Operários | Lei Chan U vai “preferencialmente” falar cantonense

O deputado Lei Chan U fez questão de na primeira intervenção na Assembleia Legislativa falar em mandarim e as reacções não se fizeram esperar. Ao HM, Miguel de Senna Fernandes e José Sales Marques confessaram não compreender a escolha do deputado ligado aos Operários

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]pesar de falar cantonês fluentemente, o deputado Lei Chan U escolheu dirigir-se à Assembleia Legislativa em mandarim, na sua estreia no hemiciclo. O caso gerou reacções violentas nas redes sociais, e ontem a Federação das Associações de Operários de Macau (FAOM) fez um comunicado a dizer que, no futuro, o deputado eleito indirectamente vai “preferencialmente” falar em cantonense.

“A partir de algumas redes sociais, percebemos que o facto de Lei Chan U ter falado em mandarim durante a sua intervenção antes da ordem do dia gerou diferentes interpretações. As utilizações do cantonense, português ou mandarim, merecem, todas, o nosso respeito”, pode ler-se no comunicado da FAOM.

“No futuro, sempre que forem abordados assuntos do quotidiano, Lei Chan U vai preferencialmente expressar-se em cantonense”, é complementado pelos Operários, associação onde o deputado em causa é vice-presidente.

Logo após o final da sessão, Lei Chan U explicou que tinha cumprido um sonho de infância, falar em mandarim no Assembleia Legislativa, e que iria continuar a fazê-lo, sempre que achasse oportuno.

No entanto, a explicação não convenceu vários residentes, que nas redes sociais acusaram Lei Chan U de ser um “lambe-botas”, além de outros insultos. Também foram frequentes os comentários a dizer que se Lei queria falar em mandarim, que devia atravessar a fronteira.

Opção duvidosa

O HM ouviu Miguel de Senna Fernandes, advogado e ex-deputado, e José Sales Marques, antigo presidente do Leal Senado, sobre o assunto e a questão foi unânime: a escolha do deputado merece ser respeitada. No entanto, ambos questionaram as pretensões do deputado com a opção.

“Ele fala muito bem cantonense e devia exprimir-se em cantonense, mas é uma escolha que tem de ser respeitada. Confesso que não percebi bem para quem estava a discursar e que efeitos pretendia com a utilização do mandarim, até porque a maior parte da população fala cantonense”, começou por diz Miguel de Senna Fernandes.

“Se ele apenas falasse mandarim era uma questão que nem se levantava. Os deputados portugueses não eram capazes de falar em chinês e isso nunca levantou problemas. Só que ele fala bem cantonense, que é a língua que a maioria das pessoas fala em Macau, e escolheu o mandarim”, apontou.

Miguel de Senna Fernandes fez questão de frisar que respeita o mandarim, enquanto língua oficial, mas que “as pessoas interessadas em cultivar o cantonense têm de se preocupar”.

Por outro lado, o advogado apontou que o deputado fez uma escolha, ao utilizar o mandarim, consciente de que vai acarretar as responsabilidades.

Sem sentido

Por sua vez, José Sales Marques recusou atribuir grande importância política ao caso, porque considera que foi uma opção pessoal. No entanto, admitiu que também não percebe o objectivo dessa escolha.

“É uma questão à qual não quero atribuir mais significado político do que uma escolha pessoal”, afirmou, em declarações ao HM.

“Mas não vejo nenhuma razão política para a utilização do mandarim, até porque nas cerimónias oficiais os membros do Governo utilizam o cantonense. Na maior parte das situações que tenho vindo a seguir fala-se cantonense, é o mais normal. Agora, se ele quer fazer algo diferente ou se sente mais à vontade para falar mandarim não tenho grandes comentários a fazer”, sublinhou.

O antigo presidente do Leal Senado também recusou a ideia que a escolha reforce o patriotismo do deputado.

“Os patriotas também falam cantonense, o Chefe do Executivo fala cantonense nas cerimónias oficiais. Pode ser mais um jovem que se quer mostrar, ou algo semelhante, mas não me parece que esteja ligado ao patriotismo”, defendeu.

25 Out 2017

Lei Chan U, deputado e membro do CPCS: “Transparência governativa não é suficiente”

Lei Chan U é uma das caras novas na Assembleia Legislativa. O deputado eleito pela via indirecta, e membro do Conselho Permanente de Concertação Social, chama a atenção para a necessidade de aumentar os dias da licença de maternidade, mas garantindo a remuneração à trabalhadora. Lei Chan U diz ainda que Macau tem de respeitar a Convenção da Organização Internacional do Trabalho

Quais são as suas prioridades para o trabalho na Assembleia Legislativa (AL)?

Tanto eu como o meu colega eleito pela via indirecta, Lam Lon Wai, vamos focar-nos em alcançar os objectivos do nosso programa político. Vamos ter como prioridade a alteração à lei das relações laborais, a implementação da lei sindical e o salário mínimo. O nosso foco são os assuntos laborais e a segurança social. Estamos num momento importante em que a alteração à lei das relações laborais está em fase de consulta pública, pelo que vamos estar atentos ao que se passa nesta matéria. No que respeita ao salário mínimo é outro assunto que queremos debater, até porque está em discussão no Conselho Permanente de Concertação Social (CPCS) a questão ligada à definição de ordenados dos trabalhadores de limpeza, da área da segurança e ligados à administração predial. Também estamos atentos aos assuntos sociais. As nossas preocupações sociais estão relacionados com a habitação, o trânsito, a educação e o sector da saúde.

Tem, portanto, objectivos para várias áreas. 

Para se ser deputado é preciso ter preocupação em relação a todos os aspectos que estão ligados à sociedade. No entanto, sendo eleito pelo sector laboral, é natural que me debruce mais nas questões ligadas ao trabalho e, como tal, me preocupe mais com as políticas laborais e com o aperfeiçoamento do sistema de segurança social.

Este ano a Federação das Associações dos Operários de Macau (FAOM) conseguiu quatro lugares na AL. Os vossos trabalhos serão desempenhados de forma separada?

Esse é um problema que estamos a analisar. Os antigos deputados tinham um modelo de trabalho já cimentado e, por isso, existia uma boa cooperação. Nós somos uma equipa nova e estamos a pensar numa forma de cooperação eficaz, que possa expressar e garantir com maior rapidez as preocupações e solicitações da população. Para já, Ella Lei e Leong Sun Iok vão ter trabalhos mais amplos, enquanto que eu e Lam Lon Wai vamos focar-nos nas prioridades. Esta é a nossa estratégia de cooperação nesta fase e é necessário um período de adaptação para que depois possamos encontrar a melhor forma de colaborar mutuamente. Por outro lado, vamos consultar as opiniões dos antigos deputados –  Lau Cheok Va, Lam Heong Sang, Kwan Tsui Hang e Leong Iok Wa – para saber o tipo de assuntos a que devemos prestar mais atenção. O objectivo é sempre o mesmo: o de perceber e exprimir as solicitações dos residentes e podermos lutar por mais benefícios para a comunidade.

Sofia Margarida Mota

Como é que avalia a acção do Governo nos últimos anos?

É a população que avalia a acção governativa e é necessário que deixe a sua opinião para vermos se concorda com o que o Governo faz. No que diz respeito aos assuntos laborais,  mas vamos tomar como exemplo a alteração à lei laboral. Em 2015 já se avançou com o enquadramento sobre as sete alterações para a lei, mas já se passaram dois anos e a população continua à espera de boas políticas para esse sector. Para se saber se há satisfação em relação às políticas do Governo são necessários indicadores, que incluam a eficiência das respostas dadas à população. Mas voltando à lei laboral, a sobreposição e compensação de dias de férias e feriados, a licença de maternidade e paternidade são assuntos há muito discutidos, mas só agora é que o Governo está a realizar uma consulta pública sobre o assunto. Neste aspecto a eficiência da resposta do Governo tem sido baixa, e eu também não estou satisfeito com isso.

Que outros exemplos pode dar desta ausência de eficácia?

Estes problemas existem noutras situações, o que provoca a insatisfação da população. A transparência [governativa] também não é suficiente, e a comunidade não se entende. O Governo precisa aumentar a qualidade do seu trabalho e isso deve ser feito com base na opinião dos seus residentes.

Que expectativas coloca na revisão da lei laboral?

Em relação a esta alteração, temos três princípios. Em primeiro lugar, a lei laboral deve atingir os requisitos internacionais, ou seja, ir de encontro à convenção [da Organização Internacional do Trabalho (OIT)]. Macau é uma cidade internacional, e se a lei laboral não satisfizer esses requisitos, o território estará cheio de contradições. Em segundo lugar, temos de garantir que há um aumento das garantias dos trabalhadores. A convenção da OIT determina um total de 98 dias de licença de maternidade. Na FAOM há quem prefira 90 dias e há quem defenda a implementação dos 98 dias. Eu próprio prefiro que haja 98 dias de licença de maternidade. Agora só temos 56 dias, o que é muito pouco. Nas últimas alterações ao diploma, passou-se de 30 para 35 dias, e depois de 35 para 56 dias, todos eles remunerados. Porque é que desta vez o aumento de dias não inclui o pagamento?

Tem resposta para isso?

[Posso dizer] que isto significa que não há critérios claros para a alteração e legislação de diplomas, as pessoas fazem o que querem. Temos de ter em conta as dificuldades encontradas no processo de execução de leis, porque os legisladores podem não as conhecer. O Governo já consultou a opinião destas pessoas, por exemplo, dos Serviços para os Assuntos Laborais, do Ministério Público ou dos tribunais, para aumentar a qualidade das leis e a sua alteração? Espero que o Governo opte por avançar nas matérias em que já existe um consenso, porque aí é mais fácil avançar.

Como é que vai contribuir para que o Governo responda melhor às solicitações dos residentes?

Vou desempenhar um papel de fiscalizador dos trabalhos do Governo, fomentando a sua eficiência e consequentemente, melhores resultados na governação. A AL é uma equipa onde, apesar de existirem representantes de vários sectores sociais, é necessário unir esforços por parte de todos os deputados para impulsionar boas políticas e uma boa governação. Trata-se de uma responsabilidade contida na Lei Básica.

O que fazia antes de ser deputado?

Tinha funções ligadas a vários serviços da FAOM. Já fui assistente dos deputados Lau Cheok Va e Kwan Tsui Hang. Depois de três anos nesta função, comecei a trabalhar como secretário numa comissão para os assuntos das classes sociais mais baixas. Neste momento sou coordenador do departamento para o estudo de políticas e informação. A FAOM começa sempre por dar formação a partir da base e, com base no que fiz, pude ter contacto com os assuntos que interessam à população e, sobretudo, com os conflitos que existem entre patrões e empregados. Um deputado também tem de fazer este trabalho que, no fundo, eu já fazia. É necessário um período de ajustamento, para que possa fazer um balanço entre o estudo das políticas, os trabalhos legislativos e a resolução dos casos sociais.

Será um deputado a tempo inteiro?

Isso não está decidido. Mas os trabalhos da AL são muito importantes e seja qual for a organização futura do meu trabalho vou sempre concentrar-me mais nessas tarefas. Vou fazer um balanço entre as três áreas que já referi, mas o foco está com as exigências que o cargo de deputado me coloca.

Que tipo de dificuldades considera que vai enfrentar no futuro?

Existem vários factores imprevisíveis. Uma das dificuldades está no defender os interesses e solicitações da própria Assembleia. É uma entidade constituída por vários sectores sociais. Quando se quer lutar por um determinado interesse, há sempre opiniões divergentes. É difícil de dizer se conseguimos lutar pelo que desejamos. Mas entretanto, vou tentar dar o meu melhor, assim como os meus três colegas, o que é o suficiente para me sentir motivado. A curto prazo, acredito que eu, Leong Sun Iok, Lam Lon Wai e Ella Lei vamos ter dificuldades semelhantes, e só quando tivermos uma plena compreensão do funcionamento da AL é que poderemos perceber essas dificuldades.

Existe a intenção de transformar o Campo dos Operários, junto às Portas do Cerco, num local temporário para a colocação de paragens de autocarros. O que pensa sobre isso?

A FAOM tem ajustado [os seus trabalhos] de acordo com o que a sociedade e o Governo exigem. Temos uma atitude aberta em relação a esse assunto, e caso seja necessário, a FAOM vai cooperar. Antes esse campo estava situado junto à zona do lago Nam Van e a sua mudança para as Portas do Cerco não foi fácil, porque se tratar de um grande espaço. Apesar de ser chamado de campo dos operários, os cidadãos têm usufruído do local. Só ano passado beneficiaram 390 mil pessoas. Em Macau não há muitos locais com as características que o campo tem. Se as autoridades entenderem que deve ser feita uma mudança de localização, devem ter em conta o novo destino. Será junto aos novos aterros ou numa zona histórica? Este é um assunto que tem de ser analisado de forma rigorosa.

18 Out 2017