Pintura | Inaugurada amanhã a exposição de Manuela Martins

[dropcap style≠’circle’]C[/dropcap]om uma vida recheada, Manuela Martins foi professora de meia Macau, viveu em Moçambique, constituiu família, mas apesar das trocas de continente teve sempre uma constante na sua vida: a pintura. Já com idade avançada, 84 anos, e com problemas de saúde, não pudemos chegar à fala com a pintora. Como tal, falámos com um dos seus filhos, Rui Calçada Bastos, artista plástico, que organizou a exposição. O público poderá ver uma selecção de peças que a artista tinha em casa, desde quadros de 2009 até mais recentes “da última vez que esteve cá, mas sempre muito direccionadas para temas relacionados com Macau”, explica o filho. Entre os quadros escolhidos há retrato do emblemático Padre Teixeira, o que vem de encontro ao modo de pintar de Manuela Martins, retratar aquilo que vê pelos sítios por onde vai passando, daí o nome da exposição: Observações.

Quem se deslocar à Casa Garden poderá ver entre 25 a 28 telas, no habitual óleo que caracteriza a carreira da pintora. Enquanto deu aulas em Macau, Manuela foi expondo com regularidade, todos anos havia sempre algo a apresentar. Mesmo hoje, com 84 anos, continua com uma produção considerável. “Isso já vai muito além dos conceitos, se é arte contemporânea, ou não, já não interessa muito, acho que é mais a demonstração de acreditar na pintura e de manter uma enorme curiosidade no olhar”, comenta o artista plástico.

Traço de uma geração

Com uma formação muito académica como artista, fiel ao óleo sobre tela e às representações figurativas, Manuela Martins faz parte da geração que estudou nas Belas Artes nos anos 50. Colega de artistas conceituados como Lourdes Castro e José Escada, Manuela trilhou um caminho diferente, não inteiramente dedicado às artes. “O que aconteceu com a minha mãe foi ter mudado de vida várias vezes, foi viver para Moçambique, apaixonou-se, teve filhos, tudo rumos complicados para uma carreira artística”, explica o filho. Ao contrário dos seus colegas que investiram a sério numa carreira, Manuela seguiu a vida “normal” de uma mulher. Para Rui Calçada Bastos, a mãe poderia ter chegado a outro patamar de visibilidade, se tivesse apostado apenas na pintura. No entanto, a vida deu-lhe experiência que se reflecte na sua arte. “Sempre foi honesta consigo própria, pintando aquilo que via”, explica o filho, e organizador da exposição, acrescentando ainda que acha que a mãe deixa um legado genial, porque tem “pinturas dos costumes africanos dos anos 50/60, e depois a visão que ela teve de Macau”.

“A minha mãe foi o trigger disto tudo, eu cresci a vê-la pintar”, conta o artista plástico. Dos quatro filhos que Manuela teve, Rui foi o que decidiu também abraçar as artes. Foi pelo pincel da mãe que percebeu “que há coisas no mundo externo que não estão lá ao primeiro olhar, essa curiosidade foi ela que me imprimiu”, explica. Certamente que Rui não será a único a ser inspirado por uma figura incontornável desta cidade, de alguém que transformou a sua visão de Macau em arte.

23 Jan 2017

Botticelli reimaginado no Victoria and Albert Museum

[dropcap style=’circle’]A[/dropcap]extraordinária visão artística de Alessandro di Mariano di Vanni Filipepi, muito melhor conhecido como Sandro Boticelli, foi injustamente negligenciada durante três séculos antes de ser redescoberta no séc. XIX. Desde aí, o pintor italiano tem sido considerado um dos artistas mais importantes de hoje, cuja imagética do séc. XV ditou os padrões das interpretações da beleza clássica e penetrou em todas as esferas da vida contemporânea. Como tal, influenciou e inspirou um grande número de artistas e designers, que responderam ao notável legado eterno do artista, reimaginando Boticelli. Mais de 50 obras originais de Boticelli, e cerca de 100 criadas por talentos ao longo de 500 anos estão agora em exibição no Museu Victoria and Albert em Londres, numa exposição que representa uma homenagem incrível em todos os sentidos da palavra.

Botticelli Reimagined (Boticelli Reimaginado), a maior exposição do artista no Reino Unido desde 1930, visa demonstrar como a sua imagética icónica penetrou e se fixou permanentemente na memória colectiva da sociedade e nos seus aspectos visuais. Mostra a arte de Boticelli como um fenómeno de design que se tornou parte integrante de tantas obras de arte desde a sua morte em 1510. Artistas como Dante Gabriel Rossetti, Edward Burne-Jones, William Morris, René Magritte, Elsa Schiaparelli, Andy Warhol e Cindy Sherman exibem a suas próprias reinterpretações da Renascença de Boticelli, acrescentando-lhe o reflexo dos tempos em que foram criadas, através de obras de pintura, moda, cinema, desenho, fotografia, tapeçaria, escultura e gravura.

A exposição esta dividida em três secções principais: “Gobal, Moderno, Contemporâneo”, que mostra como a imagística de Boticelli alcançou o nível actual de aclamação, é dominada por umas das obras mais famosas de Boticelli, O Nascimento de Vénus (de meados da década de 1480). A famosa imagem de uma Vénus emergindo de uma concha à beira mar (que não pode deixar a sua exibição permanente na Galeria Uffizi em Florença), tem sido revisitada e reimaginada por uma série de artistas contemporâneos, como David LaChapelle, em Renascimento de Vénus (2009), na qual aplicou a sua imagem de marca, a saturação e a superficialidade, ou Rineke Dijkstra e os seus Beach Portraits de 1992. Detalhes de Pinturas da Renascença (Sandro Boticelli, Nascimento de Vénus, 1482) (1984) de Andy Warhol acomoda o rosto e o cabelo solto do ícone de Boticelli no seu estilo liso e palete ousada, enquanto Vénus Segundo Boticelli (2008) de Yin Xin reinterpreta Vénus com uma aparência chinesa. A influência de Boticelli no cinema inclui a sequência de Ursula Andress a emergir do mar abraçada a uma concha no filme “Dr. No” (1962) e um excerto do filme “As Aventuras do Barão Munchausen” (1988) no qual Uma Thurman reconstitui O Nascimento de Vénus. Funcionando como os enormes frescos que estudou em Itália, Going Forth by Day de Bill Viola é um ciclo de imagens digitais inspirado nas invenções de Boticelli. Esta secção, entre outras obras, inclui ainda a obra trompe l’oeil de Tamara de Lempicka Painting with Boticelli (1946) que apresenta o pintor com o a chave para a arte, assim como obras chave de Robert Rauschenberg, René Magritte and Maurice Denis.

Na secção “Redescoberta”, podem ver-se uma selecção de obras de arte criadas por Edgar Degas, Gustace Moreauand e John Ruskin, entre outros, que traçam o impacto da arte de Boticelli no círculo pré-Rafaelita em medos do séc. XIX. Dante Gabriel Rossetti, John Ruskin e Edward Burne-Jones, todos coleccionaram obras de Boticelli. E a sua estética foi reinterpretada em La Ghirlandata (1873) de Rossetti e em The Mill: Girls Dancing to Music by a River (1870-82) de Burne-Jones. A célebre Primavera do mestre florentino assombra esta secção, como é demonstrado por The Orchard (1890) de William Morris, uma tapeçaria que retrata senhoras medievais num cenário magnânimo, por Flora (1894) de Evelyn De Morgan, ilustrando uma ninfa de flores, e pelo único filme sobrevivente de Isadora Duncan a dançar. Cópias de O Nascimento de Vénus de Edgar Degas e Gustave Moreau (1859) assim como de Duas Mulheres a copiar o fresco de Botticelli de Vénus as Graças (1894) de Etienne Azambre, demonstram a popularidade de copiar a sua obra. A influência europeia de Boticelli é manifesta em pinturas importantes de Jean-Auguste-Dominique Ingres, Arnold Böcklin e Giulio Aristide Sartorio.

Finalmente, “Boticelli no seu Próprio Tempo” mostra o artista tanto como um criador extremamente dotado como um designer de génio que dirigiu um atelier extremamente bem sucedido, incluindo a sua única pintura assinada e datada A Natividade Mística (1500), três retratos supostamente da beldade lendária Simonetta Vespucci, e a requintadamente detalhada Pallas e o Centauro (1482), que viaja para Londres pela primeira vez. Um número de variações sobre a temática da Virgem e do Menino em diferentes formatos ilustra a criatividade de Boticelli enquanto designer, enquanto um grupo espectacular do seu raro corpo gráfico, incluindo cinco dos seus desenhos da Divina Comédia de Dante, reflectem a sua técnica como desenhador. A mostra encerra com duas pinturas monumentais de corpo inteiro de Vénus, repetindo a heroína de O Nascimento de Vénus, e ainda o Retrato de Uma Senhora conhecido por Smeralda Bandinelli (c. 1470-5), do V&A, que pertenceu a Rossetti, restaurado especialmente para esta exposição, entre muitas outras obras.

A exposição Botticelli Reimagined, em parceria com a Gemäldegalerie – Staatliche Museen zu Berlin e com o patrocínio da Société Générale, está patente no Victoria and Albert Museum em Londres, de 5 de Março a 3 de Julho de 2016. 


18 Abr 2016

Pintura | Filipe Miguel das Dores é premiado em Inglaterra e recorda Luís Amorim

Filipe Miguel das Dores, jovem pintor de Macau, ficou em segundo lugar num prémio atribuído pelo Royal Institute of Painters in Water Colours, no Reino Unido, com uma pintura da Livraria Portuguesa. Com outra obra – “The September after 18 years” – o jovem chamou a atenção para a morte de Luís Amorim

Working-Alone[dropcap style=’circle’]P[/dropcap]inta com aguarelas e está a fazer sucesso no Reino Unido. É assim o jovem Filipe Miguel das Dores, que participou pela segunda vez com duas obras na exposição anual do Royal Institute of Painters in Water Colours. De entre mais de duas mil obras provenientes de todo o mundo, a obra de Filipe Miguel das Dores, intitulada “Working Alone”, acabou por ficar em segundo lugar no “Leatherseller’s Award”.

A obra premiada apresenta a Livraria Portuguesa como pano de fundo. “Numa noite escura, num canto do edifício, revelou-se um pouco de luz onde se trabalhou sozinho. Numa rua sem ninguém, mostrou-se um pouco dos traços pelos quais os humanos passaram”, descreveu o artista na sua página do Facebook. “É bastante difícil pintar a proporção de centenas de azulejos nas paredes do edifício com tanta precisão”, descreveu.

Filipe Miguel das Dores “gosta muito” de mostrar a sua visão do mundo e do espaço através dos desenhos de edifícios. Nesta obra, o jovem levou mais de 300 horas para concluir sozinho a pintura em aguarelas, feita com papéis grossos pintados com múltiplas camadas.

Ao HM, o artista explicou que estava muito nervoso antes da atribuição do prémio, porque já tinha ganho o “The John Purcell Paper Prize” o ano passado, com a obra “A noite de Mário”. “Muitos amigos pressionaram-me, de certa forma, porque já ganhei uma vez. Acho que tive a sorte de ganhar novamente, foi uma espécie de bónus para mim.”
Filipe Miguel das Dores confessou que outra das surpresas foi ter artistas estrangeiros e o próprio público a observar a sua obra e a tecer comentários positivos.

Lágrimas por Luís

Outra obra de Filipe Miguel das Dores chama-se “The September after 18 years”. A pintura mostra a parte de baixo da ponte Governador Nobre de Carvalho e, ainda que não tenha ganho qualquer prémio, revela um outro sentido, referindo-se ao aniversário de Luís Amorim, jovem que apareceu morto em Macau.

Working-Alone1“Quantas lágrimas se podem esconder num céu escuro? Criei esta obra por causa do meu amigo Luís Amorim, que morreu em 2007. As autoridades de Macau defenderam que ele se suicidou e decidiram acabar com a investigação, mas os pais não acreditaram. Afinal a autópsia em Portugal revelou que o Luís morreu por ter sido espancado. Mas Macau não quis voltar a investigar o caso. Então nós passamos todos os dias naquele lugar como de costume, mas os pais dele perderam o mundo a partir daquele dia”, contou ao HM.

A morte de Luís Amorim e a criação desta obra levou Filipe Miguel das Dores a participar em competições internacionais para que mais pessoas lá fora tenham conhecimento do caso. “Sendo cidadãos de Macau acreditamos que todos têm o direito de exigir uma nova investigação ao caso, para que voltemos a acreditar nos órgãos judiciais e numa sociedade de Direito”, rematou.

12 Abr 2016

Casa Garden | Exposição “Colour Exchange” até 10 de Abril

[dropcap style=’circle’]S[/dropcap]ão seis os artistas locais que assinam a exposição “Colour Exchange”, que inaugurou ontem na Casa Garden. Patente até 10 de Abril, são muitas as peças expostas com diferentes traços, próprios de cada autor.
Do grupo de artistas, faz parte Mak Kuong Weng, nascido em Cantão e a viver em Macau. Mak conta no currículo com vários prémios atribuídos, tais como o prémio de pintor de excelência, em Pequim, o prémio da melhor criação de pintura ocidental, em 2011, o prémio especial de melhor criação e melhor criação de pintura tradicional chinesa, em 2015, entre muitos outros. O pintor conta já com cinco participações em livros onde as suas obras são mencionadas.
Leong Yuk Fei é outro pintor que participa na exposição. Em 1979 a sua obra “Descanso Curto” foi escolhida para ser apresentada na exposição das Obras de Belas Artes, na comemoração dos 30 anos da Fundação da República Popular da China. Depois de uma pausa entre 1986 a 2010, para se dedicar à área comercial, o artista retoma a pintura.

Pintura de Mak Kong Weng
Pintura de Mak Kong Weng

O pintor Eugénio Novikoff Sales, nascido em Macau e criado entre Moçambique e Portugal, transpõe as experiências que presenciou no mundo para a sua obra. Na China é conhecido como “artista de características euro/luso/asiáticas” devido “ao seu estilo único de pintura” na qual mistura os três mundos.

A cor do mérito

Lei Wai Wa também se junta ao grupo. Entre óleos e guaches, a arte de Lei tem percorrido o mundo. Foi-lhe atribuído o título honorífico “Artista com Grande Mérito e Virtude”, em 2015.
O “Eremita do Monte Huangyang”, ou seja William Chiu Vai Fu, marca também presença na mostra. Começou a estudar desenho, pintura a óleo, caligrafia e ornamentação de pintura no Instituto de Arte Teórica, em 1975, mas mais tarde dedicou-se à aguarela e à pintura a óleo no Instituto de Arte Chi Wa Tang. As suas obras fazem parte de colecções públicas e privadas do Museu de Arte de Macau, da Fundação Macau, do Centro UNESCO de Macau, da Universidade de Macau, entre outras.
Licenciado em Belas Artes pela Universidade de Xangai, Lam Kin Ian encerra a lista de expositores. Com presença em várias exposições em Macau, o trabalho deste artista local é já bem conhecido pela população.
A mostra tem entrada livre.

16 Mar 2016

Giulio Acconci | O outro lado do músico surge a cores e tinta-da-china

Todos o conhecemos como uma estrela da Pop, mas ele tem outro lado. O de designer gráfico, cultivado há muitos anos em Itália, e o de quem sofreu uma transformação quando se apaixonou pelas aguarelas. Apanhámos Giulio Acconci a meio do processo de reflexão e soubemos que uma exposição pode estar aí ao virar da esquina. Pelas amostras a que tivemos acesso, tivemos de saber mais

[dropcap]C[/dropcap]omo começou a aventura das aguarelas?
Com um livro de um grande pintor macaense, o Luis Luciano Demée, mostrado pelo meu irmão (Dino). A intensidade da pincelada e a forma como as aguarelas se combinavam, criando outras formas, quase casuais… foi o rastilho. Depois uma conversa sobre caligrafia com a Maggie Chiang, algo que sempre me interessou. Ela é chef e brinca com cores e formas na sua cozinha e trocámos várias ideias. Como ela estava a produzir uns jantares especiais de São Valentim, pensei criar imagens com caligrafia, tinta e aguarelas. Desenvolvi uma série de histórias curtas para cada prato e produzi as imagens em computador – aguarelas digitais, se quiser. Aí pensei que se as fazia assim também teria de conseguir fazer com tinta e pincel.

Em que fase está o processo?
A chegar a uma ideia, a definir o que pretendo dizer. O meu treino de designer obriga-me a fazer esboços como treino. Mas nunca fiz uma composição completa de forma satisfatória e é nisso que estou a trabalhar.

Em termos mais concretos isso quer dizer que…

É um jogo mental. Interrogo-me: ‘vou pintar o que penso, o que sinto, ou as minhas observações do ambiente que me rodeia? Será abstracto, mais ou menos filosófico?…’ Há imensas formas de expressão e é nesse processo que estou. Pode ser sarcástico, político, divertido, fantasioso…

Como está a ser desenvolvido esse processo de pesquisa?
Para tornar as coisas mais simples, estou a transformar isto num trabalho. A tentar retirar-me do processo e, pegando na minha experiência como designer, do trabalho por encomenda. Estou a contratar-me para uma série sobre a Hill Road [em Hong Kong], a área onde vivo. Mas numa forma leve e contemporânea, nada clássica com vários tipos de composição. Associar pequenas histórias a cada imagem também pode ser uma possibilidade.

No que respeita a temas, já existe algo alinhavado?
Hong Kong, para já, é o tema porque é mais simples, é onde vivo. Como tenho dois cães é provável que eles surjam. Um é branco, o outro é preto, por isso dão um interessante conceito yin yang. (risos)

Que imagens sugerem Hong Kong?

Tenho curiosidade em perceber como as coisas se vão desenvolver. Pelo que vejo, as pessoas não andam muito felizes, independentemente do espectro político a que pertençam. Há uma sensação de incerteza no ar e, como em Hong Kong é tudo dinheiro, quando ele não abunda as pessoas não funcionam. De uma forma geral, claro.

giulio acconci Como vê a situação actual da cidade?
Vivemos um período de transição. Por isso, eu e os meus amigos tentamos manter-nos positivos porque tudo acabará por resolver-se. Oiço muita gente, do taxista ao jovem empresário, dizer que não faz tanto dinheiro como antes, que a vida não é tão fácil como antes… De uma forma geral, as pessoas comparam tudo ao ‘antes’. Acho isso negativo. Temos de preocupar-nos mais com o ‘agora’. Claro que existe gente mais pro-activa, cheia de energia e é nessa tendência que pretendo inserir a minha arte e a minha música. As coisas mudam, nunca ficam iguais.

Por falar em música, será de esperar que a próxima vez que ouvirmos falar de Giulio Acconci seja no escaparate de uma galeria e não no poster de um concerto?
É bem possível (muitos risos). Claro que continuo a fazer música mas estou a gostar muito da aventura do artista plástico, produzir pinturas, isso é verdade.

Para quando a “vernissage”?
Quem sabe? Talvez esteja aí mesmo ao virar da esquina.

Como imagina essa exposição?
Gostava de algo simples, sem grandes alaridos. Mas tenho de pensar em muitas coisas, no que quero dizer. Se realmente sair cá para fora como artista, tem mesmo de ser algo para além de dizer que sei pintar. É uma oportunidade como indivíduo, como pessoa, como Giulio Acconci, não como [banda] Soler. Porque, como Soler, as pessoas pensam que sou eu mas não é verdade. É apenas uma personagem criada para aquele efeito. Como pintor torno-me protagonista. Aconteça ou não, o processo mental, a procura de ideias, a pesquisa, as técnicas… ouvir pessoas tem sido uma grande experiência, maravilhoso mesmo.

Telas grandes, pequenas… como vai ser?
Variado. Quando vou a uma exposição gosto de ver um pouco do percurso do artista. Às vezes exibem alguns esquiços, estudos. Eu quero fazer isso, uma pequena secção com esquiços simples. Desses até pinturas grandes.

image4Sabemos que existe um legado artístico na família. Qual a importância dessa influência?
É verdade. O meu pai [Oseo Acconci] foi escultor, estudou Belas Artes, o meu avô era pedreiro e fazia pedras tumulares, está a ver? (risos). Para além disso, o meu pai construía tudo em casa. Das cadeiras, à mesa onde estudava, à mobília de jantar, as nossas camas… vivíamos num prédio que ele construiu… Por isso, a primeira vez que tive de comprar mobília foi um processo estranho (risos). Era também muito vocal em relação a tudo. Sempre a apontar detalhes, a realçar coisas, razões, naquele engraçado sotaque italiano dele. Tanto ele como a minha mãe sempre nos encorajaram a desenhar. Tenho dezenas de blocos de desenho em casa. Um dia, ele levou-nos a uma exposição e perguntou-me se um dia gostava de ter a minha. Disse que sim e ele prometeu-me uma, um dia. Infelizmente faleceu antes do tempo, tinha eu 15 anos. Por isso, se a vier a fazer uma exposição, será dedicada a ele. Como se fosse ele a comissioná-la.

Onde irá acontecer? Em Hong Kong ou em Macau?
Não faço ideia. Apaixono-me por lugares. Gosto do mundo todo. Gosto muito de ir à China (vou muitas vezes a Chengdu), adoro Cantão, Londres e, claro, estarei sempre ligado a Macau. Pelo lado do sentimento terei de dizer Macau mas, se quiser ser prático, vai ser aqui. A verdade é que ainda não sei.

E a cena artística em Macau? Que percepção ressoa do que aqui se passa?
Ainda há pouco, numa conversa com o Fortes [Pakeong] fiquei com a impressão que existe um número de pensadores livres por aí com capacidade para se exprimirem artisticamente, o que me deixa entusiasmado. E noto que se fala muito mais em criatividade. Parece que quase todas as pessoas que encontro falam de ideias, isso faz-me muito feliz. Além disso, posso estar enganado, mas parece-me que estão a começar a aparecer patronos, o que seria muito importante para o desenvolvimento artístico.

E as artes de Hong Kong? Podemos dizer que estão moribundas?
Nada disso. A arte floresce na tristeza, na incerteza, no tumulto. Se andarmos pelos círculos artísticos, descobre-se muita gente discreta. Tenho encontrado muita qualidade, muitas pessoas interessantes. Há mesmo um certo orgulho entre eles e uma geração que se mantém fiel às convicções. É como o surf. Sem ondas não há. No mundo da arte, se estiver sempre tudo bem, vamos falar do quê? Existem, claro, os que produzem arte quando estão felizes, mas o que vejo na história é que as melhores obras nascem do tumulto.

image2Agora vai sobrar para esse lado. Que tumulto é esse que o motiva?
A minha vida toda (gargalhadas). Tem sido uma luta. A questão é se vemos um problema como um bloqueio ou como uma situação a ser resolvida. Nos anos mais recentes tenho tentado uma abordagem mais positiva, mas na maior parte do tempo pensava se estaria no meio de alguma profunda tragédia grega (ri-se mais).

Mas as pessoas olham para si e vêem uma estrela da Pop, vida de glamour, bom aspecto, festas sofisticadas… como pode falar de luta?
Como disse, o Giulio dos Soler é uma personagem, é entretenimento, é o nosso papel. Também é uma protecção, porque se criticarem os Soler não me atingem. Não ando no jogo duro do ‘show off’. A minha realidade é muito diferente. Sou muito “nerd”, gosto de estar em casa, de ver documentários. Estou sempre a tentar aprender, a absorver ideias. E tenho uma rotina saudável. Faço caminhadas regulares com o meu irmão, vamos buscar água à fonte numa zona perto daqui, corro com os cães. As pessoas pensam que passo a vida no ginásio mas não. Também não lhes quero estoirar a bolha. Se ficam contentes com isso, óptimo. Em relação ao glamour, quando alguém pretende entrar nesta indústria digo-lhes sempre a verdade: “No glamour. Nenhum”. (risos)

Mas a exposição vai colocá-lo a nu, ou vai surgir outra personagem?
Eu acredito em Shakespeare quando diz que a vida é um palco onde desempenhamos muitos papéis. Por isso, o mais provável, é sair outro personagem. O verdadeiro Giulio vai continuar muito elusivo e só talvez um dia o partilhe com a pessoa certa. Para já, acho que vai sair o meu lado pintor, outro personagem.

3 Mar 2016

Os que vão morrer te saúdam

[dropcap style=’circle’]S[/dropcap]audar a morte é talvez a mais conseguida expressão de uma vida lúcida. Nem todos têm este maravilhoso privilégio e as nossas sociedades nada preparam de filosófico e religioso que inaugure o ciclo desta realidade, entretida que anda em ser eterna. Agora que sabemos que o Universo lentamente se apaga, ou seja, também morre, algumas lembranças dos Homens que não a sentiam como horror ou tabu, pois que ilustres são todos aqueles que a esperam de pé — “de pé, como um Poeta ou um Cavalo, de pé, como quem deve estar quem é!”
Há uma bela frase talmúdica que diz: – o último instante de vida ainda é vida –: o que fez que muitos rabis, numa fila esperando pela morte, corrigissem os últimos textos, limassem os seus “metais”, depois depusessem o livro, o lápis e partissem. Não muito diferente dos gladiadores romanos que na arena saudaram a César a sua última batalha, Buda foi saudar a Lua de Maio e sorriu, Zaratustra subiu à montanha e esperou o Sol, e aqueles que subiam também às neves para o último suspiro em provas ritualísticas como Otto Rahn, o cátaro dos Pirenéus. Aliás, os últimos Cátaros não ofereceram resistência nenhuma, descendo uma montanha para o seu sopé, onde lhes esperava a fogueira. Há muitos seres que entram nos abismos a sorrir. Que terão eles mais do que nós, os parasitas do medo, os grandes prazenteiros? Creio que eles têm mais do que nós, uma educada consciência da fragilidade e da insignificância de tudo, mas ao mesmo tempo uma forte noção da sacralidade da vida.
Certas mortes rituais não são bem-vindas, fazem parte de um espectro primitivo muito agudo, como aquele onde fazer correr sangue acalma a divindade. O Templo de Salomão tinha essa prática, pela primeira vez com sangue animal. Daí Abraão ter sido tão importante dado que põe fim ao infanticídio das sociedades pré-agrárias, aquele Anjo que impediu o Holocausto é a consciência de um novo patamar humano. Mas a saga não acaba aqui, como reminiscência ainda aparece Cristo, que vem lembrar que o Pai mata o Filho e que nessa morte o filho se Abandona. Ele não pode lutar, nem sabe, perante esse Saturno mau que engole a progenitura e, num abandono tocante e grandioso, ele quase agradece a sua sorte tão ditosa como a de um outro qualquer eleito, pois que nesses instantes que se percorre o “fio de prata” estamos cosmicamente sós, mais sós do que a nossa solidão alguma vez pôde pensar. Aqui, nem amigos, nem pai, nem família, nem povo, nem tribo… Só uma mãe alquímica e suave como a luz de Deus chora um ser que é seu, não somos amados por mais ninguém, ninguém nos viu, ninguém nos sonha, ninguém sabe dessa dor. Há inclusive uma bela passagem do Purgatório de Dante canto XXVII que explica talvez isto:

Chegados ao grau último da escada
Disse Virgílio, olhando-me nos olhos,
Com voz firme suave e sossegada.
Do lugar onde toda a alma chora
E dos duros caminhos já liberto.
Para ti, finalmente, chegou a hora.
A ajudar-te, deixa-te andar….pois não ouvirás mais os meus conselhos.
Conselhos de pai sábio ao seu menino.
A tua vontade é livre, inteira e pura.
Constituo-te senhor do teu destino.

O que pode acontecer nas várias saídas de todos nós, é nem ouvirmos o que algo nos tem para dizer, e nem sempre o suicídio parece calmo ou aceitável, afinal, não se resolve morrer: morremos.
Antero faz-me sempre uma dura impressão pela forma dolorosa da sua longa agonia, ele não merecia este esgotar-se de si mesmo, este estertor, esta lancinante dor, ele que era “santo” acabou por se diluir no seu espectro mais carregado. E também os pequenos suicídios que ao longo da jornada infringimos parecem actos de impaciência e de curiosidade, mas não lhe apanhamos o sentido, já que tantos precisam de nós…..
“Fazes falta? Não fazes falta a ninguém”. Pessoa assim o afirmava, mas podemos fazer-nos falta a nós como agentes que somos de habitantes de um deus desconhecido e isso é a mais faltosa de todas as faltas. Há quem nos procure ainda por telepatia, por puro orquestrar de factos maiores… há aqueles que prolongam os nossos segundos antes do desconhecido….é bom?! É doce, no entanto.
Nós, gladiadores de todas as batalhas diremos no Portal: Nós te saudamos! Tudo o mais foi acaso e ter nascido.

18 Ago 2015

Pintura | Artistas de Macau e da China no Venetian

O Venetian organiza em Agosto a segunda mostra de pinturas a aguarela, com artistas locais e do continente a apresentarem mais de 80 obras

[dropcap style=’circle’]E[/dropcap]m Agosto, mais de duas dezenas de artistas apresentam no Venetian a exposição “Masters in Painting – Contemporary Watercolors”. A mostra, de pintura, junta 81 peças feitas em aguarelas.
Ao todo, são 39 os artistas que contribuem para a exposição, que tem lugar de 7 a 15 de Agosto no Florence Ballroom do Venetian. Entre paisagens, pessoas, animais e flores, são vários os temas dos quadros apresentados. De acordo com a orgainzação, a mostra vai trazer uma oportunidade única de admirar “não só o incrível talento que tem estado a trabalhar em Macau e no continente, mas também diversos estilos de pintura”.
Da China continental chegam Liu Dawei, líder da Associação de Artistas da China, Wu Changjiang, Wang Qijun, Li Xiaolin, Zhao Yunlong, Tian Haipeng, Jiang Zhinan e Ding Sizhong. De Macau, são Lai Ieng, presidente da Sociedade Artística de Macau, Poon Kamling e Ng Waiki.
Lai Ieng é um pintor contemporâneo nascido em Macau, que se especializou em aguarela, técnica que ensina no Museu de Arte de Macau. Foi agraciado com a Medalha de Mérito Cultural pelo Governo. Já Poon Kamling, também nascida em Macau, é artista de profissão, sendo a responsável por muito do design dos selos locais.
Esta não é a primeira vez que o Venetian leva a cabo uma exposição de pintura. Com esta, diz a organização, a ideia é continuar a dar hipótese tanto a turistas como a residentes de “admirarem as obras-primas dos melhores artistas de Macau e da China”.
O evento é de entrada livre, sendo co-organizado pela Associação de Artistas de Macau, a Beijing Hong Bao Bo Yi Cultural Development Company Limited, entre outros. A mostra vai estar patente durante oito dias, das 11h00 às 19h00, à excepção do dia 15, em que vai estar aberta apenas até às 16h00.

1 Jul 2015