Rui Flores VozesDijsselbloem não fez Erasmus [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]s declarações infelizes sobre os países do sul da Europa proferidas pelo presidente do Eurogrupo, Jeroen Dijsselbloem, a poucos dias da cimeira de Roma, mostram que as divisões no interior da União Europeia (UE) continuam tão vivas, agora, 60 anos após a assinatura dos Tratados de Roma, como quando a Comunidade Económica Europeia foi estabelecida. Os líderes de 27 dos 28 países da União Europeia – o Reino Unido já não faz parte da festa – acorreram a Roma, no sábado passado, para assinalar as virtudes de um projecto que levou a paz e a prosperidade à Europa por um período e a níveis nunca antes vistos. Ainda assim, diferenças, desconfianças e preconceitos continuam a marcar os povos da Europa. No caso em concreto, em que Dijsselbloem acusou os povos dos países que têm recebido apoio internacional às suas depauperadas economias, de não fazerem um esforço sério de consolidação das suas finanças, e de gastarem parte desse apoio internacional em bebida e mulheres, expressa uma visão comum entre alguns povos da Europa. Se se quiser, é como se Dijsselbloem tivesse verbalizado o que muitos europeus do norte pensam. Há uma divisão profundamente marcada entre os povos do norte da Europa e os do sul da Europa. Essa divisão norte-sul afecta muito o modo de nos vermos uns aos outros. E mesmo quando um político experiente dá uma entrevista acaba por saltar à vista. É como a parte de cima do leite-creme queimado, tão apreciado no sul da Europa. Estala com facilidade. A UE representa hoje para 27 países europeus uma conjugação de interesses, baseada em objectivos comuns, de valores idênticos e princípios semelhantes. Cooperação pacífica, respeito pela dignidade humana, liberdade, democracia, igualdade, solidariedade são a espinha dorsal desta união. São estes valores – a par da economia de mercado – que fizeram da União o que ela é hoje: o maior mercado do mundo, onde pessoas, bens, serviços e capitais circulam livremente. Um espaço de liberdade, onde o respeito pelos direitos humanos, solidariedade e igualdade, são, não obstante algumas dificuldades de percurso, uma realidade. Apesar de tudo aquilo que a UE e os povos europeus alcançaram – e, convém sempre sublinhá-lo, não foi pouco – as diferenças culturais são ainda hoje profundas. É um facto que o programa Erasmus e a sua nova versão, o Erasmus+, tem contribuído para um certo esbatimento das diferenças. É talvez o programa da UE que mais tem feito para aproximar os diversos povos europeus. O intercâmbio de alunos por toda a Europa evidenciou o que temos em comum. Mas as divergências persistem. Sobretudo em tempos, exponenciados por actos eleitorais, em que os povos têm de escolher entre diferentes opções. A opção por um ou outro caminho leva a que as pessoas mostrem a sua verdadeira natureza – veja-se o que acontece com o discurso fácil dos populistas. É certo que no caso de Dijsselbloem a campanha eleitoral já passou e o seu partido foi um dos mais penalizados pelos eleitores holandeses. Também isso deveria tê-lo feito ver a importância da tolerância democrática. As diferenças culturais são, pois, muito difíceis de ultrapassar. Um chinês que vai estudar para os Estados Unidos, por exemplo, não deixa de ser culturalmente chinês, ainda que coma ocasionalmente no McDonald’s. Quando sai de casa para jantar vai mais frequentemente aos restaurantes chineses do que aos estabelecimentos de comida ocidental. Usa pauzinhos às refeições, vive em bairros predominantemente chineses. Algo semelhante acontece, dê-se mais um exemplo, com a comunidade portuguesa de Macau. Aqui, continue-se a generalização, uma vasta maioria de portugueses só vai a restaurantes portugueses; lê todos os dias os jornais em língua portuguesa; não perde o “jornal da Tarde” da RTPi; aplica no trabalho os valores que trouxe do outro lado do mundo e não os da comunidade de acolhimento. No caso da divisão norte-sul europeia, essas diferenças culturais têm ainda uma componente religiosa muito marcada. O norte europeu é protestante; o sul é católico. E a religião, como sabemos, imiscui-se em tudo. As diferenças não são, pois, meramente indicativas. São operativas. Formatam-nos. Nós construímos a nossa identidade por oposição aos outros. Eu sou aquilo que o outro, à minha frente, meu vizinho, não é. Os da minha tribo não fazem aquilo que os das outras fazem. Depois de a festa dos 60 anos de Roma, em que os líderes europeus voltaram a afirmar o seu empenho na unidade, o esforço principal que falta fazer para o avanço da Europa, agora formalmente a várias velocidades, é na “unidade” de que falava Donald Tusk. Essa unidade tem um nome: solidariedade. Uma solidariedade que passa por tratar as diferenças culturais não como um factor de afastamento mas de diversidade.
Rui Flores VozesPorta fechada [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] recente aumento de tensão entre a União Europeia e a Turquia, a propósito de acções de campanha que alguns ministros de Erdogan queriam efectuar junto de comunidades turcas na Alemanha, Áustria e Holanda, e que foram travadas pelos governos europeus, veio pôr em evidência a impossibilidade de um acordo de adesão da Turquia à União Europeia. Isso ficou ainda mais acentuado, quando, neste fim-de-semana, o governo alemão autorizou uma manifestação de curdos anti-Erdogan em Frankfurt. O tom da retaliação de Ancara, que acusou os governos de Berlim, Haia e Viena de nazismo, é um sinal de que, nem no curto nem no médio prazos, o processo negocial sofrerá avanços. Desde que a Turquia requereu formalmente a entrada na União Europeia, em 1987, e a União Europeia lhe permitiu adquirir o estatuto de país-candidato, pouco ou nada tem avançado. É um facto que a União e Ancara estabeleceram um acordo aduaneiro, que está em vigor desde 1995. Mas dos 16 dossiers abertos (de um total de 33!) sobre as matérias respeitantes ao processo de adesão, as áreas de trabalho nas quais a Turquia teria de se aproximar aos padrões europeus para ser aceite no clube dos 28, apenas um chegou a bom porto. A questão dos direitos humanos, das liberdades fundamentais e da qualidade da democracia, sofreram um enorme revés com o golpe de estado do ano passado. A tentativa de golpe de 15 de Julho de 2016, abortada no dia seguinte, fez 241 mortos e perto de 2200 feridos, segundo os dados oficiais, e foi atribuída pelas autoridades ao movimento Fethullah Gülen. Gülen é um antigo imã, que se encontra radicado nos Estados Unidos, e que preside a uma rede global de escolas turcas. É considerado por alguns como “um dos rostos mais encorajadores do Islão hoje em dia” – escreveu-o, por exemplo, no Huffington Post, Graham Fuller, um destacado dirigente do National Intelligence Council norte-americano, um think tank que apoia as agências de informação americanas, com análise e tendências. É evidente que esta visão das coisas olha para o Islão como algo que deve ser dividido entre o radical e o moderado. A tentativa de golpe de estado e tudo o que se seguiu seriam episódios de um conflito interno turco, de uma aparente divisão transversal da sociedade entre duas forças antagónicas: de um lado, encontrar-se-ia uma visão mais liberal do Estado e, do outro, estaria uma visão mais autoritária da causa pública. Com os desvios autoritários de Erdogan cada vez mais visíveis – a Freedom House coloca a democracia turca no grupo de países “parcialmente livres”, que tem, no entanto, uma imprensa “não livre” –, Güllen, sob protecção norte-americana (assim decreta a narrativa turca oficial), estaria a travar uma luta com Erdogan. Segundo alguns autores, acima de tudo, isto seria um ataque ao chamado “modelo de governo turco”, que combina o Islão com democracia e economia de mercado (um modelo que estaria na base das genericamente falhadas primaveras árabes). A resposta de Erdogan aos eventos do ano passado não deixa, de facto, dúvidas sobre o caminho que quer trilhar o presidente turco: a União Europeia, no seu relatório anual sobre a Turquia, publicado no final de Setembro, indica que a purga conduzida pelo presidente turco levou à detenção de cerca de 40 mil pessoas, 31 mil das quais permanecerão presas, incluindo 81 jornalistas. Na administração do Estado, 66 mil funcionários públicos continuavam suspensos e 63 mil tinham sido despedidos. Mais de 4.000 instituições e empresas foram encerradas e os seus bens apreendidos ou transferidos para instituições públicas. A tentativa de purga chegou mesmo à Europa, com Ancara a pedir a vários Estados-membros da União Europeia o encerramento de escolas ou instituições alegadamente ligadas ao movimento Gülen. Neste contexto, há relatos de que membros da diáspora turca que vivem na Europa estão sob pressão para relatar outros membros destas comunidades. Tal como Putin, Erdogan tem demonstrado um certo apego ao poder. Está na chefia do Estado turco há apenas três anos, mas serviu como primeiro-ministro de 2003 a 2014, após três rotundas vitórias eleitorais à frente do Partido da Justiça e do Desenvolvimento, que criou em 2001. Mais do que a comparação em termos de estilo, deve salientar-se a aproximação entre os dois líderes políticos. Depois de a Turquia ter pedido desculpas por ter abatido um caça russo no âmbito do conflito sírio, as relações Ancara-Moscovo foram normalizadas um mês antes do golpe de estado; numa altura, em que os turcos criticavam fortemente os Estados Unidos, seu aliado da NATO, pela falta de assistência na luta contra as forças curdas na Síria. Com os desvios autoritários de Erdogan cada vez mais visíveis, consubstanciados pela consulta popular de 16 de Abril, não espanta que outros Estados-membros venham, nesta Europa de 2017, das posições extremadas e da cedência fácil ao populismo, juntar a sua à voz da Áustria, que, que na sequência da purga de Erdogan requereu o fim do processo de adesão da Turquia à União Europeia. Mesmo com a União Europeia a pagar à Turquia para manter nas suas fronteiras cerca de 3 milhões refugiados sírios nas suas fronteiras.
Hoje Macau China / ÁsiaEmpresas europeias denunciam favorecimento chinês às firmas locais [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] Câmara do Comércio da União Europeia (UE) na China denunciou ontem o favorecimento dado pelo Governo chinês às empresas locais, em prejuízo das firmas estrangeiras, no seu projecto de modernização da indústria nacional “Made in China 2025”. Num comunicado publicado na terça-feira, em Pequim, o grupo reclama um tratamento igual para todas as empresas, independentemente do país de origem, em cumprimento com a lei chinesa. A iniciativa “Made in China 2025” foi lançada em Maio de 2015 para potenciar o desenvolvimento de sectores considerados estratégicos pelas autoridades para o futuro da economia chinesa, como a robótica ou a biomedicina. Segundo a Câmara do Comércio, o plano de modernização da estrutura industrial da segunda maior economia do mundo supõe investimentos de centenas de milhões de euros. “O aparecimento (do conceito) de ‘inovação indígena’, em conjunto com referências à necessidade de alcançar a ‘auto-suficiência’ é particularmente importante”, lê-se no relatório. “Sugere que as políticas chinesas vão distorcer a paisagem competitiva a favor das firmas domésticas”, explica. A mesma nota denuncia que algumas empresas europeias tiveram “problemas” ao participarem naquele plano, como fabricantes de automóveis que produzem veículos movidos a “novas fontes de energia” e que foram pressionados para “ceder” tecnologia avançada, como condição para entrar no mercado chinês. Outras queixas O relatório advertiu ainda que os subsídios de Pequim ao sector da robótica “estão a contribuir para gerar excesso de capacidade” nos segmentos médio e baixo e que, para algumas firmas europeias do sector das tecnologias de informação, o acesso ao mercado chinês “se tornou ainda mais difícil”. A Câmara de Comércio da UE lamentou também que a implementação desta estratégia industrial não siga os princípios da economia de mercado e que os funcionários chineses tenham escolhidos eles mesmos os sectores que acreditam que vão conduzir a economia chinesa no futuro. No entanto, o grupo empresarial reconheceu que o plano “apresenta oportunidades atractivas para algumas empresas europeias” e que muitas destas se associaram com firmas locais para proporcionar componentes e tecnologia.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA agonia da Europa “Europe’s Economic and Monetary Union (EMU) today is like a house that was built over decades but only partially finished. When the storm hit, its walls and roof had to be stabilised quickly. It is now high time to reinforce its foundations and turn it into what EMU was meant to be: a place of prosperity based on balanced economic growth and price stability, a competitive social market economy, aiming at full employment and social progress. To achieve this, we will need to take further steps to complete EMU.” “Why Europe Will Run the 21st Century” – Mark Leonard [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] actual crise da União Europeia (UE) torna dolorosamente evidente que a sua história deve ser repensada, reformulada e reescrita. Está em jogo mais do que simplesmente fixar o registo do que foi realizado. Ao mesmo tempo, vasta e paroquialmente, a pesquisa existente sobre a UE não apenas define os parâmetros intelectuais actuais do seu objecto, mas fornece também a linguagem que dá forma à discussão, estabelecendo os contextos de formulação de políticas, orientação da acção política e abertura de novas fontes de legitimidade. Trata-se de um acontecimento que envolve duas causas especiais. A maior parte da literatura académica escrita sobre o assunto foi directa ou indirectamente financiada pela UE, pois durante a maior parte da sua vida, e mesmo até ao presente, foi também beneficiária da ideologia do europeísmo, ou seja, uma fé secular que é um agente ordenado do progresso humano. Os muitos estudiosos, comentaristas, variados especialistas, jornalistas e afins que passaram a maior parte das suas carreiras a fazer pesquisas na UE, são quase todos devotos do culto da Europa unida e para terem a certeza, podem muitas vezes ser críticos, e à luz dos acontecimentos actuais são mais do que anteriormente, mas apenas para melhor servir a causa. Os que ainda duvidam são indesejáveis. Tais hereges ainda têm de fazer sérias incursões no legado da erudição da UE. Os fabricantes e agitadores em Bruxelas têm estado, e ainda estão, por detrás da empreitada maciça do estabelecimento intelectual e de forma simbiótica a tirar proveito. O mesmo não pode ser dito para os restantes dos cidadãos europeus. O laço entre os pensadores e os praticantes deve ser quebrado se quiserem fazer um progresso real na reforma da UE e no tratamento do seu legado. É de recordar as três teorias influentes que têm sustentado a crença na UE como algo historicamente transcendental. Enquanto todas diferem fundamentalmente na interpretação do processo de integração, cada uma delas coloca um resultado teleológico semelhante, que é uma Europa Federal. Nenhuma delas tem muita aceitação. No entanto, um paradigma alternativo ainda não as substituiu. A mais antiga e proeminente entre tais abordagens conceptuais, é o funcionalismo, que sustenta que a integração europeia, uma vez posta em marcha, teria “efeitos secundários” que transportam de um sector económico ou político para outro, eventualmente permeando o corpo político. Poder-se-ia esperar que esse processo se movimentasse previsivelmente ao longo do tempo, mas nunca foi o caso. O progresso foi, na melhor das hipóteses, esporádico e, na pior ausente por prolongados períodos. O autor da teoria funcionalista, elaborada na década de 1950, é o cientista político Ernst Haas, que mais tarde a repudiou. As recentes tentativas de reavivamento, apesar de desesperadas não tiveram praticamente qualquer resultado positivo. A segunda teoria, o intergovernamentalismo liberal, foi desenvolvida por outro cientista político, Andrew Moravcsik, no final da década de 1990, explicando o processo de integração como o resultado de acordos ideais entre actores estatais, e pouco tem a dizer sobre como as instituições operam, e nada menciona sobre os seus possíveis fracassos. É contada uma história de sucesso, sendo difícil, à luz da actual situação da UE, levar a ideia a sério. A terceira abordagem reinante é um pouco diferente nas suas características. Tendo sido formulada no início da década de 1990 pelo historiador Alan Milward, sustenta que o processo de integração é entendido como um fortalecimento necessário e benéfico do Estado de bem-estar e tendo sido posteriormente elaborada, postula ainda, como as outras teorias que a UE não se vai transformar de uma ideia elitista em um projecto de massa. A ligação entre as duas teses de Milward e os contornos da história real da UE e as suas predecessoras é apenas incidental. A fé profunda, permanente, difundida e ferozmente defendida de que o processo de integração se concretizará numa Europa social-democrática unida é o que sustenta tais ideias. As convicções são difíceis de morrer. As três desgastadas teorias, em percepções erradas, que imploram correcção e qualquer inquisição sobre a história da UE não farão nenhuma presunção triunfalista. Ao invés, reavaliará o passado da UE num esforço para descobrir o que houve de errado, como poderá ser corrigido e o que poderá vir a seguir. É preciso, desde o início, ver o sujeito de fora para dentro, em vez de, como antes, de dentro para fora. O epifenómeno de forças históricas mais fortes, o crescimento e desenvolvimento da EU, ocorreu de forma exógena, por meio de motores internacionais de mudança, e intermitentemente por alterações nas relações de superpotência, e continuamente pela expansão aparentemente inexorável do comércio mundial, mediado por novos contextos económicos, políticos e organizacionais. Tal força, e não a UE, é a principal impulsionadora do processo de integração. A erosão gradual do poder inerente às instituições políticas nacionais e regionais, bem como a sua superação por mercados cada vez maiores e mais profundos, está intimamente relacionada com o fluxo crescente de importações e exportações. O crescimento do comércio internacional reflecte o desenvolvimento de uma interdependência cada vez mais densa e complicada entre os Estados e as instituições corporativas, dentro delas e entre os mercados e as instituições. A tendência constituiu e continua a representar uma ameaça crescente para os construtores burocráticos do sistema da UE que, colocados à defensiva, levantaram interesses políticos num esforço inútil para impedir a torrente. A Europa sofre com o resultado. Quanto aos argumentos, o original foi o cenário da Europa do pós-guerra, cujas características mais significativas foram o grande desenho americano, que trouxe o renascimento da Alemanha, bem como a Europa e a Guerra Fria. As razões seguintes resultaram da chamada mudança de regime monetário, ou seja, a desagregação na década de 1970 do sistema financeiro mundial de Bretton Woods, que havia sido criado nos últimos meses da Segunda Guerra Mundial e estava ancorada no padrão dólar-ouro. O colapso deste sistema deu início a uma era neoliberalista, bem como, regionalmente, à espada de dois gumes conhecida como o Acto Único Europeu de 1986. As suas sequelas tiveram como epílogo o mal concebido Tratado de Maastricht de 1992, que alegremente se comemora, o lançamento de um projecto constitucional imperfeito e a decisão fatal de adoptar o euro como moeda única. A revolução cibernética fornece o contexto para a actual crise na Europa, que conjuntamente com o renascimento da China e da Índia e o seu retorno ao desempenho de um papel cimeiro na história mundial, apresenta imensos desafios técnicos e geopolíticos a uma UE debilitada por uma perda de autoridade, métodos de operação arcaicos e mau julgamento. A adaptação da UE às mudanças, por vezes, impõe respeito, mas muitas das vezes o oposto, sendo por um lado, um poderoso motor de potente melhoria, mas por outro lado profundamente falhado, produto tanto da tomada da decisão humana errada e desenho institucional e operacional. A história da UE não seguiu um curso prescrito nem foi moldada por um modelo único, ou mesmo vários deles. Sem uma constituição ou outro documento único de formação, mas sendo consequência de vários tratados e muitos entendimentos informais, não apresenta uma sólida estrutura. A complicar ainda mais a situação, a UE opera também de forma oportunista fora desses quadros, num terreno legal e institucional imaginário. O seu desenvolvimento pode ser caracterizado como tendo sido mutável, polimorfo e refractário. A UE, como organização, alterou-se com o passar do tempo, assumiu formas diferentes e adquiriu novas funções, mas continua a ser obstinada e resistente à mudança. Essa mesma falta de forma pode, paradoxalmente, ser uma fonte de força a longo prazo. A UE já se reconstruiu anteriormente e poderá voltar a fazê-lo. Os mecanismos operacionais da UE estão envoltos numa confusão semântica pelo que são desnecessárias complexidades e ineficiências. A explicação do funcionamento do mecanismo de Bruxelas deve, sempre que possível, evitar uma linguagem incompreensível, ser cauteloso com as relações públicas e considerar inaceitável a desculpa oficial de que o abuso de significado é a consequência inevitável do carácter “sui generis” do projecto da integração. A última hipótese é insustentável. A UE é uma organização internacional que, como outras foi criada num espírito utópico, estando sujeita às limitações da história e, portanto, falível. Ao avaliar os seus pontos fortes e fracos, não se deve apenas examinar a UE enquanto instituição, mas também os caminhos alternativos de desenvolvimento e o peso dos impactos. O seu lamentável estado actual não estava predeterminado, mas deve-se a uma história de pensamento mal-intencionado, atitudes nefastas, má formulação de políticas e inércia. A UE é produto de mentes e acções individuais, mas também de instituições dependentes, disfuncionais e ossificadas. Esse legado deve ser superado de alguma forma. A UE pode ainda não estar morta, mas padece de doença a caminhar para a fase terminal. A sua sobrevivência, como no passado, exige, no entanto, uma adaptação rigorosa e até mesmo dolorosa às poderosas forças globais de longo prazo que fazem progredir o mundo. A reforma futura pode implicar uma mudança de atribuição, reestruturação e redução acentuada do poder e da influência da UE enquanto instituição. A história da UE não pode ser sobre metas atingidas, ou mesmo, como nas revisões recentes, metas adiadas, mas de declínio. A UE tem um longo historial de intervenções políticas ao longo das grandes questões humanitárias e sociais, falhando cada vez mais na tentativa de as implementar, infligindo consequentemente maior dano. É um peso morto que deve ser levantado para que as culturas nacionais floresçam e a Europa recupere a confiança necessária para enfrentar os desafios do futuro. Os cidadãos europeus na sua maioria têm vindo a troçar das pretensões da UE, condenam as políticas já vacilantes ao fracasso e lançam uma avaliação pública da sua necessidade. O escândalo da fraude da Volkswagen sobre padrões de emissões de diesel, expôs o vazio da reivindicação da Comissão Europeia, para servir como consciência do mundo sobre a política climática, e minou a sua credibilidade como regulador, e sobrecarregada por essa humilhação, a escalada da crise dos refugiados trouxe a agonia evidente da impotência da EU, num campo em que afirmou a jurisdição exclusiva, como seja a segurança interna europeia. Os terríveis atentados suicidas de 13 de Novembro de 2015, em Paris, chocaram os cidadãos dos Estados-Membros, trazendo-os para uma consciência dolorosa de que a política de Schengen de fronteiras abertas compromete a segurança pública. Os atentados tiveram também implicações políticas de longo alcance, pois inverteram a política de informação científico tecnológica anti-americana da Comissão que era a ponta de lança do seu programa económico, em prol de uma melhor vigilância cibernética, porque necessitavam de novos e improdutivos investimentos maciços em vigilância e bem-estar, resultando numa delegação de facto do poder da UE aos Estados-Membros, revirou a opinião pública bruscamente para a direita, e desencadeou uma procura de alternativas para a Europa. O destino da UE pode muito bem ser determinado pelo Brexit e consequente saída do Reino Unido. O que parecia improvável quando o primeiro-ministro Cameron prometeu um referendo sobre continuidade da Grã-Bretanha no bloco europeu, e não conseguiu das instituições europeia as concessões de longo alcance necessárias para aplacar um eleitorado cauteloso, foi a votação inesperada pelo abandono da UE. A saída do Reino Unido dividiu ainda mais a UE e pode descentralizá-la A saída britânica pode em tempo desencadear uma reconfiguração da União Económica e Monetária e deslegitimar o corpo de leis e regulamentos europeus conhecido como acervo comunitário. Vivemos um momento decisivo na história da Europa do após Segunda Guerra Mundial.
Rui Flores VozesOs desafios da prosperidade [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Tratado de Roma que criou a então Comunidade Económica Europeia faz 60 anos em Março. Quando a Europa caminha para uma idade próxima da reforma, aqueles que acreditam no projecto europeu têm muito que fazer para mostrar que a União não é um daqueles funcionários que já não tem capacidade para se regenerar e abraçar novos projectos. Desde a criação da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, aquilo que se denomina agora União Europeia (UE) terá contribuído para o período de paz mais longo da história da Europa e para o desenvolvimento das instituições democráticas – condição sine qua non para a adesão ao projecto europeu – em vários países que se encontram hoje na linha da frente da defesa de algumas das políticas europeias. A criação do mercado único europeu, no qual a circulação de pessoas, bens, serviços e capitais é assegurada – um mercado constituído por quase 510 milhões de pessoas –, o modelo do Estado social e o apoio às regiões periféricas e mais pobres da Europa contribuíram para a melhoria das condições de vida de dezenas de milhões de pessoas. São europeias algumas das principais marcas mundiais – de automóveis, de computadores, de bancos, de seguradoras –, que alcançaram dimensão global pela sua integração no espaço regional europeu. Embora seja mais fácil criticar do que elogiar – a Europa enquanto projecto comum de 28 Estados tem estado na mira de populistas e nacionalistas – o que é facto é que a União tem contribuído para vários feitos que convém ter sempre em consideração quando se fazem balanços. Em ano de eleições muito importantes para o futuro da Europa, 2017 vai trazer legislativas na Holanda e na Alemanha e presidenciais em França, os desafios à solidariedade europeia vão ser imensos. Os defensores da integração europeia vão ter de trabalhar arduamente nos próximos meses para enaltecer as virtudes do projecto europeu a populações cada vez mais descrentes nos méritos da integração económica, monetária, fiscal e política. A ideia de que o projecto europeu está em crise parece por estes dias ser uma evidência. Mas foi este mesmo projecto, baluarte da paz, da economia de mercado, dos direitos humanos e da democracia, que serviu de fonte de inspiração para outras organizações internacionais um pouco por todo o mundo. No entanto, os movimentos populistas têm ganho adeptos nas últimas duas décadas, mas mais notoriamente nos últimos cinco anos, à custa de um discurso anti-Europa, anti-imigração, pró-nacionalista, pró-soberanista. Aqueles que concluem que a União é um projecto que só funciona em tempos de expansão económica parecem estar por cima. Fazer o contraponto a esta argumentação não é fácil, sobretudo quando o objectivo primeiro dos partidos do centro – aqueles mesmos que trouxeram a Europa até este estado de coisas – é também o de ganhar eleições. A crescente onda populista que marcou 2016 – as mensagens políticas do “leave” tinham essas características, apelando aos sentimentos mais básicos dos britânicos e prometendo um Reino Unido mais forte sozinho, abrindo a porta à saída de imigrantes do país – vai estar presente nas campanhas políticas do próximo ano. Logo, em Março, na Holanda, o discurso anti-imigrantes vai ser repetido por Geert Wilders, o presidente do Partido da Liberdade, que, à semelhança do seu congénere austríaco, tem estado a ganhar adeptos de uma forma espectacular. Em Abril e Maio, com a primeira e segunda voltas da eleição presidencial, Marine Le Pen vai procurar explorar ao máximo a desilusão dos franceses com a actual situação económica e prometerá uma França que não se dobra a Bruxelas. Uma França sem euro – ou mesmo sem União Europeia –, pois Le Pen já ameaçou também com a realização de um referendo. Na Alemanha, as hipóteses de vitória do partido Alternativa para a Alemanha são nulas. Mas, o discurso anti-imigração pode, tal como na Holanda, contribuir para fragmentar o parlamento e obrigar a soluções governativas mais imaginativas. O problema com todas estas eleições e com as mensagens anti-Europa, anti-imigração, anti-solidariedade é que os valores que têm contribuído para o avanço da UE vão estar permanentemente em xeque. O que, quando passam 60 anos sobre a assinatura do Tratado de Roma, não augura nada de bom para aquilo que é hoje a Europa. Um pouco como a Organização das Nações Unidas que, desde a sua criação, em 1945, se expandiu a várias áreas de intervenção, desde os direitos humanos, manutenção de paz, apoio às instituições do estado de Direito, ambiente, assuntos laborais… um sem número de actividades, também a União Europeia, enquanto entidade supranacional, tem, ao longo dos últimos 60 anos, abraçado cada vez mais áreas e regulado cada vez mais áreas de actividade – sobretudo económicas – que favorecem as condições de expansão do mercado. Tendo em conta o estado a que as coisas chegaram agora, a ideia de que a Europa deve aproveitar os “ataques” de que tem sido alvo, para se repensar, não é de todo despropositada. Afinal, o grande objectivo comum, como sintetiza a recentemente aprovada Estratégia Global da União Europeia para a Política Externa e de Segurança, é o da prosperidade dos seus povos. E eles parecem estar a precisar de ser de novo convencidos dos méritos do projecto.
Hoje Macau China / ÁsiaPequim pede que UE cumpra obrigações sob entrada do país na OMC [dropcap style≠’circle’]N[/dropcap]as vésperas da visita do primeiro-ministro chinês Li Keqiang ao Quirguistão, Letónia e Rússia, Pequim pressiona a União Europeia a honrar as promessas feitas relativas à entrada da China na Organização Mundial do Comércio A China espera que a União Europeia (UE) possa cumprir com as obrigações definidas no Artigo 15 do Protocolo sobre a entrada da China na Organização Mundial do Comércio (OMC), disse esta segunda-feira um alto diplomata do país. “Estas são obrigações e promessas internacionais da UE”, disse o ministro adjunto dos Negócios Estrangeiros Liu Haixing em conferência de imprensa sobre a próxima visita do primeiro-ministro chinês Li Keqiang ao Quirguistão, Letónia e Rússia. Durante sua estada na Letónia, Li participará na Quinta Cimeira da China e dos Países da Europa Central e Oriental (16+1) em Riga. Ao enfatizar que a China cumpriu com as suas promessas desde que entrou na OMC em 2001, Liu disse que o bloco europeu também tem a obrigação de honrar suas promessas. “Esperamos que a UE possa cumprir nítida e completamente as suas obrigações relacionadas com a OMC até 11 de Dezembro sem nenhuma condição adicional”, disse Liu à imprensa. As obrigações da OMC exigem que a UE abandone o “sistema de país substituto” até 11 de Dezembro de 2016, sob o qual os custos de produção num terceiro país são usados para calcular o valor dos produtos das economias que não são de mercado. Ao responder se a China “pressionará” os países da Europa Central e Oriental sobre o assunto, Liu disse que o país “não pressionará os 16 países, mas que negociará com eles”. “Há 11 membros da UE entre os 16 países da Europa Central e Oriental, esses países certamente esclarecerão as suas posições dentro da UE”, disse Liu. “Esperamos que tomem a decisão correcta e estimulem a UE a cumprir com as suas obrigações dentro do devido tempo”, acrescentou.
Hoje Macau China / ÁsiaEmpresas da UE apelam ao fim de tratamento “desigual” [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] Câmara do Comércio da União Europeia (UE) na China criticou ontem o “tratamento” desigual dado ao investimento no país e apelou ao fim das interdições impostas ao capital estrangeiro, ameaçado com o acesso ao mercado europeu. “Para os chineses, a Europa é um ‘buffet’ variado, onde tudo decorre com facilidade, enquanto [na China], para nós, são quatro pratos e uma sopa”, afirmou o presidente do grupo, Jorg Wuttke, em Pequim. O comentário surge numa altura em que grupos chineses fazem grandes aquisições em empresas, clubes de futebol, infra-estruturas, aeroportos ou portos europeus. Em Portugal, por exemplo, o país asiático tornou-se, nos últimos anos, um dos principais investidores, comprando participações importantes nas áreas da energia, dos seguros, da saúde e da banca. Mas, “enquanto a Europa dá as boas vidas ao investimento estrangeiro, a falta de reciprocidade é insustentável e poderá levar ao proteccionismo e ao aumento das tensões”, lê-se num comunicado difundido ontem pela Câmara do Comércio. A mesma nota refere que é do interesse da China aliviar as restrições e demonstrar que Pequim “apoia princípios aceites globalmente”. O investimento chinês na Europa aumentou 44%, em 2015, face ao ano anterior, para 20 mil milhões de euros. O governo chinês tem encorajado as empresas do país a investir além-fronteiras, como forma de assegurar fontes confiáveis de retornos, face aos sinais de abrandamento na economia doméstica, e adquirir tecnologia avançada, visando tornar as empresas chinesas mais competitivas em sectores como a indústria aeroespacial, agro-industrial e robótica. No primeiro semestre de 2016, a estatal China National Chemical Corp ofereceu 43 mil milhões de dólares pela gigante suíça de pesticidas e sementes Syngenta, no que será de longe a maior aquisição de sempre da China no exterior. Entre outros investimentos mediáticos protagonizados pela China constam o banco alemão Hauck & Aufhauser, o fabricante de pneus italiano Pirelli e a fornecedora de sistemas robóticos Kuka. No mês passado, o grupo de investimento chinês Fosun propôs comprar 16,7% do capital do banco português BCP, por um preço que deverá ser de 236 milhões de euros, e que poderá reforçar posteriormente a sua participação “para entre 20% a 30%”. Só em Portugal, aquele grupo detém já a Fidelidade, a Espírito Santo Saúde, reconvertida em Luz Saúde, e uma participação de 5,3% na REN (Redes Energéticas Nacionais). Vantagem de cá A Câmara do Comércio da UE em Pequim afirma que “seria quase impossível imaginar” que investidores europeus fossem autorizados a investir em empresas chinesas deste calibre, referindo-se ao paradigma actual como um resultado “benéfico para apenas um lado”. A China surge na 84.ª posição – atrás da Arábia Saudita e da Ucrânia – no ranking do Banco Mundial que avalia a facilidade de fazer negócios em diferentes países. No relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), a República Popular da China surge em penúltimo, no que toca às restrições impostas ao investimento estrangeiro. Caso Pequim não reduza as barreiras do mercado chinês, arrisca-se a perder o livre acesso ao mercado europeu, porque o contrário seria “politicamente inaceitável”, frisou Wuttke. “O contraste absoluto entre [o fluxo de investimento chinês para a Europa] e um mercado chinês vedado levará muitas pessoas a chegar à conclusão de que a China se está a aproveitar de nós”, disse. “Como vimos com o Brexit (o referendo que ditou a saída do Reino Unido da União Europeia), a globalização também produz perdedores, e os perdedores têm uma voz política”, continuou. Alguns partidos na Europa poderão vencer eleições com “argumentos contra a China”, notou Wuttke, referindo-se aos protestos de milhares de trabalhadores da indústria do aço, em Bruxelas, contra o impacto negativo do país asiático no sector. A China produz hoje mais aço do que os outros quatro gigantes do sector – Japão, Índia, EUA e Rússia – combinados, levando à queda dos preços nos mercados internacionais. No mês passado, a UE aprovou medidas ‘antidumping’ (produção subsidiada) nas importações de aço laminado a frio da China. As exportações de aço da China para a Europa aumentaram 28%, no primeiro trimestre do ano, enquanto os preços recuaram mais de 30%.
Hoje Macau China / ÁsiaUE | Comissária fala do futuro europeu em Pequim Cecilia Malmström esteve na Universidade de Economia e Negócios Internacionais (UIBE) de Pequim para falar dos tempos que aí vêm após a saída do Reino Unido da União. A comissária do Comércio pede prudência até que o processo, que pode levar até dois anos, esteja concluído [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] comissária europeia do Comércio, Cecilia Malmström, pediu ontem paciência à comunidade internacional enquanto a União Europeia (UE) e o Reino Unido negoceiam o futuro das suas relações após a saída britânica do bloco comunitário. “O mundo precisa de um pouco de paciência para ver a fórmula exacta das nossas futuras relações”, afirmou Malmström, num discurso na Universidade de Economia e Negócios Internacionais (UIBE) de Pequim. A comissária europeia sublinhou que o Reino Unido continua a ser membro de pleno direito do grupo dos vinte e oito até que esteja concluído o seu processo de saída da UE, pelo que, “a curto prazo, não há mudanças”. “O processo de saída poderá levar até dois anos e até ao dia da saída são membros completos, com responsabilidades completas e benefícios completos”, disse a comissária. Malmström manifestou confiança de que ambas as partes conseguirão encontrar “uma boa solução para o futuro”, mas reconheceu que actualmente “é difícil” antecipar como será essa solução. “Isto nunca aconteceu antes na história da UE, pelo que não temos uma receita exacta que sirva de antecedente, mas está regulado nos tratados como se devem fazer estas coisas e levará tempo”, afirmou. Momento de reflexão A comissária do Comércio disse que também é preciso que seja eleito um novo primeiro-ministro da Grã-Bretanha, “com algumas ideias sobre as relações” entre o país e a UE. Acrescentou que o “brexit” abriu um período de “reflexão” na UE, mas assegurou que as políticas, as prioridades e o trabalho diário da união continuam, assim como se mantém a sua “ambiciosa agenda comercial”. “Muitos de nós em Bruxelas e na UE ficámos tristes de ver que os britânicos decidiram deixar-nos, mas é uma decisão democrática que eles tomaram e, claro, tem de ser respeitada”, afirmou a comissária.
Hoje Macau China / ÁsiaPequim e União Europeia em diálogo estratégico de alto nível [dropcap style=’circle’]A[/dropcap] China e a União Europeia (UE) realizaram neste final de semana a sexta ronda do diálogo estratégico de alto nível. Na ocasião ambos os lados comprometeram-se a aprofundar as relações em diversas áreas. A China vê a UE como um parceiro estratégico integral de benefício mútuo disse Yang Jiechi, Conselheiro de Estado chinês, sublinhando que o aprofundamento das relações sino-europeias vão, não apenas ao encontro à procura económica e social, mas também levam à paz e estabilidade global e à recuperação económica. Os dois lados concordaram em implementar o consenso alcançado na 17ª Conferência China-UE realizada em Junho do ano passado que busca fortalecer a sinergia entre estratégias de desenvolvimento e aprofundar a cooperação nas áreas de comércio, infra-estruturas, conectividade, direito e facilitação do intercâmbio de pessoas, disse Yang. Mais vitalidade As partes acordaram ainda acelerar as negociações nos investimentos bilaterais e injectar um novo vigor na cooperação em segurança política, inovação tecnológica, economia marítima, tecnologia oceânica e turismo cultural, sublinhou o conselheiro. A UE e a China vão fortalecer a coordenação e assegurar o sucesso da 18ª Conferência China-EU que se realizará em Pequim no próximo mês. Da mesma forma, ambas as partes concordaram em desenvolver esforços conjuntos para que a reunião do G20 gere resultados positivos. Para Federica Mogherini, Alta Representante da UE para Política Externa e Segurança, os dois lados estabeleceram cooperações frutíferas em várias áreas, gerando benefícios práticos para os dois lados. Para a representante, o fortalecimento do diálogo China-UE gera resultados positivos e ajuda a solucionar questões regionais importantes. Na ocasião, Yang afirmou ainda que a China quer avançar na cooperação com a Bélgica nas áreas de microelectrónica, aeroespacial, energia nuclear, medicina biológica e protecção ambiental.
Andreia Sofia Silva Manchete PolíticaMiguel Poiares Maduro: “Europa pode ter resposta mais forte contra terrorismo” Em Macau para falar da União Europeia e dos Direitos Fundamentais, Miguel Poiares Maduro defende que a Europa e o mundo cometeram falhas no processo de acolhimento de refugiados. Quanto ao terrorismo, o ex-Ministro Adjunto e do Desenvolvimento Regional em Portugal acredita que o fecho das fronteiras não é uma solução viável [dropcap style=’circle’]D[/dropcap]eixou a política para regressar à carreira académica. Como Ministro, o que ficou por fazer? Fica sempre algo para fazer, mas acho que fizemos muito nas minhas áreas. Fizemos uma reforma profunda na comunicação social, mas gostava de ter feito mais com a agência Lusa. Não pudemos avançar tanto e não podemos concluir o contrato de concessão que era suposto só ser concluído no final deste ano. Tive pena de não ter tido tempo para concluir o que me parecia importante para uma reforma da Lusa. No domínio dos fundos europeus deixamos totalmente preparado o Portugal 2020. Tenho pena de não ver a aplicação em concreto desse novo quadro e de não garantir que todas as reformas que empreendemos e que estão no papel sejam realmente implementadas. Gostava de ter tido a oportunidade de ter uma maior margem financeira e que a capacidade orçamental do Estado permitisse fazer outras coisas. Os constrangimentos financeiros são muito grandes, há certo tipo de coisas que gostaríamos de fazer e que não pudemos. Direi que tive uma ou duas frustrações de coisas que tive muito próximo de conseguir fazer e não consegui. Quais são? Uma delas foi o regime de registo e transparência do lobbying. Parecia-me importante esse registo de interesses para Portugal. Tive também uma segunda frustração que é o regime do Televisão Digital Terrestre (TDT), que infelizmente a forma como foi criada em Portugal faz com que seja difícil formar. Tenho muito cepticismo face à realização de uma reforma que permita tornar viável a TDT com uma oferta alargada de canais como eu achava que devia acontecer. Mas devido às circunstâncias, de existir um operador com direitos contratuais e de existir um sistema jurídico também controverso, relativamente aos direitos dos operadores, vai ser muito difícil formar a TDT como ela deveria ser formada. Temos uma expressão que é “o que nasce torto tarde ou nunca se endireita”. E o regime da TDT nasceu muito torto. Mas ao atribuir direitos a certos operadores, torna muito difícil reformar, porque, para a TDT ser viável, implicava um alargamento muito grande da oferta. Quando íamos testar se era possível uma reforma séria da TDT, a PT (Portugal Telecom, o operador) mudou a sua estrutura accionista. Falando da Agência Lusa. É importante reformar e reforçar as delegações no estrangeiro, até para a própria expansão do Português? Há três aspectos fundamentais para o futuro da Lusa. Um tem a ver com a sua internacionalização. Aí não é simplesmente uma questão de promoção das delegações no estrangeiro, é de reorganizar o posicionamento da Lusa nesse contexto. Talvez assumir algumas prioridades em vez de outras do passado. Fazer mais parcerias estratégicas. Mas era muito importante reforçar o papel da Lusa ao nível da digitalização, com a oferta de conteúdos digitais e também como escola de Jornalismo. Claro que esta visão estratégica tem uma dificuldade: há um problema que é aquilo que pode ser importante para o futuro da Lusa está, em alguns pontos, em conflito com os interesses de alguns dos accionistas privados da [agência]. Seria importante reformar a própria estrutura accionista da agência e ter o Estado português em maioria para permitir esse desenvolvimento. Numa altura em que os meios de comunicação social dependem tanto de uma agência de notícias, esta torna-se, de facto, num bem público. E é fundamental garantir os interesses estratégicos da Lusa. Era muito importante para mim a participação do Estado, para permitir um modelo de maior independência e desgovernamentalização. Em relação à RTP, a RTP Internacional é hoje um canal que satisfaz as necessidades da comunidade migrante em todo o mundo? O papel de um Ministro nesta área, e foi isso que procurei fazer, é criar uma estrutura institucional na RTP que possa promover uma maior independência e o foco naquilo que devem ser as prioridades do serviço público. A minha expectativa é que possamos melhorar a qualidade da RTP e a sua cultura de funcionamento e institucional, com mais independência e conteúdos diferenciadores. E isso também tem de acontecer no serviço internacional. Deve ser uma prioridade e, no novo contrato de serviço público que celebramos com a RTP, definimos que no seu serviço internacional deve servir a comunidade portuguesa mas também promover a cultura e economia portuguesas. Estou convencido que progressivamente isso vai acontecer. Vem a Macau falar da União Europeia , dos Direitos Fundamentais e da sua “relação complicada”. Nos últimos anos tem-se tornado uma relação assim? A principal tensão do papel dos Direitos Fundamentais no quadro da UE é que, inicialmente, os Direitos Fundamentais surgiram na UE como forma de garantir que a própria UE não os violaria. Mas à medida que houve um alargamento, quer da área de intervenção da UE, quer na própria composição, com mais Estados Membros, surgiu a necessidade de garantir que o poder que a UE exerce seja compatível com esses Direitos Fundamentais. Daí a criação da Carta Europeia dos Direitos Fundamentais, que hoje em dia é vinculativa. Depois surgiu a questão de que a UE deve ter o papel de protecção dos direitos ao nível dos Estados Membros. Não podemos ter um espaço europeu social, económica e politicamente integrado sem que haja alguma coesão e um nível de protecção dos Direitos Fundamentais nos diferentes Estados. Isso já existe no processo de adesão à UE. Mas uma vez aderindo os mecanismos de protecção dos Direitos Fundamentais são frágeis. Esse é o novo grande debate e a UE tem dois grandes desafios. Quais são? À medida que os seus poderes se alargam, na política de emigração, em poderes em matéria criminal e de combate ao terrorismo, surgem questões sobre se a UE garante ou não esses direitos. Por outro lado, à medida que a diversidade dos Estados Membros aumenta, surgem questões como a que surgiu recentemente com a Polónia e com matérias que dizem respeito à liberdade de expressão e pluralismo dos média. Surgem questões relativas à necessidade da UE ter um papel na garantia de salvaguarda dos Direitos Fundamentais dos diferentes Estados Membros. Se não tivermos pluralismo de informação em todos os Estados Membros, não poderemos ter eleições para o Parlamento Europeu que sejam genuinamente democráticas. Por isso é fundamental que a UE tenha um papel mais forte na garantia dos Direitos Fundamentais. Mas ao assumir esse papel, também significa que a União assume mais poder de intrusão na soberania desses Estados, gerando tensão entre a necessidade de integrar a Europa, em termos económicos e políticos, e salvaguardar a soberania e espaço de autonomia. Portugal tem hoje pluralismo de informação, dado o encerramento de vários jornais? Não acho que estejamos numa situação em que possamos dizer que não temos pluralismos de informação. Temos hoje um serviço público com maiores garantias de independência e isso é muito importante. Sem dúvida que a crise que os média atravessam hoje apresenta problemas não apenas em Portugal mas na Europa. A crise financeira apresenta um duplo risco para a comunicação social e o pluralismo: a diminuição do número de títulos e o risco de que possa existir algum controlo desses meios de comunicação social por razões que não têm a ver apenas com a sustentabilidade do órgão de comunicação social mas por interesses de outro tipo. É por haver esse risco de outros interesses no controlo económico dos meios de comunicação social que promovemos um novo regime de transparência e conflitos de interesse relativos aos meios de propriedade. Enquanto Ministro coordenou o processo de acolhimento de refugiados em Portugal. A Europa cometeu aqui muitas falhas? Cometeram-se e continuam a cometer-se falhas importantes no âmbito da UE. A resposta da UE à crise dos refugiados é insatisfatória. Mas demonstra também a dificuldade de funcionamento das próprias democracias hoje. O discurso populista transformou aquilo que era uma atitude humanitária na Europa, no início, para uma atitude de receio e mesmo rejeição. Isso deve-nos suscitar uma grande preocupação quanto ao funcionamento das nossas democracias hoje em dia. A democracia, para funcionar, precisa de uma dimensão de paixão e de racionalização. E estamos a perder os instrumentos de racionalização. Esse falhanço das democracias nacionais que depois leva ao fracasso da resposta europeia à crise de refugiados. Mas a obrigação de acolher refugiados é a nível internacional, não só na Europa, e a Europa até tem feito mais do que muitos outros países. É importante olhar para os dois lados da resposta europeia: é insatisfatória mas é uma resposta que é mais positiva que outros membros da comunidade internacional. Está a referir-se aos Estados Unidos… Sim, aos Estados Unidos e outros membros. A China, por exemplo, poderia ter sido mais activa neste processo? A China também poderia ter. Hoje em dia, com a capacidade económica e com a posição política que tem, poderia ter tido um papel relevante. O terrorismo tem sido outra das grandes questões na Europa. A resposta, no combate ao Estado Islâmico, tem sido eficaz? Ao contrário do que aquilo que alguns populistas defendem, que é o restabelecimento das fronteiras e colocar em causa o Acordo de Schengen, é o contrário. O terrorismo é, na maior parte dos casos, um terrorismo dos próprios Estados, como se viu em França ou Bélgica. O que a Europa pode é oferecer uma capacidade de resposta mais adequada ao fenómeno do terrorismo e este é um terrorismo diferente do que vimos num passado recente, por exemplo da Al-Qaeda. A Europa pode ter uma capacidade de resposta mais forte e o fundamental é reforçar laços e Schengen é o instrumento mais poderoso para promover a troca de informações. A resposta adequada ao terrorismo deve ser o reforço das políticas de integração europeia, um reforço de Schengen. As fronteiras não são eficazes. Aqui mantemos o Direito de Macau. Acredita na sua manutenção além de 2049? A sua identidade fundamental tem que ser mantida porque é esse o factor distintivo de Macau. Assimilar Macau, incluindo a sua cultura jurídica, na China seria errado, porque então que valor diferenciador é que Macau teria para a China? Não creio que isso seja sequer uma vontade das autoridades da China. Mas o facto de manter a entidade do ordenamento jurídico da [RAEM] não significa que ele não possa obter e ser influenciado por outros regimes jurídicos. Com o envolvimento de tantas empresas internacionais aqui, americanas, pouco a pouco alguns elementos da cultura da Common Law possam ter alguma influência, ou até da própria China. Num contexto de globalização todos os sistemas jurídicos são miscigenados. Portugal poderia fornecer mais instrumentos para a manutenção desse Direito? Portugal deve fazer o máximo possível e ter a maior disponibilidade para a cooperação. Deve utilizar também a sua presença na UE, porque a sua presença na UE também é um instrumento para manter a identidade do ordenamento jurídico de Macau. É importante que o território tire cada vez mais partido desse posicionamento estratégico que penso que pode ser um pólo de comunicação e encontro de diferentes culturas, sociais, económicas e políticas.