É difícil ser mulher

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] regular leitor deste excerto temático saberá que tenho uma natural tendência para discutir a condição feminina nos dias que correm. Às vezes ser mulher não é fácil, já cantava a Tammy Wynette, que termina com um refrão que só exalta a representação feminina de dependência daquela altura – stand by your man. Esses eram tempos nos 60s de música country  que espelhavam realidades conjugais ainda bastante tradicionais. Agora já se fala do amor, do matrimónio, de homens e mulheres de maneira diferente, ou pelo menos tenta-se. Contudo, e isto parece persistir ao longo do tempo, ser mulher continua a não ser fácil.

Como todos bem sabem, há países onde as mulheres ainda não têm direitos. Na Arábia Saudita só muito recentemente lhes foi concedida a possibilidade de assistirem a um jogo de futebol num estádio – e isto não podia ser mais mundano. As mulheres permanecem limitadas na sua expressão mental, emocional e sexual com risco de serem mortas porque dizem e fazem aquilo que querem. Estive atenta à história de Qandel Baloch no Paquistão, uma estrela das redes sociais, que foi morta pelas mãos do irmão por estar a ‘desonrar’ a família com a sua honestidade online.

Até em sociedades ditas civilizadas e onde os direitos políticos e de representação já foram atingidos, há dificuldades que teimam a ser ultrapassas. Reparem na Google, que muito recentemente se viu alvo de atenção pública em torno da diferença salarial entre mulheres e homens. Uma empresa tão incrivelmente progressiva, com políticas de bem-estar laboral de ponta! Mas surpresa: paga muito mais aos homens do que às mulheres. O pior é que ainda tem de se discutir se esta é uma questão ou não, porque os nossos problemas estruturais e endémicos dificultam o reconhecimento de que a discriminação de género ainda é uma realidade.

Culpo os papéis de género que tornam as expectativas sociais demasiado estáticas, demasiado inflexíveis, e por vezes, demasiado incompatíveis. Ser mulher é ser cuidadora, esposa, mãe, filha, emocional, bonita, que se cuida, carinhosa, frágil e vulnerável, sempre muito vulnerável. Estas características frequentemente se contrapõem com outras formas de ser e estar e entram em conflito pessoal e social. Dou-vos outro exemplo igualmente mundano: em pleno séc. XXI, uma mulher com pêlos nas pernas ainda é uma ‘novidade’ e vai ser alvo de olhares de surpresa e provavelmente de algum desdém.

Para além da representação feminina temos também a anatomia feminina – o corpo de mulher – que não é de todo a característica de definição exclusiva. Esta anatomia de mamas, útero, ovários, vagina e vulva exige cuidados e um entendimento particular do corpo, corpo esse que está preparado para o sexo, para menstruar e parir. As mulheres, porque são mulheres e carregam uma história de discriminação e negligência, vêem os seus corpos a serem entendidos por poucos. As femininas mais militantes dirão que esta negligência, em particular, no contexto médico, é uma forma de controlo social – eu diria que não é tão propositado, mas sintomático do que a mulher sempre representou ao longo de tanto tempo. Não é por acaso que sintomas relacionados com o transtorno pré-menstrual ainda são mal diagnosticados.

Contudo, ser mulher não é sempre difícil, depende muito das coordenadas da nossa nascença, que ditam a facilidade com que se pode ser do sexo feminino. Ser mulher, acima de tudo, pressupõe uma ou outra batalha que ainda tem que ser travada. As representações populares do feminino precisam de uma reviravolta de vez em quando, para agitar os (ainda demasiados) corações tradicionais e conservadores. Querem-se mulheres com ou sem mini-saia, com ou sem pêlos nas pernas, emocionais e analíticas, enfermeiras e engenheiras. Mulheres que querem ser elas próprias.

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