Europa, uma utopia negativa?

“As the global recession began in 2008, the Greek economy featured high levels of public debt, a large trade deficit, undiversified industries, an overextended public sector, militant trade unions, widespread corruption, uneven payment of taxes, an overvalued currency, consumers expecting rising living standards and euro membership based on inaccurate data. Greek politicians, Greek society, trade unions, leaders of the European Union, the IMF, the world’s investment banks – each and every one has scarcely put a foot right in a collective display of hubris, miscalculation, over ambition, deception, mis-selling, folly and, in some cases, sheer greed in a saga that has continued for decades.”
“Greece’s ‘Odious’ Debt: The Looting of the Hellenic Republic by the Euro, the Political Elite and the Investment Community” – Jason Manolopoulos

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap]aumento do medo e ressentimento que trouxe a crise na Europa, fez que as pessoas vivam há anos em estado de ansiedade e incerteza. O grande pavor regressa face a ameaças indeterminadas, como podem ser a perda de emprego, os choques tecnológicos, as biotecnologias, as catástrofes naturais e a insegurança generalizada. Este processo é um desafio para as democracias, porque esse terror difuso transforma-se por vezes em ódio e repúdio.

O ódio, em vários países europeus, dirige-se contra o estrangeiro, o imigrante, o diferente, os outros, como os muçulmanos, ciganos, subsaarianos e ilegais, e nessa incerteza e caos vão crescendo os partidos xenófobos, racistas e de extrema-direita.

O crescente sentimento eurocéptico ficou confirmado na Alemanha, por importantes e diversas sondagens realizadas em 2013, revelando que 37 por cento dos cidadãos acredita que o país não tem necessidade do euro, e 38 por cento considera positiva a representação no Parlamento Europeu de uma formação que se oponha à moeda única.

A criação de partidos como a “Alternativa para a Alemanha (AfD, na sigla em língua alemã) ”, em Fevereiro de 2013, que tem como programa o protesto pelo envolvimento do país no auxílio à “Zona euro” são a expressão de uma classe média conservadora, que recolhe a herança dos “Livres Eleitores”, um movimento eurocéptico muito enraizado, sobretudo, na Baviera, e dirigido pelo ex-presidente da Federação das Indústrias Alemãs, Hans Olaf Henkel.

A expectativa estava centrada nas eleições de Setembro de 2013 na Alemanha, acreditando que o sucesso de movimentos populistas de direita e as expressões de uma classe média conservadora impediriam uma revisão das políticas europeias para as economias mais débeis. No Reino Unido surgiu uma corrente antieuropeia com componentes reaccionárias, empurrada pelo ascendente “Partido de Independência do Reino Unido (Ukip, na sigla na língua inglesa) ”, fundado em 1993, por Alan Sked, professor da London School of Economics e outros membros da antiga “Liga Antifederalista” e da tendência eurocéptica do “Partido Conservador”, contrários ao “Tratado de Maastricht” e à adopção do euro.

O Ukip põe o acento tónico na preferência de seguir o caminho da Noruega ou da Suíça, que têm excelentes acordos comerciais com Europa, mas não necessitam de serem Estados-membros da União Europeia (UE). A UE custa muitos milhões ao Reino Unido, permite a entrada de mais imigrantes e faz que o país vá perdendo a sua independência a favor dos burocratas da Comissão Europeia.

O governo inglês recolheu essa ideia e preparou a minuta de uma lei que abre o caminho a um referendo sobre a permanência do Reino Unido na UE a realizar-se, em 2017, ou quiçá antes como revelou o Primeiro-ministro, David Cameron, líder do Partido Conservador, após ter ganho as eleições gerais de 7 de Maio de 2015. Os seus ministros da Educação e da Defesa asseguraram que votariam a favor de uma saída da UE.

O eurocepticismo revela-se com diferente transparência nos países debilitados do sul, na esquerda tradicional, como a “Coligação da Esquerda Radical (SYRIZA na sigla em língua grega)” na Grécia, ou na anti-política, como o “MoVimento 5 Estrelas (M5E na sigla em língua italiana)’, em Itália. O M5E foi criado em 2009, pelo cómico Beppe Grillo, com a pretensão de colocar cidadãos no poder e criar uma democracia directa por meio do uso da Internet.

É de realçar que nas eleições de 2013 para o Parlamento Italiano, obteve 25,5 por cento de votos para a Câmara de Deputados e 23,7 por cento para o Senado, tendo o seu líder após as eleições afirmado que era um defensor da Europa e a favor de um referendo online sobre o euro, e considerou que o principal problema seja a moeda única, mas a forma como a política europeia é feita, ignorando os interesses dos cidadãos. O M5E nas eleições para o Parlamento Europeu obteve 21,2 por cento dos votos e elegeu dezassete eurodeputados.

A 25 de Janeiro 2015, foram realizadas eleições legislativas na Grécia, tendo o SYRIZA vencido as eleições com 36,34 por cento dos votos. As prioridades do programa político do SYRIZA, são a renegociação dos interesses da dívida pública, suspensão do pagamento das obrigações até que a economia se recupere, exigir à UE que altere o papel do Banco Central Europeu para financiar directamente os Estados, realizar referendos vinculatórios para todos os tratados e acordos comunitários relevantes, encerrar as bases militares gregas e sair da NATO, entre outras medidas.

O partido antieuropeu italiano começou com um discurso contra os privilegiados, mas recusou, igualmente, as políticas de ajuste impostas pela UE. O M5E parecia um fenómeno passageiro, mas cresceu ao ritmo da raiva e impotência que geram as medidas de ajuste e incerteza face aos altos níveis de desemprego. O M5E propõe dar um subsídio por desemprego e um rendimento mínimo de cidadania, sendo contra a concessão da nacionalidade aos filhos de estrangeiros que nasçam em território italiano.

A Espanha vive envergonhada a experiência do “Partido Popular (PP na sigla em língua espanhola) ”, ainda que restabelecida do espanto, quando em Maio de 2011, de forma repentina e sem qualquer aviso ou explicação, o ex-presidente do governo espanhol e ex-líder do “Partido Socialista Operário Espanhol, (PSOE na sigla em língua espanhola)” decidiu aplicar um brutal plano de ajuste ultraliberal que era o oposto do ADN do socialismo.

A bandeira antieuropeia é levada pelo “Partido dos Verdadeiros Finlandeses”, nacionalista e eurocéptico fundado em 1995. O “Partido dos Verdadeiros Finlandeses” é a terceira força política da Finlândia, fazendo parte conjuntamente com o “Partido do Centro” e “Partido da Coligação Nacional” da coligação governativa. O “Movimento por uma Hungria Melhor (Jobbik na sigla em língua húngara)”, é um partido político nacionalista e de ultra direita, criado em 2003. É a terceira força política da Hungria. Foi o único partido político a opor-se abertamente à entrada na EU, expressando-se sob o lema de “Hungria: Possível, Orgulhosa, Independente”.

O “Partido para a Liberdade (PVV na sigla em língua holandesa), na Holanda, criado em 2006, tem como programa político a limitação da imigração e a proibição de usar a burca, entre outras medidas. Em 2010 tornou-se na terceira força política do país, apoiando uma coligação com o “Partido Popular para a Liberdade e Democracia (VVD na sigla em língua holandesa) ”.

O PVV, retirou o apoio à coligação governamental, em 2012 e, nas eleições antecipadas de Setembro desse ano perdeu muitos votos. A possibilidade de sair da “Zona euro” é um dos pontos cardiais do programa político da “Frente Nacional”, em França, e da sua líder Marine Le Pen, que é a terceira força política do país, enquanto a “Frente de Esquerda” defende a reforma dos tratados e reclama medidas para o crescimento e o fim da receita de só rigor.

É de notar que desde que explodiu a actual crise financeira e económica na Europa, em 2008, estamos a assistir a uma multiplicação dos movimentos de protesto dos cidadãos. Os cidadãos dos países mais afectados, como a Irlanda, Grécia, Portugal e Espanha civicamente decidiram por apoiar, pela concessão dos seus votos, a oposição, pensando que esta contribuiria para uma mudança de política que onde existisse menos austeridade e menos ajustes.

Quando todos estes países mudaram de Governo, passando da esquerda ou centro-esquerda para a direita ou centro-direita, a estupefacção foi completa, dado que os novos Governos conservadores radicalizaram, ainda mais, as políticas restritivas e exigiram mais sacrifícios, mais sangue e mais lágrimas aos cidadãos. Foi quando começaram os protestos, sobretudo, porque os cidadãos têm diante dos seus olhos, os exemplos de dois protestos com sucesso, a do povo unido na Islândia e a dos contestatários que derrubaram as ditaduras na Tunísia e no Egipto.

As redes sociais estão a facilitar formas de organização espontânea das massas sem necessidade de líder, organização política, nem de programa. A realidade e as circunstâncias permitiam que em Maio de 2011, os espanhóis indignados, servissem de exemplo a ser imitado de uma forma ou outra por toda a Europa do Sul. Os diversos meios que classificam e analisam os partidos políticos de esquerda têm a ideia de que esses movimentos e as maiorias exasperadas, muito pouco têm de esquerda. Não se pode esquecer, que estes partidos estão comprometidos com a mesma política conservadora, tendo sido os primeiros a aplicar, sem anestesia.

A indignação social não pode ser comparada à de Maio de 1968, pois nesse momento existia uma crise que sabemos ter sido menos política que cultural, contra um país em expansão (nascimento da sociedade de consumo, crescimento elevado, pleno emprego), que continuava a ser profundamente conservador e até arcaico em matéria de costumes, como o ‘’Movimento 15M, Indignados”, que é o reflexo da queda geral de todas as instituições (Coroa, justiça, Governo, oposição, Igreja, autonomias). As repercussões sociais do cataclismo económico europeu são de uma brutalidade inédita, com vinte e três milhões e trezentos e quarenta e oito mil desempregados em 30 de Junho de 2015 e cento e trinta e três milhões de pobres.

Os jovens são as principais vítimas, e de Madrid a Londres e Atenas, de Nicósia a Roma, uma onda de indignação alça à juventude. Adicione-se, ademais, que as classes médias também estão assustadas, porque o modelo neoliberal de crescimento as está a abandonar a meio do caminho, e fala-se cada vez mais, em voz alta, de desglobalização e de decrescimento. O pêndulo tinha ido demasiado longe na direcção neoliberal e presentemente poderá ir na direcção contrária. Parece ter chegado o momento de reinventar a política e o mundo.

As sociedades dos países da Europa do Sul inclinaram-se para um sentimento anti-alemão, uma vez que a Alemanha, sem que ninguém lhe tivesse dado esse direito, autoproclamou-se líder da EU, elaborando um programa de sadismo económico. A Europa é para milhões de cidadãos, sinónimo de castigo e sofrimento, ou seja, uma utopia negativa. O fracasso da social-democracia explica-se pela sua participação na liquidação do Estado de bem-estar, que era a sua principal conquista e o seu grande sinal de identidade.

Assim se compreende o desapego de muitos cidadãos que esquecem a política abstendo-se, limitando-se a protestar ou a votar em pessoas como o líder do M5E (que é uma maneira de preferir um palhaço autêntico em lugar das suas hipócritas cópias). Decidiram votar na extrema-direita, que sobe espectacularmente em muitos países, ou em menor grau, optar pela extrema-esquerda, que encarna o único discurso progressista audível.

Assim, estavam também na América do Sul há pouco mais de uma década, quando os protestos derrubavam governos democraticamente eleitos na Argentina, Bolívia, Equador e Peru, que aplicavam com fúria as erradas políticas ditadas pelo FMI, até que os movimentos sociais de protesto convergiram numa geração de novos líderes políticos, que mesmo não sendo flores de agradável aroma, conseguiram canalizar a poderosa energia transformadora e a conduziram para fazer os cidadãos votarem em programas de refundação política (constituinte), de reconquista económica (nacionalizações, keynesianismo) e de regeneração social.

Observa-se, nesse sentido, como a uma Europa desorientada e grogue, a América do Sul indica-lhe o caminho. Adentro das entranhas do euro, há quem proclame terminar com esta moeda catastrófica, face a uma situação económica que piora mês após mês e a um nível de desemprego que põe a juízo as estruturas democráticas. Alexis Tsipras, em Dezembro de 2012, jovem político líder da esquerda em campanha presidencial, visitou o Brasil e a Argentina e afirmou na altura que a Grécia não podia deixar de percorrer o mesmo caminho que a Argentina.

A menos de setenta e duas horas passadas de expirar o prazo para chegar a um acordo com seus credores, a ténue possibilidade que ainda existia caiu com a notícia de um surpreso referendo convocado pelo Parlamento para que o povo expresse sua opinião. As imagens que se viram a 27 de Junho de 2015 frente à sucursal fechada do Piraeus Bank, em Atenas, mostram um acontecimento parecido com o que ocorreu na Argentina em 2001, ou seja, uma longa fila de gente à espera da abertura do banco para retirar os seus depósitos. Mas o banco não abriu.

O resgate da UE expirou a 30 de Junho de 2015 e o país ficou sem dinheiro para fazer face ao vencimento de uma quota da sua dívida, de 1.500 milhões de euros para com o FMI. O país entrou em “default” e não tem dinheiro para pagar salários e estão suspensos os empréstimos de emergência do Banco Central Europeu que mantiveram vivo o sistema bancário do país. Muitos bancos entrarão em falência. As pessoas têm conhecimento da situação e apressam-se a recuperar o que depositaram nesses bancos.

A Argentina encontrou a solução desvalorizando a sua moeda e terminou com a conversibilidade de um peso ser igual a um dólar. Depois ofereceu aos credores uma redução de 70 por cento da dívida contraída. Muitos aceitaram, e um pequeno grupo não o fez. É o famoso grupo denominado de “holdouts”. A Grécia não pode usar essa estratégia, dado pertencer à “Zona euro”, que significa que essa moeda tem o mesmo valor em todos os países que a integram.

A desvalorização é impossível neste caso. Se os credores não aceitarem o acordo, a Grécia, tem de baixar o salário aos aposentados, uma fasquia que não se atreverá a ultrapassar. A questão é outra. Que irá fazer a Grécia, pois a decisão não se encontra mais nas mãos do governo? É o povo que vai decidir, mediante referendo suportado pelo Parlamento, se aceita ou não as medidas de austeridade impostas pelos credores europeus.

O resultado pode ser uma surpresa para muitos, especialmente para o combativo SYRIZA. Quiçá, chegada a hora da verdade, os gregos prefiram não abandonar a UE nem o euro. À última hora de 28 de Junho de 2015, a Grécia decidiu fechar os seus bancos e impor controlos ao capital para impedir o caos financeiro quando se tornou evidente a ruptura definitiva das negociações com os seus credores internacionais. A drástica medida tomou o governo, quando a Grécia se foi aproximando cada vez mais da sua saída do sistema de moeda única europeia, e que porá a “Zona euro” face a uma ruptura nunca ensaiada e prevista, desde a sua criação em 1999, se tal vier a acontecer, e que em nada beneficiará a Grécia e a UE de momento, pese os conselhos do outro lado do Atlântico formulados por Paul Krugman e Joseph Stiglitz.

Se a Grécia sair, e acreditamos no bom senso dos políticos e num acordo “in extremis”, será o fracasso da UE. A teoria afirma que a UE conformaria um corpo que deixaria atrás as tragédias das guerras e do fascismo. Os países uniram-se para reforçar a democracia, o império da lei e o repúdio aos nacionalismos. Quando em 1974 caiu a junta militar na Grécia, esse pequeno país converteu-se numa espécie de pioneiro de um novo modelo para Europa, e simultaneamente solicitou a sua inclusão na UE.

O modelo grego de consolidação democrática expandiu-se pelo continente e arrastou consigo outros países à união, reforçando a integração. A Grécia foi, para a Europa, uma ferramenta de difusão da estabilidade e democracia pelo continente. A UE não pode permitir que a Grécia se converta no emblema da sua desintegração. A actual crise pode levar que o país abandone o euro e, depois talvez, também a mesma UE. Isso debilitaria a proposta fundamental da UE, o da união ao clube europeu ser a garantia de prosperidade, estabilidade e coesão.

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