Entrevista | António Paula Saraiva, autor de “Árvores e Arbustos de Macau”

“Árvores e Arbustos de Macau” é um livro que resulta de quatro anos de trabalho e descreve as mais de 200 espécies da flora local. Da autoria de António Paula Saraiva, a obra é a ilustração da natureza do território e serve de alerta para a necessidade de a conhecer. Está disponível em Janeiro

[dropcap]P[/dropcap]orque é que sentiu necessidade de explorar as espécies de Macau?
Considero que uma das falhas da nossa educação é o pouco caso que se faz da educação biológica. Tenho feito perguntas a várias pessoas acerca de aspectos que, para mim, são muito simples, e as respostas que tenho tido mostram um profundo desconhecimento dos factos mais simples da biologia ou mesmo do ambiente em geral. Tenho um amigo, por exemplo, uma pessoa informada, que ficou muito espantado quando lhe falei do nome das nuvens. Nem lhe passava pela cabeça que as nuvens pudessem ter nome. A maior parte das pessoas desconhece o nome das rochas e anda à procura de Pokémon, que são coisas que nem existem.

Considera que há um desconhecimento da realidade natural à nossa volta?
Sim. Hoje em dia as pessoas passam largos anos na escola e, no entanto, não sabem o nome das árvores que as rodeiam. Mas, por exemplo, sabem as marcas de automóveis. Se não existissem carros, o homem poderia viver, mas sem árvores, não. Há 200 ou 300 anos, havia um interesse e um conhecimento da botânica que não existe hoje. Penso que houve uma regressão. Não só estávamos numa fase de exploração activa do mundo, como havia o espanto da descoberta. A curiosidade acaba por se estender às plantas. Outro aspecto importante é que, antigamente, os remédios eram encontrados nas plantas e por isso muitos botânicos eram médicos. Dizia-se por brincadeira que as senhoras de um certo estrato social tinham de tocar piano e falar francês, mas houve épocas também em que o conhecimento da botânica era um apanágio do homem culto. É algo que hoje em dia desapareceu.

O facto de actualmente existir uma maior consciência ecológica em nada contribui para um maior conhecimento da botânica?
Isto é discutível, mas há muitas coisas que são fingidas e não correspondem à realidade. Toda a gente gosta de falar em ecologia, mas depois isso não se traduz em verdadeiras preocupações. Por exemplo, fala-se que é preciso gastar menos energia, mas as pessoas cada vez têm mais aparelhos de ar condicionado. É uma preocupação um pouco postiça.

Neste estudo da flora local, que particularidades encontrou?
Há um aspecto muito característico de Macau e ainda pouco estudado: a existência das raízes aéreas. Vemos as plantas crescerem contra a lógica porque há situações em que não há terra, nem água e as plantas continuam lá. Isso significa que se estão a alimentar através dessas raízes e sem suporte, mas ainda não se sabe como.

Em Macau há uma maior quantidade desse tipo de plantas?
Talvez, porque este tipo de plantas aparece mais em lugares com muita humidade.

Como é que decorreu toda esta investigação?
Não se pode dizer que seja uma exploração exaustiva, mas tentei que fosse completa. Há dois aspectos que contribuem para que não seja uma investigação exaustiva. Um deles é que estamos na era da globalização e, como tal, aparecem cada vez com mais frequência espécies de outras regiões. Por outro lado, e em relação às plantas espontâneas, há umas que apresentam características mais especiais e por isso saltam à vista, e outras que se confundem. Logo, é possível que aquelas que não apresentam aspectos muito característicos ou distintivos acabem por passar despercebidas e não constem no meu trabalho.

Mencionou a globalização e o acréscimo de espécies com esse fenómeno. Macau é um lugar de misturas. Podemos aplicar a miscigenação à flora local?
Posso responder de duas formas a esta questão. As pessoas quando vão para outros locais adaptam-se sempre, mas tentam também ter algo do seu mundo de origem. Um aspecto muito característico deste fenómeno verificou-se na Nova Zelândia em que os ingleses que foram para lá tentaram recriar a fauna do seu país. Em Macau verifica-se, por exemplo, que houve pessoas que trouxeram videiras. As videiras são características de climas mediterrânicos, mas infelizmente aqui já desapareceram quase todas com o avanço da urbanização. Mas ainda se encontram figueiras que, também sendo do mesmo tipo de clima, permanecem. As misturas culturais não se aplicam à botânica. Existe mesmo a noção de espécie invasora, ou seja, uma espécie que provém de uma outra localização geográfica, mas que se instala de tal forma que começa a acabar com a flora espontânea. Para dar um exemplo conhecido, em Portugal tem havido várias campanhas para acabar com as acácias que são da Austrália ou mesmo com o chorão das praias.

Podemos dizer que este trabalho é o primeiro do género a ser publicado, visto ser uma compilação e estar em três línguas, português, inglês e chinês?
Existe em Macau uma publicação acerca da flora local, mas só está publicada em chinês. É muito completa mas tem a limitação da língua. Nesse sentido, este livro tenta ser mais abrangente a chegar a pessoas que possam falar português ou inglês também. É um livro que tenta entrar por outros caminhos que ainda não foram explorados, nomeadamente o aspecto da reprodução das plantas que, para mim, tem uma importância fundamental: estamos numa época em que tudo é comprado, há viveiros onde se podem comprar as plantas, mas pode ser interessante as pessoas cultivarem as suas próprias espécies e, para isso, é necessário terem alguns conhecimentos. Os livros de botânica que existiam falavam apenas das plantas e não na sua cultura. Outro aspecto que também tentei abordar foi a história da introdução das plantas em Macau. Não havia praticamente fontes sobre a introdução de espécies no território. Encontrei apenas duas listas, uma de 1886 e outra de 1933 mas, entretanto, devido ao fenómeno da globalização e até do enriquecimento de Macau, foi possível trazer mais plantas para cá. Um número razoavelmente grande de espécies já entrou no território perante os meus olhos. É um dos capítulos mais insuficientes do livro e que gostaria de explorar mais, mas acabei por achar que era melhor pôr alguma coisa, e dar início a essa abordagem, do que não pôr nada. Quando introduzia espécies não tinha, por vezes, o cuidado de fazer uma descrição dessa introdução. Isso depois teve de ser feito a partir da memória.

Com factores como o desenvolvimento do território e a poluição, a flora está em risco?
Os chineses gostam mais de fazer as cidades em locais planos ao contrário dos europeus que preferem cidades em colinas. Aqui deitam por vezes montanhas abaixo para planar o terreno e é aí que fazem as suas cidades. No caso de Macau, toda aquela zona do Cotai é uma zona plana e isso leva a que as plantas localizadas nas montanhas estejam mais protegidas, enquanto aquelas que se situam nos locais mais baixos estão mais em risco ou já foram mais ou menos eliminadas. Não totalmente porque, sendo plantas de sítios húmidos, têm mais resistências do que as de sítios secos. Com certeza que a poluição causa danos; no entanto, como é que isso se traduz na evolução da população ou no desaparecimento de certas espécies, já é mais difícil de afirmar.

Quais as maiores dificuldades que teve na concepção deste livro?
Há espécies que não são de fácil identificação e, por isso, pedi ajuda a colegas para o fazer de uma forma mais precisa.

Este é um livro acompanhado de ilustrações. Porque é que decidiu recorrer a este tipo de representação?
O livro tem ilustrações técnicas na parte geral e depois tem a descrição das espécies acompanhadas por fotografias. A opção pelas 44 ilustrações que foram feitas pela Catarina França e pela Mafalda Paiva foi um retomar da tradição dos antigos botânicos que faziam, numa altura em que não havia fotografias, ilustrações e muitas delas muito bonitas. Quando se tira uma fotografia, a planta, que é constituída por uma série de planos, vai aparecer com aspectos focados e outros mais desfocados. Por outro lado, os desenhos têm ruído, ou seja, têm muitos aspectos secundários que dispersam a atenção. Nestas ilustrações todos os órgãos da planta aparecem ‘focados’ para que a sua leitura seja fácil. Há um ajeitar da natureza de forma a torná-la mais compreensiva. Mas foi sobretudo uma homenagem aos antigos botânicos.

EXPOSIÇÃO

https://www.facebook.com/events/1078674292241318/

Entre os dias 29 de Dezembro e 13 de Janeiro, os desenhos da flora de Macau que ilustram a obra de António Paula Saraiva serão objecto de uma exposição no auditório do Instituto Internacional de Macau. Para acompanhar o evento basta seguir a ligação em cima.


29 Dez 2016

Religião | Abertura para diálogo com Vaticano

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] China está disposta a manter um diálogo construtivo com o Vaticano, mas os católicos chineses devem “erguer alto a bandeira do patriotismo” e adaptar-se aos “valores chineses”, disse o responsável do Governo de Pequim pelos assuntos religiosos.

Wang Zuoan, director da Administração Estatal para os Assuntos Religiosos, falava durante a nona conferência dos católicos da China, que reúne em Pequim o clero da Associação Patriótica Chinesa, igreja católica aprovada pelo Estado e independente do Vaticano.

Pequim insiste que a igreja oficial tem autoridade para ordenar os bispos chineses, um direito que a Santa Sé diz pertencer apenas ao Papa.

O diferendo dura desde 1951, quando China e Vaticano romperam os laços diplomáticos, depois de Pio XII excomungar os bispos designados por Pequim.

As manifestações católicas no país são apenas permitidas no âmbito da Associação Patriótica, mas muitos dos cerca de 12 milhões de católicos chineses continuam a celebrar a sua fé em igrejas “clandestinas”, que juram lealdade a Roma.

O Governo chinês espera que o Vaticano adopte uma postura “flexível” e “pragmática” e medidas concretas que favoreçam a melhoria das relações, afirmou Wang, citado pela agência oficial Xinhua.

O responsável não detalhou quais as medidas que Pequim espera do Vaticano.

O Partido Comunista Chinês, que governa o país desde 1949, é adverso a grupos religiosos ou cívicos, vistos como potenciais ameaças à sua autoridade.

Optimismo moderado

Em Maio de 2015, o Presidente chinês, Xi Jinping, apelou aos religiosos do país para se adaptarem à sociedade chinesa.

Na terça-feira, Wang reafirmou a importância da religião integrar o “patriotismo” e que se persista com a “assimilação de valores chineses pelo catolicismo”.

O Papa Francisco disse no início deste ano que Pequim e o Vaticano formaram grupos de trabalho, para abordar a questão da nomeação dos bispos, e que está “optimista” de que será encontrada uma solução.

Na semana passada, contudo, o Vaticano lamentou que a ordenação de dois bispos chineses tenha sido feita na presença de um bispo designado por Pequim e não reconhecido pelo Papa.

A Santa Sé disse ainda que aguarda os resultados do encontro desta semana e que os católicos do país podem estar confiantes no diálogo entre ambos os lados.

29 Dez 2016

Do amigo e do amado

[dropcap style≠’circle’]Q[/dropcap]uando a Terra era maior e os homens mais pequenos por uma proporcionalidade de escalas o amor também perfilhava do mistério insondável da demanda do saber, vivendo-se na ilusão expansionista de uma Boa-Nova e tecendo-se histórias que levadas de um local para outro começavam a denotar um carácter de lenda, na distante Idade Média fundara-se o estatuto do romeiro e do eremita que tanto oravam a santos como a poetas  na linhagem da herança do Império do Al-Andaluz. Do amor nos chega ainda aqui os mais belos ecos e formas de louvor- amor cortês, amor amigo, amor paixão, amor sacral- que traziam para o terreiro dos dias a mais fina interpretação das coisas do Verbo.  Sem dúvida que falamos de outra Humanidade, de outras agentes, de outras demandas e estruturas, onde o casamento ainda era instituição insipiente e a família um laço alargado de Unanimidade. Morria-se muito mais….morria-se ao nascer, morria-se ao amar, morria-se pela terra…. e esta constante presença parecia limar o tecido do amor de forma redentora, e por isso também os reis eram amantes, compiladores de Cantigas, bastardos e legítimos, um laço de uma mesma árvore que brotava sem severas separações… o tempo posterior foi cerrando este respirar até ao estertor  do amor tabu que é onde estamos mais ou menos agora, mas o amor existe tal como as visitações e tem leis que tendemos a esquecer e merecimentos que não vemos,  muito ao estilo de Yourcenar quando afirma  ” não ser amado é tornarmo-nos invisíveis” .

Sabemos das leis da opacidade, mas desconhecemos as outras, numa vaga de sucessivos impulsos procuramos na nossa já quase invisibilidade um ponto de retorno à oração, ao desvendar de nós pelo outro, mas que outro que não há, e nos torna mais em nada? Sabemos lá no fundo que os amantes são a grande proposta de redenção, uma espécie de elemento predestinado sem noção de mudança ou separação, que são férteis, indivisos, poderosos, não expostos aos abrigos das traições sendo quase sempre uma natureza outra fora do ciclo das coisas transformáveis. A sua legenda era, seria, aquilo em que não deveríamos falhar, e foi por ela, afinal, que o erro se instalou.

Ramom Lull foi um prodigioso homem do seu tempo  (século XIII) aquele que fora apelidado como o criador da língua catalã, foi simultaneamente um teólogo, um poeta, um cientista, um místico e um homem da retórica, pois que tempo era que nada estava separado e da sua vasta obra talvez o «Livro do amigo e do amado»  nos devolva quase intacto o tempo em que viveu; fala-nos ele de um eremita que depois do Sol posto ficava em oração até ao primeiro sono, que se levantava pela meia-noite abrindo a cela a fim de contemplar  as estrelas e com oblatas se alimentava da sua ideia de Deus, é um tipo de vida da qual nada sabemos nem  os verdadeiros estados de espírito de quem toma por cada verso do « Livro das Contemplações» a chave do enleio dos dias, pois que esta obra de Lull é uma osmose entre a receptividade e a fé, esse elemento de amor que reflecte o princípio criador. O interlocutor melhorado é esse amado ser, ressonância talvez do seu alter ego que lhe fala da totalidade, da maravilha, é o outro, aquele ” a quem serve o vencedor” e mais tarde é Juan de La Cruz que o vem reabilitar na sua incomparável poesia de inviolável amor na «Noite escura» e« Cântico espiritual»  uma exegese, um ritmo, um anunciado….

São assuntos extensos e porventura intensos para uma abordagem só, mas neles se reflecte toda uma noção poetizante  do «pactum» da alma com a sua natureza, natureza essa que se perdeu na imensa selva do poeta das árvores sem raízes e dos sentidos sem disciplina, não sendo de prever mais que a morte desta arte que mais que exercício de escrita continha a noção de Humanidade, de ciclo criador, e nós, que distantes ficámos, estamos talvez como nunca no mais misterioso de todos os Invernos poéticos, porém, sem a sua existência teríamos perecido e nem aqui teríamos chegado.

Não devem no entanto abeirarem-se as gentes destes oficiantes com suas “botas cardadas” e ilusões vãs, pois não sabendo de quem se trata, pode a vida acordá-los de formas várias e nem sempre as melhores, vezes sem conta numa incontável falta de tacto de que dão provas: mau e bom, perdem aqui aquela moral tão cara ao código primitivo das suas fontes, e só o amor, que não sabem,  parece por fim misteriosamente intrigar neste mensageiro. Sem esta rara estranheza- pensam elas- que o mundo se equilibrava em si mesmo- mas não- pois que há leis que podem fazer compensar as falhas e as tormentas, e como taumaturgos cada um é uma fonte de equilíbrio que  impede que os elementos destruam ainda mais a “casa” dos Homens.

-Adoeceu o amigo e pensava o amado: de méritos o alimentava e com amor lhe saciava a sede, em paciência o abrigava de humildade e vestia com a verdade que curava.-

….e esta dialéctica do outro em permanência só uma delicada presença pode saciar.

         – Libertou amado o amor e permitiu que as gentes tomassem dele a sua vontade; e só encontrou amor aquele que o pôs no seu coração. E por isso chorou o amigo e teve tristeza da desonra que o amor recebia aqui em baixo por causa de falsos amantes.-

Toda a construção enaltece aqui a linguagem dos amantes numa quase unanimidade e concordância. Foi desenvolvido o hábito quase litúrgico da inspiração nestes tempos idos, e por isso, também o Cavaleiro honrava a sua Dama, a Dama defendia o Cavaleiro, e de todas as fontes a que abençoa mais é sem dúvida aquela que nos inspira. Por isso a ordem era Amar.

Aqui me lembro das velhas obras esquecidas como «Os Cavaleiros do Amor» de Sampaio Bruno que perto estão deste mito amoroso, e, quando descidos dos nossos cavalos, vemos a blasfémia do amor reduzido a insidiosa interpretação apetece morrer de amor por algo de irrevelado e do tamanho deste livro.

       -Desejava o amigo solidão e foi viver completamente só para que tivesse a companhia do seu amado com o qual está só entre as gentes-

  Os amantes estão sós no mundo.

29 Dez 2016

Da hospitalidade e dos usos que damos ao tempo

[dropcap style≠’circle’]S[/dropcap]empre tive a mola da ambição (ou da competição) avariada. Nunca quis subir num emprego, nunca quis ser chefe, nunca ambicionei liderar nenhum departamento, não me importo nada de perder às cartas (desde que não seja a dinheiro), só ganhei ao xadrez uma vez na vida, etc., etc.

Um dos maiores alívios da minha vida foi quando fui exonerado de Coordenador do Curso de Ciência de Comunicação, na Universidade Politécnica, em Maputo, cinco horas depois de numa reunião de professores (e sem que eu o soubesse previamente) ter sido anunciado nesse cargo. Motivo da exoneração: uma chuva de telefonemas para o reitor a indagar sobre o sentido de nomear um branco para o cargo. Adorei ser branco nesse fim de tarde.

Desisti do judo, depois de seis anos de competição, quando num campeonato nacional por equipas pus a minha equipa fora do pódio ao perder de propósito com um adversário que tinha um cinto três graus abaixo do meu, só para não faltar a um encontro que marcara com uma miúda. Estava “out” da competição.

Numa noite de copos com amigos jornalistas quis pôr a render essa minha inapetência para a competição e escrevi uma longa carta para o departamento de futebol do Real Madrid, em que me oferecia, por metade do ordenado do Emílio Brutragueño, para ser «o melhor suplente do mundo», assegurava, «aquele que nunca, mas nunca joga mas de quem a equipa nunca, mas nunca, prescinde de ter no banco». E prometia «elevar o nível de finta dos jogadores, lendo-lhes no banco trechos de As Mil e uma Noites ou de Henri Michaux». Como passámos a noite em branco, enviámos a carta aos Correios dos Restauradores, às oito da manhã, para um endereço que nos foi facultado por um jornalista desportivo espanhol. Não me admitiram, por falta de humor – técnica eu tinha.

Este relambório para explicar uma coisa simples: a única coisa que sempre quis ganhar na vida – muito mais do que dinheiro – foi tempo.

Ser dono do seu próprio tempo é importantíssimo, podemos comprová-lo pela regra antiga das cortes – conta o poeta francês Guillevic num livro de entrevistas -, que ordenava que só os fidalgos é que podiam atalhar a direito ou na oblíqua nos aposentos do palácio, os criados eram obrigados a percorrer todos os ângulos das salas e corredores, um por um, até esgotarem as solas e o seu tempo. Só um fidalgo podia poupar o seu tempo nos trajectos.

Para que se quer tempo? Aí as motivações diferem.

Um dos meus heróis, o jesuíta Richard Wilhelm que viveu na China trinta anos e foi o primeiro tradutor ocidental do I Ching, diria que o tempo lhe faltava para conhecer melhor o outro enquanto outro, pois, sendo-lhe perguntado de que mais se orgulhava em trinta anos como missionário na China, respondeu: ‘Orgulho-me de em trinta anos não ter feito uma única conversão religiosa’.

Esta recusa de proselitismo atesta uma liberdade inclusive a si mesmo que é a única forma saudável de estarmos no mundo: estarmos diante do outro não para lhe vender algo ou para convencê-lo de alguma coisa, mostrando que o usamos ou que ele é melhor ou pior do que nós, mas num poroso espírito de hospitalidade. Tentando, inclusive, a empatia. É esta virtualidade cada vez mais rara de encontrar entre os homens – sendo este motivo para darmos tempo ao tempo um dos que mais me interessa.

Li uma entrevista no Hoje Macau em que vi que também nessas longes terras isso é, infelizmente, raro. Lamentava-se o médico e escritor Shee Va, numa entrevista, a propósito do seu romance, “Espíritos”: «Acho que tem muito interesse quando se lida com uma cultura diferente poder compreendê-la. Talvez seja isso que quero transmitir. Portugal, neste momento, tem muitos chineses, o mundo inteiro tem muitos chineses. As populações não podem viver fechadas. Uma coisa que sinto em Macau é que foi durante muito tempo – e hoje em dia também – um sítio multicultural, mas em que as comunidades não interagem. Para mim, isso é mau – podia ganhar-se muito mais com a comunicação.»

As comunidades não interagem. Em África é igual. A célebre «reconciliação», tão buscada na África do Sul não aconteceu. Em Moçambique as comunidades étnicas e religiosas – brancos, indianos, negros, cristãos, muçulmanos, outros – não interagem. Co-habitam o mesmo território, sempre procurando algum tipo de poder hegemónico.

Já dei aulas a mil alunos, já escrevi prefácios para uma dúzia de livros, já apresentei vinte livros, já escrevi duas séries de ficção para a televisão oficial, já escrevi cinco ou seis catálogos de exposições, e os meus amigos negros são três, quatro; estou ao fim de doze anos de Moçambique confinado à comunidade de moçambicanos brancos. Nunca o quis. É assim mesmo: as pessoas usam-se, consoante as vantagens pontuais que se podem tirar delas, mas não interagem verdadeiramente, num afecto desinteressado. Há quem ache isto normal, eu acho um escândalo e um sintoma de um profundo mal-estar societário.

É transversal a todas as classes e idades. A famigerada multiculturalidade que se encontra nas aulas – onde o painel humano é um mosaico – não tem expressão na curiosidade sobre o outro e a sua cultura. A multiculturalidade tornou-se, patologicamente, apenas um alíbi que reforça a nossa identidade. O outro é um estrangeiro que está na “nossa terra” a prazo.

Em vez de usarmos o tempo para sermos competitivos e ambiciosos poderíamos usá-lo a aprender a hospitalidade, a acolher. Começa a ser uma urgência, antes que isto acabe mal. Ah, e o tempo nunca se cansará de ocupar-nos com os seus mistérios: por exemplo, metade das coisas que realmente importam só acabamos por levá-las a cabo quando já não temos tempo.

Como foi o caso desta crónica.

29 Dez 2016

Turismo de Natal

[dropcap style≠’circle’]D[/dropcap]esde que dou o meu humilde contributo a esta grande empresa que é o Hoje Macau (afinal é época de “dar”), este ano deve ser a minha vez de desejar as Boas Festas aos leitores, uma vez que nenhum dos feriados da quadra natalícia caiu a uma quinta-feira. Mas é com muito gosto que o faço, naturalmente, e aqui: Bom Natal e até ao meu regresso. Sim, tal como qualquer outra pessoa que não tem uma boa razão para ficar em Macau pelo Natal e tem quatro dias de férias, vou aproveitar e dar uma volta aqui por perto, onde pelo menos dê para sentir algum do ambiente natalício. O ano passado foi Xangai, este ano é Taipé.

Mas em primeiro lugar gostaria de saudar a comunidade macaense e os restantes cristãos naturais de Macau, pois parece invasivo estar a inclui-los neste rol de lamentações. Estes são os hóspedes do Natal de Macau, na terra deles, e os restantes são convidados. Quem não gosta não é obrigado a comer, e se não quiser ficar à míngua, se calhar o melhor é fazer-se à vida. Dito isto, desejo uma santa consoada aos cristãos de Macau que vão tomar com as suas famílias a ceia de Natal. E agora os outros.

Quem é natural de Portugal e tem aí uma boa parte da família, é natural que faça um esforço suplementar em termos financeiros e de gestão das férias para passar o Natal junto de quem tem saudades, e vice-versa, claro. A estes, que aproveito igualmente para saudar, a época consagrada ao dia 10 de Dezembro e seguintes é chamada de “fuga de Macau” – longe que te quero, lá vou eu, beijinhos a quem fica. Quem acha que as “saudades” são uma coisa que precisa de maturação, ou simplesmente não se pode dar ao luxo de ir “marcar o ponto” a Portugal todos os natais, vai ano sim/ano não, e quando é “não” vai para a Tailândia com o agregado familiar, ou no ausência deste, com amigos e amigas na mesma condição. Acho óptimo, não façam daqui segundas leituras. É uma das muitas vantagens de estar aqui a viver, e não em Portugal. Que bom para nós.

Na eventualidade de nem sim nem sopas, não há disponibilidade, férias ou vontade de sair de Macau, não deve o expatriado comum entrar em depressão. O que é isso, se em Macau os locais aderem ao Natal, ou mais ou menos isso. Primeiro, o dia 25 é feriado para toda a gente, o que por si já é mais que suficiente para não ignorar a noite da consoada. Talvez para quem comemora o Natal na sua vertente cristã e junto da família isto pareça demasiado “insonso”, mas no fundo isto não difere muito do que sentimos em relação ao Ano Novo Chinês, onde por vezes damos connosco a pensar: “What’s the point?”. Ficar em Macau no Natal não é “a mesma coisa” que sair, mas também não representa o fundo do barril da solidão, p’lamordedeus.

O que faz falta em Macau (olha, parece o nome daquela ex-rubrica de um título da concorrência) era…sei lá, mais luzes de Natal, como aqui ao lado em Hong Kong? E que tal uma árvore de Natal no centro da maior praça que não fosse um sólido geométrico feito de papelão, por exemplo; as árvores tinham folhas, da última vez que vi uma. Para evitar esta onda de turismo daqui para fora NO Natal, era preciso que Macau investisse no turismo DE Natal. Como? Talvez com outra coisa que não fosse casinos, e casinos, e mais casinos.

Feliz Natal.

29 Dez 2016

Rumo ao Estado de Direito Socialista

“Since China’s reform and opening began in 1978, the country has come a long way on the path of Socialism with Chinese Characteristics, under the leadership of the Communist Party of China. Over 30 years of reform efforts and sustained spectacular economic growth have turned China into the world’s second largest economy, and wrought many profound changes in the Chinese society.”
“The Road to the Rule of Law in Modern China” – Quanxi Gao, Wei Zhang, Feilong Tian

[dropcap style≠’circle’]Q[/dropcap]uanto mais importante se torna a China, mais difícil se converte o entendimento da sua realidade. O mundo ocidental na diversidade dos países que o compõem tem a sua visão peculiar, própria e especial da China, devido ao crescente aumento de empresários, estudantes e turistas que viajam para o país, que acrescido do conhecimento de especialistas na matéria cria maior confusão na aprendizagem da realidade chinesa.

A Noruega pode parecer uma inesperada fonte de conhecimento sobre a China pelos estudos que tem produzido, mas tal visão expressaria um mito sobre a Noruega, de ser um lugar remoto e voltado para dentro, quando na realidade se trata de um país geograficamente grande, mas demograficamente pequeno e altamente próspero, fortemente dependente das exportações de petróleo para o resto do mundo, e que tem uma grande participação na estabilidade global. É um aliado americano forte na OTAN e mantém um sofisticado mecanismo de defesa. Tem uma cultura cosmopolita e integra refugiados de todo o mundo como seus cidadãos.

A Noruega tem um forte interesse em tendências em todo o mundo, inclusive na China, e o seu Comité do Prémio Nobel da Paz, que não faz parte do governo, concedeu dois prémios Nobel da Paz a pessoas nascidas na China. Assim, não é de estranhar que a política externa da Noruega e o estabelecimento da segurança mantenha um olhar atento sobre os assuntos globais. Para um país pequeno, a política de segurança é menor sobre o equipamento, e maior sobre a compreensão das línguas, culturas e história de outros países, a fim de aprender o que estimula as suas políticas e como podem ser acomodadas ou resistir.

A China, conjuntamente com o mundo árabe, foi frequentemente como o clássico “outro” para um Ocidente sempre em mudança, que esforça por definir e redefinir-se a si mesmo. Vindo do ambicioso mas inseguro poder comercial e militar de Veneza do século XIII, Marco Polo retratou a China como infinitamente rica e poderosa. O pensador do Iluminismo François-Marie Arouet Voltaire, enquanto argumentava contra o obscurantismo religioso, defendia que a China era o lar da racionalidade secular.

A China para Adam Smith, durante a primeira revolução industrial, foi um exemplo de advertência de estagnação económica e Friedrich Hegel, escreveu na era napoleónica, a inverdade de que a China exemplificava um país sem heróis, revolução ou progresso, relegado para um estatuto fora da história. Ao longo dos anos, o Ocidente foi vendo a China como pobre ou rica, supersticiosa ou racional, bárbara ou civilizada, passiva ou guerreira. O Ocidente, com efeito, definiu a sua própria identidade, criando uma imagem da China como o seu oposto imaginário. Actualmente, encontramo-nos em um período, que não é o primeiro, do suposto declínio ocidental. O Ocidente sente-se desunido, indeciso, ineficiente e fraco. As representações de uma China em ascensão como unida, decisiva, eficiente e forte dão significado concreto a essas características, sendo quase negativo que a China esteja realmente a estender-se e em ascensão.

O seu produto interno bruto (PIB) aumentou dois dígitos durante três décadas, e o seu orçamento militar cresceu consequentemente, afirmando os seus interesses nacionais principais com vigor crescente. A questão fundamental é de saber, se a ascensão da China é realmente equivalente ao declínio do Ocidente, ou se trata do seu acompanhamento natural ou é mesmo a sua causa. Quando vemos a China como uma ameaça, estamos a vê-la como realmente é?

A chamada ameaça da China é uma mudança de forma, para usar uma frase de Karl Marx, um espectro que assombra o mundo pós-Guerra Fria da dominação americana, sendo difícil identificar o que os teóricos da ameaça chinesa realmente temem. Pode-se resumir o discurso, indicando três tipos de preocupações, que actuam por vezes em conjunto. O primeiro tipo é económico, pois a China tornar-se-á a maior economia do mundo, indo absorver toda a tecnologia ocidental e inundar o Ocidente com os seus produtos; a sua moeda será a reserva do mundo; estabelecerá padrões para produtos de tecnologia e de consumo e forçará o mundo a adoptar a maneira chinesa de fazer negócios.

O segundo tipo é militar, pois o crescimento económico da China fará que tenha cada vez mais poder militar para continuar as suas existentes reivindicações territoriais e expandir a sua influência regional, além de estender os seus interesses estratégicos no exterior, como trabalhadores, campos petrolíferos, investimentos, entre outros, e irá sentir-se contrafeita de projectar o poder militar para proteger esses interesses. É de prever que irá dominar primeiro a sua região e depois quiçá o mundo.

O terceiro tipo é normativo, pois o sucesso do modelo chinês porá fim ao domínio do “soft power” da democracia e dos direitos humanos. A China reescreverá as normas internacionais existentes sobre o livre comércio, direitos humanos, intervenção humanitária, assistência ao desenvolvimento e usará a sua influência financeira para influir não só a mídia nacional, mas também estrangeira, o pensamento académico e a cultura pública. Existem duas formas de avaliar tais receios, sendo o primeiro, através da possibilidade de projectar as tendências existentes no futuro, o que poderíamos chamar de previsão na trajectória. Este tipo de previsão é correcto na maior parte das vezes, porque a maioria das tendências geralmente continuam a desenvolver-se na mesma direcção. Mas tal previsão tem eventualmente a garantia de errar, porque cedo ou tarde a história nos surpreende.

A segunda abordagem é a de pensar sobre todas as formas improváveis em que as situações poderiam sair da trajectória, e tentar identificar os cenários mais inverosímeis. Este tipo de previsão é errado na maioria das vezes, mas cedo ou tarde tem uma boa percentagem de ser correcto, porque, a longo prazo, a única situação certa é a ocorrência de algo inesperado. Se pensarmos sobre a improvável ameaça da China, devemos, em primeiro lugar, incorporar os factos e tendências de que o regime chinês está sob controlo estável, apesar de muitos e diversos desafios às suas regras. Excluindo a possibilidade de desordem política, a economia continuará a crescer, ainda que tenha começado a desacelerar, como aconteceu com todas as economias de rápido crescimento, e é de esperar que a taxa de crescimento continue a abrandar.

O governo chinês enfrentará uma agenda complexa de segurança interna e externa, em um futuro distante, e deve gerir os desafios internos decorrentes de mudanças sociais rápidas, cepticismo ideológico e insatisfação entre grupos étnicos e religiosos, lutando com as queixas da população rural, cujas terras estão a ser confiscadas ou poluídas, e com os residentes dos centros urbanos que se opõem à actividade de fábricas poluentes e produtos de consumo inseguros.

É de esperar que Taiwan continue a resistir à integração na República Popular da China. Os principais vizinhos da China, como o Japão, Índia e Rússia, e os seus fortes vizinhos, como a Coreia do Sul, Vietname e Indonésia, continuarão a resistir à influência chinesa. Os Estados Unidos não sairão da Ásia. A prosperidade da China continuará a depender da sua interdependência com a economia global, como fonte de matérias-primas e energia, e como um mercado para as suas indústrias.

A China continuará a apostar fortemente na paz e nas estabilidades regionais e globais, para que a sua economia não seja perturbada, sendo improvável que, no futuro previsível, procure ou seja capaz de expulsar os Estados Unidos da Ásia ou de destruir o sistema global. Isso não significa que a ascensão da China não apresente nenhum desafio ao “status quo”. É possível a existência de um atrito contínuo entre a China e muitos dos seus vizinhos, dado tentar melhorar a sua posição em litígios territoriais.

A China continuará a desafiar o argumento dos Estados Unidos, de que pode conduzir legalmente exercícios navais e operações de inteligência até doze milhas náuticas ao largo da costa chinesa, e continuará a pressionar Taiwan para a reunificação, ao abrigo do princípio da existência de uma só China, que o presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, parece querer contrariar. Assim, é de esperar atrito entre a China de um lado e os Estados Unidos, e os seus aliados regionais do outro. Tais fricções carregam o risco da escalada, sendo improvável de conduzir a conflitos armados. É um exagero confundir esse risco de conflito local, com o risco de a China tomar conta do mundo.

E quanto à mudança fora da trajectória? Quanto maior for o período de tempo, mais provável é a ocorrência de algo dramaticamente diferente, basta pensar na queda da União Soviética ou da Primavera Árabe. Naturalmente, esse tipo inesperado de mudança é intrinsecamente imprevisível, mas devemos ser capazes de identificar alguns tipos de mudanças históricas radicais, com menor improbabilidade, que outras de acontecer. Por exemplo, observando a situação interna da China, podemos identificar vulnerabilidades essenciais no modelo económico, sendo a primeira a que inclui o pesado tributo que a degradação ambiental produz no solo, água, ar e saúde pública, tornando o actual modelo de crescimento insustentável, se não for invertida a actual tendência rapidamente.

A segunda vulnerabilidade económica é a estrutura demográfica de uma população em envelhecimento, e a terceira é o estímulo do crescimento rápido pelo pesado, e muitas vezes improdutivo, investimento estatal em infra-estrutura e imobiliário, através de empréstimos de bancos estatais. Tendo em consideração esses factores, é possível descartar um ressurgimento do crescimento de dois dígitos e a regra na possibilidade, embora não inevitável, de um declínio dramático do crescimento ou da possibilidade da ocorrência de uma crise económica.

O sistema político chinês não é tão vulnerável como se possa pensar, não sofrendo do complexo da falsa estabilidade a longo prazo, como acontece, nas mal realizadas democracias, como por exemplo, as do Japão, França e Estados Unidos, entre muitos outros países. Os líderes chineses afirmam oficialmente que se deve reformar e melhorar o seu sistema político, criando democracia de estilo socialista e construindo o Estado de direito socialista, ou seja, o sistema político chinês permanece em construção, e mesmo que a população dê ao regime altas notas de desempenho, vê o sistema actual como uma estação no caminho da evolução política, em direcção a uma futura forma de governo desconhecido, e a ser criado. A mudança política deve ser pacífica e gradual.

O ambiente internacional da China é potencialmente turbulento. A China faz fronteira com um dos países mais instáveis do mundo, a Coreia do Norte, governada por uma ditadura pessoal anacrónica, dividida em conflitos entre facções, e armada com armas nucleares, que governa uma população carecida. Se esse regime cair ou desencadear uma guerra, a China pagará um grande preço. Outros regimes instáveis que fazem fronteira com a China, incluem a Birmânia, Paquistão, Afeganistão, Tajiquistão, Quirguistão e Cazaquistão.

Os conflitos étnicos ou a ascensão de movimentos extremistas poderiam produzir fluxos de refugiados ou paraísos terroristas nesses lugares que ameaçariam a segurança da China. A desordem na África ou no Médio Oriente, podem no futuro ameaçar os suprimentos de petróleo, cobre e outras matérias-primas necessárias à China. A polarização das relações com a Europa e Estados Unidos, poderá ameaçar os seus mercados de exportação e a sua estabilidade financeira. Em contrapartida, é difícil pensar em mudanças plausíveis, fora da trajectória existente, no ambiente de política externa da China que melhorariam a sua segurança.

É improvável, por exemplo, que qualquer um dos maiores países vizinhos decida aliar-se à China porque a desconfiança é alta em toda a região. A alteração da trajectória existente, que é susceptível de ocorrer cedo ou tarde, tende a diminuir ao invés de aumentar a ameaça da China. Todavia, alguns mitos sobre a China são verdadeiros. A China está localizada em uma parte diferente do mundo, em relação ao Ocidente e tem as suas prioridades, necessidades de segurança e visão do futuro, e nem sempre vê o mundo, da mesma maneira que vêem os ocidentais. Está cada vez mais estreitamente ligada ao Ocidente e não se está a afastar, pelo que é urgente que entendamos essa verdade.

29 Dez 2016

China | Indignação em caso de alegada brutalidade policial

[dropcap style≠’circle’]M[/dropcap]ilhares de chineses pertencentes à emergente classe média do país participaram num abaixo assinado contra a decisão de uma procuradoria de Pequim de não acusar cinco polícias suspeitos da morte de um activista ambiental.

Lei Yang tinha 29 anos quando foi detido a 7 de Maio e algemado ao oferecer resistência para entrar no veículo da polícia. Pouco depois morreu afogado no próprio vómito num hospital na capital chinesa.

Segundo a decisão da procuradoria do distrito de Fengtai, emitida na sexta-feira, os cinco suspeitos, incluindo um subcomissário, “cometeram actos impróprios durante o seu trabalho que conduziram à morte de Lei e não pediram ajuda quando este se revelou doente”.

Tal comportamento requer sanções disciplinares “graves” mas não precisa de ser levado a tribunal, diz a decisão.

Num caso raro de demonstração pública de revolta da classe média chinesa contra as autoridades, dois baixos assinados foram iniciados ‘online’ por antigos estudantes universitários.

“Quando algo tão nefasto, tão difícil de aceitar, ocorre na sociedade, é como se deflagrasse um fogo interior, que sentimos nos ossos”, contou à Associated Press Yu Li, uma funcionária do ramo informático, que assinou o baixo assinado.

Os organizadores disseram não querer protestar nas ruas, por temer retaliações do Governo, mas o caso ilustra a crescente dificuldade do Partido Comunista Chinês em lidar com uma opinião pública cada vez mais exigente.

Questões como a injustiça no sistema judicial, poluição, corrupção ou escândalos de saúde pública ameaçam minar a legitimidade do partido junto de um segmento influente da sociedade.

O abaixo assinado reuniu mais de 2.400 assinaturas de antigos estudantes da Universidade Renmin, onde Liu se licenciou, e outras universidades chinesas de topo, como a Universidade Tsinghua e a Universidade de Pequim.

Entre os signatários constam académicos prestigiados e o presidente executivo de uma empresa de produtos alimentares.

Num país onde a brutalidade policial é “frequente”, o caso de Lei atraiu especial atenção devido ao seu perfil de jovem educado e activista ambiental que fazia parte de um centro de pesquisa do Estado.

Ser tansversal

Zhang Wen, um conhecido comentador chinês, disse à Associated Press que casos de injustiças contra camponeses ou trabalhadores migrantes são frequentes na China, “mas devido à sua classe social, os seus casos não geram oposição em massa ou consciencialização”.

“O caso de Lei Yang, porém, quebrou com as barreiras geográficas ou até de classe”, afirmou. “Se pode acontecer com ele, pode acontecer com qualquer um de nós. Qualquer um de nós podia ser o Lei Yang”, disse.

A Universidade Renmin, onde Lei se formou e cujo significado em português é Universidade do Povo, foi fundada pelo Partido Comunista, ainda antes da fundação da República Popular.

A maioria dos economistas, académicos e historiadores da instituição costumam apoiar as decisões do Partido.

Yu, que também assinou em protesto, disse que nunca se considerou activamente político, até que o caso de Lei o chocou.

“Nós esperávamos que este caso fosse resolvido com transparência e de acordo com a lei”, afirmou Yu, que estudou na Universidade Renmin, em 1996.

“Em vez disso, o que observamos é que o julgamento foi feito tendo em consta a estabilidade. Eles valorizaram mais a lealdade da polícia, do que as lamentações da população”, afirmou.

29 Dez 2016

Os desafios da prosperidade

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Tratado de Roma que criou a então Comunidade Económica Europeia faz 60 anos em Março. Quando a Europa caminha para uma idade próxima da reforma, aqueles que acreditam no projecto europeu têm muito que fazer para mostrar que a União não é um daqueles funcionários que já não tem capacidade para se regenerar e abraçar novos projectos. Desde a criação da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, aquilo que se denomina agora União Europeia (UE) terá contribuído para o período de paz mais longo da história da Europa e para o desenvolvimento das instituições democráticas – condição sine qua non para a adesão ao projecto europeu – em vários países que se encontram hoje na linha da frente da defesa de algumas das políticas europeias. A criação do mercado único europeu, no qual a circulação de pessoas, bens, serviços e capitais é assegurada – um mercado constituído por quase 510 milhões de pessoas –, o modelo do Estado social e o apoio às regiões periféricas e mais pobres da Europa contribuíram para a melhoria das condições de vida de dezenas de milhões de pessoas. São europeias algumas das principais marcas mundiais – de automóveis, de computadores, de bancos, de seguradoras –, que alcançaram dimensão global pela sua integração no espaço regional europeu. Embora seja mais fácil criticar do que elogiar – a Europa enquanto projecto comum de 28 Estados tem estado na mira de populistas e nacionalistas – o que é facto é que a União tem contribuído para vários feitos que convém ter sempre em consideração quando se fazem balanços.

Em ano de eleições muito importantes para o futuro da Europa, 2017 vai trazer legislativas na Holanda e na Alemanha e presidenciais em França, os desafios à solidariedade europeia vão ser imensos. Os defensores da integração europeia vão ter de trabalhar arduamente nos próximos meses para enaltecer as virtudes do projecto europeu a populações cada vez mais descrentes nos méritos da integração económica, monetária, fiscal e política. A ideia de que o projecto europeu está em crise parece por estes dias ser uma evidência. Mas foi este mesmo projecto, baluarte da paz, da economia de mercado, dos direitos humanos e da democracia, que serviu de fonte de inspiração para outras organizações internacionais um pouco por todo o mundo.

No entanto, os movimentos populistas têm ganho adeptos nas últimas duas décadas, mas mais notoriamente nos últimos cinco anos, à custa de um discurso anti-Europa, anti-imigração, pró-nacionalista, pró-soberanista. Aqueles que concluem que a União é um projecto que só funciona em tempos de expansão económica parecem estar por cima. Fazer o contraponto a esta argumentação não é fácil, sobretudo quando o objectivo primeiro dos partidos do centro – aqueles mesmos que trouxeram a Europa até este estado de coisas – é também o de ganhar eleições.

A crescente onda populista que marcou 2016 – as mensagens políticas do “leave” tinham essas características, apelando aos sentimentos mais básicos dos britânicos e prometendo um Reino Unido mais forte sozinho, abrindo a porta à saída de imigrantes do país – vai estar presente nas campanhas políticas do próximo ano. Logo, em Março, na Holanda, o discurso anti-imigrantes vai ser repetido por Geert Wilders, o presidente do Partido da Liberdade, que, à semelhança do seu congénere austríaco, tem estado a ganhar adeptos de uma forma espectacular.

Em Abril e Maio, com a primeira e segunda voltas da eleição presidencial, Marine Le Pen vai procurar explorar ao máximo a desilusão dos franceses com a actual situação económica e prometerá uma França que não se dobra a Bruxelas. Uma França sem euro – ou mesmo sem União Europeia –, pois Le Pen já ameaçou também com a realização de um referendo.

Na Alemanha, as hipóteses de vitória do partido Alternativa para a Alemanha são nulas. Mas, o discurso anti-imigração pode, tal como na Holanda, contribuir para fragmentar o parlamento e obrigar a soluções governativas mais imaginativas.

O problema com todas estas eleições e com as mensagens anti-Europa, anti-imigração, anti-solidariedade é que os valores que têm contribuído para o avanço da UE vão estar permanentemente em xeque. O que, quando passam 60 anos sobre a assinatura do Tratado de Roma, não augura nada de bom para aquilo que é hoje a Europa.

Um pouco como a Organização das Nações Unidas que, desde a sua criação, em 1945, se expandiu a várias áreas de intervenção, desde os direitos humanos, manutenção de paz, apoio às instituições do estado de Direito, ambiente, assuntos laborais… um sem número de actividades, também a União Europeia, enquanto entidade supranacional, tem, ao longo dos últimos 60 anos, abraçado cada vez mais áreas e regulado cada vez mais áreas de actividade – sobretudo económicas – que favorecem as condições de expansão do mercado. Tendo em conta o estado a que as coisas chegaram agora, a ideia de que a Europa deve aproveitar os “ataques” de que tem sido alvo, para se repensar, não é de todo despropositada. Afinal, o grande objectivo comum, como sintetiza a recentemente aprovada Estratégia Global da União Europeia para a Política Externa e de Segurança, é o da prosperidade dos seus povos. E eles parecem estar a precisar de ser de novo convencidos dos méritos do projecto.

28 Dez 2016

Legalização do jogo no Japão não implica ameaça a médio prazo para Macau

Primeiro era Las Vegas, depois chegou Macau. Com a liberalização do sector, o território passou a ser o principal centro de jogo do mundo. Esta semana, entrou em vigor a lei que legaliza os casinos no Japão. Há uma ameaça a médio prazo para o território? Os analistas locais dizem que não

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] secretário para a Economia e Finanças, Lionel Leong, garante estar atento e promete que vai prestar atenção ao desenrolar da situação; os analistas locais não mostram grande desassossego em relação ao futuro da principal indústria do território, pelo menos a médio prazo.

Depois de, em meados deste mês, ter sido aprovada a legislação que legaliza o jogo no Japão, o diploma entrou esta semana em vigor. Ainda vai ser necessário definir uma série de regras, mas sabe-se já do interesse dos grandes grupos internacionais do sector, incluindo daqueles que estão presentes em Macau. Os magnatas norte-americanos contribuíram, de resto, para que o jogo deixasse de ser proibido em solo nipónico.

À semelhança da decisão tomada em Singapura, a lei japonesa não autoriza a construção de casinos independentes – vão ter de estar integrados em resorts. Os investimentos da Las Vegas Sands e da malaia Genting na cidade-Estado transformaram Singapura no terceiro centro de jogo do mundo, a seguir a Macau e a Las Vegas, em tempos o líder no que toca a casinos.

O analista Grant Govertsen acredita que o Japão será um mercado muito diferente dos outros na Ásia, por uma simples razão: o país tem muita população e um produto interno bruto elevado, pelo que não terá de estar dependente de apostadores da China, e de outros países, para que as mesas de apostas estejam cheias. “O jogo será mais direccionado para os locais do que para os turistas.”

Para a académica Hester Cheang, o Japão pode ser um potencial competidor para Macau, uma vez que “é um destino turístico popular e tem mais para oferecer além dos casinos”. A especialista recorda que o país é muito procurado para o chamado turismo de compras e “quem vai às compras poderá sempre entrar num casino para jogar”.

Além disso, nota ao HM a directora do Centro de Pesquisa e Ensino do Jogo do Instituto Politécnico de Macau, os operadores e as entidades oficiais responsáveis pelo sector podem “retirar ilações das experiências do Vietname, de Singapura e de Macau”.

Não obstante a cautela que o território deverá ter, Cheang relativiza o impacto, recordando que entre a China e o Japão existem fricções políticas que podem condicionar a vontade de eventuais apostadores chineses em visitar casinos nipónicos. Depois, há ainda que ter em consideração as flutuações cambiais entre yen e yuan, que podem fazer do Japão um destino demasiado caro.

“Se Macau conseguir manter a dinâmica que tem, a nova legislação pode não influenciar de forma determinante”, acrescenta. O Japão terá dificuldades em representar uma real concorrência para uma cidade em que o jogo já está enraizado, com infra-estruturas estabelecidas e onde existe uma forte cultura, remata a académica.

Grant Govertsen assina por baixo e dá um exemplo: se um grupo de apostadores da China Continental que, num ano, vem cinco vezes a Macau, mudar de destino numa dessas viagens e for ao Japão, tal não trará um impacto considerável aos operadores locais. A transferência de receitas, estima, não deverá ser superior a dois ou três por cento.

A grande oportunidade

O banco de investimento CLSA estima que, quando as salas de jogo estiverem em operação, as receitas do jogo no Japão poderão chegar aos 25 mil milhões de dólares norte-americanos por ano. É um valor quatro vezes superior às receitas de Las Vegas mas, ainda assim, abaixo dos 28,9 mil milhões de dólares arrecadados em Macau no ano passado.

Para as empresas do sector, aponta Govertsen, o Japão é a grande oportunidade de fazer negócio dos próximos tempos. Tudo leva a crer que a hipótese não será desperdiçada por operadores como a Las Vegas Sands e a MGM Resorts International, que fizeram um forte lobby para as mudanças legislativas que agora aconteceram.

“O Japão vai ser uma Singapura em tamanho grande”, comentou à Bloomberg Daniel Cheng, o vice-presidente para a Ásia do Hard Rock Cafe International. “Poderá mesmo ultrapassar Macau”, avisa. A multinacional norte-americana de casinos e cafés está já à procura de parceiros para se candidatar a uma licença de jogo no Japão. A MGM tem uma equipa a trabalhar em Tóquio e tem estado a patrocinar espectáculos de kabuki para ganhar visibilidade. Quanto à Wynn Resorts, que tem dois casinos em Macau, está igualmente desejosa de participar na novidade nipónica. “Para nós, a oportunidade é totalmente japonesa e totalmente deliciosa”, afirmou o magnata Steve Wynn, citado também pela Bloomberg.

“Claro que os operadores de Macau estão interessados, tal como todo o mundo, tendo em conta que o Japão é uma enorme oportunidade para captar apostadores que não jogam em lado algum”, vinca Grant Govertsen.

Ainda vem longe

Uma das razões do entusiasmo de Wynn e de outros grandes operadores do sector é o apetite – histórico, de resto – dos japoneses pelos jogos de fortuna e azar. Quem vive ou visita o Japão pode apostar em corridas de barcos e de bicicletas, assim como de cavalos, indústria que rendeu 25 mil milhões de dólares em 2015, segundo os números oficiais.

Existem ainda mais de 10 mil salas de jogo equipadas com máquinas pachinko, muito populares no país, que têm contornado a proibição do jogo com a entrega de produtos aos vencedores, que podem, depois, trocar os bens por dinheiro noutros locais. No ano passado, os apostadores deixaram nestas salas de jogo 196 mil milhões de dólares, menos 30 por cento do que há uma década.

Os deputados japoneses têm agora um ano para trabalhar nos detalhes de funcionamento dos casinos, antes de ser aberto o concurso para as licenças de jogo. “É difícil fazer projecções porque a lei que entrou em vigor não nos diz nada em concreto, não estabelece o regime fiscal, o número de licenças ou a localização das mesmas”, sublinha ao HM Grant Govertsen. “Seria como fazer uma previsão da indústria em Macau há 15 anos, apenas baseada na informação que o jogo iria ser liberalizado.”

Ainda de acordo com as estimativas do CLSA, a abertura de dois resorts integrados em grandes centros populacionais poderá significar receitas na ordem dos 10 mil milhões de dólares, com uma previsão de 25 mil milhões a partir do momento em que as salas de jogo estiverem espalhadas pelo resto do país. No entanto, é bem provável que seja necessária ainda uma década para a construção das infra-estruturas necessárias. Grant Govertsen diz que, numa perspectiva optimista, 2022 poderá ser o ano da primeira inauguração de um casino japonês.

Para já, Singapura parece ser o modelo que o Japão pretende adoptar. Em 2014, o primeiro-ministro Shinzo Abe esteve nos dois resorts integrados da cidade-Estado, para ver os casinos, os hotéis, os centros de convenções, os centros comerciais, os teatros e o parque temático que nasceram com a legalização do jogo.

No ano passado, os casinos em Singapura conseguiram receitas de 4,8 mil milhões de dólares. O centro de exposições e convenções da Sands, com 120 mil metros quadrados, tem mais 50 por cento do tamanho da maior infra-estrutura do género de Tóquio.

Para o analista do CLSA Jay Defibaugh, os resorts integrados vão permitir que os próprios casinos ganhem uma maior escala mais rapidamente. “Estamos a falar de milhares de pessoas que vão estar perto das mesas de jogo quando se deslocarem a um centro de convenções”, constata.

Singapura com pouca China

A luz verde dada aos casinos é uma vitória política de Shinzo Abe, depois de anos de discussão em torno do assunto. Mas não foi uma empreitada fácil: faltou o apoio popular. De acordo com um estudo recente divulgado pela estação pública NHK, apenas 12 por cento dos inquiridos estavam a favor do fim da proibição do jogo, com 44 por cento a mostrarem oposição. Os políticos acabaram, no entanto, por ceder à perspectiva da criação de postos de trabalho e do encaixe fiscal.

Os deputados pensam ainda no número de turistas que o jogo poderá levar ao arquipélago. Singapura recebeu 15 milhões de turistas no ano passado, quase o triplo da população da cidade-Estado. Os resorts integrados e os eventos que lhe estão associados – incluindo a corrida de Fórmula 1 à noite – aumentaram as receitas dos hotéis para 3,2 mil milhões de dólares de Singapura em 2015, contra os 1,6 mil milhões registados em 2009, um ano antes da abertura do primeiro casino.

A cidade-Estado decidiu tentar evitar o jogo patológico entre os seus residentes, obrigando os locais ao pagamento de 100 dólares de Singapura em cada ida ao casino. No Japão, ainda não se sabe se será aplicada uma restrição deste género, mas os analistas acreditam que não deverá ser esse o caso.

À Bloomberg, um professor da Universidade de Comércio de Osaka, Toru Mihara, assinalou que o dinheiro dos casinos deverá vir, em primeiro lugar, dos japoneses. “As receitas provenientes de apostadores estrangeiros serão um bónus. Não há necessidade de enfatizar os VIP chineses. Se quiserem vir, serão bem-vindos.” Toru Mihara entende que o principal mercado será constituído por clientes da classe média-alta, incluindo advogados e homens de negócios.

Evitar uma dependência nos grandes apostadores da China Continental é visto como sendo uma atitude sensata, sobretudo porque Pequim tem estado a tentar controlar a saída de capitais. Singapura tem sofrido com a diminuição das viagens para o exterior de jogadores chineses com muito dinheiro: no resort da Genting, os VIP significaram 36 por cento das receitas do terceiro trimestre deste ano, quando na primeira metade de 2014 garantiram 63 por cento do dinheiro arrecadado. Em Macau, o segmento VIP caiu 46 por cento desde 2013, altura em que mais significado teve para o sector.

28 Dez 2016

Chan Meng Kam questiona panorama dos talentos bilingues

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] deputado da bancada de Fujian interpelou o Executivo sobre a actual situação de talentos bilingues em português e chinês. Aquando da 5ª Conferência Ministerial do Fórum Macau, o primeiro-ministro Li Keqiang apontou para a necessidade de estabelecer pontes linguísticas que auxiliem aos contactos económicos. Na altura, deu-se particular relevo às áreas das finanças, da contabilidade e do direito.

De acordo com Chan Meng Kam, não existe um plano governativo para a formação em língua portuguesa. “Existem em Macau cerca de 77 mil alunos do ensino secundário, dos quais apenas 3800 estudam português. Ora isto representa uma percentagem abaixo dos cinco por cento”, contextualizou o também empresário ligado ao sector do jogo. Como tal, é necessário o impulsionamento da aprendizagem da língua de Camões com um plano de longo prazo, acrescentou.

Alexis Tam, secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, prometeu que nas Linhas de Acção Governativa do próximo ano esta questão será abordada, nomeadamente com a instalação de um centro de formação de docentes de português, em parceria com instituições estrangeiras. Será, também, aumentado o número de vagas para as bolsas de mérito para os alunos que pretendam estudar a língua ao nível do ensino superior. Para tal, as dez escolas públicas de Macau serão uma boa plataforma para avançar com os estudos.

Para já, as intenções ainda não passaram para a realidade, uma vez que ainda não se sabe como serão implementadas.

28 Dez 2016

Não residentes | Deputados escrevem ao Governo a pedir novas medidas

Lam Heong Sang quer uma lista de sectores em que trabalhadores importados não entram; Ella Lei pretende obter do Governo todos os dados relativos a recursos humanos recrutados ao exterior. Os deputados do sector laboral voltam ao ataque, em nome dos que são de cá

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]ferece um diagnóstico ao Governo e a receita para resolver a maleita: diz Ella Lei que o descontentamento social motivado pelos trabalhadores não residentes se deve à opacidade com que a Administração lida com o assunto. A deputada considera que são insuficientes os dados disponibilizados sobre os recursos humanos recrutados ao exterior, existem falhas na fiscalização e a legislação peca por ser incompleta.

Na interpelação a Chui Sai On, a representante dos Operários recorda que há “um acto administrativo que define que os empregadores devem cumprir a garantia do número mínimo de trabalhadores locais”, para depois lamentar o facto de as autoridades nunca terem revelado o número de não residentes por empresa e por sector de actividade. Esta situação tem, como consequência, que “a garantia surta pouco efeito”, alega.

A deputada entende que falta “um princípio para aprovação” dos pedidos de importação de mão-de-obra, pelo que “as autoridades, na verdade, ajustam a proporção dos trabalhadores locais livremente”, o que faz com que seja “impossível à sociedade julgar a racionalidade das aprovações” concedidas.

Ella Lei frisa que a situação actual causa insatisfação ao sector laboral, mas recorre a outro argumento: também a parte patronal está descontente com o que tem vindo a acontecer. “Algumas empresas recebem muitas mais quotas do que outras, em termos proporcionais”, aponta. “As dúvidas da sociedade nunca ficaram resolvidas. Continua a existir a ideia de que há parcialidade na aprovação dos pedidos.”

Para a deputada, falta também transparência nos dados relativos ao tipo de funções desempenhadas por trabalhadores não residentes. A dirigente dos Operários pretende ainda saber que salários auferem.

“Com a falta de transparência, é inevitável que o Governo seja acusado de estar a autorizar pedidos de aprovação às escondidas”, alerta. “A Administração nunca divulgou junto da população uma análise sobre os recursos humanos do território, bem como um plano para impulsionar a formação dos profissionais locais.”

A rematar a interpelação, Ella Lei pergunta se o Executivo vai divulgar todos os detalhes sobre o quadro actual da importação de mão-de-obra. “As autoridades argumentam que existem muitos sectores em Macau e que a existência de um limite unificado de trabalhadores não residentes não é viável. Os pedidos de importação estão a ser aprovados conforme a situação específica das empresas. Por isso, o Governo conhece muito bem os números e a proporção entre residentes e não residentes”, vinca Ella Lei, que quer conhecer estes dados.

Mudar a lei

O colega de bancada de Ella Lei, Lam Heong Sang, também escreveu ao Executivo acerca da necessidade de defesa do proletariado detentor de BIR. Numa interpelação oral, o vice-presidente da Assembleia Legislativa alertou para as lacunas da lei da contratação dos trabalhadores não residentes, que foram descobertas depois da entrada em vigor do diploma.

Depois de uma revisão legal, o deputado pretende elencar os tipos de emprego onde deveriam ser proibidos trabalhadores contratados ao exterior. Lam Heong Sang gostaria também de ver um limite ao recrutamento deste tipo de mão-de-obra, assim como gostaria que fosse reforçado o regime de fiscalização. De acordo com o dirigente dos Operários, esta medida visa assegurar a garantia dos mais básicos interesses laborais, com o acesso a um salário estável e ao regime de previdência.

Na interpelação, o deputado menciona a possibilidade de implementação de um mecanismo de substituição dos trabalhadores não residentes por residentes. Além disso, salienta a necessidade de acabar com a hipótese de a mão-de-obra estrangeira deixar de trabalhar na empresa que fez o pedido de bluecard. Lam Heong Sang acrescenta também a pertinência de aumentar as penas para quem infringe as leis do trabalho.

O deputado alerta ainda para a inércia governativa neste domínio, uma vez que, em meados de 2015, o Executivo mostrou vontade de rever as leis laborais, em especial no que toca à contratação de trabalhadores não residentes. Nesse sentido, questiona se já há um calendário para a apresentação da proposta de alteração à lei.

28 Dez 2016

Urbanismo | Membro do CPU pede protecção do Porto Interior

Manuel Pui Ferreira exige medidas de defesa ao espólio arquitectónico do centro histórico de Macau, um tesouro entalado entre o progresso económico e a identidade cultural

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] cidade velha está repleta de pequenos tesouros urbanísticos que se degradam a olhos vistos. Uma das zonas mais problemáticas é o Porto Interior, com inúmeros edifícios em avançado estado de degradação. Tendo a protecção do património histórico em vista, Manuel Pui Ferreira, membro do Conselho do Planeamento Urbanístico (CPU), pretende que se faça um levantamento dos prédios a necessitar atenção dos serviços. Algo que tenha mais força do que a actual licença, concedida pela Obras Públicas, que habilita o proprietário a realizar obras.

Em declarações prestadas ao Jornal do Cidadão, Manuel Pui Ferreira defendeu ainda que será necessária legislação para proteger o património arquitectónico do Porto Interior. Actualmente, quem comece obras sem a devida licença incorre apenas numa sanção administrativa. Uma penalização que, de acordo com o membro do CPU, não representa qualquer tipo de persuasão, “não surte efeito dissuasor suficiente”.

Pui Ferreira sabe por experiência própria que houve edifícios que sofreram remodelações profundas que alterarem a génese histórica, sem terem sido apresentadas plantas de condições urbanas ao CPU. Nesse caso, o dirigente sugere um agravamento da punição para quem prevarique, nomeadamente através de acusação do foro penal.

Na entrevista ao Jornal do Cidadão, Pui Ferreira lembrou um caso concreto do edifício Column On Lee, onde o proprietário simplesmente retirou a tabuleta que distinguia o imóvel como sendo de elevado valor arquitectónico. Na altura, o dono do prédio ignorou a licença de construção das Obras Públicas, e antecipou-se à sugestão do Governo, e do Instituto Cultural, para a manutenção da fachada.

Para o dirigente da CPU este é um “caso que mostrou, mais uma vez, a falha de supervisão das Obras Públicas, e uma clara falta de comunicação entre os serviços”. Casos como este podem lançar um perigoso precedente, “encorajando os proprietários a começarem a obra antes de pedirem licença”, rematou à publicação de língua chinesa.

Três ideias

Este é um dos maiores perigos que o património arquitectónico de Macau sofre: protecção do seu espólio versus capitalização dos bens imóveis pelos seus proprietários. É por isso que a distinção de património de interesse cultural é, na maioria das vezes, mal recebida pelos donos.

Tendo em conta um planeamento urbano equilibrado, que respeite o interesse histórico, Manuel Pui Ferreira sugere a adopção de três medidas. Em primeiro lugar, deve exigir-se às Obras Públicas o anúncio da lista de edifícios que apresentam problemas estruturais. Também se deve fazer uma avaliação completa ao Porto Interior a fim de verificar quais os imóveis com características a preservar, elaborando uma classificação de níveis de restauro, seguindo as práticas de cidades vizinhas.

Finalmente, o conselheiro estabelece como meta fundamental a elaboração de um quadro legal que proteja a cidade inteira, permitindo a protecção dos traços arquitectónicos tão característicos de Macau.

28 Dez 2016

Coutinho diz que não teme consequências políticas da detenção dos filhos

Preferiu não esperar pelo próximo plenário da Assembleia Legislativa para falar sobre o assunto. Os dois filhos de Pereira Coutinho foram detidos por suspeita de tráfico de droga, mas o deputado diz-se tranquilo em relação ao futuro político e agradece o apoio que tem recebido

[dropcap style≠’circle’]F[/dropcap]oi o último a entrar numa sala que estava cheia – metade eram jornalistas, os outros eram sócios da ATFPM – e fê-lo sob uma chuva de aplausos. José Pereira Coutinho vive “momentos difíceis”, com a detenção dos dois filhos por suspeitas de tráfico de droga, e decidiu chamar os jornalistas à sede da Associação dos Trabalhadores da Função Pública de Macau para agradecer o apoio que tem recebido.

“Esta conferência de imprensa foi convocada por mim para agradecer às pessoas. Recebi telefonemas da Austrália, da Europa, de Hong Kong, do Interior da China, foram mensagens de solidariedade e de apoio moral. Não tenho outra forma de agradecer a atenção que as pessoas têm para com aquilo que está a acontecer neste momento com a minha família”, afirmou.

No passado dia 22, a Polícia Judiciária (PJ) divulgou uma nota à imprensa em que anunciou ter detido “os líderes de um grupo criminoso de tráfico de droga local, que colaborava com um grupo criminoso de tráfico transfronteiriço”.

No mesmo comunicado, em que identificaram os suspeitos como sendo “dois irmãos de apelido Kou”, as autoridades explicavam que a detenção, que aconteceu a 21 deste mês, surgiu na sequência de uma denúncia. À PJ chegou a indicação de que os dois irmãos iriam à zona norte para a obtenção de estupefacientes. Os suspeitos foram detidos no local e a Judiciária apreendeu quatro sacos de marijuana, com um peso total de um quilograma. A PJ acredita que a droga iria ser vendida em estabelecimentos de diversão nocturna. No mesmo dia, foi detido um terceiro suspeito perto de um casino no Cotai.

O trigo e o joio

Alegando o segredo de justiça a que “estão obrigados todos aqueles que são conhecedores do caso”, Pereira Coutinho não fez comentários sobre a questão pessoal que levou à realização da conferência de imprensa, tendo apenas confirmado que o filho mais velho está detido preventivamente, enquanto o mais novo se encontra sob termo de identidade e residência.

O deputado preferiu não tecer comentários sobre a posição que tomou relativamente à recém-aprovada lei da droga, que introduz penas mais pesadas para o consumo e tráfico de estupefacientes.

“Pedia o grande favor de respeitar a privacidade da minha família”, disse, na declaração inicial que fez. “Não são figuras públicas ou que tenham estado nos meios de comunicação social no passado. Eles precisam de sossego e de paz para que possamos ultrapassar estes momentos difíceis das nossas vidas.”

“Neste momento, o processo está sob investigação”, prosseguiu. “Nada mais poderei avançar, aguardo serenamente porque confiamos na justiça e, com o tempo, as coisas vão-se consolidando e vai transparecer aquilo que, de facto, se passou”, acrescentou.

Em resposta a um jornalista, o presidente da ATFPM refutou ter de assumir responsabilidades por causa da eventual conduta criminosa dos filhos e chamou à colação o caso Ho Chio Meng. O antigo procurador foi nomeado pelo Chefe do Executivo, mas ninguém assacou responsabilidades ao líder do Governo, argumentou.

“A minha conduta não vai mudar minimamente nas funções que exerço e que terei de cumprir mais um ano como deputado à Assembleia Legislativa. Vou continuar a ser a mesma pessoa, a exercer com consciência as minhas responsabilidades e não esperem de mim facilidades porque tenho um compromisso com os cidadãos de Macau: cumprir rigorosamente o meu mandato”, prometeu.

Questionado sobre as eventuais repercussões políticas de um caso que é pessoal, a nove meses das eleições legislativas, Pereira Coutinho diz estar tranquilo. “Macau é pequeno, as pessoas conhecem-se umas às outras. Não estou minimamente preocupado com o resultado que vier das eleições do próximo ano, porque acredito que, num regime democrático, temos de saber viver com aquilo que as pessoas pensam sobre quem está a trabalhar para servir Macau”, declarou.

“Digo honesta e sinceramente que em nada me está a afectar porque acredito que as pessoas de Macau sabem ver a diferença das coisas. Uma coisa é eu ter de assumir responsabilidades de um caso concreto, da situação concreta. Outra coisa é pessoas adultas – estamos a falar de um rapaz de 31 anos e outro de 27 – que terão de assumir perante a lei as suas responsabilidades.” A confiança do deputado é, segundo explicou, alicerçada nas mensagens que tem recebido nos últimos dias.

Paz e elogios

O presidente da ATFPM contou ainda que houve pessoas próximas que o aconselharam a esperar pelo próximo plenário da AL para explicar “a meia dúzia de pessoas” o que aconteceu. “Eu disse que não, que queria fazer esta conferência de imprensa. A única coisa que quero é paz, é descanso para a minha família”, desabafou, garantindo no entanto estar “psicológica e emocionalmente em forma para enfrentar os futuros desafios” que terá de enfrentar no exercício das suas funções políticas. “Quanto ao futuro, Deus saberá fazer e decidir da melhor forma. Não estou minimamente preocupado.”

Na mesa que serviu para a conferência de imprensa estavam vários membros da ATFPM, num gesto de solidariedade para com Pereira Coutinho. A mais interventiva foi Rita Santos: a presidente da mesa da assembleia-geral fez um discurso emocionado em que não faltaram lágrimas.

Rita Santos fez um rasgado elogio a José Pereira Coutinho, que conhece dos tempos do liceu. Recordou o passado difícil do deputado, a infância passada no Seminário de São José pelas dificuldades que a família teve de enfrentar após a morte prematura do pai, dizendo que “aprendeu com os padres a ser uma pessoa honesta”.

A dirigente da ATFPM lembrou ainda que, desde 1998 – ano em que convidou Coutinho para se juntar à associação – que é visível o empenho do deputado para o bem-estar da população: “Resolve todas as questões que lhe são trazidas com dedicação e amor”.

“Está a passar por uma situação muito difícil. Gostaríamos que continuasse a ter força para trabalhar em prol de Macau”, disse Rita Santos, que acabou por dar a tónica pessoal ao encontro com os jornalistas. “Quem o conhece sabe que está sempre a falar da mulher, dos filhos e do orgulho que tem no neto”, sublinhou. “Não queremos que o nosso líder seja fraco. Ele prometeu-nos que vai continuar a trabalhar”, exclamou, fazendo alusões à “pressão social na Internet” que a dirigente deseja que acabe.

28 Dez 2016

AFA | Liberdade artística marca exposição de aniversário

A Art for All Society assinala mais um aniversário com uma exposição sem tema. Uma ideia que, segundo o curador José Drummond, deu oportunidade aos artistas de revelarem melhor a sua individualidade criativa, sem constrangimentos

 

[dropcap style≠’circle’]U[/dropcap]ma exposição livre e capaz de mostrar a identidade de cada autor que a compõe. Esta é a ideia da mostra que assinala o nono aniversário da Art For All Society (AFA), que decorre até sexta-feira no Art Garden, na Avenida Rodrigo Rodrigues.

O evento, que conta com a curadoria de José Drummond, teve na génese “propor aos artistas que encontrassem uma solução própria para contribuir para o aniversário da AFA”. “Esta opção faria mais justiça ao trabalho de cada um até porque, muitas vezes, estar a limitar os artistas a um determinado tema pode ser constrangedor”, disse José Drummond ao HM. O objectivo foi mostrar, de forma representativa, o trabalho de cada um dos membros da associação.

O resultado foi um conjunto de obras que acabam por fazer sobressair trabalhos marcados pela liberdade de criação. “Em virtude dessa liberdade, a exposição é uma montra interessante do que se faz em Macau, especialmente pela diversidade que a própria arte local tem”, referiu o curador.

Uma das características que pontua as artes plásticas locais e que, de algum modo, a caracteriza é precisamente a diferença que se pode ver em cada uma das criações porque “em Macau é difícil encontrar dois artistas que sejam semelhantes ou que estejam na mesma linha”. Drummond atreve-se mesmo a dizer que é uma arte “em que não há modas ou estilos e há realmente um trabalho individual em que cada um explora a sua expressão, sendo que, se podem existir elos de ligação entre um ou outro artista, existe, ainda assim, uma voz única em cada um”.

Para o curador, este aspecto poderia até ser encarado de uma forma negativa mas, no caso de Macau, até acaba por ser benéfico. “Este hipotético desapego a modas, tendências ou estilos acontece essencialmente por existir uma outra coisa que poderia ser negativa: o não ter um verdadeiro mercado de arte, uma história de arte ou uma série de estruturas”, apontou.

Por outro lado, é um aspecto que foge à influência do crescimento recente das indústrias culturais, na medida em que é um fenómeno que “causa algum constrangimento aos artistas”. Para o artista plástico, estas indústrias podem obrigar os criadores a produzirem trabalhos “mais comerciais”.

Um caminho difícil

Os nove anos que estão a ser comemorados pela AFA não tiveram um trajecto facilitado. “Ao longo deste tempo foram muitas as dificuldades e começaram logo por ter tido de mudar, pelo menos quatro vezes, de localização, o que acaba por ser muito negativo”, explicou José Drummond.

As dificuldades que a associação foi encontrando limitaram o trabalho e as possibilidades de afirmação. “A inquietude a prazo e em prazos de dois anos, em que cada vez que se muda de espaço volta a fazer-se obras, por exemplo, impossibilita o planeamento a médio prazo”, disse.

Para o curador, o grande destaque do trabalho desenvolvido está precisamente no que a AFA tem feito pelos próprios artistas. Ao olhar para o início, José Drummond recorda que a realidade artística da altura era muito diferente. “Além dos espaços institucionais – e mesmo estes eram em muito menor número do que hoje –, existiam mais uns três espaços onde os artistas se podiam mostrar e nenhum deles tinha a perspectiva de um espaço expositivo que pudesse colmatar a lacuna da galeria comercial”, explicou ao HM.

Com a AFA, os artistas tiveram um espaço que, além de aberto à experimentação, também podia ser usado para a venda de trabalhos. “A questão da venda, na altura, foi importantíssima para que alguns deles pudessem começar a ter estúdios e a ser mais reconhecidos, especialmente na sociedade local”, explicou o curador. Nove anos depois, há artistas que, através do trajecto ao qual a AFA deu início, passaram a ser reconhecidos, alguns mesmo internacionalmente.

Mas o caminho ainda não acabou e Macau precisa de mais e melhor no panorama de arte local e, essencialmente, na arte contemporânea. O aspecto prioritário para Drummond é a formação com uma “aposta na educação na área artística, especialmente com uma visão contemporânea”. “No que respeita à formação, é usual ver membros da AFA a darem workshops dentro das instalações da associação de modo a motivar energias e a estender o leque de acções na sociedade.”

28 Dez 2016

Manifestantes de aldeia democrática condenados à prisão

A experiência democrática da pequena aldeia do sul da China resultou na condenação de nove aldeões acusados de perturbarem a ordem social e de efectuarem uma assembleia ilegal

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]ove residentes da aldeia chinesa de Wukan, que em 2012 elegeu o comité de aldeia através de eleições por sufrágio directo, após uma rebelião popular, numa experiência inédita na China, foram presos por “perturbar a ordem social”.

A vaga de detenções surge após em Setembro passado a aldeia ter sido palco de protestos violentos, motivados pela condenação do chefe local, Lin Zulian, por desvio de fundos públicos.

Com 13.000 habitantes, aquela localidade costeira do sul da China tornou-se um símbolo de resistência popular em 2011, quando protagonizou uma das mais celebradas experiências democráticas do país.

Protestos contra a expropriação ilegal de terras culminaram com a demissão dos líderes locais, acusados de corrupção, e a eleição de um novo comité de aldeia por sufrágio directo

Em Setembro passado, a detenção de 13 residentes de Wukan intensificou os protestos, motivando confrontos com a polícia, que acabou por bloquear o acesso à aldeia.

Nota de culpa

Nove aldeãos foram agora condenados a penas de prisão, entre dois e dez anos, por realizarem uma “assembleia ilegal”, um desfile e manifestações que “perturbaram gravemente a ordem social”.

Os réus foram também condenados por difundir informações falsas, perturbar a circulação de transportes públicos e interromper os serviços públicos, segundo um comunicado emitido na segunda-feira através do ‘site’ do Tribunal de Haifeng.

“A situação foi tão grave, que fábricas e empresas tiveram de interromper a sua produção, tendo sofrido grandes perdas”, lê-se naquela nota.

As manifestações foram suscitadas pela condenação de Lin Zulian, o chefe local da aldeia, que encabeçou os protestos, em 2011, antes de ser eleito por sufrágio directo.

Liu foi condenado em Junho passado a três anos de prisão por corrupção, depois de confessar ter aceitado subornos no valor de 590.000 yuan.

Os protestos de 2011, em Wukan, foram inicialmente vistos apenas como um levantamento popular, semelhante às dezenas de milhares que todos os anos ocorrem na China.

A morte de um dos líderes dos protestos, sob custódia da polícia, contudo, levou os residentes a bloquear as estradas que davam acesso à aldeia, conseguindo expulsar as forças de segurança durante mais de uma semana.

O Partido Comunista Chinês decidiu então recuar e fazer concepções raras, incluindo investigar as disputas de terra e permitir aos locais organizar eleições livres.

Lin Zulian, 70 anos, foi então nomeado chefe local com 6.205 votos, num total de 6.812 eleitores, substituindo um homem de negócios que era acusado de roubar terras para as vender a promotores.

28 Dez 2016

China | Arrancam trabalhos para aterrar sonda no lado mais afastado da lua e em Marte

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] China reafirmou ontem o desejo de explorar o espaço, num livro branco em que confirma os planos para aterrar uma sonda no lado mais afastado da Lua e lançar a primeira sonda a Marte.

“Explorar o vasto cosmos, desenvolver a indústria espacial e converter a China num poder espacial é um sonho que perseguimos incessantemente”, lê-se no livro branco divulgado por Pequim.

O documento, que detalha os planos espaciais do país para os próximos cinco anos, refere que o programa espacial chinês tem fins pacíficos e visa garantir a segurança nacional e realizar pesquisas científicas.

Pequim põe grande ênfase no desenvolvimento da sua indústria espacial, que considera um símbolo de desenvolvimento e afirmação no cenário internacional.

O objectivo do país, ainda que não mencionado no documento, é enviar um astronauta à Lua.

Corrida contra o tempo

Enquanto a Rússia e os Estados Unidos têm mais experiência com viagens espaciais tripuladas, o programa chinês, suportado pelo exército do país, tem alcançado um rápido progresso.

A China realizou a sua primeira missão espacial tripulada em 2003. Uma década depois aterrou uma sonda na Lua.

No mês passado, dois astronautas chineses regressaram à Terra, após 30 dias no espaço, onde viveram e trabalharam no laboratório espacial Tiangong-2, na mais longa e sexta missão tripulada da China.

Pequim quer pôr uma tripulação permanente no espaço até 2022, que está prevista operar ao longo de pelo menos uma década.

O livro branco reitera os planos da China para colocar a sua primeira sonda em Marte, até 2020, visando explorar e trazer amostras do planeta Vermelho.

A missão visa também explorar o sistema de Júpiter e “conduzir pesquisas em questões científicas importantes, como a origem e evolução do sistema solar, e procurar vida extraterrestre”.

Em 2018, a China quer também tornar-se o primeiro país a aterrar uma sonda no lado mais afastado da Lua.

O livro branco diz que aquela sonda, a “Chang’e-4”, visa obter conhecimento sobre a formação e evolução da Lua.

28 Dez 2016

Filmes proibidos na República do Povo – o Top Mais 中国十大禁片

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Porque estamos naquela altura do ano.

Ano Novo (1999)


Realizado por Zhang Yuan conquistou o galardão de Melhor Realização na 56ª edição do Festival de Cinema de Veneza. Uma história de amor e tolerância contada a partir do olhar do protagonista, que aqui nos fala dos 17 anos obscuros da sua vida. Zhang Yuan foi castigado por denegrir a imagem do socialismo.

O Papagaio Azul (1993)


Realizado por Tian Zhuangzhuang conquistou todos os prémios mais importantes do Festival de Cinema de Tóquio. Num ambiente carregado e melancólico, fala-nos do destino do indivíduo no quadro alargado do contexto histórico.

Viver (1994)


Baseado no romance homónimo de Yu Hua. O argumento centra-se na Guerra Civil e na Nova China nascida após a fundação da RPC. A história, contada através das diversas tragédias que se sucedem na vida do protagonista, reflecte períodos conturbados que, aparentemente, nunca deixaram de flagelar o povo chinês. Prémio do Júri no Festival de Cinema de Cannes. Realizado por Zhang Yimou.

Carteiro (1995)


Realizado por He Jianjun, acabou de ser rodado na Europa e estreou no Festival de Cinema de Roterdão. O filme “ofende os quadros superiores chineses”.

Palácio Oriental, Palácio Ocidental (1996)


De Zhang Yuan. Prémios para Melhor Realização, Melhor Argumento e Melhor Adaptação ao Cinema – 6ª edição do Festival de Cinema da Argentina. Baseado no romance de Wang Xiaobo, analisa a homossexualidade na China contemporânea.

O Artesão Carteirista (1997)


Realizado por Jia Zhangke. Exemplo perfeito da razão pela qual os filmes chineses vencedores de prémios internacionais não terem nada a ver com o mercado cinematográfico local.

Mr. Zhao (1998)


Filme de estreia de Lu Le que, à semelhança de Zhang Yimou, passou com sucesso de fotógrafo a realizador de cinema.

Rio Suzhou (2000)


Medalha de ouro no Festival de Cinema de Roterdão. Uma trágica história de amor passada na Xangai dos nossos dias. Realizado por Lou Ye.

Do Lado de Fora (2000)


Prémio do Júri no Festival de Cinema de Cannes. Realizado por Jiang Wen, expõe sem reservas o militarismo japonês e acusa figuras políticas proeminentes.

As Bicicletas de Pequim (2000)


Realizado por Wang Xiaoshuai, conquistou o Urso de Prata no Festival de Cinema de Berlim. A história de um jovem de 17 anos vindo do campo para trabalhar em Pequim como estafeta, a quem roubam a bicicleta.[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row][vc_column][vc_separator color=”custom” style=”dotted” accent_color=”#dd3333″ css=”.vc_custom_1482929709086{margin-bottom: 5px !important;margin-left: 20px !important;}”][vc_column_text]

PS: Dicas culturais

Ben Hur foi proibido na China por conter “propaganda a crenças supersticiosas, nomeadamente o Cristianismo”. Avatar foi proibido na China porque os seus conteúdos podiam levar as audiências a pensar em deportações forçadas e por apelar à violência. O versão não editada de Avatar em DVD pode encontrar-se em qualquer loja da especialidade na China. As Lojas Walmart chinesas utilizam imagens do filme nos ecrãs de definição de imagem das televisões.

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28 Dez 2016

2016 chegou ao fim

[dropcap style≠’circle’]M[/dropcap]ais um ano que passou. Acho que a maioria irá concordar que o ano não correu muito bem. Para o espírito português tendencialmente pessimista e trágico, tudo o que aconteceu neste querido 2016 deixou os nossos corações de sobressalto, a esperar sempre o pior. A expectativa é de que o ano de 2017 não venha a piorar estas ansiedades, mas que tranquilize… Nós queremos histórias felizes. Nós queremos conquistas justas e inclusivas.

O ano passado de 2015 acabei o ano com um artigo que revia as grandes vitórias legais de inclusão e de desenvolvimento do domínio sexual e de género. Houve alguns desenvolvimentos interessantes, não houve? Foram aprovadas leis (por todo o mundo), e popularizaram-se trends, que suscitaram saudáveis discussões sobre o tema do sexo e do género. Este ano não consigo estar tão satisfeita. A verdade é que, a meu ver, houve um retrocesso severo na forma como certas temáticas sexuais foram abordadas. Podem olhar de perto para o que está acontecer na Polónia sobre o aborto, ou para os Estados Unidos com a nova presidência e a assuntos relacionados com homossexualidade, educação sexual e outros temas que são considerados polémicos. Talvez o 2017 nos traga mais coisinhas boas, mais abertura para falar daquilo que temos vergonha e pouco à vontade – mas que deve ser discutido. Mas claro que nem tudo foi assim tão mau:

– Fu Yuanhui foi a rainha dos Jogos Olímpicos porque falou sobre a m-e-n-s-t-r-u-a-ç-ã-o, o período, o Benfica, o sangue entre as pernas, aquela altura do mês. Não falou assim tanto quanto isso, mas referiu-o de boca cheia! Sem vergonhas;

– Sun Wenlin e o seu parceiro Hu Mingliang tentaram pedir recurso a uma tentativa de legalizar o casamento homossexual, foi recusado, mas foi considerado um dos maiores momentos pelo movimento LGBTQ+ na China;

– Houve a oportunidade de fazer sexo com o planeta, colectivamente, numa instalação artística em Novembro em Sydney, uma oportunidade de divulgar formas de amor pelo planeta e a eco-sexualidade.

– Na Turquia, depois de muita manifestação e indignação nas ruas, foi possível parar uma proposta lei que iria absolver violadores se estes casassem com as suas vítimas. Uma vitória para a voz popular feminina.

– Houve uma maior preocupação (e.g. graças a um jornal britânico e à sua rubrica vaginal dispatches) com as questões vulvares e vaginais. Tentou-se perceber como se parece, como cheira, como reage. O mistério feminino desvenda-se no entendimento anatómico e fisiológico das partes femininas que precisa de uma atenção contínua e que irá continuar para o ano 2017.

Nem tudo foi mau, mas muita coisa foi má, e para não alimentar o pessimismo não irei listar essas coisas tristes. Queremos pensar no futuro, no optimismo e na esperança que servem de combustível para todos movimentos de luta e justiça em todos os campos da nossa vida, incluindo no sexual.

Depois de um Natal cheio de comida, e já que andamos a rebolar de doces e coisas boas, desejo a todos uma passagem de ano cheia de amor e, quiçá, cheia de sexo se assim vos aprazer, para queimarem essas calorias extra. O ano 2017 que vos traga marotices de todos os tipos, inspiradas pela imaginação, sabedoria e educação do que é uma sexualidade livre, consentida e bem informada. Porque já chega 2016! Não podemos mais contigo. 2017: chega bem rápido.

28 Dez 2016

#Matters, marca de joalharia | Pedras com estilo

 

Clara Yung já tinha uma paixão por roupa antiga quando decidiu criar a sua própria marca de joalharia. A #Matters pretende trazer algo de novo a quem usa as jóias da marca, que não passa apenas pelo estilo

 

[dropcap style≠’circle’]S[/dropcap]ão fios debruados a ouro com pedras que pretendem transmitir algo de novo a quem as usa. São clássicas mas, ao mesmo tempo, contemporâneas. É assim a #Matters, marca de joalharia criada por Clara Yung. Esta não foi a primeira incursão de Clara Yung no mundo do estilo e beleza: é proprietária da Old Town Vintage, uma loja de roupa localizada junto ao Bairro de São Lázaro que vende peças antigas, que fazem lembrar os anos 60, 70 ou 80.

A joalharia da #Matters é vendida no mesmo espaço e pretende ser um complemento a este tipo de roupa. “Criei esta marca porque tinha a intenção de criar as minhas próprias jóias, para que pudessem coincidir com a minha loja de roupas vintage [Old Town Vintage]. A marca foi criada na Primavera do ano passado”, conta.

Com a marca surgiu ainda um website para a divulgação das jóias que, diz a designer, “tem recebido muitas reacções por parte das pessoas”. “Estou também à procura de oportunidades no envio de joalharia por encomenda”, conta Clara Yung ao HM.

Com uma paixão por este tipo de trabalho artesanal, Clara Yung quis criar algo único e com qualidade, diferente do que se vende por aí ou do outro lado da fronteira. “Sou uma apaixonada por cristais e cheguei à conclusão de que a maioria das pulseiras ou colares feitos com cristais são bastante rudimentares. Queria ter as minhas próprias pulseiras e colares, e por isso comecei a desenhar as minhas jóias.”

Os colares e pulseiras da #Matters são, assim, feitos com peças em ouro. “Uso fio em ouro e pedras em ouro para criar uma pulseira. Adoro criar pulseiras com pedras feitas ao estilo japonês, adicionando um toque mais europeu.”

Transmitir energia

Clara Yung tem uma noção diferente do papel que as jóias devem ter para quem as compra. Não basta comprar porque uma jóia é bonita ou tem um valor elevado, há que transmitir algo. Foi essa ideia que levou ao nome dado à marca.

“Decidi pôr o nome ‘#Matters’ porque é uma palavra que significa substância. São coisas que estão ao nosso alcance e nas quais podemos tocar, mas têm, ao mesmo tempo, um lado espiritual. Não quero apenas que os meus clientes melhorem o seu estilo com os meus produtos, também quero que se melhorem a si mesmos enquanto pessoas, ao nível da mente e da auto-confiança, para que possam obter energia a partir dos cristais”, explica a criadora.

Apesar de ambas as marcas de Clara Yung estarem localizadas num dos espaços icónicos de Macau, a Old Town Vintage e a #Matters são sobretudo negócios online, cuja venda de faz através de um contacto prévio.

 

#Matters
Rua de Manuel Arriaga 64-A
Macau
28 Dez 2016

Japão | Mais medidas para prevenir mortes por excesso de trabalho

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Governo do Japão adoptou uma série de medidas de emergência para prevenir as mortes por excesso de trabalho, após a morte de dois funcionários da agência de publicidade Dentsu.

As medidas, aprovadas na segunda-feira pelo Ministério do Trabalho e noticiadas ontem pelo jornal económico Nikkei, têm como objectivo aumentar a vigilância sobre as empresas para garantir que cumprem o regulamento das horas extraordinárias.

As autoridades japonesas vão fazer inspecções surpresa às empresas e vão publicar os nomes daquelas onde se tenham registado mortes relacionadas com o excesso de trabalho, ou “karoshi”, bem como das empresas que obriguem os seus funcionários a trabalhar mais horas extraordinárias que as recomendadas por lei (80 por mês).

No passado mês de Outubro, o Governo publicou um relatório em resposta a dois casos de “karoshi” que revelou que quase um quarto dos funcionários no Japão pode exceder esse limite.

O pacote de medidas, que entrará em vigor em Janeiro, inclui algumas para aconselhar as empresas sobre as normas laborais e para promover a atenção médica e psicológica aos funcionários que precisem dela, por cansaço ou stress laboral.

Do “karoshi”

A preocupação com o excesso de trabalho no Japão reapareceu depois de, em Outubro, as autoridades terem classificado como “karoshi” o suicídio de uma funcionária de 24 anos da Dentsu, empresa líder do sector publicitário no país asiático.

A jovem chegou a trabalhar até 105 horas extra por mês, apesar dos registos da Dentsu mostrarem um cômputo dentro do limite legal.

A família denunciou que a empresa forçou a jovem a registar menos horas que as realmente cumpridas.

A funcionária, que morreu em Dezembro do ano passado e tinha entrado sete meses antes para a empresa, deixou testemunho sobre as duras condições de trabalho na sua conta de Twitter, onde detalhava dias de 20 horas diárias.

Dias depois da confirmação deste caso de “karoshi” foi estabelecido que a morte, em 2013, de outro trabalhador de 30 anos da mesma empresa aconteceu também devido ao excesso de trabalho.

O Governo japonês aprovou em 2015 uma lei para travar a epidemia de excesso laboral, ainda que a falta de rigor no registo das horas extraordinárias por parte das empresas e a disponibilidade dos funcionários para alargar as suas jornadas para receber bónus dificulte o controlo sobre esta prática.

28 Dez 2016

A morte dos deuses é a morte da humanidade

17 DE DEZEMBRO DE 2016, LISBOA

[dropcap]O[/dropcap] céu de chuva dos dias anteriores afastou-se e o dia chega com sol e no mar ondas vigorosas, alguém, em redacção de jornal prepara notas laudatórias para cronologias de morte anunciadas. A cidade vive nesta tarde uma morte profunda, inevitável como todas, por isso absolutamente inaceitável, marcada com o ferro de cronos, irremovível, doentia, miseravelmente fútil. Acresce que ao incontornável aperto do tempo, a companhia viu-se sujeita a contornos orçamentais que, no seu entendimento, não permitem a continuidade do seu projecto, “a intenção de construir um teatro de reflexão com uma função activa na realidade cultural portuguesa”. Ainda talvez incerto, torna-se provável que a Companhia Cornucópia tenha terminado nesta tarde a sua longa, única, brilhante, e inestimável carreira. Em actividade desde 1973, levou a cena, 126 criações, cerca de 5. 100 representações, algumas estreias mundiais, encenadores convidados, co-produções, dezenas de actores em palco. Entre outros escritores dramaturgos, William Shakespeare, Tchekov, Moliére, Genet, Pasolini, Strindberg, Holderlin, Brecht, Garcia Lorca, Gil Vicente, Camões, Almeida Garrett, António José da Silva, Botho Strauss, Samuel Beckett, Heiner Müller, Raul Brandão, Edward Bond, Rui Belo, Rainer Werner Fassbinder, Arthur Schnitzler, Johann Wolfgang von Goethe, Aristófanes, Diderot, Voltaire, Marquês de Sade.

Luís Miguel Cintra, visivelmente cansado e doente, é um gigante da cultura portuguesa do último quarto do século XX e deste início de do XXI. Actor com presença magnética, de profunda sensibilidade e investigador da alma humana, foi e é presença referencial na cinematografia de Manuel de Oliveira, e marco na investigação estética do teatro contemporâneo.

A cidade empobrece, ficamos todos mais pobres, os que se revêem no projecto de criação e no talento do “Teatro do bairro alto” , e aqueles outros, e são muitos, demasiados talvez, que nada conhecem do homem nem da companhia de teatro, ou mesmo aqueles que conhecendo, ou pensando conhecer, estão contra este teatro que nunca quis ser de efeito comercial fácil e alegria tautológica à construção da imbecilidade humana.

“A cidade empobrece, ficamos todos mais pobres, os que se revêem no projecto de criação e no talento do “Teatro do bairro alto” , e aqueles outros, e são muitos, demasiados talvez, que nada conhecem do homem nem da companhia de teatro.”

São várias as vozes que pululam nos comentários nas redes sociais à notícia do fim da companhia, com afirmações tão esclarecidas como certamente quem as produz, de que se a companhia não consegue viver com o subsídio que lhe foi atribuído e com as receitas de bilheteira, deve fechar a porta, também ficam a perder a possibilidade de mais facilmente vir alguma a perceber qual a dimensão deste projecto na elevação do pensamento arcaico ao civilizacional, a relevância da cultura nas sociedades e nas relações entre povos e países.

Entretanto, há outras vozes, sem dúvida mais sábias, e igualmente neste sábado 17 de Dezembro, surge a possibilidade de, talvez, a companhia poder resistir algum tempo mais, a possibilidade de Luís Miguel Cintra e Cristina Reis ( que há dezenas de anos assina o espaço cénico das sucessivas criações) se mantenham em actividade.

Uma conversa em palco, improvisada, sem prévio ensaio, inesperada, e talvez auspiciosa. O Presidente da República Portuguesa, Marcelo Rabelo de Sousa decidiu ir a palco, o ministro da Cultura, Luís Castro Mendes, também o faz, é um texto em cada um é autor próprio. Luís Miguel Cintra tem esta conversa talvez anteriormente imaginada, mas não programada. Prova-o o cancelamento da visita agendada a Castelo Branco do Ministro da Cultura.

Talvez que o problema do financiamento possa ser ultrapassada favoravelmente à continuação do teatro do Bairro Alto em função criativa, dando continuidade ao que tão brilhantemente tem feito; interrogar o homem sobre os seus anseios, medos, sonhos, fragilidades, grandezas. Ajudar-nos a perceber o que é a final estar vivo em sociedade, o que somos e o que podemos ser.

Talvez Lisboa não tenha cado irremediavelmente mais pobre neste dia, ainda que seja breve e efémero, também o tempo dos mestres, todos ganhávamos com o esforço empenha- do e consistente da tutela no anular, ou avançar no tempo, a perda.

21 Dez 2016

MP | Procurador de Macau relativiza polémica das recomendações

Sónia Chan promete que vai ter mais cuidado. O sucessor de Ho Chio Meng desdramatiza o caso; Chui Sai On só fala dele depois do julgamento. Mas o Chefe do Executivo lembra que Macau é terra pequena onde todos se conhecem

Terra de minudências

[dropcap]O[/dropcap] procurador de Macau, Ip Son Sang, relativizou ontem o caso de familiares de membros do Governo que foram recomendados para trabalhar no Ministério Público (MP), escusando, porém, revelar que cargos desempenham para evitar que sejam estigmatizados.

“Não é conveniente indicar o cargo ou a posição concreta. (…) Penso que será melhor não identificar os colegas e funcionários para não lhes causar estigma”, afirmou Ip Son Sang, à margem da cerimónia do 17.º aniversário da transferência de administração.

A história foi contada, no início da semana passada, em tribunal pelo antigo procurador, Ho Chio Meng, que, ao falar sobre a existência de funcionários com relações familiares entre si no seio do MP durante o seu julgamento, revelou que as duas secretárias de apelido Chan – numa referência a Florinda Chan e a Sónia Chan, respectivamente antiga e actual secretária para a Administração e Justiça – lhe telefonaram, recomendando familiares.

Ip Son Sang rejeitou a ideia de que a imagem do MP tenha sido beliscada pela revelação de Ho Chio Meng, que liderou o organismo entre 1999 e 2014. “Nunca, nunca”, afirmou, garantindo ter “confiança” na equipa de magistrados, o ciais de justiça e funcionários administrativos.

O actual procurador defendeu ainda que “vale a pena manter” a Comissão de Estudos do Sistema Jurídico-Criminal, quando questionado por que razão continua activa. A comissão em causa foi criada em Fevereiro de 2015 e Ho Chio Meng, na qualidade de procurador-adjunto, foi escolhido para a liderar, isto quando se encontrava já sob investigação do Comissariado contra a Corrupção.

A designação para esse cargo na comissão, da qual é único membro, resultou na interpretação de que per- deu o estatuto de magistrado, o que permitiu que, em Fevereiro último, fosse colocado em prisão preventiva. O julgamento de Ho Chio Meng, acusado de mais de 1500 crimes, incluindo burla, abuso de poder, branqueamento de capitais e promoção ou fundação de associação criminosa, teve início no passado dia 9.

A EXIGÊNCIA DE CHAN

A revelação feita pelo antigo procurador, em sede de julgamento, sobre os telefonemas foi confirmada pela actual secretária. Sónia Chan reconheceu ter feito a controversa chamada em 2008 – altura em que desempenhava o cargo de coordenadora do Gabinete para a Protecção de Dados Pessoais, mas rejeitou qualquer “troca de interesses” ou ilegalidade, algo que reiterou ontem.

Macau é um território muito pequeno onde todos se conhecem, pelo que é “muito difícil” manter a distância, diz Chui Sai On acerca da polémica com Sónia Chan

“Não posso mudar o passado, mas no futuro vou exigir mais a mim própria”, disse aos jornalistas.

Já o chefe do Executivo, Fernando Chui Sai On, evitou pronunciar-se sobre o caso: “Como o processo ainda está no tribunal – e temos de respeitar a independência judicial – não é conveniente estarmos a tecer comentários”. “Assim que terminar o procedimento, se quiserem retomar o assunto estarei ao vosso dispor”, prometeu.

Em termos genéricos, Chui Sai On reconheceu haver preocupações relativamente a “injustiças” ou “por causa de relações” familiares ou próximas, mas recordou que Macau é um território muito pequeno onde todos se conhecem, pelo que é “muito difícil” manter a distância.

“Não posso [ir] na rua [e] dizer: ‘Olha nos próximos cinco anos não te conheço’. Não posso fazer isso”, enfatizou.
Chui Sai On revelou também estar a par da queixa que foi formalmente apresentada, que, garantiu, será tratada de acordo com os procedimentos.

21 Dez 2016

Desejos em Confronto 中俄边境的一些镜头

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]o Verão de 2014, Davide Monteleone iniciou uma viagem ao longo da fronteira da Rússia com a China em busca de algo que fosse real e fizesse sentido. Nessa altura o fotógrafo italiano vivia em Moscovo há mais de uma década. As imagens dos locais remotos, capturadas pela sua objectiva, trazem-me à ideia as palavras de Marcel Proust: “Não conseguimos alterar a realidade em função dos nossos desejos, mas aos poucos os nossos desejos vão-se alterando.”

Juntei aqui quatro fotografias cujo significado, tal como um desejo secreto sem pretensões a tornar-se realidade, não se altera nunca.

Monteleone: “Num local remoto como este os russos ficam à espera que algo aconteça, ao passo que os chineses tentam fazer qualquer coisa.”

Réplica da Catedral de São Basílio. A original, mandada construir no séc. XVI por Ivan O Terrível, está na Praça Vermelha em Moscovo. A réplica que aparece na foto foi construída pelos chineses em Jalainur. As torres pintadas e as cúpulas em forma de cebola são ocas; dentro do edifício aloja-se um museu dedicado à Ciência. © Davide Monteleone
Yu Shi está a estudar em São Petersburgo para vir a ser padre ortodoxo. A foto foi tirada em Harbin, na China. © Davide Monteleone
Um vendedor de comida espera os clientes na margem do rio Songhua, em Harbin, sob as duas pontes ferroviárias – a velha e a nova – pertencentes à Linha Chinesa do Leste. A ponte antiga, à esquerda, foi construída pelos russos no início do séc. XX. A nova, à direita, foi construída pelos chineses. © Davide Monteleone
Passageiros no terminal ferroviário da cidade de Manzhouli, uma pequena cidade chinesa junto à fronteira com a Rússia. © Davide Monteleone
21 Dez 2016

O casaco preto

[dropcap]L[/dropcap]embro-me tão bem. Estava frio, muito frio, e eu usava um casaco preto, o primeiro que comprei cá em Macau. Tinham-me dito que aqui estava sempre calor e, quando fiz a mala, só coube lá dentro o Verão. Na altura a Internet era uma coisa pequena e Macau, Macau tão longe, eram alguns textos sobre acontecimentos históricos e pouco mais, sem qualquer meteorologia. As televisões em Portugal, Portugal tão longe, mostravam ainda uma terra com uma água de tancares e tancareiras.

Naquela manhã de frio, tanto frio, ouvi o hino da mãe pátria e assisti a bandeiras a subir ao vento, rostos cinzentos em vermelhos palanques, o verde RAEM, a festa sem sorrisos. As coisas oficiais não se prestam à felicidade. E eu estava ali porque me tinham dito para estar, porque estava a trabalhar, a pensar que chego sempre atrasada a tudo porque não nasci a tempo. A RAEM fazia dois anos.

Eram tempos ainda de alguma incerteza, como de incertezas tinham sido alguns dos livros que se tinham publicado na antecipação de 1999. Em 2001, as incertezas eram já diferentes, conseguia perceber que eram outras, mas isto tudo era frio, mesmo quando o Verão cabia na cidade. Havia um vento agreste que soprava de algumas bocas mais dadas a esgares do que a considerações políticas de alto nível.

Entretanto o tempo passou e toda a gente se esqueceu de tudo, do medo, da novidade, dos primeiros dias, dos dias que seguiram aos primeiros dias. Eu, que tinha cá chegado sem saber ler nem escrever, tentava aprender as palavras da terra, quantas vezes em vão, com a sensação, no entanto, que podia deixar o casaco preto em casa, que o tempo estava a mudar, que agora era tudo mais normal. Que éramos todos mais normais.

Macau tem pressa em chegar a 2049, quer tudo ao mesmo tempo e não quer nada, não se sabe bem quem lhe traça o destino, quem lhe toca no rosto

Os dias na cidade fizeram-se, à semelhança dos dias noutras cidades do mundo. Os anos atropelaram-se, a terra cresceu, eu nunca tinha visto terra a crescer, só conhecia terra onde crescem coisas. Eu ainda à procura de saber ler e escrever, numa cidade tão arrebatadora, que nos esmaga na pequenez que se sente nos prédios, nas ruas, nas luzes. Em tudo o que, de um dia para o outro, se ergue em direcção ao céu. Um território que constrange de pequeno que é, mas que não pára, não deixa descansar, não deixa pensar porque tudo é demasiado rápido, era para ontem se faz favor.

E de repente chegámos aqui, com certezas acumuladas sobre o que queremos e o que não queremos. E com dúvidas acumuladas também. Macau tem pressa em chegar a 2049, quer tudo ao mesmo tempo e não quer nada, não se sabe bem quem lhe traça o destino, quem lhe toca no rosto, quem lhe dá a mão. Macau não está quase a entrar em 2017, já voou no tempo, os 17 anos do passado são muitos mais, a memória é fraca, tão fraca, há quem fale na RAEM como se ela fosse Macau, a RAEM não é Macau, é sé a RAEM.

Temos certezas acumuladas e devidas acumuladas também. Das dívidas nem vale a pena falar: ninguém paga o que deve aos mortos, sobretudo quando fazem parte de um passado distante. O presente, de certa maneira, também já lá vai. Está tudo de olhos postos no que vai acontecer daqui a dois anos, quem são eles, quem é ele, mandas tu ou mando eu, 2049 está já aí e ninguém quer saber, o futuro pertence sempre a quem acha que manda mais.

21 Dez 2016