Macau a brincar

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] jornal que tem nas mãos contou esta semana uma história sobre a qual vale a pena reflectir: um licenciado em Macau que pretenda dar aulas, independentemente da formação de base que tenha, garante facilmente o acesso à carreira de docente com uma pós-graduação de apenas um ano. O curso é leccionado na Universidade de São José e fortemente incentivado pelos Serviços de Educação e Juventude, que contribuem com parte substancial das propinas.

Não discuto a qualidade da universidade e da pós-graduação, o modo como o programa é dado ou o sentido de oportunidade de quem, não tendo estudado para professor, aproveita para mudar de vida através deste curso. Tenho a certeza de que há pós-graduados com uma indiscutível vocação para o ensino – e por isso mesmo é que voltam aos livros, depois de terem concluído licenciaturas em áreas como o Marketing e o Design, para poderem abandonar os computadores e as reuniões de adultos chatos, e ganharem instrumentos para lidarem com crianças, os únicos seres mais ou menos puros que encontramos por aí.

Já as intenções dos Serviços de Educação e Juventude me suscitam dúvidas, das mais profundas. É óbvio que o Governo, ao apoiar de forma tão expressiva a pós-graduação em causa, tentou (e aparentemente conseguiu) uma saída airosa para um problema grave de Macau: a falta de professores. E está a dar a volta a este difícil texto indo ao encontro dos desejos proteccionistas de alguns sectores – formam-se professores à pressão e evita-se, deste modo, a contratação ao exterior.

Por melhor que seja o curso, um ano não são quatro nem cinco, o tempo que um professor passa numa universidade. Noventa horas de estágio não são um ano de estágio. Por melhor que seja o aluno da pós-graduação e por muito talento que tenha, é impossível que termine o curso da Universidade de São José com o mesmo nível de preparação de pessoas que passaram vários anos a estudar para depois poderem ensinar.

A questão política: ao não exigirem um elevado nível de preparação académica aos docentes de Macau, os Serviços de Educação e Juventude estão a banalizar a profissão. E ao banalizarem a profissão, estão a desvalorizar uma das áreas mais importantes do funcionamento de uma sociedade. A educação é tão importante quanto a medicina, porque um aluno sem uma boa formação jamais poderá salvar vidas; a educação é tão importante quanto o direito, porque um aluno mal formado jamais poderá ser um juiz ponderado; a educação é tão importante quanto a engenharia, porque jamais um aluno com dificuldade em fazer contas será capaz de pensar numa ponte ou num prédio. A educação é importante porque sem ela é difícil termos boas pessoas e bons cidadãos.

Eu, jornalista de profissão mas também de formação, posso frequentar uma pós-graduação em Direito. No entanto, este curso não me garante – e ainda bem que assim é – o acesso à advocacia, nem faz de mim jurista. Seria um escândalo se tal acontecesse. Não consigo entender por que razão não é um escândalo que a formação dos nossos filhos e dos filhos dos nossos vizinhos possa estar nas mãos de quem – mais uma vez, independentemente do talento, vocação e conhecimentos – não passou uns bons anos a estudar para ser educador de infância ou professor.

A história da pós-graduação da Universidade de São José é, de certo modo, um bom exemplo de como Macau funciona em diversos aspectos: isto é tudo mais ou menos a brincar, que a malta é porreira e não se passa nada. Assobia-se para o lado e para se tapar um buraco destapa-se outro, que a manta é curta. Mas isso depois logo se vê – aqui entre nós que ninguém nos ouve, pode ser que passe entre os pingos da chuva.

23 Out 2016

Rita Amorim O, psicóloga clínica | Uma mulher de família

[dropcap]R[/dropcap]ita Amorim O é psicóloga clínica mas, e acima de tudo, é uma mulher de família. Chegou a Macau há cinco anos. Casada com um designer com ligações ao território, foi opção conjunta, após o nascimento da primeira filha, tentar a vida neste lado do mundo. “O início foi muito complicado”, afirma Rita Amorim O, ao recordar a chegada com um bebé nos braços.

Apesar de já conhecer a cidade, “mas só de passar férias”, os primeiros tempos foram marcados principalmente pelas dificuldades enquanto jovem mãe. No entanto, e rapidamente, ambientou-se, até porque considera que “o ser humano tem uma capacidade de adaptação muito maior do que se imagina” e hoje vê Macau como sendo também a sua casa.

“É uma cidade muito generosa”, principalmente para quem tem filhos. Para a psicóloga, Macau é um lugar onde existe tempo. “Vinha de Lisboa, uma capital onde só se corre de um lado para o outro e com uma outra dimensão, enquanto aqui está tudo muito mais à mão.” Para ilustrar a qualidade de vida com que foi surpreendida, Rita Amorim O lembra que, “na altura, conseguia almoçar todos os dias em casa, aproveitava muito a bebé”.

A vida mudou e o tempo também mas Macau continua a ter mais-valias. “Continuo a achar que esta terra é muito generosa para quem tem filhos pequeninos, por exemplo”, apesar de muita gente ter o hábito de se queixar de que não há nada para fazer. “Claro que as actividades que fazemos dependem um bocadinho da rede social que nos envolve mas, por exemplo, em Portugal temos de partilhar o nosso tempo com a nossa família e o fim-de-semana por vezes é passado com almoços entre pais e sogros” e o tempo para os amigos escasseia. O mesmo não acontece em Macau. Com menos família a requisitar horas “conseguimos partilhar melhor o tempo com toda a gente”, explica Rita Amorim O. “Conseguimos combinar sempre coisas diferentes: uma ida ao parque ou mesmo a estes casinos todos que já contam também com espaços dedicados a quem tem filhos.”

Por outro lado, e para a mãe de família, o tempo pode passar-se muito bem por cá e mesmo a usufruir de actividades ao ar livre. “A Taipa tem agora uma marginal espectacular e, se quisermos, passa-se ali uma tarde com as crianças a andar de bicicleta, numa zona bonita e a aproveitar um programa de que todos gostamos”, ilustra, acrescentando que “isto são coisas que nos ajudam muito mais do que aquilo que possamos imaginar.

De mãe para mãe

Rita Amorim O não separa a vida pessoal da escolha profissional. A psicóloga é uma das fundadoras da “Moms”, um projecto ao qual dá o coração para ajudar as famílias da terra. A iniciativa surgiu da necessidade que a própria sentiu quando cá chegou relativamente ao apoio à parentalidade. “Temos vários projectos que vão desde a preparação para o parto ao apoio às rotinas do bebé. Também fazemos cursos de massagens a crianças e formação para quem dedica a vida a tomar conta dos mais pequenos.” Paralelamente, também dá consultas no âmbito da psicologia da família.

“A maternidade está realmente sempre presente, na vida e na profissão” conta, ao mesmo tempo que recorda que “acabou por acontecer naturalmente, apesar de sempre ter sido muito maternal”. No fundo, o projecto começou com o nascimento da segunda filha, “correu tudo muito bem mas, pelo facto de não falar chinês, senti-me pouco apoiada”. Juntou-se a Maria Sá da Bandeira, que é sua sócia, e optaram por trabalhar nesta área, de modo a ajudar as mães que não falam chinês. Com a iniciativa, a “Moms” acaba por ser pioneira neste tipo de iniciativas que cada vez mais recebem mulheres chinesas. Para já, são apenas casos cujo cônjuge é ocidental, mas já representa uma nova etapa.

Para o futuro é o sucesso da “Moms” que ocupa as preocupações de Rita Amorim O. Tal como ver um filho a desenvolver-se, o desejo da psicóloga é ver este projecto também a crescer. “Nem tudo acontece, por vezes, no tempo que queremos e há momentos em que as coisas não são fáceis, mas continuaremos a fazer tudo pelo sucesso da ‘Moms’”, remata.

23 Out 2016

Ano Judiciário | Funcionamento do MP normal após detenção de Ho Chio Meng, diz procurador

 

O actual procurador da RAEM garante que está tudo bem no funcionamento do órgão judicial, após a detenção de Ho Chio Meng. Já Neto Valente criticou o facto de ainda não ser conhecida a acusação

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] caso de corrupção mais mediático a seguir a Ao Man Long foi ontem citado na abertura de mais um ano judiciário. Ip Son Sang, actual procurador da RAEM, usou o discurso para dizer que a prisão do seu antecessor, Ho Chio Meng, não trouxe alterações na forma de funcionamento da justiça e do órgão judicial.

“O funcionamento do Ministério Público (MP) decorreu com normalidade no exercício das suas funções jurisdicionais. À luz da exigência do regime jurídico relativamente à aquisição de bens e serviços, e concessão de obras públicas vêm aperfeiçoando [o procurador e funcionários administrativos] o nosso sistema financeiro e de contabilidade, a fim de ver garantida a legalidade e transparência desses procedimentos dentro da nossa instituição. Estamos confiantes de que o funcionamento do sistema financeiro do MP não merece reparo de fiscalização e vigilância dos mecanismos existentes, bem como de toda a sociedade”, defendeu Ip Son Sang.

O procurador referiu que a prisão de Ho Chio Meng espelha dois lados da mesma moeda. “Esta ocorrência pode levar a que a sociedade ponha em causa o bom funcionamento do MP. Mas, se virmos noutra perspectiva, o apuramento dos factos no respectivo inquérito e subsequentes trâmites processuais revelam justamente que a RAEM concretiza escrupulosamente o princípio do primado da lei que vem consignado na Lei Básica, e cumpre firmemente as exigências da actuação em estrita conformidade com a lei e a sua execução rigorosa.”

Demorada acusação

A prisão de Ho Chio Meng aconteceu em Fevereiro deste ano, mas as razões que levaram à sua detenção ainda não são conhecidas do grande público. Só no passado dia 19 de Setembro se confirmou que já havia uma acusação formal apontada ao ex-procurador. Essa demora foi ontem criticada por Jorge Neto Valente à saída da cerimónia de abertura do ano judiciário.

“Até agora ainda não foram tornados públicos os motivos pelos quais o ex-procurador foi detido, num processo que começou há longos meses. Isso também é triste para mim, o facto de constatar [a demora] de um processo, da detenção de um altíssimo responsável da estrutura da RAEM. Diziam que já tinham as provas todas e, afinal, fica detido longos meses e só ao fim de muitos meses é que sabe do que é acusado. Não é só o caso dele – é apenas mais mediático. Há muitas pessoas que são detidas com o anúncio de que já estão reunidas todas as provas e depois passam longos meses presas à espera que seja deduzida acusação”, rematou.

Neto Valente disse ainda concordar com Ip Son Sang em relação ao facto da prisão de Ho Chio Meng ter duas leituras diferentes. “Há duas faces nesta moeda. A primeira é que, afinal, as instituições funcionam, e até os ricos e poderosos podem ser presos. Mas quando se detém um funcionário de um alto cargo isso também significa que afinal o sistema não é grande coisa, porque permite a essas pessoas que alcancem grandes lugares. Ainda para mais houve indicações de que ele iria concorrer ao cargo de Chefe do Executivo”, lembrou o presidente da Associação dos Advogados de Macau.

 

Melhorias no MP em 2017

Ip Son Sang garantiu ainda no seu discurso que o funcionamento do Ministério Público vai passar por melhorias. “Levando em consideração a tomada de posse de novos magistrados, a concretização da actualização do sistema de gestão de processos do MP, o suprimento adequado de mais oficiais de justiça e o arranque de obras do edifício provisório, tudo a ter lugar no próximo ano, há razões para crer que no MP ocorrerá, gradualmente, uma melhoria no ambiente de trabalho.”

 

Presidente do TUI alerta para aumento dos processos ligados ao jogo

Sam Hou Fai, presidente do Tribunal de Última Instância (TUI), confirmou ontem uma tendência de aumento de processos judiciais ligados ao jogo e à “imigração clandestina”. “O número de processos relativos ao jogo ilícito e ao sequestro fixou-se em 697, mais 193 processos e um acréscimo de 38,29 por cento face ao ano judiciário antecedente. Ocorreram ainda vários casos em que o sequestro resultou na morte do sequestrado, o que merece a nossa especial atenção, e indicia que os conflitos ou crimes relativos à dívida de jogo já se projectaram para fora do casino. Se não forem reprimidos oportunamente, trarão certas influências negativas para o jogo, a indústria pilar de Macau”, apontou. Além disso, Sam Hou Fai alertou para uma “subida surpreendente do número de processos cíveis laborais e de processos contravencionais laborais”, algo que “deve despertar a nossa atenção”.

20 Out 2016

Adriano Jordão, fundador do FIMM: “É preciso saber levar a chama na vida”

 

O Festival Internacional de Música de Macau tem hoje ao piano, no palco do D. Pedro V, “Reencontros”, com o seu criador. Um festival que nasceu de muita vontade e que por “força do destino” trouxe Audrey Hepburn a Macau, logo na primeira edição. Adriano Jordão recorda como tudo aconteceu

 

Está aqui no trigésimo aniversário do Festival que criou…

Além de o FIMM ter sido uma ideia minha, também toquei no primeiro concerto da primeira edição. Há 30 anos estava a abrir o FIMM e estar aqui agora é uma tremenda emoção.

Como é que tudo começou?

Em primeiro lugar, sempre gostei de fazer muita coisa. Sou formado em Direito, por exemplo, mas sempre me interessei por tudo um pouco e foi aí que apareceu a música. Por outro lado, vir a Macau era um sonho que tinha desde pequeno. Começou com a oferta de umas cabaias muito bonitas que o meu avô materno tinha trazido para Portugal. Depois fui convidado a tocar em Hong Kong e foi nessa viagem que conheci a terra. Desde os primeiros contactos que tive com Macau que sonhava com um lugar mais cosmopolita e moderno, capaz de aliar as suas idiossincrasias históricas e as suas aptidões económicas à civilização cultural, com a componente ocidental que tanto o diferencia. Já na altura e com as características de Macau pensei que existiam duas soluções: que isto pudesse ser Las Vegas ou Mónaco, e eu preferia o Mónaco, claro.

Foi por isso que pensou num Festival Internacional de Música?

Pensei logo que um acontecimento musical de primeiro plano a nível mundial atrairia a Macau a inteligência cultural e embelezaria a sua imagem internacional. Tinha tido uma excelente experiência no Festival Internacional dos Açores e resolvi propor ao então recém-nomeado Governador Pinto Machado a realização deste evento, desafio que aceitou de imediato. Foi um ano de trabalho muito árduo e, quando tudo parecia estar resolvido, alguma coisa emperrava o sistema e recomeçava-se do zero.

Pensou em desistir?

Pensei mesmo que o projecto morria quando o seu primeiro defensor cessou funções. Mas chegou o Eng. Carlos Melancia que acabou por ser um elemento crucial. No entanto, é de notar, as reacções negativas vinham sempre da parte portuguesa e nunca da parte chinesa. Os entraves foram muitos e numa reunião com o Turismo, Costa Nunes sugeriu que o melhor seria ter uma grande estrela de cinema em Macau. Pedi-lhe nomes e ele avançou com o de Andrey Hepburn.

E conseguiu trazer a estrela?

Sim. Com aquelas coincidências estrelares que iluminam as nossas vidas, lembrei-me de ter visto na residência do embaixador da Holanda em Lisboa uma fotografia de Audrey Hepburn. Aproveitando o fuso horário comecei a fazer contactos e liguei para Lisboa. Para minha grande decepção soube que o embaixador tinha abandonado a carreira. No entanto, e face à minha insistência e ao meu desapontamento, a funcionária deu-me um número de Nova Iorque onde o poderia encontrar. Ganhava mais cinco horas de fuso horário. Ao falar com ele, e numa feliz coincidência, a actriz era sua familiar e tinha raízes holandesas.

 Portanto, conseguiu.

Disse-me que Audrey Hepburn falaria comigo mas que me aconselhava a que, além da música, imaginasse uma fórmula que a atraísse, visto estar numa fase em que andava mais preocupada com situações sociais. Lembrei-me da UNICEF. Menti com quantos dentes tinha na boca mas utilizei, na altura, o drama dos refugiados do Vietname e disse à actriz que gostaríamos de a ter em Macau para angariar fundos. Quando lhe perguntei pelo cachê, ela disse que não queria nada porque estaria numa acção de solidariedade. Depois falei com UNICEF que aceitou a minha sugestão. Em consequência disso, a UNICEF acabou por nomear Audrey Hepburn “Embaixadora da Boa Vontade” e deu-lhe uma razão para viver por grandes causas os últimos anos da sua vida. Foi este o primeiro FIMM e foi um sucesso.

Que critérios tinha para as escolhas do festival?

Os que sempre tive: intransigência absoluta ao nível da qualidade, equilíbrio nas presenças chinesa e portuguesa, e a internacionalização do evento.

Quantos anos durou a sua presença no FIMM?

Foram cinco anos e depois segui outros rumos.

Como é que encara as diferenças que nota em Macau, três décadas depois?

Sinto que há aqui um certo mal-estar quanto a esse assunto. Há uma certa inquietação nas pessoas ou dúvida acerca do caminho. Mas o que penso é que a vida não anda para trás, mas sim para a frente. Por vezes este andar é com coisas que não entendemos no momento e que só entenderemos depois. Vou dar-lhe um exemplo: eu, pessoalmente não gosto de ler o jornal num iPad, mas não é um erro existir essa plataforma. Gosto também muito mais de fazer compras na loja da esquina, porque era assim na minha infância, mas não sou contra os actuais centros comerciais, apesar de preferir a intimidade de um mundo que já não existe hoje.

E as mudanças na música?

Também têm sido muitas e o grande problema, hoje, é que as pessoas estão a perder as referências. O nível dos concertos, por exemplo, é muito mais baixo actualmente. Isso acontece porque as pessoas que vão ver o espectáculo estão à espera de ouvir a reprodução do CD que têm em casa e que põe no carro.

Um concerto tem de ser muito mais…

Um concerto é uma criação daquele momento. Se um concerto for feito para ser a reprodução do CD é uma porcaria. E o que temos hoje é a inversão das coisas. Mas não sei se, infelizmente, não estaremos no caminho do fim dos concertos. Para conseguirem vingar, as pessoas começam a fazer concessões até não se sabe onde e a achar que afinal não é assim tão mau. Só esse pensamento já é péssimo. Depois, quanto maior a concessão, menor a qualidade. O problema de hoje, no geral, é que todos optam pelo que é mais fácil.

Porque é que isso está a acontecer?

Esse é o lado perverso contra o qual me revolto e que tem que ver com a tecnologia. Não tenho nada contra e até sou a favor, a minha repulsa é pelo modo como é usada. Somos nós que a temos que dominar e não o contrário. Esse é o grande ponto. E este monstro do computador pensante, que já criámos, vai ser desastroso. Os nossos neurónios, com as ajudas virtuais, começaram a ser muito menos utilizados. Basta recorrermos ao exemplo dos números de telefone. Antigamente todos sabíamos os números de todos e agora ninguém sabe o de ninguém, porque nos apoiamos na lista do telemóvel. O pensamento começou a deixar de ser tão utilizado a partir de Gutenberg. Foi a primeira revolução tecnológica. Não foi o Gutenberg que foi mau; mau foi termos deixado de usar o cérebro. O problema é que depois a preguiça começa a tomar conta de nós. E a memória treina-se e as pessoas já não o estão a fazer. Até na música. A música tem de ser tocada sem partituras. É preciso saber levar a chama na vida. As pessoas têm de saber aquilo por que lutam e ir à procura disso mesmo. Claro que é mais fácil estar no sofá em casa e acender uma chama artificial. Mas o levar a chama na música é fundamental e integra as suas referências.

Quais são essas referências?

Em primeiro lugar, é perceber que na música não há verdade. Por exemplo, das coisas que mais gosto e detesto na vida é integrar um júri internacional. Gosto, porque é muito bom ver e ouvir a música que os jovens andam a tocar, mas detesto porque tenho a certeza absoluta que vou ser sempre injusto. Por exemplo, o mesmo concorrente visto por júris diferentes tem classificações também diferentes. O problema não está no jovem, está no júri, e essa sensação de que a justiça não existe não me é nada agradável.

 Anulavam-se os concursos?

Não, mas sou adepto de que não haveria hierarquização de lugares nos concorrentes vencedores. Elegiam-se três primeiros lugares. Os concursos são importantes porque trazem metas e são motor de trabalho mas deveriam ser feitos de outra forma. Mas, lá está, na música não há verdade.

O que é que podemos esperar do concerto de hoje, deste “Reencontros”?

É isso mesmo. É o meu reencontro com o FIMM. Fui convidado agora pela direcção chinesa do festival, e venho aqui. Continuo a gostar muito de Macau e a ter respeito por esta terra. É por isso que não estou cá com aquela postura saudosista daquele Macauzinho bonito do passado e que está na história. Agora, este mundo é diferente. É nele que estou e é na RAEM que também me reencontro. Temos é de estar abertos para o futuro.

 

20 Out 2016

Ano Judiciário | Neto Valente fala de confiança abalada na justiça graças à Lei de Terras

Na abertura do ano judiciário, o presidente da Associação dos Advogados de Macau garantiu que a confiança na justiça local ficou abalada após a implementação da Lei de Terras, tendo alertado para a existência de desinvestimento. Já o presidente do TUI referiu-se à “judicialização da política”

 

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] presidente da Associação dos Advogados de Macau (AAM) levou ontem a polémica Lei de Terras à cerimónia da abertura do ano judiciário. Neto Valente alertou os presentes para a fuga de investimento e para a quebra de confiança na justiça.

O presidente da AAM falou do “impacto devastador” que a lei “teve na actividade de muitos empresários e investidores, e nos prejuízos causados a terceiros de boa-fé, habituados que estavam a confiar em soluções de transição, e que foram surpreendidos com o radicalismo das opções legais”.

“É neste quadro que muitos empresários e investidores – do exterior e da RAEM – receiam investir directamente em Macau. Muitos deles fazem investimentos por meio de empresas sediadas em BVIs (offshores nas Ilhas Virgens Britânicas) ou em Hong Kong, através das quais transaccionam os seus negócios na região vizinha, por forma a poderem, em caso de litígio, recorrer aos tribunais de Hong Kong, evitando a morosidade e as próprias decisões dos tribunais da RAEM.”

Para Neto Valente, “a percepção no exterior, especialmente em Hong Kong, do modo como funcionam os tribunais de Macau tem prejudicado a confiança nas nossas instituições e no nosso sistema jurídico”. Isto porque “os tribunais vão ter de se pronunciar nos processos que já lhes foram submetidos, e em outros que se seguirão, interpostos pelas pessoas que se consideram lesadas pela aplicação da lei de terras”.

Jorge Neto Valente é administrador da Sociedade de Empreendimentos Nam Van, concessionária de terrenos. Ontem falou na qualidade de presidente da AAM.

“Não estou a pressionar”

À margem da cerimónia, Neto Valente recusou falar do caso da Nam Van em particular. Questionado sobre se o discurso visou pressionar o Executivo a agir, o presidente da AAM disse que não.

“Não pressiono ninguém, digo aquilo que acho que devo dizer. Esta lei teve um efeito devastador na confiança dos empresários e investidores de Macau, Hong Kong e outras partes do mundo que nunca esperaram que isto acontecesse desta maneira. Uma lei a dizer que não só caducam as concessões, como não têm direito a indemnizações é uma formulação que abala a confiança no sistema jurídico. A percepção que tudo isto dá é que o nosso sistema jurídico é deficiente e isso é que me entristece muito, porque sempre defendi o sistema jurídico de Macau e custa-me ver que, de um dia para o outro, a confiança no sistema se desvanece”, apontou.

Neto Valente referiu ainda que não se deve ter uma má imagem de quem investe no território. “Não se pode dizer que uma pessoa, só porque é um investidor, que é um especulador e um inimigo dos pobrezinhos. É uma conversa disparatada, porque o que faz andar a economia são os investidores de Macau e do exterior. Não é só o jogo. As pessoas fogem dos tribunais de Macau porque têm medo de ficar anos à espera e das decisões, que são muitas vezes inesperadas face às expectativas que têm”, concluiu.

Uma “judicialização da política”

Sam Hou Fai, presidente do Tribunal de Última Instância (TUI), alertou para um aumento dos processos administrativos devido à Lei de Terras. “O Tribunal de Segunda Instância (TSI) registou um aumento de 20 por cento nos processos administrativos, cujo número atingiu 182. Quanto aos motivos deste fenómeno, o mais crucial terá sido o acréscimo dos processos relativos à caducidade da concessão dos terrenos por parte do Governo após a entrada em vigor da nova lei”, explicou.

Sam Hou Fai não deixou de alertar para aquilo que considera tratar-se de um panorama de “judicialização da política”. “À medida que surgiram na RAEM diversas contradições e problemas enraizados, registou-se um crescimento evidente no número de processos que envolvem questões socialmente sensíveis ou avultados interesses económicos, tendo-se verificado uma tendência de judicialização da política. Os tribunais desempenham cada vez mais um papel na salvaguarda da ordem e estabilidade sociais”, rematou o presidente do TUI.

20 Out 2016

Paulo Alexandre Ferreira, Secretário de Estado: “Noto um forte interesse da China na aproximação a Portugal”

Lidera a delegação portuguesa que veio este ano à Feira Internacional de Macau (MIF). O secretário de Estado Adjunto e do Comércio de Portugal, Paulo Alexandre Ferreira, acredita que há condições para uma presença mais forte no mercado chinês, sejam os empresários de ambos os países capazes de perceber os diferentes contextos em que se movem. A grande aposta é feita nas novas tecnologias.

[dropcap]E[/dropcap]stá em Macau para participar na MIF, que tem Portugal como país parceiro nesta edição. O que é que se pode esperar desta parceria, da forma como Portugal se apresenta este ano?

Espero que haja um reforço dessa parceria e que seja algo mais, primeiro em termos daquilo que é o sector mais representado – o sector agro-alimentar. Mas espero que se reforce a presença de Portugal noutros sectores de actividade. Temos, por exemplo, a participação de empresas tecnológicas e isso permite catapultar a imagem de Portugal – não só as empresas que participam, mas também todas as outras que não estão representadas – também como um parceiro na área tecnológica. Esperto que isso possa ser visto pela China e pelos outros participantes da Feira com uma visão de que Portugal tem mais para oferecer do que aquilo que são os produtos que tem trazido habitualmente à Feira.

Foi visível na recente reunião ministerial do Fórum Macau um interesse diferente de Portugal pela China. Chegou o momento de Lisboa aproveitar e apanhar um barco que, de certa forma, perdeu, em relação à presença no Fórum Macau e à própria China?

Não sei se perdeu. Neste momento, há uma grande vontade do Governo em afirmar Portugal como uma ponte entre a China e a Europa, entre a China e os países de língua oficial portuguesa, e é nesse sentido que estamos a trabalhar. Esperamos que, em face desse esforço que estamos a desenvolver, isso possa dar frutos e a curto prazo.

Mas houve uma altura, sobretudo nos primeiros anos do Fórum Macau, em que Portugal se colocou, de certo modo, à margem daquilo foi sendo a relação entre a China os países de expressão portuguesa. Nota-se agora, por parte da China, também um novo interesse por Portugal. Sentem isso nos contactos que vão tendo por aqui.

Sim. Mesmo na esfera que tutelo, ao nível da economia, seja em sectores como o consumidor, as actividades económicas e mesmo no domínio da ASAE (Autoridade de Segurança Alimentar e Económica), noto um forte interesse da China e de instituições ligadas ao Governo chinês em ter essa aproximação a Portugal. Há já uma série de protocolos assinados connosco nestes domínios e que demonstram uma apetência da China pela aproximação a Portugal – e Portugal tem todo o interesse em fomentar esse espírito de cooperação.

Voltando à MIF e à questão do sector agro-alimentar que, em Macau, tem uma presença forte. Portugal tem sempre o problema da capacidade de produção para um mercado com a dimensão da China. Com as novas tecnologias essa questão já não se coloca.

Não, consegue-se chegar a todo o lado. Aliás, na semana passada, estávamos a discutir num fórum que se realizou entre a ACEP – a Associação de Comércio Electrónico em Portugal – e a congénere chinesa que pequenas empresas portuguesas nas áreas tecnológicas conseguem colocar-se no mundo de forma plena e ter a pretensão de alimentar um mercado como o chinês. Espero que não haja esse problema e que as empresas portuguesas – não só do sector tecnológico, mas de todos os sectores – vejam a China como um mercado que podem tentar agarrar. É para isso que estou aqui, também para passar a palavra e dar um incentivo às empresas nacionais.

 Ainda no sector tecnológico, existia um grande receio por parte do Ocidente em relação ao modo como a propriedade intelectual é tratada na China. No contacto com as empresas portuguesas, sente que esse problema já foi ultrapassado e que não é assim tão difícil chegar ao mercado chinês?

Sim, não noto isso nos nossos empresários. Não é uma restrição. Consideram que o mercado chinês é um mercado com potencial, não só em termos de dimensão, como em termos qualitativos. Há já uma classe média chinesa que pode revelar apetência por aquilo que são os produtos e serviços portugueses. Não vejo isso como um impeditivo, nem me tem sido assinalado como um problema.

E qual será o problema efectivo para uma aproximação maior entre aquilo serão as potencialidades portuguesas e a China? A distância? As diferenças culturais?

Acho que é perceber a dinâmica do mercado chinês, as particularidades – e penso que é um problema ou um desafio recíproco. As empresas chinesas também têm de perceber o contexto europeu em que Portugal se insere. Os aspectos culturais aproximam-nos, não nos afastam. Agora, as realidades dos mercados em que nos movemos são diferentes – não é um obstáculo, mas constitui um desafio. Penso que há hoje condições para ser ultrapassado da melhor forma. Lá está: é preciso haver cooperação e proximidade entre entidades não só públicas, mas também entre empresas.

Temos assistido nestes últimos anos a um grande investimento por parte de grupos estatais chineses em Portugal, através da aquisição de empresas em áreas fulcrais. Existe, portanto, uma grande presença no país. O contrário tem também de acontecer, com as devidas diferenças em termos de dimensão e numa outra proporção? Portugal não pode ficar à espera, mas sair também do país para captar outro tipo de investimento?

Espero que, neste momento, a porta de entrada seja uma porta para o mercado e, a partir daí, logo se verá. Não podemos ter a veleidade de querer ter uma presença na China como a China consegue ter, neste momento, em Portugal, em termos de aquisição de activos. A minha preocupação é também contribuir para que possa existir uma presença de empresas portuguesas no mercado chinês. Não a colocaria ao nível da aquisição de activos, mas de acesso e de presença no mercado.

E em relação ao que poderá ser a presença chinesa no futuro? Já houve a aquisição de activos em sectores fundamentais. Como é que poderá ser a presença da China em Portugal – e que não colida com aquilo que é a posição manifesta do Partido Socialista em relação a áreas estruturais da economia?

Não colocaria a questão em termos do Partido Socialista; neste momento são os termos que foram definidos pelo Governo. Um sector que pode beneficiar do que a China pode oferecer é a área da logística. Também aí Portugal pode ser uma porta de entrada na Europa e tirarmos partido de alguns activos que temos – como o Porto de Sines, as boas ligações ao resto da Europa –, e permitir centrar novamente o país naquilo que é a sua posição no mundo. Colocá-lo, mais uma vez, como porta de entrada de mercadorias – seja da China, seja de outros sítios – na Europa, e também aí ganharmos competitividade face a outras portas de entrada que neste momento existem.

20 Out 2016

Caso Crown | Detenção de funcionários da operadora com impacto em Macau

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] detenção de 18 funcionários da Crown Resorts poderá ser um aviso aos casinos explorados por estrangeiros, mas está também a perturbar os negócios de Macau, escreve a Bloomberg, num longo artigo sobre os acontecimentos dos últimos dias. Os promotores locais de jogo pensam agora duas vezes antes de passarem a fronteira

É um caso em que teoria e prática poderão não estar em consonância. A detenção dos trabalhadores da empresa australiana no final da passada semana não deveria afectar os casinos de Macau e poderia até contribuir para um escrutínio mais rigoroso de quem entra na China. Mas, escreve a agência Bloomberg, um olhar mais atento por parte do Governo Central não é aplaudido por uma indústria que sofreu consequências directas da campanha contra a corrupção levada a cabo por Pequim nos últimos anos.

Poucas horas depois de se ter ficado a saber da detenção dos 18 funcionários da Crown, pelo menos três promotores do jogo de Macau – que pediram para não serem identificados – disseram ter cancelado encontros com apostadores VIP da China Continental.

O sector do jogo, que atravessou dois anos de quedas consecutivas, tem apresentado sinais de retoma. Para a Bloomberg, resta agora saber se esta ligeira recuperação tem condições para resistir a uma atenção renovada das autoridades pelos operadores que têm o mercado de apostadores no Continente. “O incidente da Crown está a gerar preocupação no mercado de Macau”, afirmou Ben Lee, gestor da empresa de consultoria IGamiX. “Prevê-se uma diminuição dos segmentos VIP e premium.”

As autoridades chinesas não deram detalhes sobre o caso dos funcionários detidos. O Ministério dos Negócios Estrangeiros limitou-se a dizer que são suspeitos de crimes relacionados com apostas, ao abrigo da lei do país. O jogo é ilegal na China mas, nas proibições relacionadas com a actividade, incluem-se também a promoção de apostas e a tentativa recuperação de dinheiro em dívida, crimes que podem ser punidos com pena de prisão.

A história dos funcionários da Crown teve impacto imediato na bolsa de Hong Kong. Ainda assim, para a JPMorgan Chase é pouco provável que, a médio prazo, os casinos de Macau saiam prejudicados. O analista DS Kim recorda, numa nota, que “não houve um impacto significativo nos mercados VIP ou premium depois dos incidentes dos casinos coreanos, no ano passado”. “Não vemos por que razão o caso australiano possa ser diferente”, remata.

As próximas semanas vão determinar se as detenções no universo da Crown vão ter um efeito mais alargado. Os casinos de Macau deverão adoptar medidas de contenção no que diz respeito às viagens, para o outro lado da fronteira, de funcionários da área do marketing, que ajudam também na transferência de fundos. Para evitarem problemas, continua a agência, os junkets avisaram já que não vão ao encontro de jogadores na província de Guangdong e em Xangai, alterando assim os planos que tinham para as próximas semanas.

“É quase certo que Macau vai sentir, nestes primeiros tempos, algumas pressões em termos operacionais”, comentou o analista Jamie Soo, da Daiwa Capital Markets de Hong Kong. “Não se sabe quanto tempo durará este impacto porque depende dos próximos passos que a China der.”

Lá fora como aqui

O caso Crown não vai ter repercussões apenas em Macau – também a concorrência deverá dar um passo atrás nas acções de marketing na China, com consequências para as receitas do sector VIP, assinala o especialista da JPMorgan. Os casinos da Coreia do Sul, das Filipinas e de Singapura, acrescenta DS Kim, deverão ter dificuldade em angariar novos jogadores.

As autoridades chinesas detiveram operadores de dois casinos sul-coreanos em Junho do ano passado. Os 13 funcionários foram entretanto libertados, depois de terem cumprido penas de prisão.

As detenções recentes também contribuem para um clima de incerteza em relação aos negócios do milionário australiano James Packer, incluindo o modo como vai gerir a questão do casino de Macau. A ideia inicial seria isolar o australiano Crown do resto do grupo, por causa dos resultados obtidos na RAEM. A Crown ainda detém 30 por cento da Melco Crown, cotada na NASDAQ.

20 Out 2016

Global Media | Novo administrador garante conteúdos e funcionários

A Global Media vai manter conteúdos e funcionários. A informação é dada directamente pelo actual administrador da empresa, Kevin Ho que adianta ainda a integração do semanário local “Plataforma” no grupo

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] administrador da empresa de Macau KNJ, que a partir de Março controlará 30% da Global Media, detentora do DN, JN e TSF, garantiu ontem que o conteúdo dos “media” do grupo não sofrerá alterações e não haverá despedimentos.

“O conteúdo não será afectado. O departamento editorial é sempre independente, nunca iremos afectar o lado editorial”, disse Kevin Ho, questionado sobre os seus planos para o grupo que inclui o Diário de Notícias, Jornal de Notícias e TSF.

Também no que toca à cobertura de assuntos relacionados com a China, o empresário negou qualquer restrição.

“Estamos a investir numa empresa porque acreditamos nas suas actividades “core”. A Global Media é uma empresa de reputação em Portugal. E, acima de tudo, somos de Macau. Macau faz parte da China, mas nós não somos um fundo da China”, afirmou, à margem do Fórum de Jovens Empreendedores da China e Países de Língua Portuguesa, em Macau.

Voltando a sublinhar que o primeiro grande objectivo da KNJ é investir em ‘novos media’, Ho assegurou que tal será feito sem alterar o funcionamento base do grupo.

“As operações vão continuar a ser geridas pelos profissionais existentes”, disse, indicando também que não há planos para despedimentos, tendo em conta a reestruturação da empresa que, em 2014, concluiu um processo de despedimento colectivo que levou à saída de 134 pessoas.

Ainda assim, a injecção de 17,5 milhões de euros da KNJ vai reflectir-se na nomeação de membros para o conselho de administração e a comissão executiva.

Contra, mas nem tanto

O empresário confirmou que houve alguma resistência dos actuais accionistas do grupo à entrada da KNJ, mas “não tanta quanto foi noticiado”. “Não estavam era completamente esclarecidos sobre qual era a nossa intenção. Expliquei os meus planos e garanti que não vamos afectar as operações”, disse.

A ideia, afirmou Ho, é trazer a Global Media aos seus “tempos de glória” com um plano a dez anos que está actualmente a ser elaborado em conjunto com os outros accionistas e que será focado, numa primeira fase, na migração para os meios digitais, e numa segunda, numa expansão para outros países de língua portuguesa.

“Como investidor de Macau, e tendo em conta que a Global Media já tem um investidor angolano, António Mosquito, é natural expandir para os países de língua portuguesa. Esta será uma boa jogada em termos empresariais e para mim, como cidadão de Macau e da China”, explicou, apontando em particular para Angola e Brasil.

Quanto ao investimento em “novos media”, Ho frisou que se trata de seguir uma tendência global e criar valor acrescentado: “Vamos sempre ter jornais. Não somos nós que queremos que a empresa tenha só jornais digitais, mas é a tendência do mundo. Temos de nos adaptar à tendência para poder crescer”.

Sobre o papel de Macau, o empresário – que é sobrinho do antigo chefe do Executivo de Macau, Edmund Ho, e director do banco Tai Fung, voltou a falar da criação de um centro, mas não adiantou pormenores, indicando apenas que, por agora, o plano não é estabelecer meios de comunicação em Macau.

“Não vamos ter aqui um jornal”, afirmou, abrindo no entanto a possibilidade de integrar no grupo o semanário de Macau Plataforma, dirigido pelo jornalista Paulo Rego, o mediador das negociações entre a KNJ e a Global Media.

20 Out 2016

História | Associação cria base de dados do património oral do território

As histórias que os da terra vão contando estão a ser organizadas de modo a formar uma base de dados acessível a todos. É uma iniciativa da Associação de História Oral que se orgulha de não deixar morrer as vozes de Macau

[dropcap style≠’circle’]P[/dropcap]ara dar continuidade à tradição oral que conta a história de Macau, a Associação de História Oral iniciou a criação de uma base de dados que contém o património oral local, num “árduo” trabalho de organização de registos.

Lam Fat Iam, presidente da associação, conta ao HM que tem sido um processo muito difícil, mas que a intenção é que o arquivo esteja ao dispor do público de modo a proporcionar aos interessados uma forma de ouvir as histórias de outros tempos que retratam a terra. Por outro lado, é através desta base de dados que é possível conservar uma herança única.

“Sentimos que é cada vez mais urgente preservar as vozes das pessoas, até porque muitos dos idosos que entrevistámos já morreram”, começou por explicar Lam Fat Iam. “Desta forma, conseguimos preservar não só as histórias, mas o registo da voz de quem as conta”, continua o presidente, enquanto sublinha a dinâmica e a vida que este tipo de registos contém.

Gente da terra

Os protagonistas são, “sem excepção, pessoas que vivem e crescem em Macau e que consideram o território como a sua casa”. Num lugar de cruzamento cultural, os relatos não se limitam a uma etnia ou nacionalidade. “Além dos chineses, entrevistámos também a comunidade macaense, porque todos experimentam a RAEM  e aqui têm as suas histórias. São vidas de cá”, sublinha.

Para o registo de cada conto, o esforço investido é extremamente elevado e muitas vezes incompreensível aos outros. “Por exemplo, para conseguir o discurso de um antigo trabalhador da indústria de construção naval, podemos ter de transcrever mais de dez mil palavras proferidas nas gravações e o tempo que se demora é muito”, explica. Por outro lado, muitos dos registos originais são retirados de aparelhos antigos e é ainda necessário anular os ruídos, tratar da exposição e da imagem, no caso dos vídeos, e adicionar legendas. O presidente da Associação de História Oral não deixa de fazer referência à ajuda da tecnologia neste tipo de processos que, agora, possibilitam a criação efectiva da base de dados que está a ser criada.

História para todos

Lam Fat Iam não esconde o orgulho no pioneirismo do projecto que tem em mãos. “Apesar de muitas instituições se dedicarem ao registo da oralidade, são poucas as que concebem uma base de dados.” “Singapura, por exemplo, fez uma boa base de dados, mas está nas mãos do Arquivo Nacional e só está parcialmente aberta ao público devidamente autorizado”, explica o responsável. A que está a ser feita em Macau será totalmente gratuita e aberta a todos, e “esperamos que no próximo ano esteja operacional, com a presença de, pelo menos, 50 registos”. A entidade pretende também realizar seminários e palestras onde possa vir a divulgar o património que detém.

A Associação de História Oral de Macau existe desde 2008 e recorre a gravações, vídeos, fotos e transcrições para não deixar morrer as vozes. Actualmente conta já com 300 registos.

20 Out 2016

Armazém do Boi apresenta vários workshops em Novembro

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Armazém do Boi tem na manga um mês de Novembro que liga a criação artística ao ambiente. A associação artística local apresenta “Transformation – Regeneration”  que conta com convidados de Hong Kong  para a partilha de experiências e conhecimentos no que respeita à reutilização e recriação de produtos. As áreas são ecléticas e abrangem a confecção de roupa, a interacção entre comunidade e artesanato, uma nova abordagem da agricultura em espaço urbano e a criação e mobiliário.

Da lista de convidados consta o estilista Ken Hung que para participar na MILL6 Summer Program: MILL6 WARM UP – Make a piece of clothing for yourself em Hong Kong, passou meses entre as comunidades da vizinha RAEHK a ajudar os residentes a transformarem as peças de  roupa.

O ex-director da Hong Kong House of Stories, Him Lo vem partilhar a experiência que tem adquirido na promoção de actividades associadas ao artesanato dentro das comunidades. Do currículo do artista sobressai o trabalho desenvolvido na preservação de artefactos que representam vidas e culturas.

<h4>Agricultura na cidade</h4>

De Macau, estará presente Yvonne Ieong. Agora residente de Hong Kong , traz a aplicação dos conceitos de protecção ambiental ao comércio. A vencedora de vários prémios com o projecto que realizou no território vizinho, “Hong Kong Green Building Council Limited”, considera que a difusão de actividades agrícolas em espaço urbano já está a acontecer, nomeadamente em cidades com grande densidade populacional. Yvonne Ieong regressa a Macau para partilhar a sua experiência.

Jaffa Lam é a artista que vai ensinar a redecorar através da reutilização e transformação de objectos que tinham o lixo como certo. Do seu portfólio destacam-se inúmeros objectos que acolhem as coisas com histórias e representativas de meios sócio culturais.

Programa

5/11

A True Remaking – Ken Hung X Siwai Cheong

Fabric Recycling / Clothes Transformation

14h30

Craftsmanship & Community – Him Lo X Cora Si

Traditional Crafts & Community Symbiosis

16h30

6/11

Spatial Remake in the Concrete Jungle – Yvonne Ieong X Aquino da Silva

The Green Office

14h30

Roaming and Relocating – Jaffa Lam X Joey Ho

Soical Awreness and Art Sculpture

16h30

20 Out 2016

Hong Kong | Deputados pró-independência impedidos de prestar juramento

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] parlamento de Hong Kong viu-se ontem envolto em caos quando membros da ala pró-Pequim impediram o juramento de tomada de posse de dois dos novos deputados, favoráveis à independência da cidade.

O conflito surge numa altura em que são crescentes os receios de um ‘cerco’ de Pequim à região administrativa especial, com maior controlo sobre as liberdades de que a cidade goza, a par com Macau, e que não existem no resto da China.

Quando os novos deputados Yau Wai-ching e ‘Baggio’ Leung iam iniciar o seu juramento, membros do campo pró-Pequim abandonaram o hemiciclo. Os deputados do Conselho Legislativo (LegCo) de Hong Kong fizeram o seu juramento na semana passada, mas o destes dois não foi considerado válido, já que os jovens adicionaram palavras, dizendo, por exemplo, que se comprometiam a servir a “nação de Hong Kong”.

A saída da sala dos deputados pró-Pequim fez com que a sessão fosse cancelada, impedindo Yau e Leung de prestarem o juramento, que lhes permite assumirem os assentos que venceram nas urnas.

Confusão instalada

Após a saída dos deputados, geraram-se acesas discussões, com o deputado da Liga dos Sociais-Democratas Leung Kwok-hung, também conhecido por “Long Hair”, a atirar um pedaço de carne processada aos seus opositores. Outro deputado pró-democracia foi rodeado por seguranças depois de virar ao contrário as bandeiras da China e de Hong Kong colocadas nas mesas dos deputados pró-Pequim.

Por seu lado, estes deputados gritaram “Peçam desculpa!”, dirigindo-se a Yau e Leung.

Na semana passada, quando prestaram pela primeira vez juramento (não aceite), os dois jovens envergaram uma bandeira com as palavras “Hong Kong não é China”.

Ambos prestaram depois o juramento por inteiro, em inglês, mas recusaram-se a pronunciar “China” correctamente.

Os dois tiveram permissão para voltar a prestar juramento ontem, mas a sessão foi cancelada devido ao número insuficiente de deputados no hemiciclo.

“Se querem que as pessoas respeitem os seus juramentos, têm de expressar arrependimento em relação ao seu comportamento na semana passada e pedir desculpa a todos os chineses, em todo o mundo”, disse a deputada pró-Pequim, Priscilla Leung.

Yau e Leung disseram desejar completar o seu juramento, mas recusaram-se a pedir desculpa.

20 Out 2016

Grupo sul-coreanos vai processar Samsung por causa do Galaxy Note 7

[dropcap style≠’circle’]U[/dropcap]m grupo de 38 pessoas que comprou o ‘smartphone’ Galaxy Note 7, que tem problemas de segurança, na Coreia do Sul vai apresentar uma queixa colectiva contra o fabricante, a Samsung Electronics.

Cada uma reclama uma compensação de 300.000 wones (243 euros) pela perda do serviço decorrente dos problemas que afectaram o novo modelo da Samsung obrigando a empresa a deixar de o fabricar e a pedir aos consumidores que parem de o usar por motivos de segurança, indicou o escritório de advocacia que representa o grupo à agência noticiosa espanhola Efe.

Na acção, que vai ser interposta junto de um tribunal de Seul no próximo dia 24, alega-se ainda que os problemas causaram ansiedade aos clientes que se viram obrigados a recorrer, por diversas vezes, ao apoio técnico para verificar os seus dispositivos ou trocá-los.

Em face da jurisprudência que existe ao nível deste tipo de acções relacionadas com produtos defeituosos na Coreia do Sul é elevada a probabilidade de a queixa ser bem-sucedida.

<h4>Outras queixas</h4>

Os meios de comunicação social norte-americanos informaram da existência de uma acção idêntica movida por um grupo de pessoas que comprou o Galaxy Note 7 contra o gigante tecnológico sul-coreano.

A Samsung anunciou na semana passada a suspensão da produção do Galaxy Note 7 e parou as vendas do modelo, lançado há apenas dois meses no mercado, em todo o mundo.

A decisão foi uma tentativa de travar uma bola de neve que não tem parado de crescer desde o alerta recente do regulador norte-americano dos consumidores para o perigo potencial.

Os clientes do Note 7 em todo o mundo vão poder reaver o dinheiro dos aparelhos ou reinvesti-lo na aquisição de quaisquer outros modelos da empresa.

A Samsung recolheu há pouco mais de um mês 2,5 milhões unidades do Note 7 em dez mercados em todo o mundo, numa reacção a queixas dos consumidores de que a bateria de íon-lítio explodia quando recarregava.

A empresa divulgou, também na semana passada, uma estimativa de perdas superiores a três mil milhões de dólares nos próximos dois trimestres devido aos problemas com o ‘smartphone’ Galaxy Note 7.

O caso golpeou de tal modo a imagem da marca do maior fabricante mundial de ‘smartphones’ que alguns analistas acreditam que o caso pode mesmo afectar a sua quota de mercado no sector da telefonia móvel.

20 Out 2016

Indonésia | Defendida castração química acabar com pedofilia

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Presidente da Indonésia, Joko Widodo, defendeu o uso da castração química como método para “varrer” do país os crimes sexuais, incluindo a pedofilia, numa entrevista transmitida ontem pela cadeia televisiva britânica BBC.

“Na minha opinião, a castração química, se aplicada de forma consistente, reduzirá os crimes sexuais e com o tempo varrê-los-á”, defendeu.

O parlamento indonésio aprovou, na semana passada, uma nova legislação que endurece as penas para os crimes de violência sexual contra menores, que incluem a pena de morte.

A reforma foi adoptada apesar de metade do hemiciclo a ter rejeitado e das objecções éticas levantadas por associações de médicos.

O Presidente indonésio advertiu que se os médicos recusarem levar a cabo a castração, a justiça poderá recorrer a médicos militares para a realizar.

“A nossa Constituição respeita os direitos humanos mas quando se trata de crimes sexuais não pode haver concessões. Vamos ser duros e muito firmes”, afirmou Widodo.

Widodo propôs a mudança legislativa em Maio depois de uma menina de 14 anos ter sido vítima de uma violação colectiva e, posteriormente, assassinada numa escola da ilha de Samatra.

O caso desencadeou manifestações de activistas e incendiou as redes sociais com apelos para endurecer as penas para os crimes de pedofilia.

Widodo tomou posse como Presidente da Indonésia em Outubro de 2014, depois de ganhar as eleições de Março desse ano, graças à sua imagem de político limpo e reformista.

Conserva uma elevada popularidade no país, apesar de a sua imagem a nível internacional se ter deteriorado após ter retomado as execuções de presos condenados por narcotráfico, a maioria do quais estrangeiros, depois de anos de uma moratória de facto.

20 Out 2016

As Garras do absurdo

Buzzati, Dino, O Deserto dos Tártaros, Cavalo de Ferro, Lisboa, 2008

Descritores: Literatura Italiana, Romance, Absurdo, 254 páginas, ISBN: 9789896230999

Cota: 821.131.1-31 Buz

 

[dropcap style≠’circle’]D[/dropcap]ino Buzzati Traverso nasceu em San Pellegrino di Belluno16 de outubro de 1906 e faleceu em Milão no dia  28 de janeiro de 1972. Todas as biografias sobre Buzzati exacerbam a obra O Deserto dos Tártaros, mas eu penso que, sem o mínimo menosprezo por esta obra genial, não pode descurar-se a excelência do autor nas narrativas curtas. Dino Buzzati é um contista com um estilo inconfundível, através da exploração de uma visão fantástica e absurda do real. Podia, se quisesse, lembrar inúmeros contos de Buzzati absolutamente exemplares dentro do género, pois os fixei para sempre e atrever-me-ia a recomendar a compilação designada por Z como uma das melhores colecções de contos que alguma vez pude ler. Em 1924 ele entrou para a Faculdade de Direito da Universidade de Milão, onde seu pai já ensinara. Quando já estava para terminar o curso de direito, aos 22 anos, tornou-se jornalista do jornal milanês Corriere della Sera, onde permaneceria até à morte. É comum dizer que a profissão de jornalista teve forte influência sobre os seus escritos, onde conseguia combinar de modo exemplar o fantástico com o realismo e rigor da prosa jornalística. Foi logo após a guerra, em 1940, que publicou a sua obra-prima, O Deserto dos Tártaros, através da qual alcançou fama mundial.

Entre muitas leituras possíveis este romance é também sobre o sentido da vida e o apelo do timós (timoz) que muitas vezes são interdependentes, enfim a velha luta pelo reconhecimento, contra a banalidade e o vazio. Dar um sentido à vida já pressupõe esse tonus espiritual. Parece que Giovanni Drago está decidido a conferir um sentido, e um sentido elevado, grandioso, à sua vida, embora ao princípio até nem pareça estar muito determinado. Dino Buzzati não trata a personagem como se esta fosse correlata de um ser obstinado, decidido e plenamente convencido de si mesmo. Portanto, quando se encaminha para a Fortaleza Bastiani, o tenente Drago não parece ir à procura de glória e sobretudo animado por um espírito belicista exemplar. Pelo contrário, está corroído por dúvidas e até mais voltado para a ideia de regressar à cidade o mais depressa possível. Depois sim, Drago deixa-se enredar, ainda que não seja muito claro no seu espírito aquilo que o enreda e vai prendendo à Fortaleza Bastiani. A mim parece-me que o texto é mais sobre o absurdo, com as suas garras próprias. As garras do absurdo não são como tenazes sólidas que prendem ou agarram, são mais como a trama das teias de aranha e um pouco gelatinosas às quais os objectos ou os seres se vão colando e deixando prender, impotentes para se desenvencilhar, contudo a força aqui não terá nunca um papel importante, mas antes a astúcia e a determinação do carácter. Giovanni Drago é um pouco abúlico, não sabe muito bem o que quer e isto para resistir às armadilhas viscosas da vida é quase sempre fatal. A partir de certa altura Drago resigna-se a esperar aquilo que não desejava no início mas que agora se torna a única justificação. Ele espera porque já não tem coragem para romper com o visco do hábito e do quotidiano, quiçá contra a acédia que se insinua na banalidade existencial em que a sua vida se vai transformando. Só então o evento que se espera aparece como salvífico. Este pormenor faz toda a diferença, até no plano ideológico, a meu ver. Buzzati não é um belicista.

Quando afinal o que parecia puramente absurdo está em vias de acontecer de facto, isto é, a chegada dos tártaros, “Drogo já velho e doente é dispensado pelo novo comandante do forte. E no seu regresso à cidade, morre numa pousada, só e abandonado”. Abandonado de tudo, é bom que se diga.

O romance O Deserto dos Tártaros deixa-se ler muito bem, interpretativa e criticamente, a partir das análises denotativas e conotativas dos semantemas do título e tanto num plano semiológico como hermenêutico. Em boa verdade os termos ‘Deserto’ e ‘Tártaro’, são riquíssimos ao ponto de obviamente pensarmos que Dino Buzzati os escolheu intencionalmente, e nem me atrevo a dizer, terá escolhido; pois o carácter dubitativo do futuro do presente composto, neste caso, me pareceria um desrespeito.

O deserto pelo seu carácter de descampado e ermo, onde o ser se sente naturalmente solitário e onde portanto sente mais do que em qualquer outro lugar a solidão, a solidão purgativa e reconstituinte, mas também expiadora, torna o cenário propício mas ambivalente, pois o deserto também pode ser apenas estéril e vazio, onde portanto a escassez obriga o ser a povoar artificialmente, não raras vezes com o pensamento. Se por um lado a extensão indiferenciada dos desertos estimula a evasão ou a procura do sentido, por outro lado pode também anular o ser numa indiferenciação ontológica homóloga.

Para além disso o semantema “Tártaro” tem uma dimensão étnico-cultural complexa e não linear. Os tártaros não são os mongóis, mas aparecem intimamente associados na história aos mongóis através do neto de Gengis Khan, aquando da invasão da Europa, e essa conotação possui um carácter de grande relação com violência e crueldade. Veja-se por exemplo, o Andrey Rublev de Tarkovsky. Finalmente o Tártaro é também na mitologia greco-latina, e é esta a dimensão que mais me interessa, sinónimo de Inferno.

O Tártaro é a personificação do mundo inferior; pior ainda do que o Hades, pois se este é o lugar reservado aos humanos, aquele é reservado aos deuses inferiores como cronos, ou essas figuras ambíguas que foram os titãs, mas que se sabe que desempenham na mitologia o clímax da ubris e portanto da máxima heresia, comum a todos os que aspiram a ser heróis, isto é aparentados aos deuses.

Há no nosso herói a partir de certa altura o esboço de uma ambição incontrolável, que se aparenta à ubris, mas e essa é a modernidade marcante do romance, uma ubris que se apresenta como falência da vontade e não como manifestação de hipervoluntarismo e se há uma cegueira irracional por um ideal excessivo de grandeza ele apresenta-se com os sinais da indolência, da preguiça e da acédia. Não é nunca titânica.

Há associações que fazemos inexplicavelmente, à partida sem grandes justificações, aparentemente, mas que surgem ao espírito de uma forma obsessiva e persistente. É o caso da minha convicção de que existem múltiplas afinidades entre duas obras de dois autores, em princípio pouco conciliáveis. Apesar disso eu teimo em vislumbrar uma familiaridade para mim evidente, de tal ordem que meti na cabeça procurar a razão de ser desta convicção. Estou a pensar no Deserto dos Tártaros de Dino Buzzati e no Pedro Páramo de Juan Rulfo. O facto de serem dois dos meus textos literários de eleição, dois dos romances que eu levaria para uma ilha deserta sem hesitar, isso nem de perto nem de longe explica a minha opinião e sobretudo de modo nenhum fundamenta a possibilidade de uma tese comparativa. Mas haverá razões para que eu pense assim, pois se não houvesse por que haveria eu de ter metido na cabeça a ideia de que são não apenas dois romances aproximáveis e portanto comparáveis, mas muito mais do que isso, homólogos, embora de modo inverso, nos pressupostos e nos objectivos e até nos processos narrativos e sobretudo na tessitura ontológica de base. Só para deixar já algo que se veja. São ambos romances sobre o absurdo, sobre o sem sentido existencial, sobre o tempo e a sua vacuidade e sobre o malogro dos ideais, sejam eles quais forem. Além disso ambos os romances são ainda sobre os limites fluidos, móveis e voláteis das fonteiras entre o céu, a terra e o inferno.

Tenho para mim que no romance de Rulfo, Juan Preciado, desde o momento em que entra nas imediações fronteiriças da cidade de Comala onde a mãe o enviou, entra verdadeiramente num outro mundo, num outro reino, num reino inferior semelhante ao Tártaro. Designá-lo de resto por este nome, por Hades ou por Inferno é de somenos importância para o caso.

E acho que chega, para já, como programa de leitura e sondagem.

Mas em boa verdade eu nem precisaria de dar as explicações que estou a dar para justificar o acto de comparação literária. Como diz e muito bem, Helena Buescu: “Não é possível ler senão comparativamente (ou seja, relacionalmente) (…) não há de facto como não-comparar. Toda a leitura é activação, partilha e “cooperação interpretativa” […], o que significa que o sentido reside, justamente, nesse acto de cooperação, intercâmbio e interacção. Desta perspectiva, todo o sentido é comparativo e não há sentido que o não seja” (Helena Carvalhão Buescu, Grande Angular. Comparatismo e Práticas de Comparação. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001, p. 14. a p. 23). A minha comparação espontânea destas duas obras legitima-se por si mesma.

Antes de entrar propriamente na análise motivada das obras, para descobrir e poder mostrar as suas afinidades, interessa ter em mente sobretudo um dado que, para mim, é desde logo nuclear e que é o seguinte: A obra de Juan Rulfo é assinalada assim como o autor no conjunto da sua obra como um dos autores seminais do chamado Realismo Mágico, senão mesmo o seu fundador, embora isto já me pareça muito discutível. É claro que as referências de Gabriel Garcia Marquez ao Pedro Páramo e a Juan Rulfo autorizam esta insinuação, mas o mesmo autor se refere também a Alejo Carpentier em termos que o colocam na linha dos fundadores desta corrente lieterária assim como na grande genealogia das sua dívidas capitais. Repare-se que o texto aparece em 1955 e se é verdade que se antecipa de muitos anos aos Cem Anos de Solidão que é de 1967, não se antecipa de modo nenhum a obras, seminais elas também, como é o caso dos Passos Perdidos do referido Alejo Carpentier que é de 1953, Paradiso de José Lezama Lima que é de 1966, mas que terá sido escrito muito antes, Heróis e Túmulos de Ernesto Sábato que é de 1961, embora O Túnel, do mesmo autor, seja de 1948, O Bestiário de Júlio Cortázar que é de 1951 e o Todos os Fuegos el Fuego que é de 1966. Enfim, há a não esquecer que antes de todos Jorge Luís Borges publicou as suas Ficções em 1944 e o Aleph em 1949, sendo que o primeiro conto das Ficções é de 1941. E poderíamos continuar. Mas será que em todos os casos estamos a falar da mesma tipologia literária? E o Realismo Maravilhoso será o mesmo que Realismo Mágico? Penso que não. Penso que não há nada nos Passos Perdidos de Alejo Carpentier que se possa comparar ao Pedro Páramo de Juan Rulfo. Se o paradigma por excelência do carácter fantástico e mágico da literatura sul americana do século XX são os Cem Anos de Solidão, então o verdadeiro precursor é Juan Rulfo através desse Pedro Páramo.

Por outro lado tudo o que eu li e plenamente concordo é que Dino Buzzati se pode e deve considerar também um autor, no caso europeu, precursor do realismo mágico. E convém não esquecer que O Deserto dos Tártaros é de 1940, enquanto o Pedro Páramo é de 1955. O romance de Buzzati é contemporàneo das Ficcões de Jorge Luís Borges. Portanto neste plano já temos algum pano para começar a talhar as mangas. Acho eu. Porém e antes de avançar devo deixar já bem claro que não considero que o realismo de Rulfo e o realismo de Buzzati são de tipo diferente, o que significa que pretendo dizer que não defenderia a tese de que o realismo mágico europeu seja precursor do realismo mágico sul americano, assim sem mais nem menos. Mas deixemos isso, … Apurem-se apenas algumas linhas de similitude nestes dois romances.

Vamos começar pelo Tártaro, ou seja, pelo Inferno. No caso de Rulfo, como já anunciei, as dúvidas são praticamente nenhumas. Quando Juan Preciado putativo filho de Pedro Páramo vai a pedido da mãe procurar o pai que nunca conheceu, dirige-se para a cidade de Comala onde é suposto que se encontre o pai. Abundio que se cruza com Juan Preciado nas imediações de Comala e que ao despedir-se lhe sussurra, como se isso não tivesse importância nenhuma, que também é filho de Pedro Páramo, descreve nestes termos Comala, depois de Juan lhe ter dito que estava muito calor: “ — Sim, e isto não é nada — respondeu-me — Vai senti-lo ainda mais quando chegarmos a Comala. Aquilo está sobre as brasas da Terra, na própria boca do inferno”.

Ora no Deserto dos Tártaros em vez de uma viagem ao Inferno a estadia na Fortaleza de Bastiani, que à partida representa uma promessa e uma espera pela justificação e até pela glória, acaba por representar uma expiação e talvez que a pior das expiações pois não é vivida enquanto expiação mas enquanto esperança e só com o tempo o tempo mostra a sua face expiatória. Mas esta expiação representa um Inferno, mais subtil do que os Tártaros das tradições antigas ou o Inferno religioso do cristianismo por exemplo, o Inferno aqui reside no ludíbrio da espera, de que à espera de Godot é seguramente o grande paradigma, na literatura moderna (No sentido da Modernidade. Porém À Espera de Godot é de 1952 e a espera é de ludíbrio mas também de outras conotações, quiçá até religiosas, entre outras). O Inferno reside no facto de que tudo aquilo em que a vida se baseia, o tempo se encarrega de esvaziar até à última gota. Giovanni Drogo vive a agonia da espera absurda de qualquer coisa da qual ele tem contudo desde cedo a consciência de que não passa de um logro, contudo não foge, não desiste, persiste nessa espera insensata por coisa nenhuma e isso é que é o Inferno da sua vida. Ele espera o confronto adiado com os tártaros ali na fronteira do seu mundo com o desconhecido, assinalado pelo enigma do deserto, mas os tártaros não virão e o Inferno que, eles e a guerra que trariam consigo, poderia representar nunca chegará a acontecer, porque justamente ele vive já a experiência do Inferno, este mais indolor e insidioso. Este Inferno é o sem sentido da vida, é o absurdo da existência, é a insensatez que o tempo contém em si. Há entre a viagem de Juan Preciado ao inferno da memória através da mãe e também da digressão omnisciente do pai, naquilo a que Octávio Paz chamou uma peregrinação da alma em dor, e a estância inconsciente no Inferno por parte de Giovanni Drago uma espécie de homologia recíproca de dois infernos que se complementam o inferno que nos espera porque já nos habita ou vice versa, que nos habita como condição da existência porque ele é o nosso único destino.

Passemos agora ao tempo. Em Dino Buzzati temos um tempo que passa, está a passar e sente-se passar com algum desespero, o desespero de que o tempo traga o que teria prometido, mas tarda em cumprir, e não cumpre. Há um momento, mas não se sabe bem quando, até porque não é um instantâneo, é também ele um tempo que passa, que flui e que esclarece devagar, há um tempo dizia, em que se sabe que o tempo não trará o que esperávamos e que transformará a nossa espera numa odisseia insensata, numa espera absurda, infundada, ilógica. Entra-se então num tempo envenenado pela traição, sem inimigo identificável, pois o inimigo é o próprio tempo, agora vivido como simulacro. Mas Giovanni Drago não é traído senão por si mesmo. A sua espera é o logro que ele próprio urdiu e logrou. É claro que não o faz deliberadamente ou com uma consciência daquilo que o tempo esconde, pois isso é da ordem do insondável. Porém é sempre depois que sabemos que era insondável o que queríamos saber. Ninguém tem a consciência do tempo que passa. Quando Giovanni Drago resolveu instalar-se no lugar inapreensível do tempo que passa, nessas areias movediças, traçou o seu próprio destino.

Em Rulfo o desdobramento do tempo em dois tempos liga o passado ao futuro e é através dessa colagem que o tempo mostra a sua redundância. O romance narra-se na primeira pessoa, na pessoa de Juan Preciado e na terceira. Na terceira sob a forma do narrador omnisciente que é Pedro Páramo. É na junção, na esquina em que os dois tempos se encontram que o tempo se desmorona e mostra o seu interior, vazio.

Em ambos os casos há uma demanda à partida frustrada. Juan Preciado não encontrará o pai e não poderá realizar a promessa que fez a sua mãe à beira da morte desta. Para isso vai ao inferno de Comala, em vão. Só encontrará mortos e cinzas de um passado que nem sequer é seu. Giovanni Drago não encontrará o inimigo que aguarda que chegue através do deserto. O inferno não precisa de chegar até ele pois ele já o encontrou e já o habita. Quando morre, já tinha morrido. A solidão e desilusão em que morre presentifica agora a si, nesse momento implacável e sempre verdadeiro, o inferno em que há muito habitava mas em ausência, sob a forma de uma mentira inconsciente.

A vida não passa de um jogo e de uma brincadeira. De mau gosto.

20 Out 2016

Quem não sente, consente

[dropcap style≠’circle’]T[/dropcap]enho andado desde o último fim-de-semana absorto nas notícias do “caso Ched Evans”, que é muito possivelmente o caso mais mediático da justiça britânica dos últimos anos. Ched é um jogador de futebol que há cinco anos foi indiciado de do crime de violação de uma jovem de 19 anos, três mais nova que ele. Não foi uma “violação” no sentido que muita gente entende como tal, não chegando haver um tabefe, um “chega-pra-lá”, ou sequer um palavrão – “nem chegaram a trocar uma palavra”, segundo a alegada vítima. Parece-me grave, sem dúvida, pois nas circunstâncias em que se conheceram, uma pequena introdução era o mínimo que se exijia antes da grande intro…bom, esqueçam, que prometi a mim próprio que tratava o assunto com seriedade, ao contrário de muita gente de quem tenho lido a opinar sobre o assunto. E acreditem que não são piadas parvas como aquelas que tenho encontrado. É algo de assustador, vil, tétrico, e muito preocupante, também.

É quase impossível falar do caso sem querer parece estar a desvalorizar o sofrimento das vítimas de violação em geral. Especialmente se for com mulheres, que são normalmente o alvo deste tipo de crime, ou pelo menos quem fica com marcas psicológicas, independente se existem ou não mazelas físicas. Mas a vida é assim; neste mundo há fome, guerra, doenças, corrupção, miséria, em suma, desgraças atrás umas das outras, e não é a “mudar de assunto e falar de qualquer coisa mais agradável” que acabamos com estes problemas. O problema com o crime de violação é o estigma a que as vítimas ficam sujeitas, e não é por culpa de mais nada senão do lado sádico do carácter humano que sabendo que determinada pessoa foi um dia vítima desta humilhação, fica-se com essa imagem associada a ela. Mas alto lá, pois assim como no tango, é preciso um par para dançar, e para que haja uma vítima, é necessário que tenha havido um agressor. E o que consideramos nós por “agressão”, que pode variar conforme a personalidade, experiência, e até a educação de cada indivíduo?

No caso do tal futebolista, o que se passou foi mais complexo do que a mera satisfação de um instinto predatório, que a principal motivação do agressor na maior parte destes casos. Sem que se tenha ficado a saber muito bem quem dizia a verdade ou quem estava a mentir, é um dado garantido que Ched Evans e a alegada vítima tiveram um encontro sexual, e num contexto que se convencionou designar por “sexo casual”, que é algo que acontece entre duas pessoas que se acabaram de conhecer, ou que já se conheciam mas acordam em realizar este encontro sem que daí resulte algum compromisso entre ambos. Neste caso em particular os dois não se conheciam, aconteceu, e posteriormente a alegada vítima apresentou queixa do jogador, com base na “falta de consentimento” da sua parte. Parece grave, mas o que ela afirmou foi mais precisamente que “não se recordava de ter dado consentimento”, e de muitas outras coisas, pois encontrava-se “demasiado embriagada”.

No estado em que se encontrava, podai ter dado consentimento, como podia ter omitido essa ordem para avançar com as tropas. Peço desculpa, mas não consigo resistir, de tão absurdo que isto é. Quem tem uma noção do que se trata o “sexo casual”, ora por experiência própria, ora sabendo por outros (claro, claro, eu finjo que acredito), deverá estar consciente de que a situação não requer uma autorização expressa para que executem os trâmites: é implícito. No entanto a lei inglesa desenha uma linha muito ténue entre “falta de consentimento” e a violação, pura e simplesmente. Isto vale por dizer que basta a palavra de uma das partes, e nesta caso a mulher, para que o parceiro seja equiparado a um indivíduo que se esconde nos becos à noite esperando que passe uma donzela sozinha, para depois a abordar de forma súbita e violenta, disfruando das suas virtudes indiferente ao seu desespero. Não me quer parecer que seja bem “a mesma coisa”.

Resumindo o que se passou a seguir. Foi realizado um julgamento em 2012 que viria a resultar na condenação de Ched Evans a cinco anos de prisão, e com base nos eventos pouco conclusivos daquela única em que se comportou de forma abusiva (ele próprio se retratou desse facto), mas não criminosa, passou a ser conhecido por “violador”. Como na semana passada troquei uma lâmpada do candeeiro da sala daqui de casa, estou a pensar em apresentar-me como “electricista”. Nunca deixando de reafirmar a sua inocência, o jogador recorreu de de todas as formas possíveis, usando todos os meios de que dispunha, e conseguiu a repetição do juglamento, que na semana passada reverteu a sentença para “não culpado”. E o que mudou, entre a condenação e a absolvição? Apareceram novos dados? Novas provas? Testemunhas? Nada disso, pois esses foram sempre os mesmos desde a primeira hora. Ninguém quis levar nada disso em conta,e tenho uma teoria que ajuda a perceber porquê: quem questionar a veracidade da acusação de um crime desta natureza, é tão mau ou pior que o criminoso.

Ninguém se atreveu a duvidar da culpa do futebolista, e a mera sugestão de que se deveria olhar bem para o caso provocava um coro de indignação, e no lugar do maestro estavam os suspeitos do costume: associações que combatem males sociais sem os quais a sua razão de ser deixaria de fazer sentido. É uma perspectiva controversa, eu sei, mas o que tenho lido nos últimos dias levam-me a concluir que às vezes o problema das pessoas são elas próprias. Na minha utopia viveríamos numa sociedade harmoniosa, onde reinaria a ordem e a concordância , e os número da criminalidade seriam zero, violação incluida, lógico. Outras cabeças vão pensar que estou a “proteger os agressores”. Vou mesmo assim acabar numa nota positiva, com algum optimismo: pode ser apenas falta de qualque coisa melhor para ocupar o tempo, esta de se falar sem saber e dizer os maiores disparates. Se por acaso se quiserem entreter com outra coisa melhor, e o “sexo casual” for uma opção a considerar, recomendo que levem um notário reconhecido legalmente, de modo a que possa ficar registado o “consentimento”. Ah, e não se esqueçam do preservativo, também, que é a segunda precaução mais importante.

20 Out 2016

Duterte elogia  a China durante visita a Pequim

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Presidente das Filipinas, Rodrigo Duterte, elogiou ontem a China em Pequim, expressando a vontade de pôr de lado um espinhoso diferendo marítimo bilateral e de se afastar dos Estados Unidos.

“A China está bem. Nunca invadiu um único objectivo do meu país durante todas estas gerações”, declarou em conferência de imprensa Duterte, cujo país foi uma colónia norte-americana até 1946.

O polémico chefe de Estado filipino falou também longamente sobre as intervenções norte-americanas em todo o mundo, nomeadamente no Iraque, em 2003.

“Durante a Guerra Fria, a China foi apresentada como a má da fita, e durante todos esses anos, o que lemos nos manuais escolares era apenas propaganda fabricada pelo Ocidente”, sustentou.

Duterte, que efectua uma visita de Estado de quatro dias à China, explicou que foi procurar ajuda económica de Pequim. Manila está a levar a cabo uma espectacular aproximação diplomática ao gigante asiático, em detrimento de Washington.

“Venho pedir a vossa ajuda”, disse o responsável filipino numa entrevista à televisão pública chinesa CCTV, ontem transmitida.

“A única esperança económica das Filipinas é a China”, insistiu.

As Filipinas são um dos mais fiéis aliados de Washington na Ásia. Os dois países estão ligados por um tratado de defesa mútua.

Mas desde que assumiu o cargo, no final de Junho, Duterte tem-se feito declarações que colocam em causa as opções de política externa do seu país, virando-se para a China e a Rússia.

Criticou várias vezes duramente Washington e o Presidente norte-americano, Barack Obama, cancelou patrulhamentos conjuntos com os Estados Unidos no mar da China meridional (uma zona disputada entre Manila e Pequim) e repetiu que não fará mais manobras militares conjuntas com os norte-americanos.

Uma radical mudança de posição em relação à do seu antecessor Benigno Aquino, que obteve em Julho de um tribunal internacional de arbitragem a condenação das pretensões chinesas no mar da China meridional, onde Pequim disputa a soberania de muitas ilhotas a países costeiros (Vietname, Filipinas, Brunei e Malásia).

Mas Duterte, que chegou ao poder pouco antes do veredicto, não mostrou qualquer intenção de lhe dar seguimento.

“A sentença arbitral dá-nos o direito. A China tem o direito histórico. Devemos combater-nos, ou apenas discutir? Eu diria: deixem-nos adiar isto para outra altura”, declarou.

Bem-vindo sr. Presidente

A porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês, Hua Chunying, saudou o avanço para uma resolução do diferendo “pela consulta e pelo diálogo”.

“Eis como dois vizinhos amigáveis devem tratar-se mutuamente”, sublinhou.

Um sinal do estreitamente de relações entre os dois países é o facto de Rodrigo Duterte ter direito a todas as honras durante a sua visita, que terminará na sexta-feira.

Acolhido à saída do avião, na terça-feira à noite, pelo ministro dos Negócios Estrangeiros chinês, Wang Yi, o chefe de Estado filipino será recebido esta quinta-feira pelo Presidente, Xi Jinping, e pelo primeiro-ministro, Li Keqiang.

20 Out 2016

Educação | Governo permite que qualquer licenciado possa ser docente

Licenciados de diferentes áreas que frequentem um ano de pós-graduação em educação na Universidade de São José podem dar aulas nas escolas do território, com apenas 90 horas de estágio, situação que desagrada a professores que fizeram formação universitária específica. O Jardim-de-Infância D. José da Costa Nunes recebeu e contratou estagiários que se licenciaram em publicidade, mas não é caso único

[dropcap style≠’circle’]H[/dropcap]á três anos que a Universidade de São José (USJ) lecciona o curso de pós-graduação em Educação, promovido pela Direcção dos Serviços de Educação e Juventude (DSEJ), e que está aberto a licenciados de todas as áreas, sem exigir uma licenciatura em educação em ensino infantil, primário ou secundário. Após um ano de formação, os alunos devem fazer um estágio de 90 horas numa das 30 escolas que têm parceria com a USJ, podendo ser contratados como docentes logo a seguir. A própria DSEJ apoia os alunos no pagamento de 60 por cento das propinas.

O HM sabe que a situação está a deixar muitos professores com anos de experiência e formação completa em educação desagradados com o actual sistema, já que consideram injusto o facto de terem como colegas pessoas que não se licenciaram para serem docentes.

O Jardim-de-Infância D. José da Costa Nunes é um exemplo. A antiga directora da instituição, Vera Gonçalves, confirmou ao HM que foram acolhidas duas estagiárias que vinham da área da publicidade, sendo que uma acabou por ser contratada. “Os estágios que recebemos eram de pessoas que vinham de outras áreas. Mas acho pouco a formação de um ano. É preciso analisar o conteúdo dessa pós-graduação e as horas de estágio são 90, o que é realmente pouco.”

Apesar de garantir que um licenciado de quatro anos tem mais capacidade de leccionar, Vera Gonçalves considera que a qualidade do ensino não está em causa. “As pessoas são classificadas, se não têm um jeito natural e se demonstram não ser capazes não passam, não obtêm o certificado. De certeza que isso não acontece. Mas quando me pergunta se uma pessoa que teve um curso de quatro anos estará à partida mais bem preparada do que uma pessoa que só faz um curso de um ano, diria que sim.”

Apesar destes casos estarem a acontecer na prática, a verdade é que a pós-graduação também é frequentada por pessoas que acabam por dar aulas nas áreas em que se formaram, apesar de só terem um ano com formação de professores. É o caso de uma docente da Escola Internacional de Macau (TIS, em inglês), que dá aulas nessa área, e que pediu para não ser identificada.

“Já dava umas formações e dava aulas na TIS como professora substituta. Então abriu esse curso e pensei que poderia frequentá-lo, se bem que não dava aulas oficialmente. O que aconteceu é que a meio do curso abriu uma vaga porque a professora engravidou e eu entrei. O facto de estar a fazer o curso foi um factor para me empregar. Apresentei o meu diploma, subi no ranking da DSEJ e pronto”, contou.

Já Nevia Ng estudou tradução de Português-Chinês na Universidade de Macau (UM) e decidiu pós-graduar-se na USJ por desejar ser professora de Português nas escolas do ensino não superior.

“Só comecei este curso há três semanas, mas acho que a qualidade dos professores é boa. Comparando com a minha licenciatura, o curso é mais animado, é um ensino integrado com actividades. Este diploma é como um bilhete de entrada para as escolas públicas. Não consigo comparar com as pessoas que tiraram cursos de quatro anos para serem docentes, mas este curso consegue formar professores, porque as disciplinas estão detalhadas e bem preparadas, e os professores ensinam com dedicação. O estágio pedagógico é bastante exigente”, disse Nevia Ng.

Adequado a Macau

Ana Correia, directora da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da USJ, defende que a instituição do ensino superior privado não é empregadora dos alunos e que, na prática, as condições de recrutamento variam. “Oferecemos o programa, não somos empregadores, nem somos o Governo. Existem regras que são estabelecidas pela DSEJ. Há determinadas licenciaturas que dão acesso ao ensino primário e há outras que dão acesso ao ensino secundário, e outras ao ensino infantil.”

Actualmente a pós-graduação tem pouco mais de uma centena de alunos vindos de diferentes áreas académicas. “Já tivemos alunos doutorados, com um diploma de mestrado, e continuamos a ter este ano. Este é um programa de profissionalização que foi criado a partir de uma necessidade local, é um programa válido para ensinar nas escolas de Macau. Qualquer pessoa, independentemente do nível de estudos que já tenha, se não tiver esta profissionalização, não pode dar aulas neste momento.”

Contudo, não é garantido que um aluno que faça esta pós-graduação em educação possa ser professor no estrangeiro. “Este programa não tem reconhecimento internacional, embora isso possa acontecer. Se um aluno se deslocar a um país pode ir à entidade que reconhece os diplomas e pedir se pode dar aulas ou não, mas como este programa só está aberto há três anos, ainda não obtivemos feedback de nenhum aluno que tenha feito essa experiência”, disse Ana Correia.

A directora da faculdade assume que possam existir situações em que os docentes se sintam injustiçados. “Macau é uma região com características especiais, com um tamanho reduzido e este programa foi criado em consonância com este carácter único de Macau. Há pessoas com uma licenciatura de quatro anos em educação e que podem achar que deveriam ter um reconhecimento profissional diferente daquele que é dado às pessoas que tiraram um curso que não é de educação e que estão em pé de igualdade. Mas isso não tem que ver com a USJ.”

Em prol dos estágios

Ana Correia garante que o programa que forma docentes é bom nuns pontos e pior noutros. “Construímos um programa que foi submetido e aprovado pelo Gabinete de Apoio ao Ensino Superior (GAES) e fazemos com que esse programa seja o melhor possível, no espaço de um ano. Mas dentro desse ano os alunos aprendem filosofia da educação, desenvolvimento curricular, avaliação, questões ligadas à relação entre a família e a escola, o uso de tecnologias de informação na sala de aula, bem como a gestão da sala de aula, que não existe noutros países. O nosso programa pode não ser tão longo, mas terá características melhores ou outras que não são tão boas. Inclui um estágio de prática numa escola. Comparando com outras instituições, diria que o nosso programa é superior, mas se quisermos fazer comparações mundiais, assumo que há programas melhores do que este”, referiu a directora.

Contactada pelo HM, Zélia Mieiro, vice-presidente da Escola Portuguesa de Macau (EPM), confirmou que a instituição de ensino recebeu estagiários vindos da pós-graduação, mas garantiu que estavam preparados para dar aulas na sua área e não em áreas totalmente diferentes.

“Os nossos professores são todos da área em que estão a leccionar. Mesmo no primeiro ciclo são todos professores formados em ensino do primeiro ciclo, e têm estágio feito em Portugal ou na Universidade Aberta. Penso que uma formação universitária na área em que se vai leccionar é indispensável.”

Garantindo que a DSEJ é “muito exigente” na hora de avaliar os currículos dos professores, Zélia Mieiro acredita que a criação desta pós-graduação se deve à necessidade de implementação de estágios, e não tanto pela falta de recursos humanos nas escolas. “Não havia estágios pedagógicos em Macau e quiseram obrigar a que as pessoas tivessem um estágio para os professores poderem leccionar, e isso terá que ver com as escolas chinesas. As pessoas estavam a dar aulas sem ter estágio. Penso que quiseram colmatar isso, para haver uma maior formação na área pedagógica e didáctica”, concluiu.

DSEJ garante verificação das qualificações

Em resposta ao HM, a DSEJ garantiu que aqueles que não têm formação na área da educação podem fazer a referida pós-graduação e verem posteriormente as suas competências analisadas. “Segundo o quando geral do pessoal docente das escolas particulares do ensino não superior, os professores do ensino infantil, primário e secundário só podem dar aulas com qualificação. Pessoas não qualificadas podem optar por tirar o curso de pós-graduação relativo e a DSEJ vai verificar a qualidade da sua qualificação segundo a lei.” Para além disso, “quer os locais ou não locais, quando cumprem as exigências de candidatura, podem candidatar-se ao emprego. Os ensinos primário e infantil precisam de um diploma de especialização e uma formação qualificada, mas as escolas primárias precisam do diploma de licenciatura para que se possam cumprir as exigências de emprego”, referiu ainda a DSEJ em resposta por escrito.

19 Out 2016

Lei do Enquadramento Orçamental aprovada. Deputados dizem que não é suficiente

A proposta de lei de Enquadramento Orçamental foi aprovada na generalidade, mas não sem reticências. Despesismos, obras públicas e necessidade de fiscalização, e mais informação são aspectos a ter em conta na análise na especialidade, consideram os deputados

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] Assembleia Legislativa aprovou ontem, na generalidade, a proposta de lei de Execução Orçamental sem, no entanto deixar de registar alterações a serem feitas. A necessidade de um sistema de fiscalização capaz de evitar o despesismo e a operacionalização do recente diploma com especial incidência nas obras públicas foram os pontos maioritariamente apontados pelos deputados.

“A proposta é bem-vinda mas não chega”, afirma Ng Kuok Cheong, enquanto aponta a necessidade de ter os olhos postos na execução das obras públicas. O deputado é claro na apreciação que deixa: “A taxa de execução das obras públicas é nula, e esta proposta não adianta se vai existir ou não uma acção concreta nesta área”.

“É essencial que sejam apreciados na AL os grandes projectos do Executivo para que depois não venham a ser alvo de crítica pela população”, afirma o pró-democrata. Por outro lado, as pequenas obras, que vão até aos 50 milhões de patacas, “não devem ficar esquecidas, e devem ir a discussão e apreciação pública”. Ng Kuok Cheong não esquece ainda necessidade de um sistema de fiscalização capaz de acompanhar as despesas públicas e de fazer cumprir os projectos sem derrapagens, como as que têm vindo a acontecer.

Chui Sai Cheong, por seu lado, concorda que é uma proposta, na generalidade, capaz de trazer mais transparência aos projectos que envolvem o erário público, mas teme que seja um diploma, por ora, demasiado teórico. “Espero que, sendo agora aprovada, a proposta possa ser melhorada no processo de análise na especialidade e que venha a incluir regulamentações capazes de operacionalizar os conceitos que propõe”, afirma. Chui Sai Cheong alerta ainda para o artigo que prevê que, ao abrigo do diploma, possam ser dadas “instruções internas de acção em determinadas situações”. Para o deputado, as instruções só podem ser leis e não se deve aplicar esta possibilidade.

Limpeza de luxo

Para Au Kam San, as reticências mantêm-se. Se por um lado esta proposta representa, ao fim de dez anos, uma tentativa de melhoramento do regime actual rumo a mais transparência, por outro, não resolve o despesismo. “O Governo compra vassouras de três mil patacas e não vejo nesta proposta nada que evite este tipo de coisas”, afirma.

O deputado destaca que, “quando está envolvido dinheiro público, é necessário ter noção dos custos reais”. O deputado dá o exemplo do metro ligeiro cujo orçamento já há muito se distanciou do valor que foi inicialmente acordado.

Já José Pereira Coutinho está convencido de que os problemas associados ao despesismo não serão resolvidos com a presente proposta. “Levanta-me dúvidas quanto a questões concretas, nomeadamente o despesismo”, afirma.

Urge ainda um acompanhamento, “em tempo real”, da despesa pública, de modo a evitar o excesso de gastos que se tem registado. Desta forma, “estariam todos com conhecimento do destino dos gastos públicos”. “É mais uma proposta aprovada, como todas as que vêm do Governo; agora resta ter esperança que venha a ter algum efeito concreto”, conclui o deputado.

Um diploma com esperança

O Secretário para a Economia e Finanças tentou tranquilizar os deputados. “O próprio Raimundo do Rosário, o Secretário para os Transportes e Obras Públicas, já disse estar completamente disponível para apresentar qualquer esclarecimento relativo aos gastos”, afirmou Lionel Leong.

De modo a dar conhecimento à AL do andamento dos gastos, o governante sublinhou a medida que prevê a apresentação anual de um relatório intercalar, sempre até 10 de Agosto, em que é divulgada informação sobre o ponto da situação dos gastos públicos relativos a cada projecto.

“Não pedimos opinião projecto a projecto à AL mas, com este relatório, todos vão saber o que se passa”, explicou. O representante do Executivo salientou ainda que, para uma maior transparência, os Serviços de Finanças irão acompanhar, “em tempo real”, os gastos feitos através de um sistema de monitorização que está a ser criado para o efeito.


É preciso mudar

A preocupação com os gastos desmedidos tinha sido já antes mote para a interpelação de Pereira Coutinho no período de antes da ordem do dia. O deputado alertou para a necessidade de evitar despesismos e elevar o uso eficiente dos dinheiros públicos, depois de anos “sem que os principais titulares dos cargos públicos tivessem de assumir quaisquer responsabilidades políticas pelos erros cometidos”.

Para que a situação se altere, Pereira Coutinho exige ao Governo que cumpra com “os princípios de eficiência, ética e de responsabilidade social na tomada de decisões políticas que possam pôr em causa a credibilidade e o respeito dos governantes perante os cidadãos”. O deputado aponta a necessidade de acabar com “os elefantes brancos” na despesa pública e de dotar a administração de “eficiência e competitividade”.

19 Out 2016

Sufrágio universal | Deputados voltam a chumbar proposta de Ng Kuok Cheong

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] reforma política e o sufrágio universal estão, para já, fora de questão em Macau. Esta foi a decisão tomada ontem, na sessão plenária da Assembleia Legislativa (AL), perante a proposta de emissão de voto por parte do pró-democrata Ng Kuok Cheong.

O deputado contou com o apoio de Au Kam San e da bancada de José Pereira Coutinho mas, no momento de decisão, foram 24 votos contra o avanço da “moção” e apenas quatro a favor.

A “complexidade que uma proposta deste género acarreta” é motivo suficiente para que Kwan Tsui Hang a rejeite. Para a deputada à AL, não se está perante uma proposta de “sim ou não” e, para que exista uma real democracia, é necessário existir tolerância e aceitar a diferença de opiniões – o que, na opinião da deputada, não acontece com a proposta de Ng Kuok Cheong.

Chan Iek Lap considera que o pró-democrata utilizou a Lei Básica e a possibilidade de emissão de votos para manifestar vontades políticas pessoais, sendo que “a reforma do sistema político não pode andar ao sabor da vontade de cada um”.

A necessidade de um processo gradual ao invés de uma “revolução do sistema político” foi também um argumento para a recusa geral. Angela Leong considera que “há que observar o princípio da evolução gradual para a implementação deste tipo de proposta” e reitera que “não se deve obrigar os outros a aceitá-la”. Nesta linha vão também Song Pek Kei ou Mak Soi Kun. “Uma reforma deste género não depende da vontade de uma só pessoa” e “o apoio ao desenvolvimento político deve ser feito, mas de forma faseada” foram algumas das frases que se ouviram.

Mak Soi Kun demonstrou ainda indignação por considerar que a “moção” posta na mesa está a menosprezar o valor dos tribunos. “Quem pede o voto da população está a ignorar a sabedoria e o conhecimento dos deputados, sendo que a democracia deve ser concretizada através da colaboração e negociação”, refere Mak Soi Kun, que entende que a crescente promoção do bem-estar da população se deve ao empenho de quem se senta na AL.

19 Out 2016

Medidas anunciadas pela CTM não satisfazem cidadãos, diz Si Ka Lon

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]s medidas anunciadas pela Companhia de Telecomunicações de Macau (CTM) em relação à redução das tarifas e ao aumento da velocidade da Internet não deixaram os residentes satisfeitos, disse ontem na Assembleia Legislativa o deputado Si Ka Lon.

Numa interpelação totalmente dedicada à relação entre o Governo e a CTM, o tribuno afirmou que, de acordo com as opiniões que lhe foram transmitidas, “as tarifas e a velocidade dos serviços de banda larga continuam insatisfatórias em comparação com Hong Kong e Zhuhai”.

Para Si Ka Lon, chegou a hora de a Administração agir em relação ao que acontece no sector das telecomunicações e avançar com uma “verdadeira liberalização”.

Segundo o contrato de concessão celebrado com a CTM, a empresa “tem o direito de cobrar aos outros operadores interessados no acesso aos activos da concessão a despesa de aluguer dos serviços de circuitos na rede fixa”. O deputado vinca que os preços praticados pela Companhia de Telecomunicações de Macau são “elevados”, pelo que “não se conseguiu criar concorrência neste mercado”.

Si Ka Lon diz mesmo que as pessoas consideram que, no que toca à liberalização do sector, “o Governo está a falar e a agir de forma contrária”. Por isso, espera que o Executivo possa tomar medidas para atrair mais operadores para o mercado e “criar mecanismos, de longo prazo, de afectação justa dos activos da concessão”.

O contrato com a CTM tem a duração de dez anos – até Dezembro próximo o Governo tem de decidir se vai ou não renová-lo. O secretário para os Transportes e Obras Públicas alertou já que só se ocorrerem “infracções graves ou imperiosas razões de interesse público” é que o contrato não será automaticamente renovado.

19 Out 2016

Deputados defendem monocarril em Macau

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] tempo e o transtorno das obras na Taipa devem levar o Governo a adoptar outras soluções para o trânsito na península. Aproveitar a linha costeira pode ser uma mais-valia, dizem tribunos com ligações à construção civil.

Três deputados à Assembleia Legislativa defenderam ontem, no período de antes da ordem do dia, que o Governo deve repensar o plano que tem para o metro ligeiro do território. Kou Hoi In, Cheang Chi Keong e Chui Sai Cheong entendem mesmo que não vale a pena avançar com o metro em Macau: basta fazer a ligação entre a Taipa e a estação da Barra.

Os tribunos sustentam a teoria com a morosidade e transtorno causados pela construção do projecto. “As obras do traçado do metro ligeiro da Taipa são lentas e a população tem de tolerar, mais três anos, um período negro de trânsito”, salientaram. “Se a mesma situação acontecer na península de Macau, é de crer que serão mais graves os congestionamentos de transeuntes e de carros.” Vai daí, os deputados afirmam que “não vale a pena a construção [do metro] na península de Macau e basta ligar o troço da Taipa à estação da Barra”, sendo que pedem ao Governo que “pondere com cautela” a sugestão deixada.

Kou Hoi In, Cheang Chi Keong e Chui Sai Cheong deixam uma alternativa para a península, para que o trânsito possa ser “melhorado com urgência”: “Macau pode aproveitar as vantagens costeiras e tornar a Barra como centro, construindo à beira-mar na península uma ‘via circular exterior’”. Esta opção iria permitir, para os deputados, fazer a triagem de veículos para várias zonas, aliviando a pressão do trânsito no centro da cidade.

Depois, e seguindo a mesma lógica de aproveitamento da linha costeira, os três membros da AL – todos eles com ligações ao sector da construção – propõem que se faça um monocarril. Os deputados deixam uma noção do que poderia acontecer: “Os vagões podem percorrer, continuamente, a ferrovia em torno da cidade, permitindo aos cidadãos chegarem da circular exterior a várias zonas da península de Macau”.

Além da contribuição para a resolução do problema do trânsito, Kou Hoi In, Cheang Chi Keong e Chui Sai Cheong encontram nesta ideia mais uma atracção turística, pois poderia servir de “carril de excursão em torno da península”.

Que andem a pé

Igualmente preocupada com o trânsito está Chan Hong, que dedicou a interpelação que ontem fez na Assembleia Legislativa ao problema dos autocarros de turismo na Rua de D. Belchior Carneiro, junto às Ruínas de São Paulo. O assunto não é novo, mas a deputada achou por bem voltar a discuti-lo, uma vez que não há novidades sobre uma matéria que, de acordo com as promessas da Administração, seria estudada e resolvida ainda este ano.

Chan Hong começou por recordar que os Serviços para os Assuntos de Tráfego prometeram apresentar em 2016 um plano de reordenamento do trânsito para a Rua de D. Belchior Carneiro, para depois dizer que “até agora nada se vislumbra”. A circulação ininterrupta de autocarros que transportam turistas para a zona das Ruínas de São Paulo, prosseguiu, “há muito incomoda os residentes das proximidades e cria grave pressão para o trânsito nas vias circundantes”.

Para a deputada, a solução do problema passa pela interdição da circulação de autocarros de turismo: “Os visitantes podem descer no silo da Praça do Tap Seac e andar a pé até às Ruínas, visitando pontos turísticos na freguesia de São Lázaro”.

O sector do turismo tem, no entanto, uma perspectiva diferente, que Chan Hong não esqueceu na interpelação. Os representantes da indústria argumentam que “em Macau há mais de 1800 guias e mais de 100 agências de viagens que aceitam turistas da China Continental, havendo dificuldade na coordenação e orientação dos turistas para irem a pé até às Ruínas de São Paulo”.

A falta de consenso em torno deste problema, continuou, “vai pôr à prova a sabedoria do Governo”. A deputada insiste, no entanto, na utilização da Praça do Tap Seac como ponto de largada e tomada de turistas, propondo a criação de mais instalações de apoio às pessoas que visitam a cidade.

19 Out 2016

Pearl Horizon | Lesados voltam a pedir atenção do Governo

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]s proprietários de apartamentos do edifício Pearl Horizon voltaram ontem a exigir mais atenção do Governo e do grupo Polytec, tendo pedido ainda novas soluções para a sua situação. Os pedidos foram feitos em nova conferência de imprensa promovida pela União dos Proprietários do Pearl Horizon.

Segundo o canal chinês da Rádio Macau, Kou Meng Pok, presidente da união, pediu uma fiscalização ao grupo Polytec para prevenir a transferência de bens, para que o grupo não anuncie a falência da empresa deliberadamente. Por outro lado, Kou Meng Pok declarou que é legítimo e razoável que os proprietários tenham comprado fracções do Pearl Horizon, mas os mesmos já foram alvo de difamação, num caso que, garante, já se tornou muito mediático. Mais de um ano após o escândalo muitas vítimas e a famílias sofreram incómodos físicos e mentais, admitiu.

Ao HM Kou Meng Pok frisou que o pedido principal dos lesados continua a ser a realização de um encontro com os responsáveis do Governo e o grupo Polytec “para que nos possam dizer o que já passou, qual foi o progresso. As informações que temos são limitadas e não sabemos o que se está a passar,” explicou, adiantando que eles estão somente a garantir os seus próprios direitos.

19 Out 2016

Cotai | “Jardins Tropicais” da Venetian terão pouco mais do que relva

O terreno concedido à Venetian SA para a construção de uns jardins tropicais já está a ser desenvolvido pela subconcessionária, mas o projecto de arquitectura revela que o espaço terá pouco mais do que relva e algumas árvores

[dropcap style≠’circle’]F[/dropcap]ica ao lado do Sands Cotai Central e, em 2012, Sheldon Adelson, patrão da Sands China, falou dele como um grande projecto, que iria complementar os lotes 5 e 6, concedidos pelo Governo em 2010. Contudo, os futuros jardins tropicais terão apenas relva e pouco mais, segundo confirmou o HM. Uma fonte conhecedora do processo adiantou que o terreno em causa “deveria servir para a construção de uns jardins tropicais, mas aquilo vai ser apenas um espaço com relva. Vai ter umas casas de banho pelo meio, mas no seu essencial não são jardins tropicais”.

O projecto de arquitectura revela que os futuros jardins “vão ter algumas árvores”, bem como um espaço onde se podem tirar fotografias com a cópia da Torre Eiffel por detrás. “Não se pode chamar aquilo de jardins tropicais. Podia ser feito um jardim semelhante ao de Singapura (localizado junto ao resort Marina Bay Sands), com mais infra-estruturas, mais espaços verdes. Aquilo de tropical vai ter muito pouco, vai ter relva e umas árvores. Podia ser feito mais”, garantiu a mesma fonte.

Contactada pelo HM, a Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT) não fez quaisquer comentários sobre a futura constituição dos jardins tropicais, tendo referido apenas que a licença para o projecto de construção já foi atribuída. “De acordo com o contrato de concessão do terreno e nos termos da planta de condições urbanísticas, o terreno deve-se destinar à construção de jardins tropicais, mantendo-se inalterada esta finalidade. O concessionário do terreno deve realizar e concluir o respectivo projecto conforme o contrato”, respondeu a DSSOPT via e-mail.

Ultrapassagem francesa

A mesma fonte defendeu que foi dada prioridade à construção do Parisian e que este projecto acabou por ficar para o fim. “Desprezaram a construção dos jardins tropicais e o Governo está a deixar que isso aconteça”, referiu, acrescentando que a colocação de relva visa apenas acelerar o desenvolvimento do projecto, já que o prazo de concessão do terreno estará prestes a terminar.

A Sands China também foi confrontada com as mesmas questões, mas até ao fecho desta edição não foi recebida qualquer resposta.

A história dos jardins tropicais é longa e remonta a 2004, ano em que a subconcessionária Venetian SA submeteu ao Governo o “plano de aproveitamento da área central do Cotai”, sendo que, no ano seguinte, foi requerida a concessão dos lotes 5,6 e jardins tropicais. Em 2008 rebenta a crise financeira do subprime, o que obrigou a Sands China a fazer acordos com instituições bancárias e a receber empréstimos no valor de 1,75 mil milhões de dólares norte-americanos. Em 2010 o Governo decidiria atribuir a concessão por arrendamento, sem concurso público, dos referidos terrenos à Venetian SA, a serem aproveitados por um período de quatro anos.

19 Out 2016

Preços do Turismo mantêm tendência de queda

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]s preços dos produtos turísticos em Macau voltaram a cair no terceiro trimestre, tendência que se mantém desde há um ano, de acordo com dados oficiais divulgados ontem.

O Índice de Preços Turísticos (IPT) caiu 3,5 por cento, em comparação com o mesmo período de 2015. Os Serviços de Estatística e Censos atribuem a contracção, “principalmente, à redução dos preços do alojamento em hotéis e dos bilhetes de avião”.

Os preços do alojamento caíram 15,45 por cento e os dos “transportes e comunicações” desceram 14,45 por cento por cento, comparando com o período homólogo do ano passado.

O IPT caiu pela primeira vez desde 2003, na comparação anual, no terceiro trimestre do ano passado.

Apesar da queda contínua desde há um ano, em termos homólogos, no terceiro trimestre deste ano o IPT subiu 1,33 por cento em relação aos três meses anteriores (Abril a Junho últimos).

No mês passado já se tinha sabido que os lucros da indústria hoteleira do território em 2015 se situaram nos 2,76 mil milhões de patacas, menos 44,4 por cento comparativamente ao ano anterior.

As receitas do sector dos hotéis e similares atingiram 26,04 mil milhões de patacas em 2015, uma queda de 6,6 por cento.

A directora dos Serviços de Turismo de Macau desvalorizou esta queda nas receitas da hotelaria, destacando que está a aumentar o número de hóspedes e o tempo de estadia na cidade.

“O número de hóspedes tem subido e o número de pessoas a pernoitar em Macau também subiu”, disse Helena Senna Fernandes, sublinhando que em Junho e Julho deste ano, ao contrário do que é frequente, o número de turistas “que ficaram mais do que um dia em Macau” foi maior do que o de pessoas que visitaram a cidade em menos de 24 horas.

Senna Fernandes sublinhou que abriram novos hotéis em Macau e, “com mais quartos disponíveis”, o preço dos quartos, naturalmente, baixa. “Ao mesmo tempo, a taxa média de ocupação está na ordem dos 80 por cento (…). Se calhar estivemos muito acostumados a taxas de ocupação na ordem dos 90 por cento, mas acho que não há muitos destinos no mundo que tenham este tipo de taxa de ocupação”, afirmou, acrescentando que “tem de haver equilíbrio entre os preços dos quartos e a taxa de ocupação”.

19 Out 2016