Hoje Macau China / ÁsiaPM malaio cancela projectos financiados pela China [dropcap style=’circle’]A[/dropcap]agência estatal noticiosa da Malásia citou ontem o primeiro-ministro malaio, Mahathir Mohamad, a confirmar que cancelou projectos no país avaliados em milhares de milhões de dólares e apoiados pela liderança chinesa. Mahathir proferiu aquelas declarações na sequência de uma visita oficial a Pequim, onde esperava renegociar os termos dos contratos para aqueles projectos, financiados por bancos estatais chineses. Em causa estão um projecto ferroviário ao longo da costa leste da península da Malásia, avaliado em 20 mil milhões de dólares, e dois oleodutos. O líder malaio disse aos jornalistas que ambos o Presidente chinês, Xi Jinping, e o primeiro-ministro da China, Li Keqiang, entenderam os motivos para o cancelamento e “aceitaram-nos”. Os projectos encontravam-se suspensos, após o novo Governo da Malásia apelar a cortes drásticos, face à subida acentuada dos custos, estimados, no total, em 22 mil milhões de dólares. “Nós não queremos uma nova versão do colonialismo, porque os países pobres não conseguem competir com países ricos”, afirmou Mahathir, na segunda-feira, em Pequim, após reunir-se com Li Keqiang. Em Maio passado, Mahathir sucedeu a Najib Razak, como primeiro-ministro da Malásia, após este ter perdido as eleições, afectado por vários escândalos de corrupção, alguns que envolvem investimentos chineses no país. Os projectos são parte-chave da iniciativa chinesa Nova Rota da Seda, lançada em 2013 por Xi Jinping e que inclui uma malha ferroviária intercontinental, novos portos, aeroportos, centrais eléctricas e zonas de comércio livre, visando ressuscitar vias comercias que remontam ao período do Império Romano, e então percorridas por caravanas. Construídos por empresas chinesas e financiados pelos bancos estatais da China, os projectos no âmbito daquela iniciativa estendem-se à Europa, Ásia Central, África e Sudeste Asiático. No entanto, o crescente endividamento dos países envolvidos face a Pequim acarreta riscos, como é exemplo o Sri Lanka, onde um porto de águas profundas construído por uma empresa estatal chinesa revelou-se um gasto incomportável para o país, que teve de entregar a concessão da infra-estrutura e dos terrenos próximos à China, por um período de 99 anos. “Nós não queremos uma situação como a do Sri Lanka, na qual eles não conseguiram pagar e os chineses acabaram por ficar com o projecto”, afirmou o novo ministro malaio das Finanças, Lim Guan Eng, numa entrevista recente.
Andreia Sofia Silva Manchete ReportagemLai Chi Vun | Os projectos e as ideias antes das demolições Muito antes de o Governo decidir deitar abaixo os estaleiros, a povoação de Lai Chi Vun foi alvo de vários projectos vindos do sector privado. A muitos deles, o Governo nunca deu uma resposta, chegando a rejeitar outros. O HM revela três projectos propostos por dois amantes da indústria naval, sem esquecer as ideias de estudantes de Arquitectura [dropcap style≠’circle’]H[/dropcap]ouve uma altura em que se pensou além do vazio virado para o mar. Sobre Lai Chi Vun já muito se criou antes de se decretar a demolição dos velhos estaleiros. Alunos de Arquitectura e amantes de barcos feitos com madeira dedicaram tempo pessoal a estudar e a apresentar sugestões para revitalizar a povoação. Muitas propostas foram entregues ao Governo, explicadas ao detalhe, ou então foram discutidas em debates públicos nos quais membros do Executivo estiveram presentes. Para Lai Chi Vun pensaram-se edifícios multiusos, ligações ao Cotai ou ao campus da Universidade de Macau, museus, um parque temático ligado à indústria naval, pequenas moradias. Muitos destes projectos acabaram por ficar na gaveta, pendentes, à espera de uma resposta que nunca chegou. Noutros casos, houve recusas. Um dos projectos partiu de Henrique Silva. O seu amor pelos barcos levou-o a preparar um projecto conceptual em parceria com uma empresa que se dedica à construção de empreendimentos navais virados para o turismo. A proposta foi apresentada ao Governo no ano passado. “Este projecto contemplava a existência de oficinas, que é uma coisa que não existe em Macau para quem precisa de manutenção de barcos, um museu e um clube para iates. E ainda uma escola de vela”, explicou ao HM. Além disso, “na zona onde ficaria a marina colocar-se-iam vivendas”, para dar uma oportunidade de investimento ao sector imobiliário. “Criava-se ali uma zona privilegiada, porque o turista que chega de barco não é propriamente uma pessoa pobre, e ficaria ainda com acesso privilegiado ao Cotai. Todos ganhavam, porque o projecto também ajudaria a desenvolver a economia tradicional de Coloane, sem ter de a destruir. Desenvolvia-se um núcleo diferente, com outro tipo de animações”, apontou Henrique Silva. A ideia era, assim, criar um complexo náutico “de nível internacional”, uma vez que a Doca de Lam Mau, localizada na zona do Fai Chi Kei, é de mais difícil e longínquo acesso. “Mantinha-se a memória do espaço e depois poderiam ser incorporados mais pormenores”, disse ainda. Parque temático à beira-mar Tam Chon Ip estudou arqueologia, é freelancer e um apaixonado pela cultura de um território que o viu nascer. Também ele teve ideias que gostaria de ver implementadas em Lai Chi Vun. A abertura de uma espécie de parque temático foi uma delas. “O nosso plano visava a preservação dos estaleiros para serem mostrados ao público, com a implementação de uma zona de teatro, um espaço público e outro tipo de infra-estruturas. Teríamos elementos não comerciais, com a conservação da arte e cultura. A parte mais importante seria um parque temático com workshops sobre a construção de barcos. Os participantes poderiam vivenciar a experiência da cultura tradicional de Macau”, resumiu ao HM. Um dos pontos centrais do projecto seria o estaleiro Liuhe, onde foi construída a Lorcha Macau. “Sempre pensei que indústria de construção de barcos se poderia transformar em algo cultural e criativo, em que o lado tradicional e inovador poderiam combinar. É possível optimizar a povoação para os turistas, moradores e residentes. A própria povoação de Lai Chi Vun é um museu ao ar livre.” Apesar do esforço, Tam Chon Ip acabou por ver algumas das suas ideias recusadas, ao nível de pedido para financiamento. “Temos vindo a promover o projecto e também nos candidatámos a vários apoios, mas alguns projectos não foram aceites, o que criou dificuldades.” Este amante da história e da cultura chegou a promover uma pequena exposição sobre os estaleiros em Lai Chi Vun, “mas não houve qualquer novidade depois da visita das autoridades”. Ligação a Hengqin Em 2013, a povoação de Lai Chi Vun obteve projecção internacional ao ter sido alvo de um projecto desenvolvido por alunos de Arquitectura do Instituto Politécnico de Milão, no âmbito do Prémio Compasso Volante. José Luís Sales Marques, presidente do Instituto de Estudos Europeus de Macau (IEEM), presidiu ao júri, que contou também com a presença do arquitecto Carlos Marreiros. “Foi feito um concurso aberto a estudantes de pós-graduação de várias universidades, nomeadamente o Politécnico de Milão, a Universidade de Palermo, uma universidade de Singapura e outra do Japão. Nesse concurso os alunos vieram a Macau, estiveram alguns dias cá e fizeram vários levantamentos sobre a zona de Lai Chi Vun e a história de Macau”, contextualizou. Os estudantes foram orientados pelos professores, fizeram os projectos e apresentaram-nos primeiro em Palermo, e depois em Milão. “Foi uma oportunidade para expor questões importantes do ponto de vista de reabilitação urbana, e procurar soluções arquitectónicas para problemas que existiam e continuam a existir na cidade”, indicou José Luís Sales Marques. O presidente do IEEM recorda que foram apresentadas “várias soluções”, incluindo a possibilidade de construir uma ligação entre Lai Chi Vun e a Ilha da Montanha, no pedaço de terreno onde funciona o campus da Universidade de Macau. “Foi um exercício muito válido e interessante, que envolveu muita gente, uma comunidade internacional bem informada. Os trabalhos estão bem fundamentados, há pormenores, e descrição do ambiente e do local. As soluções apresentadas eram destinadas sobretudo ao lazer, que é muito aquilo que o Governo pretende para aquela zona.” A importância das técnicas Numa entrevista concedida o ano passado ao HM, Carlos Marreiros revelou alguns detalhes sobre as propostas que o Governo viu, mas sobre as quais nunca reagiu. Foi pensada “a construção de residências de luxo, com apenas três andares, integradas na colina”, sem esquecer a edificação de “uma pequena marina e um museu, incluindo uma super cobertura integrada com a actual estrutura dos estaleiros. A iniciativa privada fazia as suas contas, o Governo adquiria isto e geria-o”. À data, Marreiros confessou que sobre Lai Chi Vun não havia nada de concreto. “Fizemos estudos, propusemos ao Governo, não há resposta. Havia uma parte para viabilizar a construção, para construir e ganhar dinheiro”, apontou. Sales Marques entende que já não é possível deixar os estaleiros como eles estão, mas fala sobretudo da necessidade de manter vivas as técnicas de outrora. “São construções lacustres, que têm uma grande beleza. São estruturas industriais mas feitas com grande plasticidade, e isso também é importante, porque pode servir de inspiração para outras coisas. Os alunos que vieram de Milão ficaram maravilhados com aquela plasticidade, as soluções, o tipo de construção, como se resolviam problemas de arquitectura, com recurso a meios bastante simples.” As exposições do Prémio Compasso Volante levaram à organização de um debate no Albergue SCM, mas poucas respostas foram obtidas. “A nossa ideia era fazer uma exposição com a associação de moradores da zona, mas não conseguimos encontrar um local para isso [em Lai Chi Vun]. Fizemos então um debate ao ar livre nas instalações do Albergue, em que estiveram responsáveis do Instituto Cultural. Apresentamos as ideias todas na altura”, concluiu Sales Marques. O presidente do IEEM frisou que “a questão que se coloca é que não há qualquer resposta”. “É importante perceber o que existe na cabeça de quem manda nestas coisas.” Sales Marques, que se debruçou sobre o estudo de uma importante indústria naval, recorda que nos idos anos 50 e 60 chegaram a morar cerca de 50 mil pessoas na zona do Porto Interior, nas chamadas aldeias flutuantes. Nos dias de hoje parece não haver vontade de preservar essas memórias. “O que é triste em Macau é que as pessoas não dão valor a essas coisas, ao simbolismo, às coisas que nós fazemos. É pena que, por inacção, tenhamos de chegar ao ponto em que parece que não há alternativa se não a demolição. Aquele deve ser um espaço público, e não deve ser privatizado para a construção de luxo”, defendeu Sales Marques.