LAG 2017 | Governo admite que tem de melhorar serviços electrónicos

 

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] Secretária para a Administração e Justiça, Sónia Chan, disse ontem que 15 serviços públicos passam a funcionar apenas em plataformas online até ao final do ano, sendo que, em 2017, mais dez serviços públicos irão funcionar apenas na internet. Eddie Kou, director dos Serviços de Administração e Função Pública (SAFP), adiantou ainda que até 2019 uma centena de serviços serão prestados online, sendo que mais de 70 “estarão a funcionar totalmente em plataformas electrónicas”.

Ainda assim, o Governo admitiu que é preciso fazer mais e que Macau está bem atrás das restantes regiões e países. “Temos de dar um maior avanço ao Governo electrónico, temos de acelerar os trabalhos. Lançamos o processo relativo a 15 serviços este ano, no próximo ano serão lançados mais dez. Queremos criar maiores conveniências para a população”, disse Sónia Chan.

Eddie Kou referiu que “houve progressos nos últimos anos, mas os trabalhos não satisfazem ainda os pedidos dos residentes.” Eddie Kou explicou que foi feita uma maior aposta nas plataformas online dos sistemas internos da Administração. “Não conseguimos definir os serviços externos tendo em conta as necessidades.”

A importância da implementação de um sistema de governo electrónico foi um dos pontos mais discutidos no primeiro dia de debate no âmbito das Linhas de Acção Governativa (LAG) para a área da Administração e Justiça. Ella Lei referiu que “não se consegue fazer uma coordenação dos serviços públicos e isso tem vindo a impedir o desenvolvimento do governo electrónico. O Executivo não deve ter planos que, na prática, estão a violar os seus objectivos”, concluiu.

23 Nov 2016

LAG | Sónia Chan não clarificou eleição directa para órgãos municipais  

Os deputados do campo pró-democrata voltaram a exigir ao Governo que deixe de lado os “pretextos” para a implementação de um sistema democrático. Sónia Chan não respondeu se haverá ou não eleição directa dos membros dos futuros órgãos municipais sem poder político

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]g Kuok Cheong levou uma questão clara para o hemiciclo. “Podemos usar um regime de eleição directa ou criar órgãos municipais por zonas, como acontece em Hong Kong? Não temos de ter 18 órgãos como em Hong Kong, pois somos um território mais pequeno, mas devem ter a participação da população.”

Apesar da pergunta directa, a Secretária para a Administração e Justiça, Sónia Chan, não confirmou se a população poderá ou não, a partir de 2018, votar para eleger os membros dos referidos órgãos. “A Lei Básica de Macau é muito diferente da Lei Básica de Hong Kong nesta matéria. Aquando da constituição dos órgãos municipais, vamos seguir estritamente o que está na Lei Básica. Os órgãos vão ser criados e incumbidos pelo Governo para servir a população. Claro que vamos ter em conta a relação dos órgãos municipais com o Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais (IACM). Esperamos que até ao final deste ano possamos ter o documento de consulta.”

O deputado do campo pró-democrata lembrou que existem “vários mecanismos de consulta, mas não são eficazes, e isso tem que ver com o facto de os membros serem nomeados”. “Se os membros fossem eleitos pela população iriam ser responsáveis perante os cidadãos. Com o regime de órgãos municipais podemos ter um sistema de eleição directa”, insistiu.

Chefe ao alcance de todos

Ng Kuok Cheong voltou a abordar a reforma do sistema político mas, desta vez, não abandonou a sala do plenário como fez perante o Chefe do Executivo na semana passada. Au Kam San pediu ao Governo para deixar de lado os “pretextos” que deixam o sufrágio universal fora das prioridades.

“Se tudo continuar assim qualquer pessoa pode ser dirigente, incluindo uma pessoa estúpida. Só perante os desafios é que se vê a capacidade. Para o Governo há vários pretextos para fugir à questão, como o ajustamento da economia. O Governo tem o direito de arrancar com este processo”, frisou o deputado.

“O Chefe do Executivo foi o primeiro a fugir à questão”, lembrou Ng Kuok Cheong. “Espero que haja um sistema de eleição directa. Quanto aos restantes conselhos consultivos devem ser introduzidos membros eleitos pelos diferentes sectores.”

Sónia Chan garantiu que o actual sistema é para manter. “Neste mandato posicionamo-nos no sistema já existente e na estabilidade do nosso regime jurídico. Há que ter em conta a equidade, justiça e transparência para que as próximas eleições para a AL sejam realizadas da melhor forma. Em 2012 procedemos à revisão dos anexos I e II da Lei Básica, o que representa um avanço do nosso sistema político. Representa que o sistema actual está em consonância com o desenvolvimento de Macau”, concluiu a Secretária.

23 Nov 2016

Viaturas | Novos centros de inspecções começam a funcionar segunda-feira

Carros e motos vão passar a ser inspeccionados em dois novos centros que começam a funcionar já na próxima segunda-feira. O Governo espera aumentar as inspecções de veículos das actuais 280 para 650

[dropcap style≠’circle’]F[/dropcap]oram inaugurados ontem mas só começam a receber os primeiros carros na próxima segunda-feira. O centro de inspecções de veículos automóveis fica no Cotai e a estrutura equivalente para motociclos está localizada na Avenida 1º de Maio, na zona da Areia Preta. O centro de inspecções situado na Avenida do Comendador Ho Yin fechará portas no mesmo dia.

Segundo um comunicado emitido pela Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego (DSAT), os dois centros estão equipados com 17 linhas de inspecção de veículos, sendo que o número diário de inspecções poderá passar das actuais 280 para as 650, o que vai “melhorar significativamente a eficácia dos trabalhos”.

A inauguração dos dois centros tem em consideração a redução do período de inspecções dos veículos, medida que entrará em vigor em Julho do próximo ano. “Devido ao aumento de equipamentos está previsto uma subida do número de novos veículos registados e de inspecções, sendo possível responder de forma mais positiva ao aumento decorrente da execução do encurtamento da periodicidade da inspecção obrigatória dos veículos.”

A DSAT promete também mais garantias de profissionalismo. “Registou-se um aumento do número total de linhas de inspecção e do número de veículos a ser inspeccionados em comparação com o número actual. Depois da entrada em funcionamento, poderá fornecer serviços de inspecção mais profissionais, em grande escala e sistemáticos.”

De acordo com o Governo, o aumento da frequência de inspecções poderá contribuir para uma redução da emissão dos gases poluentes para a atmosfera. “Face ao rápido desenvolvimento social de Macau, a emissão de gases de escapes dos veículos torna-se uma das fontes da poluição de Macau. Assim sendo, o Governo deve reforçar constantemente os trabalhos de inspecções de veículos”, aponta a DSAT.

Actualmente, há mais de 60 mil veículos a circular nas estradas de Macau que estão sujeitos a uma inspecção periódica. Prevê-se que, com as novas regras a adoptar para o ano que vem, esse número aumente para o dobro. Daí que o actual centro de inspecções da Avenida do Comendador Ho Yin seja “incapaz de satisfazer as necessidades, tanto em termos de funções, como de espaço”.

23 Nov 2016

Aviação | TransAsia anuncia intenção de terminar operações  

Dois acidentes acabaram com a reputação de uma companhia aérea com fracos padrões de segurança, que pondera agora encerrar a actividade. Desde o mês passado que a TransAsia tinha deixado de fazer ligações a Macau

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] notícia de que a transportadora aérea com sede em Taiwan tinha cancelado os voos programados para ontem foi conhecida logo pela manhã. Horas depois, já no final de uma reunião do conselho de administração da empresa, chegou a actualização da situação: os responsáveis pela companhia aérea decidiram dar início ao fim da actividade da TransAsia. Todos os voos foram suspensos.

O fim à vista da TransAsia é um choque para os sectores da aviação e do turismo de Taiwan, bem como para o Governo da ilha. Sendo a terceira maior companhia aérea de Taipé, começou por garantir ligações entre os dois lados do Estreito. Depois, alargou as operações à região e a voos internacionais.

A TransAsia voava diariamente para Macau, mas desde o mês passado que tinha deixado de oferecer o serviço. Ontem, ainda antes de anunciados os novos planos em torno da operadora, António Barros, director do Aeroporto Internacional de Macau, explicou ao HM que a empresa tinha anunciado a intenção de recomeçar as operações para o território a 1 de Dezembro. “Mas agora não sabemos mais nada. Não temos conhecimento oficial, apenas aquilo que vemos nas notícias.”

Salientando que, apesar dos problemas de segurança que teve no passado, a TransAsia sempre operou normalmente em Macau, António Barros diz que a suspensão da companhia aérea não trará consequências para o aeroporto. “Há outras companhias a operar no lugar dela, não temos tido impacto. Temos uma nova companhia a operar, a Far Eastern Air Transport, que vai começar precisamente voos para Kaohsiung, no início de Dezembro. O tráfego continua a ser o mesmo.”

Contas difíceis

Nos seis trimestres anteriores a Setembro, a TransAsia acumulou sucessivos prejuízos. O negócio foi afectado por um acidente na ilha de Pengu, em 2014, e outro nos subúrbios de Taipé, em Fevereiro do ano passado, que causou 43 vítimas mortais.

Fundada há 65 anos, a companhia aérea tinha como mercados principais a China Continental, o Sudeste Asiático e o Norte da Ásia.

A suspensão dos voos anunciada ontem terá afectado cinco mil pessoas, com bilhete comprado para 84 ligações aéreas. A autoridade de aviação da ilha aplicou à empresa uma multa na ordem dos 730 mil dólares de Hong Kong.

A TransAsia também pediu a suspensão da transacção de acções à bolsa de Taiwan, que aprovou a solicitação, mas penalizou a empresa por não ter organizado uma conferência de imprensa, tendo apenas enviado um comunicado.

As autoridades tinham já anunciado que vão investigar a operadora por suspeitas de informação privilegiada. Na segunda-feira à tarde, o sistema de reservas da companhia aérea tinha deixado de funcionar, o que gerou especulação em torno do cancelamento de voos. A empresa começou por dizer que se tratava de um boato sem qualquer fundamento, mas acabou por admitir mais tarde que estaria um dia sem operar.

A diminuição do número de turistas do Continente desde que Tsai Ing-wen assumiu a Presidência, em Maio passado, não tem ajudado ao equilíbrio financeiro da companhia.

23 Nov 2016

Curtas | Sound & Image Challenge com a maior adesão de sempre

O Sound & Image Challenge volta a marcar o final do ano, desta feita com um número recorde de participações. A organização destaca não só a quantidade de filmes recebidos, como a qualidade que coloca a iniciativa local na corrida dos melhores festivais independentes do mundo

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] festival Sound & Image Challenge 2016 já tem cartaz e vai mostrar curtas-metragens entre 6 a 11 de Dezembro. A edição deste ano integra temas do quotidiano actual e, além das películas em competição, conta com filmes da China Continental, Taiwan, Macau, Singapura, Filipinas, Tailândia e Portugal, numa secção extra.

No total são 64 curtas a ser exibidas no Teatro Dom Pedro V e 50 filmes que vão ocupar a tela da Cinemateca Paixão.

Lúcia Lemos, responsável pela Creative Macau – a entidade organizadora do evento – mostra-se excepcionalmente satisfeita com a quantidade e a qualidade das curtas-metragens que foram recebidas pela entidade, tanto na secção extra, como para as secções “Shorts” e “Volume”.

“Além das 1650 inscrições que deram entrada no Centro das Indústrias Criativas, a iniciativa conta ainda com 41 filmes, além dos candidatos”, sublinha. “Embora as curtas-metragens nas duas categorias de competição não devam exceder 15 ou 30 minutos, recebemos um número recorde de trabalhos vindos de todo o mundo”, diz Lúcia Lemos, na nota de apresentação do festival.

A responsável frisa ainda a qualidade que marca a edição deste ano. “Gostaríamos de realçar a tremenda qualidade dos filmes que recebemos e de destacar o tratamento de temas globais actuais, como é o caso dos campos de refugiados em várias regiões do mundo”, menciona Lúcia Lemos na mesma nota.

Fará também parte do programa uma masterclass e a participação de profissionais do cinema. A master estará a cargo de Cheng Liang, que apresentará a sua curta-metragem “City of Black and White”, um filme composto por três histórias mudas.

Filmes do mundo

Os filmes selecionados para as competições “Shorts” e “Volume” vieram dos Estados Unidos, Europa, Médio Oriente, América do Sul, Sudeste Asiático, China e Macau o que, segundo Lúcia Lemos, “mostra que um número crescente de realizadores tem interesse por um festival de cariz independente e sem ser convencional”.

Para a responsável, a adesão poderá ter que ver com as particularidades do território anfitrião: “Um festival possivelmente inspirado pelos sedutores 450 anos de história que Macau possui enquanto ponto de encontro entre o Oriente e o Ocidente”.

Lúcia Lemos não deixa de mencionar o papel do cinema enquanto forma de comunicação. “O cinema é o tipo de entretenimento mais democrático, porque nos permite a ligação a outras culturas sem as invadirmos e tem o poder de mudar vidas alterando a percepção do mundo real”.

O Festival Internacional Sound & Image Challenge tem como objectivo, nas palavras de organização, “tornar-se uma referência no âmbito de festivais deste género”.

 

 

 

Programa

 

6 de Dezembro

Cerimónia de Abertura no Teatro D. Pedro V – 19h

7 de Dezembro

Projecção de filmes extra com conversa depois da exibição – 14h às 22h

Masterclass do realizador Cheng Liang – 19h

8 de Dezembro

Projecção dos filmes nomeados para a secção “Shorts” – 9h30 às 22h

9 de Dezembro:

Projecção dos filmes nomeados para a secção “Volume” com conversa depois da exibição – 14h às 15h

Projecção de filmes extra com entrevistas após a exibição – 15h30 às 17h

Cerimónia de gala de entrega de prémios – 19h às 21h30

Cinemateca Paixão

10 de Dezembro

Projecção de filmes nomeados das secções “Shorts” e “Volume” – 14h às 22h

11 de Dezembro

Projecção de filmes extra – 14h às 15h30

Projecção de filmes nomeados da secção “Shorts” – 15h30 às 22h

23 Nov 2016

Pequim declara apoio à integração comercial

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] China disse ontem apoiar uma maior integração na região Ásia Pacífico, após o anúncio do futuro Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de que vai retirar o seu país do Acordo de Associação Transpacífico (TPP).

O acordo, assinado a 4 de Fevereiro, depois de cinco anos de negociações, inclui os EUA, Austrália, Brunei, Canadá, Chile, Japão, Malásia, México, Nova Zelândia, Peru, Singapura e Vietname e abrange 40% da economia mundial.

Porém, não inclui a China, tendo sido entendido por Pequim como uma forma de conter a crescente influência económica do país no Pacífico.

“Estamos abertos a todos os acordos que são positivos para a integração, a facilitação do comércio, a paz e a prosperidade na Ásia Pacífico”, disse ontem o porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês, Geng Shuang.

O porta-voz recordou que na recente cimeira da APEC (Fórum de Cooperação Económica Ásia Pacífico) os líderes do grupo concordaram em “aprofundar a integração económica e opor-se ao proteccionismo comercial”.

Geng considerou que os futuros tratados devem evitar a segmentação – numa referência à exclusão da China do TPP – e apelou a que sejam cumpridas as regras da Organização Mundial do Comércio (OMC), de forma a manter vigente o sistema multilateral de comércio.

“Esperamos que todos os acordos se reforcem entre si, em vez de se debilitarem. Devemos evitar a segmentação dos acordos de livre comércio ou a sua politização”, insistiu.

Encruzilhada

O futuro Presidente norte-americano, Donald Trump, anunciou na segunda-feira que vai retirar os EUA do Acordo de Associação Transpacífico quando chegar à Casa Branca por ser um “potencial desastre” para o país.

Alguns países consideram avançar com o TPP mesmo sem a participação norte-americana, enquanto outros apontam para tratados alternativos, como o Acordo Integral Económico Regional (RCEP), que inclui a China e exclui os EUA.

Geng lembrou que o RCEP não foi inicialmente proposto por Pequim, mas antes pelos dez países da Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN), que têm mantido as negociações.

Pequim “espera que essas conversações possam produzir resultados em breve”, concluiu.

23 Nov 2016

A pele de um independente

Horta Seca, Lisboa, 14 Novembro

[dropcap]M[/dropcap]ão amiga traz-me de S. Tomé e Príncipe umas barras de chocolate assinadas por Claudio Corallo. Não acho mesmo graça nenhuma à cada vez mais totalitária gourmetização das nossas vidas, mas o rolo compressor deixa despontar aqui e ali uma erva daninha. Como esta atenção aos produtos da terra e ao modo como dela os extraímos. Um chocolate extremamente amargo, que não esconde o sabor a chão, contém uma saborosa contradição. Rima com tanto destes meus dias…

Mymosa, Lisboa, 15 Novembro

Circula por aí o catálogo Ilustração Portuguesa 2016, que reúne, em cerca de 400 páginas, trabalhos de quase uma centena de ilustradores, um deles o Rui Rasquinho, que sentou um pensativo Pessanha em descansativo cemitério. O regresso desta montra aconteceu a pretexto da Festa da Ilustração, de Setúbal, em cuja equipa, agora mesmo e depois de hesitações várias, acabo de manter-me. Continuo espantado com o luxuriante jardim de criatividade que esta linguagem cultiva e rega e apara entre nós. Apesar da seca criada pelos mercados e seus feiticeiros de algibeira. Tem sabor de enigma, o modo como continuam a desmultiplicar-se em projectos, a alimentar cursos, a ganhar prémios internacionais, a reinventar suportes como ecrãs ou paredes, a mastigar livros. Curiosamente, ou nem por isso, várias foram as imagens que tomaram o livro por tema, que tiveram origem em capas, que dançaram com o texto. O João Fazenda (autor da ilustração ao lado), parceiro de tantos riscos e querido amigo, foi um dos que mais converteu o bicho em metáfora: fez dele fruto e casa, rosto e partitura, mesa de cozinha e mais, muito mais. Que gosto dá flanar nesta cidade, feita de lombadas e guardas, de lombos e cortantes, de baixos-relevos e vernizes mate! Sempre em mate, que o brilho fere os olhos.

Horta Seca, Lisboa, 17 Novembro

Orson Welles morreu sem o acabar. Ainda se consegue vislumbrar o que poderia ter sido. Terry Gillian há décadas que o persegue, e um documentário, que devia dizer dos bastidores, dá-nos perfume do impossível. Nenhum deles me parece capaz de se deixar amedrontar pelo suposto gigantismo da empresa, pela comprovada complexidade da personagem, menos ainda por tola maldição colada à pele de papel. Onde procurar, então, as razões para que soçobrem os filmes sobre o sempiterno D. Quixote? Tremo ao ler a notícia de que a Disney se vai atirar à bruta figura. O mais cruel aplainador de rugosidades da história da ficção cuspirá, estou em crer, um cavaleiro de desmedida sensaboria.

Horta Seca, Lisboa, 18 Novembro

O Oxford Dictionary escolheu para palavra do ano post-truth, pós-verdade. Não era nova, mas a campanha presidencial norte-americana colocou-a nas nossas bocas. Pior, nas nossas vidas. Como se vivêssemos no universo Disney, «os factos objectivos influenciam menos a formação da opinião pública do que apelos à emoção e a crenças individuais.» Ouviremos cada vez mais gente aparentemente sã de espírito afirmar que Obama criou o ISIS, Hillary Clinton desdobrava-se em duas. Melhor: que em democracia, cada um pode escolher a sua verdade. A democracia está cada vez mais fantasiosa, apesar de narrativa.

Rua Nova da Trindade, Lisboa, 19 Novembro

Já apagaram os carris do eléctrico? Bem sei que não os arrancam, afogam-nos em alcatrão, atirando para o futuro a leitura daquelas linhas. Houve tempos em que couberam dois sentidos ali e gosto de imaginar o chá nas canecas a fazer-se pequeno mar durante uma passagem simultânea. Dói-me não termos partilhado uma última refeição, que também as gostavas longas, mas talvez tivesse mesmo que ser assim, sem lugar para despedidas. A tua morte apanhou-me no torpor a que chamei, por fraqueza de vocabulário, férias. E agravou a crença de que talvez ainda possamos trocar umas ideias sobre o assunto, um qualquer: aguardente, pão, uma capa, a derradeira versão. A nossa última conversa foi ao telefone, quando resolveste saudar o aparecimento da abysmo da mais inusitada maneira: não queres comprar a Cotovia? Tinhas as contas feitas e os argumentos alinhados. Anos depois, percebo melhor que me querias poupar agruras. O preço era uma pequena fortuna, muito longe do que devia valer uma chancela admirável como a tua. Cuidei que brincavas, mas não. Era um preço de amigo. Demorei a perceber o gesto e só podes ter ficado sentido com a indiferença com que o recebi. Não foi por mal, foi por miséria. Quando a conversa acontecer, não voltaremos ao assunto, não vamos achatar o reencontro com conversa triste de ofício, sonharemos antes um empreendimento qualquer. Folgo em saber, pela Fernanda ainda agora, que as dores não te toldaram o sentido de humor. Chegaste com recorte de um jornal do Bombarral na mão. «Não quero a Servilusa. Detesto pequenos impérios. Já escolhi a funerária que vou querer.» No papel, anunciava-se, em corpo 12, a competência de 20 anos do gato-pingado, Carlos Nogueira: «Incontrolável em mim». Depois, em menor: «Decididamente fazer funerais é aquilo que eu mais gosto de fazer.»

Horta Seca, Lisboa, 20 Novembro

Somos excessivamente narrativos. Por exemplo, o ter passado a usar óculos, horas depois de fazer 50 anos, parece indicar o sentido óbvio do inexorável desgaste dos materiais. Mudaria alguma coisa se tivesse sido antes da data? Não, mas assim ganhou a intensidade de um sinal. O objecto acomodou-se ao corpo, quase faz parte dele. Não sem resistência, que o primeiro par logo se desfez. Os dias ganharam novas rotinas, que a limpeza tem que ser constante. Tanto pó, tanta gordura vem do que vou vendo? A escrita destas linhas faz-me viver os assuntos de outra maneira. Mas tiro pó ou acrescento gordura?

23 Nov 2016

A China tal como ela é 真实的中国

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] câmara de Michael Wolf é honesta, mas não é indelicada. Durante mais de vinte anos, o fotógrafo alemão abordou os seus temas com uma frescura que reflecte simultaneamente o passado e sugere o futuro.  Tomemos como exemplo uma das suas muitas sequências conceptuais.  A série de fotografias intitulada “Cadeiras Chinesas” não o fez cair nas boas graças da polícia chinesa, embora ele se tivesse esforçado por explicar que o seu trabalho era “inofensivo”. Mas, a polícia continuava a insistir que “prejudicava a imagem da China”. Não chegaram a prendê-lo, mas detiveram-no durante seis horas e confiscaram-lhe as fotos.  Num contraste marcado entre a bizarria dos edifícios luxuosos e dos Centros Comerciais que inundam o País, as “Cadeiras Chinesas” inventariam todo o tipo de assentos que dão corpo ao humor e à sabedoria da cultura chinesa.  Na minha opinião, estas “cadeiras” são a constância da China. Cada cadeira é um retrato de teimosia e determinação. Passam ao lado da moda, calmas, intimas e audaciosas: são a China como ela é.

Nascido em Munique, Wolf cresceu nos Estados Unidos. Chegou a Hong Kong em 1995. Se o leitor fizer uma visita ao seu website, pode ficar um pouco chocado com a obsessão pela separação e classificação, sob a batuta do rigor alemão.

Em a “Fábrica de Brinquedos” percebemos que para haver uma infinidade de brinquedos são necessários inúmeros trabalhadores. Assistimos à “Verdadeira Toy Story”, numa fábrica de brinquedos chinesa: uma azáfama de trabalhadores, um ambiente abafado, e pilhas de brinquedos de plástico.  Cerca de 75% dos brinquedos produzidos em todo o mundo são “Made in China”. São fabricados por gente real e não por máquinas.

Durante a produção da série “Arte Falsa Real”, Wolf pediu a um falsificador de arte chinês que lhe pintasse os girassóis de Van Gogh. Obteve a seguinte resposta: “É muito simples. Com 400 pinceladas está feito!” Esta conversa decorreu na Dafen Artist Village (subúrbio artístico de Shenzhen), onde vários milhões de “quadros famosos” são produzidos anualmente para exportação. Um “artista” despachado consegue fazer 30 obras-primas por dia.  Sim, claro, isto também é a China.

23 Nov 2016

iHome Macau, empresa online de decoração: “Queremos vender produtos de qualidade”

Christy Ieong tirou partido da nacionalidade chinesa para começar a comprar produtos do outro lado da fronteira e montar um negócio que se distingue pelos baixos preços praticados. Juntamente com o namorado, a fundadora da iHome Macau quer tornar a decoração das casas da cidade mais bonita, mas com custos acessíveis

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] iHome Macau recuperou algo que está na memória de todos, do tempo em que o yuan valia bem menos do que a pataca e ir a Zhuhai fazer compras era um passatempo para muitas famílias. A pensar nos tempos modernos, a iHome Macau pegou nessa ideia e colocou-a online: porque não ir buscar produtos ao continente e vendê-los em Macau? Assim começou o projecto.

“Encomendamos os produtos da China e vendemos online para os clientes em Macau. Queremos manter os preços baixos porque vemos que as lojas em Macau vendem produtos muito caros, com uma qualidade muito baixa. Então queremos fazer o contrário: vender produtos de qualidade com preços mais baixos”, contou ao HM Christy Ieong, co-fundadora do projecto.

Christy Ieong, que tem outro trabalho, numa operadora de jogo, acredita que este negócio poderá satisfazer as necessidades daqueles que querem comprar bom, bonito e barato, estando aqui tão perto de um grande mercado como é a China.

“Eu e o meu namorado percebemos que a maioria das lojas não tem bons produtos e que os funcionários não são educados, não atendem os clientes como deveriam atender. O serviço não é bom e os preços são elevadíssimos.”

O arranque oficial deu-se em Setembro e a época natalícia será, sem dúvida, a aposta da iHome Macau para entrar a sério no mercado, ainda que esta seja uma empresa que apenas funciona online. Ieong não tem planos para a abertura de um espaço físico.

“Começámos o negócio no mês passado e já tivemos os nossos primeiros clientes. Para já, temos alguns produtos de Natal e talvez teremos de esperar para que as pessoas comecem a decorar as suas casas, porque até agora ainda não tivemos uma adesão massiva. Gostaria de arrancar com o negócio mais a sério no Natal, com a encomenda de produtos, e se tudo isto se tornar lucrativo gostaria de apostar noutro tipo de produtos para a casa.”

É tudo verdadeiro

O comércio online tem sofrido um verdadeiro boom na China e a verdade é que poucos passam sem as conhecidas plataformas de comércio. Apesar dos problemas que muitas vezes este tipo de vendas acarreta, como os enganos feitos aos clientes em termos de preços e qualidade, Christy Ieong garante que na iHome Macau tudo é verdadeiro.

“Colocamos algumas fotografias no Facebook e depois os clientes encomendam através de mensagens privadas. O cliente só paga quando vir o produto. Todas as fotografias são verdadeiras, o cliente não tem de se preocupar com a falsidade do produto ou com a falta de qualidade.”

Nos próximos meses, a iHome quer tornar-se, tal como o nome indica, numa plataforma online em que todo o tipo de encomendas para a casa será possível, estando disponíveis para todas as carteiras.

“Depois do Natal podemos vender produtos como almofadas, coisas que habitualmente temos nas nossas casas, nas salas de estar ou na cozinha. Muitos dos supermercados e lojas que vendem estes produtos cobram preços elevados e com pouca variedade em termos de cores e formas.”

Um olhar pela página da iHome pela rede social Facebook permite perceber que já há alguns clientes interessados nos produtos. Para já, estão apenas disponíveis todos aqueles produtos que fazem parte do nosso imaginário natalício, como meias do Pai Natal, bolas para decorar a árvore, tapetes e bonecos de decoração. Para os adquirir, basta fazer um comentário ou deixar uma mensagem privada. A iHome Macau garante entregas gratuitas para compras superiores a duas mil patacas, tanto para a península, como para a Taipa. O cliente paga em dinheiro quando recebe aquilo que encomendou.

23 Nov 2016

Habitação | Governo acusado de inércia após apresentação das LAG  

Vários deputados aproveitaram ontem o período de antes da ordem do dia para acusar o Governo de nada fazer para resolver o problema da falta de habitação e dos preços elevados no mercado. Foi exigido ao Executivo que aumente o imposto do selo, tal como fez Hong Kong

macau prédios edificios obras[dropcap style≠’circle’]C[/dropcap]hui Sai On admitiu que a classe média está a sofrer os constrangimentos naturais de quem não consegue comprar uma casa, mas não lançou novas medidas para controlar os preços das casas no sector privado. Após a apresentação do relatório das Linhas de Acção Governativa (LAG) para o próximo ano, os deputados utilizaram o período de antes da ordem do dia no hemiciclo para exigir acções concretas e imediatas ao Executivo.

O deputado Ho Ion Sang falou do aumento de imposto do selo recentemente implementado em Hong Kong. “Macau está perante a mesma situação, mas o Governo apenas refere que vai actuar quando for necessário e que está atento aos desenvolvimentos do sector imobiliário. O mercado imobiliário de Hong Kong registou um aumento do preço das casas de 8,9 por cento em Agosto, uma diferença de apenas 3,5 por cento face ao seu máximo histórico. Em Macau, o preço de Setembro registou aumentos de 12,5 por cento, muito superior a Hong Kong.”

Para Ho Ion Sang, se Macau “não se ajustar ou articular as suas medidas com as regiões vizinhas atrairá, decerto, a circulação livre de capitais, e a entrada de capitais em Macau far-se-á num ritmo muito mais acelerado, e assim perderá a melhor altura para prevenir riscos”.

O deputado pede, por isso, medidas imediatas para travar mais um período de especulação imobiliária. “Há que pensar em medidas preventivas para evitar que os efeitos de um vácuo político atraiam a afluência de capitais que estimulem mais uma vez o mercado imobiliário, no sentido de prevenir o disparo das oscilações dos preços dos imóveis. A fim de evitar bolhas no mercado imobiliário, mais vale prevenir do que remediar.”

Também Song Pek Kei falou da necessidade de aumentar o imposto. “Para baixar os preços das casas foram tomadas medidas picantes de estabilidade. Em Hong Kong foi implementada a cobrança de um imposto do selo de 15 por cento para a aquisição de casa que não seja a primeira habitação. Mas em Macau, mesmo com as receitas do jogo a subir outra vez, o Governo diz que ainda estamos na fase de observação, portanto a população só pode continuar a olhar para o céu.”

Empresa pública precisa-se

Zheng Anting optou por falar dos atrasos sucessivos na construção de habitação pública e sugeriu mesmo a criação de uma empresa pública para lidar com o assunto.

“Deve-se criar uma empresa pública para promover e acelerar a construção de casas públicas, para garantir o desenvolvimento paralelo em termos de qualidade e quantidade”, defendeu na Assembleia Legislativa.

O número dois de Mak Soi Kun alertou ainda para a necessidade de promover um estudo para que se analise o panorama do mercado. “Sugiro que se faça um estudo, pelo Secretário para a Economia e Finanças, por forma a que se estabeleçam medidas em relação ao mercado imobiliário e se proceda aos controlos do mercado para encontrar as suas insuficiências e se faça como nas regiões próximas, com a cobrança fiscal em forma de escada, para promover um desenvolvimento saudável do mercado privado.”

A crítica à ausência de medidas no relatório das LAG também se fez ouvir da boca de Zheng Anting. “Nas LAG deste ano refere-se que se vai acelerar a oferta de habitação pública, mas não foi estabelecida nenhuma calendarização. O Governo deve estabelecer medidas eficazes e atempadas para promover um desenvolvimento paralelo entre o mercado privado e a construção de casas públicas, por forma a atingir o bem-estar de todos.”

Já o deputado José Pereira Coutinho lembrou que, nos últimos dez anos, as LAG contêm muitas promessas que nunca são cumpridas. “Muita publicidade foi feita no sentido de promover a elevação da qualidade de vida dos cidadãos, construindo-se uma cidade com condições ideais de vida e melhoramento do bem-estar. Mas o que a população sente é exactamente o contrário. O Governo não se tem empenhado na questão habitacional e aumenta o número de jovens que são obrigados a viver com os pais e os avós numa casa”, rematou.

22 Nov 2016

Cimeira | APEC contra o proteccionismo e pelo comércio livre

Na cimeira da APEC houve unanimidade contra o proteccionismo e pela abertura dos mercados, dois pontos contrários às ideias expressas por Trump na sua campanha. Os países do Pacífico acreditam que há vida além dos EUA proteccionistas

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] 24ª Cúpula de Líderes do Fórum de Cooperação Económica Ásia-Pacífico (Apec) terminou neste domingo em Lima com a promessa de se transformar num muro contra o proteccionismo e avançar na criação de uma área de livre-comércio que abranja todos os seus membros.

A incerteza causada após a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos marcou o tom e o conteúdo dos debates, e levou inclusivamente o presidente do Peru e anfitrião da reunião, Pedro Pablo Kuczynski, a falar de “um momento-chave da história económica” do mundo ao encerrar o evento, que durante o fim de semana reuniu os líderes das 21 economias do bloco.

A reunião terminou com uma declaração de alerta sobre os riscos de proteccionismo e com a defesa da integração económica, que coincidiu com o documento antecipado no sábado pela Agência Efe e que transformou Trump no protagonista involuntário desta cimeira, que serviu como despedida oficial de Barack Obama da cena internacional.

Nas conclusões, os líderes mostraram preocupação porque “a globalização e os seus processos de integração associados são cada vez mais questionados, contribuindo para o surgimento de tendências proteccionistas”. “Reafirmamos o nosso compromisso de manter os nossos mercados abertos e de lutar contra todas as formas de proteccionismo”, asseguraram.

Assim, os líderes da Apec mostraram-se decididos a “reverter medidas proteccionistas e distorcidas que debilitam o comércio e travam o progresso e a recuperação da economia internacional”.

Estas mensagens foram também repetidas até à exaustão de forma pessoal pelos líderes presentes na reunião, liderados por Obama, pelo presidente da China Xi Jinping, pelo japonês Shinzo Abe e o canadiano Justin Trudeau.

Por uma área de comércio livre

Além destas mensagens de ordem política, o Apec anunciou o seu desejo de avançar rumo à constituição de uma Área de Comércio Livre da Ásia Pacífico (FTAAP, em inglês) “de forma integral e sistemática”. Segundo a Declaração de Lima, divulgada no encerramento da cimeira, este compromisso será “um instrumento central para aprofundar a agenda de integração económica regional”.

O FTAAP desenvolver-se-á de forma “externa e paralela” à Apec e terá como fim não só conseguir a liberalização dos mercados regionais, mas que esta seja “integral e de alta qualidade”, além de incluir os “temas de comércio e investimento de segunda geração”.

Este acordo deverá ser construído em função dos acordos de comércio livre entre as economias do bloco actualmente existentes, particularmente o Acordo de Cooperação Transpacífico (TPP) e o Acordo Integral Económico Regional (RCEP), para o que os líderes pediram que permaneçam “abertos, transparentes e inclusivos”. Os trabalhos preliminares para este objectivo deverão estar prontos até 2020.

Temas consensuais

A declaração final da Cúpula de Líderes, de sete páginas, abordou também áreas específicas como o desenvolvimento das energias renováveis, o papel da mulher, o papel das pequenas e médias empresas, a conectividade e a luta contra o terrorismo e a corrupção.

Estas posições são completamente diferentes das promessas de campanha de Donald Trump, que defendeu ante o eleitorado americano um maior proteccionismo económico para proteger os empregos nas indústrias contra a concorrência da China ou do México, países com mão-de-obra mais barata.

As economias que fazem parte da Apec são Austrália, Brunei, Canadá, Chile, China e Hong Kong, Estados Unidos, Indonésia, Japão, Coreia, Malásia, México, Nova Zelândia, Papua Nova Guiné, Peru, Filipinas, Rússia, Singapura, Taiwan, Tailândia e Vietname.

Estas economias representam 54% do Produto Interno Bruto (PIB) global e 50,3% das exportações mundiais, e contam com um mercado de mais de 2,8 mil milhões de pessoas, equivalente a 40% da população mundial.


China pretende substituir EUA proteccionistas

A China exibiu em Lima a sua ambição de assumir a liderança das negociações de comércio livre na região Ásia-Pacífico, por oposição ao projecto proteccionista do presidente americano eleito Donald Trump. Após a eleição, a relação entre a China e os Estados Unidos estão “numa encruzilhada”, advertiu o presidente chinês, Xi Jinping, à margem da cimeira da APEC.

“Espero que as duas partes trabalhem juntas para se concentrar na cooperação, gerir as nossas diferenças e assegurar que a transição ocorra sem problemas e que o relacionamento continue a crescer”, acrescentou o líder chinês no início da sua última reunião bilateral com Barack Obama, que realiza na capital peruana a sua última viagem oficial ao exterior.

Barack Obama lançara um apelo ao mundo, pedindo “uma chance” para seu sucessor, dando-lhe tempo. “Nós nem sempre governamos como fazemos campanha”, observou o actual ocupante da Casa Branca.

Por seu lado, Xi Jinping pediu aos líderes regionais para apoiar as iniciativas chinesas para o comércio livre na região, para preencher o vazio deixado pelo provável abandono do acordo de comércio livre (TPP) pelos Estados Unidos.

“Nós não vamos fechar a porta ao mundo exterior, mas abri-la ainda mais”, garantiu. “A construção de uma Área de Livre Comércio da Ásia-Pacífico (FTAAP) é uma iniciativa estratégica vital para a prosperidade a longo prazo da região. Devemo-nos ater a este projecto com firmeza”.

A iniciativa chinesa alternativa é um projecto de acordo de comércio livre entre a Asean (Associação das Nações do Sudeste Asiático), Austrália, China e Índia, mas sem os Estados Unidos.

Pequim defende o tratado como um passo importante na construção da zona de comércio livre da Ásia-Pacífico (FTAAP), que reuniria todos os países membros da APEC e cuja conclusão levaria anos, se um dia for concluída.

“Vamos investir plenamente na globalização da economia, apoiando o comércio multilateral, com o avanço do FTAAP, trabalhando no sentido de uma rápida conclusão das negociações sobre o CJPE”, declarou Xi Jinping.

A Austrália mostrou-se sensível à proposta chinesa CJPE. Mas o Japão, a outra potência regional da Ásia, é menos propensa a ceder a Pequim. O país continua, juntamente com outros, como Chile, a defender o TPP, mesmo sem os Estados Unidos.

“O pacto chinês de comércio livre não vai compensar o fracasso do TPP, que representa um golpe para as perspectivas económicas da Ásia emergente”, comentou neste sábado o Capital Economics numa análise. “Os seus benefícios para a região tendem a ser muito menores”, especialmente para países como o Vietname ou a Malásia. No entanto, “a retirada dos Estados Unidos criou uma oportunidade para a China para expandir sua influência na Ásia”, acredita a Capital Economics.

22 Nov 2016

Orçamento de 2017 aprovado por unanimidade pelos deputados

Foi aprovado com luz verde de todos os deputados, mas ainda assim causou algumas dúvidas. O Orçamento de 2017 prevê o aumento em um terço do montante destinado ao PIDDA. Os deputados sugerem que seja financiado através da reserva extraordinária

[dropcap style≠’circçe’]O[/dropcap] Orçamento da RAEM para 2017 foi aprovado ontem na generalidade. O diploma prevê um valor global da receita que supera os 102 milhões de patacas, traduzindo-se num decréscimo de 0,3 por cento relativamente a este ano, ou seja, menos cerca de 307 milhões de patacas face ao Orçamento inicial de 2016.

Não obstante todos os deputados terem concordado com a proposta, houve dúvidas no hemiciclo, sobretudo por causa do aumento da despesa ser essencialmente devido à subida do valor do Plano de Investimentos e Despesas de Desenvolvimento da Administração (PIDDA). Prevê-se mais de 15 milhões de patacas, em que o aumento, relativamente a este ano, é de quase um terço, estando acima dos quatro milhões de patacas.

Para Chui Sai Cheong, as verbas destinadas ao PIDDA não deveriam ser incluídas no Orçamento, mas sim retiradas da reserva extraordinária do Governo. O deputado entende que este gasto não pode ser visto enquanto despesa, mas sim como investimento.

“Enquanto investimento, o montante deve ser retirado das verbas destinadas a despesas extraordinárias. Já estamos em tempo oportuno para dar o passo e (…) utilizar parte da reserva extraordinária para os investimentos da RAEM, não incluindo esses montantes na parte das despesas orçamentais”, defendeu.

Já Ng Kuok Cheong pretende saber se as injecções de capital previstas no Orçamento para 2017 incluem o apoio a projectos privados. “Estou mais preocupado com o dinheiro das injecções de capital: se é para aplicações financeiras de usufruto privado ou para o que é que são.”

Gastar não fica bem

O facto de Macau estar a gastar mais do que recebe foi um problema levantado por Song Pek Kei, que transmitiu o clima de desconfiança da população perante um Executivo que, mesmo com a situação económica actual, continua a aumentar a despesa pública e os gastos orçamentais. “Independentemente da situação económica de Macau o orçamento aumenta sempre. Mesmo com a actual situação continua a aumentar e a população pode questionar onde é que o dinheiro vai ser gasto”, advertiu.

Na resposta, o Secretário para a Economia e Finanças, Lionel Leong, garantiu que há cuidado nos cálculos do Executivo, ao sublinhar que, “quanto às finanças públicas, o Governo precisa de ser prudente e isso não depende de uma situação económica mais favorável”.

Relativamente ao aumento do PIDDA, Lionel Leong frisou que “o Governo precisa de investir mais capitais para aumentar a economia, e por isso há mais dinheiro para o plano”.

No que respeita às receitas vindas do sector do jogo, o montante será idêntico ao deste ano, podendo atingir os 70 mil milhões de patacas.

22 Nov 2016

Chan Meng Kam pede mais rigor nos concursos públicos

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Governo tem de avaliar com mais rigor as empresas que vencem os concursos públicos. O recado de Chan Meng Kam é especialmente dirigido à Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, sendo que o deputado considera que a integridade das empresas candidatas a concurso deve ter um maior peso na avaliação final.

“O erário público foi desperdiçado como se fosse papel higiénico”, afirmou ontem Chan Meng Kam na Assembleia Legislativa (AL), no período de antes da ordem do dia. A imagem foi usada para falar da quase triplicação dos gastos nos projectos de habitação social de Mong Há e do metro ligeiro, sendo que, para o deputado, se aplica a grande parte dos projectos da tutela das Obras Públicas.

“Desde a transferência de soberania que os preços das grandes obras tem ultrapassado em muito os valores orçamentados, afectando a credibilidade e a dignidade do Governo”, afirmou.

Para o deputado, o que está em causa é a ausência de um factor de avaliação associado à credibilidade e integridade aquando dos concursos públicos. “Os concursos públicos falham na cientificidade e no rigor, ignorando a importância da integridade e credibilidade dos concorrentes”, afirma. “O parâmetro ‘integridade e credibilidade’ vale cinco pontos e em muitos concursos nem aparece, e o custo representa entre 40 e 60 por cento. Por isso há lacunas”, defende.

O deputado dá como exemplo o caso do antigo director da Sociedade de Investimento e Fomento Imobiliário Chon Tit, que foi condenado a pena de prisão por subornar Ao Man Long nas obras da Ponte Sai Van. Ainda assim, a empresa ganhou concursos públicos posteriores ao processo.

“Em Fevereiro, esta empresa venceu um concurso público realizado pela DSSOPT com um custo mais baixo de 440 milhões de patacas. O concurso era para o parque de estacionamento da Rua Seng Tou e não era preciso avaliar o item de integridade e credibilidade”, diz, sendo que “quando este é considerado, as empresas apresentam propostas conjuntas minimizando, assim, a sua penalização”.

O barato sai caro

Chan Meng Kam salienta ainda o facto de o custo mais baixo das propostas – critério que tem sido usado para seleccionar empresas em detrimento de outras – ter várias desvantagens. “Após a adjudicação da empreitada do Parque Central da Taipa, uma dezena de empresas concorrentes apresentaram uma reclamação ao Chefe do Executivo. A população queixa-se da utilização de material de construção que não corresponde ao preço pago e da baixa qualidade das obras”, exemplifica o deputado.

Para Chan Meng Kam, a adjudicação de obras públicas não pode continuar a ser feita na tentativa de adivinhar o futuro. Apesar de salientar que “a construção de infra-estruturas representa uma forma de aumentar os postos de trabalho e a promoção do crescimento económico, o orçamento das obras, o concurso público e a adjudicação não podem ser por adivinhação”.

22 Nov 2016

Estudo | Homens justificam violência doméstica com o stress

[dropcap style≠’circle’]U[/dropcap]m estudo realizado pelo Centro de Acolhimento sobre o Jogo e Apoio à Família Sheng Kung Hui revela que 6,3 por cento dos mais de 500 homens inquiridos admitem ser violentos com os seus familiares devido ao stress. Segundo o Jornal do Cidadão, 9,2 por cento dos inquiridos disseram que recorrem à violência “de vez em quando” ou “sempre”, ou que “tiveram conflitos com os seus membros da família”.

O estudo visou investigar “a gestão do stress e a expressão da emoção dos homens”, tendo sido realizado no início deste ano. Os entrevistados têm entre 30 a 55 anos.

O stress é originado sobretudo pelo estado da economia, trabalho e família, sendo que estes factores atingem sobretudo os homens com idades compreendidas entre os 30 e os 40 anos. A “satisfação das esperanças e expectativas dos familiares”, os “auto-requisitos” ou a “transição dos papéis familiares” também são factores apontados pelos inquiridos para terem maiores níveis de stress.

Perante situações de “enorme stress” os homens têm, além da violência, outras opções, como “fazer exercício físico” ou “ouvir música”, seguindo-se “contar os problemas aos amigos”. Mais de 60 por cento dos entrevistados negam que “fumar e beber álcool sejam métodos usados pelos homens para expressarem as emoções”, enquanto 88 por cento não concordam que jogar “pode ajudar a avaliar os sentidos”.

Cerca de 40 por cento dos inquiridos têm por hábito fumar, beber álcool ou jogar, tendo maior tendência a esconder as suas emoções em relação aos que não adoptam estes hábitos de consumo.

Com base nos resultados referidos, os responsáveis pelo centro Sheng Kung Hui acreditam que devem ser tidas em conta as necessidades emocionais e psicológicas dos homens, além de se promover o fim dos rótulos e dos papéis que estes devem desempenhar perante a sociedade.

22 Nov 2016

Si Ka Lon quer seguro universal de saúde

 

A criação de um seguro para os residentes de Macau foi a sugestão deixada ontem por Si Ka Lon. O deputado considera que só assim a população pode ter confiança nos Serviços de Saúde e viver sem medo de adoecer

 

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] ideia da criação de um seguro de saúde por parte do Executivo que abranja todos os residentes de Macau foi apresentada ontem pelo deputado Si Ka Lon. No período de antes da ordem do dia da reunião plenária, o tribuno defendeu que, além das iniciativas que têm vindo a ser tomadas por parte dos Serviços de Saúde em que o investimento nos recursos do sector é visível, ainda falta qualidade, pelo que devem ser dadas outras garantias.

“Nos últimos anos, o Governo investiu mais recursos na área da saúde (…) Porém, quanto ao tempo de espera e à qualidade, continua a haver uma certa distância em relação às expectativas dos cidadãos.” Para o deputado, ainda há muitos residentes “excluídos do sistema de protecção, levando a que muitos se sintam inseguros em relação aos cuidados de saúde”.

Si Ka Lon dá como exemplos a “classe sanduíche” e as famílias mais carenciadas financeiramente, que sentem mais pressão no trabalho e que são as mais vulneráveis a doenças. No entanto, apontou, “são também as que não podem adoecer, pois sentem-se inseguras e com medo”.

O deputado sustentou ainda a proposta com o caso de uma família que aufira um salário médio em Macau: após descontados os gastos mensais nas despesas correntes, o dinheiro que resta é pouco. Assim sendo, “as pessoas estão sempre muito preocupadas, porque se um (dos cônjuges) adoecer, a família fica sem um dos pilares económicos e ainda tem de pagar valores exorbitantes pelas custas da saúde, ficando numa situação muito vulnerável”.

É necessário que o Governo continue a promover a construção de hospitais, a formação de talentos médicos e que reveja também as actuais políticas do sector e do regime social, disse. Si Ka Lon quer ainda que seja criado “um regime de saúde médico para toda a população.” Para Si Ka Lon, a medida, “além de poder aliviar os encargos dos hospitais de Macau, controlando os custos médicos que estão em constante expansão, pode servir de garantia de saúde aos residentes”.

 

22 Nov 2016

Ella Lei pede mais atenção aos trabalhadores das empresas concessionárias

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] deputada Ella Lei interpelou ontem o Governo sobre a necessidade de implementar melhores processos de renovação de contratos com as concessionárias de serviços públicos, no sentido de garantir a devida protecção dos trabalhadores.

No período de interpelações antes da ordem do dia, a deputada falou do caso dos funcionários da ETAR. “Em finais de Setembro um grupo de trabalhadores da Estação de Tratamento de Águas Residuais da península de Macau pediu-me apoio, porque a gestão da ETAR seria transferida para outra empresa em menos de uma semana, e como não havia informações sobre o futuro do pessoal, estavam preocupados. Depois do acompanhamento do caso os trabalhadores conseguiram manter-se na empresa, mas isto demonstra que os trabalhadores podem ser afectados quando há pouco tempo para a transição entre as concessões públicas.”

Ella Lei recorda ainda que “a renovação das concessões de serviços públicos e a transição entre concessões, além de afectarem a vida da sociedade e trazerem inconveniências para a população, também estão relacionadas com a transição dos trabalhadores e a protecção dos seus interesses”. A deputada falou do exemplo concreto da renovação dos contratos com as concessionárias de autocarros públicos.

“O Governo deve retirar os ensinamentos do passado e rever o actual contrato de concessão, clarificando quanto antes o futuro do desenvolvimento desse serviço público. Deve preparar quanto antes os trabalhos do concurso de adjudicação para assegurar que o serviço prestado não venha a ser afectado graças a atrasos administrativos e para que os trabalhadores fiquem protegidos”, concluiu Ella Lei.

 

22 Nov 2016

Caso Ho Chio Meng | Julgamento do processo conexo já está marcado  

Já há data para o julgamento dos restantes arguidos do caso Ho Chio Meng. O Tribunal Judicial de Base começa a avaliar o processo no dia 17 de Fevereiro

[dropcap style≠’circle’]C[/dropcap]erca de dois meses e meio depois de o ex-procurador da RAEM começar a ser julgado no Tribunal de Última Instância (TUI), chegará a vez de, no Tribunal Judicial de Base (TJB), um colectivo de juízes dar início ao processo conexo. A data do julgamento dos nove arguidos foi ontem divulgada, em comunicado do Gabinete do Procurador.

À semelhança do que aconteceu com o caso que envolveu o ex-secretário para os Transportes e Obras Públicas, Ao Man Long, Ho Chio Meng não vai ser julgado em conjunto com os restantes suspeitos. Os factos são os mesmos, mas o antigo procurador responde em primeira instância no TUI, devido à natureza das funções que desempenhava aquando da alegada prática dos mais de 1500 crimes de que vai acusado.

No passado dia 10, foi divulgada a data de início do julgamento de Ho Chio Meng: 5 de Dezembro. Ontem, o Ministério Público deu a conhecer que remeteu “há dias” o processo contra os outros nove arguidos para o TJB, tendo sido marcada a manhã de 17 de Janeiro para o início da audiência de julgamento.

Há dois arguidos do processo conexo que estão em prisão preventiva. Respondem por vários crimes – com destaque para burla – em co-autoria com o antigo procurador.

Aquando da detenção, o Comissariado contra a Corrupção (CCAC) explicou que o caso envolve duas antigas chefias do Ministério Público, o ex-chefe do gabinete do procurador e um assessor, vários empresários locais e dois familiares de Ho Chio Meng.

Ainda não são conhecidos detalhes sobre o que terá acontecido – sabe-se apenas que, em causa, está a adjudicação de quase duas mil obras nas instalações do Ministério Público, sempre às mesmas empresas. Os crimes terão ocorrido entre 2004 e 2014, e as empresas envolvidas terão recebido um valor superior a 167 milhões de patacas. O CCAC acredita que, deste valor, 44 milhões terão sido encaixados pelos arguidos.

O apoio do MP

“Em relação aos dois processos criminais que envolvem Ho Chio Meng e os outros nove arguidos, acusados pela prática de vários crimes, o Ministério Público vai apoiar oficiosamente o tribunal na descoberta da verdade e cumprir, nos termos legais, as próprias funções de salvaguarda da integridade e legalidade consagradas no sistema jurídico da RAEM”, promete o organismo no comunicado enviado.

De recordar que o julgamento de Ho Chio Meng já fez correr tinta nos jornais. Os mandatários do antigo responsável máximo pelo Ministério Público deram conta à imprensa de que não tiveram a confiança do processo, o que está a dificultar a defesa do arguido. As explicações surgiram um dia depois de o TUI ter garantido que “nunca o arguido ou os seus advogados se queixaram de falta de acesso ao processo”.

Constituído por mais de 30 mil páginas, o processo tem 36 volumes da acusação principal e 81 volumes de apensos. Só o despacho de pronúncia tem mais de mil páginas – ao todo, o ex-procurador responde por 1536 crimes. No entanto, os advogados só podem consultar os documentos durante o horário de expediente do TUI.

22 Nov 2016

Sara Medina, consultora: “Queremos utilizar Macau como plataforma”

É uma das responsáveis da Sociedade Portuguesa de Inovação, empresa portuguesa com representação em Pequim desde 1999. Sara Medina veio a Macau falar da cooperação entre a União Europeia e a China, país que procura cada vez mais projecção ao nível internacional nas áreas da ciência, tecnologia e inovação. Macau tem espaço para crescer lá fora

[dropcap]V[/dropcap]eio a Macau para um seminário sobre ciência, tecnologia e inovação na China, numa perspectiva europeia. A Europa e a China têm estado a cooperar nesta matéria. No programa que antecedeu o Horizon 2020, Pequim já tinha sido um parceiro importante. Como é que a China se posiciona neste momento?
A China tem vindo a apostar muito nas temáticas da ciência, tecnologia e inovação. O 13o Plano Quinquenal aposta muito nessas temáticas e há uma participação nos programas da Comissão Europeia: a obtenção de financiamento, nomeadamente através do Horizon 2020, um programa que está com um financiamento disponível de 80 mil milhões de euros, entre 2016 e 2020. No programa anterior, o 7o Programa Quadro, já se posicionou de uma forma muito boa – estava em terceiro lugar, a seguir aos Estados Unidos e à Rússia. Neste momento, está também a apostar na cooperação com a Europa através da obtenção de financiamento no programa Horizon 2020.

Em que moldes é que o Horizon 2020 se está a desenvolver?
É um programa bastante sofisticado, não é de fácil acesso, é preciso compreender muito bem quais são as diferentes estruturas e oportunidades que existem. Há oportunidades no agro-alimentar, na energia, na cooperação internacional – existem várias áreas que estão disponíveis. Através do financiamento que está também disponível através do Ministério da Ciência e Tecnologia chinês e da Academia de Ciências Chinesa, proporciona-se a instituições chinesas – universidades, centros de investigação e empresas – que possam candidatar-se e obter este tipo de apoio. O objectivo final é aumentar a cooperação com os Estados membros da União Europeia, que ainda são, neste momento, 28. Acaba por ser muito interessante, porque o financiamento disponível vai proporcionar encontros – vai haver reuniões na Europa e na China –, e ter acesso a fontes de informação que, de outra forma, não estariam disponíveis. Visa também a cooperação ao nível da transferência de tecnologia e nas temáticas da ciência, tecnologia e inovação.

Trabalha há já vários anos com a China e com a Ásia. Os últimos anos têm sido muito importantes para a projecção da China nestas áreas, concorda?
Certo. Trabalho na SPI (Sociedade Portuguesa de Inovação), uma empresa de consultadoria focada nas temáticas da ciência, tecnologia e inovação. A empresa foi criada em 1996, pelo meu pai [Augusto Medina], professor catedrático da Universidade do Porto. Em 1996 surgiu o Livro Verde da Inovação da Comissão Europeia. Isso inspirou-o para a criação desta empresa, que faz uma ligação entre as empresas privadas, as universidades e as instituições de carácter científico e tecnológico, e as organizações internacionais. Temos, neste momento, 75 pessoas e estamos aqui na China desde 1999, com um escritório de representação em Pequim, e criámos em 2010 uma empresa aqui em Macau. Em Pequim, temos três consultores a tempo inteiro e temos estado a trabalhar muito nos programas de cooperação de ciência, tecnologia e inovação com a China. Temos vários projectos neste momento a decorrer, tanto na área das doenças epidemiológicas – um tema muito específico, muito técnico –, como ao nível do programa Dragon Star Plus [um programa de cooperação entre a União Europeia e a China nas áreas da pesquisa e da inovação]. Ganhámos agora um novo projecto para a criação de um centro de investigação e inovação na China, que vai ter a sede em Pequim, e tem também um conjunto de parceiros muito interessantes – entre eles o centro que faz parte do Ministério da Ciência e Tecnologia, responsável por todos os parques de ciência e tecnologia na China e as incubadoras de empresas. Temos uma rede de parceiros por toda a China Continental e queremos também poder utilizar Macau como uma plataforma, que também pode beneficiar deste centro que vai arrancar agora em 2017.

Como é que surgiu esse interesse pela China? Há 17 anos, o país era muito diferente daquilo que é hoje.
Na altura ainda não estava na SPI – estou desde 2003. O meu pai veio a uma reunião em Macau e foi a Xangai, e achou que isto era tão diferente que, para se trabalhar com o Oriente, era necessário termos presença física. Foi assim que se decidiu criar o escritório de representação em Pequim. Neste momento, já temos também um escritório em Singapura, por isso temos também projectos no Sudeste Asiático. Este escritório permite-nos alargar o trabalho à Indonésia, à Malásia… Esta região é muito interessante, está a fazer-se um trabalho muito interessante, e Macau é também um ponto crucial para nós.

Que participação pode ter Macau nesta dinâmica da área da ciência, tecnologia e inovação?
Existe o Fundo de Ciência e Tecnologia de Macau (FCTM) – tenho uma reunião marcada para hoje – que permite co-financiar entidades locais que queiram candidatar-se a projectos do Horizon 2020. Como na China Continental existe o Ministério da Ciência e Tecnologia e a Academia das Ciências Chinesa, aqui em Macau existe o FCTM. Por isso, entidades de Macau são incentivadas para poderem cooperar com a Europa. Penso que é uma área interessante e que, neste momento, está pouco explorada. A informação que tenho é que não existe nenhuma entidade de Macau que tenha recebido financiamento para participar no Horizon 2020. Na reunião vou ver até que ponto é que podemos trabalhar mais em conjunto com entidades locais para que aumentem a sua participação neste programa.

22 Nov 2016

Crime | Há mais de casos de abuso sexual de menores  

Já houve mais cinco casos de abuso sexual de menores até agora do que em todo o ano de 2015. Entre Janeiro e Outubro, a Polícia Judiciária deu início a nove processos. No ano passado, tinham sido registados apenas quatro

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]s dados da Polícia Judiciária foram ontem avançados pela Rádio Macau, na semana em que o Governo prometeu entregar, à Assembleia Legislativa, a proposta de revisão de crimes contra a liberdade sexual. Nos primeiros 10 meses do ano, a Polícia Judiciária (PJ) deu início a nove processos em há suspeitas de abuso sexual de menores.

Já no que diz respeito aos crimes sexuais em geral, os dados da PJ demonstram que, até Outubro, foram iniciados 35 processos, o que, até agora, significa menos quatro casos do que os registados nos 12 meses de 2015.

Para o director da Judiciária, o número não é muito preocupante. Ainda assim, Chau Wai Kuong apela às vítimas para denunciarem eventuais abusos. “Não são muitos casos. Mas acho que é melhor que o cidadão tenha coragem para denunciar os casos à PJ. Se houver denúncia temos de actuar. Se o cidadão decidir não apoiar a PJ então isso é mau para as duas partes”, disse à emissora.

Chau Wai Kuong admite que a PJ deu sugestões na fase de elaboração da proposta de revisão de crimes contra a liberdade sexual, mas não quis adiantar quais. De qualquer forma, reconhece que se a lei for aprovada irá ajudar a polícia a combater mais eficazmente os crimes sexuais.

“O que vai acontecer no futuro não depende de nós, depende da Assembleia e da comunidade de Macau. Somos um órgão policial, executamos a lei, mas se tivermos um instrumento para combater esse tipo de crimes, então para nós óptimo”, disse o responsável, acrescentando que o mais importante é haver consenso. “Não cabe só à PJ dizer que sim ou não. É melhor haver um consenso social e ouvir-se a população. Nós damos a experiência profissional a esta lei.”

De uma forma geral, e de acordo com a vontade da maioria expressa na consulta pública, a proposta do Governo determina que a violação em grupo passe a ser considerada uma circunstância agravante de violação e também que o constrangimento a sexo oral passe a constituir crime de violação. Todos os cidadãos inquiridos mostraram-se igualmente a favor da eliminação da diferenciação de género no crime de violação, em prol da igualdade sexual.

22 Nov 2016

Mais de 60 artistas participam na “6075 Macau Hotel Art Fair”

Começa esta quinta-feira a segunda edição do evento “6075 Macau Hotel Art Fair”, que vai mostrar obras de arte de mais de 60 artistas pelas paredes dos quartos do Hotel Regency. Pela primeira vez, a Fundação Stanley Ho participa ao patrocinar um prémio

[dropcap style≠’circle’]É[/dropcap] habitual verem-se obras de arte em galerias ou em espaços maiores de exposição, como feiras, mas desta vez os amantes da pintura poderão vivenciar a arte de outra forma. A partir desta quinta-feira e até domingo, o Hotel Regency, na Taipa, acolhe a segunda edição da “6075 Macau Hotel Art Fair”, onde quadros de cerca de 60 artistas, vindos de várias regiões da Ásia, estarão expostos nas paredes dos quartos e nos corredores.

Após a primeira edição, organizada em Janeiro deste ano, os promotores decidiram apostar nas obras de arte de artistas nascidos após 1975 – daí os números “6075”. De Macau participam 11 entidades, sejam galerias de arte ou artistas em nome individual, incluindo a AFA – Art for All Society.

De Hong Kong chegam trabalhos de quatro galerias, enquanto a China domina em termos de participações, com 15 entidades. Além de Taiwan, que também esteve representada na primeira edição, a Macau Hotel Art Fair contará com a presença dos trabalhos da Myanmar Ink Art Gallery, constituindo uma estreia no território.

A segunda edição fica também marcada pelo lançamento de uma nova área artística, intitulada “Special Discovery”, e que se dedica a abordar apenas uma forma de arte. Esta conta este ano com a participação da Academia de Arte da China.

Outra das novidades prende-se com a participação da Fundação Stanley Ho, que patrocina o prémio “Dr. Stanley Ho Foundation Art”. Este visa “seleccionar potenciais artistas com performances excepcionais por forma a apoiar o seu futuro desenvolvimento e encorajar novas criações”. O Governo faz-se representar através do apoio concedido pela Direcção dos Serviços de Educação e Juventude (DSEJ) na divulgação de jovens artistas de Macau.

Terra dinâmica

“Os artistas vão trazer vitalidade a cada quarto de hotel ao apresentar os seus projectos a solo. Ao exibir trabalhos de artistas emergentes e ao colaborar com galerias, tal como curadores e críticos, a segunda edição da 6075 Macau Art Fair irá estabelecer-se como uma plataforma de trocas culturais e de ligação com agentes e artistas de grande potencial”, apontam os organizadores.

O facto de o evento se realizar num hotel constitui “uma forma inovadora de mostrar a arte ao público, para que a audiência possa observar a arte de diferentes ângulos e perspectivas e estimular mais as emoções e a imaginação”.

A organização deste evento está a cargo da leiloeira Poly Auction e da entidade SOCIL cultural, criada este ano para “expandir o desenvolvimento das indústrias da arte e cultura”, que pertence a Sabrina Ho, filha de Stanley Ho. O objectivo da exposição no Hotel Regency é proporcionar “uma plataforma para as trocas culturais e a conexão de coleccionadores de arte com obras de grande potencial”, além de tentar “promover o turismo local” e mostrar Macau como uma “capital artística jovem e dinâmica”.

Quanto à primeira edição, os organizadores falam de “sucesso” em termos de vendas, tendo sido vendidas cerca de 500 obras, sendo que atraiu “um notável número de visitantes, incluindo coleccionadores e entusiastas da arte”.

22 Nov 2016

Mercado de Natal no Albergue mostra trabalho de 16 artesãos locais

[dropcap style≠’circle’]É[/dropcap] já no próximo dia 3 de Dezembro que o Albergue acolhe a primeira edição do Mercado de Natal, uma ideia que partiu de Cátia Silva, gestora da empresa de eventos Bad Bad Maria. São 16 os artesãos locais que vão mostrar os seus produtos, seja comida, artigos de decoração, roupas ou acessórios.

“Este evento nasce precisamente da paixão que tenho por artesanato. Juntando três factores, a época do ano, um sítio lindíssimo como é o Albergue e esta vontade de fazer coisas novas, pensei em promover um evento que pudesse proporcionar um dia diferente”, contou ao HM Cátia Silva, que tem a responsabilidade da organização de toda a iniciativa, que tem o patrocínio do Albergue SCM.

“O projecto serve para apoiar os artesãos locais que fazem coisas à mão, quer seja roupa, comida, acessórios, decoração. Tentámos apoiá-los e promover um evento ligado à época natalícia, e aí surge esta sinergia. Espero que haja mais edições. O projecto foi apresentado há algum tempo e tem sido uma loucura (em termos de organização). Mas é efectivamente uma coisa que gosto de fazer”, disse ainda.

A primeira edição não pretende, para já, apoiar projectos de cariz social, mas poderá fazê-lo um dia, confirmou a mentora do Mercado de Natal. “Enquanto projecto inicial não pensámos em acções de caridade, mas temos um participante, o Le Petit Chef, e os lucros dos produtos que venderem vão para uma obra de caridade. O projecto inicial foi feito só para apoiar os artesãos locais e promover um evento de Natal. Mas nas próximas edições podemos pensar nisso.”

Para Cátia Silva, são necessárias mais iniciativas deste género para promover o trabalho artesanal que é feito por muitas mãos, sem grande conhecimento do público. “É necessário este tipo de eventos para envolver a comunidade. Todas as pessoas que fazem estes trabalhos, a maior parte, não têm negócios, uma loja. É uma oportunidade única de mostrarem o trabalho que fazem ao longo do ano.” O Mercado de Natal tem entrada gratuita e as portas estão abertas entre as 11h e as 19h.

22 Nov 2016

China e EUA discutem cooperação na área da justiça

[dropcap style≠’circle’]C[/dropcap]hina e Estados Unidos da América discutem desde ontem como fortalecer a cooperação em assuntos da justiça, tal como a repatriação de fugitivos, uma questão determinante para a campanha anti-corrupção lançada por Pequim.

“As relações entre a China e os EUA são, sem dúvida nenhuma, umas das mais importantes no mundo”, afirmou ontem o vice-ministro dos Negócios Estrangeiros chinês Liu Zhenmin, na abertura do 14.º encontro entre os dois países para a cooperação em matéria de justiça.

“O cumprimento da lei e a colaboração policial são uma parte muito importante dessas relações”, acrescentou.

Durante o encontro, que ocorre até hoje em Pequim, e durante as quais participam o responsável norte-americano pela segurança e luta anti-droga, William Brownfield, Liu disse esperar que “os assuntos polémicos sejam tratados de forma adequada”.

O vice-ministro chinês destacou, como resultado da cooperação, o regresso à China na semana passada da fugitiva mais procurada por Pequim, Yang Xiuzhu, “com a ajuda” dos EUA.

“Este tipo de apoio insere-se nos compromissos alcançados entre o Presidente chinês, Xi Jinping, e o seu homólogo norte-americano, Barack Obama, em Setembro passado, durante a reunião entre os líderes dos países do G20”, disse.

Liu referiu ainda que Xi “falou na semana passada com o [Presidente eleito] Donald Trump e ambos pensam que falta alargar a cooperação a todos os aspectos”.

Ligações intrincadas

David Rank, embaixador adjunto dos EUA, sublinhou que o encontro entre Xi e Obama, à margem da APEC, “demonstra o quão complexas são as relações, que abarcam desde a segurança à economia, alterações climáticas e reforço da lei”.

“Isto inclui aumentar a cooperação na coordenação de investigações criminais, repatriações e luta contra os narcóticos”, afirmou.

“Hoje estamos aqui para assegurar que os compromissos realizados entre os nossos Presidentes se levam a cabo”, acrescentou, numa altura em que o desenvolvimento futuro das relações é uma incógnita, após a vitória de Trump nas eleições.

O fórum ocorre num período em que Pequim reforça a campanha “Skynet”, que visa repatriar suspeitos de corrupção que escaparam para o estrangeiro – a maioria por crimes económicos e muitos evadidos nos EUA.

O mais mediático alvo da campanha é o empresário Ling Wancheng, irmão do ex-director do Comité Central do Partido Comunista Chinês e adjunto do antigo Presidente Hu Jintao, Ling Jihua, que foi condenado este ano à prisão perpétua.

22 Nov 2016

O poema não fala – Matilde Campilho

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[dropcap style≠’circle’]U[/dropcap]m livro de poesia com mais de cento e vinte páginas e primeiro livro de um autor, torna-se difícil de abordar, se formos honestos connosco mesmos. Assim, e como tenho feito, percorrerei apenas as linhas fenomenológicas dos poemas. Matilde Campilho publicou o seu primeiro livro, Jóquei, em 2014, pela Tinta da China. Viveu algum tempo no Rio de Janeiro, e algum outro tempo dividida entre Lisboa e a chamada cidade maravilhosa. Esta vivência além mar é visível no português híbrido com que os poemas foram escritos. Matilde Campilho é também a primeira poeta, das poetas e poetas acerca de quem tenho escrito aqui no Hoje Macau, a ter estado presente no importante Festival Literário de Macau – The Script Road –, e na sua última edição, em 2016.

Em “O Príncipe no Roseiral”, segundo poema do livro, páginas 9-10, somos levados pela nossa imaginação kantiana à Grécia Antiga, a Parménides e à sua inversão de identidade entre pensar e ser. O poema começa assim: “Escute lá / isto é um poema / não fala de amor / não fala de cachecóis / azuis sobre os ombros (…)”. Por um lado “isto é um poema”, e por outro “não fala de”. Todo o poema enuncia aquilo de que não fala – do rolex, da bandeirola da federação uruguaia de esgrima, do lago drenado da floresta americana, de comoções na missa das sete, de tractores quebrados na floresta americana, da ideia de norte na cidade dos revolucionários, de choro, de virgens confusas, de publicitários de cotovelos gastos, de manadas de cervos, de amor, de santos, de Deus – mostrando assim duas coisas: o poema é para além do que diz e o poema  não tem de saber nada de nada; por isso, pensar e ser faz curto-circuito entre ser e pensar, ao afirmar poder-se pensar o que não é, isto é, o poema pode trazer à flor da página e ao nossa consciência aquilo que ele mesmo não é, aquilo de que ele mesmo não fala, mas enunciando-o.

Este curto-circuito da poesia, tal como é enunciado no poema de Campilho, fora já enunciado por Platão, no livro X de A República, isto é, o ponto de vista da falência do conhecimento que grassa a poesia. Escreve o ateniense: “Assentemos, portanto, que, a principiar em Homero, todos os poetas são imitadores da imagem da virtude e dos restantes assuntos sobre os quais compõem, mas não atingem a verdade; (…) o poeta, por meio de palavras e frases, sabe colorir devidamente [tudo aquilo a que se refere] cada uma das artes, sem entender delas mais do que saber imitá-las (…)” (600e-601a).

Matilde Campilho com este seu poema resolve de uma penada o problema da poesia em relação a Platão e a uma grande parte da filosofia tradicional. O poema não tem de saber nada, ele é um poema. E se o poema não tem de saber nada, assim também aquele que o faz, o poeta, não tem obrigação de mostrar conhecimento no seu poema. O poema não imita, nem bem nem mal, aquilo que não sabe; o poema é um poema, não fala de. Pôr um poema a falar de, seria o mesmo que fazer de alguém uma cidade. Escreve Campilho no início do poema “Mão Dupla”, às páginas 37-9: “Meu filho / tente não fazer de ninguém / uma cidade”. Poderíamos imitar Campilho e dizer: meu filho, tente não fazer do poema uma cidade. Evidentemente a resposta dada pela poeta, na sua forma negativa, como se a positiva fosse comum, é muito mais interessante do que o que aqui possamos escrever. Devemos sempre tentar fazer com que um poema não seja uma cidade, com que um poema não seja uma pessoa, com que o poema não seja uma aula de geometria, de gramática ou de arte. E também é evidente que o poema “Mão Dupla” não está a responder ao poema “O Príncipe no Roseiral”. E também parece ser evidente que Matilde Campilho não pensou ou sequer imaginou tal relação entre os seus dois poemas ou entre os seus poemas e Parménides ou Platão (embora aqui possa ser mais fácil de imaginar que o tenha feito). Mas é isso que a poeta nos diz, antes de mais, quando escreve o seu poema, enunciando o que ele não tem de falar. O poema não fala, ele é. E neste ser do poema, que curto-circuita ser e pensar em Parménides, e de lavada o problema da imitação da arte em Platão, abre todas as possibilidades. Talvez nunca tenha sido dito tão claramente como neste poema de Matilde Campilho, que a poesia não tem complemento directo, nem determinativo, nem circunstancial, nem temporal. O poema é. Vemos agora que não se trata de uma inversão do ser em Parménides, talvez somente de um passar por cima,  ou ao largo, porque o poema é o que pensa e o que não pensa. O poema, vimo-lo anteriormente, enuncia aquilo que não é, não enunciando nunca aquilo que é. O ser não pode não ser, diria o eleata, e o não-ser não pode ser.

Já perto do fim do livro, em “Pedra Explodida Na Mão Do Monge”, Campilho começa assim o poema: “Penso em astronautas / não penso em árvores chinesas / penso na contagem dos cabelos, / não penso em punhais (…)” Que quer dizer pensar aqui? Pode-se pensar em algo sem pensar. E é este o domínio do poema, o do pensar sem pensar, o do ser não sendo. Como se diz no Brasil, Campilho mata a cobra e o mostra o pau. Mas voltemos ao poema que começamos a ler inicialmente: “Escute lá / isto é um poema / não fala de amor”. Este poema torna-se assim o motor de toda a poesia de Campilho, que nos surge verso a verso, página a página como se não lhe interessasse a reflexão, como se não lhe interessasse a tradição metafísica de olhar o poema. A reflexão na poesia de Matilde Campilho não chega chegando, feito carioca, aqui a reflexão é feito mineiro, come pelas beiradas, isto é, faz sem que ninguém perceba, faz pela calada, dir-se-ia em Portugal. Escreve Campilho, em “Conversa de Fim de Tarde Depois de Três Anos no Exílio” (pp. 51-2): “(…) é terrível a existência de duas retas / paralelas porque elas se cruzam no infinito / a verdade é que nunca nos interessou / a questão do infinito mas o resto (…)” A poesia de Campilho diz, se desdizendo, como aquilo que a poeta ou quem nas suas páginas faz de poeta relata, ainda no mesmo poema: “(…) eu na verdade prefiro mais de mil vezes / sua chávena de chá ficando fria sobre a mesa / enquanto você fala sobre raízes quadradas / enquanto você fala sobre ladrões de figos / enquanto você fala sobre o tropeço da baleia / enquanto você fala (…)” Mais importante que a fala, mais importante que a reflexão é a beleza do mundo, a beleza das coisas, a descoberta das coisas, que passam longe da reflexão, elas são, acontecem. Viver a vida é estar disponível para as migalhas do pão sobre a mesa, disponível para a chávena de chá a arrefecer sobre a mesa, disponível para o silêncio das pessoas e a fala das coisas. E, por isso mesmo, ainda quando um poema parece terminar reflectindo, parece terminar como se nos quisesse fazer pensar alguma coisa, como no final do poema que temos vindo a citar – “porque você e eu a gente é feito de matéria / escorregadia, i.e., manteiga, azeite, geleia / e espanto.” – ele só quer dizer o quanto é absurdo mostrar o que se pensa num poema, como alguém aos cinquenta anos aparecer vestido com a roupa de quando tinha vinte. Não deixa de poder ser verdade, o que estes últimos versos dizem, mas aquele “i.e.”, escrito assim à laia de artigo para professor de universidade ver, não deixa dúvidas quanto à ironia da poeta neste final de poema, e eu imagino-a até a escrevê-lo sorrindo e com um copo de caipirinha na mão, no Lucas, junto ao posto 6 de Copacabana, ainda que ela provavelmente o tenha escrito de manhã, bebendo uma xícara de café e de mau humor.

Por tudo isto, quando à pagina 70 e seguintes, nos aparece o poema “Principado Extinto”, num claro contraponto ao segundo poema do livro, “Príncipe no Roseiral”, dizendo “Isto é um poema / fala de amor (… ) Isto é que é poema / fala dos cheiros das flores / e da injustiça da existência / das flores na cidade (…)” este poema não tem a mesma força que até aqui foi propalada e ninguém o pode levar a sério, nem a poeta. É um poema como para ver se estávamos com atenção. Um poema que tem a sua resposta dada por Campilho, umas 13 páginas antes, na última estrofe do poema “Rua do Alecrim”: “Assisto a toda esta cena e penso que esta visão / real ou inventada, / é muito pior do que a verdade a bofetadas.” Porque o poema, ficámo-lo a saber por Matilde Campilho, não fala de; um poema que fala de é pior do que a verdade a bofetadas. O poema à página 70 é uma pegadinha. Pois se atentarmos bem, se lermos com a atenção que os dois poemas merecem, entendemos que, falar de ou não falar de, dá no mesmo. O poema enuncia, abre clareiras, faz ver, não necessariamente através da reflexão, que vem pela beirada, mas pela atenção, por iluminar uma frase, como por exemplo “fala da permanência inútil”, ou iluminar um acontecimento no mundo “fala da aparição do inverno / fala da fuga dos albatrozes”. O poema, adivinha-se, é uma máquina de inverter as coisas, como escreve Campilho à página 100, no início do poema “Rugove”: “Levantei-me para o contrário disto (…)” ou ainda à página 73: “acho que, quando a gente telefona / fora de época, é porque está dando / uma ligadinha para o passado. não / para a pessoa realmente.” Nesta inversão das coisas, que a poesia é, pelo menos para Matilde Campilho, o que fica sempre a claro é aquilo que não se sabe. O poema acrescenta não saber ao que já não se sabe. Depois da leitura de um poema, dizemos: “olha, mais uma coisa que eu não sei!” Ou, com versos da poeta: “(…) e – como disse Adams – bom mesmo é chegar / ao fim da estação sem nenhuma resposta.”

TWO-LANE BLACKTOP
Aprenderei a amar as casas
quando entender que as casas são feitas de gente
que foi feita por gente
e que contem em si a possibilidade
de fazer gente.
(p. 106)

Antes de terminar, digo que gostaria mais que este livro fosse dois, um mais vertical e outro mais horizontal. Mas aprender a ler, essa tarefa diária do leitor, é também aprender que as coisas não são como queremos. Feche-se hoje o bar com um poema de Matilde Campilho.[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row]

22 Nov 2016

Esta é a voz da Europa

[dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]o momento em que vivemos é importante a voz de Ezra Pound, esse chamado poeta maldito, designação que não passa de uma interpretação interpelada, interpelante, sempre pouco assertiva, dado que não são eles – ele, neste caso – a causa provável das maldições. Essas vêm de aparelhos com encantos que os povos sustentam e apoiam como formas de felicidade. Um anunciador de factos, mesmo extemporâneos, não pode constituir ameaça, a menos que seja um alucinado fabricante de teorias da conspiração. Neste caso temos um homem que trabalha em simultâneos tempos diversos e os articula com a velocidade visionária de uma mais vasta chamada de consciência. A sua voz ecoa nestes dias de americanas vitórias.

Ezra Pound é o autor de «Cantares», um tratado de poesia absoluto, e o seu léxico não é aqui um exercício metafórico, abstracto: ele usa o chicote da linguagem directa numa forte aceleração cerebral como se de partículas se tratasse, com uma forte vitalidade da essência. Ele liga o Oriente e o Ocidente na forma trabalhada da matéria do poema; ele amplia a linguagem e diz que a poesia difere da prosa pelas cores concretas da sua dicção. O poder inovador é imenso, a sua importância, uma lembrança das melhores, sempre em oposição à ambiguidade de índole surrealista.

Mas voltemos ao nosso instante, ao momento histórico onde, como nunca, ecoa a estranha voz de Pound. As Conversações Radiofónicas foram feitas em Itália, onde falava acerca dos falhanços da economia norte-americana no tempo de Roosevelt, ligando-o de certa forma a regimes que o tornariam impopular, pois que nada lhe fora indiferente. Tentou voltar ao seu país em 1941 mas tal desejo foi-lhe negado, achando que a guerra instalada era devida à Finança e ao que ele chamaria de Usurocracia, lembrando aqui o seu poema Usura, e nesta análise ele não estava só tendo mesmo a seu lado o Nobel Sir Frederico Joddy, numa altura em que tal prémio não era politizado.

Eram vozes que deviam ter sido escutadas com uma maior acutilância e consideração, sem a marca, sem os evangelhos políticos transformados em nova religião, e quando as tropas norte-americanas chegaram a Itália tiveram como preocupação imediata a sua captura e, pior, muito pior, que os seus já volumosos inimigos europeus foram sem dúvida os seus compatriotas: vai para uma cela para ser condenado à morte, é submetido a torturas e finalmente metido numa jaula com barra de ferro deixada na floresta. Acusado em Tribunal, os juízes declaram-no, contudo, louco, e ordenam a sua reclusão num hospital psiquiátrico.

A sua voz não era aquilo que hoje apelidamos de politicamente correcta, sabemos que aquele que se atravessa nos dogmas dos tempos é banido pelas suas épocas e sabemos também como é fácil criar anátemas perante algo que nem entendemos bem. As pessoas, ontem como hoje, são exactamente as mesmas e nem os seus pares – sobretudo os seus pares – não estão lá para acalentar quem os pode de certa forma destronar. Mas Pound resiste, um homem destes não se abate, volta a Itália e aqui chegado declara que saíra de um manicómio de cento e oitenta milhões de habitantes. Hoje são mais, e mais loucos também, mas esqueceram-se nas suas encíclicas neoliberais daqueles que alertaram para o efeito de repetição e a transitoriedade das verdades absolutas.

E andamos mais ou menos por aqui nesta impressionante tirada de Pound:

“Americanos, nunca fizestes nada para vos curardes, maldição! Nada! Infestado o mundo, fez com que o nome da Inglaterra fosse maldito desde Pretória a Singapura até Calcutá. O seu centro é agora o outro lado do Atlântico por isso não vos devemos nenhuma gratidão se agora vos puserdes a devorar as energias vitais – Nem seria pecado se vos afundásseis afogados por um sistema que destroçou toda a cultura clássica…

“Aqui Ezra Pound, que fala de Roma. O significado de Churchill e do bolchevismo encontra-se nas valas de Smolensko.

E talvez tenhamos que ouvir certas vozes, mesmo à revelia dos tempos ou sem a sua concordância. Esperam-nos talvez súbitas revelações que sabemos ter escutado como um grito de advertência onde o eco se desvaneceu; nós, que tanto ouvimos e vemos, estamos em parte toldados para olhar um futuro comum e, no instante em que tudo for a selva da lei da sobrevivência e do mais forte, aí sentiremos a marca de todas as coisas anunciadas e elas repetem-se, como um longínquo coro grego que os nossos sentidos recordam.

“Alguma coisa aconteceu na Velha Europa, aconteceu alguma coisa na Europa e não sabeis o que foi. Não sabeis o que se passou, qualquer passo em direcção ao preço justo, ao controlo do mercado, é um acto de homenagem a Mussolini e a Hitler.”

Em tempos como este os escritores deviam era descer do pedestal e falar sem papas na língua. E lembra Céline: “L´homme n´est pas venu sur la terre pour devenir de la merde!»

Toda esta desdita é o mais fidedigno exemplo da crueldade desta época de desconcerto, toda a saga do pensamento que se escuta rouco e em brasa não é passível de nos fazer entender os «Cantares» e, porque de surdos se trata, no receptor ouvimos agora surdamente os roncos de alguns tambores de guerra que ficam sempre presentes nos disfarçados ouvidos dos bárbaros. De que a Europa é feita! De que a América é feita! Até a um coro ensurdecedor que transformou o mundo num duro lamento.

 

DAQUI A VOZ DA EUROPA.

ESCUTO EZRA POUND.

 

 

22 Nov 2016