Iec Long | Pedida acusação de Edmund Ho, Ao Man Long e Carion ao MP

Duas associações concordam que Edmund Ho, Ao Man Long e Jaime Carion deveriam ser investigados e trazidos à justiça por causa da troca de terrenos da Iec Long. Uma das associações entregou mesmo uma carta de acusação ao Procurador. O relatório do IC sobre o caso chega daqui a dois meses e o proprietário só restitui parte do dinheiro gasto nas obras de preservação

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap]grupo Iniciativa para o Desenvolvimento Comunitário de Macau entregou uma carta de acusação ao Ministério Público (MP) sobre o caso da permuta dos terrenos da Fábrica de Panchões Iec Long. A carta acusa o ex-Chefe do Executivo, Edmund Ho, o ex-Secretário para os Transportes e Obras Públicas Ao Man Long e o ex-director das Obras Públicas, Jaime Carion, de prevaricação e abuso do poder.
A Associação Novo Macau pediu também na sexta-feira que sejam apurados e trazidos à justiça os responsáveis envolvidos no caso. A Associação também considera que o MP deve investigar os mesmos responsáveis que o grupo da Iniciativa acusa.
Na carta divulgada pela Iniciativa considera-se que o relatório de investigação do Comissariado contra a Corrupção não meramente reflectiu que “a gestão dos terrenos pelo Governo no início do estabelecimento da RAEM era estranha e desordenada”, mas também que o caso aconteceu “devido à enorme transferência de lucros entre as figuras envolvidas”.
Foi Jaime Carion quem assinou a ordem de permuta, mas o relatório aponta reuniões com o Secretário e até o ex-procurador da RAEM, Ho Chio Meng.

Lucros e manipulações

A Associação considera que o caso só “aconteceu com manipulação humana a fim de obter lucros”. Portanto, salientando os artigos do Código Penal, acusa Edmundo Ho, Ao Man Long e Jaime Carion, mas também os membros administradores da Sociedade de Desenvolvimento Predial Nossa Senhora da Baía da Esperança por burla. A carta já foi entregue pela Associação na sexta-feira, dia em que a Novo Macau levou a cabo uma conferência. Caracterizou o caso da Iec Long como “uma extorsão” e pediu que se recuperem os recursos públicos gastos. A Novo Macau fala em injustiças nas trocas de terrenos, mas também abuso de poder, corrupção e erros administrativos. Crimes que, defende, só podiam ter sido cometidos pelos dirigentes da altura, onde se inclui o ex-Chefe do Executivo, Edmund Ho.
Sou Ka Hou, da Novo Macau, disse ao Jornal do Cidadão que o relatório do CCAC é um verdadeiro chumbo à Lei de Terras, que tem causado polémica na sociedade, e que só prova que o poder discricionário de um Chefe do Executivo dá origem a negócios “feitos por debaixo da mesa”.
A Novo Macau diz ainda que o caso demonstra apenas uma parte pequena das ilegalidades que aconteceram dentro do Governo e de conluio entre empresários e Executivo no passado.
Ng Kuok Cheong, deputado eleito pela Novo Macau mas agora separado do grupo, também assina por baixo das declarações feitas. Numa interpelação, questiona se o Governo tem intenção de prosseguir com acusações de fraude no MP e como é que vai fazer para receber o dinheiro dos terrenos.

* com Angela Ka

[drocap style=’circle’]O[/dropcap]Instituto Cultural (IC) tem de entregar um relatório sobre a preservação feita na Fábrica de Panchões Iec Long daqui a dois meses. A ordem é do Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, que o disse numa reunião do Conselho do Património Cultural, onde ficou ainda a saber-se que o proprietário da Fábrica terá de restituir apenas parte do dinheiro gasto na conservação.
“O IC vai ter de apresentar um plano de actividades sobre [as obras] e o relatório do Comissariado contra a Corrupção (CCAC). O relatório vai ser entregue por Ung Vai Meng e temos de encontrar o proprietário para recuperar o dinheiro”, frisou Alexis Tam.
A forma como foi feita a preservação da Fábrica incomodou o CCAC, que indicou que o IC deveria ter falado com o proprietário para que este fizesse a preservação da fábrica antes de gastar dinheiro do erário público. Na sexta-feira, Guilherme Ung Vai Meng, presidente do IC, explicou que a entrada do instituto na fábrica mesmo sem interesse do proprietário se deveu a situações que punham a população em risco.
“Podia ficar comprometida a vida da população. O IC teve de actuar. Havia mosquitos, ácido sulfúrico e carvão para o fabrico de explosivos. Tendo em consideração a ordem pública, o IC e a PJ entraram no local”, disse.
Os líquidos inflamáveis foram, depois, levados para Seac Pai Van em contentores e para “um local sem moradores”, onde foram queimados. O responsável admitiu que o IC não fez um trabalho “muito preciso” na procura do proprietário da fábrica, mas relembra também que quase todas as casas recuperadas são propriedade do Governo.
“Tomámos a iniciativa de reparar porque as casas estavam em ruína e porque o espaço estava a ser utilizado para ‘war games’. Mas também, das 16 casas que arranjamos, só uma não é propriedade do Estado. Daí que só tenhamos que pedir o dinheiro por uma”, frisou Ung Vai Meng, não sabendo, para já, indicar qual a percentagem dos cinco milhões
que tem de ser devolvida.

Museu no horizonte

A conclusão da investigação do CCAC face à troca de terrenos da Iec Long com o Governo, que mete o ex-Procurador, o Secretário Ao Man Long, e o ex-director Jaime Carion, indica que o acordo para a permuta de terrenos feito em 2001 está errado em vários princípios, que vão desde violações “graves à lei”, a falta de competência do director dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT) e a um cálculo de valores de terrenos prejudicial à RAEM.
Agora, a ideia é preservar o local até ao mínimo detalhe, sendo que o IC já manifestou querer integrar a Iec Long no segundo grupo de bens imóveis a ser classificados “em breve”.
Desde 2013 que “o IC tem feito imensas obras de reparação dentro da Iec Long” e foi nesse ano que teve “conhecimento do problema e tentou corrigir a questão [da degradação], mas não havia lei” do Património e o local, diz Ung Vai Meng, “estava em circunstâncias caóticas”.
O presidente do IC mostrou-se satisfeito por ter levado a cabo os trabalhos, porque “se não os tivesse feito tudo teria sido demolido”.
O instituto quer tornar o local um museu que mostre exactamente como se fabricavam os panchões: para isso baseou-se em livros sobre a história da fábrica, dialogou com os moradores da zona e recolheu utensílios e móveis para o espólio do património.

De tutela em tutela

O caso da permuta de terrenos da Iec Long envolveu a Shun Tak Holdings, que trocou um terreno de 99 mil metros quadrados com a Sociedade da Baía da Nossa Senhora da Esperança, que se dizia dona dos lotes da Fábrica. Sem autorização para tal, resta saber se os edifícios Mandarim Oriental e One Central estão em risco por estarem a ocupar um local cujo proprietário não era a Sociedade. Advogados dizem que não, mas numa resposta dada ao HM, o CCAC diz que “a Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes está a realizar a análise e o estudo aprofundado do caso” e vai acompanhá-lo “e resolver o assunto em conformidade com a legislação em vigor”. Já Alexis Tam, questionado na sexta-feira sobre a eventual existência de fraude, disse apenas que essa situação não cabia à sua tutela. “Compete a outros serviços públicos proceder a processos de acção judicial”, rematou.

18 Jul 2016

Procurador do MP ao lado do TUI sobre Ho Chio Meng

O procurador do Ministério Público (MP), Ip Son Sang, coloca-se do lado da decisão do Tribunal de Última Instância no que diz respeito à recusa em aceitar o pedido de habeas corpus de Ho Chio Meng. De acordo com a rádio, o procurador falou pela primeira vez sobre o caso do seu antecessor, assegurando que “as investigações continuam com diligências de inquérito”.
Pedindo que seja respeitado o “princípio de inocência presumida”, Ip Son Sang defende que, tal como disse o TUI, Ho Chio Meng não estava ao abrigo do estatuto de magistrado, porque coordenava a Comissão de Estudos do Sistema Jurídico-Criminal. Ou seja, não desempenhava as funções de procurador-adjunto, apesar de constar como tal em documentos oficiais.
 “O senhor Ho Chio Meng foi nomeado director daquela Comissão. Temos de respeitar a decisão do TUI”, disse Ip Son Sang, esta tarde, à margem da tomada de posse de Kan Cheng Ha como juiz presidente do Tribunal Colectivo dos Tribunais de Primeira Instância.
A rádio diz ainda que Ip Son Sang foi questionado sobre as razões de o antigo procurador do MP não ter sido suspenso das funções que desempenhava, assim que começou a investigação e sobre se essa foi uma intenção para que fosse apanhado em flagrante delito. 
“Não posso dizer que foi uma estratégia de investigação”, afirmou, escudando-se depois no facto de não poder fazer muitos comentários.
Ho Chio Meng é suspeito de ter favorecido empresas, algumas de familiares, na adjudicação de obras e serviços durante dez dos 15 anos em que foi procurador do MP. Está actualmente em prisão preventiva.

17 Mar 2016

Magistrados | Portugal diz que comissões “devem ser limitadas”. Procuradora vem a Macau

A licença de magistrados fora de Portugal deve ter um limite temporal. É o que defende o Conselho Superior do Ministério Público, que justifica assim a decisão de fazer regressar magistrados portugueses na RAEM ao país. Não implica que não possam vir outros, diz o organismo, que confirma a chegada a Macau de Joana Marques Vidal

[dropcap style=’circle’]P[/dropcap]ortugal quer que as comissões de serviço de funcionários públicos portugueses na RAEM sejam limitadas. Isso mesmo foi o que deu origem, segundo resposta do Conselho Superior do Ministério Público português ao HM, à exigência do regresso de magistrados que trabalhavam em Macau a Portugal.
Mais de um mês depois do HM ter avançado com a notícia de que magistrados portugueses a exercer na RAEM teriam de regressar a Portugal, por não verem a sua autorização de trabalho renovada, as autoridades lusas esclarecem a decisão. O nosso jornal transcrevia o exemplo de Vítor Coelho, magistrado que trabalhava no território há 16 anos e que acabou por regressar a casa, ao contrário do que desejava tanto o profissional, como o Ministério Público de Macau. A questão está, afinal, na questão do tempo.
“O Conselho Superior do Ministério Público tem entendido que as comissões de serviço devem ter uma duração limitada no tempo, tendo mesmo deliberado no sentido da duração da comissão de serviço ser, por regra, de três anos”, começa por explicar o organismo português. “[Essa comissão] pode ser renovada por igual período e pode ainda ser autorizada, depois, por motivos de excepcional interesse público, nova renovação até ao limite máximo de três anos.”

[quote_boxleft]“O Conselho Superior do Ministério Público tem entendido que as comissões de serviço devem ter uma duração limitada no tempo, tendo mesmo deliberado no sentido da duração da comissão de serviço ser, por regra, de três anos”[/quote]

A renovação foi o que aconteceu, aliás, no caso de magistrados portugueses na RAEM. A decisão seria sempre do organismo português, mas no caso de Vítor Coelho e dos outros três magistrados na mesma situação, não era esperada, devido não só ao longo período em que estão em Macau, como ao facto de ter sido tão repentina. Ainda assim, o Conselho assegura ao HM que há sempre disponibilidade para virem mais profissionais para o território. Só não serão os mesmos.
“Respeitando integralmente o Acordo de Cooperação no âmbito da Declaração Conjunta Luso Chinesa sobre a questão de Macau, [o Conselho] sempre manifestou empenho em aprofundar a cooperação estabelecida entre os dois Ministérios Públicos. E, consequentemente, empenho também na manutenção de magistrados do MP português na RAEM, como forma de salvaguarda da cultura e do sistema judiciário português [no] território. Assim, e como os magistrados do MP português que exercem funções no MP da RAEM se encontram em comissão de serviço, entende o Conselho que, como acontece em todos os outros casos, tais funções devem ter limitações temporais. Isto, sem prejuízo da total disponibilidade do Conselho para autorizar outros magistrados, com iguais qualificações, para o exercício dessas funções”, explica o organismo ao HM, numa resposta escrita.

Sem licença

A falta de magistrados na RAEM é uma das queixas mais ouvidas pelos profissionais da área e o facto de a licença especial – autorização que a maioria das pessoas ligadas a Portugal que trabalha nos vários organismos da Função Pública de Macau possui – estar a ser negada faz com que os contratos que cheguem ao fim não possam ser renovados. Esta licença permitia aos trabalhadores com vínculo a Portugal exercerem em Macau com as mesmas regalias de lá e, porque não estava a ser renovada, passou a não ser a única via utilizada pelos magistrados para cá ficarem. No entanto, essas outras vias – como as “licenças de longa duração” e a licença sem vencimento – deixaram de poder ser usadas. Os magistrados que optaram por cá ficar sem a licença especial não foram promovidos e não tiveram qualquer progresso na carreira e, actualmente, estarão dois magistrados com licenças sem vencimento e um ainda com a licença especial, renovada antes da decisão de Portugal – e estes deverão seguir o mesmo caminho de regresso.

Procuradora-geral em Macau “nos próximos meses”

O MP de Macau já tinha dito ao HM que convidou Portugal a vir falar do assunto à RAEM, algo que o organismo português diz ter aceite. O assunto vai fazer com que Joana Marques Vidal venha a Macau nos próximos meses. “Na sequência de um convite, que já aceitou, a Procuradora-Geral da República realizará, nos próximos meses, uma visita oficial à RAEM, constando como assunto a abordar no decurso da referida deslocação a prestação de serviço de magistrados do Ministério Público português no Ministério Público da RAEM”, confirma o organismo ao HM.

25 Jan 2016

DSSOPT vai ser investigada pelo MP. A denúncia partiu de uma associação

A Associação Iniciativa de Desenvolvimento Comunitário de Macau queixou-se ao Ministério Público da acção da DSSOPT a propósito de terrenos visados num relatório do CCAC

[dropcap style=’circle’]A[/dropcap] Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT) poderá ir parar a tribunal, caso uma queixa ontem entregue ao Ministério Público (MP) pela Associação Iniciativa de Desenvolvimento Comunitário de Macau vá avante.
O último relatório do Comissariado contra a Corrupção (CCAC) sobre os terrenos que ainda não foram revertidos para o Governo motivou a Associação a apresentar uma queixa junto do MP contra a DSSOPT. Os responsáveis do grupo, ao qual pertencem os deputados Ng Kuok Cheong e Au Kam San, estão confiantes com a investigação do MP.
“Verificámos que há pelo menos três terrenos que já ultrapassaram o prazo de 25 anos de concessão. Esse é o limite, mas depois disso o Governo ainda não fez nada para recuperar estes terrenos. Segundo a lei, ultrapassados os 25 anos, o Governo tem de recuperar esses lotes, mas segundo uma investigação do CCAC há pelo menos três terrenos que já ultrapassaram esse prazo. A Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT) não fez nada e pensamos que isso causa sérios danos ao interesse público”, disse Tong Ka Io, presidente da Associação, ao HM. “Esta é uma questão muito séria e por isso enviamos a queixa para o MP. Esperamos que o MP faça uma séria investigação ao caso e se há algum funcionário público a quem possam ser imputadas responsabilidades dentro da lei. O objectivo é que, no futuro, os funcionários públicos cumpram a lei e possam proteger o interesse público, sem mostrar interesse por essa questão. Os terrenos existem e as pessoas não vêem nenhuns procedimentos a serem tomados. Apresentamos esta queixa porque queremos que as coisas sejam correctas”, referiu.

Calendário por favor

Apesar do Secretário para as Obras Públicas e Transportes, Raimundo do Rosário, já ter garantido que os terrenos vão ser revertidos para a Administração, Tong Ka Io pede um prazo concreto.
“O Secretário disse que estão a tratar do caso, mas não apresentou nenhum calendário para resolver todos os casos relativos aos terrenos”, referiu. A Associação garante que, para já, não está a planear mais acções depois da queixa apresentada ao MP.
“Pensamos que esta acção é suficiente. Esperamos que o MP investigue o caso de acordo com a lei, achamos que são profissionais sérios e achamos fundamental notificar este tipo de casos junto do MP. Politicamente vamos continuar a exigir boas práticas na gestão dos terrenos, porque são os recursos mais importantes de Macau.”
O caso diz respeito a três de 16 terrenos que deveriam ter visto a sua caducidade declarada, sendo dois deles da Transmac.

8 Jan 2016

Magistrados | MP vai “discutir” questão de regresso com autoridades

O MP vai discutir com Portugal a questão de regresso de magistrados, mas de lá ainda não se ouviram quaisquer declarações sobre o caso

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap]Ministério Público (MP) assegurou ontem em resposta ao HM que vai discutir com Portugal a questão do regresso de magistrados portugueses em Macau ao país. Numa resposta que chegou tardia face ao pedido de esclarecimentos feito pelo HM na semana passada, o MP não adiantou pormenores sobre quando o irá fazer.
“Com base no regulado pela Lei de Bases da Organização Judiciária e Estatuto dos Magistrados, o Ministério Público da RAEM irá discutir atempadamente com Portugal sobre este assunto”, pode ler-se na resposta, que não adianta, contudo, se Macau foi informado da decisão de Portugal anteriormente.
A notícia avançada pelo HM na semana passada dava conta, recorde-se, que Portugal não está a renovar as licenças para que os magistrados possam exercer em Macau, fazendo com que não tenham outra hipótese se não o regresso ao país – isto porque também outras licenças e vias estão a ser negadas. justiça tribunais
Da parte de Portugal ainda não há – apesar das diversas tentativas do HM – um esclarecimento. O HM sabe que, além de Vítor Coelho, também Joaquim Teixeira de Sousa se terá de despedir de Macau em Agosto de 2016. Os outros dois magistrados estão na mesma situação, ainda que tenham outras vias que ainda lhes permitam cá ficar mais tempo do que Coelho e Teixeira.
Já Macau garante querer magistrados portugueses por cá.
“Existem quatro magistrados do Ministério Público de Portugal que estão a prestar serviço no Ministério Público da RAEM, dois dos quais vão voltar para Portugal no fim deste ano e em Agosto de 2016, respectivamente. Considerando a relação histórica entre Macau e Portugal, são bem-vindos os magistrados de Portugal para virem trabalhar em Macau”, pode ler-se.
Em declarações à Lusa na sexta-feira, o presidente da Associação dos Advogados de Macau confirmou que há menos licenças emitidas e renovadas por Portugal para magistrados e funcionários públicos exercerem funções em Macau, o que considerou “um desastre” para a presença portuguesa na região.

16 Dez 2015

Magistrados | Neto Valente apelida regresso de “desastre”

Neto Valente já reagiu à notícia avançada pelo HM sobre o regresso de magistrados portugueses ao país: é um desastre e não se coaduna com a cooperação. Portugal ainda não respondeu

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap]presidente da Associação dos Advogados de Macau confirmou na sexta-feira que há menos licenças emitidas e renovadas por Portugal para magistrados e funcionários públicos exercerem funções em Macau, conforme avançou o HM na semana passada. Jorge Neto Valente considera a medida “um desastre” para a presença portuguesa na região.
O advogado português falou com a Agência Lusa na sequência do artigo pelo nosso jornal que adiantava que Portugal está a exigir aos magistrados portugueses em Macau que regressem ao país, não lhes renovando a licença especial para exercerem no território e ao abrigo da qual mantêm as regalias do vínculo à administração portuguesa.
O presidente da Associação dos Advogados de Macau disse à Lusa ter conhecimento de várias situações e colocou a questão em duas vertentes: dos magistrados e dos funcionários públicos.
Em relação à primeira, Neto Valente alega que “o número de magistrados em Macau é incrivelmente baixo” e que “deveriam vir mais de Portugal”.
“Agora, se Macau recruta poucos e se Portugal não deixa vir nenhuns, de facto, é um desastre completo. É um dano muito grande. (…) Mesmo que em Portugal haja falta de magistrados, e admito que haja, não faz sentido nenhum porque não são seis ou sete magistrados que vão colmatar as falhas de dezenas ou centenas”, afirmou.
Para Neto Valente, a medida do Conselho Superior do Ministério Público de Portugal causa “uma grande pressão para acabar com o uso da língua portuguesa nos tribunais” do território.
“A identidade de Macau passa também pelo sistema jurídico, que é único. Este sistema só pode funcionar se tiver portugueses. Não quer dizer que tenha a maioria, não é uma questão de quantidade, mas tem de ter portugueses. Não há razão nenhuma para se falar português nos tribunais se não houver magistrados portugueses. Não é só por causa dos advogados, [que] não têm força suficiente”, vincou. “Este prejuízo concreto da magistratura é gravíssimo. Dificilmente arranjariam pior prejuízo”, afirmou Neto Valente, a propósito das consequências para a presença de Portugal em Macau.

À espera

Neto Valente argumentou ainda que as manifestações culturais de matriz portuguesa que perduram no território “são iguais em todo o mundo” e que “isso não é identificativo de Macau”.
“O sistema identitário da região é o sistema jurídico, porque é único – não é igual ao da China, de Taiwan, ou de Hong Kong – e é um sistema jurídico muito mais próximo do português do que qualquer um”, acrescentou.
Por outro lado, referiu que também “têm sido levantadas muitas dificuldades para os funcionários [de Portugal] virem [para Macau]”, ao abrigo da licença especial, por períodos de dois anos renováveis, estabelecida pelo decreto de lei 89-G/98.
“Eu sei que tem havido menos licenças concedidas e isso faz diferença”, observou, sublinhando que se para Portugal o número de funcionários em causa “é uma gota no oceano”, para Macau, “a ‘meia-dúzia’ de portugueses que aqui há faz muita falta”.
Apesar de este ser um assunto da competência do Ministério Público, Neto Valente manifestou “esperança” de que a situação mude com o novo governo português e criticou a alegada incoerência do discurso político: “Andarem a dizer que querem que Macau (…) tenha uma comunidade [portuguesa] pujante e que Portugal está preocupado com o evoluir de Macau e que se interessa muito, é mentira. Como se vê todos os dias: vêm aí uns sujeitos fazer uns negócios e mais nada. Se não forem as exportações, não querem saber de Macau para nada”, afirmou.
Recorde-se que o HM deu a conhecer a situação do magistrado Vítor Coelho, há 16 anos em funções em Macau que regressa ainda este mês, para Portugal. Segundo o magistrado e o que HM conseguiu apurar não há possibilidade nenhuma de renovar a licença, uma vez que não foi apenas a especial que foi recusada.
O HM continua à espera de respostas pela parte do Conselho Superior do MP em Portugal, do Ministério dos Negócios e Estrangeiros e do MP de Macau.

14 Dez 2015

Justiça | Advogados concordam com Ip Son Sang sobre penas pesadas

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap] novo Procurador do Ministério Público (MP), Ip Son Sang, abriu o presente ano judiciário com um discurso que abre os horizontes sobre a aplicação de penas pesadas. E há quem concorde com ele.
“A aplicação de penas pesadas não resolve o problema da insegurança e do crime”, disse. Ip Son Sang não se fica por aqui: o Procurador considera que há que encontrar “equilíbrio entre o combate à criminalidade e a protecção dos direitos humanos”.
A que crimes se referia, não se sabe, mas a situação traz à tona críticas tecidas por vários deputados e associações locais, que pedem penas mais pesadas, principalmente em casos relacionados com droga. Exemplo disso é a opinião da Associação das Mulheres e do Grupo de Trabalho Especializado para a Revisão da Lei de Combate à Droga. Contudo, os advogados de Macau parecem assinar por baixo das declarações de Ip.
Contactado pelo HM, o advogado João Miguel Barros lembra que Ip Son Sang não se referiu a um crime específico, mas reconhece que há mudanças que podiam ser feitas. “Depende de caso para caso e do tipo de crime”, sublinha.
No entanto, está ao lado de Ana Fonseca quando se fala em consumo de droga. João Miguel Barros é peremptório: há crimes que não justificam penas pesadas de prisão, como consumo de estupefacientes ou crimes económicos. A título de exemplo traz a lume um caso por si defendido ainda durante a Administração portuguesa.
“O juiz português [à frente do caso] percebeu o enquadramento em que o problema se colocava (…) O jovem tinha sido apanhado com várias dezenas de gramas de marijuana e com a lei de Macau isso implicaria vários anos de prisão, mas o juiz deu uma sentença de censura muito grande ao consumo, mas em pena suspensa com proibição de entrar em casas de jogos e obrigação de estudar ou trabalhar”, contou o advogado. Foi graças a esta decisão, explica, que o então jovem “teve oportunidade de começar a trabalhar, constituir família e tem tido uma vida completamente limpa”.
Este é, para João Miguel Barros, um bom exemplo de como se pode punir alguém por um crime, sem estragar uma vida. “Não é colocando o consumidor [de droga] na prisão que se vai resolver o problema”.

Maturidade e bom senso

“Tudo tem que ver com a forma como a sociedade olha para os problemas”, acrescentou João Miguel Barros. Em declarações ao HM, fala da necessidade de contextualizar os tipos de crime e julgá-los tendo em conta outras variantes. “Se pensarmos que uma pessoa que comete um crime tem que ficar encarcerada a vida toda, sem sequer ter a oportunidade de reinserção social, a sociedade de Macau é um bom exemplo disso”, considera.
Barros considera que o problema das penas pesadas está relacionado com a própria estrutura social de Macau e alerta para a falta de políticas de reinserção social que possam suportar um sistema judicial diferente.
Para Ana Fonseca, o problema reside no factor das penas mínimas serem logo “muito altas”, acreditando a advogada que a moldura penal devia sofrer uma reestruturação.
“O mínimo e o máximo [de penas previstas na lei] deviam ser alargados. O mínimo está logo muito alto e o juiz não tem liberdade nenhuma”, disse ao HM. O que o Procurador fez no seu discurso foi, para Ana Fonseca, apelar “ao bom senso dos juízes” por ser um profissional “experiente e com maturidade”.
Já Mário Paz é claro: “qualquer pessoa inteligente concordaria com essa afirmação [do Procurador]”. Antes de mais, congratulou Ip pela coragem de, “num contexto em que se erguem vozes a pugnar pelo aumento das penas”, ser capaz de “dizer não” à implementação desta medida. O advogado preferiu não comentar sobre que crimes considera que devia ter penas menos acrescidas, pois diz ser “um assunto muito controverso”.

Duras críticas

Questionado sobre o actual sistema judicial, Ana Fonseca alerta para uma série de problemas.
“(…) Invertem-se alguns dos princípios fundamentais do Direito Penal, onde em vez de haver presunção de inocência, há presunção de culpabilidade e tem que ser o próprio incriminado a provar que é inocente”, critica a jurista.
Também para Ana Fonseca o pensamento e cultura locais pesam naquilo que é decidido nos tribunais. Tem-se assistido, para a advogada, a “um movimento social de tentar criminalizar tudo”. A jurista ilustra também com o caso de crimes relacionados com a droga, nomeadamente consumo.
“Agora já estamos muito melhor, porque antes os juízes eram obrigados a aplicar oito anos”, afirma. No entanto, acredita que há ainda muito a fazer nesta matéria, justamente apelando ao alargamento da moldura penal. Tal daria mais opções aos juízes.
Questionado sobre os problemas na base desta tendência, João Miguel Barros fala de uma visão “muito limitada” da sociedade e da forma “preguiçosa” que os juízes têm de aplicar a lei. “Devia ser repensado este mecanismo de censura social”, declarou.

Burla para pesar mais

Os advogados contactados pelo HM consideram que também os crimes económicos têm, regra geral, penas demasiado pesadas. “Claro que temos que pensar nisto nas suas diversas escalas, mas na área do crime económico vejo que se devia ponderar outro tipo de situações, porque não é a prisão pura e dura que resolve”, considera João Miguel Barros.
O jurista fala da hipótese de decretar o pagamento obrigatório de uma coima, por exemplo. Ana Fonseca insiste num maior respeito pelos princípios fundamentais do Direito, sem margem para manipulação do Direito Penal. “Às vezes até pode tratar-se de um crime menor, mas põem-se logo a julgar como burla para dar uma pena maior”, ilustrou.

16 Out 2015