Os desafios da prosperidade

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Tratado de Roma que criou a então Comunidade Económica Europeia faz 60 anos em Março. Quando a Europa caminha para uma idade próxima da reforma, aqueles que acreditam no projecto europeu têm muito que fazer para mostrar que a União não é um daqueles funcionários que já não tem capacidade para se regenerar e abraçar novos projectos. Desde a criação da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, aquilo que se denomina agora União Europeia (UE) terá contribuído para o período de paz mais longo da história da Europa e para o desenvolvimento das instituições democráticas – condição sine qua non para a adesão ao projecto europeu – em vários países que se encontram hoje na linha da frente da defesa de algumas das políticas europeias. A criação do mercado único europeu, no qual a circulação de pessoas, bens, serviços e capitais é assegurada – um mercado constituído por quase 510 milhões de pessoas –, o modelo do Estado social e o apoio às regiões periféricas e mais pobres da Europa contribuíram para a melhoria das condições de vida de dezenas de milhões de pessoas. São europeias algumas das principais marcas mundiais – de automóveis, de computadores, de bancos, de seguradoras –, que alcançaram dimensão global pela sua integração no espaço regional europeu. Embora seja mais fácil criticar do que elogiar – a Europa enquanto projecto comum de 28 Estados tem estado na mira de populistas e nacionalistas – o que é facto é que a União tem contribuído para vários feitos que convém ter sempre em consideração quando se fazem balanços.

Em ano de eleições muito importantes para o futuro da Europa, 2017 vai trazer legislativas na Holanda e na Alemanha e presidenciais em França, os desafios à solidariedade europeia vão ser imensos. Os defensores da integração europeia vão ter de trabalhar arduamente nos próximos meses para enaltecer as virtudes do projecto europeu a populações cada vez mais descrentes nos méritos da integração económica, monetária, fiscal e política. A ideia de que o projecto europeu está em crise parece por estes dias ser uma evidência. Mas foi este mesmo projecto, baluarte da paz, da economia de mercado, dos direitos humanos e da democracia, que serviu de fonte de inspiração para outras organizações internacionais um pouco por todo o mundo.

No entanto, os movimentos populistas têm ganho adeptos nas últimas duas décadas, mas mais notoriamente nos últimos cinco anos, à custa de um discurso anti-Europa, anti-imigração, pró-nacionalista, pró-soberanista. Aqueles que concluem que a União é um projecto que só funciona em tempos de expansão económica parecem estar por cima. Fazer o contraponto a esta argumentação não é fácil, sobretudo quando o objectivo primeiro dos partidos do centro – aqueles mesmos que trouxeram a Europa até este estado de coisas – é também o de ganhar eleições.

A crescente onda populista que marcou 2016 – as mensagens políticas do “leave” tinham essas características, apelando aos sentimentos mais básicos dos britânicos e prometendo um Reino Unido mais forte sozinho, abrindo a porta à saída de imigrantes do país – vai estar presente nas campanhas políticas do próximo ano. Logo, em Março, na Holanda, o discurso anti-imigrantes vai ser repetido por Geert Wilders, o presidente do Partido da Liberdade, que, à semelhança do seu congénere austríaco, tem estado a ganhar adeptos de uma forma espectacular.

Em Abril e Maio, com a primeira e segunda voltas da eleição presidencial, Marine Le Pen vai procurar explorar ao máximo a desilusão dos franceses com a actual situação económica e prometerá uma França que não se dobra a Bruxelas. Uma França sem euro – ou mesmo sem União Europeia –, pois Le Pen já ameaçou também com a realização de um referendo.

Na Alemanha, as hipóteses de vitória do partido Alternativa para a Alemanha são nulas. Mas, o discurso anti-imigração pode, tal como na Holanda, contribuir para fragmentar o parlamento e obrigar a soluções governativas mais imaginativas.

O problema com todas estas eleições e com as mensagens anti-Europa, anti-imigração, anti-solidariedade é que os valores que têm contribuído para o avanço da UE vão estar permanentemente em xeque. O que, quando passam 60 anos sobre a assinatura do Tratado de Roma, não augura nada de bom para aquilo que é hoje a Europa.

Um pouco como a Organização das Nações Unidas que, desde a sua criação, em 1945, se expandiu a várias áreas de intervenção, desde os direitos humanos, manutenção de paz, apoio às instituições do estado de Direito, ambiente, assuntos laborais… um sem número de actividades, também a União Europeia, enquanto entidade supranacional, tem, ao longo dos últimos 60 anos, abraçado cada vez mais áreas e regulado cada vez mais áreas de actividade – sobretudo económicas – que favorecem as condições de expansão do mercado. Tendo em conta o estado a que as coisas chegaram agora, a ideia de que a Europa deve aproveitar os “ataques” de que tem sido alvo, para se repensar, não é de todo despropositada. Afinal, o grande objectivo comum, como sintetiza a recentemente aprovada Estratégia Global da União Europeia para a Política Externa e de Segurança, é o da prosperidade dos seus povos. E eles parecem estar a precisar de ser de novo convencidos dos méritos do projecto.

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