Andreia Sofia Silva PolíticaUM e Universidade de Lisboa querem cooperar na área da medicina A Universidade de Macau (UM) e a Universidade de Lisboa (UL) poderão cooperar na área da medicina. A ideia foi deixada pelo Chefe do Executivo, Ho Iat Seng, que num encontro com o reitor da UL, Luís Ferreira, realizado na quarta-feira, disse esperar que as duas instituições possam “acelerar projectos no âmbito do acordo de cooperação na área da medicina”, já assinado. Recorde-se que, numa entrevista concedida ao HM em 2019, Fausto Pinto, director da Faculdade de Medicina da UL, admitiu “interesse [da parte da UM] numa aproximação na área da medicina”. “Temos contactos com a UM e sei que estão a desenvolver potenciais actividades na área da medicina com as quais teremos todo o gosto em participar”, disse na altura Fausto Pinto, que acrescentou que o projecto estava ainda “numa fase muito inicial”. Ho Iat Seng reuniu com dirigentes da UL em Abril, durante a visita a Portugal. Neste novo encontro com Luís Ferreira, o Chefe do Executivo salientou que o território “possui uma base sólida e vantagem para o desenvolvimento sustentável do ensino de português, investigação científica e académica e formação de quadros qualificados na área do turismo”. O governante adiantou ainda que, nos últimos anos, “as instituições de ensino superior de Macau e Portugal têm concretizado vários projectos de cooperação, que consolidam a parceria entre as partes nas áreas do ensino superior e tecnologia, criando oportunidades de desenvolvimento de alta qualidade”. Grandes capacidades Luís Ferreira salientou que a UL “possui uma das melhores capacidades em investigação científica do mundo na área da medicina, com laboratórios avançados e resultados de investigação científica de nível mundial”. O reitor espera, assim, que as duas instituições de ensino “possam cooperar de forma prática na área da medicina, contribuindo para Macau em matéria de investigação científica, desenvolvimento académico e formação de quadros qualificados e melhorando a vida da população de Macau”. No encontro estiveram ainda presentes o reitor da UM, Song Yonghua, e o vice-reitor, Rui Martins.
Valério Romão h | Artes, Letras e IdeiasTemos de falar sobre isto Com mais de cem anos de prática de ciência a sério no lombo, já era tempo de falarmos mais seriamente das charlatanices que vamos aceitando porque erradamente, lhes atribuímos uma inocente função paliativa. Sim, eu sei o que é olhar nos olhos de uma pessoa cuja réstia de esperança ficou no chão do consultório do oncologista. Eu sei o que é perceber subitamente a radical impotência das palavras e dos gestos perante o mais absurdo desespero: «mas eu sinto-me bem… Como é que é possível que isto esteja a acontecer quando eu me sinto tão bem, é só uma dor aqui junto às costelas, mas nem é nada de mais…» A medicina tem de lidar muitas vezes com a questão do fim de vida. Nem sempre o faz bem, muito especialmente em Portugal e nos países onde existe uma forte tradição de a família se substituir ao doente quando um diagnóstico é especialmente difícil. Mas tem de lidar com isso; não pode dizer «olhe, não perca a esperança porque pode acontecer um milagre». Não digo que milagres não aconteçam. Mas um milagre, do ponto de vista da medicina, é apenas um fenómeno para o qual ainda não temos uma explicação adequada. É qualquer coisa ao modo da Terceira Lei de Clarke: «qualquer tecnologia suficientemente avançada é indistinguível da magia.» Quando a medicina capitula, consciente dos seus limites tecnológicos e éticos (sim, há uma ética em comunicar o fim, uma ética sobre a qual se funda, aliás, todo o edifício do que deve ser o comportamento adequado de um médico) entra então sorrateiramente a chamada «terapia alternativa». Normalmente, não promete a cura. Regra geral, as terapias alternativas são astutas em relação ao que oferecem (até porque a única coisa que têm, de facto, para oferecer, está do lado do paciente e reside na capacidade que este tem de ser sugestionado). Não podem oferecer uma cura, pelo menos ao modo da medicina, porque não a têm. Pelo que têm de percorrer caminhos tão alternativos como o adjectivo que as qualifica. Na maior parte das vezes, dizem-se preventivas: nesse aspecto são uma espécie de «medicina» no sentido grego da palavra: uma forma de vida cujo objectivo fundamental é preservar a saúde e impedir a doença. Mas quem muitas vezes lá chega já está para lá desse pináculo. Precisa de soluções. Não podendo prometer curar o cancro (e, ainda assim, alguns têm o descaramento moral de o fazer, sendo essa forma de exploração da fragilidade alheia um dos rostos mais asquerosos da ganância humana) advogam toda uma panóplia de mezinhas para «tornar a vida mais confortável», «ajudar com os efeitos secundários», «lidar com a dor» e, com alguma esperança (quase sempre albardada no lombo do paciente que «tem de ter fé no poder se curar!», recaindo sobre este o motivo do sucesso ou insucesso da terapia), «prolongar a vida» ou mesmo «ousar o milagre», coisa que dizem quase em surdina, acendendo assim uma luzinha na consciência do desesperado sem se comprometerem em demasia. Dir-me-ão «mas que mal tem? as pessoas precisam de esperança!» Não. O que as pessoas precisam, e essa é uma comodidade relativamente em desuso nesta época, mal-grado os nossos avanços tecnológicos e a nosso orgulho na modernidade, que usamos como um brinco de pérola à orelha, é da verdade. Da radical e muitas vezes dolorosa verdade. Porque essa é que nos permite traçar um caminho exequível com o pouco tempo que nos resta. Sim, estamos todos a prazo. Muitas vezes, o prazo chega anuncia-se mais cedo e nesse tempo, nesse pouquíssimo tempo que nos resta, precisamos de estar atentos àquilo que de facto nos pode iluminar, mesmo que por breves segundos apenas, o rosto. Não precisamos de todo daqueles que antes mesmo de nos termos findado já nos vêm somente como carniça, caveiras sorridentes para onde riem enquanto nos metem as mãos nos bolsos.
Hoje Macau SociedadeTSI | Médico mantém licença apesar de oito infracções num ano O Tribunal de Segunda Instância (TSI) decidiu que os Serviços de Saúde (SSM) não podiam cancelar a licença de um médico da área tradicional chinesa, apesar de entre Dezembro de 2017 e Novembro de 2018 ter havido um total de oito queixas contra o profissional. No entendimento expresso no acórdão assinado por Vasco Fong, em causa não está a natureza dos actos praticados pelo médico, que é vista como censurável, mas antes o facto de os procedimentos legais não terem sido seguidos. “Independentemente do grau de censurabilidade das infracções cometidas […] os Serviços de Saúde só lhe poderiam cancelar a licença quando se verificassem os pressupostos legalmente previstos, mas sempre dentro do quadro legal”, é apontado. Ainda de acordo com a decisão de Novembro, mas divulgada ontem, o cancelamento pelo director dos SSM é legitimo como entidade de supervisão, desde que seja antecedido por duas suspensões da licença. O tribunal diz que a suspensão também seria legal se já tivesse havido outro inquérito disciplinar concluído e, se após uma nova queixa, as infracções voltassem a ser cometidas. Apesar da decisão ser favorável ao médico, o tribunal realçou que a conduta do médico não deixa de ser censurável.
João Santos Filipe VozesValores dúbios [dropcap]N[/dropcap]os últimos dias tenho visto alguns trabalhadores dos Serviços de Saúde de Macau, a título pessoal nas redes sociais, a desvalorizarem a Pneumonia de Wuhan. Parece que o vírus da influenza é mais mortal e causa 40 mil mortes todos os anos nos Estados Unidos. Como se não fosse suficiente ainda vêm falar de “manipulação” do Ocidente… Felizmente, depois de se reconhecer a dimensão do problema que temos em mãos, tanto o Governo Central como o Governo de Macau têm mostrado bem mais respeito pelos mortos, pelos infectados e pela população. Estão à procura de soluções, apesar do enorme desafio. Mas não deixa de ser engraçado que pessoas que trabalham em serviços com tanta responsabilidade estejam mais focadas na política de agressão externa do que na população de Macau e da China. Numa fase tão complicada como a que atravessamos, que prioridades são estas? Acham que é assim que se tranquiliza a população com este discurso de ódio? Não percebo estes valores. Parece que para estes profissionais de saúde não importa que morram chineses, desde que morram mais americanos. São os nacionalistas de pacotilha, para quem o bem do país é secundário desde que o “Ocidente” esteja pior. Finalmente, quero recordar Alexis Tam. Lutou pelo centro de doenças infecto-contagiosas e foi bloqueado pelos interesses locais. Ficou claro que era tão urgente quanto ele dizia. Defendeu a criminalização das pensões ilegais e o tempo deu-lhe razão. Quantos “turistas ilegais” de Wuhan estavam “escondidos” nesses viveiros de criminosos no NAPE e ZAPE sem que seja possível localizá-los? Pois…
Hoje Macau SociedadeMedicina | MUST na Aliança Mundial de Escolas dos PLP [dropcap]A[/dropcap] Universidade de Ciências e Tecnologia de Macau (MUST, na sigla inglesa) tornou-se membro fundador da Aliança Mundial de Escolas de Medicina dos Países de Língua Portuguesa. De acordo com um comunicado oficial, a aliança foi celebrada por 13 universidades de países de língua portuguesa e Macau, onde se inclui as universidades do Porto e de Lisboa. Manson Fok, director da Faculdade de Medicina da MUST, a Aliança tem como objectivos a integração dos recursos humanos formados em medicina nas instituições de saúde desses países, a fim de promover o intercâmbio cultural e académico. “Este acordo é um marco histórico que abriu a porta em termos de colaboração mundial entre o Governo da RAEM e as escolas de medicina dos países lusófonos. Vamos escrever uma nova página do desenvolvimento da medicina”, frisou o responsável. A Faculdade de Medicina da MUST foi criada em Março deste ano, sendo que a primeira turma possui 49 alunos. O curso, que começou em Setembro, tem 80 por cento dos alunos de Macau, com os restantes oriundos da China, Hong Kong, Taiwan e países lusófonos.
Hoje Macau PolíticaMedicina | Wong Kit Cheng elogia novo curso na MUST [dropcap]W[/dropcap]ong Kit Cheng mostrou-se satisfeita com a aprovação da primeira licenciatura em medicina do território que será administrada pela Universidade de Ciências e Tecnologia de Macau (MUST). Em declarações ao jornal Ou Mun, a deputada considerou que o curso constitui um bom início para a formação de talentos locais na área da saúde e irá levar a um desenvolvimento do sector. Wong Kit Cheng alertou ainda para a necessidade de ser feita uma articulação entre este curso e a Academia Médica, que será criada pelos Serviços de Saúde. Tendo em conta a política de cooperação da Grande Baía, a deputada defende também que é necessário olhar para a articulação entre a acreditação profissional no interior da China e os licenciados do curso.
Andreia Sofia Silva Manchete SociedadeGoverno aprova primeira licenciatura em medicina do território É no sector privado, e não no público, que nasce a primeira licenciatura em medicina de Macau. De acordo com um despacho publicado ontem em Boletim Oficial, a Universidade de Ciências e Tecnologia de Macau está autorizada a operar o curso que terá a duração de seis anos. Contudo, alguns profissionais do sector questionam a qualidade e eficiência do curso [dropcap]L[/dropcap]eituras de medicina obrigatória, bio-medicina e sistema respiratório, preparação de proficiência clínica, linguagem e técnicas de comunicação e medicina alternativa. São estas algumas disciplinas que fazem do currículo da primeira licenciatura em medicina do território, que irá funcionar na Universidade de Ciências e Tecnologia de Macau (MUST, na sigla inglesa). A licenciatura terá a duração de cinco anos, com mais um ano de estágio. A formação em medicina surge, assim, antes do projecto da Academia Médica, uma ideia que está actualmente em estudo no Conselho para os Assuntos Médicos e que foi anunciado por Alexis Tam, secretário para os Assuntos Sociais e Cultura. Quem está contente com esta aprovação é Chan Iek Lap, médico pediatra, mas também deputado eleito pela via indirecta pelo sector profissional. “No passado, numa sessão plenária da Assembleia Legislativa (AL), onde esteve presente o Chefe do Executivo, sabia que a MUST tinha apresentado o pedido para ter uma licenciatura em medicina há cerca de três anos e que, nessa altura, continuava sem resposta do Governo. Aí fiz a questão ao Chefe do Executivo [Chui Sai On] e obtive uma resposta positiva”, frisou. Chan Iek Lap confessou ao HM que tem vindo a acompanhar este dossier e espera “que a universidade possa aproveitar esta oportunidade e empenhar-se bem nos trabalhos de criação da Faculdade de Medicina, para responder às expectativas da população”. O deputado estima que a MUST demore entre três a cinco anos até receber os primeiros alunos, uma vez que terão de ser recrutados professores de diferentes áreas para constituir o corpo docente do curso. As previsões de Chan Iek Lap parecem, no entanto, estar erradas, uma vez que, de acordo com um comunicado divulgado pela MUST apenas em língua chinesa, a universidade espera receber o primeiro grupo de estudantes já em Setembro, ainda a tempo de ingressar no ano lectivo 2019/2020. Chan Iek Lap disse ainda compreender que este curso surja primeiro no ensino superior privado, deixando para segundo plano o projecto público anunciado por Alexis Tam. “O alvo de alunos [que a MUST e a Academia Médica] vão receber é bem diferente. A Faculdade de Medicina da MUST vai receber finalistas de cerca de 70 escolas secundárias de Macau. Se calhar, no início, recebe 50 alunos, e depois recebe cerca de uma centena, ou mais. Serão necessários professores e a construção de um edifício, além de ser necessário também alargar as áreas da MUST. Não se tem coragem para fazer tudo isso antes do pedido ser aprovado pelo Governo”, explicou ainda. Os que criticam Rui Furtado, ex-presidente da Associação de Médicos de Língua Portuguesa de Macau, questiona a rentabilidade e idoneidade da nova licenciatura. O médico, a exercer no privado, depois de anos a trabalhar no Centro Hospitalar Conde de São Januário, chega mesmo a defender que seria melhor estabelecer parcerias com universidades em Hong Kong para que os alunos de Macau estudassem lá medicina. “Vão fazer o curso na MUST, e do que conheço do hospital universitário não tem condições para o fazer, mas pode ser que as criem. Continuo a achar que era muito mais fácil criar condições para as pessoas fazerem a licenciatura em Hong Kong, era reconhecida a idoneidade dos cursos e as pessoas de Macau ficavam mais bem servidas.” Rui Furtado acrescenta ainda que se este curso “não vale a pena” se servir apenas como resposta aos alunos de Macau. “Para o número de pessoas que irá fazer o curso, não estou a ver como vão fazer. Um curso de medicina tem necessidades que não são iguais a um curso de direito ou de gestão. Tem de ter uma base técnica e um hospital reconhecido e idóneo, e depois tem de ter a possibilidade de dar os cursos nos anos clínicos.” O médico destaca a necessidade de existirem doentes com patologias diversificadas para que os alunos possam ter experiência com diferentes diagnósticos. “Não vejo isso numa população como a de Macau. Mas vamos ver como vão organizar isso.” O sexto ano será de estágio, e para Rui Furtado a maior questão não é onde ele será realizado. “O problema dos estágios é que não são mais do que medicina tutelada, e quando as pessoas os vão fazer já tiveram uma parte prática que lhes permite fazer essa medicina tutelada. O meu problema são os anos clínicos.” Fernando Gomes, presidente da Associação dos Médicos dos Serviços de Saúde de Macau (SSM), confessou ao HM que este curso será “um sorvedouro de dinheiro”. “Temos é de formar mais especialistas. Todos os anos são formados médicos fora de Macau e esses podem sempre regressar. Porque se vai então criar um curso de medicina? Para mim é um sorvedouro de dinheiro, ponto final. Quantas pessoas vamos formar por ano? Em quatro ou cinco anos vai-se esgotar a procura por esse curso em Macau.” Para Fernando Gomes, o problema não está no local em que é estabelecida a licenciatura. “Pode ser na MUST ou na Universidade Cidade de Macau. Não temos médicos referenciados como professores, implica muito dinheiro. E ao fim de quatro ou cinco anos a procura está esgotada.” Rui Furtado defendeu também que os SSM não têm capacidade para administrar cursos numa academia médica. “O importante desta licenciatura é que ela tenha qualidade. Não me choca [que seja primeiro criado o curso no privado], porque o projecto público deve ter condições que a Administração não tem. Não estou a ver como é que o sector público o iria fazer.” Academia em standby Uma das últimas reuniões do Conselho para os Assuntos Médicos aconteceu em Julho do ano passado. À altura foi garantido que a futura Academia Médica será “uma instituição de formação, subordinada ao subsistema da direcção dos SSM”. “Como ainda não existe o regime de inscrição de médicos especialistas, os finalistas dos cursos de formação que serão administrados pela Academia Médica apenas possuem qualificação profissional, não podendo exercer actividades como médico especialista”, explicam os SSM em comunicado. Além disso, “estes médicos só poderão exercer a profissão de médico especialista após solicitarem a inscrição de médico especialista aos SSM quando estiver aprovado o Regime Legal da Qualificação e Inscrição para o Exercício de Actividade dos Profissionais de Saúde.” Actualmente, este diploma encontra-se a ser analisado pelos deputados na especialidade. No futuro, a Academia Médica “será responsável por definir e publicar formação especializada, provas e critérios de acreditação de qualificação, bem como apreciar o reconhecimento dos primeiros académicos que sejam formadores”. A academia terá um conselho profissional, com funções de órgão decisório, que inclui quatro faculdades: a de Medicina Interna (com um total de 18 especialidades), Cirurgia (com 13 especialidades), Faculdade de Medicina Comunitária (com três especialidades), e Faculdade de Medicina de Suporte, com a inclusão de seis especialidades, como patologia clínica, medicina legal e medicina nuclear, entre outras.
José Navarro de Andrade h | Artes, Letras e IdeiasProgresso e crença [dropcap]À[/dropcap]s nove e meia da noite do dia 14 de Novembro de 1853 a Rainha D. Maria II entrou em trabalhos do seu décimo primeiro parto. Correu tudo mal – das vascas da morte a esta propriamente dita foi o trânsito de uma madrugada. Já antes Maria tivera parições duríssimas e três dos seus nascituros vieram mortos ao mundo. Segundo algumas crónicas, num caso pelo menos houve que degolar o bebé in utero para que a mãe sobrevivesse. Por volta das duas da manhã o Teixeira, 1.º cirurgião privativo da Real Câmara, ainda augurava esperanças, mas três horas depois pediu que entrassem os restantes quatro colegas, que salvaguardavam o pudor da monarca aguardando respeitosamente à porta da sua alcova, a fina-flor da ciência médica nacional, para deliberarem o que fazer. Foi consensual diagnosticarem a situação como aflitiva e de imediato deram início à operação. Rasgado o ventre da Rainha extraíram-lhe D. Eugénio a tempo de o baptizarem antes de expirar. Ainda foram convocados mais dois médicos, entre os quais o ilustre Magalhães Coutinho, mas a causa estava perdida. Sem recursos que valessem à moribunda, que se mantinha meio consciente, os clínicos ministraram-lhe clorofórmio para lhe mitigar o sofrimento e hão-de ter procedido a uma ou outra flebotomia, o que à margem do jargão da arte se chama de sangria, em tentativas para lhe purificar o sangue e estimular a reacção do organismo. Combalida mas lúcida, D. Maria confessou-se e recebeu a extrema-unção do Patriarca, despediu-se dos íntimos e foi-se esvaindo até ao seu passamento às onze da manhã. Tinha trinta e quatro anos. As catástrofes sanitárias que assolaram a Coroa portuguesa não se ficaram por aqui. Dois anos depois da morte da Rainha consorte D. Estefânia, vítima de difteria, em 1861 e no período de um mês, o tifo haveria de dizimar o rei D. Pedro V, com 24 anos, e os príncipes D. Fernando e D. João, ambos adolescentes. Sobreviveu o irmão Luís que ganhou horror ao infecto Paço das Necessidades onde consta nunca mais ter posto os pés. Se for levado em conta que esta mortandade se abatia sobre quem habitava palácios, vivia rodeado de cuidados, comia e bebia do melhor e do mais impoluto e era zelado pela mais avançada medicina da época, com maior acuidade se percebe a urgência e o realismo que Dickens investiu no seu “Hard times” de 1854 e Victor Hugo em “Les Misérables” de 1862. Há, porém, outro aspecto que importa trazer à colação: esta mortandade ocorreu há coisa de 150 anos, uma bagatela na passagem do homo sapiens sapiens pelo planeta, que já dura há 200.000 anos. O séc. XX abundou em desastres e patifarias provocadas pelo ser humano, mas também em progressos assombrosos. Só a má-fé ou um espírito obtuso não ficará extasiado com o facto de a medicina ter evoluído mais em tão curto tempo do que em todos os anteriores 189.850 anos. Hoje só por grave incompetência não teria sido estancada a hemorragia que vitimou D. Maria e as epidemias de tifo, se não foram erradicadas, estão controladas. De cada vez que fazemos o gesto simples e casual de tomar um antibiótico, há 150 anos enfrentaríamos a morte. Estamos no entanto a assistir actualmente a um fenómeno perturbante senão mesmo embaraçoso. Os habitantes das regiões mais pobres e ermas do planeta onde a medicina não chegou ou é rudimentar, ambicionam, com maior ou pior sorte, o bem-estar e a qualidade de vida que ela proporcionou aos cidadãos dos países mais desenvolvidos. Por experiência própria, ninguém melhor do que eles entende as vantagens da aspirina ao chá de ervas a que têm de recorrer. Em contrapartida, uma parte dos principais beneficiários deste miraculosos progressos, a despeito de todas as confirmações históricas e estatísticas, deu desconsiderar a medicina e a ciência preferindo-lhes terapias – pseudo-terapias – cuja eficácia é sustentada por um atabalhoado e pedestre jargão cabalístico mas, aparentemente, muito convincente porque parece “tradicional”, “natural” e “autêntico”. Dos vários motivos que levam tanta gente a tamanho obscurantismo, dois serão preponderantes. 40 anos de insistência numa cultura da suspeição estão a produzir o seu efeito. Dela emerge uma forma de niilismo que vez de reparar que nunca as sociedades foram tão abertas e escrutinadas como hoje, imagina o mundo governado por um círculo secreto e fechado a conspirar no escuro contra mim. De tudo se duvida, portanto, porque sobre tudo se presumem más e obscuras intenções. Outra causa será a espécie de solidão e desalento existencial que carece dos consolos especulativos da metafísica e das verdades seguras, embora inexplicáveis, de um transcendente. Conhecer não basta, é preciso acreditar. Mas em nome de uma pretensa pureza este misticismo tem que ser exótico e original, esotérico e meândrico, porque das formas organizadas, domésticas e tradicionais, ou seja, das igrejas, desconfia-se que façam parte da conspiração. Só desdenha aquilo que tem, quem o toma como adquirido. A isto pode dar-se o nome de “alienação”. Talvez um pouco de consciência histórica e, literalmente, de razão, mesmo que em doses homeopáticas fizesse bem aos insatisfeitos da boa fortuna.
Hoje Macau China / ÁsiaTailândia | Marijuana legalizada para fins medicinais [dropcap]O[/dropcap] parlamento da Tailândia aprovou hoje a legalização do uso de marijuana com fins medicinais e de investigação. A medida faz com que se torne no primeiro país do sudeste asiático a unir-se ao Canadá, Austrália, México, Brasil e alguns estados dos Estados Unidos da América. A alteração apresentada pelo Governo à lei de estupefacientes de 1979 foi aprovada com 166 votos a favor e 13 abstenções dos deputados da assembleia escolhida pela junta militar no poder desde o golpe de Estado de 2014. A modificação contempla também a legalização com fins medicinais do kratom, uma árvore do sudeste asiático cujas folhas se usam como estimulante, analgésico ou narcótico. A Assembleia Nacional aprovou também aumentar de 17 para 25 o número de elementos do comité de controlo de narcóticos que se encarrega de aprovar a produção, importação, exportação e posse de canábis e de kratom. Segundo a reforma, a posse das duas substâncias será legal em quantidades necessárias para tratamentos juntamente com uma prescrição ou certificado emitidos por médicos, dentistas ou especialistas de medicina tradicional e indígena. A câmara remeteu ao executivo o diploma, que entrará em vigor quando for publicado no boletim do Governo. A Tailândia ilegalizou a marijuana em 1935 e até agora castigava-se com até cinco anos de prisão a posse ou transporte de até 10 quilos, enquanto para quantidades superiores as penas ascendiam a 15 anos de prisão. O sudeste da Ásia conta com algumas das legislações mais duras contra as drogas, que no caso de Singapura, Indonésia ou Malásia preveem a pena de morte para os traficantes de estupefacientes, incluindo a marijuana.
Andreia Sofia Silva SociedadeApoio social | Caritas quer abrir clínica dentária no próximo ano Paul Pun, secretário-geral da Caritas Macau, pretende abrir no próximo ano uma clínica dentária destinada a trabalhadores não residentes com poucas posses. Ontem abriu a clínica com dois médicos de clínica geral [dropcap]O[/dropcap]s doentes foram poucos, ou nenhuns, no primeiro dia em que a clínica destinada a trabalhadores não residentes (TNR) abriu portas, na zona da Barra. O mais recente projecto da Caritas Macau vai funcionar com dois médicos de clínica geral, mas Paul Pun, secretário-geral da instituição, garante não ficar por aqui. “A Caritas terá uma clínica dentária na zona norte de Macau, já temos a permissão para avançar o projecto de construção. Planeamos abrir no próximo ano”, adiantou ao HM. Para que este projecto seja uma realidade, é necessário concluir o processo legal de transmissão da clínica do nome de Paul Pun para a Caritas. Mesmo com essa transição, a instituição de cariz social vai continuar a pagar renda. “Neste momento, a Caritas gere a clínica, mas no futuro será parte da nossa instituição, é o nosso plano. A clínica está em meu nome. Queremos seguir esse caminho para expandirmos o nosso caminho no apoio aos trabalhadores migrantes.” Na clínica todos são bem-vindos, apesar dos portadores do visto de trabalho serem o público alvo do projecto de Paul Pun. Cada consulta de avaliação custa 100 patacas, mas os mais necessitados podem ter um desconto de 30 patacas. “No futuro, vamos ter voluntários que irão fazer horas extra, e aí não serão pagos, mas os dois médicos são empregados a tempo inteiro. Espero que em breve tenhamos mais doentes. Nesta fase não estamos preocupados com isso, porque vão falar sobre esta clínica entre eles”. Visão “de futuro” Defendendo um aumento salarial das empregadas domésticas, à semelhança do que foi decretado recentemente em Hong Kong, Paul Pun acredita que a abertura da clínica pode constituir um exemplo de apoio social no território. “Este projecto pode constituir uma visão para o futuro sistema de apoio social para trabalhadores migrantes. Neste momento, há um grande número de trabalhadores migrantes, a sua maioria empregadas domésticas com salários baixos. Por isso, temos este programa de ajuda para fazer algo.” A clínica apenas disponibiliza, para já, a realização de exames médicos simples, bem como a prescrição de medicamentos.
Andreia Sofia Silva PolíticaCoutinho diz que parque de medicina chinesa não é eficiente [dropcap style=’circle’]O[/dropcap]Governo recebeu das mãos de José Pereira Coutinho uma interpelação escrita onde questiona o funcionamento do parque científico e industrial de medicina tradicional chinesa. O deputado entende que nos últimos sete anos “de exploração e desenvolvimento, registaram-se alguns problemas, sobretudo no âmbito da formação de talentos locais na área da medicina tradicional chinesa, criação de mais oportunidades de emprego e realização de estudos”. O deputado alega que a entidade em causa “só organiza um curso de formação ou uma aula de orientação por ano para os residentes de Macau”, pelo que não existe “um mecanismo estável e de longo prazo para a formação de talentos”. Pereira Coutinho, que é também presidente da Associação dos Trabalhadores da Função Pública de Macau (ATFPM), considera que os poucos cursos disponíveis “destinam-se as médicos em funções e com experiência, pelo que não são proporcionadas quaisquer oportunidades de formação ou estágio para os recém-graduados”. Também não existem “projectos para promover a interacção entre instituições do ensino superior e instituições da área da investigação”. O deputado também alerta para o facto do parque não proporcionar oportunidades de emprego a quem vive no território. “O parque tem apenas 11 trabalhadores residentes de Macau que, na sua maioria, não trabalham na área da medicina tradicional chinesa”, alerta o deputado, referindo o último exemplo de recrutamento ocorrido numa feira de emprego. “Numa feira de emprego recentemente realizada em Macau, os postos oferecidos foram, na sua maioria, nas áreas de investimento, captação de investimento e aquisições, sendo poucas as vagas de emprego relacionadas com a medicina tradicional chinesa.” Quanto custa? O deputado considera que poucos licenciados optam pela profissão, devido à falta de condições de trabalho e de investigação. Olhando para os últimos sete anos de actividade, José Pereira Coutinho considera que o parque científico e industrial da medicina tradicional chinesa “não deu qualquer contributo para a formação de talentos nem para resolver a perda de recursos humanos e as dificuldades dos residentes na procura de emprego”. Além disso, o parque também “não obteve resultados excelentes nos estudos levados a cabo”, pelo que “as pessoas questionam se o avultado montante investido pelo Governo foi aplicado de forma adequada”. Perante este panorama, o deputado entende que o Executivo deve “divulgar como foi utilizado o montante investido no parque, para garantir o bom uso do erário público e esclarecer que não existe um conluio de interesses”. José Pereira Coutinho também pede a divulgação das investigações e resultados obtidos nos últimos anos.
Hoje Macau PolíticaMedicina | GAES estuda pedido da MUST para criar faculdade [dropcap style=’circle’]O[/dropcap]Gabinete de Apoio ao Ensino Superior (GAES) está “a analisar e estudar, detalhada e cuidadosamente”, o requerimento para o estabelecimento da Faculdade de Medicina, apresentado pela Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau (MUST, na sigla em inglês). A informação foi avançada, este sábado, pelo secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, Alexis Tam, que deu conta de que o GAES já ouviu pareceres de académicos e peritos. O processo administrativo encontra-se em curso e o resultado será divulgado pelo GAES após a sua conclusão.
Victor Ng Manchete SociedadeSaúde | Médicos do privado preocupados com critérios mais rigorosos Os médicos que exercem a profissão há mais tempo temem que a definição de critérios mais apertados para exercer medicina leve a que sejam substituídos por profissionais mais qualificados. Porém, o médico e deputado Chan Iek Lap defende que a nova lei vai aumentar a confiança na medicina local [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]s médicos do sector privado estão preocupados com a possibilidade dos novos critérios para profissionais de saúde poderem gerar despedimentos, principalmente entre os médicos com mais tempo de profissão. As preocupações foram expressas num encontro com cerca de 50 profissionais de saúde, organizado pela Federação das Associações dos Operários de Macau (FAOM). Em causa está a proposta de lei sobre o regime legal da qualificação e inscrição para o exercício da actividade dos profissionais de saúde, que foi apresentada, na quarta-feira, pelo Conselho do Executivo e que foi entregue ontem na Assembleia Legislativa (AL). A proposta de lei vai ser aplicada ao sector público e privado e tem como objectivo uniformizar os critérios de ingresso e requisitos de inscrição na profissão. Segundo um comunicado da FAOM, os médicos presentes no encontro consideram que o Governo deve divulgar mais informação sobre a matéria tão depressa quanto possível. Também foi divulgado que alguns médicos sentem que a proposta ameaça alguns dos profissionais mais velhos. Ao mesmo tempo, houve médicos que se mostraram a favor do estabelecimento da Academia Médica de Macau, porque consideram que pode aumentar o nível de serviços de saúde no território. Mais confiança Por sua vez, Chan Iek Lap, deputado eleito pela via indirecta e ligado ao sector dos médicos, defendeu que a proposta vai elevar a confiança dos cidadãos no pessoal médico, o que beneficia ao sector. Ao Jornal Ou Mun, Chan Iek Lap apontou que, devido à ausência da acreditação no sector dos serviços de saúde de Macau, principalmente em comparação com o que se pratica no exterior, o nível da medicina local acaba por ser mais baixo. Neste sentido, explicou, acaba por ser natural que os residentes demonstrem desconfiança face ao sector. O médico que recentemente levantou questões sobre a importação de médicos vindos de Portugal, revelou preocupações quanto às oportunidades de estágio para os recém-formados. Isto porque apenas há três hospitais no território, incluindo o a unidade hospitalar da Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau. Estágio complica Já Wong Kit Cheng entende que o regime que define as qualificações e inscrição para o exercício das profissões no sector da saúde é uma necessidade urgente. No entanto, a deputada questiona se em Macau há sítios e professores suficientes que satisfaça a procura de estágios para os recém-formados. A deputada frisou igualmente que entre as 15 categorias de profissionais de saúde poderá ser necessário atender às diferentes particularidades de cada profissão. Por causa disso, Wong Kit Cheng sugere que se tenha em consideração os diferentes trabalhos, em vez de se realizar um estágio uniforme para as 15 categorias dos profissionais de saúde. Já Paulo do Lago Comandante, presidente da Associação dos Investigadores, Praticantes e Promotores da Medicina Chinesa de Macau, acha que o regime pode aumentar o nível de reconhecimento dos médicos de medicina chinesa. Contudo, espera que o Governo preste apoio financeiro a estagiários e professores, uma vez que ao longo de um período de, pelo menos, seis meses os futuro médicos têm de fazer um estágio não-remunerado.
João Santos Filipe Manchete SociedadeSaúde | Morte de homem conduz autoridades a clínica ilegal na Areia Preta Um imigrante ilegal que se encontrava em Macau há dois anos morreu dias depois de ter sido atendido numa clínica sem licença. O caso foi revelado, ontem, pelas autoridades e permitiu encontrar o espaço que operava sem licença. A autópsia revelou que a morte não esteve relacionada com o tratamento recebido [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] morte de um homem de 44 anos, no Hospital Conde São Januário, conduziu as autoridades a uma clínica ilegal, situada no Edifício Kin Wa, na Areia Preta. O caso foi revelado, ontem, pelos Serviços de Saúde, em conferência de imprensa e confirmado horas mais tarde pela Polícia Judiciária. De acordo com as informações disponibilizadas pelas autoridades, a 15 de Junho o indivíduo que se encontrava há dois anos de forma ilegal no território foi a uma clínica, também ela ilegal, que ficava numa fracção residencial do tipo T2. Perante o suposto médico de 71 anos, que não tem licença nem certificados de formação profissional, o doente queixou-se de dores de garganta e febre. Após uma análise foi-lhe recomendada medicação que o homem de 44 anos tomou. Contudo, no dia seguinte a ser atendido na clínica privada, o homem deu entrada num hospital local, onde acabaria por morrer, já na manhã de 17 de Junho. “O homem tinha como sintomas febre e dores de garganta no dia 15 de Junho, quando foi à clínica ilegal. Na manhã de 16 de Junho desmaiou e foi enviado para o hospital do Governo, onde acabaria por morrer a 17 de Junho”, informou a PJ, em comunicado. “Era um imigrante ilegal e estava no território há mais de dois anos”, acrescentou fonte da polícia, ao HM. Segundo a informação da PJ, a autópsia realizada não permite relacionar a morte com os medicamentos recomendados pelo médico ilegal. Contudo, devido à privacidade do morto, as autoridades não quiseram revelar a causa da morte. Buscas de um mês Apesar da morte do trabalhador ilegal de 44 anos ter ocorrido a 17 de Junho, apenas ontem a PJ conseguiu entrar em contacto com o médico ilegal de 71 anos. “Fomos várias vezes à clínica ilegal, mas nunca conseguimos entrar em contacto com o médico. Ontem, finalmente, conseguimos contactá-lo e ele foi interrogado. À PJ admitiu que não tem licença para exercer a profissão, nem licença para operar uma clínica”, revelaram as autoridades O homem é originário do Continente, mas tem residência de Macau. Segundo as declarações que prestou às autoridades, operava a clínica num edifício habitacional desde 2014. Por esta razão, é suspeita de prática de um crime de usurpação de funções, punido com pena de prisão até 2 anos ou multa até 240 dias. No local da clínica ilegal, a equipa de inspecção dos Serviços de Saúde encontrou antibióticos, analgésicos e anti-histamínicos, alguns fora de prazo, e outros equipamentos utilizados para clínica geral.
João Santos Filipe SociedadeMedicina | Governo prevê 304 residentes formados nos próximos três anos [dropcap style=’circle’] O [/dropcap] Interior da China é o principal local escolhido pelos residentes para se formarem em Medicina, seguindo-se Taiwan, Hong Kong e Reino Unido. Não há estudantes de Macau em Portugal a frequentar cursos de medicina. Entre 2018 e 2020, 304 residentes de Macau vão concluir licenciaturas em Medicina. Todos os estudantes estão no exterior, uma vez que no território não existem instituições que disponibilizem este curso. A estimativa, a que o HM teve acesso, é da Comissão de Desenvolvimento de Talentos, com base nos dados referentes ao Subsídio de Aquisição de Material Escolar, compilados pelo Gabinete de Apoio ao Ensino Superior. Segundo os dados apresentados, este ano vão ser formados 98 médicos, no próximo ano 108 e, em 2020, serão formados mais 98 profissionais. Entre os estudantes de medicina dos três anos, a maior parte está no Interior da China, ou seja 246 em 304, o equivalente a 81 por cento. Seguem-se os estudantes formados em Taiwan, com um total de 38, Hong Kong, 15, e Reino Unido com cinco estudantes. De acordo com a informação do Governo, não há alunos de Macau a estudar Medicina em Portugal. No que fiz respeito ao período após 2020, os número do Governo não são tão detalhados, mas as estimativas apontam para que sejam formados 126 médicos. Contudo, o facto de serem formados alunos, não significa que estão obrigados a regressar a Macau, podendo optar por continuar a carreira noutras paragens. Também no início do ano, o secretário para os Assuntos Sociais e Cultura tinha afirmado que os Serviços de Saúde iam contratar 63 médicos ao longo deste ano. 73 novos dentistas No que diz respeito à Higiene Oral, os formados ao longo de três anos serão 73, com 25 a concluírem a licenciatura em 2018, 19 no próximo ano e 29 em 2020. Após 2020, as estimativas do Governo, com base nos estudantes nas instituições de ensino do exterior, são de 32 residentes a concluírem os seus estudos. A maior parte dos alunos está a estudar no Interior da China, havendo também uma pessoa em Portugal, que deve concluir a licenciatura ainda este ano. Finalmente, no que diz respeito aos Serviços Médicos, constituídos pelos cursos de fisioterapia e terapêutica, reabilitação e regeneração, optometria e nutrição, o número de licenciados nos próximos três anos será de 315 alunos. Neste aspecto, Taiwan é quem forma mais residentes, com um total de 218 estudantes. Já o número de pessoas a frequentar a licenciatura em Saúde Pública, área em que o Chefe do Executivo é doutorado, e que vão terminar os cursos nos próximos três anos é de 36. Entre os alunos que frequentam o curso de Saúde Pública, 16 vão concluir a licenciatura este ano, 11 no próximo ano e nove em 2020. Nesta área, é Taiwan que forma mais profissionais, com 13 alunos, seguindo-se o Interior da China, com 9 alunos, Austrália, com 5, Canadá e EUA, , cada país com quatro, e Portugal, com um aluno que deverá concluir a licenciatura em 2019. 65 alunos de Medicina Tradicional Chinesa Entre este ano e 2020, 65 residente de Macau vão-se formar em Medicina Tradicional Chinesa, com o pique a ser atingido no próximo ano, quando deverão ser formados 27. Naturalmente, o Interior da China é o principal local de formação, com 61 alunos, seguido por Hong Kong, cujas instituições de ensino são frequentadas por 3 residentes.
António de Castro Caeiro h | Artes, Letras e IdeiasDa medicina antiga II [dropcap style =’circle’] E [/dropcap] m “Sobre os ares, as águas e os lugares”, texto do corpo hipocrático, lemos a complexidade dos elementos que intervêm no diagnóstico médico. O conjunto de elementos que formam o alfabeto dos médicos: temperatura, alta e baixa, quente, frio, húmido, seco, as diversas fases do dia e do mês, as diversas estações do ano, as idades da vida, sexo, localidade de habitação, naturalidade, mas também as operações que alteram um extremo no outro: aquecimento, arrefecimento, deslocação, alteração da localidade de habitação, mudança da dieta, regime alimentar e actividade física, permite perceber que os factores de análise, diagnóstico e prognóstico de uma determinada doença não se circunscreve a um indivíduo, mas o indivíduo é “visto” num contexto absolutamente complexo e, ainda assim, claro. O interior côncavo do corpo humano, para suar a formulação do médico, contem um sistema “hidráulico” complexo de quatro líquidos fundamentais: a bílis negra, bílis amarela, fleuma e sangue. Há uma mistura que pode ser desequilibrada destes líquidos e não tem que ver com a diferente quantidade com que um líquido está presente no sistema. As quantidades são qualitativas. Mas todos os fluídos, humores ou líquidos do corpo estão sujeitos a condições estruturais que os alteram: aquecem ou arrefecem, fazem-nos deslocar para zonas diferentes do corpo com consequências determinadas. Um dos pontos fundamentais é que depende da “alteração da estação” (“ek metabolês tôn horôn”). A hora em grego não corresponde a 60 minutos. Nem necessariamente ao conceito de estação do ano. É uma qualificação temporal que integra em si dois estados, um de partida que é o que se tem verificado, e outro de chegada, que é o estado no qual o primeiro se transforma. A alteração no interior do corpo humano depende desses factores mais e mais abarcantes e que transformam campos que lhes estão subordinados e nós estamos subordinados ao equilíbrio complexo de tudo o que está envolvido na manutenção e conservação da vida. “Sobre as estações do ano, temos de poder determinar, como é que vai ser o ano, pouco saudável ou saudável. Os sinais são dados pelo ocaso e nascimento das estrelas, se o outono traz chuva, o inverno moderado, se cai uma quantidade moderada de chuva na primavera tal como no verão”. Assim, as próprias regiões do globo que são afectadas diferentemente pelo céu estrelado na sua mudança sazonal produzem seres humanos de compleições diferentes. Mas este não é oponho mais interessante. Se há falta de força de vontade ou de coragem num ser humano, há um elemento atmosférico, fluvial e local a contribuir para que tal aconteça. Se não houver grandes mudanças climatéricas, as pessoas tendem a ser suaves e gentis. Só a exposição a grandes alterações climáticas abala o espírito e estimula a paixão nos seres humanos. São as alterações que sobretudo despertam o espírito no ser humano. Se percebemos a influência exterior do meio ambiente que nos envolve, do clima, atmosfera e meteorologia e geografia particulares que nos acontecem, percebemos também a dinâmica complexa destes factores transformadores num processo temporal ao longo da vida admitindo alterações ao longo do dia, mês, estações do ano, idades da vida. Mas mais interessante e absolutamente contemporâneo é pensar que a disposição do espírito, a compleição do carácter, o modo de ser, a vida que levamos resulta ou é concomitante a essas mesmas pressões climatéricas. A análise final seria a de procurar perceber se a partir do interior do ser humano, também não haverá uma contaminação estrutural e intrínseca que altere o sítio em que vivemos, invertendo assim a lógica de subordinação do humano às forças cósmicas.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesO erro médico “Misdiagnoses, wrong prescriptions, operating on the wrong patient, even operating on the wrong limb (and amputating it): these are the consequences of rampant carelessness, overwork, ignorance, and hospitals trying to get the most out of their caregivers and the most money out of their patients.” “Killer Care: How Medical Error Became America’s Third Largest Cause of Death, and What Can Be Done About It” – James B. Lieber [dropcap style≠’circle’]E[/dropcap]rrar é humano, perdoar é divino. Embora possa ser aplicado em geral, perdoar, esquecer ou ignorar erros na medicina não é aceitável, uma vez que as consequências podem ser desastrosas. Os erros na vida quotidiana conduzem a acidentes de trânsito e à existência de vítimas. Os erros na indústria prejudicam os trabalhadores e as comunidades. Ambas as situações são motivo fértil de erros que os profissionais da saúde podem praticar ao cuidar dos pacientes. Os erros em medicina são evidências de que algo correu mal nos cuidados de saúde do paciente e da comunidade e que causou danos, que devem ser prevenidos e corrigidos. As evidências são inúmeros, pelo que os médicos podem e devem trabalhar muito para os evitar. Os exemplos de erros médicos abundam, como procedimentos exploratórios e diagnósticos injustificados, efeitos adversos previsíveis mas imprevistos de intervenções médicas ou drogas, decisões cirúrgicas indesejáveis ou incorrectas e os seus resultados, tratamento não suportado pela evidência da sua eficácia e eficiência. Todos os tipos de erros e as suas consequências, sejam de natureza médica ou não, têm múltiplas implicações, como correcção e prevenção, actividades legais, reclamações para reparação e compensação, procura e implementação de melhorias ou avaliações dessas iniciativas e actividades. As consequências económicas, sociais, físicas e de saúde mental são importantes para aqueles que cometem erros e para as suas vítimas. A vida moderna nem sempre simplifica ou elimina problemas e desafios de erros. Pode, de facto, torná-los mais frequentes, sofisticados e desafiadores para os controlar. No plano social, os erros médicos são considerados para os tribunais como matéria de vários litígios que devem levar a correcções solicitadas pelos autores e feitas por profissionais da saúde, suas instituições e ambientes de trabalho e outras compensações das vítimas pelos perpetradores. Qualquer erro médico é um produto de várias circunstâncias externas, incluindo o ambiente, condições de trabalho e pressões, considerando a tecnologia em rápida evolução e o sistema administrativo. Tais factores externos só contribuem para a essência (os factores internos) por trás do erro médico, ou seja, o raciocínio defeituoso do médico, lógica, pensamento crítico e tomada de decisão. Os factores internos são sobre o que acontece no nosso cérebro, no cérebro daqueles com quem se trabalha e nos cérebros dos que criaram o ambiente de trabalho e as ferramentas da situação da saúde que se tem em mãos e que incluem os atributos fisiológicos e patológicos, atitudes, habilidades motoras e sensoriais, bem como as respostas a factores externos. Os factores externos são sobre o que acontece fora do cérebro. O convívio com o erro médico é uma experiência aprendida como qualquer outro acontecimento. O dano também é causado por não ensinar, aprender e compreender erros médicos como falhas no pensamento crítico. A compreensão, prevenção e correcção dessas falhas é a principal responsabilidade de todos os profissionais de saúde. A mensagem que deve ser revelada é de que erro e dano médico está interconectado, não sendo idênticos a nível teórico, nem a nível prático. A metodologia do estudo e gestão de erros e danos médicos é dividida entre casos únicos e múltiplos e eventos. O erro humano (individual) e do sistema, no entanto interligados, não são idênticos, pois o seu entendimento e controlo são metodologicamente complementares e mais úteis se forem tratados separadamente. Os usos de evidências sobre erros e danos médicos e a forma de os tratar por meio de argumentação, pensamento crítico e lógica informal são tão importantes como produzir a melhor evidência, pois ambos estão necessariamente ligados. O erro e o dano médicos são fenómenos conjuntos, como a doença e a saúde e daí o dever de serem estudados e controlados por métodos epidemiológicos. Por mais desconfortável que possa parecer a alguns humanistas, os cuidados clínicos de pacientes individuais e em grupo, protecção e promoção da saúde, tanto a nível individual como comunitário, também significam saúde industrial (no âmbito de uma ética e leis rigorosas). A medicina beneficia e deve usar da experiência retirada de erros e danos de fontes externas, como indústria, desenvolvimento de novas tecnologias, transporte, negócios, economia, administração e gestão, finanças, além da psicologia, ergonomia, cinesiologia, sociologia e bioestatística para humanamente e efectivamente produzir a melhor saúde possível de indivíduos e grupos de indivíduos. O facto de cometer erros, compreender as suas causas e ocorrências, e preveni-los sempre será parte integrante da medicina, por mais lamentável que isso possa ser e parecer. As consequências, de facto, do erro podem ser desastrosas para os pacientes, profissionais de saúde e comunidades. O domínio de erro médico tem muitas partes interessadas, incluindo pacientes, médicos, outros profissionais de saúde, magistrados, advogados, investigadores, economistas de saúde, sociólogos, psicólogos, ergonomistas e assistentes sociais. A segurança do paciente como um todo pode ser considerada sinónimo de ausência de erro médico e na prática e pesquisa não só de medicamentos, mas também de qualquer domínio relacionado com a saúde. As relações actuais com o erro na fabricação, no desenvolvimento de novas tecnologias e seus usos, e no transporte beneficiam das principais contribuições e progressos provocados por muitos especialistas que trabalham principalmente em campos não médicos. Os profissionais da saúde estão actualmente a adicionar uma nova dimensão ao mundo cada vez mais integrado da literatura médica. Os erros médicos não só ocorrem esporadicamente, mas também podem ser epidémicos, endémicos e até mesmo de natureza pandémica. A epidemiologia clínica e de campo está a concentrar-se gradualmente na pesquisa das causas de erro médico, na investigação da sua ocorrência e na efectividade de programas correctivos e intervenções. O seu envolvimento na alfabetização está a crescer, assim como a argumentação do pensamento crítico moderno e a lógica informal subjacente ao raciocínio médico, à tomada de decisão e às contribuições epidemiológicas. A grande variedade de causas de erro médico, como formação inadequada, falhas das tecnologias médicas tradicionais e novas nos seus desenvolvimentos e usos, influências fisiológicas, psicológicas e ambientais, gestão de dados e informações, deficiências de execução, falhas de funcionamento do sistema de saúde e de comunicação, erros baseados em regras e de raciocínio, bem como tomada de decisão. A noção de erro médico é separada dos danos. O erro médico nem sempre causa danos, ou seja, o erro e o dano médico tem causas específicas por vezes sinónimas e outras vezes distintas. O estudo de ambos é crucial para melhorar a segurança do paciente. A medicina em domínios clínicos e comunitários avança de várias formas, incluindo os resultados espectaculares em áreas fundamentais, como pesquisa de células estaminais, genética médica ou explorações moleculares. A produção, avaliação e uso das melhores evidências em farmacologia básica e clínica, disciplinas cirúrgicas e outros cuidados clínicos que cobrem todas as faixas etárias são de extrema importância. A melhoria contínua da pesquisa, raciocínio, pensamento crítico e metodologia de tomada de decisão em todos os domínios torna-se essencial. Só melhorando e reorientando a educação médica e estruturando e expandindo o processo e impacto da avaliação do atendimento médico, incluindo a tradução do conhecimento se poderão obter resultados palpáveis na senda de uma melhor prática médica. O desenvolvimento de novas tecnologias, incluindo o seu contexto ético, a melhor atenção e acções para entender, prevenir e controlar os erros humanos e de sistemas em atendimento clínico, medicina comunitária e saúde pública em todos os domínios mencionados, bem como na experiência em expansão resultante de sua correcção poderão diminuir as estatísticas do erro e dano médico. É de considerar que muitas vezes esquecemos que aprender com os nossos erros e corrigi-los é uma ferramenta educacional e de aprendizagem extremamente poderosa (se feita correctamente) e que os pacientes beneficiarão imensamente de outros erros infelizes cometidos no passado. Esta é talvez a maior vantagem de aumentar a atenção que se atribui ao domínio do erro médico. Os erros na medicina, tão temidos pelos médicos e seus pacientes, e são, sem dúvida, mais do que alertar a evidência de que algo está errado, causa danos e deve ser prevenido e corrigido. Os erros médicos ocorrem como avaliação de risco, diagnóstico, tratamento, prognóstico e decisões relacionadas, mas também ocorrem, às vezes endemicamente, na pesquisa e na prática de medicina clínica, familiar e comunitária ou saúde pública. Às vezes, raramente, esperadas, explicadas ou não, são uma parte importante do problema de erro geral em vários empreendimentos humanos. Ainda que a maior parte do esforço na medicina esteja focada em boas evidências de acções benéficas e os seus resultados, usos e efeitos, deve notar-se que eventos nefastos, como os erros médicos, boas evidências sobre os mesmos, bem como seu controlo exigem igual atenção, compreensão, e prevenção. O contrário seria o oposto da ética médica. Os erros médicos também desempenham um duplo papel, mencionado excepcionalmente, do ponto de vista das relações causa-efeito. Os erros médicos são causados por algo. Metodologicamente, são variáveis dependentes, consequências de alguma situação. É necessário conhecer as suas causas, preveni-las e corrigi-las. Por outro lado, os erros médicos causam danos como morte ou lesão. Os erros neste contexto são as causas do dano e servem como variáveis independentes na associação com as suas consequências. O dano pode levar a uma cascata de outras consequências. Os erros médicos pertencem a uma família maior de erros em vários domínios, como os erros no desenvolvimento e uso de novas tecnologias, ergonomia, administração, gestão, política e economia. A experiência em todos esses campos, adquirida ao longo das três últimas gerações, é parcialmente aplicada em medicina. As especificidades da medicina exigem atenção adicional aos factores humanos e outros que afectam tanto os prestadores de cuidados, quanto os pacientes ou comunidades na configuração e no contexto da sua prática. Os erros ocorrem não apenas na pesquisa e avaliação de saúde, fundamentalmente, clínica e comunitária, mas também em situações directamente perturbadoras na prática e na prestação de cuidados diários. Os erros também ocorrem na tradução de conhecimento e em consequências benéficas ou nocivas de usos ou não de evidências. Qualquer erro médico é um produto de várias circunstâncias, incluindo o ambiente, condições de trabalho e pressões, tecnologia em rápida evolução, gestão, administração ou funcionamento do sistema e outros factores externos. Tais factores externos contribuem apenas para a essência (factores internos) por trás do erro médico, ou seja, o próprio raciocínio defeituoso do médico, lógica, pensamento crítico, tomada de decisão e seu desempenho sensório-motor. A fronteira entre o primeiro e o último é a realidade diária. A patologia humana ensina sobre mecanismos subjacentes comuns e, em seguida, sobre cada transtorno e doença individualmente considerada e sobre como tratá-la. Ao lidar com os erros atribuídos ao pensamento crítico na medicina, da mesma forma, aprende-se sobre paradigmas, elementos e regras do pensamento crítico, e depois de se estar familiarizado com a sua patologia (ou seja, os transtornos, falhas e falácias) como doenças do raciocínio que, em última instância, levam e produzem erros médicos e as suas consequências. Sem essa aprendizagem e experiência, como é possível prevenir e, de qualquer forma, minimizar os erros médicos? É de entender que conviver com erro médico é uma experiência aprendida, como qualquer outra situação. O dano também é causado por não ensinar, aprender e compreender erros médicos como falhas no pensamento crítico? Erros médicos ocorreram muitas vezes no passado, ocorrem actualmente e ocorrerão infelizmente, no futuro. Deve-se aprender a viver com os erros e a evitar da melhor forma que se puder, dada a evolução das circunstâncias da prática e da pesquisa médica, pois é de atender aos variados e principais estímulos médicos, a urgência e a magnitude do problema em medicina interna e cirurgia. Alguns dos principais jornais, revistas e monografias tentam explicar o desafio (especialmente o diagnóstico) do público oferecendo uma selecção de grandes relatórios e artigos sobre o problema do erro médico. Algumas Universidades e instituições internacionais desenvolvem rotas e estratégias para lidar com o problema dos erros em medicina e cirurgia e todo o movimento de prevenção e controlo de erros médicos, está a ganhar propósitos mais claros e a atenção está a tornar-se estruturada e organizada. Se considerarmos uma perspectiva mais ampla de erros na medicina, enfrentamos o problema geral de erros médicos como a diferença entre o comportamento real ou a medição e as regras de expectativas para o comportamento ou medição, mais especificamente enfrentando o problema de falhas na acção planeada e o seu cumprimento (erro de execução) ou uso de um plano incorrecto para atingir um objectivo (erro de planeamento). A acumulação de erros resulta em acidentes. Um erro pode ser um acto de comissão ou de omissão. Por exemplo, em cirurgia, um erro é mais do que dar um mau nó ou uma sutura mal executada. Muitos erros médicos são, em um sentido mais amplo, erros clínicos que podem ser realizados por outros profissionais de saúde ou quando trabalham em conjunto. Em termos mais gerais, talvez seja correcto dizer que um erro médico é algo que aconteceu no consultório e que não deveria ter acontecido e que absolutamente não é para voltar a acontecer. Os erros na medicina são imputáveis em diversas situações como na formação (conhecimento, atitudes e habilidades), falha de tecnologias médicas (o equipamento está mal instalado, projectado ou avariado), utilizações inadequadas de tecnologias médicas (o equipamento é usado onde, quando, e no que não deve), factores fisiológicos e psicológicos como a condição física e psicológica do médico e outros profissionais de saúde como a fadiga ou stress, registo, processamento e recuperação de dados e informações causados por tecnologias da informações e seu uso (inadequação da tecnologia da informação e avaria), competências deficientes na execução (movimento ou actividades sensoriais baseadas em experiência passada), erros taxonómicos devido a enganos (classificação de actividades defeituosas devido a etiologia mal explicada ou usada), falhas do sistema (funcionamento dos serviços de saúde, triagem e subsequente atendimento de emergência que não funcionam como deveriam), erros de comunicação e avarias, erros fundados em regras (orientações, guias de utilizador não seguidos), erros no raciocínio e decisões sobre problemas de saúde. É de ponderar que praticar um erro médico não é necessariamente negligência com todas as suas consequências jurídicas e financeiras, mas pode acontecer e causar algum tipo de dano. Os erros médicos são estudados e avaliados de duas formas que nem sempre são claramente especificados, sendo que uma abordagem é investigar as causas de erros médicos (erros são consequências ou variáveis dependentes), e em outra apreciação, os erros médicos estão relacionados como causas prejudiciais (erros são causas ou variáveis independentes). As taxonomias actuais de erros médicos nem sempre especificam o possível duplo papel dos erros. Os erros médicos não se limitam ao diagnóstico ou a decisões de tratamento, pois podem ocorrer em qualquer fase do trabalho médico, como a avaliação do risco de doença, compreensão das suas causas e eficácia de intervenção para prevenir, curar ou controlar de outra forma um problema de saúde ou o seu prognóstico a nível individual ou comunitário. Os erros médicos também podem ser estudados através de métodos quantitativos, tais como a bioestatística ou informática, de métodos adoptados de outros domínios como a aviação, ou de métodos qualitativos e com o lugar reconhecido das humanidades em medicina, a porta abre-se para lógica informal e pensamento crítico (um companheiro natural para a medicina fundamentada em evidências e epidemiologia clínica) como guardiões contra os erros médicos.
João Luz Manchete Reportagem SociedadeExclusivo: De Joana a Jo-B, a história em curso do primeiro transexual masculino de Macau Ao longo da vida ocultou os vestígios de feminidade que as cirurgias plásticas têm extinguido passo a passo. Aguentou e recuperou com rapidez das operações, feito que lhe valeu a alcunha de Super-homem entre o pessoal da clínica tailandesa onde removeu os seios, útero e ovários. Hoje em dia, Jo-B De Souza está a um passo de completar a metamorfose e tornar-se um homem. O HM conta-lhe a jornada de coragem, sofrimento e amor de uma pessoa determinada a viver a sua identidade [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] caminho do bar, Jo-B De Souza caminha com virilidade para dar e vender. Cabelo penteado para trás com gel e rapado dos lados, ombros largos, braços que denotam frequência regular no ginásio e um sorriso malandro. Lança um “hey, man!” e cumprimenta com um aperto de mão vigoroso. Quem não o conhece nunca imaginaria que Jo-B De Souza nasceu Joana um dia antes do início do Verão de 1988, e é esse nome que ainda figura no seu Bilhete de Identidade de Residente. Algo que vai tentar alterar num futuro próximo e que será um dos passos na caminhada para se tornar um homem. Ao longo dos últimos dois anos, a sua vida tem sido um corrupio de entradas e saídas de uma clínica na Tailândia onde removeu os seios, útero e ovários. É também em Pattaya que é acompanhado na terapia hormonal por uma equipa clínica chefiada por um médico norte-americano. À entrada de 2018, resta-lhe uma última cirurgia: A faloplastia – a construção do órgão sexual masculino – uma etapa que terá de adiar devido às anestesias gerais que tomou recentemente. Será o fim da metamorfose que se iniciou quando era demasiado novo para sequer ter noção do que estava a acontecer. “Cresci a pensar que era um rapaz, desde pequenino, praticamente bebé. Quando a minha mãe estava grávida fez dois testes que indicaram que teria um filho”, conta. A família estava preparada para receber um rapaz em casa, previsão que se reflectia na decoração do quarto e nas roupas que os pais compraram para o novo membro da família. Este pequeno detalhe familiar tornar-se-ia premonitório da pessoa que Jo-Bo viria a ser, uma pessoa com uma feminidade rarefeita. Aliás, tão rarefeita que praticamente não teve menstruação, apenas uma vez por ano, ou de dois em dois anos. Esta particularidade biológica deu-lhe descanso quanto a um trauma muito frequente entre maria-rapazes: a necessidade de terem de conviver e esconder todos os meses a menstruação. Verdes anos Olhando para trás, Jo-B De Souza recorda-se de achar que era um menino. Porém, o embate com a realidade do género com que nasceu deu-se cedo, entre os três e os quatro anos, durante os tempos de jardim de infância. O episódio deu-se quando estava na casa de banho com o seu melhor amigo e lhe perguntou porque é que ele estava de pé em vez de estar sentado. O amigo respondeu que era por ser um menino e ela uma menina. A dureza da verdade desencadeou um autêntico drama infantil, que mais de vinte cinco anos depois estampa um sorriso na cara de Jo-B. “Corri para casa a chorar e fui contar tudo aos meus pais. Foi aí que percebi que era uma rapariga e senti que era o fim do mundo. Lembro-me de ter chorado muito”, recorda. A história de Jo-B De Souza é recorrente no dia-a-dia de Graça Santos, Psiquiatra e Terapeuta Sexual, coordenadora da Unidade de Reconstrução Génito-Urinária e Sexual (URGUS) do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra. “São pessoas que, na grande maioria dos casos, desde a infância manifestam preferência pelo papel e expressão do género do outro sexo, que no caso de FtM (abreviatura para female to male), será uma menina “Maria-rapaz”, explica Graça Santos. “Ao olhar a sua infância a própria pessoa e os familiares relatam-nos uma preferência por brincar com rapazes, jogar à bola, ser mais activa fisicamente, recusar ou manifestar desagrado por usar vestidos ou adereços de menina”, conta a coordenadora da URGUS. Seguindo os seus desígnios, Jo-B De Souza continuou a vestir calções e t-shirts até ingressar no Colégio do Sagrado Coração de Jesus, uma escola feminina onde a farda era obrigatória. Aí descobriu que não estava sozinha e que havia outras marias-rapaz, “talvez entre 12 a 15”. Nesse período, com cerca de 6 ou 7 anos, via-se obrigada a usar um vestido, facto que conseguiu contornar através da prática desportiva. “Adorava jogar basquetebol. Então, foquei-me no desporto e não me importava como as pessoas me viam porque debaixo do vestido usava os calções de basquetebol”, conta. Jo-B De Souza sente-se um sortudo devido ao apoio incondicional que teve da família desde cedo. “O meu pai é o meu grande suporte, a minha mãe uma cuidadora incansável, a minha irmã e o seu namorado têm estado sempre disponíveis para me ouvir, a minha namorada é quem dá mais força”, conta. Era dos descobrimentos A adolescência quando chega molda aquilo que será a nossa personalidade, quem somos, a partir da revolução hormonal. Esta fase, que pode ser um purgatório de crescimento, tem uma outra dimensão em pessoas como Jo-B De Souza. À medida que foi crescendo procurou ser cada vez mais masculino, um salto evolutivo que foi recebido de forma distinta pelos seus pais. Enquanto o pai lhe deu sempre total apoio e lhe fez as vontades, a mãe tentava convencê-lo a usar roupas femininas ou a deixar crescer o cabelo. “Se ela me perguntava se eu achava um vestido bonito eu dizia que sim, que era muito bonito mas nela”, recorda com humor. Apesar das ténues tentativas maternas para que fosse uma menina durante a infância e início de adolescência, Jo-B nunca se sentiu reprimido pela família. Muito pelo contrário, a relação que tem com os pais assenta em fortes pilares de respeito, aceitação e amor. “O meu pai costuma dizer coisas do género: vou agora para o escritório, o meu filho dá-me boleia e a minha mãe costumava dizer quer tinha duas filhas, mas agora diz que tem um casal”, exemplifica. Por volta dos 13/14 anos, Jo-B De Souza atravessava um período de descoberta. Não apenas em termos de revelação sexual, mas também de conhecimento que haveria de lhe abrir as portas para a metamorfose que o esperava. “Já na altura dizia às pessoas que iria mudar de sexo, sem ainda saber se isso era possível”, recorda deixando claro que nunca gostou de não cumprir com a sua palavra, ou de perder face em relação a aspirações partilhadas socialmente. A realidade entrou-lhe pelos olhos adentro numa pesquisa online em que descobriu que afinal havia quem mudasse fisicamente de sexo. Começou a seguir bloggers que relatavam as várias etapas da transformação que haveria de iniciar uma década mais tarde. “Comecei a seguir um blogger, via as fotos e as mudanças na pessoa, ouvia também a forma como a sua voz mudava e comecei a ficar cada vez mais intrigado”, relembra. Foi também nessa altura que começaram as primeiras experiências sexuais e a rebeldia adolescente materializada em múltiplos piercings e tatuagens. “Todos queriam pertencer ao nosso grupo porque nos estávamos nas tintas. No fim das aulas, ainda com uniforme, íamos fumar e beber cerveja e como era muito popular era fácil ter parceiras”, conta. Jo-B De Souza explica que beneficiou de dois factores: ter uns pais compreensivos e o facto de “Macau ser mais aberto a lésbicas e marias-rapaz, por ser uma cidade que se habituou a isso, mais do que a gays”. Mesmo em termos de transexuais, entende que é mais facilmente aceite uma mulher transformar-se em homem do que o inverso. Este é um fenómeno que não é estranho para Anthony Lam, presidente da Associação Arco-Íris de Macau. “Acho que a explicação pode estar no facto da sociedade de Macau ser muito patriarcal daí ser mais fácil aceitar uma mulher que se transforme num homem”, teoriza. Fora do lugar Em 2016, a Associação Arco-Íris de Macau fez um inquérito sobre a incongruência entre o sexo atribuído à nascença e a identidade de género, para o qual foram ouvidas 715 pessoas locais. O resultado revelou que 41,54 por cento dos inquiridos demonstravam alguns níveis de inconsistência entre o sexo biológico e a identidade de género. Apesar dos números serem consideráveis estão longe de representar a parcela demográfica que leva até às últimas consequências a incongruência de género que vivem. Neste aspecto, a experiência de Anthony Lam diz-lhe que os transexuais são pessoas que “ficam mais no seu ciclo e que se sentem mais confortáveis na sua bolha social, em vez de se revelarem ao público”. Principalmente, no que toca a transexuais que fazem a transição de homem para mulher. “Macau não é uma cidade suficientemente progressiva, não é acolhedora para a comunidade LGBT”, explica o presidente da Associação Arco-Íris de Macau. Em termos de aceitação social, Jo-B De Souza não tem dúvidas de que tem sorte por estar no lado mais facilmente aceitável da transexualidade em Macau, onde a sociedade aceita melhor a transformação para o lado masculino. Porém, o residente de Macau entende que não existe uma comunidade de pessoas que se encontrem numa situação similar à sua, circunstância que explica com a fluidez entre maria-rapazes, que podem oscilar entre períodos másculos para depois regressarem a um vivência totalmente feminina. “Há pessoas que são atraídas pelo mesmo sexo, mas que estão felizes com a forma como nasceram, é aí que eu não me encaixo, porque não é a minha preferência sexual que está em causa, ou seja, a pertencer a algum grupo pertenceria a algo completamente diferente e que em Macau é muito pequeno”. Esta falta de pertença a um ciclo social dominado pela preferência sexual, ou género, não é algo que aflija Jo-B De Souza, ainda para mais no momento em que se prepara para dar o último passo, o que agudiza a falta de identificação com qualquer categoria da comunidade LGBT. “Agora estou no meio, estou perdido”, diz antes de soltar uma gargalhada sonora. Primeiras etapas Ao longo da adolescência, Jo-B De Souza continuou a ter casos com mulheres. Porém, havia algo dentro de si que o distinguia de todo o universo lésbico. “Há mulheres que só querem estar com outras mulheres, a mim o que me preocupa é não estar no papel de mulher”, conta. Apesar de ainda estar preso ao sexo com que nasceu, Jo-B De Souza considera-se e comporta-se como um macho alfa, ao ponto de não se sentir cómodo em mostrar as partes íntimas durante relações, a menos que seja com alguém com quem tem uma relação longa e de profunda confiança. “Quando estou com uma mulher, fora do contexto de namoro, não me sinto confortável sem roupa à frente delas, nem permito que me toquem abaixo da cintura”, explica. Após algumas relações longas e experimentação, Jo-B De Souza teve de encarar a transição que se impunha e que desde sempre germinava dentro de si. Em 2016 começou a aplicar um gel com hormonas masculinas e iniciou o processo da sua reconstrução física. “Andei a procrastinar a mudança de sexo. Primeiro não tinha dinheiro, mas depois comecei a ter medo de dar o próximo passo, andava sempre a adiar, dizia sempre para mim que seria amanhã, que ainda era jovem, que era muito cedo”, confessa. Outra das hesitações de Jo-B De Souza era o receio em revelar aos pais que queria embarcar numa viagem biológica sem retorno, mesmo sabendo que os seus pais são pessoas bastante abertas. Não era uma questão de falta de confiança, mas da dificuldade em contar que se quer fazer algo tão drástico. “Eles têm feito um excelente trabalho em fazer-me feliz e a ideia de lhes dizer que havia algo tão grande reprimido dentro de mim, ao longo de todos estes anos, é muito triste”, explica. Apesar de não ser segredo para quem era próximo de Jo-B De Souza, a efectiva mudança de sexo era algo que parecia distante, mas inevitável. Mas o seu corpo era um empecilho com o qual tem sido obrigado a viver todos os dias da sua vida. “Impediu-me de fazer muitas coisas, adoro nadar e não posso, gosto de ir à praia e não quero ter de vestir biquínis, gosto de jogar basquete mas não conseguia devido ao peso do peito, também não podia comprar a roupa que queria”, enumera. Salto em frente Jo-B De Souza virou a página da sua identidade de género numa altura que decidiu encerrar um capítulo amoroso com uma pessoa que entrava e saía da sua vida há algum tempo. Cansado da falta de eficácia do gel com testosterona e posta de parte a hipótese de congelar óvulos para uma futura maternidade, decidiu dar os passos que a cirurgia reconstrutiva lhe permitem dar. Em todas as etapas médicas, Jo-B De Souza recorreu sempre a uma clínica na Tailândia e passou a ser seguido por um médico norte-americano que opera em Pattaya. É de salientar que em Macau não existem este tipo de serviços médicos. Aliás, solicitados pelo HM, os Serviços de Saúde locais não responderam se existe algum plano de no futuro virem a providenciar serviços cirúrgicos, ou mesmo de substituição hormonal. Assim sendo, em Maio do ano passado, Jo-B De Souza removeu os seios na clínica que o vinha seguindo. “Passei a poder vestir o que me apetece, sem sentir que tenho um segredo a esconder. Agora quando vou ao ginásio já não vou para o balneário feminino, estou no balneário dos homens e ninguém sequer duvida, desde que tenha uma toalha à cintura”, conta. A partir de Outubro de 2016 começou a injectar testosterona, um processo que se iniciou com umas análises que revelaram uma quantidade anormalmente grande de hormonas masculinas. Desde então, recebe todos os trimestres uma encomenda de injecções. Como nunca teve uma relação confortável com agulhas, tirando as que tatuam, Jo-B De Souza recorreu a alguém em quem sabia que podia confiar, a sua irmã, um dos seus principais pilares de apoio, sem esquecer o cunhado. “Há dias que é doloroso e outros dias em que não há sensação”, conta acrescentando que as injecções passaram a ser um ritual que tem de cumprir a cada três dias. “Comecei com 0.2 mg e agora tomo 0.35 mg. Isto vai ser para sempre, mas não com esta frequência”. Começou assim o processo de modificação total das hormonas, antes do adeus final à produção de estrogénio que viria em Novembro último, altura em que removeu o útero e os ovários. Esta fase significaria o armistício de uma guerra hormonal que durara a sua vida inteira. Super-homem Antes de começar com as injecções, Jo-B De Souza teve de fazer análises. “Quando fiz o meu primeiro teste ao sangue na clínica o médico perguntou-me se já tinha feito algum tratamento hormonal porque, normalmente, os níveis de testosterona de uma mulher vão até 30, mas eu tinha 61”, conta. Níveis que não são surpreendentes face à fisionomia de Jo-B De Souza, que sempre teve, por exemplo, ombros largos e dedos grossos. Desde a primeira intervenção, em que removeu os seios, o residente de Macau ganhou uma reputação de homem de ferro entre os pessoal médico e de enfermagem na clínica tailandesa que o tem acompanhado. “No hospital deram-me a alcunha de Super-homem”, conta bem humorado. A remoção do peito, mastectomia, é um procedimento doloroso que implica o reajuste do torso. Como tal, após a cirurgia os pacientes podem ter de ficar duas semanas imobilizados numa cama de hospital. “No dia seguinte à operação, acordei e não senti dor e como precisava de ir à casa de banho e não havia ninguém por perto, levantei-me e fui à casa de banho. Ainda não tinha decorrido 24 horas desde que tinha saído do bloco operatório. Os médicos ficaram alarmados mas eu acalmei-os e disse-lhes que não sentia dor, que estava tudo bem”, recorda. A partir desse momento, começou a circular entre o pessoal da clínica e pacientes a alcunha “Super-homem”, uma alcunha que se foi disseminando das empregadas de limpeza, enfermeiras, até ao pessoal médico. A reputação aprofundou-se quando chegou a altura de remover órgãos. Em Novembro, Jo-B De Souza deu entrada na clínica da Pattaya para fazer uma histerectomia e ovariectomia, o que trocado por miúdos significa a remoção do útero e ovários. Mais uma vez, o natural de Macau tinha pela frente uma recuperação lenta, dolorosa, que implicaria cerca de duas semanas de cama. Ainda assim, no dia seguinte à cirurgia resolveu pôr-se de pé, ao lado da cama, tranquilamente a ver televisão. Sem grande disposição para ficar deitado, Jo-B De Souza, após exame médico, teve alta e regressou a Macau, encurtando o período de convalescença na cama da clínica de duas semanas para dois dias. A forma como o seu corpo recuperou de uma intervenção que não é definitivamente pêra doce em termos médicos surpreendeu o médico e aumentou a sua reputação de super-herói. Durante estes complicados processos, Jo-B De Souza contou com o apoio incondicional da sua namorada e de uma nova família que conheceu na Tailândia a partir de um amigo que fez na clínica. Mesmo durante os períodos de curta convalescença, o natural de Macau teve sempre uma rede de apoio que não o largou, desde a família e a namorada à distância, passando pela família do amigo tailandês que o acompanhou nos momentos mais frágeis. Ficaram tão próximos que Jo-B passou a visitá-los regularmente à Tailândia. Homem novo Com a remoção do útero e ovários, Jo-B De Souza deixou de produzir estrogénio. Juntando a esse facto as injecções de testosterona, pode-se dizer que em termos hormonais é um homem, algo que lhe dá uma vantagem de perspectiva que poucas pessoas alguma vez irão experimentar. “Como fui exposto a ambos os mundos, nunca imaginava que as emoções de uma mulher são assim tão doidas, porque as considerava normais”, conta. Hoje em dia, Jo-B De Souza sente-se nas nuvens, “high” como diz em inglês, e congratula-se porque nada o chateia como antes. “Saí dessa montanha russa emocional, estou focado e não fico tão facilmente agitado ou irritado com as coisas”, revela. O residente de Macau sempre entendeu que as suas emoções representavam dois extremos pendulares que eram, em simultâneo, a maior fraqueza e a maior força. Até à remoção de parte do sistema reprodutor feminino, a sensibilidade, a empatia e mesmo a atribuição de significado a coisas triviais para os outros foram motivos para altos e baixos de ânimo. Neste momento, vive uma espécie de segunda puberdade enquanto as hormonas masculinas tomam conta do seu corpo. No seu rosto começa a despontar uma mais que bem-vinda barba e a voz torna-se mais funda. Aliás, este é um dos detalhes que o faz recuar em sentimentalismo. Jo-B De Souza sempre gostou de cantar, nesse aspecto a perda da sua antiga voz é algo que o emociona, principalmente quando ouve antigas gravações que fez. Porém, já se aventura com a voz masculina, enquanto a intensidade de interpretação se mantem. “Acho que vou apreciar estas mudanças, que são de médio longo-prazo, não chegam de repente. Agora vou fazer a viagem de um rapaz dos 12 anos aos 18 anos. Existe essa margem, um homem não se faz assim de repente e eu quero saborear esse longo período”. Última fronteira Depois de duas anestesias gerais em menos de um ano, Jo-B De Souza não pode voltar tão cedo ao bloco operatório. Porém, no horizonte falta um passo, a faloplastia, ou seja, a construção do órgão sexual masculino. Esta cirurgia, a derradeira, pressupõe algum planeamento pois requer uma recuperação mais lenta e complicada, mesmo para um Super-homem. A faloplastia implicará muitas horas de fisioterapia e de recuperação muscular. Outra questão na mente de Jo-B De Souza é de natureza monetária. Além do preço da cirurgia, o residente de Macau quer amealhar dinheiro para estar confortável por um período de tempo, que se prevê largo, durante o qual não poderá trabalhar. “Preciso de saber como será a recuperação mas não estou com pressa, desde que esteja bem de saúde estou óptimo”, explica com simplicidade. Além da mudança física, Jo-B De Souza vai tentar alterar o seu género juntos da Direcção dos Serviços de Identificação. “As leis em Macau não regulam estas situações, mas acho que encontrei uma lacuna. Ao que parece, desde que um médico escreva uma carta a dizer que o corpo da pessoa é 75 a 80 por cento daquele sexo, eles têm de adequar essa realidade com o género que está no BIR”, conta. Aliás, Jo-B De Souza apronta-se para fazer a análise de sangue que servirá de argumento para a oficialização junto dos serviços públicos da pessoa que existe além da identidade no papel. Essa será a derradeira fase da metamorfose de Jo-B De Souza, o momento em que lhe será restituído algo que nunca teve, mas que sempre sentiu. Será, também, um passo que lhe trará esclarecimento, mesmo dentro de uma comunidade LGBT com a qual nunca se identificou completamente. “Não julgo as pessoas gays, nem lésbicas, mas não quero ser uma delas. Só quero ser normal, não quero casamento gay, quero um casamento normal, heterossexual”, comenta Jo-B De Souza, que simplesmente repudia que o tratem como mulher. Apesar de conhecer um residente local que fez a transição de masculino para feminino, igualmente operado na Tailândia, Jo-B não conhece ninguém que tenha feito o percurso pioneiro que se prepara para completar. Com a determinação e força que o caracterizam, Jo-B De Souza está perto de finalizar um caminho nunca antes trilhado por ninguém em Macau. Entre dois tragos num cigarro, diz com leveza: “Vou fazer todas as etapas porque se começo algo tenho de ir até ao fim”. A perspectiva clínica [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] transtorno da identidade de género ainda é considerado umapatologia pelo Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais. Facto que irá mudar na próxima revisão do documento, de acordo com a Organização Mundial de Saúde. Está em curso “a despatologização dos transgéneros, a autodeterminação e as identidades de género não binárias e flutuantes, que são noções e conceitos que desafiam as ideias milenarmente instituídas na sociedade”, explica Graça Santos, psiquiatra e coordenadora da URGUS (Unidade de Reconstrução Génito-Urinária e Sexual) do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra. A coordenadora da unidade que providencia em Coimbra hormonoterapia, assim como histerectomia, ovariectomia e faloplastia, considera que estes casos têm, normalmente, uma elevada dose de sofrimento implícito. “Muitas vezes isolam-se dos seus pares e não adquirem as necessárias competências de socialização, têm dificuldade em ter relações de amizade, namoro etc”, explica a psiquiatra. Os constrangimentos físicos e psicológicos pode valer a “perda de experiências como a prática desportiva, ir à praia, nadar e situações em que o corpo se desnuda”. Se à falta de apoio se juntar a discriminação e o bullying, os jovens transgéneros podem mesmo a sofrer “episódios depressivos, ansiedade elevada, ideação suicida, tentativas de suicídio e auto-mutilações”. Após uma primeira fase de avaliação em consulta em sexologia (psiquiatra ou psicólogo) é feito o diagnóstico de Disforia de Género. No caso do indivíduo o desejar (o mais comum é desejarem-no) o utente deve ser acompanhado na especialidade de endocrinologia para iniciar tratamento hormonal de feminização ou masculinização. “Estas alterações são vividas com agrado, muitas vezes com euforia, embora a terapêutica hormonal também possa induzir alguma instabilidade emocional. As modificações são muito bem-vindas e permitem que a pessoa transexual possa afirmar-se socialmente como sendo do género que pretende ser e não daquele que lhe foi atribuído à nascença. Esta conformidade entre corpo e identidade traz sentimentos de bem-estar e uma perspectiva positiva do futuro. Agora podem ser o que sempre sentiram que eram”, explica a coordenadora do URGUS. Quem embarca neste processo no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, tem uma equipa multidisciplinar ao seu serviço, que inclui clínicos de psicologia, psiquiatria, endocrinologia, urologia, ginecologia, cirurgia plástica, terapeuta da voz e assistente social.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA humanização da medicina “The term ‘epidemic of error’ has been coined. In the United States, the Institute of Medicine, acting under the National Academy of Sciences, has identified errors in healthcare as a leading cause of death and injury, comparable with that of road accidents.” “Errors, Medicine and the Law” – Alan Merry and Warren Brookbanks [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] luto, doença e a dor derrubam as ilusões brilhantes e superficiais da vida. As doenças, bem como as pequenas necessidades corporais, são, respectivamente, as óptimas e pequenas epifanias diárias da nossa limitação e são, de facto, um mistério, mas não podemos deixar o sofrimento no “não dito”. Não se trata de dar a resposta à dor e sofrimento na doença, mas de adoptar uma pesquisa inesgotável e essencial para a humanização do homem, bem como responder à pergunta de “quem sou eu?”. A doença muitas vezes pode levar à angústia, à desistência da vida e ao desespero e existe a necessidade de convidar todo o pessoal envolvido no sistema de saúde, do médico ao auxiliar a não escaparem de uma tarefa tão maravilhosa, como é a de humanizar a medicina e a doença. A importância de humanizar a doença deve-se ao facto de que o sorriso, a palavra gentil, o abraço não custa nada, mas pode fazer milagres, consolar e dar serenidade ao coração do paciente. Um antigo provérbio senegalês lembra uma grande verdade esquecida pela medicina tecnológica de que “o cuidado do homem é o homem “. O Corpus Hippocraticum afirma que onde existe amor pelo homem também há amor pela arte médica. Na ética do médico hipocrático, a filantropia aparece inseparavelmente combinada com a filosofia e Galeno de Pergamo é muito claro ao afirmar que o médico deve conhecer o remédio, mas também saber como compreender o paciente e respeitar a sua vontade, ser que é ao mesmo tempo técnico e filantrópico. À luz desses eventos passados, a ideia de se pensar numa medicina para humanizar pode parecer paradoxal. Todavia, desde há anos, com uma insistência cada vez maior, se tem vindo a falar de humanização da medicina e, em geral de cuidados de saúde. O termo humanização que não deixa de ser um vil neologismo, refere-se à necessidade de trazer de volta a prática da arte médica, e em geral, aos cuidados de saúde, os momentos de humanidade que parece ter perdido e desde logo põe a questão de saber como e onde foi perdida a filantropia? Ao olharmos sobre o contexto verificamos que a relação médico-paciente se revela imediatamente inadequada à luz dessa dualidade, não só porque a relação envolve outras matérias, mas também e sobretudo porque a complexidade dos temas, estruturas e factores culturais envolvidos exige que essa relação seja considerada em uma perspectiva mais ampla, pois é inserida, determina e é o produto em um processo circular, de uma rede de relacionamentos da nossa sociedade. A sociedade onde estão incluídos os serviços e relação médico-paciente, é constituída pela cultura, ciência, valores onde se enquadra o homem, saúde e solidariedade, estruturas produtivas e a organização social. O serviço onde se inclui o médico-paciente é uma relação sujeita a complexas interferências. A perda de filantropia tem a ver com diversos contextos onde se integram as transformações na medicina, a gestão pública da saúde, a medicina entre ciência e a tecnologia, a indústria da saúde e mais a montante, um horizonte cultural alterado, a crise da ética, os resultados da concentração na autonomia e a influência do utilitarismo. Tendo em atenção a transformações na medicina damos conta que a nacionalização dos cuidados de saúde levou, com a gestão da saúde pública, à melhoria geral do estado de saúde da população mas, ao mesmo tempo, a relação médico-paciente retornou aos mecanismos do aparelho estatal. O paciente tornou-se um utilizador e o médico ficou sobrecarregado com tarefas burocráticas e entre os dois interpõe-se o Estado, sendo que o médico, muitas vezes não depende da tarefa que deve enfrentar. Se observarmos de forma mais analítica, vemos que os componentes mais degradados, geralmente, denunciam burocratização, ineficiência e subdivisões de tarefas com tendência a aumentar as despesas; fragmentação do acto médico em uma sequência de relações entre o paciente e um número crescente de trabalhadores da saúde, com pouca flexibilidade para necessidades individuais e pedidos de intervenção de emergência; participação dos pacientes no serviço de saúde garantido com uma mentalidade passiva-assistida, que exige direitos e não se sente obrigada a desempenhar funções. Tais atitudes são facilmente combinadas em pacientes com abordagem fetichista de drogas e, na medicina básica, a tendência de não responsabilizar um único médico em relação à instituição hospitalar, bastando ver a multiplicidade de testes laboratoriais, a elefantíase de serviços especializados e a excessiva facilidade de admissões, pelo que um relacionamento médico-paciente é afectado negativamente. A deterioração do relacionamento nos hospitais, na qual a ênfase é colocada na relação médico-paciente, muitas vezes é desconsiderada pela mesma modalidade pela qual é organizada a vida de um hospital ou, de acordo com os termos actuais, a empresa hospitalar. A maioria dos pacientes que se dirigem a um hospital, de facto, confia na medicina mais do que no médico que conhecerão pela primeira vez. O médico que atende o paciente está inserido em uma organização de trabalho, que tende a subdividir as diversas especialidades e competências, e pode estar a exercer a sua profissão na especialidade ao qual o caso se enquadra, sendo que a percepção da sua responsabilidade está centrada na doença e é muito menos dirigida para as emoções, experiências e tolerância do paciente. Os que se transformam em um mecanismo da estrutura hospitalar entram em um processo mais ou menos complexo, no qual faz pouco sentido usar a noção de cuidar do outro, não sendo de negar que o horizonte da arte médica é o de cuidar, o que significa preocupação com o outro. O propósito médico é completamente penhorado por métodos e meios que são impessoais, mas muito eficazes. A crise do Estado de bem-estar e a relação médico-paciente é influenciada pela globalização da economia. A necessidade estrutural de conter cuidados de saúde levou as autoridades a tomar precauções que, apesar da boa fé em tentar preservar a sustentabilidade do serviço de saúde, afectam negativamente a relação médico-paciente. O médico vem assumir e conjuntamente todo o pessoal de saúde, dois contratos, um com o Estado que o contrata, enquadra, e paga, e com o paciente. O risco é que a relação de aliança, confiança e assistência, que existe entre o médico e o paciente, torna-se secundária e, portanto, objecto de responsabilização. As razões do Estado e os motivos do paciente parecem ser conflituantes. A este respeito, muitos economistas, administradores e especialistas em bioética acreditam que os médicos, conjuntamente com a obrigação de cuidar do paciente individualmente considerado, têm a obrigação de economizar recursos para a sociedade, ou seja, o médico não seria simplesmente o agente dos seus pacientes, mas um agente duplo, que também deveria avaliar se os benefícios do tratamento aos seus pacientes são dignos dos custos pela sociedade. Assim, de acordo com esta perspectiva, o médico deve equilibrar as necessidades médicas do paciente e o material gasto pela comunidade no processo de tomada de decisão, ou decidir se um determinado acto ou processo médico é, em última instância, um custo para a sociedade. Neste cenário, o relacionamento médico-paciente aproxima-se de outras prioridades de valor, como as do utilitarismo, sendo determinantes a qualidade de vida e a relação custo-benefício. A relação de tratamento, durante muito tempo, foi implementada e pensada como uma relação interpessoal, parcialmente mediada pelos meios do médico. Tais tratamentos são realizados através de meios que reduzem a interacção pessoal ao mínimo. Este facto determina várias mudanças na mesma forma de praticar a profissão médica. O médico está cada vez mais orientado a pensar em si e na sua actividade como função da ciência, que é de conhecimento e ninguém ousaria dizer que a figura do paciente está-se a tornar uma variável dentro da medicina No entanto, o facto é que a extensão dos ensaios clínicos, embora orientada, em princípio, para resolver a obscurecer patologias humanas, leva, de facto, a um número cada vez maior de pessoas a serem pensadas também, embora certamente não só, como meio para a implementação de um programa de pesquisa (e esta condição central assume uma conotação adicional nos casos em que o paciente faz parte do grupo de controlo que está sujeito a placebo). Esta situação, que tem a sua própria legitimidade, corre o risco, no entanto, de mudar progressivamente o horizonte finalista da pesquisa e da medicina. A competência do médico é medida cada vez mais por referência às suas publicações científicas, que qualificam de facto, o conhecimento disponibilizado à comunidade científica, e obviamente são conhecimentos que, potencialmente e oralmente, têm uma queda próxima ou remota, de impressão terapêutica, mas inevitavelmente desaparece a centralidade do paciente como uma realidade singular, substituído por um universal que é a patologia do mesmo. A doença sempre tem duas faces. A primeira corresponde ao que o médico pode diagnosticar, através de diferentes modalidades, e que é representável de forma objectiva e impessoal. Este rosto da doença é o que faz de cada paciente um caso clínico, um componente das estatísticas médicas, uma ocasião para o exercício da arte médica e para o desenvolvimento profissional do médico. A outra face, é o da vida do paciente, enquanto a doença é, desde logo, uma nova forma de existir e de pensar sobre a condição de alguém, uma percepção nova e desagradável da identidade física e psíquica. Face à tentação de conceber, uma relação técnica com os organismos vivos, a medicina é chamada a salvar a verdade da relação entre uma pessoa (o médico) perante outra pessoa, que está em estado de fragilidade, e que pede ajuda para alcançar a sua capacidade individual. O valor da pesquisa científica está fora de questão, mas devemos sempre lembrar que, no universo dos valores, a pessoa humana vem em primeiro plano. O Papa João Paulo II a este propósito afirmou, que a ciência não é o valor mais elevado ao qual todos os outros devem ser subordinados. Mais alto, na classificação dos valores, reside o direito pessoal do indivíduo à vida física e espiritual, à sua integridade psíquica funcional. A humanização significa uma relação médico-paciente que não se baseia no paternalismo, mas em uma atitude cada vez mais activa do paciente, com base em uma aliança terapêutica entre pessoas, onde o paciente não é apenas dotado de direitos precisos, mas participa do diagnóstico e estratégias terapêuticas necessárias ao seu corpo e doença. É uma relação terapêutica que deve ser uma aliança de humanidade, a do doente e do médico ou operador profissional. Se do ponto de vista jurídico a expressão do consentimento, tende a permitir que o médico seja responsável por quaisquer consequências negativas da intervenção, do ponto de vista ético é igualmente fundamental, uma vez que constitui a única legitimidade moral possível, excepto para casos de aflição e necessidade urgente, para a sua intervenção, sendo necessário, de facto, reconhecer o paciente na sua subjectividade e envolver em um relacionamento baseado na participação verbal, sensibilidade linguística, compreensão da sua formação social e cultural. O consentimento informado, em princípio, não pode ser reduzido a uma folha de informação simples, mais ou menos detalhada, que o paciente (ou quem quer que seja) deve assinar, o que representa o ponto de referência da relação médico-paciente, uma vez que é realmente sobre o que tem de ser feito, no momento, do ponto de vista clínico, que se deve exercer o respeito interpessoal, a preocupação com o outro, o reconhecimento da profissionalismo e atenção à situação exigida. Somente se o consenso continuar a ser um instrumento de diálogo, e não uma folha de informações simples, é possível atenuar essa tensão conflituante que muitas vezes actua como base. A discussão sobre o valor das declarações antecipadas não pode ser exercida no nível estritamente jurídico e factual, pois de facto, deve ter em consideração o nível ético da questão. É de que, no reconhecimento, ao menos ideal, do valor das declarações antecipadas, a vontade revela claramente a dignidade da pessoa humana em todas as condições da vida, sem que isso se torne abandono terapêutico ou em uma delegação de responsabilidade do médico. Vivemos uma era de relativa escassez de recursos, e um orçamento equilibrado corre o risco de ser percebido cada vez mais como um objectivo prioritário, e não apenas como uma restrição a ter em mente, ao questionar e trabalhar para proteger a saúde das pessoas, objectivo primeiro do serviço de saúde. A alocação de recursos destinados à saúde, orientando-os para a obtenção do melhor resultado possível, é uma decisão louvável quando se trata de propósitos postos ao serviço de pessoas; o mesmo não pode ser dito quando a optimização dos recursos aumentam para o objectivo principal a ser perseguido, porque as pessoas e não as necessidades orçamentais, são o maior valor que pode orientar o critério sobre as decisões a serem tomadas. A exigência da humanização, no plano social, traduz-se no compromisso directo de todos os profissionais de saúde a promoverem na sua área e de acordo com a sua competência, condições adequadas para a saúde, a melhorar instalações inadequadas, favorecer a distribuição correcta dos recursos para garantir que a política de saúde tenha como objectivo apenas, o bem da pessoa humana e como homens, até antes como pacientes ou médicos (e ninguém pode esquecer que o prestador de cuidados pode-se tornar paciente), que vivem dentro de uma sociedade e cultura complexa e articulada, é necessário encontrar tempo para repensar o tema da dor, sofrimento, existência, vida e morte não sendo possível cuidar do homem sem pôr em prática a sua imagem, que é também de todos.
Jorge Rodrigues Simão Perspectivas VozesA medicina personalizada [dropcap style≠‘circle’]A[/dropcap] medicina moderna, para além de todas as suas maravilhas, apresenta uma grande nódoa. Ainda que, os avanços científicos e os novos tratamentos milagrosos sejam anunciados diariamente, os médicos sabem que mesmo as drogas mais eficazes do seu arsenal não funcionam para grandes sectores da população. As drogas comummente prescritas, por exemplo, para tratar transtornos como a depressão, asma e diabetes são ineficazes para cerca de 30 a 40 por cento das pessoas a quem são prescritas e a doenças difíceis de tratar, como a artrite, a doença de Alzheimer e o cancro. A proporção da população que não vê benefício de um tratamento específico aumenta de 50 a 75 por cento. O problema decorre de como os tratamentos são desenvolvidos. Tradicionalmente, uma droga é aprovada para uso se funcionar para um bom número de pessoas com sintomas semelhantes em um teste de drogas, e não são feitas perguntas nem dadas respostas sobre as pessoas no teste, e que não responderam positivamente ao tratamento. Quando a droga é então autorizada e prescrita massivamente à população, sem qualquer surpresa, existem muitas pessoas, como as do teste, que descobrem que a mais recente cura milagrosa não lhes resolve a situação. Este sistema de descoberta de drogas que abarca todos, embora tenha ajudado a descobrir os medicamentos mais importantes do século XX, é cada vez mais sentido como ineficaz, desactualizado e perigoso. Tal significa que os medicamentos são desenvolvidos para fazerem efeito na pessoa média, quando de facto todos, incluindo as nossas doenças e respostas às drogas são únicos. Muitas drogas são ineficazes para grandes sectores da população, mas tem de se considerar que também podem causar reacções adversas graves a outras pessoas. Felizmente, uma abordagem completamente nova da medicina está a ganhar cada vez mais adesões. À medida que se aprende mais sobre como as pessoas diferem geneticamente, os médicos estão a adaptar conselhos de saúde e tratamentos para pessoas individualizadas ao invés de ser massivamente para populações. A medicina personalizada, também conhecida como medicina de precisão usa os dados genéticos de um paciente, e outros dados sobre a sua saúde a nível molecular, para obter o melhor tratamento para as pessoas com um perfil genético similar. Somos tentados a pensar que os nossos genes determinam a nossa altura, cor dos olhos ou se temos um distúrbio genético. A combinação dos nossos genes aquando do nascimento afecta segundo as revelações científicas, o nosso desenvolvimento e saúde de muitas formas subtis, ao longo das nossas vidas. A probabilidade de termos recebido certas doenças à medida que envelhecemos, a forma como metabolizamos os alimentos e a nossa reacção a certos medicamentos, são influenciados pelos genes que temos. Tendo em conta o que se sabe sobre os genes, tomar tal questionamento, pode parecer um pouco óbvio, mas só foi possível na última década, graças ao incrível progresso que foi feito na tecnologia de sequenciação de ADN. Quando o genoma humano foi primeiro descodificado em 2003, foi necessário uma década de esforços de cooperação internacional e custou cerca de três triliões de dólares. Após quinze anos, o sequenciamento do genoma de uma pessoa pode ser conhecido em menos de cinquenta horas, ao invés de anos, e pode custar menos de mil dólares. Tal significa que informações genéticas, estão mais disponíveis aos médicos e pesquisadores que desenvolvem tratamentos do que alguma vez se imaginou. A área onde a nova abordagem personalizada à medicina tem tido o maior impacto, é a oncologia, ou o tratamento do cancro. O tratamento do cancro do pulmão, especialmente, é visto como uma grande história de sucesso da medicina de precisão. Os médicos, durante anos, ficaram intrigados com o motivo de apenas cerca de 10 por cento dos pacientes com cancro do pulmão responderem a uma droga comum ao tratamento, conhecida como “TKIs (inibidores da tirosina-quinase)” que interrompe o crescimento de um tumor. No final da primeira década do nosso século, quando os pesquisadores conseguiram analisar o ADN de tumores de pacientes, descobriram que a droga só funcionava em pessoas cujas células cancerosas tinham uma mutação particular em um gene conhecido como “Receptor do Factor de Crescimento Epidérmico (EGFR na sigla inglesa).” A mutação faz que as células cresçam de forma incontrolável e os TKIs bloqueiam esse efeito, diminuindo o tumor. Mas, em pacientes cujos tumores têm origens genéticas diferentes, o tratamento com TKIs resultará em uma barreira com efeitos colaterais prejudiciais sem possibilidades de sucesso. Eventualmente, os diferentes genes no centro de diferentes cancros do pulmão foram revelados, e todo o processo para diagnosticar o cancro do pulmão mudou. Os cancros segundo os cientistas não são simplesmente classificados por onde e como crescem e o que parecem ao exame do microscópio. Em vez disso, são testados por mutações genéticas, e as opções de tratamento são escolhidas em conformidade. Mesmo quando os tumores mutam durante o tratamento e desenvolvem resistência a medicamentos específicos de genes, os médicos podem acompanhar a mudança genética e escolher outro alvo. Os tratamentos de cancro personalizados ainda mais sofisticados estão no horizonte, como a imunoterapia, que toma as células imunes do paciente e as reprograma para atacar as células cancerosas. As células imunes, conhecidas como células T CAR, são extraídas do paciente e geneticamente modificadas no laboratório, para que reconheçam os marcadores moleculares exactos que crescem nas células cancerosas do paciente e, em seguida, são injectadas de volta ao corpo para atacar o tumor. A “Administração de Alimentos e Medicamentos dos Estados Unidos (FDA na sigla inglesa)”, aprovou uma forma desse tratamento, em Agosto de 2017, após resultados impressionantes em ensaios clínicos. A medicina personalizada também está a contribuir de forma importante para a segurança das drogas. A possibilidade de uma reacção adversa grave a um medicamento pode parecer raro, mas é, incrivelmente, a quarta principal causa de morte nos Estados Unidos e representa cerca de 7 por cento de todas as admissões hospitalares. Mais uma vez, o problema é causado pela tendência de tentar tratar grandes grupos de pessoas muito distintas entre si, da mesma forma. Um teste genético simples pode mostrar os genes-chave que tornam algumas pessoas hipersensíveis a certos medicamentos, ou se alguém metaboliza medicamentos tão rapidamente que necessitam de uma dose mais elevada. A abordagem, conhecida como farmacogenómica, ainda está longe de ser comum em hospitais e cirurgias de clínica geral, mas um novo suporte lógico está em desenvolvimento, que ajudará os médicos a tomar decisões de prescrição e dosagem com base no perfil genético específico de um paciente. É possível um dia ver os farmacêuticos verificarem os genes na farmácia antes de entregar os medicamentos. A medicina personalizada não é apenas sobre genética. O medicamento do futuro será dirigido pela geração e interpretação de muitos tipos de dados de nível molecular sobre indivíduos, capturados com um nível de precisão nunca antes possível. Existe tecnologia que pode descrever o genoma, análise proteómica (níveis de proteína), perfil metabólico e o microbioma de cada pessoa, em detalhes, a um custo cada vez mais acessível. A análise de genes é informativa, mas os genes não mudam ao longo do tempo e, portanto, não podem dizer se a pessoa realmente possui uma determinada doença ou se o seu tratamento está a funcionar. As proteínas ou metabólitos no sangue proporcionam uma imagem em tempo real de que o corpo está a lutar, ou se as drogas que recebeu estão a fazer o que deveriam. A partir de uma simples amostra de sangue, os cientistas podem detectar as primeiras pistas químicas de uma enorme variedade de doenças comuns, conhecidas como biomarcadores, muito antes de se tornarem evidentes quaisquer sintomas físicos. No cancro do pâncreas, por exemplo, muitos pacientes só são diagnosticados quando os sintomas começam a mostrar-se e a doença se encontra em estado avançado. O cancro pode, de facto, ter crescido de forma assintomática até há quinze anos, libertando biomarcadores reveladores que poderiam ser detectados com testes moleculares. A combinação de computação poderosa, vasta base de dados de dados genéticos e biomédicos e um maior número de geneticistas qualificados que trabalham em ambientes de saúde, tem o poder de revolucionar verdadeiramente a medicina. A prevenção de precisão é passar dos cuidados de saúde baseados em doença para medidas preventivas, estudando as doenças antes de acontecerem ou enquanto se encontram em um estado inicial. Trata-se de uma monitorização e triagem mais regulares, para pessoas com alta susceptibilidade para certas doenças. Em casos extremos, descobriram-se que as pessoas apresentam distúrbios que aumentam a taxa de mutação do ADN, ou causam mecanismos defeituosos de reparação do ADN, tornando-os susceptíveis de desenvolver múltiplos tipos de cancro ao longo da vida, e são colocados em uma terapia que pode impedir o aparecimento do cancro. Os tratamentos similares conhecidos como vacinas contra o cancro, terapias feitas sob medida que ajudam as pessoas a desenvolver imunidade específica ao cancro, estão actualmente em progresso para um conjunto de diferentes doenças, incluindo o cancro do rim, oral e dos ovários, demonstrando ser a oncologia de precisão no seu melhor desempenho. A medicina personalizada começa a ter um impacto em muitas outras áreas das doenças. Os cientistas revelaram em 2017, que a forma mais comum e perigosa de leucemia, são onze doenças distintas que respondem de forma muito diferente ao tratamento. Nos pacientes com HIV e hepatite C, os dados genómicos retirados do doente e dos seus vírus, podem ajudar os médicos a decidir sobre uma combinação de medicamentos que atinja a raiz específica da doença e é menos provável que cause efeitos colaterais na pessoa, tornando-se importante, porque os efeitos colaterais prejudiciais podem levar alguns pacientes a parar a toma dos medicamentos. A abordagem das duas vertentes reduziu as taxas de mortalidade do HIV, em até 90 por cento no Canadá, e na doença de Alzheimer, que é notoriamente difícil de tratar, a análise genética é um subtipo revelador de que é mais provável que responda a certos tratamentos. Além disso, os médicos podem iniciar o tratamento mais cedo, graças às subtis pistas químicas que confirmam a doença antes que os sintomas sejam evidentes. Mas, apesar de toda essa pesquisa emocionante e alguns sucessos notáveis, o facto é que poucos pacientes que entram nos sistemas de saúde dos países desenvolvidos terão acesso à análise biomolecular especializada necessária para personalizar o seu tratamento. Afora dos departamentos de oncologia, os grandes sistemas de saúde não estão configurados para colectar e analisar ainda, dados biomoleculares para cada paciente. A medicina personalizada é frequentemente usada como último recurso, ou para as poucas pessoas com sorte seleccionadas para ensaios clínicos. A proporção da população que teve o seu genoma sequenciado é pequena, mas está a começar a mudar. É significativo no Reino Unido, o “Projecto dos 100.000 Genomas”. O projecto começou a sequenciar genomas de cerca de setenta mil pessoas com cancro ou uma doença rara, além das suas famílias, e em 2017, o “Sistema Nacional de Saúde” inglês, publicou a “Estratégia de Medicina Personalizada” para ajudar a impulsionar a adopção de abordagens de precisão em mais áreas do serviço de saúde. Nos Estados Unidos a maior unidade de dados de medicina de precisão do mundo foi anunciada pelo ex-presidente Americano, Barack Obama, em 2015, e que pretende inscrever e sequenciar dados genéticos de um milhão de voluntários até 2020. É de considerar que cerca de 40 por cento das drogas aprovadas em 2002, os Estados Unidos, personalizaram de alguma forma, em 2017, o que significa que o tratamento vem com um teste genético complementar para garantir que seja precisamente orientado. No cancro, a mudança está a acontecer, pois as empresas irão sequenciar o genoma de um tumor e decidir o melhor tratamento. No entanto, a adopção de medicamentos personalizados em todas as áreas dos cuidados de saúde, exigirá grandes reformas na forma como os serviços são contratados e estruturados. A grande ênfase na medicina personalizada é a medicina preventiva e o tratamento, tendo em conta que os sistemas de saúde nunca custearam essa área antes. Será uma grande mudança e exigirá muitas pessoas que não são apenas médicos, mas treinadas em análises biomoleculares. Os usuários iniciais, serão pessoas que terão de pagar as despesas. É de prever que nas próximas décadas as visitas ao médico possam ser substituídas por actualizações frequentes de conselheiros moleculares, que acompanham os níveis de saúde através de análises periódicas dos biomarcadores no sangue, sugerindo tratamentos adequados aos genes, com os pacientes a enviar as suas amostras de sangue pela internet para análise (como acontece com o Hilab no Brasil) e consulta pelo “Skype”. “A análise molecular será tão perturbadora para os médicos, pois assumirá o processo de diagnóstico e prescrição. O médico será o treinador de saúde, uma pessoa cujo trabalho é manter as pessoas saudáveis e procurar sinais do que necessita para caminhar com mais frequência ou mudar a dieta. As infra-estruturas nos sistemas de saúde centram-se em torno da bioinformática e da medicina genética, mas parece inevitável que o remédio do futuro se baseie em torno dos genes. O sequenciamento do genoma está a ficar cada vez mais barato e só é necessário fazer uma vez. Quando os sistemas estiverem a funcionar, fornecerão informações importantes sempre que as pessoas tiverem de visitar o médico e para o resto da vida.
Andreia Sofia Silva SociedadeAssociação de Estomatologia assina acordos com China e Portugal [dropcap style≠‘circle’]D[/dropcap]ecorreu ontem o Congresso Internacional de Medicina Dentária, que reuniu entre 200 a 300 médicos dentistas. Ao HM, Carlos Augusto, presidente da Associação de Estomatologia de Macau e membro da comissão organizadora do congresso, adiantou que foram assinados protocolos com a Ordem dos Médicos Dentistas de Portugal e com a Associação de Estomatologia da China. “Os protocolos foram assinados no sentido de garantir um intercâmbio nos próximos três anos ao nível da medicina dentária e ao nível dos congressos e exposições”, explicou. “É importante estabelecer esta parceria porque estamos num território pequeno e é importante que haja mais intercâmbio com Portugal e a China para que haja mais benefícios para todos os médicos dentistas de Macau, para que possam participar em mais congressos, para que haja essa facilidade”, disse ainda Carlos Augusto. O médico dentista falou também do programa do congresso, que este ano abordou o panorama da profissão no contexto da política “Uma Faixa, Uma Rota”. “O congresso aborda questões mais científicas ligadas à profissão, mas vamos falar também de “Uma Faixa, Uma Rota”, no que diz respeito ao futuro da medicina dentária [nos países e regiões ligados a esta política]”, adiantou. No caso de Macau a profissão não só atingiu um patamar mais profissional como existem mais dentistas a trabalhar no território. “Estamos num bom nível, a nível profissional tem crescido e o número de dentistas também. Nos últimos dez anos o panorama tem melhorado bastante”, concluiu Carlos Augusto.
João Luz Entrevista MancheteEntrevista | Ren-He Xu, professor da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Macau Depois de 20 anos em universidades norte-americanas, Ren-He Xu vem estrear a Faculdade de Ciências Médicas da Universidade de Macau. Em três anos orientou uma pesquisa que promete revolucionar o mundo das células estaminais e meter Macau no mapa da investigação científica. O momento “eureka” poderá tornar desnecessária a criopreservação e aumentar a longevidade das células estaminais [dropcap style≠’circle’]Q[/dropcap]ual a magnitude desta descoberta para o campo das células estaminais? É uma descoberta que tem impacto ao nível mundial, especialmente no campo da criopreservação biológica. Tradicionalmente, tínhamos de recorrer a um tanque de nitrogénio líquido, ou uma caixa de gelo seco para enviar células estaminais para longas distâncias. Agora não é preciso, só é necessário fazer esferas de células, metê-las no bolso e ir para qualquer lado, desde que seja dentro de dez dias. Esferas de células? Sim, são como bolas de células. Normalmente, uma bola contem centenas, ou milhares, de células. A esfera é formada quando se deixam as células estaminais precipitarem e juntarem-se por umas horas. Então formam uma esfera, dessa forma reduzem a proliferação e o metabolismo. Ficam num estado de repouso como animais em hibernação, é por isso que duram mais tempo. É um processo muito simples e as células estaminais preservam todas as suas propriedades sem necessidade de recurso a incubadora. As condições ideais para este tipo de material, na incubadora, são 37 graus com cinco por cento de dióxido de carbono. Mas agora conseguem aguentar a temperatura ambiente, podemos levar células estaminais para a rua. Testámos temperaturas entre dez graus a 30 graus e não houver nenhum problema, desde que as células permaneçam juntas e mantenham o metabolismo baixo. Esta descoberta é também importante em termos de custos. Este método poupa dinheiro em comparação com o uso de nitrogénio líquido ou caixa de gelo seco. Quando vim dos Estados Unidos para cá trouxe material em nitrogénio líquido, o que acabou por me custar dois mil dólares americanos. Com esta descoberta só preciso de um tubo de um dólar no meu bolso e posso ir a todo o lado, poupando significativamente. Qual a aplicação prática desta tecnologia para a melhoria de vida das pessoas? Se alguém precisar de um transplante de medula óssea, por exemplo. As células estaminais do cordão umbilical podem ser usadas para tratar doenças auto-imunes, doenças inflamatórias ou mesmo cancro do fígado como terapia complementar. Nesses casos é necessário que um centro de células estaminais envie esse material, por exemplo, de Pequim ou Xangai. Com distâncias curtas não há problema, a prática normal é congelar e enviar para as clínicas em caixas de gelo. No final escolhem as células e injectam intravenosamente nos pacientes. Normalmente, é preciso uma pessoa para carregar a caixa para a clínica. Agora basta meter as células num frasco. Como surgiu esta descoberta? Foi uma história interessante. Pedi a um dos meus estudantes uma cultura em três dimensões de células estaminais, ou seja, deixar as células agruparem-se e testar as suas funções para depois comparar com grupos de células arranjadas de forma linear, com o objectivo de estudar os comportamentos diferentes das células. Depois da experiência, o estudante deixou as esferas no balcão do laboratório, fora da incubadora, porque o teste estava feito. Passados dez dias, reparou que ainda ali tinha as esferas de células e resolveu dar uma vista de olhos. Pensou que todas as células estariam mortas e dissociadas, mas constatou que estavam intactas. Foi falar comigo e disse-me que as células ainda estavam vivas. Disse-lhe para as voltar a meter na incubadora para ver se estavam mesmo vivas. No dia seguinte voltámos a tirá-las e todas as células estavam vivas. Foi uma surpresa. Claro que lhe disse para repetir a operação com diferentes linhas de células e continuou a resultar. Depois disse-lhe para experimentar com outros tipos de células estaminais pluripotentes, o que resultou com menor durabilidade. Pensei: “Isto é excelente, vai mudar o jogo, talvez não precisemos mais de criopreservação, portanto, não podemos publicar só assim, como um fenómeno”. Mandámos as células para sequenciação, para ver o perfil do genoma, e no final verificámos que todas as células desaceleraram de metabolismo. Qual a sensação de conseguir uma descoberta desta magnitude? O sentimento foi de orgulho. Senti que deixámos a nossa marca no campo das células estaminais, fica lá o nosso nome, o nome da universidade e de Macau. Todo o mundo vai reconhecer que isto foi feito na Universidade de Macau, na Faculdade de Ciências Médicas. Além disso, a nossa faculdade é muito recente, começou há três anos, e toda a gente quer trabalhar com afinco e conseguir resultados bons para a universidade e também para Macau. Acha que esta descoberta mete Macau no mapa da investigação científica? Sim. As pessoas reconhecem que estamos a contribuir significativamente com mérito e valor para o campo, que avançámos a ciência das células estaminais e tornámos mais fácil traduzir a ciência para a clínica. Qual o feedback internacional desta descoberta? Em primeiro lugar quisemos testar. O meu estudante estava muito interessado e determinado em provar que as células podiam ser transportadas facilmente. Quis viajar com as esferas de células para testar se, de facto, sobreviviam a viagens. Foi até à Tailândia, não viajou muito longe, mas as células continuavam bem depois de alguns dias. Internamente queríamos ter a prova. Depois da publicação pedimos a contribuição de algumas universidades internacionais conhecidas, como a Universidade de John Hopkins, entre outras. Perguntei a alguns colegas se queriam testar o que tínhamos descoberto. O colega da John Hopkins disse, espantado, “wow, isto resulta”. Todos contribuíram com citações para a publicação. Passou duas décadas da sua carreira profissional nos Estados Unidos, onde nasceu este campo de investigação científica. Comecei em Israel, depois fui para os Estados Unidos, Maryland, e trabalhei durante seis ou sete anos no National Institute of Health. Depois fui para o Wisconsin onde estudei células estaminais na universidade onde começou a investigação científica deste ramo. O meu antigo supervisor foi capa da revista Time como o homem que trouxe as células estaminais para o mundo. Mais tarde, fui recrutado para ir para a Universidade do Connecticut como professor associado. Fiquei lá durante seis anos. Como surgiu Macau no seu percurso profissional? A Universidade de Macau estava prestes a criar uma nova faculdade. Conheci o reitor em Xangai e ele perguntou-me por que não vinha para Macau. Começou por me mostrar um vídeo da construção da universidade. De um pântano surgiram, de repente, 50 edifícios do nada. Fiquei impressionado. Depois disse-me que teria o mesmo salário que tinha nos Estados Unidos, mas com os impostos de cá, o que para mim foi um aumento salarial, e assegurou-me que havia dinheiro para investir em material de laboratório. Em seguida, vim cá pessoalmente dar uma vista de olhos, nessa altura a maioria dos edifícios estava quase pronta. Que diferenças encontrou em Macau? Na Universidade do Connecticut os estudantes entram com notas melhores, sem dúvida, e são oriundos de todo o mundo. Aqui são, sobretudo, do Interior da China e alunos a tirar licenciatura. São estudantes muito inteligentes, entraram com notas altas. Para estudantes pós graduados recrutamos estudantes ao nível global, mas a maioria vem do Interior da China e da Índia, os locais estão mais direccionados para a licenciatura. Se demonstrarmos que podemos fazer bom trabalho, que damos oportunidades de sucesso aos estudantes, acho que podemos atrair mais gente de qualidade. A Universidade de Macau tem capacidade para atrair investigadores e estudantes do mundo inteiro? Apesar de a faculdade ser recente, oferece condições atraentes. Os salários são semelhantes aos oferecidos nos Estados Unidos, mas lá as universidades oferecem condições para receber a família do investigador, isso não acontece cá. Se um doutorado vem para o meu laboratório, a sua família não pode vir automaticamente para Macau, não pode viver cá. Isso torna a vida familiar de quem vem estudar para cá muito mais difícil, é uma grande desvantagem. Quais são os grandes desafios e esperanças para o futuro das ciências médicas? Globalmente, ou na maioria dos países, a qualidade e esperança de vida aumenta, assim como em Macau. Como as pessoas vivem mais tempo, há uma tendência para se verificarem mais doenças relacionadas com a velhice, incluindo cancro. São precisas novas formas para tratar estas doenças. O reitor da nossa faculdade é um famoso investigador no campo das doenças oncológicas. Está a tentar encontrar um meio de adequar uma droga específica para cada doente através de um teste ao seu genoma, à inteira sequência genética das células cancerígenas. Esperamos que esta abordagem possa trazer terapias mais direccionadas a cada paciente. No campo das doenças degenerativas, como Alzheimer e Parkinson, a maior esperança é a investigação com células estaminais. Podemos obter células através de colheita de sangue ou de células da pele e convertê-las em células estaminais. Podemos regredir até às células que queremos para os órgãos ou tecidos que precisarmos. Este tipo de células estaminais já corresponde ao nosso genoma, portanto, não corre o risco de rejeição imunológica. Isto já resultou num Nobel para um cientista japonês. Acha que é possível a atribuição de um prémio Nobel a alguém local? Não me parece. Pelo menos para já, porque é preciso primeiro crescer. É preciso congregar muitas e boas mentes científicas aqui, assim como conseguir apoios. Pode ser que um cientista entre esse grupo de grandes mentes tenha tempo e dinheiro para pensar com profundidade, e meter mãos ao trabalho para provar hipóteses remotas. Estamos numa fase inicial em que temos de nos estabelecer. Usamos recursos limitados para crescer, para ter alguns sucessos iniciais, para anunciarmos ao mundo que estamos aqui. Mas temos de ter em consideração que este é um “negócio” que precisa sempre de muito investimento. Macau não tem muitas universidades. O jogo é o negócio principal, mas não acrescenta valor adicional a Macau. Se os líderes tiverem interesse em perseguir este valor adicional, podem apostar em tecnologia de ponta e na busca de avanços científicos.
João Luz Manchete SociedadeJustiça | São Januário no banco dos réus Relato de um parto acidentado Os pais de uma criança nascida no São Januário moveram um processo por negligência médica contra a unidade hospitalar e a equipa que acompanhou o parto. Em causa estão alegadas más práticas médicas momentos antes do nascimento que originaram a paragem cardíaca do recém-nascido, que terão resultado em paralisia cerebral [dropcap]E[/dropcap]ncontra-se em julgamento no Tribunal Administrativo um caso por erro e negligência médica num parto que resultou em paralisia cerebral profunda do bebé. O processo foi instaurado pela família em 2013 contra o Centro Hospitalar Conde de São Januário, o médico, Huang Yaobin, e a enfermeira, Vong Iok Lin. Os pais do menino, que hoje tem seis anos, reclamam uma indemnização superior a quatro milhões de patacas. Tudo começou na madrugada do dia 1 de Novembro de 2010, por volta das cinco da manhã, quando rebentaram as águas à futura mãe. O casal apressou-se a seguir, esperançoso, para o hospital. A partir daí, tudo correu mal no nascimento do primeiro lho do casal. A grávida foi medicada com Citocitol, um fármaco que induz as contracções que preparam o feto para o parto natural. Neste momento, adianta salientar que a futura mãe teve uma gestação sem incidentes e entrou na unidade hospitalar com um bebé saudável. Mesmo depois de um dia inteiro com indução, não havia sinais de progresso no trabalho de parto, sem dilatação do colo do útero. No dia 2 de Novembro continuou a ser dada medicação à parturiente, ainda sem resultados. Este tipo de fármaco provoca contracções que podem causar stress ao bebé. Como tal, entre as 12h e as 14h começam a registar-se alterações nos batimentos cardíacos do feto, alegadamente sem que a equipa médica tomasse conta da situação. A enfermeira que acompanhou a grávida administrou-lhe oxigénio. Esta situação, de acordo com Malcolm Griffiths, especialista inglês em obstetrícia que testemunhou ontem em tribunal, “indicia que alguém cou preocupado, apesar da medida não ter qualquer mérito médico”. PARAGEM CARDÍACA Algo não estava a correr bem. De acordo com a testemunha ouvida ontem no Tribunal Administrativo, à preocupação da enfermeira devia ter sido correspondida com uma reavaliação médica. Em vez disso, continuou-se com a medicação, até que tudo descambou. Às 15h34 deu-se a primeira bradicardia no feto, o que significa uma diminuição do ritmo cardíaco que, num bebé, reduz a circulação sanguínea. Malcolm Griffiths esclareceu que mais de 10 minutos desta situação são o suficiente para provocar danos irreversíveis no cérebro, por falta de irrigação de sangue. Os normais batimentos cardíacos de um feto estão entre os 110 e os 160 por minuto, sendo que abaixo dos 100 já há um esforço considerável para um bebé. Neste caso, os batimentos chegaram aos 60 por minuto. Esta questão, de acordo com a testemunha, deveria ter alertado a enfermeira para a gravidade da situação. Nesta altura, foi reduzida a medicação de indução, mas a resposta deveria ter sido mais robusta, ou seja, parar totalmente a medicação, chamar o médico e começar a preparação para a cesariana. Porém, o bebé recuperou o ritmo cardíaco, “milagrosamente”, segundo a análise de Malcolm Griffiths. Malcolm Griffiths esclareceu que mais de 10 minutos desta situação são o suficiente para provocar danos irreversíveis no cérebro Segundo a testemunha ouvida pelo colectivo de juízes, se nesta altura tivesse sido chamado um médico, talvez hoje a criança não sofresse da paralisia profunda que a deixou completamente incapaci- tada para a vida. Porém, isso não aconteceu. Às 15h59, o ritmo cardíaco do feto voltou a descer para níveis graves de bradicardia, onde se manteve até ao parto, às 16h16. Em resultado desta ocorrência, o bebé nasceu sem pulso, tendo sido reanimado sete minutos depois. Ou seja, es- teve 24 minutos sem oxigénio no cérebro, algo que, alegadamente, resultou na paralisia cerebral pro- funda do recém-nascido. CONTESTAÇÃO VIRAL A contra-argumentação do São Januário, além de ter recorrido ao lugar-comum de que a paralisia cerebral pode ter várias causas, sustentou-se num vírus que a mãe terá contraído. Para ser mais concreto, o citomegalovírus. A hipótese foi afastada pelo especialista em obstetrícia e ginecologia chamado pelos autores do processo. Numa observação às análises realizadas à mãe, Malcolm Griffiths garantiu que esta estava imune ao vírus, provavelmente contraído durante a adolescência, afastando o argumento dos réus. Para o obstetra inglês, não se encontra aí a razão da paralisia cerebral profunda. De resto, os réus argúem que o parto correu com toda a normalidade, que foram seguidos à risca os procedimentos do hospital, não havendo nada a apontar à equipa médica envolvida no parto. Porém, o resultado foi uma criança totalmente dependente que não se senta, não come sozinha, não anda, que usará fraldas a vida inteira e que apenas consegue comunicar com os olhos para dizer sim, ou não. Um menino sem qualquer tipo de autonomia. De acordo com o que o HM apurou, o médico, Huang Yaobin, tem outro processo no mesmo tribunal também devido a um incidente que resultou em paralisia cerebral, felizmente, não tão profunda como este caso. É de salientar que depois deste segundo incidente, o clínico saiu do Conde de São Januário, estando agora a trabalhar no Kiang Wu. O julgamento prossegue no Tribunal Administrativo.
Angela Ka SociedadeNão residentes | Ginecologia e obstetrícia com preços mais elevados no hospital público Kuok Cheong U, director do Centro Hospitalar Conde de São Januário [dropcap style≠’circle’]K[/dropcap]uok Cheong U, director do Centro Hospitalar Conde de São Januário (CHCSJ), revelou que houve um aumento de 10 a 12 por cento face a 2015 no número de mulheres não residentes que deram entrada no hospital público para darem à luz os seus filhos. Segundo o Jornal do Cidadão, Kuok Cheong U referiu que o hospital público está a estudar a possibilidade de cobrar preços mais elevados nos serviços de ginecologia e obstetrícia às mulheres não residentes, por forma a tornar a cobrança mais razoável. Kuok Cheong U explicou que iriam ser tidos em conta factores como a inflação, os custos com as cirurgias e internamentos, e ainda as taxas cobradas nas regiões vizinhas. O responsável disse, contudo, que os valores cobrados às mulheres residentes não vão sofrer mudanças. Actualmente, os titulares de bluecard pagam a totalidade das taxas moderadoras no hospital público, sem direito a qualquer desconto, ao contrário do que acontece com quem tem a residência permanente e não permanente. Ainda assim, houve queixas de que as taxas moderadoras não são actualizadas desde 1986, sendo que as despesas médicas têm vindo a aumentar nos últimos anos. O director do São Januário referiu, contudo, que se tratou de um aumento razoável, e que tanto os recursos humanos como as infra-estruturas hospitalares ainda não sofrem muita pressão. Até finais de 2016, trabalhavam em Macau cerca de 105 mil trabalhadores não residentes.