Tiananmen | Censura e educação causam “amnésia” sobre massacre

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] chinês Jiahao nasceu em 1989, o ano em que a sangrenta repressão do movimento de Tiananmen abalou a China, mas foi só quase três décadas depois, quando estudava nos EUA, que descobriu o que se passou.

“Só então entendi porque punham as pessoas uma expressão que era um misto de curiosidade e cautela, quando me perguntavam o que eu achava do 4 de Junho”, lembra Jiahao à agência Lusa.

Iniciado por estudantes da Universidade de Pequim, o movimento pró-democracia da Praça Tiananmen foi esmagado pelo exército na noite de 3 para 4 de Junho de 1989, quando os tanques do exército foram enviados para pôr fim a sete semanas de protestos.

O número exacto de pessoas mortas continua a ser segredo de Estado, mas as “Mães de Tiananmen”, associação não-governamental constituída por mulheres que perderam os filhos naquela altura, já identificaram mais de 200.

Natural de Pequim e fluente em inglês, Jiahao teve que pesquisar no Google – motor de busca bloqueado na China-, para saber do que se tratava, ilustrando o sucesso do Governo chinês em censurar qualquer informação relativa ao episódio.

“A China tem sido notavelmente bem-sucedida em eliminar a memória” da repressão de há 28 anos, diz Louisa Lim, investigadora que escreveu um livro sobre o movimento.

A autora do “The People’s Republic of Amnesia: Tiananmen Revisited”, publicado em 2014, diz mesmo ter ficado “chocada com o nível de ignorância sobre as mortes dos estudantes chineses em 1989”.

Desde que o Presidente chinês, Xi Jinping, ascendeu ao poder, em 2013, passaram a existir “movimentações no sentido de prevenir actos de homenagem privados”, como a “detenção de pessoas que se reúnem à porta fechada”, em memória das vítimas, conta a académica ligada à Universidade de Michigan.

Nem o ‘boom’ do número de cibernautas no país – são já cerca de 730 milhões – parece abalar a censura, que tem conseguido controlar a informação difundida na rede.

Por outro lado, a educação patriótica promovida após o massacre desviou também a atenção das novas gerações chinesas para as preocupações económicas, em detrimento das políticas.

Muitos jovens chineses têm hoje outras prioridades, “mais tangíveis”, como “encontrar emprego ou comprar uma casa”, conta Lim.

Outros valores

Desde 1989, a economia chinesa cresceu, em média, quase 10% ao ano, o triplo da média global.

A China é hoje a segunda maior economia do mundo e principal potência comercial do planeta, tendo-se convertido numa potência capaz de disputar a liderança global com os EUA.

Chen Xi, 28 anos e gestor de compras num hospital de Pequim, diz que Tiananmen “pertence à geração dos seus pais.”

“A política não me interessa muito”, aponta. “Aquilo que sei é através de conversas entre os meus pais, que de vez em quando comentam o que se passou”.

As autoridades defendem que a acção do Governo, em 1989, foi necessária para abrir caminho ao crescimento económico, e que se o exército não interviesse, “a China mergulharia no caos”, como aconteceu em outros países socialistas.

Louisa diz que se trata de “uma justificação retrospectiva da repressão”, que se tornou numa “corrente dominante na China”, até porque “as pessoas podem ver que as suas vidas são melhores do que a que os seus pais e avôs tiveram”.

O uso da força, contudo, foi “claramente uma movimentação política, com o intuito de enviar a mensagem de que movimentos coordenados não seriam tolerados”, defende.

E a julgar pelas declarações de Cheng Yunhui, jovem natural de Pequim, o massacre parece ter surtido o efeito desejado.

“Se apelares aos estudantes de hoje para se unirem em torno de uma causa, duvido que tenham o mesmo voluntarismo”, diz. “As pessoas tornaram-se apáticas”.

Em Macau, os acontecimentos de Tiananmen foram lembrados com uma vigília na praça do Leal Senado.

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