema. O que primeiro se vê é o pó. O pó é o verdadeiro habitante da casa. Depois, assim que conseguimos ver onde estamos, o nosso horizonte é preenchido por pilhas de jornais que, em alguns sítios, chegam quase ao tecto. E, por todo o lado, os objectos desafiam o vazio, conquistam o espaço. Para um humano, depois da estupefacção, a dificuldade maior naquela casa é mover-se. Para além do pó, que nos atrapalha a visão e nos dificulta a respiração, os jornais e os outros objectos são como minas que temos de evitar. Caminha-se naquela casa como na guerra: a medo e como se pela primeira vez estivéssemos na vida. Karadeniz, o que é isto? (risos) Tens toda a razão, a pergunta é o que é isto! Isto é uma espécie de colecção. Uma espécie?… Sim, Paulo, uma espécie de colecção. Mas porque é que não lhe chama colecção? Porque todas as colecções têm um critério ou critérios; esta não tem critério nenhum. Uma colecção sem critério é um amontoado de coisas. É o que isto é: um amontoado de coisas. Esta colecção é precisamente o contrário do que foi a minha actividade de matar pessoas selectivamente. Matei criteriosamente e salvo objectos a-criteriosamente. Salva objectos?… Sim, o que eu faço é salvar objectos. À excepção dos jornais, que devem ser guardados em alguma biblioteca, os outros objectos vão perder-se no tempo, se não forem guardados por alguém. Hoje em dia as pessoas deitam tudo fora, não guardam nada. Deitar coisas fora define muito bem este nosso tempo. Amontoar coisas aqui nesta casa é uma tentativa de salvar o tempo de si próprio, de salvar estas coisas do tempo. Paradoxalmente, salvá-las do tempo é mantê-las no tempo. Mas que tipo de coisas é que salva, pode ser mais específico? Por exemplo, as etiquetas das camisas, das camisolas, das cuecas, das meias, das calças, de refrigerantes, de vinhos, de cervejas. Etiquetas que recorto e plastifico com as informações da data de compra, o preço e o lugar onde as adquiri. Mas também guardo um exemplar de cada uma dessas coisas, sem as tirar dos plásticos ou das caixas originais. Por isso é que a casa está impossível de ser habitada. Felizmente não preciso de viver aqui. E também tem aquelas coisas que são mais usuais serem coleccionadas: selos e moedas? Também! Tenho selos e moedas de quase todo o mundo, e algumas das moedas são muito antigas e de valor incalculável, mas não têm organização nenhuma; não seguem um critério. São coisas que vou comprando e juntando. O Karadeniz vê esta sua actividade de juntar coisas como uma atenuante da sua antiga actividade? Não, Paulo! Já te disse que não sinto culpa pelos trabalhos que fiz. Não sinto culpa por ter matado quem matei. Junto estas coisas porque não tenho um filho. Porque, para o T., eu não sou um pai, sou um parente afastado. A evidência da falta de amor do meu filho é que fez com que estas coisas se juntassem aqui. Não vê, portanto, nenhuma relação entre o seu passado e estas coisas? Para além de serem inversamente paralelas quanto ao critério, não! E como é que as adquire? Ando pelas ruas e pelos mercados de Istambul, vejo coisas que me interessam e compro. Algumas, compro porque são estranhas, quase insólitas, como por exemplo uma lanterna que comprei no mercado polaco, que só trabalha com força manual, vamos apertando como se exercitássemos os pulsos e dá luz. Outras, compro porque me parecem marcas importantes de pequenos períodos do tempo, como por exemplo aquelas garrafas de refrigerante que traziam um berlinde lá dentro. Sempre há algum critério! Mas não é um verdadeiro critério, Paulo! Vamos lá a ver uma coisa: podemos também considerar critério o facto de eu ir com regularidade a esse lugares à procura de coisas ou comprar os jornais todos os dias. Mas o critério de uma colecção deve residir no interior da colecção e não fora dela. Uma colecção é sempre restrita. Uma colecção é sempre alguma coisa em detrimento do resto das coisas. Para mim, são todas as coisas, exceptuando as que não cabem aqui dentro de casa, porque também gostava de ter aqui uma betoneira ou uma grua, mas não cabe. Uma colecção é a condensação de uma fracção do mundo. A minha colecção é uma ambição de condensar o mundo ou, pelo menos, este tempo por que passamos no mundo. Segundo o ponto de vista do coleccionador, a minha colecção é uma aberração. A minha colecção é uma tentativa de congelar o tempo por que passamos. Uma verdadeira colecção está sempre fora do tempo, isto é, atravessa-o longitudinalmente.