Tsipras demite-se da direcção do Syriza após pesada derrota nas eleições

O líder da oposição grega, Alexis Tsipras, anunciou ontem a demissão da liderança do partido de esquerda Syriza, quatro dias depois da pesada derrota nas eleições legislativas de domingo frente à Nova Democracia (ND), de Kyriakos Mitsotakis.

“Há alturas em que é preciso tomar decisões cruciais”, disse Alexis Tsipras, emocionado, numa conferência de imprensa em Atenas, sublinhando que vai convocar eleições para a liderança do Syriza, às quais disse que não será candidato.

“Não escondo que esta é uma decisão dolorosa”, afirmou.

Tsipras, 48 anos, foi primeiro-ministro da Grécia de 2015 a 2019, durante anos politicamente tumultuosos, enquanto o país lutava para permanecer na zona euro e acabar com uma série de resgates internacionais.

Nas eleições gerais de domingo, o Syriza recebeu pouco menos de 18 por cento dos votos – perdendo quase metade do apoio nos últimos quatro anos –, enquanto a Nova Democracia, do primeiro-ministro Kyriakos Mitsotakis, ultrapassou os 40 por cento.

“O partido tem de tomar decisões difíceis e corajosas, que devem servir uma nova visão. É óbvio que isto também me preocupa. Por isso, decidi propor a eleição de uma nova direcção pelos membros do partido, como estipulado nos estatutos. É claro que não serei candidato”, afirmou. ”

Tsipras, que lidera o partido desde 2012, deverá manter-se como líder até que o seu sucessor seja eleito pelos membros do partido.

 

Más condições

Após a derrota eleitoral, nenhum membro proeminente do partido apelou publicamente a Tsipras para se demitir, embora Euclid Tsakalotos, antigo ministro das Finanças do Syriza, o tenha instado a reflectir sobre os resultados e a “tomar as medidas necessárias”.

Effie Achtsioglou, uma antiga ministra da Segurança Social, de 38 anos, recebeu apoio de uma secção do partido para procurar um papel de liderança, mas não discutiu publicamente os seus planos.

Os analistas gregos atribuíram o mau resultado eleitoral do Syriza à campanha amplamente negativa do partido, ao ressurgimento do Pasok, um partido socialista tradicionalmente forte, e ao aparecimento de partidos dissidentes liderados por antigos aliados de Tsipras.

Em grande parte devido aos ferozes confrontos políticos durante os resgates internacionais de 2010-2018, o Syriza e os socialistas não conseguiram chegar a qualquer acordo sobre uma potencial colaboração, apesar do apoio de alguns membros seniores de ambos os partidos.

2 Jul 2023

Grécia procura atrair investimentos em visita de MNE chinês

O chefe da diplomacia grega, Nikos Dendias, debateu ontem com o homólogo chinês, Wang Yi, o aprofundamento de relações económicas, culturais e turísticas, e defendeu que a Grécia “pode ser uma porta de entrada da Ásia para a Europa”.

“Estamos ansiosos por novos projetos de investimento no maior porto do Mediterrâneo, um dos maiores do mundo”, afirmou o ministro dos Negócios Estrangeiros grego, Nikos Dendias, após o encontro com o homólogo chinês na capital grega.

A empresa chinesa Cosco Shipping detém atualmente 67% da autoridade portuária grega do Pireu, após os legisladores gregos terem ratificado a venda de uma participação de 16% na empresa, para além dos 51% já detidos pela Cosco.

A Grécia concedeu também à Cosco mais cinco anos para prosseguir com os investimentos que tinha prometido fazer como parte do seu acordo para comprar uma participação maioritária em Pireu.

Os gregos emergiram recentemente de uma década de crise financeira que dizimou um quarto da sua economia e tem estado ansiosa por atrair investimentos internacionais.

A China, que está a construir portos, caminhos de ferro e outras infraestruturas em dezenas de países de todo o mundo no âmbito da Iniciativa “Belt and Road” (“Iniciativa Nova Rota da Seda”), já está fortemente envolvida na Grécia.

​​​​​​​Dendias relatou ao homólogo chinês sobre os “desenvolvimentos particularmente preocupantes no Mediterrâneo Oriental” e o que descreveu como o “papel desestabilizador da Turquia” na região, algo que, segundo ele, poderia inibir o comércio marítimo que “interessa muito ao lado chinês”.

Os vizinhos Grécia e Turquia estão divididos em relação a uma longa série de disputas, incluindo sobre direitos de exploração no Mediterrâneo Oriental, que levaram a recentes escaladas de tensão.

Dendias disse ter falado “extensivamente” com Wang Yi sobre o que disse ser o esforço da Turquia para se envolver com “populações muçulmanas em todo o mundo, promovendo ideologias como a irmandade muçulmana e tentando um envolvimento direto nos assuntos internos de outros países”.

No passado, a Turquia levantou questões sobre o tratamento dado pela China aos uigures, uma minoria etnicamente turca muçulmana no noroeste da China, embora recentemente se tenha tornado menos expressiva sobre esse assunto recentemente, durante os esforços de Ancara para forjar laços económicos mais estreitos com Pequim.

A China tem sido acusada de grandes violações dos direitos humanos na província de Xinjian contra os uigures e outras minorias, incluindo encarceramentos em massa, controlo forçado de natalidade, esterilização e abortos.

Pequim rejeita as acusações, dizendo que os campos são centros de formação profissional e de ‘desradicalização’ para afastar os residentes da região do extremismo e terrorismo.

Os repórteres não foram autorizados a assistir às declarações conjuntas e não foram permitidas perguntas.

Wang Yi descreveu o envolvimento da China no Pireu como um projeto “emblemático” da iniciativa “Belt and Road” e um modelo de cooperação mutuamente benéfico.

Contudo, os sindicatos criticaram as condições de trabalho no terminal marítimo, dizendo que os lucros são colocados acima da segurança, no seguimento da morte de um trabalhador esta semana num acidente no terminal de contentores gerido pela Cosco no Pireu.

O partido de oposição grego Syriza criticou as condições de trabalho no porto, afirmando que os acidentes de trabalho foram causados “pelas constantes taxas esgotantes de trabalho [no terminal de contentores] que causa exaustão a longo prazo e doenças relacionadas com o trabalho”.

A Cosco adquiriu a participação de 51% do porto do Pireu em 2016, sob um governo liderado pelo Syriza.

Wang Yi disse que a China estava disposta a expandir a “estratégia de interconexão global da União Europeia, de modo a aumentar o nível de interconexão do continente euro-asiático, estimular o potencial de crescimento da China e da Europa e acelerar a recuperação económica global”.

28 Out 2021

Aspida

[dropcap]“A[/dropcap] Grécia é a nossa aspida”, garantiu agradecida a presidente da Comissão Europeia, em cerimónia oficial com o primeiro-ministro grego, depois de a polícia local ter respondido com a violência civilizacional própria da Europa contemporânea à chegada de um grupo de refugiados vindos da Turquia, e antes fugidos da guerra a da fome do norte de África e do Médio-Oriente. Como habitualmente, muitos deles eram jovens e crianças, que por acaso até começam a escassear num continente cada vez mais triste, envelhecido e embrutecido, incapaz de discernir ameaças e oportunidades. Contra essas pessoas erguemos nas praias da Grécia contemporânea a nossa “aspida” europeia, evocando escudos protectores dos guerreiros helénicos da Antiguidade. Esmagamos com eficácia essa tenebrosa ameaça dos que ousaram chegar às costas da “nossa” Europa. 700 milhões de euros foram logo ali prometidos à Grécia, 350 prontos a sair imediatamente dos ricos cofres europeus, para garantir que as autoridades possam continuar a cumprir cabalmente a sua histórica missão de aplicar a violência necessária aos migrantes que não se afogam na travessia do Mediterrâneo – hoje a fronteira mais mortífera do mundo.

Conhecemos os procedimentos e temos vindo a habituar-nos a estas novas formas de uma União Europeia que criou uma comissão específica para a “Protecção do Nosso Modo de Vida Europeu”. Não sei a que se refere a Comissão com este “Nosso” mas esclareço que não é certamente o meu, que dispenso esta protecção. A patética denominação fala em “modos de vida” mas refere-se a supostas ameaças de imigrantes e incluí tarefas relacionadas com segurança, cooperação judicial, salvaguarda da lei, protecção de bens e serviços e, naturalmente, migração. Pouco ou nada tem isto que ver com o que quer que se queira designar como referência cultural a um suposto “modo de vida europeu”: é apenas e só um mecanismo de protecção e violência contra o exterior e o diferente – a xenofobia feita instituição, com orçamento próprio e tudo – 3.800 milhões de euros só em 2020 para “segurança e cidadania”.

Para quem está no lado sul Mediterrâneo, esta suposta protecção não pode parecer senão bizarra: nenhum país do Norte de África ou do Médio Oriente atacou territórios europeus nas últimas décadas. Já a Europa teve participação activa – através da NATO – nos ataques que mataram larguíssimos milhares de pessoas, dizimaram cidades inteiras, arrasaram património cultural, destruíram economias e desarticularam sistemas políticos: com bombardeamentos massivos e sistemáticos no Iraque, na Líbia ou na Síria, mas também com o apoio à organização, financiamento e treino de organizações políticas e militares que desestabilizassem os regimes políticos existentes em quase todos os países do sul do Mediterrâneo. Na realidade, viriam esses grupos também a desestabilizar a Europa e os Estados Unidos, com esporádicos mas significativos actos de violência terrorista. Em todo o caso, as 13 pessoas vítimas mortais de ataques jihadistas na Europa em 2018 (dados da Europol) já dificilmente se comparam com o número de vítimas de ataques xenófobos, homofóbicos ou de violência sobre minorias perpetrados por cidadãos europeus no interior da Europa.

Não se aplicou o mesmo zelo protector do “nosso modo de vida europeu” quando começaram a chegar ao mundo notícias sobre o terrível impacto do aparecimento de um novo vírus na China, com muito intimidativos níveis de propagação e mortalidade. A China está longe e pelos vistos não foi nada que justificasse levantar em riste uma aspida que nos protegesse de semelhante ameaça. Foi até motivo de graça, mais ou menos generalizada, incluindo piadas xenófobas com que se vai animando a arrogância cultural e intelectual de alguns círculos europeus, não tão poucos como isso. E foi também motivo de violência, com agressões várias a pessoas de origem asiática, que pelos vistos não têm na Europa ou no Norte da América direito pleno ao tal “modo de vida”. Ou a ser pessoas, mais simplesmente. Na realidade, mesmo quando os impactos massivos da presença do vírus começaram a sentir-se em Itália, ainda se notou uma transferência geográfica das alusões xenófobas, agora dirigidas aos povos do Sul da Europa.

Passou esse tempo, no entanto. Hoje não há outro remédio do que tentar erguer a aspida por toda a Europa, tardia, desajeitadamente e com emergências várias, por terra, mar e ar, impondo obstáculos ou bloqueios cada vez maiores à circulação, confinamento domiciliário das pessoas, agora necessário mas porventura evitável se se tivesse intervindo muito mais cedo, quando algures no mundo já eram visíveis os sinais da ameaça. A sobranceria com que frequentemente se olha desde a Europa para outras partes do mundo leva também a isso: a aprender pouco, a perder oportunidades de conhecer melhor problemas e ameaças efectivas e colectivas, com as quais todos temos que lidar, independentemente da zona do globo que habitemos. Escolhemos mal aliados e inimigos: tratamos com violência seres humanos que fogem da fome e da guerra para nos bater à porta em busca da vida digna que julgam que a Europa pode oferecer e franqueamos as portas à chegada dos vírus que nos matam aos milhares – e às foças militares que tomam conta das ruas enquanto nos fecham em casa.

Paradoxalmente, é quando a China lidera o progresso civilizacional nesta área, anunciando o início de testes em seres humanos para a vacina contra a Covid-19 e disponibilizando médicos para apoiar o trabalho de combate à epidemia em vários países europeus, que a Europa não encontra alternativa a fechar-se em si mesma, bloqueando aeroportos, paralisando economias, fechando as pessoas em casa. Não sei se é esta “Protecção do Nosso Modo de Vida Europeu” que a Comissão propõe mas esta União Europeia parece uma instituição definitivamente arredada de qualquer ideia de comunidade, solidariedade ou progresso, transformada numa plataforma de defesa intransigente e violenta de interesses e poderes instalados no conforto da sua arrogante ignorância. Resta-nos que esta experiência única e histórica de resistência colectiva – porque não há outra forma – possa servir para reforçar a solidariedade entre as pessoas, para ajudar a discernir o importante do acessório, para aprender mais modestamente com o que fazem outros povos com outras culturas, e para que sejamos mais capazes de identificar as ameaças certas em relação às quais temos que levantar as nossas aspidas. Se assim for, já valerá a pena a travessia.

20 Mar 2020

Grécia é aliado natural da China em projectos de desenvolvimento comercial, diz Xi Jinping

[dropcap]O[/dropcap] Presidente chinês, Xi Jinping, classificou ontem a Grécia como uma “aliada natural” dos projectos chineses de desenvolvimento comercial em todo o mundo, durante uma visita oficial ao país.

“A China e a Grécia veem-se como aliadas naturais no desenvolvimento das ‘novas rotas de seda'”, disse Xi Jinping, na presença do primeiro-ministro grego, Kyriakos Mitsotakis.

A Grécia apoia o vasto projecto de Pequim, chamado “Novas Rota da Seda”, para ligar a China ao resto da Ásia, Europa e África através de um programa de investimento de 906 mil milhões numa importante rede de infraestruturas portuárias, ferroviárias, industriais e aeroportuárias.

“Nós queremos fortalecer o comércio bilateral e fazer investimentos no sector bancário”, disse também Xi Jinping, depois do encontro com o Presidente grego, Prokopis Pavlopoulos.

O Presidente chinês, que está acompanhado pelo seu ministro do Comércio, Zhong Shan, elogiou “a importante herança cultural dos dois países” antes de assinar acordos bilaterais.

No total, dezasseis acordos deverão ser assinados durante a visita oficial de três dias de Xi à Grécia, nos campos de energia, expedição comercial, exportação de produtos agrícolas e um acordo de extradição, de acordo com uma fonte do governo grego.

No sector bancário, uma agência do Banco da China será instalada na Grécia, assim como um escritório de representação do Banco Comercial e Industrial da China (ICBC), segundo uma fonte Governo grego.

“A estrada aberta irá tornar-se rapidamente numa autoestrada”, disse Kyriakos Mitsotakis, cujo objectivo desde a sua eleição, em Julho, é atrair investimentos estrangeiros para fortalecer o crescimento da Grécia após a crise da dívida (2010-2018).

“A China está a apostar na posição geoestratégica do país”, disse Mitsotakis. Kyriakos Mitsotakis confirmou a sua visita à China em Abril, depois de visitar a Feira de Importação de Xangai na semana passada, na qual foi acompanhado por uma delegação de sessenta empresários gregos.

Os chineses “vieram para a Grécia e investiram quando outros ficaram fora”, saudou o ministro dos Negócios Estrangeiros grego, Nikos Dendias.

12 Nov 2019

Inshalla

[dropcap]O[/dropcap]s gregos achavam que o passado estava à nossa frente, porque dele nos podíamos lembrar como vida passada. Achavam, pelo contrário, que o futuro estava nas nossas costas. Era como se andássemos de costas para o futuro. O caudal do passado aumenta a cada dia. O Afluxo do tempo futuro é cada vez menor, ténue, até ao estrangulamento e asfixia do sentido. A memória refere-se a uma percepção passada. Platão fez da reconstituição da vida uma anamnese: uma lembrança da representação do que temos sem o vermos. Todos os protagonistas das nossas vidas: mãe, pai, irmão, amigos, amada, a banda sonora das nossas vidas, a nossa cinemateca, os sítios onde vamos e fomos, ginásios, cervejarias, igrejas e hospitais, a casa dos avós, tudo é como se tivesse sido projectado outrora num tempo pré-natal. O passado tem peso. Tem tanto peso que mal nascemos somos já velhos o suficiente para morrermos ou como dizia Santo Agostinho: “começas a morrer quando sais do ventre da tua mãe”. O presente é a actualidade complexa que desactualiza o passado, tempos idos: é o que é, é por onde vamos indo. Estafa. Não temos já o que fomos, nem quem tivemos, meus queridos. Agora, temos de nos reinventar. É sempre difícil. Mas chegam auroras. Chegam.

E o futuro? Como temos uma antevisão, uma previsão do futuro?

Os antigos achavam que a esperança era uma velha vestida de princesa ou então um sonho cheio de promessas. Na verdade, não trazia nada a não ser a morte sem a possibilidade do presente. Quem vive cheio de esperança, mesmo da vida eterna, esquece-se de viver. A vida está cheia de gente que veio à existência, a atravessou, dela saiu e, hoje, está morta para sempre. Mas também não é o desespero nem a desesperança. O horror nasce das paredes da nossa casa vazia de gente. O horror não tem rosto. Não é a gadanha nem a dor. O horror escorre da humidade fria das paredes das nossas casas.

O futuro é outra coisa. Está presente logo na primeira vez de todas as primeiras vezes. Para haver contagem tem de haver as segundas e as terceiras vezes, mas também a última vez. Nós acordamos para a vida com a hora da nossa morte. Tudo o que é o mais antigo nas nossas vidas não passou. Pode ser esquecido mas não passou. Está à nossa espera na hora da nossa morte. O tempo não é do presente para o futuro. Vem sempre do futuro para o presente e depois para o passado e para o esquecimento. Toda a duração tem esta qualidade. É do limite temporal do fim que pensamos o presente sem o pensarmos. O jogo a partir do seu fim onde decorre. A aula, a viagem, o encontro. O encontro total da vida é pensado a partir do seu fim. Tem de ser no limite irreversível do fim que pensamos o presente.

Mesmo que vivêssemos eternamente seria sempre a perder.

Sem a possibilidade radical da perda não poderíamos viver a pensar no céu azul nem na linha do horizonte.

26 Out 2018

Incêndios | Número de mortos na Grécia subiu para 81 com autoridades a continuarem as buscas

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] número de mortos nos incêndios que afectaram a região grega de Ática, perto de Atenas, subiu para 81, anunciou ontem a porta-voz dos bombeiros, referindo que as organizações de socorro continuam empenhadas nas buscas.

Stavroula Maliri, porta-voz dos bombeiros, afirmou que existem já 81 vítimas mortais confirmadas, das quais quatro são turistas.

Entre as vítimas mortais está um jovem irlandês, confirmou a embaixada irlandesa na Grécia. O jovem estava em lua de mel no local quando foi surpreendido pelas chamas, enquanto a sua mulher conseguiu chegar à praia, mas sofreu ferimentos na cabeça e nas mãos.

Três outros turistas foram identificados entre as vítimas mortais: dois polacos, mãe e filho, e um belga, cuja filha adolescente foi salva.

Stavroula Maliri afirmou que é possível que “algumas das pessoas desaparecidas” estejam entre as vítimas mortais, referindo que o estado dos corpos dificulta as identificações.

A porta-voz apelou aos familiares das pessoas que estão desaparecidas para se deslocarem ao serviço de medicina forense, de modo a obterem “informações sobre os procedimentos”.

Segundo a responsável, existem 11 feridos que continuam em estado crítico, referindo que as autoridades continuam a efetuar buscas, procurando potenciais novas vítimas.

Milhares de casas e centenas de viaturas foram completamente destruídas pelas chamas, sobretudo em Mati, um dos bairros periféricos a norte de Rafina, onde muitos habitantes da capital têm segunda casa e onde passam férias de verão.

Entretanto, o parlamento grego determinou, por unanimidade, uma série de medidas para apoiar as crianças que ficaram órfãs durante os incêndios da região da Ática oriental.

A primeira medida será o pagamento de uma soma de 10 milhões de euros das reservas do parlamento para uma conta especial aberta pelo Estado para apoiar as vítimas de incêndio, e depois será paga uma quantia fica às crianças que perderam os pais, anunciou o presidente do parlamento, Nikos Voutsis.

26 Jul 2018

Incêndios/Grécia: Voluntários recebem donativos mas autarquia considera situação controlada

[dropcap style≠’circle’]D[/dropcap]ezenas de voluntários reuniram-se hoje na autoridade municipal grega de Rafina-Pikermi, em Rafina, para juntarem ajudas às vítimas dos incêndios que destruíram parte da região, mas o presidente da autarquia considera que a situação está controlada.

“Para já, temos solução em termos de comida, alojamento, ajuda médica e apoio psicológico”, afirmou Vagelis Bournous à agência Lusa na noite de terça-feira, quando ainda havia uma grande azáfama dentro e fora do edifício, cerca das 00:30 (hora de Lisboa).

Nas últimas 24 horas, pessoas e empresas têm feito chegar comida, garrafas de água, fraldas para bebés, medicamentos e “até dinheiro”, incluindo do estrangeiro, disse.

“As infraestruturas da cidade estão a funcionar, mas a beleza natural em algumas partes desapareceu completamente”, lamentou Bournous.

Na segunda-feira, os incêndios nesta região costeira nos arredores de Atenas provocaram a morte de, pelo menos, 74 pessoas e 187 feridos, vários dos quais em estado muito grave, segundo fontes oficiais.

Mais de 1.500 casas foram afetadas e mais de 300 viaturas completamente destruídas pelas chamas, sobretudo em Mati, um dos bairros periféricos a norte de Rafina, onde têm segunda casa muitos habitantes da capital e onde passam férias de Verão.

Os feridos em pior estado foram assistidos nos hospitais mais próximos e os desalojados colocados em hotéis ou em casa de familiares ou amigos.

Apesar de estar escuro e de a zona de Mati não ter eletricidade, é possível sentir esta madrugada um forte cheiro a queimado, mesmo depois de as chamas terem sido extintas.

Vasiliki Beka, assessora do presidente da câmara local, relatou à Lusa que foi “uma tragédia” o que aconteceu na região, onde muitas casas estavam ocupadas por idosos, que tomavam conta dos netos durante as férias.

“Houve pessoas que não conseguiram escapar, outras que se lançaram no mar e que ficaram na água durante cinco a seis horas, algumas afogaram-se. Um grupo de 26 pessoas ficou queimado, com os pais a abraçarem as mulheres e os filhos para tentar salvá-los, mas não conseguiram”, relatou, emocionada.

A catástrofe levou um grupo de voluntários que normalmente distribui comida pelos sem-abrigo em Atenas a deslocar-se a Rafina, a cerca de 30 quilómetros de distância.

“Pedimos aos restaurantes com quem trabalhamos e eles fizeram mais refeições. Como não são precisas para as vítimas, entregámos-las aos outros voluntários e à Cruz Vermelha”, afirmou Maniana Peppa, coordenadora do grupo Dypno Agapis.

Junto à sede do município, um dos voluntários, o residente local George Petridis, relatou como viu o incêndio aproximar-se a meio da tarde de segunda-feira até 300 metros da sua casa.

“Tivemos de sair porque era difícil respirar por causa do fumo. Penso que o problema foi que as pessoas subestimaram a gravidade do incêndio e não sairam logo. Depois veio muito vento, que pegou fogo a tudo”, afirmou.

As autoridades gregas continuam à procura de eventuais vítimas do incêndio, em terra ou no mar.

O Governo de Alexis Tsipras decretou três dias de luto e pediu ajuda internacional na noite de segunda-feira, tendo já alguns países respondido com meios de apoio, como é o caso de Portugal.

O executivo grego já desbloqueou uma verba de 20 milhões de euros, procedente do Programa de Investimento Público, destinada à ajuda imediata e a cobrir as necessidades das zonas mais afetadas.

O ministro da Administração Interna português, Eduardo Cabrita, anunciou hoje que Portugal disponibilizou 50 elementos da Força Especial de Bombeiros (FEB) para ajudar a combater os incêndios na Grécia, no âmbito do Mecanismo Europeu de Proteção Civil.

25 Jul 2018

“Elektra” estreia hoje no São Carlos

[dropcap style≠’circle’]”E[/dropcap]lektra”, de Richard Strauss, que estreia hoje, em Lisboa, “é uma magnífica, forte e fabulosamente intensa ópera, que exige muito dos cantores e da orquestra”, disse à agência Lusa a encenadora Nicola Raab.

A produção do Teatro Nacional de S. Carlos (TNSC), protagonizada pela soprano alemã Nadja Michael, estreia-se na quinta-feira, no grande auditório do Centro Cultural de Belém, no âmbito do ciclo “De Zeus a Varoufakis: A Grécia nos Destinos da Europa”.

A encenadora Nicola Raab, que pela quarta vez trabalha com o TNSC, realçou, em declarações à Lusa, o grau de exigência desta ópera para cantores e orquestra, pela “amplitude da partitura” e pela sua “intensidade e violência vocal e orquestral”, mas com “todos os condimentos para uma noite marcante”.

Nicola Raab afirmou que a sua opção para apresentar esta ópera foi “uma extrema concentração na protagonista, Elektra, à volta da qual, e da sua questão psicológica, se desenvolve todo o drama musical”.

A origem da tragédia

O cenário é a Grécia Antiga, a cidade de Micenas, no Peloponeso, onde a narrativa se desenvolve em torno do tema da vingança: a mãe de Elektra, Klytämnestra, assassina o marido, Agamenon, com a ajuda do amante, Aegisth, levando a que a personagem que dá nome à peça procure justiça, alcançada quando o irmão, Orestes, mata os dois.

Conhecendo já a ópera, cujo libreto de Hugo von Hofmannsthal se inspirou na tragédia de Sófocles, esta é a primeira vez que Nicola Raab encena “Elketra”.

O convite do São Carlos, revelou a encenadora, tinha apenas uma condição, “encontrar uma maneira de concentrar a ópera e não fazer o habitual”.

“E eu respondi que era óbvio, pois a concentração está toda [na personagem] Elketra, ela é o centro de todo, tudo roda à volta, presos à sua vontade”, disse.

Para a encenadora, esta “concentração” em torno da personagem Elektra “não é uma restrição, mas antes um sentido de liberdade”.

Em palco, o cenário é um quadrado dourado, e toda a ação dramática se passa naquele espaço concreto.

A ópera, de Richard Strauss (1864-1949), foi estreada em 1909, em Dresden, na Alemanha, e segundo o TNSC, “embora [o compositor alemão] já tenha atrás de si obras que sujeitam a linguagem tonal a abusos pontuais, em ‘Elektra’ atinge níveis de audácia harmónica, orquestral, vocal e dramatúrgica que chocaram, e ainda hoje chocam, a audiência”.

Se a ópera, aquando da sua estreia, se revelou inovadora do ponto de vista estético-musical, Nicola Raab afirmou que “a inovação hoje pode estar na forma em como se concentrou todo o drama, para criar uma extrema intensidade”.

“Eu vejo esta ópera como um todo, para uma noite marcante, sem me preocupar com o histórico da própria ópera”, acrescentou.

A ópera, sob a direção do maestro britânico Leo Hussain, sobe à cena na hoje, às 21h00, e novamente nos dias 04, às 16h00, e 07 de fevereiro, às 21h00.

Elenco de ouro

Além de Nadja Michael, do elenco fazem parte Allison Oakes, Lioba Braun, James Rutherford, Marco Alves dos Santos, Mário Redondo, Sónia Alcobaça, Rui Baeta, João Terleira, Patrícia Quinta, e ainda, Maria Luísa de Freitas, Cátia Moreso, Paula Dória, Carla Simões e Filipa van Eck.

A encenadora alemã defendeu a actualidade do espectáculo operático, algo que não passa por uma actualização do guarda-roupa ou a transposição para o contexto actual, mas sim “pelos sentimentos que são experimentados em palco e como nos identificamos com eles”.

“Podemos dizer, ao assistir a uma ópera, o que acontece a esta personagem, a sua situação, a sua vivência, ou a sua psicologia, são sempre actuais, pois aquelas personagens podemos ser nós”, disse.

Elektra, prosseguiu, “está traumatizada por qualquer coisa e não se pode mover, está presa a uma situação, e recusa-se a sair dessa situação, o que acontece a qualquer um de nós que tenha passado pelo que ela passou”.

Nicola Raab encenou, anteriormente, também nesta sala lisboeta, “A Flowering Tree”, de John Adams, na temporada de 2015-16. Raab disse à Lusa que gosta de trabalhar em Lisboa e o facto de ter encenado outras produções do TNSC, lhe dá uma “familiaridade” e um “gosto em voltar”.

Raab já apresentou também encenações suas no Festival de Salzburgo, na Áustria, e no de Aix-en-Provence, em França.

1 Fev 2018

Valeu a pena

Omnia fui, et nihil expediti.

Séptimo Severo

[dropcap style≠’circle’]D[/dropcap]esde que nasci, vivi rodeado de livros. Esses, os que já existiam lá em casa antes de mim, continuam sendo, e creio que serão para sempre, os que mais me marcaram.

Contudo, a dado momento, naturalmente, a biblioteca do meu pai deixou de ser suficiente para alguns aspectos da minha curiosidade e do meu gosto pessoal. Assim, comecei a comprar alguns livros e, sobretudo, a socorrer-me dalgumas das bibliotecas públicas que então existiam na cidade de Lisboa. As que os governos britânico e norte-americano nos proporcionavam (entretanto, ambas encerradas), contam-se entre as que me foram mais úteis.

É bastante provável que tenha sido aí que se geraram e estruturam vários aspectos da minha anglofilia, um amor por um Reino Unido que só muito tangencialmente existe e talvez nunca tenha existido de outro modo, por uma selecção que resulta numa invenção por medida. Mas não será sempre assim, com todos os amores?

Amo Madrid. Gosto do ruído das ruas e dos bares, dos seus restaurantes e tascas, do mercado de San Miguel e de outros mais pequenos, incrustados nos bairros, do Museu do Romantismo, da Real Academia de Belas Artes de San Fernando, do Museu Lázaro Galdiano, dos três grandes museus, mesmo se com filas à porta, etc.

Também gosto muito de Bruxelas, da Bélgica, em geral, e de Bruxelas, em particular. Uma cidade mal-amada pela maior parte dos que a visitam. Gosto do pequeno Impasse Saint-Jacques, do teatro de marionetas Toone, de mexilhões com batatas fritas, do Museu dos Instrumentos Musicais, de um densíssimo ragout que comi num pequeno restaurante familiar ao pé do Menino Mijão, dos Musées Royaux des Beaux-Arts, da brasserie A La Mort Subite, etc.

Gosto muito de uma pequena vila piscatória na Cornualha, chamada Polperro.

Amo, mais do que qualquer outro lugar, uma minúscula aldeia de xisto, atravessada por um rio, no meio da Beira Litoral. Dessa, não vos direi o nome.

Acerca de Lisboa também não falarei muito. A minha relação com a cidade é demasiado pessoal, quase doentia, certamente dolorosa, para que a minha experiência possa aproveitar a terceiros. Não, não faz sentido eu falar da Lisboa que existe e não tenho idade para falar da Lisboa-aldeia, de aguadeiros e choras.

Contudo, recordo uma cidade em que muitos aspectos desta última sobreviviam ainda, nos bairros históricos, a par de cinemas e centros comerciais microscópicos, sobretudo nas Avenidas Novas, os quais anunciavam já os muitos desmandos que, paulatinamente, foram tomando conta da cidade, que ganharam dimensões assustadoras durante o “cavaquismo”, e que tiveram a sua apoteose no verdadeiro monumento urbanístico-arquitectónico à saloiice triunfante que é o Parque das Nações.

Limitar-me-ei aqui a listar alguns museus lisboetas que me encantam: a Casa-Museu Dr. Anastácio Gonçalves, a Casa-Museu Fundação Medeiros de Almeida, o Museu de Macau, o Museu da Carris, o Museu Geológico (um museu de um museu…), o Jardim Botânico Tropical (apesar do estado ruinoso em que se encontra).

Como já devem ter percebido, os museus, alguns museus, sem didactismos ou tecnologias, mais ainda do que as bibliotecas, sempre foram os locais onde me senti melhor. Porque muitos deles estão quase sempre vazios, o que convém aos momentos em que me apetece fugir do mundo, porque não pertencem ao tempo e ao espaço presentes, porque combinam bem com uma certa forma de aristocracia, novecentista, vitoriana para ser mais exacto, que sempre cultivei de mim para mim.

Certa vez, inserido num grupo, fui realizar um espectáculo a Braga, ao Museu Nogueira da Silva, outro dos meus preferidos de Portugal (o predilecto é, certamente, a Casa dos Patudos, em Alpiarça). Ao chegarmos ao museu, que era suposto providenciar-nos alojamento, a senhora que nos recebeu disse que ficaríamos a dormir no próprio edifício. Supusemos que, nas traseiras, algures por detrás do belíssimo jardim, houvesse um anexo onde seríamos hospedados.

Qual não foi o nosso espanto (perdoem-me a formulação batida) quando fomos conduzidos a quartos que integram o espaço do museu e as camas de dossel e demais mobiliário foram postos à disposição dos nossos reais costados!

Em circunstâncias várias, tenho dormido em hotéis de muito luxo, aos quais, aliás, em geral, preferiria uma hospedaria modesta. Mas nunca antes nem depois daquela noite dormi num local tão condizente com os pergaminhos que a mim mesmo me outorguei.

De facto, às vezes, sabe bem sermos bem tratados. De tal modo que só então nos apercebemos do bem que nos faz, da falta que isso nos fazia sem que nos inteirássemos.

Há uns anos, decidi presentear-me, e à minha namorada de então, com uma viagem à Grécia, sem cuidar do facto de que a Páscoa ortodoxa decorria nesse período. O nosso destino final era a ilha de Spetses, uma das Ilhas Sarónicas, logo a seguir a Hydra.

Em Atenas, encontrámo-nos com um conhecido, calhou em conversa perguntar-lhe qual o melhor restaurante da ilha, tendo em vista o jantar da noite de Páscoa, e recebemos uma resposta cabal, quase impositiva.

O que não sabíamos é que a ilha iria estar repleta de atenienses e que uma chuva copiosa se abateria sobre todos nós.

Assim, ao chegarmos à porta do restaurante recomendado, uma turba cercava já a entrada, sem que, todavia, a sorte lhe sorrisse. As mesas estavam todas reservadas, e o mesmo deveria suceder nos demais estabelecimentos.

Preparávamo-nos, pois, para regressar ao hotel e debatermo-nos com uma longa noite de larica quando o dono do restaurante me perguntou: “Portugueses?”; e, ante o nosso espanto, nos conduziu à mesa que o tal conhecido, providencialmente, nos reservara.

E mais espantados e agradecidos ficámos quando, após o excelso repasto, nos foi servido, junto com uma travessa de sobremesas variadas, o anúncio de que a conta fora, previamente, saldada pelo nosso anjo da guarda.

Nessa noite, para mais embalados pelo marulhar das águas que lambiam as fundações do hotel, dormimos um daqueles sonos que não nos é dado dormir todos os dias.

19 Out 2017

Ésquilo, Sófocles, Eurípedes (Parte 3)

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]vancemos para a nossa derradeira paixão, apaixonemo-nos agora por Eurípides. Na introdução à sua excelente tradução de Medeia, de Eurípides, à página 11, Mário da Gama Kury escreve: “As gerações subsequentes manifestaram preferência por Eurípides em comparação com Ésquilo e com Sófocles. Tanto assim foi que das 74 peças que escreveu 19 sobreviveram, enquanto das 94 de Ésquilo somente 7 se conservaram e das 123 (ou mais) de Sófocles somente 7 chegaram até nós.” E, ainda no mesmo livro, agora às páginas 15-6, a acabar a sua introdução à peça, Kury escreve: “Para dar uma fama da Medeia na Antiguidade, citamos a seguir, em tradução, um epigrama do poeta Arquimedes (época desconhecida), conservando na Antologia Palatina, livro VI, 50, contendo conselho aos poetas seus contemporâneos: ‘Não te atrevas a percorrer, poeta novo, a estrada frequentada por Eurípides;
nem mesmo tentes, pois seria dificílimo seguir o seu trajecto; a impressão
é que ela é fácil, mas se alguém tenta pisá-la
vê que é árdua como se fosse pavimentada de estacas pontiagudas. Experimenta apenas retocar a trilha de Medeia, a filha de Aietes!
Sentir-te-ás anónimo e rasteiro. Afasta as tuas mãos da coroa de Eurípides!
’”

Estamos então perante, não só um novo poeta, mas também uma nova situação. A nova situação é a da influência exercida nas gerações subsequentes, por parte da obra de um autor em detrimento dos outros. Na época de ouro da tragédia grega, isto não acontecia. Havia momentos em que um deles era preferido em relação aos outros, mas pela própria apresentação da peça em competição e não por um juízo teórico ou a priori da própria tragédia e do seu conceito. Talvez não seja alheio a célebre frase que encontramos na Poética de Aristóteles (1453 a 30), acerca de Eurípides: “o mais trágico dos trágicos”. Curiosamente, ou talvez não, Aristóteles nessa mesma obra, tece duras criticas à peça Medeia, de Eurípides. Em 1454 b 1 e 1461 b 20, Aristóteles “censura Eurípides pela implausibilidade do episódio em que Medeia e Egeu se encontram (versos 758 e seguintes) e pelo recurso ao sobrenatural (a fuga de Medeia no carro do Sol) para finalizar a peça. As críticas de Aristóteles, todavia, só conseguem acentuar o primitivismo de sentimentos que Eurípides imprimiu à peça e a importância dos poderes mágicos de Medeia, factores essenciais para o desenvolvimento da tragédia. O episódio de Egeu, por exemplo, por meio da ânsia do rei de Atenas de conseguir que sua mulher lhe desse um filho, acentua a necessidade instintiva dos pais de se verem perpetuados nos filhos e, portanto, torna mais compreensível a ideia de Medeia de vingar-se de Jasão nos filhos dele. E, naturalmente, o episódio é parte do encadeamento da peça, por assegurar a Medeia um refúgio fora de Corinto quando tivesse de fugir após a prática dos crimes (vejam-se os versos 1578-1580). Quanto ao final da peça, a saída de Medeia no carro do Sol é apenas um elemento sobrenatural a mais entre tantos que se integram na trama, cuja heroína se vangloria de seus poderes mágicos e os comprova, e se orgulha de descender do próprio Sol.” (Mário da Gama Kury)

Mas qual a razão de tanto apreço em relação a Eurípides, nas gerações subsequentes, e pouca em relação a Sófocles e Ésquilo? Umas das razões que podemos apontar é, sem dúvida, o facto da trama da tragédia não se dever senão aos erros humanos, aos seus próprios actos e não ao destino e às paixões dos deuses. Há, por conseguinte, em Eurípides uma ruptura enorme em relação à própria concepção da tragédia. Eurípides ultrapassa, se assim o podemos dizer, a tradição para criar ele próprio a sua tragédia, o seu entendimento da tragédia. Não podemos deixar de imaginar o espanto que estas peças devem ter causado no espírito de Sófocles, pois não poderia haver poeta mais radicalmente oposto a ele do que Eurípides. E para além de imprimir uma ruptura com o conceito de tragédia, acaba também por produzir uma ruptura com a própria construção da mesma, como veremos adiante. Eurípides introduz a originalidade individual na tragédia, isto é, a trama da tragédia já não se rege mais pela tradição, pela origem dos mitos, mas antes pela originalidade individual, pela criação do próprio autor.

O poeta não cria apenas os versos, mas cria também a trama. Sem dúvida, trata-se de algo extremamente ousado, se tivermos em atenção que ele é apenas dez anos mais novo do que Sófocles, e este era considerado o expoente máximo desta arte ática. Estar a procurar novos caminhos, era estar a procurar também um divórcio entre o autor e o público. Pois não seria de estranhar que, um público habituado a, e apreciador de Sófocles (naturalmente também de Ésquilo, mas a comparação com Sófocles torna-se aqui bem mais pertinente), não tenha repudiado as peças de Eurípides. Pelo menos, terá tido bastante dificuldade em compreendê-las e apreciá-las. Não é por acaso que, Eurípides é, de entre os três génios, o menos compreendido no seu tempo.

Convém fazer aqui um pequeno parêntesis para falarmos da grande causa desta diferença nas peças de Eurípides. Na segunda metade do século V a.C. começa a surgir um novo movimento intelectual fora de Atenas e que iria influenciar determinantemente Eurípides: as obras sofistas, de Protágoras, Górgias, Pródico e Leontinos. O que vai marcar esta época com mais profundidade, traçando uma enorme ruptura como passado é Protágoras, com a sua célebre frase: “O homem é a medida de todas as coisas, das que são enquanto são, das que não são enquanto não são.” Trata-se de uma ruptura, com a tradição e com o modo como o humano entendia o mundo e a si próprio, muito maior do que nós possamos imaginar. Um mundo que era ainda marcado pela reverência aos deuses, por um pensamento profundamente religioso deveria sentir-se completamente abalado por estes novos intelectuais, este novo modo de pensar e de entender o cosmos. Protágoras escreve: “Acerca das divindades não posso saber se existem ou não existem, ou como são figuradas, pois muitos obstáculos impedem verificá-lo: sua invisibilidade e a vida tão curta do homem.” Esta afirmação é ainda mais agressiva ao pensamento vigente do que a anterior, se é que é possível; mas a verdade é que elas estão entrelaçadas. Pela primeira vez, afirmar a existência dos deuses era considerado inacessível aos humanos. E por que razão? Pela impossibilidade de verificação. Verificar é precisamente o oposto de acreditar. Podemos acreditar que Deus existe, mas não podemos acreditar que o sol existe. A existência do sol é verificável, por conseguinte arredada do foro da crença. Só o inverificável pode ser acreditado. Eu posso acreditar que escrever um texto acerca de Eurípides tem algum valor, porque, hoje, aqui e agora, é inverificável, mas não posso acreditar que estou escrevendo estas palavras, pois elas são verificáveis. Posso acreditar que uma mulher me ama, mas não posso acreditar que ela tem sexo comigo, caso isso aconteça. O que é verificável é oposto da crença. Colocar como necessidade humana a verificação para atestar da existência dos deuses é, efectivamente, fazer uma inversão epistemológica no acesso ao mundo e suas manifestações. Com Protágoras, passa a existir, a ter carácter ontológico aquilo que pode ser verificado (embora não se trata de uma verificação com as exigências e protocolos do pensamento do século XX, tal como foi escrito na filosofia das ciências por Karl Popper). Existe o que homem pode ver ou pensar. Existe o que o homem pode. O que o homem não pode, não existe.

Em verdade, não há a negação da existência do que não pode ser verificado, apenas não se pode afirmar a existência dessas entidades. Esta distinção é de extrema importância, pois ela permite a possibilidade da existência de algo muito caro aos sofistas em geral e a Protágoras em particular: a antilogia ou contradição, tal como é expressa na obra de Protágoras, com o título de Antilogias (Antilogai). Era a aceitação de que para cada coisa há duas maneiras de conceber, que se contradizem. A contradição tornava-se assim, para estes novos intelectuais, a própria natureza do humano. O humano é por natureza contraditório, por conseguinte os juízos pronunciados acerca das coisas são eles mesmos também contraditórios. Contradição, antilogia, não é apenas a possibilidade de se afirmar correctamente juízos opostos acerca de uma mesma realidade, por exemplo, afirmar que o homem é mortal e o seu contraditório o homem não é mortal (defendo aqui a imortalidade das suas obras); ou ainda dizer-se que a desgraça de Édipo foi causada por um deus, por exemplo, e que a desgraça de Édipo não foi causada por um deus. Contradição é também a afirmação da impossibilidade de verificação, quer seja pelo pensamento, quer seja pelos sentidos.

Nos casos anteriores, contradição é a aceitação da impossibilidade de dar uma resposta única àquelas questões, de saber se o homem é ou não mortal (independentemente do argumento do seu prolongamento na história) ou de se saber se foi ou não por causa de um deus que Édipo caiu em desgraça, pois para isso seria necessário sabermos se a alma é ou não imortal, para a primeira antilogia, ou o que é um deus, para a segunda antilogia, e isso está fora do alcance humano.

(continua)

18 Out 2016

Grécia | Referendo trouxe mais do que o ‘não’. País não sai da UE, dizem analistas

Além de provar que a democracia venceu de uma forma mais expressiva do que se esperava, o referendo que foi a votos no domingo demonstrou também posições estratégicas da Grécia. A análise de dois especialistas ao HM, que se mostram ainda confiantes no atingir de um acordo

[dropcap style=’circle’]H[/dropcap]á quem diga que, na Grécia, venceu a democracia e perdeu o medo. No último domingo, o país gritou um “não” redondo às propostas dos credores internacionais. Arnaldo Gonçalves, especialista em Relações Internacionais, concorda com a frase que marca, actualmente, a imprensa internacional: a democracia ganhou. Mas, mais do que isso, diz o analista, mostrou-se viva e de forma surpreendente.
“A maioria que votou no ‘não’ foi muito mais expressiva do que aquilo que imaginava”, começa por dizer Arnaldo Gonçalves ao HM, salientando, contudo, que a vitória por si era de prever. “Mas pensei que seria uma vitória à pele, talvez com 1% de diferença.”
Não foi. E o grito dos gregos saiu quase em uníssono, já que 61,31% dos votos demonstraram que a população não quis ceder às propostas do Fundo Monetário Internacional, da Comissão Europeia e do Banco Central Europeu. Planos que incluíam aumento de impostos e cortes nas pensões e que apenas mereceram a concordância de 38,69% dos gregos. grécia
Propostas que, como define Arnaldo Gonçalves, eram “claramente ultimatos” da União Europeia.
Os resultados – que as sondagens não previam – mostram que o povo se colocou “ao lado de Alexis Tsipras”, considera o analista, que refere ainda que a vitória no ‘não’ pode ser explicada pela grande mobilização da juventude grega, uma das principais atingidas pela situação económica na Grécia. Mas, estes resultados levantam também outras questões.

Referendo como estratégia e país na UE

As manchetes dos jornais gregos não deixam espaço para enganos: o fantasma da saída do Euro precede à vitória do ‘não’. Mas, será que a Grécia vai mesmo fazer com que a UE passe a ter menos membros?
“Não, definitivamente acho que não. Para já, não sei se sairá do Eurogrupo, que é uma instância informal que não tem estatuto, não tem coisa nenhuma. Como é que uma instância informal – como um grupo de trabalho permanente – da UE expulsa um membro? Não é possível que a possam expulsar. Que criem uma situação que force a Grécia a sair do Euro pode acontecer, mas aí quem perde a legitimidade é a UE. A saída da UE ninguém a quer, acho que os gregos também não”, realça Arnaldo Gonçalves, sublinhando contudo que tudo depende dos novos desenvolvimentos.
Também José Sales Marques, economista e presidente do Instituto de Estudos Europeus de Macau, manifesta ter esperança de que a Grécia vá ficar na UE. “A probabilidade da Grécia sair hoje é ainda mais fraca do que antes do referendo”, sublinha.
Também Tsipras assegura que a saída não está sequer a ser pensada. “Considerando as sérias dificuldades das últimas semanas, vocês mostraram-se muito corajosos. Contudo, estou consciente que o mandato aqui não é para romper com a Europa, mas sim para reforçar a nossa posição negocial e procurar uma solução viável.”
Ambos os analistas alertam ainda que a realização do referendo pode ter trazido mais na manga do que o que se pensa. Como explica Sales Marques, graças a esta acção a Grécia poderá “até ter mais condições de ficar”. Isto, porque apesar do referendo ter sido “uma manobra extremamente arriscada e quase roçar por um lado, o desespero, também pode ser visto como oportunismo político”.
“A verdade é que passado este momento, penso que toda a Europa – e o mundo – estão mais cientes que é importante a Grécia continuar. Mesmo perante os credores”, diz ao HM.
O mesmo diz Arnaldo Gonçalves. “Note-se que foi objectivo de Tsipras convocar o povo grego para um referendo, para se pronunciar sobre uma questão essencial, que é o estado da Grécia na União Europeia e no Eurogrupo. Claramente o povo demonstrou que não quer estar lá a qualquer custo.”
Se é certo que a votação não aponta imediatamente para uma solução, como frisa Sales Marques, certo é também que a continuidade da Grécia é fundamental para que se perceba que a UE é um espaço “aberto à negociação, de paz e prosperidade”, onde o diálogo é fundamental.

“Minister no More!”

Enquanto a Grécia se prepara para “uma negociação lenta, com muita lavagem de roupa suja e altos e baixos”, como refere Arnaldo Gonçalves, Yanis Varoufakis quase que lava as mãos destes problemas. O Ministro das Finanças grego demitiu-se ontem, num acto surpreendente anunciado no Twitter sob o título “Minister no More!”.
Varoufakis diz que deixa o cargo para ajudar o primeiro-ministro a continuar as negociações com os credores internacionais.
“Pouco depois de serem anunciados os resultados do referendo, fui informado de uma certa preferência de alguns participantes do Eurogrupo, e de vários parceiros, pela minha ‘ausência’ nas reuniões. Uma ideia que o primeiro-ministro considerou ser potencialmente útil para que conseguisse chegar a um acordo. Por este motivo deixo o Ministério das Finanças “, escreveu.
A saída daquele que foi um dos principais intervenientes nas negociações pode ter irritado a UE, mas não traz, contudo, muitos problemas aos olhos dos analistas.
“Não vai complicar até porque eles já deviam ter combinado isto, porque há uma grande cumplicidade entre Tsipras e Varoufakis. Esta é uma estratégia exemplar, a de surpreender o adversário, criando situações de surpresa para embaraçar a sua posição. E foi exemplar porque retira [o direito] à UE e à Troika de dizer que não é possível retomar as negociações porque há um homem que está a bloquear e porque é impetuoso radical, duro”, salienta Arnaldo Gonçalves.
A escolha de Euclid Tsakalotos para substituir Varoufakis é tida como “excelente” pelo analista. Foi Tsakalotos quem liderou as negociações em Abril, pelo Syriza, e este é, aos olhos de Arnaldo Gonçalves “um belíssimo negociador”.
Para o vice-presidente da Comissão responsável pelo Euro, Valdis Dombrovskis, a vitória do ‘não’ dificulta as negociações e “torna mais difícil uma solução”, mas Gonçalves acredita que vai haver um acordo. Tsipras leva novas propostas à cimeira que hoje acontece e assegura estar pronto para voltar à mesa das negociações.
Para Pablo Bohoslavsky, especialista da ONU, os credores da Grécia deveriam ter em consideração a garantia dos direitos humanos do povo para fechar um acordo financeiro. É que “maiores medidas de austeridade não ajudarão o país”, diz.
Para a Alemanha, pelo menos até ao fecho desta edição, a Grécia está claramente em risco de insolvência. Resta saber o que vai acontecer, até porque, como diria o filósofo grego Thales de Miletus, “a esperança é o único bem comum a todos os homens: aqueles que nada mais têm ainda a possuem”.

China pela manutenção na UE. Crença na continuação do investimento

[dropcap style=’circle’]A[/dropcap]China considerou “muito crítica” a questão da dívida grega, mas manifestou-se confiante de que a União Europeia pode resolver adequadamente os problemas da dívida e “ultrapassar” as actuais dificuldades. Como grande investidor da Grécia, o continente diz esperar que o país e os credores internacionais alcancem um acordo, como salientou a porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês, Hua Chunying. A China deseja ainda que “a Grécia continue na zona euro” e a questão pode ser explicada facilmente. greece-bailout-referendum-euro3.si
“É melhor que [a Grécia] fique na UE, porque a China tem uma perspectiva sobre UE muito clara, de que esta se deve reforçar e ser um espaço cada vez mais forte e ter uma identidade mais forte no cenário internacional”, começa por dizer a HM José Luís Sales Marques, presidente do Instituto de Estudos Europeus de Macau. “A presença da Grécia na UE é fundamental para isso.”
As palavras do também economista são reforçadas com as declarações de Hua Chunying. “Sempre defendemos a integração europeia, uma Europa próspera e unida e um euro forte”, disse a porta-voz do MNE chinês.
Uma grande empresa estatal chinesa explora dois terminais do porto do Pireu, nos arredores de Atenas, e é candidata à compra de 67% do capital da autoridade portuária local, algo que faz Sales Marques admitir que ainda se espera uma presença chinesa mais forte no país.
Ontem de manhã, um editorial dedicado ao referendo grego num jornal do Partido Comunista Chinês (PCC) afirmava que a União Europeia está confrontada com “um desafio sem precedentes” e “uma dolorosa escolha”.
“Para a União Europeia, o apaziguamento com a Grécia é encorajar a falta de cumprimento e a rebelião, que terá consequências negativas no futuro, mas expulsar a Grécia significaria um grave retrocesso, outro resultado que não pode permitir “, salientou o Global Times, jornal de língua inglesa do grupo Diário do Povo, o órgão central do PCC.
Para Arnaldo Gonçalves, analista e especialista em Relações Internacionais, não há muito mais que a China possa dizer, até porque agora o tempo é de expectativa. “A China é inteligente e não se vai manifestar já.” J.F. (com Lusa)

Outros países, outros caminhos

A Comissão Europeia defendeu ontem que a “estabilidade da zona euro não está em questão” e que existem actualmente as “ferramentas necessárias” para prevenir que a instabilidade financeira se propague a outros Estados-membros do Euro, como Portugal. A posição da Comissão não é assinada pelos analistas contactados pelo HM, ainda que estes defendam que o referendo que aconteceu na Grécia não deverá acontecer noutros países europeus.
“Que está ligada à questão grega está. Se houver rupturas das negociações vamos sofrer com os efeitos e se as negociações correrem mal também”, começa por dizer Arnaldo Gonçalves ao HM, afirmando que o que aconteceu no país não vai acontecer em Portugal, até por causa da posição que o governo português está a tomar e que Gonçalves critica.
“Não temos de fazer o papel dos alunos bons da senhora Merkel e o primeiro-ministro português expõe Portugal ao ridículo.”
Também José Sales Marques acredita que Portugal não vai pelo mesmo caminho. “Não acho que por enquanto Portugal vá seguir esta linha porque isto depende das forças vivas e actuantes no interior dos estados membros e não há nenhuma força que me pareça ter qualquer significado como o Syriza tem. Em Espanha sim”, realça.

7 Jul 2015

Europa, uma utopia negativa?

“As the global recession began in 2008, the Greek economy featured high levels of public debt, a large trade deficit, undiversified industries, an overextended public sector, militant trade unions, widespread corruption, uneven payment of taxes, an overvalued currency, consumers expecting rising living standards and euro membership based on inaccurate data. Greek politicians, Greek society, trade unions, leaders of the European Union, the IMF, the world’s investment banks – each and every one has scarcely put a foot right in a collective display of hubris, miscalculation, over ambition, deception, mis-selling, folly and, in some cases, sheer greed in a saga that has continued for decades.”
“Greece’s ‘Odious’ Debt: The Looting of the Hellenic Republic by the Euro, the Political Elite and the Investment Community” – Jason Manolopoulos

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap]aumento do medo e ressentimento que trouxe a crise na Europa, fez que as pessoas vivam há anos em estado de ansiedade e incerteza. O grande pavor regressa face a ameaças indeterminadas, como podem ser a perda de emprego, os choques tecnológicos, as biotecnologias, as catástrofes naturais e a insegurança generalizada. Este processo é um desafio para as democracias, porque esse terror difuso transforma-se por vezes em ódio e repúdio.

O ódio, em vários países europeus, dirige-se contra o estrangeiro, o imigrante, o diferente, os outros, como os muçulmanos, ciganos, subsaarianos e ilegais, e nessa incerteza e caos vão crescendo os partidos xenófobos, racistas e de extrema-direita.

O crescente sentimento eurocéptico ficou confirmado na Alemanha, por importantes e diversas sondagens realizadas em 2013, revelando que 37 por cento dos cidadãos acredita que o país não tem necessidade do euro, e 38 por cento considera positiva a representação no Parlamento Europeu de uma formação que se oponha à moeda única.

A criação de partidos como a “Alternativa para a Alemanha (AfD, na sigla em língua alemã) ”, em Fevereiro de 2013, que tem como programa o protesto pelo envolvimento do país no auxílio à “Zona euro” são a expressão de uma classe média conservadora, que recolhe a herança dos “Livres Eleitores”, um movimento eurocéptico muito enraizado, sobretudo, na Baviera, e dirigido pelo ex-presidente da Federação das Indústrias Alemãs, Hans Olaf Henkel.

A expectativa estava centrada nas eleições de Setembro de 2013 na Alemanha, acreditando que o sucesso de movimentos populistas de direita e as expressões de uma classe média conservadora impediriam uma revisão das políticas europeias para as economias mais débeis. No Reino Unido surgiu uma corrente antieuropeia com componentes reaccionárias, empurrada pelo ascendente “Partido de Independência do Reino Unido (Ukip, na sigla na língua inglesa) ”, fundado em 1993, por Alan Sked, professor da London School of Economics e outros membros da antiga “Liga Antifederalista” e da tendência eurocéptica do “Partido Conservador”, contrários ao “Tratado de Maastricht” e à adopção do euro.

O Ukip põe o acento tónico na preferência de seguir o caminho da Noruega ou da Suíça, que têm excelentes acordos comerciais com Europa, mas não necessitam de serem Estados-membros da União Europeia (UE). A UE custa muitos milhões ao Reino Unido, permite a entrada de mais imigrantes e faz que o país vá perdendo a sua independência a favor dos burocratas da Comissão Europeia.

O governo inglês recolheu essa ideia e preparou a minuta de uma lei que abre o caminho a um referendo sobre a permanência do Reino Unido na UE a realizar-se, em 2017, ou quiçá antes como revelou o Primeiro-ministro, David Cameron, líder do Partido Conservador, após ter ganho as eleições gerais de 7 de Maio de 2015. Os seus ministros da Educação e da Defesa asseguraram que votariam a favor de uma saída da UE.

O eurocepticismo revela-se com diferente transparência nos países debilitados do sul, na esquerda tradicional, como a “Coligação da Esquerda Radical (SYRIZA na sigla em língua grega)” na Grécia, ou na anti-política, como o “MoVimento 5 Estrelas (M5E na sigla em língua italiana)’, em Itália. O M5E foi criado em 2009, pelo cómico Beppe Grillo, com a pretensão de colocar cidadãos no poder e criar uma democracia directa por meio do uso da Internet.

É de realçar que nas eleições de 2013 para o Parlamento Italiano, obteve 25,5 por cento de votos para a Câmara de Deputados e 23,7 por cento para o Senado, tendo o seu líder após as eleições afirmado que era um defensor da Europa e a favor de um referendo online sobre o euro, e considerou que o principal problema seja a moeda única, mas a forma como a política europeia é feita, ignorando os interesses dos cidadãos. O M5E nas eleições para o Parlamento Europeu obteve 21,2 por cento dos votos e elegeu dezassete eurodeputados.

A 25 de Janeiro 2015, foram realizadas eleições legislativas na Grécia, tendo o SYRIZA vencido as eleições com 36,34 por cento dos votos. As prioridades do programa político do SYRIZA, são a renegociação dos interesses da dívida pública, suspensão do pagamento das obrigações até que a economia se recupere, exigir à UE que altere o papel do Banco Central Europeu para financiar directamente os Estados, realizar referendos vinculatórios para todos os tratados e acordos comunitários relevantes, encerrar as bases militares gregas e sair da NATO, entre outras medidas.

O partido antieuropeu italiano começou com um discurso contra os privilegiados, mas recusou, igualmente, as políticas de ajuste impostas pela UE. O M5E parecia um fenómeno passageiro, mas cresceu ao ritmo da raiva e impotência que geram as medidas de ajuste e incerteza face aos altos níveis de desemprego. O M5E propõe dar um subsídio por desemprego e um rendimento mínimo de cidadania, sendo contra a concessão da nacionalidade aos filhos de estrangeiros que nasçam em território italiano.

A Espanha vive envergonhada a experiência do “Partido Popular (PP na sigla em língua espanhola) ”, ainda que restabelecida do espanto, quando em Maio de 2011, de forma repentina e sem qualquer aviso ou explicação, o ex-presidente do governo espanhol e ex-líder do “Partido Socialista Operário Espanhol, (PSOE na sigla em língua espanhola)” decidiu aplicar um brutal plano de ajuste ultraliberal que era o oposto do ADN do socialismo.

A bandeira antieuropeia é levada pelo “Partido dos Verdadeiros Finlandeses”, nacionalista e eurocéptico fundado em 1995. O “Partido dos Verdadeiros Finlandeses” é a terceira força política da Finlândia, fazendo parte conjuntamente com o “Partido do Centro” e “Partido da Coligação Nacional” da coligação governativa. O “Movimento por uma Hungria Melhor (Jobbik na sigla em língua húngara)”, é um partido político nacionalista e de ultra direita, criado em 2003. É a terceira força política da Hungria. Foi o único partido político a opor-se abertamente à entrada na EU, expressando-se sob o lema de “Hungria: Possível, Orgulhosa, Independente”.

O “Partido para a Liberdade (PVV na sigla em língua holandesa), na Holanda, criado em 2006, tem como programa político a limitação da imigração e a proibição de usar a burca, entre outras medidas. Em 2010 tornou-se na terceira força política do país, apoiando uma coligação com o “Partido Popular para a Liberdade e Democracia (VVD na sigla em língua holandesa) ”.

O PVV, retirou o apoio à coligação governamental, em 2012 e, nas eleições antecipadas de Setembro desse ano perdeu muitos votos. A possibilidade de sair da “Zona euro” é um dos pontos cardiais do programa político da “Frente Nacional”, em França, e da sua líder Marine Le Pen, que é a terceira força política do país, enquanto a “Frente de Esquerda” defende a reforma dos tratados e reclama medidas para o crescimento e o fim da receita de só rigor.

É de notar que desde que explodiu a actual crise financeira e económica na Europa, em 2008, estamos a assistir a uma multiplicação dos movimentos de protesto dos cidadãos. Os cidadãos dos países mais afectados, como a Irlanda, Grécia, Portugal e Espanha civicamente decidiram por apoiar, pela concessão dos seus votos, a oposição, pensando que esta contribuiria para uma mudança de política que onde existisse menos austeridade e menos ajustes.

Quando todos estes países mudaram de Governo, passando da esquerda ou centro-esquerda para a direita ou centro-direita, a estupefacção foi completa, dado que os novos Governos conservadores radicalizaram, ainda mais, as políticas restritivas e exigiram mais sacrifícios, mais sangue e mais lágrimas aos cidadãos. Foi quando começaram os protestos, sobretudo, porque os cidadãos têm diante dos seus olhos, os exemplos de dois protestos com sucesso, a do povo unido na Islândia e a dos contestatários que derrubaram as ditaduras na Tunísia e no Egipto.

As redes sociais estão a facilitar formas de organização espontânea das massas sem necessidade de líder, organização política, nem de programa. A realidade e as circunstâncias permitiam que em Maio de 2011, os espanhóis indignados, servissem de exemplo a ser imitado de uma forma ou outra por toda a Europa do Sul. Os diversos meios que classificam e analisam os partidos políticos de esquerda têm a ideia de que esses movimentos e as maiorias exasperadas, muito pouco têm de esquerda. Não se pode esquecer, que estes partidos estão comprometidos com a mesma política conservadora, tendo sido os primeiros a aplicar, sem anestesia.

A indignação social não pode ser comparada à de Maio de 1968, pois nesse momento existia uma crise que sabemos ter sido menos política que cultural, contra um país em expansão (nascimento da sociedade de consumo, crescimento elevado, pleno emprego), que continuava a ser profundamente conservador e até arcaico em matéria de costumes, como o ‘’Movimento 15M, Indignados”, que é o reflexo da queda geral de todas as instituições (Coroa, justiça, Governo, oposição, Igreja, autonomias). As repercussões sociais do cataclismo económico europeu são de uma brutalidade inédita, com vinte e três milhões e trezentos e quarenta e oito mil desempregados em 30 de Junho de 2015 e cento e trinta e três milhões de pobres.

Os jovens são as principais vítimas, e de Madrid a Londres e Atenas, de Nicósia a Roma, uma onda de indignação alça à juventude. Adicione-se, ademais, que as classes médias também estão assustadas, porque o modelo neoliberal de crescimento as está a abandonar a meio do caminho, e fala-se cada vez mais, em voz alta, de desglobalização e de decrescimento. O pêndulo tinha ido demasiado longe na direcção neoliberal e presentemente poderá ir na direcção contrária. Parece ter chegado o momento de reinventar a política e o mundo.

As sociedades dos países da Europa do Sul inclinaram-se para um sentimento anti-alemão, uma vez que a Alemanha, sem que ninguém lhe tivesse dado esse direito, autoproclamou-se líder da EU, elaborando um programa de sadismo económico. A Europa é para milhões de cidadãos, sinónimo de castigo e sofrimento, ou seja, uma utopia negativa. O fracasso da social-democracia explica-se pela sua participação na liquidação do Estado de bem-estar, que era a sua principal conquista e o seu grande sinal de identidade.

Assim se compreende o desapego de muitos cidadãos que esquecem a política abstendo-se, limitando-se a protestar ou a votar em pessoas como o líder do M5E (que é uma maneira de preferir um palhaço autêntico em lugar das suas hipócritas cópias). Decidiram votar na extrema-direita, que sobe espectacularmente em muitos países, ou em menor grau, optar pela extrema-esquerda, que encarna o único discurso progressista audível.

Assim, estavam também na América do Sul há pouco mais de uma década, quando os protestos derrubavam governos democraticamente eleitos na Argentina, Bolívia, Equador e Peru, que aplicavam com fúria as erradas políticas ditadas pelo FMI, até que os movimentos sociais de protesto convergiram numa geração de novos líderes políticos, que mesmo não sendo flores de agradável aroma, conseguiram canalizar a poderosa energia transformadora e a conduziram para fazer os cidadãos votarem em programas de refundação política (constituinte), de reconquista económica (nacionalizações, keynesianismo) e de regeneração social.

Observa-se, nesse sentido, como a uma Europa desorientada e grogue, a América do Sul indica-lhe o caminho. Adentro das entranhas do euro, há quem proclame terminar com esta moeda catastrófica, face a uma situação económica que piora mês após mês e a um nível de desemprego que põe a juízo as estruturas democráticas. Alexis Tsipras, em Dezembro de 2012, jovem político líder da esquerda em campanha presidencial, visitou o Brasil e a Argentina e afirmou na altura que a Grécia não podia deixar de percorrer o mesmo caminho que a Argentina.

A menos de setenta e duas horas passadas de expirar o prazo para chegar a um acordo com seus credores, a ténue possibilidade que ainda existia caiu com a notícia de um surpreso referendo convocado pelo Parlamento para que o povo expresse sua opinião. As imagens que se viram a 27 de Junho de 2015 frente à sucursal fechada do Piraeus Bank, em Atenas, mostram um acontecimento parecido com o que ocorreu na Argentina em 2001, ou seja, uma longa fila de gente à espera da abertura do banco para retirar os seus depósitos. Mas o banco não abriu.

O resgate da UE expirou a 30 de Junho de 2015 e o país ficou sem dinheiro para fazer face ao vencimento de uma quota da sua dívida, de 1.500 milhões de euros para com o FMI. O país entrou em “default” e não tem dinheiro para pagar salários e estão suspensos os empréstimos de emergência do Banco Central Europeu que mantiveram vivo o sistema bancário do país. Muitos bancos entrarão em falência. As pessoas têm conhecimento da situação e apressam-se a recuperar o que depositaram nesses bancos.

A Argentina encontrou a solução desvalorizando a sua moeda e terminou com a conversibilidade de um peso ser igual a um dólar. Depois ofereceu aos credores uma redução de 70 por cento da dívida contraída. Muitos aceitaram, e um pequeno grupo não o fez. É o famoso grupo denominado de “holdouts”. A Grécia não pode usar essa estratégia, dado pertencer à “Zona euro”, que significa que essa moeda tem o mesmo valor em todos os países que a integram.

A desvalorização é impossível neste caso. Se os credores não aceitarem o acordo, a Grécia, tem de baixar o salário aos aposentados, uma fasquia que não se atreverá a ultrapassar. A questão é outra. Que irá fazer a Grécia, pois a decisão não se encontra mais nas mãos do governo? É o povo que vai decidir, mediante referendo suportado pelo Parlamento, se aceita ou não as medidas de austeridade impostas pelos credores europeus.

O resultado pode ser uma surpresa para muitos, especialmente para o combativo SYRIZA. Quiçá, chegada a hora da verdade, os gregos prefiram não abandonar a UE nem o euro. À última hora de 28 de Junho de 2015, a Grécia decidiu fechar os seus bancos e impor controlos ao capital para impedir o caos financeiro quando se tornou evidente a ruptura definitiva das negociações com os seus credores internacionais. A drástica medida tomou o governo, quando a Grécia se foi aproximando cada vez mais da sua saída do sistema de moeda única europeia, e que porá a “Zona euro” face a uma ruptura nunca ensaiada e prevista, desde a sua criação em 1999, se tal vier a acontecer, e que em nada beneficiará a Grécia e a UE de momento, pese os conselhos do outro lado do Atlântico formulados por Paul Krugman e Joseph Stiglitz.

Se a Grécia sair, e acreditamos no bom senso dos políticos e num acordo “in extremis”, será o fracasso da UE. A teoria afirma que a UE conformaria um corpo que deixaria atrás as tragédias das guerras e do fascismo. Os países uniram-se para reforçar a democracia, o império da lei e o repúdio aos nacionalismos. Quando em 1974 caiu a junta militar na Grécia, esse pequeno país converteu-se numa espécie de pioneiro de um novo modelo para Europa, e simultaneamente solicitou a sua inclusão na UE.

O modelo grego de consolidação democrática expandiu-se pelo continente e arrastou consigo outros países à união, reforçando a integração. A Grécia foi, para a Europa, uma ferramenta de difusão da estabilidade e democracia pelo continente. A UE não pode permitir que a Grécia se converta no emblema da sua desintegração. A actual crise pode levar que o país abandone o euro e, depois talvez, também a mesma UE. Isso debilitaria a proposta fundamental da UE, o da união ao clube europeu ser a garantia de prosperidade, estabilidade e coesão.

6 Jul 2015

A escandalosa política grega da Europa

* Por Jurgen Habermas

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap]resultado das eleições na Grécia exprime a escolha de uma nação onde uma grande maioria da população se colocou numa posição defensiva face à miséria social, tão humilhante como esmagadora, provocada por uma política de austeridade, imposta ao país a partir do exterior. A votação propriamente dita não permite nenhum subterfúgio: a população rejeitou a continuação de uma política cujo falhanço sofreu brutalmente, na sua própria carne. Com a força desta legitimação democrática, o governo grego tentou provocar uma mudança de política na zona euro. Ao fazê-lo, entrou em choque com os representantes de dezoito outros governos que justificam recusas referindo-se, friamente, ao seu próprio mandato democrático.
Lembramo-nos dos primeiros encontros em que noviços arrogantes, levados pela exaltação do triunfo, se entregavam a um torneio ridículo com pessoas bem instaladas, que reagiam umas vezes com gestos paternalistas de um bom tio e outras com uma espécie de desdém rotineiro: cada uma das partes gabava-se de desfrutar do poder conferido pelo seu respectivo «povo» e repetia o refrão como papagaios. Foi ao descobrir até que ponto a reflexão que então faziam, e que se baseava no quadro do Estado-nação, era involuntariamente cómica, que toda a opinião pública europeia percebeu o que realmente fazia falta: uma perspectiva que permitisse a constituição de uma vontade política comum dos cidadãos, capaz de colocar no centro da Europa marcos políticos com consequências reais. Mas o véu que escondia esse deficit institucional ainda não foi realmente rasgado.
A eleição grega introduziu grãos de areia na engrenagem de Bruxelas: foram os próprios cidadãos que decidiram a necessidade urgente de propor uma política europeia alternativa. Mas é verdade que, noutras paragens, os representantes dos governos tomam decisões entre eles, segundo métodos tecnocráticos, e evitam infligir às suas opiniões públicas nacionais temas que possam inquietá-las.
Se as negociações para um compromisso falharem em Bruxelas, será certamente sobretudo porque os dois lados não atribuem a esterilidade dos debates ao vício na construção dos procedimentos e das instituições, mas sim ao mau comportamento do parceiro. Não há dúvida de que a questão de fundo é a obstinação com que se agarra uma política de austeridade, que é cada vez mais criticada nos meios científicos internacionais e que teve consequências bárbaras na Grécia, onde se concretizou num fracasso óbvio.
No conflito de base, o facto de uma das partes querer provocar uma mudança desta política, enquanto a outra se recusa obstinadamente a envolver-se em qualquer espécie de negociação política, revela, no entanto, uma assimetria mais profunda. Há que compreender o que esta recusa tem de chocante, e mesmo de escandaloso. O compromisso não falha por causa de alguns milhares de milhões a mais ou a menos, nem mesmo por uma ou outra cláusula de um caderno de encargos, mas unicamente por uma reivindicação: os gregos pedem que seja permitido à sua economia e a uma população explorada por elites corruptas que tenham um novo começo, apagando uma parte do passivo – ou tomando uma medida equivalente como, por exemplo, uma moratória da dívida cuja duração dependesse do crescimento. Em vez disso, os credores continuam a exigir o reconhecimento de uma montanha de dívidas, que a economia grega nunca poderá pagar.
Note-se que ninguém contesta que uma supressão parcial da dívida é inevitável, a curto ou a longo prazo. Os credores continuam, portanto, com pleno conhecimento dos factos, a exigir o reconhecimento formal de um passivo cujo peso é, na prática, impossível de carregar. Até há pouco tempo, persistiam mesmo em defender a exigência, literalmente fantasmagórica, de um excedente primário de mais de 4%. É verdade que este passou para o nível de 1%, mas continua irrealista. Até agora, foi impossível chegar a um acordo – do qual depende o destino da União Europeia – porque os credores exigem que se mantenha uma ficção.
Claro que os «países credores» têm motivos políticos para se agarrarem a esta ficção que permite, no curto prazo, que se adie uma decisão desagradável. Por exemplo, temem um efeito dominó em outros «países devedores» e Angela Merkel não está segura da sua própria maioria no Bísesundestag. Mas quando se conduz uma má política, é-se obrigado a revê-la, de uma forma ou de outra, se se percebe que ela é contra-produtiva.
Por outro lado, não se pode atirar com toda a culpa da um falhanço para cima de uma das duas partes. Não posso dizer se o processo táctico do governo grego se baseia numa estratégia reflectida, nem ajuizar sobre aquilo que, nesta atitude, tem origem em constrangimentos políticos, inexperiência ou incompetência do pessoal encarregado dos assuntos. Não tenho informação suficiente sobre as práticas habituais ou sobre as estruturas sociais que se opõem às reformas possíveis.
O que é óbvio, seja como for, é que os Wittelsbach não construíram um Estado que funcione. Mas estas circunstâncias difíceis não podem no entanto explicar por que motivo o governo grego complica tanto a tarefa dos que tentam, mesmo sendo seus apoiantes, discernir uma linha no seu comportamento errático. Não se vê nenhuma tentativa racional de formar alianças; é caso para perguntar se os nacionalistas de esquerda não se apegam a uma representação um tanto etnocêntrica da solidariedade, se só permanecem na zona euro por razões que relevam do simples bom senso – ou se a sua perspectiva excede, apesar de tudo, o âmbito do Estado-nação.
A exigência para uma corte parcial das dívidas, que constitui a base contínua das suas negociações, não é suficiente para que a outra parte tenha pelo menos confiança para acreditar que o novo governo não é como os anteriores e que agirá com mais energia e de forma mais responsável do que os governos clientelistas que substituiu.

Mistura tóxica

Alexis Tsipras e o Syriza podiam ter desenvolvido o programa de reformas de um governo de esquerda e «ridicularizar» e os seus parceiros de negociações em Bruxelas e em Berlim. Amartya Sen comparou as políticas de austeridade impostas pelo governo alemão a um medicamento que contivesse uma mistura tóxica de antibióticos e de veneno para matar ratos. O governo de esquerda teria tido perfeitamente a possibilidade, na linha do que entendia o Prémio Nobel de Economia, de proceder a uma decomposição keynesiana da mistura de Merkel e de rejeitar sistematicamente todas as exigências neoliberais; mas, ao mesmo tempo, devia ter tornado credível a intenção de lançar a modernização de um Estado e de uma economia (de que tanto precisam), de procurar uma melhor distribuição dos custos, de combater a corrupção e a fraude fiscal, etc.
Em vez disso, ele limitou-se a um papel de moralizador – um blame game. Dadas as circunstâncias, isto permitiu que o governo alemão afastasse, de uma penada, com a robustez da Nova Alemanha, a queixa justificada da Grécia sobre o comportamento mais inteligente, mas indigno, que o governo de Kohl teve no início dos anos 90.
O fraco exercício do governo grego não altera o escândalo: os homens políticos de Bruxelas e de Berlim recusam assumir o papel de homens políticos quando se reúnem com os seus colegas atenienses. Têm certamente boa aparência, mas, quando falam, fazem-no unicamente na sua função económica, como credores. Faz sentido que se transformem assim em zombies: é preciso dar ao processo tardio de insolvência de um Estado a aparência de um processo apolítico, susceptível de se tornar objecto de um procedimento de direito privado nos tribunais. Uma vez conseguido este objectivo, é muito mais fácil negar uma co-responsabilidade política. A nossa imprensa diverte-se porque se rebaptizou a «troika» – trata-se, efectivamente, de uma espécie de truque de mágico. Mas o que ele exprime é o desejo legítimo de ver surgir a cara de políticos atrás das máscaras de financeiros. Porque este papel é o único no qual eles podem ter de prestar contas por um falhanço que se traduziu numa grande quantidade de existências estragadas, miséria social e desespero.

Intransigência



Para levar por diante as suas duvidosas operações de socorro, Angela Merkel, meteu o Fundo Monetário Internacional no barco. Este organismo tem competência para tratar do mau funcionamento do sistema financeiro internacional. Como terapeuta, garante a estabilidade e age portanto em função do interesse geral dos investidores, em especial dos investidores institucionais. Como membros da «troika», as instituições europeias alinharam com esse actor, a tal ponto que os políticos, na medida em que actuam nessa função, podem refugiar-se no papel de agentes que operam no estrito respeito das regras e a quem não é possível pedir contas.
Esta dissolução da política na conformidade com os mercados pode talvez explicar a insolência com a qual os representantes do governo alemão, que são pessoas de elevada moralidade, negam a co-responsabilidade política nas consequências sociais devastadoras que no entanto aceitaram como líderes de opinião no Conselho Europeu, quando impuseram o programa neoliberal para as economias.
O escândalo dos escândalos é a intransigência com a qual o governo alemão assume o seu papel de líder. A Alemanha deve o impulso que lhe permitiu ter a ascensão económica de que se alimenta ainda hoje à generosidade das nações de credores que, aquando do acordo de Londres, em 1954, eliminaram com um simples traço cerca de metade das suas dívidas.
Mas o essencial não é o embaraço moral, mas sim o testemunho político: as elites políticas da Europa já não têm o direito de se esconder atrás dos seus eleitores e de fugirem a alternativas perante as quais nos coloca uma comunidade monetária politicamente inacabada. São os cidadãos, não os banqueiros, que devem ter a última palavra sobre questões que dizem respeito ao destino europeu.
A sonolência pós-democrática da opinião pública deve-se também ao facto de a imprensa se ter inclinado para um jornalismo de «enquadramento», que avança de mão dada com a classe política e se preocupa com o bem-estar dos seus clientes.

2 Jul 2015

Grécia: o fracasso europeu

[dropcap style=’circle’]D[/dropcap]epois de semanas de intensas negociações o diálogo Grécia-Eurogrupo à volta da dívida grega fracassou. De várias proveniências choveram acusações de responsabilidade pelo insucesso. Formaram-se, entretanto, dois blocos distintos que cavaram trincheiras e preparam-se paras novas ondas de assalto como se a discussão à volta do incumprimento de uma dívida de um estado soberano fosse uma guerra, com munições, salvas de artilharia, ataques aéreos e congeminações com aliados de ocasião. Quer uns quer outros estão errados pois a crise grega não está delimitada. Sobre ela assenta a saúde do sistema financeiro europeu, a credibilidade da Europa como identidade, a sorte do Eurogrupo e a possibilidade, nas próximas décadas, de um alargamento a sudeste ao espaço da antiga Jugoslávia e à Turquia. É isto que os governos do centro-direita e os seus aliados socialistas não compreenderam.

Vamos por partes. Comecemos pelo bloco anti-Syrisa que condena, em uníssono, a posição da Grécia e a decisão aprovada pelo parlamento de convocação do referendo para dia 5 de Julho. Cruzam-se no arsenal de críticas a Atenas argumentos económicos, políticos e tiros no escuro. Comecemos pelos primeiros. A dívida foi contraída por vários governos gregos e tem de ser liquidada, pois a Grécia assumiu por escrito a responsabilidade de a liquidar, em determinadas tranches e datas. O país depende do financiamento do sistema bancário e este alimenta-se do refinanciamento da banca internacional e em certas condições do Banco Central Europeu. A Grécia – se quiser sobreviver – tem de aceitar a oferta dos credores: o problema grego é económico e nada tem de político. Depois os argumentos políticos. A negociação do Syrisa foi irresponsável, Tsipras é um socialista radical que quer o fim do Eurogrupo e, a prazo, da União Europeia. O referendo grego é inútil. Finalmente, os argumentos de ‘wishful thinking’: a Grécia vai ser forçada a sair do Eurogrupo. A Grécia não tem mais trunfos, vai ajoelhar.

Passemos ao bloco pró-Syrisa que apoia, com algumas nuances, a posição e estratégia de Tsipras. Os argumentos económicos, a começar: a proposta grega foi legítima e razoável; representa uma evolução séria desde o começo das negociações. Não é sustentável uma política de austeridade que penalize os estratos mais débeis da população como a evolução do caso grego demonstra. Depois os políticos: um país não pode ser obrigado a pagar uma dívida em condições que não pode suportar. A negociação foi conduzida de forma construtiva e Tsipras negociou com pragmatismo. A Europa é que perde com a saída da Grécia do Eurogrupo. Finalmente os argumentos de ‘wishful thinking’: a Grécia não está nas mãos dos credores e há fontes de financiamento alternativas (China, Rússia, no limite os Estados Unidos, parceiro na NATO). A Grécia pode encarar a saída do Eurogrupo sem problemas de maior desde que tenha a confiança do povo grego. O referendo de domingo irá reforçar a legitimidade do Syrisa.

A política europeia, como a política internacional, não é um jogo de soma nula, em que uns ganham e outros perdem. É normalmente um jogo em que alguns perdem alguma coisa e outros ganham alguma coisa. Tem sido, assim, desde a criação das Comunidades Europeias, passando pela fundação da União, os sucessivos alargamentos e a Convenção sobre o Futuro da Europa. Por uma razão intuitiva, embora esquecida muitas vezes: a União Europeia é uma construção de interesses contraditórios mas não é uma inevitabilidade, uma realidade sine qua non. Quer dizer, no momento em que os países que formaram a União não a quiserem, os estados-membros regressam ao estado anterior à confederação. Com custos significativos mas não constituindo uma impossibilidade. Apenas não aconteceu até agora.

[quote_box_left]A Europa não precisa de arautos da desgraça. Precisa de líderes realistas que ajudem a construir uma solução plausível que compatibilize as obrigações financeiras tomadas pelas Estados e a salvaguarda da sua dignidade e condições de sobrevivência[/quote_box_left]

A dívida grega é de 315 mil milhões de euros, o que corresponde a 176% do PIB, o que quer dizer que a dívida é uma vez e meia o que o país produz num ano e esse valor tende a agravar-se com os encargos da dívida (4.3% do PIB). A situação é insustentável no médio prazo – nenhum país conseguiu estar muito tempo numa situação de endividamento crónico, porque o funcionamento da economia exige financiamento e este advém dos bancos, refinanciados pelo sistema bancário internacional. Ninguém empresta dinheiro se não tiver uma probabilidade razoável de o reaver, num curto espaço de tempo. A Grécia não é contudo o único país devedor da coalizão Comissão Europeia-FMI- Banco Central Europeu. Portugal tem uma dívida de 215 mil milhões de euros, o que equivale a 131.4% do PIB. A Itália tem uma dívida correspondente a 132%. Também a França com 93.6% e a Alemanha com 74% dos respectivos PIB têm dívidas nacionais significativas.

Dia 30 de Junho venceu-se o programa de assistência de emergência já que a Grécia deveria ter entregue 1600 milhões de euros ao FMI, entrando, assim, em ‘default’, isto é, em mora de cumprimento. Nessa data venceu-se, também, o resgate da União Europeia quanto ao empréstimo concedido. A única possibilidade de ser desbloqueada uma nova injecção de 7200 milhões de euros, indispensável à economia grega, era ter sido aceite a proposta final do Eurogrupo que exige compromissos no corte das pensões, o congelamento do salário mínimo, a subida do IVA, a eliminação da sobretaxa sobre as empresas (e grandes fortunas) proposta pelo governo grego, o corte das despesas militares. Com a suspensão das negociações com o Eurogrupo e os países (credores individuais) a situação ficou num ‘stand still’, num impasse. Na verdade, o sistema financeiro não tem mecanismo para executar um país por dívidas acumuladas – não existe a hipoteca de países. Mas tem uma arma letal importante: o torniquete do financiamento. Naturalmente, num dado tempo os países nessa situação podem emitir moeda para financiar a sua economia. Mas no sistema monetário europeu esse poder está atribuído, em exclusividade ao Banco Central Europeu, que já disse que não coopera.

O que coloca a Grécia numa encruzilha de três caminhos. Primeiro caminho: regressar à mesa de negociações se o povo grego por exemplo disser ‘não’ à posição do governo do Syrisa de recusar o acordo proposto pelo Eurogrupo. Segundo caminho: obter financiamento de urgência por parte de terceiros, se o referendo lhe for favorável. É o caso da China que já se ofereceu para ajudar o país mas não disse ‘quanto’ e em que condições. Ocupando já uma posição proeminente no porto do Pireu por via da COSCO, a empresa estatal, a China pode subir a parada, disponibilizando o referido valor de 7200 milhões de euros em troca do reforço da posição accionista no porto. O porto dar-lhe-ia o acesso ao norte do Mediterrâneo e ao estratégico canal do Suez; a partir daí ‘atacaria’ o mercado europeu. Terceiro caminho: sair do Eurogrupo, voltar a cunhar dracmas e condicionar todas as decisões europeias que a nível do Conselho Europeu exijam a unanimidade dos 28 estados-membros (e que são o essencial de política externa e da governabilidade económica da União). Esta é uma verdadeira bomba atómica, pois paralisaria o funcionamento da União Europeia e empurraria a Grécia para fora da NATO. Mas essa saída nunca será permitida pelos Estados Unidos para quem a Grécia é indispensável na insegura fronteira do sudeste da Aliança Atlântica perante a ameaça da Rússia e a irresolução estratégica da Turquia. Ficam assim as duas primeiras opções.

Quer dizer de repente uma questão económica transformou-se num resfriado estratégico para o Ocidente e a aliança Estados Unidos-Europa. As próximas semanas serão decisivas para a Grécia mas também para a União Económica e Monetária. A Europa não precisa de arautos da desgraça. Precisa de líderes realistas que ajudem a construir uma solução plausível que compatibilize as obrigações financeiras tomadas pelas Estados e a salvaguarda da sua dignidade e condições de sobrevivência. Talvez seja esse o papel reservado à Alemanha.

30 Jun 2015

A vergonha acabou

bancos[dropcap style=’circle’]N[/dropcap]ão aceitar que a dívida soberana dos Estado é, antes de mais, uma dívida dos bancos privados, que esses mesmos estados tiveram de resgatar, é querer tapar o sol com a peneira. E, de facto, é isso mesmo que a propaganda oficial europeia anda a fazer há muito tempo, estribada na imprensa neo-liberal, ela própria nas mãos de interesses financeiros: tentar atribuir as culpas da crise às pessoas, ao facto de terem gasto acima das suas possibilidades, quando é o sistema financeiro o principal responsável pelo estado atroz do sítio.

As falácias são muitas. O desejo dos senhores do Eurogrupo e do FMI seria manter alguns povos europeus na situação de eternos devedores, ou seja, fazer de tal modo que as crianças nascidas em 2050 ainda estariam vinculadas a pagar esta dívida que é, nas condições exigidas pelas troikas, impagável. Quem pode aceitar este tipo de situação, para além dos nossos Passos Coelhos e Marias Luís? Quem pode vender o país aos pedaços, prescindir das pescas, da agricultura, da indústria e, sobretudo, de empresas públicas lucrativas? Ninguém com espinha vertebral e o mínimo de amor ao seu povo e aos seu país.

A questão hoje coloca-se, afinal, em saber quem manda na Europa: a economia ou a política? Manter a Grécia no Euro e na UE seria claramente uma decisão política, que faria com que os gregos não necessitassem de aproximações demasiado perigosas à Rússia de Putin ou mesmo à China. Levar a Grécia até à porta e aos repelões só pode ser uma decisão que não tem em conta os interesses geo-estratégicos, portanto derivada de quem unicamente equaciona o lucro como valor. O preço poderá ser no futuro muito mais alto.

Mas, quando olhamos para as notícias, é-nos realmente difícil vislumbrar políticos, homens de causas, de paixões, de ideais. Vemos uns serventes do sistema financeiro, encolhidos nos seus fatos, a seguir atentivamente as boutades da senhora Lagarde ou do senhor Schaulbe. Não surge ninguém com a autoridade e a força moral capazes de libertar a Europa do espartilho bancário, desta sangria de gente, desta desonra inaceitável.

Sem política, a Europa torna-se num mero mecanismo de favorecimentos financeiros, como o Tratado de Lisboa (artigo 123) plenamente demonstra. O que mais me admira é os seus mentores darem palmadas nas costas uns dos outros, como Sócrates e Barroso, sem nunca demonstrarem um pingo de vergonha. Esta, ao que parece, acabou.

29 Jun 2015