Fotografia | Imagens de João Miguel Barros distinguidas nos Prémios Internacionais 

O fotógrafo João Miguel Barros acaba de ser distinguido nos Prémios Internacionais de Fotografia com todos os trabalhos que submeteu a concurso, tenho obtido um segundo lugar e quatro menções honrosas. As imagens galardoadas fazem parte de um projecto fotográfico realizado no Gana

 

[dropcap]A[/dropcap]dvogado de profissão, João Miguel Barros tem dado cartas no mundo da imagem fotográfica e, desta vez, foi distinguido naqueles que são considerados os óscares da fotografia. O fotógrafo ficou em segundo lugar na categoria de editorial, imprensa e questões contemporâneas da edição deste ano dos Prémios Internacionais de Fotografia (IPA, na sigla inglesa), com uma série de fotografias a preto e branco intitulada “Academia da Sabedoria (Wisdom Academy)”, datada de Novembro de 2018 e captada na cidade de Acra, no Gana.

As imagens retratam crianças numa escola improvisada num edifício antigo, que em tempos foi uma mansão. “Este conjunto de imagens captam a experiência dos alunos de uma escola a funcionar num edifício antigo, mas que com o passar dos tempos se deteriorou.” Nesse sentido, “Wisdom Academy” presta um tributo “às dezenas de crianças que estudam e brincam no local e que acreditam que pode existir um futuro melhor para as suas vidas”.

Além deste prémio, João Miguel Barros viu ainda outras quatro imagens serem distinguidas com menções honrosas. Uma delas é “Os sonhos da criança (Child Dreams)” e retrata o olhar de um menino perdido no horizonte, um menino que “procura por um sonho que não encontra”. Esta fotografia foi também captada na cidade antiga de Acra, no Gana, no meio de um treino de jovens lutadores.

Boxe em destaque

Outra menção honrosa obtida pelo fotógrafo português, radicado em Macau há muitos anos, foi conseguida com mais uma série de imagens sobre boxe, datada de Junho deste ano e que dizem respeito a um combate promovido pela Associação Internacional de Boxe de Macau. “A luta foi entre o lutador chinês Fanlong Meng, que defendeu e manteve o título, e o alemão Adam Deines. Estas fotos fazem parte de um grande projecto sobre o boxe que tenho vindo a desenvolver em África e que vou continuar a fazer”, explicou o fotógrafo.

O boxe em África volta ainda a ser captado numa outra série de imagens também distinguidas com uma menção honrosa, e que ganham o nome de “Boxing Wisdom (A sabedoria do boxe)”.

Estas fotografias “fazem parte de um projecto de grande dimensão que visa registar várias actividades que tem lugar num pátio escolar na antiga cidade de Acra, no Gana. Neste lugar um grupo de lutadores profissionais treinam diariamente, sob o olhar distante das famílias que vivem nas redondezas, mas que são acompanhados por muitas crianças que por ali brincam e por adolescentes que aspiram, um dia, ser como eles”.

Nesse sentido, o termo sabedoria “é um microcosmos de uma imensa dimensão humana, que deve ser avaliado e promovido num mundo cheio de infortúnios”.

“The Path on The Other Side” (O caminho do outro lado)” obteve outra menção honrosa e, desta vez, a imagem não está ligada ao mundo do boxe. Trata-se de “uma estrutura concreta que é tão densa que actua quase como uma parede entre a cidade e as zonas envolventes. Ninguém compreende porque é que alguém a iria construir, cuja rudeza e ausência de elegância poderiam apenas ser escondidas nas noites mais escuras”, escreveu o fotógrafo.

Duas das imagens premiadas estiveram expostas no Albergue da Santa Casa da Misericórdia durante o mês de Julho, numa mostra intitulada “Wisdom”.

13 Set 2019

Fotografia | Imagens de João Miguel Barros distinguidas nos Prémios Internacionais 

O fotógrafo João Miguel Barros acaba de ser distinguido nos Prémios Internacionais de Fotografia com todos os trabalhos que submeteu a concurso, tenho obtido um segundo lugar e quatro menções honrosas. As imagens galardoadas fazem parte de um projecto fotográfico realizado no Gana

 
[dropcap]A[/dropcap]dvogado de profissão, João Miguel Barros tem dado cartas no mundo da imagem fotográfica e, desta vez, foi distinguido naqueles que são considerados os óscares da fotografia. O fotógrafo ficou em segundo lugar na categoria de editorial, imprensa e questões contemporâneas da edição deste ano dos Prémios Internacionais de Fotografia (IPA, na sigla inglesa), com uma série de fotografias a preto e branco intitulada “Academia da Sabedoria (Wisdom Academy)”, datada de Novembro de 2018 e captada na cidade de Acra, no Gana.
As imagens retratam crianças numa escola improvisada num edifício antigo, que em tempos foi uma mansão. “Este conjunto de imagens captam a experiência dos alunos de uma escola a funcionar num edifício antigo, mas que com o passar dos tempos se deteriorou.” Nesse sentido, “Wisdom Academy” presta um tributo “às dezenas de crianças que estudam e brincam no local e que acreditam que pode existir um futuro melhor para as suas vidas”.
Além deste prémio, João Miguel Barros viu ainda outras quatro imagens serem distinguidas com menções honrosas. Uma delas é “Os sonhos da criança (Child Dreams)” e retrata o olhar de um menino perdido no horizonte, um menino que “procura por um sonho que não encontra”. Esta fotografia foi também captada na cidade antiga de Acra, no Gana, no meio de um treino de jovens lutadores.

Boxe em destaque

Outra menção honrosa obtida pelo fotógrafo português, radicado em Macau há muitos anos, foi conseguida com mais uma série de imagens sobre boxe, datada de Junho deste ano e que dizem respeito a um combate promovido pela Associação Internacional de Boxe de Macau. “A luta foi entre o lutador chinês Fanlong Meng, que defendeu e manteve o título, e o alemão Adam Deines. Estas fotos fazem parte de um grande projecto sobre o boxe que tenho vindo a desenvolver em África e que vou continuar a fazer”, explicou o fotógrafo.
O boxe em África volta ainda a ser captado numa outra série de imagens também distinguidas com uma menção honrosa, e que ganham o nome de “Boxing Wisdom (A sabedoria do boxe)”.
Estas fotografias “fazem parte de um projecto de grande dimensão que visa registar várias actividades que tem lugar num pátio escolar na antiga cidade de Acra, no Gana. Neste lugar um grupo de lutadores profissionais treinam diariamente, sob o olhar distante das famílias que vivem nas redondezas, mas que são acompanhados por muitas crianças que por ali brincam e por adolescentes que aspiram, um dia, ser como eles”.
Nesse sentido, o termo sabedoria “é um microcosmos de uma imensa dimensão humana, que deve ser avaliado e promovido num mundo cheio de infortúnios”.
“The Path on The Other Side” (O caminho do outro lado)” obteve outra menção honrosa e, desta vez, a imagem não está ligada ao mundo do boxe. Trata-se de “uma estrutura concreta que é tão densa que actua quase como uma parede entre a cidade e as zonas envolventes. Ninguém compreende porque é que alguém a iria construir, cuja rudeza e ausência de elegância poderiam apenas ser escondidas nas noites mais escuras”, escreveu o fotógrafo.
Duas das imagens premiadas estiveram expostas no Albergue da Santa Casa da Misericórdia durante o mês de Julho, numa mostra intitulada “Wisdom”.

13 Set 2019

Fotografia | Exposição de João Miguel Barros na quinta-feira no Albergue

O fotógrafo João Miguel Barros inaugura esta quinta-feira a exposição “Wisdom” no Albergue. Ali estarão dispostas 39 fotografias a preto e branco sobre o quotidiano de uma comunidade na cidade velha de Acra, no Gana, onde treina o pugilista profissional Emmanuel Danso

 

[dropcap]J[/dropcap]oão Miguel Barros é o autor da mostra fotográfica que vai estar patente no Albergue SCM a partir de quinta-feira às 18h30, iniciativa que encerra as festividades de “Junho, Mês de Portugal” no território. A exposição “Wisdom” apresenta 39 fotografias em grande escala, a preto e branco, sobre o pugilista Emmanuel Danso, em Acra, no Gana.

Durante um mês, até 4 de Agosto, as instalações do Albergue vão ser transformadas numa recriação do espaço Wisdom, em Acra, constituído por duas edificações – um grande casarão e um pátio – onde funcionam uma escola preparatória (Wisdom Preparatory Academy) e um ginásio de treinos ao ar livre (Wisdom Gym), numa parte antiga da capital.

As duas galerias e o pátio do Albergue vão, assim, poder contar melhor a história da vida de Emmanuel Danso, que todos os dias treina na academia ao final da tarde. “Durante o dia, esta propriedade serve de escola preparatória para alunos de todas as idades. Por sua vez, a escola confina com um pátio que serve de recreio às muitas crianças que vivem em casas velhas daquela zona da cidade”, lê-se no material de apresentação, quando a exposição passou pelo Museu Berardo, no Centro Cultural de Belém, entre Fevereiro e Agosto de 2018.

“João Miguel Barros rapidamente se deixou levar pela energia do microcosmos que é Wisdom, pela sua alegria genuína, no estado mais puro. Aquilo que começou por ser um projecto de fotografia sobre Emmanuel Danso, uma boa história para desvendar os mistérios dos bastidores do pugilismo, tornou-se algo muito mais profundo, uma peça muito mais abrangente sobre a comunidade e as pessoas”, descrevia à época a directora artística do Museu Colecção Berardo, Rita Lougares.

E porquê a história de Emmanuel Danso? É o próprio fotógrafo, advogado de profissão, que explica como chegou ao protagonista do seu conto através da imagem. “Em Outubro de 2017 tive oportunidade de fazer fotografias de um combate de boxe que houve em Macau, em que estava em causa um título intercontinental do International Boxing Federation (IBF)”. Durante o combate, “o Danso lutou contra um chinês [Fanlong Meng], que foi quem ganhou. Então eu escolhi aquele que perdeu, e propus-me ir a Acra, fazer um conjunto de fotografias dos treinos e da vida dele”, revelou João Miguel Barros ao HM.

O pátio em Acra

As imagens do combate foram incluídas num dos capítulos da exposição “Photo-Metragens”, que o artista levou em Fevereiro de 2018 ao CCB, em Portugal, e que esteve em Abril de 2019 nas Oficinas Navais, em Macau. “Eu faço aqui um parêntesis para dizer que não percebo as regras do boxe, nem gosto de boxe”, mas resulta bem em termos de imagem e interessou-lhe conhecer o dia-a-dia do pugilista e dos treinos no contexto do seu país. Foi assim que contactou o agente de Emmanuel Danso e, em Julho de 2018, aterrou no Gana.

“Construí uma narrativa diferente daquela que eu inicialmente tinha pensado, que era muito baseada no boxe e nos detalhes daquele combate”. O pugilista treinava diariamente “às 6h30 da manhã num pavilhão do Estado Nacional e às 17h30 da tarde num pátio na cidade velha de Acra, contíguo a um edifício grande onde funciona uma escola. Esse conjunto chama-se Wisdom”, conta o fotógrafo, que fez uma visita rápida ao lugar, mas foi percebendo que aquele “pátio é um microcosmos de vida humana absolutamente notável”.

O grupo de Danso treina ali, “no meio de uma vivência familiar, porque à volta do pátio existem várias famílias, que vivem em construções informais com poucas condições, e onde muitas crianças brincam”. Da segunda vez que esteve em Acra, em Novembro de 2018, sentiu o potencial da vivência em torno do casarão e do pátio, também utilizado pelas crianças da escola, com cerca de 150 alunos, que começam a ensaiar os gestos dos mais velhos. Teve então a “oportunidade de fazer fotografias com muito mais tempo”. A série de imagens sobre a escola fazem parte de um portefólio que, este ano, já ganhou dois prémios internacionais.

O pátio no Albergue

Entretanto, o convite do arquitecto Carlos Marreiros para expor no Albergue, “que, obviamente, aceitei com honra, porque acho que é um espaço muito interessante para exposições”, deu a João Miguel Barros a ideia de organizar todas essas imagens de uma forma especial. “Ocorreu-me que aquele espaço poderia ser utilizado na projecção do que era Acra e o Wisdom”. A mostra será feita nas duas galerias: a pequena com 12 fotos sobre a escola, cuja porta dá para o pátio, tanto lá como cá, e a grande com as restantes 27 fotos, dos treinos de Danso e os amigos, as famílias e as crianças ao redor.

São 39 fotografias em grandes dimensões, com 90X72 centímetros, mais uma extra no pátio, “onde vai haver um telão muito grande, com cerca de 5 metros, uma imagem que não está na exposição, mas que mostra o conjunto do edifício e do pátio, para quem entra no Albergue ficar a perceber qual é a geografia do lugar”.

O projecto do fotógrafo não deverá ficar por aqui, já que pretende vir também a conhecer um dos ídolos de Emmanuel Danso – e de todos os ganeses –, o primeiro e único campeão mundial de boxe, David Kotei (ou D.K. Poison, como ficou conhecido), que arrecadou o título há 44 anos atrás.

No próximo mês de Setembro haverá um grande combate, de celebração ao antigo pugilista, onde conta estar presente. Também, nessa altura, espera poder passar pelo espaço do Wisdom e dedicar-se à captura de mais imagens das famílias que ali habitam.

2 Jul 2019

“Photometragens” de João Miguel Barros é inaugurada hoje nas Oficinas Navais, nº1

“Photometragens” traz a partir de hoje, pelas 18h30, aos Estaleiros Navais nº 1, doze histórias independentes e aleatórias de João Miguel Barros. As narrativas são contadas através de mais de 100 fotografias, acompanhadas por palavras, como se de um “livro de contos” se tratasse

 

[dropcap]V[/dropcap]inha da direita, seguro do caminho a seguir, mas foi forçado a parar. Estava, sem dúvida, numa encruzilhada e obrigado a fazer opções. E logo agora, de novo, depois de um processo doloroso que o obrigara a fazer escolhas próprias de quem não tem escolha…”. Este é um excerto do texto que acompanha a história do primeiro capítulo de “Photometragens”, a exposição do João Miguel Barros que tem inauguração marcada para hoje, pelas 18h30, nos Estaleiros Navais, nº1.

Na parede da nova estrutura situada na Barra, está uma instalação com 30 imagens que mostram fragmentos desordenados de um viaduto. “A composição desta instalação é a mistura dos muitos sentidos possíveis que uma pessoa pode escolher. É um bocadinho caótico, mas o título acaba por ser ‘Sentido único’”, explica o fotógrafo ao HM.

Este é o primeiro dos doze capítulos da mostra onde o artista junta palavras à imagem para conseguir “uma síntese de uma reflexão sobre aquilo que se vê e se sente”. “Nós olhamos muito mas vemos pouco e isto é uma tentativa de cristalizar em imagens muito simples”, revela.

Por outro lado, trata-se de uma exposição para ser vista como quem “lê um livro de contos porque são narrativas independentes entre si em que não existe uma unicidade temática”.

Ao “Sentido único”, seguem-se as “As árvores”, um segundo capítulo que “acaba por ser um bocadinho a síntese de dois mundos”, aponta, referindo-se ao oriente e ocidente, regiões entre as quais o autor se move. Aqui, e do lado esquerdo da parede está uma imagem que apresenta árvores de bambu. A história continua com outras espécies e termina com duas fotografias de oliveiras “uma coisa muito portuguesa”. No texto que acompanha a narrativa lê-se: “A vida levou-o a outras paragens. Ficou sem a imensidão desses descampados, mas conseguiu conquistar o direito a ter meia dúzia de oliveiras no seu quintal, que admirava pela sua eterna juventude”.

É com as fotografias das oliveiras como referência que João Miguel Barros fala da sua predilecção pela imagem a preto e branco como sendo uma opção pessoal para “recriar a realidade”. “As cores são normalmente o que se vê. Quanto queremos recriar temos que partir para outras formas de representar a realidade”, refere.

Mar em movimento

“Ainda miúdo perguntava ao avô, no meio de muitas histórias de bravos marinheiros e gigantes marinhos por descobrir: ‘quantas marés cabem neste mar?’. E recordava que invariavelmente ele lhe respondia: ‘todas as que conseguires contar’”, é com base neste excerto que João Miguel Barros convida o público para um capítulo interactivo, o das “Marés vivas”.

Neste terceiro momento, as imagens além das palavras, vão ser acompanhadas por um vídeo em que as pessoas são convidadas a sentar-se e olhar para o mar em movimento. “Na experiência que tive quando este vídeo passou no Museu Berardo as pessoas sentavam-se e começavam a contar as marés. O mar tem este sentido hipnótico”, diz o fotógrafo. Para João Miguel Barros trata-se da série “mais completa, apresentando ainda um conjunto de nove fotografias que mostram a evolução da água que vai avançando na areia ao longo de maré”.

“Visões Nocturnas III” marca o quarto capítulo de “Photometragens” e reflecte o fascínio do fotógrafo pela imagem nocturna. “Esta é uma das séries das ‘Visões Nocturnas’ que são centradas na noite ou nas escuridões”, aponta. Esta obscuridade permite várias interpretações.

Ao passar por esta parte da mostra o autor comenta que “a maioria destes capítulos são contemplativos, mas em todos eles há uma preocupação fundamental que tem que ver com o contar uma história”. A ideia torna-se tão mais importante quando se vive uma altura em que a fotografia está acessível a todos. “Toda a gente faz fotografais fantásticas com um telemóvel mas o que distingue o nível a seguir da fotografia é a história e a capacidade de a contar, e aquilo que ainda está acima disso é a capacidade de contar histórias com uma dimensão humana. Ainda não estou nesse patamar”, sublinha.

À noite sucede-se “O precipício” que nasceu “de uma experiência em que há um corpo que se tenta equilibrar em cima de uma corda”. Aqui o fotógrafo tenta captar o movimento em contra luz. Mais uma vez João Miguel Barros destaca o seu gosto especial pelos pretos e brancos e explica agora que as edições que faz não vão além de meros ajustes. “Nunca coloco numa imagem o que não existe nem tiro o que lá está. Não faço manipulação de imagens nesse sentido.

O que é feito é apenas um ajustamento àquilo que é o padrão estético escolhido para o trabalho em causa”, aponta.

O mar regressa na série que integra o sexto capítulo, “Salgados II”. A história resulta das idas do autor à praia homónima que frequenta todos os anos, conhecida não só pela sua beleza, mas também enquanto ponto privilegiado de observação de pássaros. É o contacto com a natureza e com quem nela habita que João Miguel Barros traz nesta série feita numa madrugada.

Factor surpresa

“Entre o olhar e a alucinação” já é um trabalho conhecido no território. As três imagens de “Photometragens” foram expostas em 2017 fazendo parte da primeira exposição individual do autor. A série traz ao público “a ambiguidade daquilo que vemos à nossa frente quando não há nada, aquilo que realmente estamos a ver e o que de repente pode acontecer sem sabermos o que vamos ver”, explica o fotógrafo.

Uma característica que sobressai em grande parte desta mostra é a presença de imagens em grande formato . A ideia é que as imagens comuniquem com quem as vê numa escala semelhante. “As fotografias em grande formato falam para o público por igual, ou seja , a dimensão da fotografia faz com que a imagem fale com as pessoas à mesma escala. Quando quisermos comunicar de forma intimista podemos escolher uma fotografia de pequeno formato. Têm que se escolher fotografias pequenas até para obrigar à aproximação necessária”, explica o fotógrafo.

Depois da alucinação, o público é convidado a ver o “Teatro Vazio”. Este capítulo composto por duas imagens, as mais antigas de todo o projecto, registadas em 2013, é uma homenagem às pessoas invisuais, adianta João Miguel Barros. Trata-se de uma história “um bocadinho emocional”, de uma bailarina que tinha tido naquele palco os seus momentos de glória e que agora ali regressa para recordar o que já não existe. É uma homenagem secreta aos invisuais, às pessoas que não conseguem ver”, revela. Nas palavras que acompanham as imagens o autor destaca o excerto: “Com o bastão a varrer o espaço à sua frente, caminhando amparada pela linha contínua das bordas das cadeiras da coxia, saiu dali, de um lugar onde tantas vezes fora feliz, mas onde sempre voltava nos momentos em que queria perturbar o silêncio castigador”.

Homenagem reconhecida

“Com o tempo, e sem tempo, passou a viver enclausurado nas cordas do ringue. Batendo. Levando. Chorando. Rangendo os dentes protegidos. E ocasionalmente sorrindo de raiva. Sim, sorrindo. No seu último combate perdeu os sonhos da sua vida. Mas saiu inteiro, pelo seu pé, continuando a sorrir” é um excerto do texto que acompanha o capítulo nono, “Homenagem”, talvez o trabalho mais conhecido do artista e reúne uma selecção de imagens do projecto premiado internacionalmente que documenta um combate de boxe em Macau, em 2017. “Não gosto de boxe, aliás nem percebo as regras do boxe e confesso que quando o combate acabou pensei que o pugilista ganês tinha ganho mas afinal o outro é que levantou o braço”, recorda. Este projecto não ficou por ali e depois do combate João Miguel Barros continuou a seguir o pugilista do Gana. Aliás, este projecto chama-se “Homenagem” justamente por causa do pugilista Emmanuel Danso. Daqui vai surgir um novo projecto, “Blood, sweat and tears”, que já reúne cerca de 150 imagens e que pretende prestar reconhecimento ao atleta.

Regresso nocturno

A noite regressa com “Visões nocturnas I” em que João Miguel Barros se aventurou a invadir as traseiras das lojas de luxo de Hong Kong, por onde se estendem pequenas ruelas, escuras e quase proibidas. “As ruelas têm um mundo de clandestinidade e de gente a viver numa escravatura que é absolutamente estranha”, recorda. “Acaba também por ser uma homenagem às pessoas que na sua invisibilidade dão força àquela economia pujante que é Hong Kong” acrescenta.

Depois da noite, a ponte velha de Macau torna-se mágica. O penúltimo capítulo de “Photometragens” traz a ponte de Macau envolta em neblina. “Naquele dia caía na cidade uma neblina branca que escondia as margens do rio de todos os olhares. Naquele dia a ponte tinha algo de mágico”, conta. Segundo o autor, é o nevoeiro que “paira sempre sobre Macau ainda que às vezes esteja sol”.

A fechar este “livro de contos” está uma imagem isolada, “A caminho do outro lado”. “Acaba por ser um fechar de ciclo e o texto acaba por ser uma ironia porque a perspectiva que dei à fotografia dá a entender que se trata de uma construção a caminho do céu. No texto que a acompanha digo: ‘foi por isso que o novo chefe da cidade, querendo a paz com os deuses, mandou construir aquela estrada gigantesca, para lhe permitir sussurrar à porta divina os seus desejos de eternidade’”, remata.

12 Abr 2019

Liberdade condicional | Número de aprovações em queda desde 2014

No ano passado foram aprovados 19 por cento dos pedidos de liberdade condicional. Advogados e profissionais do sector da justiça justificam o fenómeno com a aleatoriedade de critérios e as políticas securizantes do território. O psicólogo Nuno Gomes considera que este panorama coloca em causa a reabilitação social. Um ex-recluso ouvido pelo HM acha que o sistema desencoraja o bom comportamento

“Pedir liberdade condicional é como jogar Bacará” sintetiza Luís (nome fictício), ex-recluso, referindo-se à aleatoriedade com que a apreciação dos pedidos é encarada. Luís está em liberdade há 10 anos depois de cumprir uma pena de quase dois anos no Estabelecimento Prisional de Macau (EPM), na sequência de uma agressão e de lhe ter sido detectado ketamina no sangue. Dado o período “limitado” de tempo em que esteve encarcerado, Luís não avançou com o processo de liberdade condicional, que considera “inútil e revoltante”.

Luís é apenas um entre muitos que deixaram de acreditar no sistema de reabilitação por entender que “não é feito para integrar os reclusos na sociedade”

Em 2018, dos 523 pedidos de liberdade condicional apresentados à Direcção dos Serviços Correcionais de Macau (DSC), 352 foram negados e 101 foram autorizados, número que representa uma taxa de autorização na ordem dos 19 por cento, um claro contraste com os 51,3 por cento de aprovações registados em 2007.

Neste momento, estão em curso 56 pedidos e 14 em que os procedimentos foram interrompidos por vontade do próprio recluso.

Perante a realidade mostrada pelos números, o advogado Pedro Leal considera que a atribuição de liberdade condicional em Macau é um processo aleatório que revela insuficiências na avaliação. “Não há um raciocínio lógico para a liberdade condicional. A doutrina diz que cada caso é um caso e que cada caso tem que ser deveras apreciado. Só que o os pedidos de liberdade condicional em Macau não são, de facto, bem apreciados”, contextualiza o advogado especialista da área penal.

A atestar a incerteza dos processos, Luís recorda situações em que colegas não perceberam os requisitos a cumprir para que lhes fosse atribuída a liberdade condicional. “Tenho um amigo que teve o pedido aprovado na segunda tentativa, mas na primeira tinha tudo o que à partida seria necessário: era um ‘bom samaritano’ na prisão, tinha pessoas cá fora que o contratavam e se responsabilizavam por ele. Era também pai, e tinha um filho a começar a escola, e não foi aprovado”, conta.

Ao questionar a razão para a recusa, os serviços competentes responderam que “ele tinha praticado um crime, tinha feito mal e lá por ter direito a pedir liberdade condicional não queria dizer que lhe fosse concedida”. Neste processo “a parte mais chata é nem se saber o que se deve fazer. Não há controlo nem critérios que nos mostrem como nos devemos comportar para termos mais hipóteses de aprovação dos nossos pedidos de liberdade condicional. Vamos sempre completamente às escuras, como nas apostas”.

Requisitos dúbios

Na base desta ausência de critérios objectivos estará um requisito previsto no Código Penal. De acordo com a lei, “o tribunal coloca o condenado a pena de prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo 6 meses, se: for fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e se a libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social”. É precisamente neste último ponto que as dificuldades se adensam. Para Pedro Leal, a lei permite a incerteza através de um requisito “muito vago, o que faz com que seja interpretado pelos juízes de formas diferentes”. Tendo em conta esta condição, entra na apreciação dos magistrados a sua percepção pessoal da sociedade, a relação com o crime cometido pelo indivíduo e se é merecedor ou não de ser libertado antes de cumprir por completo a pena. “Aqui é a sociedade que acaba por reprimir a liberdade condicional do individuo”, comenta. O advogado entende que se pode dar o caso de se “considerar que o crime pelo qual o arguido foi condenado era muito grave e se a pessoa for posta em liberdade pensa-se que o crime não tem a gravidade que seria suposto ter”. Nestes casos, se o indivíduo for posto em liberdade a sociedade pode pensar que a justiça não funcionou, acrescenta.

Na visão de Pedro Leal, esta não é uma “boa interpretação da lei”, ou seja, a avaliação da gravidade do crime não deve ser feita aquando do pedido de liberdade condicional, porque essa tarefa é realizada quando a pena é aplicada.

É aqui que se regista uma aplicação aleatória de critérios em que “quer o juiz de instrução criminal quer os tribunais de recurso não são coerentes na aplicação deste pressuposto que tem que ver com este requisito”, reitera o advogado

Ao contrário do que seria de esperar, o princípio que parece vigorar em Macau é o de negar a liberdade condicional, o que é “um princípio invertido”. “A melhor forma para evitar a aleatoriedade deveria ser ter a concessão deste direito previsto na lei enquanto regra e o que existe é a sua negação”, acrescenta.

Antes quieto

Pedro Leal vai mais longe e admite que, actualmente, aconselha evitar o processo devido à falta de critérios de avaliação bem definidos. “Costumava incentivar as pessoas a pedirem liberdade condicional mas, a dada altura, desisti porque os juízes umas vezes têm uns critérios e outras vezes têm outros”, comenta.

Em 2018, os 14 pedidos de liberdade condicional interrompidos por opção do recluso representam 2,6 por cento do total de pedidos. Desde 2011, ano em que este tipo de situações começou a ser registada, é o maior  número de casos de reclusos que decidiram parar o processo, à excepção de 2014, ano que registou igualmente 14 casos de desistência – 2,5 por cento do total dos pedidos (542).

Sempre a descer

2014 é também o ano que marca a crescente recusa de pedidos de liberdade condicional, de acordo com os dados fornecidos pela DSC.

Desde a transferência de soberania até àquele ano, os pedidos aprovados por ano situavam-se acima dos 36 por cento. Em 2007, a taxa de aprovação foi na ordem dos 51 por cento.

O ano de 2014 regista pela primeira vez um valor abaixo dos 35 por cento, (32 por cento), sendo que de entre os 542 pedidos submetidos 177 foram aprovados e 351 recusados.

Em 2015 foram apresentados 589 pedidos, 179 dos quais (30,3 por cento) foram aprovados, 399 recusados e 11 interropidos. No ano seguinte, foram aprovados 25,3 por cento, ano com menor taxa de aprovação até o ano passado. No total foram aprovados 149 pedidos dos 587 processos apreciados.

Em 2017 a taxa de aprovação fixou-se nos 30 por cento. Dos 520 pedidos submetidos a apreciação foram aprovados 156, 357 foram recusados e 7 – 1,3 por cento, não progrediram por opção do recluso.

Este aumento de pedidos negados, não surpreende o advogado João Miguel Barros que interpreta os números como um reflexo das crescentes políticas securizantes no território. “Acho que é fácil  identificar esta lógica com as tendências que estamos a sentir na própria sociedade de Macau”, comenta.

João Miguel Barros ilustra a situação com a actualidade da política local em que o “secretário para a segurança, Wong Sio Chak, tem tido cada vez mais poder, comparativamente com o resto dos secretários”.

É este tipo de lógica que considera resultar na forma como são avaliados os pedidos de liberdade condicional. “Tem havido uma tendência de acentuar a lógica muito securizante da sociedade, o que faz um pouco parte da mentalidade política e da mentalidade do sistema”, reforça.

Peso chinês

Uma das principais causas para o aumento de recusas de pedidos de liberdade condicional pode ainda estar associada ao maior número de juízes chineses envolvidos nestes processos, sublinha ao HM uma fonte ligada à justiça que não se quis identificar. “Não tenho dúvida nenhuma que os juízes chineses são mais severos que os juízes portugueses”, apontou.

A mesma fonte explica que os magistrados portugueses “deixaram de estar nesta área”. “Havia um juízo criminal composto por um juiz macaense e dois juízes portugueses e os reclusos na cadeia diziam que os portugueses eram mais benévolos”. Hoje em dia, existem cinco juízos criminais entre os tribunais de Macau, entre 15 juízes nenhum é português. “A justiça chinesa é diferente da portuguesa”, remata a fonte ligada à justiça.

Reinserção esquecida

Na impossibilidade de conquistar a liberdade condicional, o processo de reinserção social também percorre um caminho sinuoso. “As prisões têm precisamente essa componente. A reinserção social e a liberdade condicional andam lado a lado”, conclui Pedro Leal.

A opinião é partilhada por João Miguel Barros que considera que “em Macau, infelizmente, não se aposta na reinserção social”. “É preciso implementar políticas muito claras e muito fortes de reinserção social. Nessa linha o Governo tem falhado completamente”, revela.

Tudo isto sublinha aquilo que está “errado nesta área”, visto que “em Macau vai tudo para a prisão e cumpre-se a pena”. Por cá, “a pessoa é condenada a x anos de prisão e passa lá esse tempo. Depois esquece-se de tudo o que tem a ver com a  função social. As prisões devem ter capacidade para induzir alguns valores aos reclusos”, acrescenta o advogado.

Objectivos invertidos

A papel reabilitativo da prisão também é defendido pelo psicólogo clínico Nuno Gomes. “A pessoa cometeu um delito e vai para a prisão, não só como pena mas para que possa ser reinserido socialmente”, aponta ao HM. Para o psicólogo, a integração deve estar subjacente ao sistema prisional, o que difere do passado quando o objectivo seria a exclusão do indivíduo da sociedade e o mero castigo. “Os estabelecimentos correcionais servem para a reabilitação de indivíduos, a parte do castigo é um factor mas a reabilitação e a reinserção social são factores ainda mais importantes”, reitera.

É neste sentido integrativo que Nuno Gomes considera o processo de liberdade condicional “ou seja, da possibilidade de reinserção social para o indivíduo que já tenha feito o processo de reabilitação durante um determinado período e que tenha dado provas de evolução para poder ser de novo inserido na sociedade”.

Por outro lado, esta perspectiva de poder conquistar uma liberdade antecipada pode funcionar como mecanismo  promotor da própria reabilitação. “A partir do momento em que se é inserido na prisão, sabendo que poderá haver a possibilidade de liberdade condicional isso poderá servir como motivação para o recluso se reabilitar mais rapidamente”, aponta o clínico. No sentido inverso, e “não havendo a perspectiva de liberdade condicional, isso já não acontece”.

Esta situação é ilustrada por Luís tendo como pano de fundo a sua experiência no EPM. “As recusas injustificadas acabam por mudar muita coisa no comportamento dos reclusos, tanto na prisão como, no futuro, fora dela”, refere acrescentando que “as pessoas deixam de acreditar no sistema e em vez de tentarem melhorar o seu comportamento o que acontece muitas vezes é o contrário”.

A descrença no sistema correcional torna-se, assim, um factor de frustração. “Fazem serviço comunitário, trabalham nas limpezas e ainda assim são negados. É escusado. Há pessoas que têm um crime leve, lá dentro trabalham nas limpezas do estabelecimento, não entram em lutas com outros reclusos, ajudam no que podem, e quando pedem liberdade são rejeitados. Acabam por desistir do bom comportamento”, revela Luís.

Para Nuno Gomes, psicologicamente, o tempo que se tem na prisão é um factor muito importante.“Se o recluso tem cinco anos de pena e se souber que pode cumprir menos tempo, com a possibilidade de liberdade condicional, terá motivação para se reabilitar mais rapidamente e mostrar trabalho nesse sentido”.

Acima de tudo deveria ser tida em conta a capacidade de recuperação do indivíduo, considera o psicólogo. “Haverá alguns que conseguem e outros que podem ter esta capacidade menos desenvolvida. Deve-se dar os meios necessários para que desenvolvam novas formas de adaptação”, aponta.

Há ainda que ter em conta que, depois de anos encarcerado, um indivíduo terá dificuldade em viver em sociedade e que “esta integração não é de um dia para o outro”. A nível psicológico, é necessário trabalhar na adaptação ao mundo real e às necessidades do quotidiano: “ir comprar pão, ter que arranjar o dinheiro para isso e ter uma disciplina diária”.

Problemas avulsos

As dificuldades acrescem quando o acompanhamento no exterior não promove a vida “honesta”. Um dos principais problemas prende-se com a procura de emprego. “Seria importante verificar se a pessoa que sai em liberdade condicional consegue arranjar um emprego, por exemplo. Tem de haver um acompanhamento”, aponta Pedro Leal. “As concessionárias do jogo não dão emprego a ninguém que tenha mais de uma condenação” aponta a título de exemplo.

Esta situação provoca aquilo que considera ser “outro tipo de condenação”, porque “a pessoa cumpriu pena e não tem possibilidade de trabalhar, é o mesmo que dizer que aquela pessoa não tem hipótese”.

O advogado ilustra a situação com casos que tem acompanhado: “Tenho exemplos de pessoas que depois de cinco anos do final da pena me vêm pedir a reabilitação social”. O pedido em causa é feito aos serviços de identificação que vão constatar a gravidade do crime pelo qual o indivíduo foi condenado e se cumpriu a pena com bom comportamento. “Se tudo correr bem a pessoa é reabilitada e quando isso acontece retiram do registo criminal que cumpriu pena”.  Nessa altura, já é mais fácil conseguir emprego. Por outro lado, trata-se de mais uma situação “sem sentido” visto que “se sabe que a pessoa não é primária porque cumpriu pena, mas como há um papel então já pode ter emprego”.

Luís recorda as dificuldades que sentiu em termos de emprego quando saiu da prisão. “Apresentaram-se, de facto, algumas alternativas. Mas ganhava-se muito pouco, era impossível sustentar-me com aquele ordenado que nem para pagar a casa era suficiente”, diz. Foi através de contactos e ajudas familiares que conseguiu encontrar um emprego. “Tenho um trabalho, tenho a minha vida, mas tive que me desenrascar sozinho. Era impensável aceitar o que me queriam dar depois de sair da prisão”, recorda.

De acordo com o Instituto de Acção Social, em 2018 o organismo deu apoio na procura de emprego a um total de 759 pessoas, das quais 95 se encontravam em liberdade condicional.

5 Mar 2019

Fotografia | João Miguel Barros distinguido nos prémios internacionais de Tóquio

Uma série de fotografias que contam a história de um pugilista do Gana, da autoria de João Miguel Barros, acabam de ser distinguidas nos Tokyo International Foto Awards (TIFA). Além do prémio, o trabalho fica exposto no Centro Cultural de Shibuya entre os dias 20 e 24 de Fevereiro

[dropcap]A[/dropcap]s imagens do ensaio “Blood, Sweat and Tears” foram distinguidas no prémio internacional de fotografia de Tóquio (Tokyo International Foto Awards – TIFA), no Japão. Algumas das imagens que João Miguel Barros captou no Gana estarão expostas, entre os dias 20 e 24 de Fevereiro, no Centro Cultural de Shibuya, na capital japonesa.

João Miguel Barros ganhou a medalha de ouro na sub-categoria de Desporto e uma menção honrosa na sub-categoria Ensaio, ambas inseridas na categoria Editorial, na vertente de fotógrafos amadores. O fotógrafo conquistou também uma menção honrosa com o ensaio “Night Visions”, desta vez sobre Macau.

Ao HM, João Miguel Barros adiantou que a distinção “acaba por ser um estímulo e um incentivo para continuar a trabalhar”, tendo em conta que o fotógrafo começou nesta profissão tardiamente, pelo facto de ser advogado e ter feito a sua formação base na área do Direito.

“Comecei relativamente tarde a trabalhar nas fotografias de uma forma mais consistente, no sentido de criar histórias e fazer menos fotografias bonitas. Neste momento tenho alguns portfólios construídos”, adiantou.

Esta não é a primeira vez que “Boxe” é distinguido a nível internacional, tendo já ganho algum reconhecimento em Paris e Nova Iorque. As imagens resultaram de um combate de boxe que aconteceu em Macau em Outubro de 2017, e João Miguel Barros nunca mais perdeu a linha narrativa que se criou no ringue.

“Depois segui esse pugilista ganês, que perdeu o combate, até ao Gana. Estive lá em duas ocasiões distintas, uma em Julho do ano passado e outra em finais de Novembro ou Dezembro. A partir daí construí uma narrativa.”

Do ringue para a escola

Já em África, João Miguel Barros decidiu acompanhar os treinos do jovem ganês, com cerca de 20 anos, que tem o sonho de ser um grande pugilista, mas que perdeu o combate em Macau.

“Acompanhei-o durante algum tempo nos seus treinos e na sua relação com os outros desportistas que treinam regularmente, duas vezes por dia, na cidade velha de Acra.”

Daí nasceu uma outra ideia associada à série “Boxe”. “Da última vez que lá estive aproveitei para fazer um outro trabalho, que não é complementar, mas que está próximo deste, que teve a ver com o registo da vivência numa escola preparatória que fica muito perto do ginásio onde eles treinavam no final de tarde.”

Ambos os projectos são independentes e têm como nome “Wisdom” (sabedoria), e darão origem a uma futura exposição no Albergue, a anunciar em Junho deste ano. “Vou apresentar os dois projectos porque as fotos foram tiradas na mesma zona da cidade”, frisou.

África minha

A viver em Macau há 30 anos, João Miguel Barros sempre se distinguiu como advogado, tendo trabalhado em Portugal como assessor da ex-ministra da Justiça, Paula Teixeira da Cruz. Contudo, assume estar cansado da profissão de uma vida e querer mostrar os projectos culturais que sempre desenvolveu desde os tempos da faculdade.

O seu olhar de fotógrafo está agora virado para África. “Já tenho mais alguns projectos em mente, em África. Ao fim de 30 anos em Macau, e com um conhecimento da Ásia relativamente grande, acabo por desviar um bocadinho o meu centro de atenções para África e fugir um bocadinho da Ásia. Não sei se isto tem a ver com o facto de ter um pouco o olhar cansado relativamente à Ásia”, assumiu, afirmando que quase nunca tira fotos em Macau.

“Tento procurar coisas que me surpreendam e África é o continente que menos conheço. Não ponho de parte a hipótese de construir histórias e narrativas na Ásia ou outros sítios que tenham algum tema interessante”, frisou.

Com uma exposição já marcada para o Museu Berardo, em Lisboa, onde vai expor ao lado de Guilherme Ung Vai Meng e Chan Hin Io em Novembro, João Miguel Barros revela estar cada vez mais interessado em criar histórias com as imagens que capta.

“Cada vez entendo mais que é importante se a fotografia fizer parte de um processo narrativo. Na exposição que fiz no Museu Berardo [Photo-Metragens] também utilizei texto como uma parte integrante desse processo da narrativa. Não ponho de parte a possibilidade do texto estar ao lado da imagem, mas o que importa é que o conjunto tenha consistência”, apontou.

Com 60 anos de idade, João Miguel Barros assume estar “claramente cansado da advocacia” e conta que há muito tempo queria mostrar o que fazia além dos tribunais e processos.

“A profissão, muitas vezes, esmaga-nos, e nem todas as pessoas são corajosas para mostrarem de imediato o que fazem. Depois de sair do ministério [da Justiça] achei que era tempo de mostrar os esqueletos que tinha no armário, dar o salto e vir a público mostrar as coisas que andava a fazer. Esse processo acaba por ser o resultado de muito investimento da minha parte.”

10 Jan 2019

João Miguel Barros vence prémio internacional de fotografia

[dropcap style≠‘circle’]J[/dropcap]oão Miguel Barros foi distinguido no International Photography Awards 2018, conquistando o primeiro lugar na categoria de desporto dedicada a fotógrafos não profissionais, com o trabalho “Blood, Sweat and Tears” (“Sangue, suor e lágrimas”).

O conjunto encontra-se dividido em duas partes. O primeiro retrata momentos intensos de um combate de boxe entre o pugilista chinês Fanlong Meng e o ganês Emmanuel Omari Danso, a que assistiu, em Macau, há um ano; enquanto o segundo versa sobre os treinos de Emmanuel Danso, os seus companheiros de sonho e os lugares onde acontecem.

Advogado de profissão em Macau, João Miguel Barros, que foi co-director da revista de cultura e artes visuais SEMA (1979-1982) começou recentemente a expor os seus trabalhos fotográficos, tendo publicado o livro de fotografia “Between Gaze and Hallucination” (2017). É ainda curador freelancer na área da fotografia contemporânea.

5 Out 2018

AAM | Sérgio de Almeida Correia visto como capaz e independente por colegas

[dropcap style≠’circle’]M[/dropcap]esmo sem ser oficialmente candidato à presidência da Associação dos Advogados de Macau (AAM), por lhe faltar ainda uma lista e um programa eleitoral, Sérgio de Almeida Correia parece agradar a alguns colegas de profissão, que também querem renovação, como é o caso de Jorge Menezes.

“É uma excelente escolha para substituir o actual presidente, que no passado anunciou que não se recandidataria se surgisse uma candidatura alternativa e que defendeu a renovação da AAM. Um dia teria necessariamente de se virar a página e ele é uma pessoa apropriada para o fazer”, disse ao HM. Sérgio de Almeida Correia “está em Macau desde a década de 90. É uma pessoa inteligente e corajosa, um advogado de integridade e mérito inquestionáveis, que compreende a importância que uma advocacia profissionalizada e de qualidade tem para a segurança do comércio e atracção do investimento estrangeiro”, acrescentou Jorge Menezes.

“Tem-se destacado na defesa dos valores constantes na Lei Básica que fazem de Macau um caso singular, como o Estado de Direito e os direitos fundamentais. É a pessoa certa para representar a totalidade dos advogados de Macau de língua chinesa e portuguesa, de Direito penal, civil, tribunal e negócios. Estou certo de que reunirá uma equipa boa e diversificada que contribuirá para o aprofundamento do trabalho feito pela direcção da AAM ao longo destes anos.”

João Miguel Barros também apoia Sérgio de Almeida Correia e defende que a direcção da AAM não se pode transformar numa “monarquia”. “Entendo que é importante haver renovação nos órgãos da AAM, independentemente do mérito de quem lá tem estado. O Dr. Neto Valente tem feito um bom trabalho no sentido de garantir estabilidade da AAM, mas está-se a eternizar no poder, é quase um regime monárquico.”

Novos estatutos

João Miguel Barros defende também a reforma dos estatutos da associação, pois “é saudável que todos os mandatos tenham um limite e, portanto, está na altura e é oportuno haver mais uma pessoa”. “Só o princípio da renovação dos órgãos sociais é saudável, e não consigo compreender como é que na AAM não há um limite para o exercício de funções. Esse é um dos problemas que temos. Acho que a candidatura é uma lufada de ar fresco.”

Assumindo desde já apoiar a futura candidatura, João Miguel Barros também destaca a passividade da AAM. A associação “tem obrigações de intervir no espaço público e na sociedade quando estão em causa direitos fundamentais”. “Temos tido muitos problemas de violação de princípios do Estado de Direito na sociedade de Macau e a AAM, de um modo geral, não diz nada. Não se sabe o que é feito por detrás, mas em termos de opinião pública não vejo muito da AAM, ainda que o doutor Neto Valente fale várias vezes de alguns assuntos, mas eu acho que é insuficiente.”

Além disso, João Miguel Barros denota conflitos de interesses, uma vez que o actual presidente, Jorge Neto Valente, está também ligado a empresas do sector do jogo e do imobiliário.

“O Dr. Neto Valente é suficientemente inteligente para conseguir ter um discurso público e de prática que separa as coisas. Mas há uma imagem de conflito de interesses que, para mim, já está registada há muito tempo. Temos de ter outro presidente que não tenha um interesse tão marcado nos negócios.”

Dos advogados ouvidos pelo HM, Pedro Leal foi o único que mostrou apoio à continuação de Neto Valente na presidência da AAM, apesar da “boa impressão” que tem de Sérgio de Almeida Correia. Contudo, só apoia a candidatura se Neto Valente não avançar.

“O Dr. Neto Valente tem prestígio pelo trabalho desenvolvido e é a pessoa ideal para continuar na associação. Não ouvi dizer que tenha desistido. Neste momento, é prematuro falar da candidatura do Sérgio Correia de Almeida, embora tenha boa opinião dele. É uma pessoa idónea, competente. Se o Dr. Neto Valente decidir não avançar, é uma candidatura possível.”

Para Pedro Leal, “podem haver mudanças na direcção mantendo-se o presidente”. “O Dr. Sérgio de Almeida Correia é bem-vindo para a direcção, não sei se a renovação a que o Dr. Neto Valente se referia era na direcção ou na presidência. Seria uma pessoa bem-vinda para a AAM desde que o Dr. Neto Valente não continue”, rematou.

Nota: As declarações de Jorge Menezes originalmente publicadas foram prestadas antes de Neto Valente ter declarado que poderia voltar recandidatar-se à presidência da AAM. Ainda antes do artigo ser publicado, Jorge Menezes alterou o conteúdo das mesmas, face aos desenvolvimentos, mas devido a um problema técnico a actualização só foi feita a 18 de Setembro.

18 Set 2018

Justiça | Cidadão português condenado por abuso dos filhos perde recurso

Apesar do Ministério Público ter pedido a absolvição do arguido, o Tribunal de Segunda Instância, que teve como juiz relator Choi Mou Pan, negou o provimento ao recurso interposto por João Miguel Barros

[dropcap style≠‘circle’]J[/dropcap]oão Tiago Martins, o cidadão português condenado por dois crimes de abuso sexual contra os filhos perdeu o recurso no Tribunal de Segunda Instância (TSI), apesar do Ministério Público pedir a sua absolvição. A decisão foi tomada, ontem, pelos juízes Choi Mou Pan, Chan Kuong Seng e a juíza Tam Hio Wan e anunciada no portal dos tribunais. No entanto, a sustentação ainda não é conhecida, nem o advogado de defesa do arguido foi notificado.

“Não conheço os fundamentos [da decisão]. Nem fui notificado de nada. Antes de ler o acórdão não tenho nada a dizer, a não ser que estou profundamente desiludido com a decisão”, afirmou o advogado de defesa, João Miguel Barros, ontem, ao HM.

Na primeira instância, o tribunal tinha dado como provada a prática de dois crimes de abuso sexual, cuja moldura penal vai de 1 a 8 anos de pena de prisão. Como consequência, o cidadão português – que está preso desde Maio de 2016 –  foi condenado com uma pena de prisão de 5 anos e 6 meses.

No entanto, entre a primeira e a segunda instância, havia a expectativa da condenação sofrer alterações, uma vez que o Ministério Público mudou de posição, passando a pedir a absolvição do arguido, em vez da condenação. Contudo, os argumentos apresentados pela defesa e pelo MP não parecem ter sido suficientes para convencer o colectivo de juízes da segunda instância.

No Tribunal Judicial de Base (TJB) foram considerados provados os dois crimes de abuso sexual, um contra cada filho. Porém, os juízes da primeira instância não deram como provado a prática do crime de maus-tratos nem da existência de relações sexuais com a filha menor. O arguido foi também absolvido de um acto exibicionista de carácter sexual. Na leitura da sentença, o TJB considerou os depoimentos dos menores “credíveis” e referiu não haver “prova que foi a mãe que influenciou” as crianças.

Processo com falhas

Após ter sido conhecida a decisão da primeira instância, João Miguel Barros considerou que o processo estava “cheio de falhas”: “O processo está completamente cheio de falhas, desde o primeiro instante e, neste momento, não quero fazer declarações sobre o processo”, referiu o causídico, na altura, ao HM.

Também após ter sido revelada a primeira decisão, o advogado de defesa reiterou a inocência do cliente. “Digo apenas que acreditamos na inocência do João Tiago, e se não fosse isso nunca teríamos aceite ter sido seus advogados. Por acreditarmos na sua inocência vamos defender a sua posição em recurso. Depois se verá quando acabar a fase de recurso e quando a sentença transitar em julgado”, acrescentou.

A queixa sobre os alegados crimes partiu da mãe das crianças, de quem, em 2011, João Tiago Martins se divorciou. Era o pai que tinha a custódia dos filhos.

13 Abr 2018

João Miguel Barros, fotógrafo, sobre a sua exposição no Museu Berardo: “Para ser vista como quem lê um livro”

É inaugurada hoje, no Museu Berardo em Lisboa, a exposição de João Miguel Barros “Photo Metragens”. São 14 histórias traduzidas em imagens, palavras e vídeo dentro de um projecto que não se fica por aqui

[dropcap]O[/dropcap] que é que podemos ver em “Photo-Metragens”?
“Photo-Metragens” é uma exposição que é para ser vista como quem lê um livro de shortstories. É uma síntese adequada, penso eu, do que é este projecto que inclui imagem, palavras e vídeo. Trata-se, portanto, de uma exposição que inclui 127 imagens, a maioria em grandes formatos, em A0 e até maiores. A exposição está organizada a partir de 14 capítulos, com um número diversificado de imagens. Uma das particularidades é que cada capítulo inclui um texto ficcionado, de que é parte integrante. Finalmente, um desses capítulos tem também um vídeo de quase uma hora. Esta é a edição de 2018. Quer isto dizer que este projecto está pensado para ter continuidade no futuro. Tenho o propósito de fazer edições da “Photo-Metragens” a cada dois anos, com o mesmo formato e obviamente com estórias diferentes. Sempre com imagem e textos ficcionados, e provavelmente com uma componente maior de vídeo. Algumas das imagens, correspondendo sensivelmente a um/quarto do que será exposto no Museu Berardo, foram já mostradas na exposição que fiz em Fevereiro do ano passado na Creative Macau. Tudo o resto é material novo. Mas mesmo as fotografias que já foram exibidas, foram, entretanto repensadas, e muito apuradas. As imagens que vão ser mostradas em Lisboa são as versões finais e últimas do projecto e não serão repetidas.

Como é que surgiu a ideia de contar estas estórias?
Surgiu como resposta à ideia politicamente correcta de que as exposições têm de ter uma narrativa. Não é algo com que concorde em absoluto, mas resolvi não contrariar o “destino”… Eu ainda não tenho nenhum projecto temático devidamente estruturado e com dimensão que possa ser mostrado autonomamente. E o honroso convite do Museu Berardo colocou-me um desafio interior, que tive de resolver e que, confesso, demorou algum tempo a estruturar. No fundo, tudo se resumia a dar uma certa unidade conceptual a um projecto artístico assente na imagem, a que eu depois juntei a escrita, e que tivesse alguma “lógica”. O espaço do Museu, bastante generoso aliás, que foi destinado a esta exposição, acabou por ser inspirador do resultado final. E foi a partir daí que cheguei ao resultado da “exposição que se vê como quem lê um livro de short-stories”. Um livro de contos é um conjunto de estórias, com autonomia entre si e que versam temas por vezes muito diferentes. “Photo-Metragens” é um pouco isso. Cada capítulo inclui uma história independente. E penso que é essa diversidade que lhe dá a riqueza do conteúdo. Deixe-me ainda acrescentar o seguinte. Cada capítulo da exposição contém uma estória que pode ter potencial para ser desenvolvido autonomamente. E, depois, seguir um caminho independente. E, provavelmente, isso irá acontecer num futuro próximo em relação a uma dessas short-stories, que tem potencial para se transformar numa long-story. Vamos ver.

Como pensou a exposição e a relação concreta com o espaço?
Esta exposição foi pensada não só em função do espaço, como não podia deixar de ser, mas também na sua forma de representação. Quem a visitar não irá encontrar apenas imagens presas à parede. Por exemplo, o primeiro capítulo chama-se “Sentido Único” e é, em rigor, uma grande instalação de trinta imagens em formato A2, que estão colocadas no interior de uma moldura de mais de 4 metros de largura por quase três de altura, sendo que as ampliações estão presas em cabos de alumínio esticados de alto a baixo dessa moldura. A solução de imagens suspensas em cabos metálicos finos foi adoptada em mais dois capítulos da exposição. Por outro lado, houve um cuidado especial com a iluminação, que exigiu um estudo detalhado e soluções novas devido às qualidades do papel que utilizo, que é um papel profissional metalizado, mas que reflecte muito a luz. Este papel projecta as imagens de forma diferente do que é normal, mas cria dificuldades acrescidas em relação ao tipo de iluminação a adoptar.

Que tipo de histórias nos conta?
Encontram-se no conjunto temáticas muito diferenciadas, desde a paisagem ao boxe, ao trabalho nocturno e à sombra dos holofotes, às árvores (que é um tema que me fascina), e ao movimento corporal.

Pode dar um exemplo concreto?
O capítulo primeiro, “Sentido Único”, que referi, é composto por 30 imagens que são detalhes de um enorme viaduto em Xangai, que tem vários níveis de circulação. Quando se olha para o conjunto a sensação que se tem é a de se estar perante um puzzle confuso de detalhes. Ou seja, a percepção que transmite é justamente a oposta daquela que o título induz. Mas, na verdade, não há na vida sentidos únicos e há sempre a possibilidade de seguir por caminhos diferentes. Outro dos capítulos deu o título à exposição de Macau. Chama-se “Entre o Olhar e a Alucinação” e é composta por um tríptico com uma imagem quase lunar e, depois, a misteriosa silhueta de um cão a olhar para outro. Mas o capítulo que provavelmente poderá chamar mais atenção é o que retrata alguns momentos de um intenso combate de boxe a que assisti em Macau. São imagens fortes. Esse capítulo chama-se simplesmente Homenagem, mas, na verdade, era para se chamar “Homenagem a um Perdedor”, porque se centra num lutador negro do Gana, que perdeu o combate.

“Um olhar que possa registar todos os pormenores até à complexidade das coisas, que através de uma minuciosa observação e num exercício de natureza sensível ou intelectual permita que as imagens nos saibam devolver e suscitar afectos e memórias”. Pode comentar esta afirmação?
Todos nós vivemos uma vida intensa e complexa em termos visuais, emocionais e ocupacionais. Tudo nos solicita, tudo nos ocupa e, simultaneamente, tudo nos distrai. Quando se faz fotografia o nosso olhar é ajustado e muda por vezes radicalmente a forma de vermos o que nos rodeia. Olhamos em volta e muitas vezes o que ressalta é o ângulo que poderia dar um bom registo, o detalhe que serviria para fazer uma excelente fotografia e por aí adiante. Algumas das imagens da Photo-Metragens são de uma enorme simplicidade. Por vezes são registos de uma certa banalidade. E apenas isso. Mas podem ser, também, uma surpresa porque as nossas permanentes solicitações muitas vezes não nos deixam tempo para esse registar das coisas pequenas que, por vezes, são maiores do que podemos supor.

A exposição é com imagens a preto e branco. Por quê? 
Eu fiz uma opção, que posso dizer incondicional, pela fotografia a preto e branco. Estou convicto de que dificilmente irei alterar este caminho. E ao longo dos anos, depois de muitas exposições já visitadas, de idas regulares às feiras de fotografia, o meu olhar tem vindo a ser treinado, cada vez mais, tornando óbvia a opção pela fotografia a preto e branco. Não tenho nada contra a cor, como é óbvio. Há fotografias e trabalhos a cor fabulosos e que, provavelmente, sem essa opção da cor perderiam alguma coisa. Muitas delas têm justamente como objectivo o contraste que as cores permitem e o efeito emocional que podem transmitir. Mas esse não é o lado que me interessa. O meu problema com a cor na fotografia é que nos pode distrair tremendamente do objecto e da essência do objecto registado. É um outro registo, e que acaba por se sobrepor a tudo.

Faça a experiência. Entre num espaço com trabalhos expostos e olhe de forma genérica e abstracta. O que capta em primeiro lugar são as diferenças cromáticas do que tiver à frente, e não as formas retratadas. É, antes, a intensidade dos vermelhos, ou dos azuis, e de outras cores, o modo como essas cores se espalham e ocupam o espaço impresso. Só depois, num segundo momento, e quando se conseguir abstrair ou recompor desse choque cromático, é que consegue entrar na essência da imagem. Isto se a essência não for, obviamente, o tal choque cromático porque, nesse caso, fica por aí!

A minha opção pelo preto e branco é claramente uma opção pela substância e pela prevalência do conteúdo que normalmente só a fotografia a preto e branco permite.

Onde recolheu as imagens?
Foram escolhidas um pouco em vários sítios. Mas a maioria é da Ásia e de Portugal.

O que diria da mediatização/banalização da fotografia na actualidade?
A sua pergunta seria um bom pretexto para uma outra conversa, em especial se a questão da mediatização da imagem se associasse à manipulação da imagem ou, a um outro nível, se se pensasse nos diversos veículos que as sociedades contemporâneas têm para que a fotografia se projecte nesse espaço mediatizado. E para a conversa ter utilidade teríamos de distinguir vários níveis de questões sobre essa ideia de “mediatização da fotografia”. Mas essa não é o tema de hoje. O que agora me parece de evidenciar é que os meios de comunicação formais e informais vieram dar actualidade à fotografia, dando-lhe uma importância acrescida no contexto das sociedades contemporâneas. Nos últimos tempos tenho-me interrogado é sobre um outro fenómeno que decorre dessa mediatização: o modo como se tem valorizado a fotografia como objecto de arte com valor nos mercados de arte. A fotografia é actualmente um bem artístico relevante, graças a essa mediatização. Há obras que começam a atingir valores significativos, criando um mercado de investimento importante e com um potencial de crescimento muito grande. Mas há perversões. Porque essa mediatização valoriza no mercado o bom, mas, algumas vezes, o mau e muito mau. Como também permite que facilmente se possa esquecer o bom e o muito bom.


© João Miguel Barros

#04 Homenagem

Ainda menino usava panos enrolados nas mãos para bater em sacas cheias de farinha. Enrijava os músculos, ouvira dizer. Queria crescer com o corpo cheio, acima de tudo para chamar a atenção das miúdas mais engraçadas do bairro. Eram essas as suas rotinas de tempos livres, demasiado livres.

Mais velho, começou a usar o corpo em combates a sério. Alimentava-se da ânsia de esmagar o adversário, mostrar o seu lado feroz e implacável, mas já não o de alimentar o sonho de namorar com a mais bonita do bairro. Apenas bater. Para ganhar.

Ao mesmo tempo ia engrossando o corpo, sem tempo para reforçar a fluidez da mente. Sim, sabia bater. Era conhecido por bater forte, de forma implacável, até inteligente. Ganhava. Outras vezes perdia. Mas, a mais das vezes, ganhava.

Com o tempo, e sem tempo, passou a viver enclausurado nas cordas do ringue. Batendo. Levando. Chorando. Rangendo os dentes protegidos. E ocasionalmente sorrindo de raiva. Sim, sorrindo.

No seu último combate perdeu os sonhos da sua vida. Mas saiu inteiro, pelo seu pé, continuando a sorrir.

21 Fev 2018

Organização Judiciária: Entre o Quase Nada e o Quase Tudo

[dropcap style≠‘circle’]1.[/dropcap] Anunciam-se mexidas à Lei de Bases de Organização Judiciária (LBOJ) e a discussão pública (ou publicada) tem-se centrado quase exclusivamente na exclusão dos juízes estrangeiros em poderem julgar casos que incidam sobre segurança nacional. De passagem foi-se também falando na questão do duplo grau de jurisdição, há muito reclamada, para que os titulares dos cargos políticos possam ser julgados no Tribunal de Segunda Instância, de modo a poderem recorrer para o Tribunal de Última Instância. E ainda se foi referindo a necessidade de se aumentar o número de juízes do TUI.

 

2. São óbvias e mais do que justificadas as fortes críticas a que o sistema inclua uma limitação à possibilidade de os juízes estrangeiros julgarem casos que impliquem questões de segurança nacional (seja lá o que isso for). De um ponto de vista politicamente correcto invoca-se que todos os juízes têm a mesma idoneidade, imparcialidade, etc., e que a Lei Básica não permite tal discriminação. O que é rigorosamente verdade. Mas num aparte politicamente incorrecto dir-se-á que, provavelmente, os juízes estrangeiros até terão um maior distanciamento em relação a este tipo de matérias, o que os habilitará a ter uma mais ampla liberdade e independência de decisão, por não estarem tão condicionados por paradigmas socioculturais tão específicos como são os da cultura chinesa.

É também mais do que óbvia a necessidade de se assegurar um duplo grau de recurso nos julgamentos de titulares de cargos políticos. Como seria saudável que fosse alargado o número de juízes na Última Instância para permitir um refrescamento das correntes jurisprudenciais e permitir que mais processos pudessem ser decididos nesse último tribunal da RAEM.

 

3. Fora isso, as alterações à LBOJ vão pouco além de meros ajustamentos administrativos, sem fôlego, sem ambição, sem atenderem à modernidade da evolução judiciária e, acima de tudo, sem visão estratégica. Ou seja, uma oportunidade (quase) perdida de se mexer na organização judiciária da RAEM (incluindo-se aí a Lei de Bases e os Códigos de Processo).

 

4. Reclamo há muito que é preciso olhar para o judiciário com outra visão e sem os condicionamentos conservadores com que os juristas muitas vezes vêm estes coisas, condicionados por uma tradição que por vezes lhes retira a ousadia reformista.

Ora, um dos trabalhos a empreender, com grande impacto no sistema, seria o de integrar a jurisdição administrativa e fiscal na jurisdição comum, criando aí juízos especializados para as questões administrativa e/ou fiscais, e aprofundando-se ainda mais a especialização na primeira instância.

É preciso coragem para dar este passo. E vencer muitas resistências.

 

5. Permitam-me um exemplo do que está a acontecer em Portugal. No recentíssimo “Acordo para o Sistema de Justiça”, assinado em Lisboa entre as cúpulas das organizações representativas dos Juízes, dos Magistrados do Ministério Público, dos Advogados, dos Solicitadores e dos Funcionários Judiciais, foi incluído, a abrir um documento entregue às autoridades políticas, num conjunto de outras 88 medidas, a seguinte proposta que mereceu o consenso de todos: “Estudo da unificação da jurisdição comum com a jurisdição administrativa e fiscal, criando uma ordem única de tribunais, um único Supremo Tribunal e um Conselho Superior da Magistratura Judicial”. Isto é uma revolução, que se invoca com alguma legitimidade devido à identidade das matrizes existentes! E na RAEM nem sequer seria preciso mexer com tantos interesses instalados, como em Portugal, uma vez que aqui que só existe uma única hierarquia de tribunais de recurso e só existe um único Conselho de Juízes.

 

6. Os tribunais administrativos, na sua lógica antiquada, formalista, privilegiadora da “verdade” formal, muitas vezes em detrimento da verdade material, têm de ser profundamente restruturados. E, falando claro, a única forma de o fazer é retira-los do gueto em que se encontram e integrá-los numa jurisdição comum, e sujeitos a uma disciplina processual comum às restantes especialidades judiciárias.

 

7. Associado a esta ideia é imperativo rever, com amplitude, as normas de processo, simplificando-as, criando procedimentos mais ajustados e flexíveis, de modo a que possam ser aplicados por igual às diversas especializações (entre elas a administrativa e fiscal). E uma forma de os simplificar começaria por se lhes retirar, a todos eles e a alguma legislação avulsa, todas normas de competência, onde nunca deveriam ter entrado.

E o momento até seria oportuno, porque o Governo está também a rever, em separado, o Código de Processo Civil.

 

8. Esta “revolução” levaria a que passasse a haver um Código do Sistema Judiciário (em substituição da Lei de Bases de Organização Judiciária) e um Código de Processo Judiciário, que serviria para regular o funcionamento de todos os tribunais comuns (com excepção dos tribunais criminais, uma vez que os procedimentos a observar aí, têm, na verdade, um DNA muito específico).

 

9. Para não alongar este enunciado de questões gerais, há um outro tópico para ponderação que considero ser importante.

É preciso um tempo razoável para que um juiz seja nomeado definitivamente para o lugar. Não basta a conclusão com aproveitamento de um curso ou estágio de formação. É necessário existir um “período experimental” de alguns anos (cinco, por hipótese) para que se perceba, após inspecções regulares, se uma determinada pessoa tem a formação técnica e os traços pessoais e de personalidade adequados para o desempenho dessa tão importante função pública e que tanto impacto tem na regulação dos conflitos sociais. É importante que essa função seja exercida com sabedoria técnica, com parcimónia e algum recato, com respeito institucional por todos aqueles que têm de acorrer a um tribunal, com autoridade, mas sem autoritarismo. O facto é que nem sempre a sabedoria jurídica chega para fazer um bom juiz!

Este princípio é valido para Macau, como é válido para Portugal onde, infelizmente, não tive a capacidade de colocar o assunto na ordem do dia, na altura em que aí coordenei o grupo de trabalho que procedeu à reforma do sistema judiciário de 2013.

 

10. A terminar, não uma nota de rodapé, mas um desabafo em jeito de pergunta: o que continua a impedir que os advogados possam corresponder-se com os tribunais através de meios electrónicos, e vice-versa, usando certificação digital, e tenham de continuar a usar o fax e a carregar papel e mais papel para zelosos funcionários arquivarem em pastas que depois são guardadas em móveis atafulhados?

No século XXI, e numa terra onde há dinheiro e condições técnicas para o fazer com facilidade, é absolutamente inacreditável que se continue a viver nesta pré-história judiciária!

 

Texto por João Miguel Barros, Advogado

25 Jan 2018

Trilogia fotográfica de Lu Nan no Museu Berardo

[dropcap style≠’circle’]É[/dropcap] inaugurada no próximo dia 10, no Museu Berardo, a exposição “Trilogia Fotografias [1989-2004] do fotógrafo chinês Lu Nan. A mostra conta com a curadoria de João Miguel Barros e traz a público parte do trabalho desenvolvido por Lu Nan durante um período de 15 anos.

“A obra de Lu Nan é a projecção moderna (também já datada no tempo) de uma trilogia clássica simbolicamente representada na Divina Comédia de Dante Alighieri”, lê-se na apresentação oficial da exposição, sendo que “cada uma das suas partes são, igualmente, projecções exemplares do que pode ser, na Terra, o Inferno, o Purgatório e o Paraíso”.

No entanto, e de acordo com o curador, não se trata de um retrato de uma fantasia. As imagens recolhidas durante mais de uma década são “de um realismo cortante, “por vezes doloroso, que impressiona”, refere João Miguel Barros.

Tal como na trilogia dantesca, a mostra está dividida em três partes, correspondentes aos estágios da obra poética: a vida dos hospitais de doenças mentais, as comunidades católicas nas zonas rurais e mais recônditas da China e a que levou Lu Nan a acompanhar a vida quotidiana do Tibete.

De acordo com João Miguel Barros, “o inferno, o purgatório e o céu retratados no trabalho do fotógrafo de Pequim, “é a China de uma época talvez já diferente da actual, como bem poderia ser a realidade de muitos outros países e lugares por esse mundo fora”.

Do povo esquecido às quatro estações

As condições de vida dos doentes psiquiátricos da China constituem a primeira parte da trilogia de Lu Nan. De 1989 a 1990, o fotógrafo contactou com 14 mil doentes mentais em 38 hospitais, espalhados por 10 províncias e grandes cidades do China. As imagens constituem “O Povo Esquecido” é que é apresentada “de forma verdadeira e poderosa, as condições de vida de um estrato social esquecido”, refere o curador.

A viagem continua e encontra o purgatório “Na Estrada: a fé católica na China”. As imagens forem recolhidas entre 1992 a 1996 em que o fotógrafo visitou mais de 100 igrejas, O objectivo foi o de capturar a forma como o amor e a fé se concretizam na vida quotidiana dos crentes. “Mostra que a divindade interior está integrada na vida quotidiana e que, no fundo dos seus corações, é essa a verdadeira Igreja”, comenta João Miguel Barros.

“Quatro estações: o dia-a-dia dos camponeses tibetanos”, terceira e última parte da trilogia, foi produzida de 1996 a 2004. Como o nome indica, o trabalho “acompanha de perto o ciclo das estações, desde a sementeira, na Primavera, à ceifa, no Outono, desde a espera pela colheita, no Verão, até à sobrevivência, durante os meses agrestes do Inverno”.

Tal como as duas primeiras partes da trilogia, “Quatro estações” não se centra no que poderiam ser considerados os grandes acontecimentos da vida. É o quotidiano que interessa é a “vida quotidiana que proporciona uma forma básica de as pessoas aferirem o destino”.

9 Out 2017

João Miguel Barros: “Olhamos muito, mas vemos muito pouco”

Por achar que já tem idade para mostrar a fotografia que faz, João Miguel Barros decidiu avançar para um livro e uma exposição. “Entre o Olhar e a Alucinação” está na Creative Macau a partir do próximo dia 23. É uma experiência sobre um caminho que o advogado quer fazer: ir deixando os processos para trás e apostar na curadoria, trabalhar em fotografia, pensar na estética da representação

[dropcap]C[/dropcap]omo é que começa a fotografia?
Já começou há muitos anos. Talvez nunca tenha tido a coragem de começar pôr as fotografias cá fora. Neste momento, é uma especialização de uma preocupação cultural que já vem do meu tempo da faculdade quando, na altura, com a minha mulher, fizemos a revista SEMA. O gosto pela cultura é presente, tem-me acompanhado ao longo da vida, embora tenha sido muitas vezes distraído pelas questões do Direito, ou mais pelas obrigações profissionais do que pelo gosto do Direito. Nos últimos anos, em especial depois de ter saído do Ministério da Justiça, resolvi assumir que a cultura era – e é – uma área do sentir e do conhecimento demasiado vasta. Portanto, dentro da cultura em geral, identifiquei a área de que mais gosto: a fotografia. Sempre fiz fotografia. Antes da fotografia digital, lembro-me de uma viagem à Índia em que praticamente fiz turismo através da lente das máquinas fotográficas. Chegava ao final do dia completamente estoirado de carregar máquinas e lentes, coisa que neste momento já não faço, porque aperfeiçoei a lógica de funcionamento. Tenho uma câmara mais pequena, com uma lente de 35 mm fixa, e sou muito menos intrusivo na recolha das fotografias. É um gosto antigo, uma prática que tem sido mais ou menos descontinuada ao longo do tempo, mas tem sido uma constante e uma preocupação. Acho que já tenho idade suficiente para poder começar a pensar em pôr cá fora estas fotografias. Mas tem também uma outra componente: tenho o desejo de, um dia destes, começar a afastar-me mais da advocacia, e criar uma pequena galeria e uma pequena editora só para a fotografia a preto e branco. E pensei que um bom exercício seria fazer a experiência de como é que tudo isto funciona a partir de mim próprio.

Daí a exposição e o livro.
Peguei numa pequena verba que pus de lado e disse assim: em vez de ir apostar em alguém, vou apostar em mim. E acompanhei todo este processo, na produção, na escolha dos suportes e do material para a exposição, fiz uma série de ensaios de impressão das fotografias em suportes diferentes, emoldurei de formas diferentes, para tentar perceber qual era o melhor caminho a seguir. Todo o processo de produção do livro foi mais ou menos equivalente. O livro acaba por ser também um desafio, porque fazer livros com uma dimensão como esta, de 30 cm por 23 cm, é um risco, apesar de tudo, porque as fotografias aguentam ou não. Mas o tipo de fotografia que faço aguenta mais facilmente num livro com esta dimensão do que se fossem fotografias que andam à procura de uma perfeição técnica que eu não acho ideal. Portanto, tudo isto acabou por ser um exercício de como fazer, à custa de mim próprio.

“Entre o Olhar e a Alucinação”. Que conjunto de fotografias é este? São imagens que não andam à procura da perfeição. Como é que se chegou aqui?
Chegou-se de uma forma um bocadinho acidental, mas foi a partir de uma reflexão do que é e do que pode ser a fotografia. É uma conversa que é preciso desenvolver e aprofundar. A minha preocupação com a fotografia não é apenas tirá-las, trabalhá-las e eventualmente poder ou não expor, e poder ou não publicar. Neste momento, queria desenvolver uma outra vertente, à qual dou muita importância, que é fazer a curadoria de projectos e isso implica pensar na fotografia como arte e pensar nos projectos como um conceito. Neste momento tenho um projecto aprovado, para um ciclo de fotografia contemporânea chinesa, que vai realizar-se em Portugal com três dos mais importantes fotógrafos chineses da actualidade, pessoas cujo trabalho admiro muito. Tenho já a confirmação de que o Instituto Cultural de Macau também vai apoiar este ciclo de três exposições individuais, que virão ao território depois, em 2018 e 2019.

E quem são estes fotógrafos?
A primeira exposição é de Lu Nan, um fotógrafo por cujo trabalho tenho uma admiração imensa. Demorou-me quase um ano a chegar até ele. Vai ser inaugurada em Lisboa em Julho deste ano. Depois, em Outubro, vai haver uma outra exposição que é de Rong Rong, um homem muito conhecido na fotografia contemporânea chinesa, também produtor e divulgador cultural, tem um centro de arte contemporânea em Pequim. O terceiro é um fotógrafo menos conhecido que tem um projecto sobre o Tibete que demorou quase dez anos a conseguir. Yang Yankang tem fotografias lindíssimas sobre o lado mais filosófico e espiritual do Tibete. São três caminhos na fotografia contemporânea chinesa que quis explorar, sendo certo que havia uma quantidade de outras pessoas. E, voltando ao princípio, este livro nasce também de uma preocupação de tentar perceber qual é o caminho que quero explorar relativamente à fotografia.

Podemos dizer que este livro é um ensaio?
De algum modo, é uma experiência e que parte de um princípio que está contido naquela frase de Barthes, que é o mote da exposição, quando basicamente diz que as fotografias não precisam de ser chocantes, o que precisam é de fazer as pessoas pensar. Isto leva a que nós pensemos também como é que encaramos a fotografia como uma estética de representação. Se é uma estética de representação, significa que podemos olhar para uma fotografia de per si ou temos de seguir a corrente tradicional ou politicamente correcta dos trabalhos das pessoas mais conhecidas, que assentam na ideia do storytelling, de contar uma história? Está muito instalada a ideia de que as fotografias contam histórias e que os projectos fotográficos são verdadeiramente importantes, ou mais importantes, quando são capazes de contar histórias.

Como se a fotografia enquanto forma de arte tivesse de ter alguma coisa de fotojornalismo, no sentido da construção de uma narrativa.
Pode confundir-se dentro dessa via, sendo certo que o fotojornalismo tem uma representação da realidade que não permite a deformação dessa mesma realidade. O storytelling pode ser já uma alucinação da realidade e é legítima como forma de contar uma história. Com esta experiência, o que quis tentar foi perceber se é possível ou não juntar várias fotografias que nada têm que ver umas com as outras, apesar de, neste conjunto, haver vários subconjuntos que estão relacionados. O próprio título faz parte de um tríptico que vai estar apresentado na exposição. Há mais dois conjuntos, a que chamei “Night Vision I” e “Night Vision II”, que também são mini-séries de uma pequena história quase sem história. Mas o importante era testar a ideia se é, ou não válido, juntar fotografias que, de per si, possam ser uma história, mas uma história que não induza quem a vê num determinado percurso de interpretação. É engraçado olharmos para as fotografias e pensarmos que elas foram congeladas no tempo. Quando olhamos a realidade a passar dinâmica à nossa frente, certos momentos que são congelados têm um significado diferente do que teriam inseridos nessa sequência normal da visão.

Mas há sempre a possibilidade de se inventar uma narrativa…
Este livro tem uma intenção e tem muitas narrativas. Não é por acaso que as fotografias estão todas sequenciadas e que vão todas ao corte, sem nenhuma paginação especial que as tente influenciar. Não é por acaso que foram alinhadas desta maneira, e isso dá-lhes uma narrativa. Dou dois exemplos: há um contraste entre pessoas, situações e lugares; pelo meio coloco várias fotografias de escadas, que são simbolicamente a ideia de que nós, na vida, gostamos ou deixamos de gostar, vamos por um lado ou podemos ir por outro. O desafio que se coloca a quem vê o livro é saber se gosta deste caminho ou se não gosta, a escada está lá para subir e para descer. O livro acaba, também intencionalmente, com uma fotografia, sem nenhuma outra na página ao lado, de um rosto muito marcante de um homem velho, mas que tem um sinal de esperança, que é o facto de estar a rir. Este livro tem uma intenção – o modo como foi pensado – e pode ter muitas narrativas.

Quem for ver a exposição ou pegar no livro encontra várias imagens captadas no contexto em que vivemos. Para a escolha destas fotografias pesou o factor cidade ou isso não entrou no critério de escolha?
Não entrou. O meu critério de escolha foi o gosto pessoal, de adesão ou não a uma determinada fotografia, a um determinado contexto, ao modo como a fotografia é enquadrada na página ou na moldura.

Mas há uma relação com a cidade que acaba por transportar, até porque vive cá há muitos anos.
É inevitável. Dou comigo a pensar se o facto de vivermos aqui há tantos anos – de lidarmos tanto com estas pessoas, com estas situações, as cozinhas mal-arranjadas, os ambientes às vezes muito hostis – também não faz com que não tenha já capacidade de olhar. E isto é uma coisa que me preocupa. Por isso é, quando olho para Macau como lugar para fazer fotografia ou para registar momentos, tenho sempre um certo medo de não ser capaz de olhar da forma correcta, porque já nada me surpreende. E quando tiramos uma fotografia, do mesmo modo como queremos que essa fotografia surpreenda – como diz Barthes, que faça pensar –, também temos de ser capazes de nos podermos surpreender com aquele momento que estamos a registar. Confesso que, por uma certa saturação em relação à cidade, por já estar a viver em Macau desde 1987, sou capaz de já não ter bem essa capacidade.

Mas a lente, ainda assim, ajuda ao enquadramento, ao exercício do foco sobre algo que a olho nu nos pode escapar.
É a tal ideia de que uma fotografia congelada no tempo pode ter uma leitura que é completamente diferente dessa fotografia inserida num movimento real em que as coisas acontecem. As máquinas fotográficas são formas de seleccionar a realidade, já por si, e eu em cima disso ainda agravo a situação, porque é raro o caso em que não faço um crop da fotografia. Gosto de fazer crops das fotografias – tenho amigos que dizem que isto é desvirtuar a realidade. Mas a máquina já desvirtua a realidade, porque vai só buscar um bocadinho. Os lugares são relativamente importantes no contexto deste projecto, sendo certo que, muitas vezes, uma pessoa sente-se mais motivada para dirigir a máquina para sítios que são uma surpresa do que propriamente para locais que vemos todos os dias e que já não temos capacidade de ver. Realmente, há uma grande diferença entre olhar e ver, e este é o problema dos nossos dias, é o problema da nossa civilização: olhamos muito, mas vemos muito pouco. A fotografia, congelando momentos que, para nós, são significativos, é uma forma de ajudar a ver determinado tipo de realidades. Olhamos para algumas fotografias, como as que estão aqui [no livro], de pessoas. E é legítimo perguntar o que é que esta pessoa estava a fazer antes e o que estava a fazer a seguir? Esta pessoa está neste contexto, que não se percebe muito bem, porque a fotografia está muito cropada, não tem propriamente todo o seu ambiente à volta, mas qual era o contexto em que se estava a mover quando foi fotografada? Há outras questões mais teóricas que têm que ver com fotografia.

A questão da estética da representação.
É o que procuro, e também tentar perceber como é que consigo apurá-la, sendo certo que há muitas estéticas de muitas representações. Uma coisa sei que não quero, que é a técnica da representação, que é uma coisa completamente diferente: aquela fotografia muito bonita, tecnicamente supercompetente. Há um fotógrafo que tem um trabalho admirável, num campo completamente diferente, o Erwin Olaf, que teve uma exposição aqui na Casa Garden. É um fotógrafo fabuloso, que vem da fotografia de moda. Todas as fotografias que faz são encenadas, são pensadas ao milímetro. Um dia, contou-me que há fotografias, que eu pensava que o ambiente natural era um hotel onde punha os seus figurantes, em que os cenários são todos construídos por ele. Essas fotografias têm obviamente uma história para ele, mas são fotografias tecnicamente representadas, há uma representação técnica da realidade, evidentemente com muita criatividade. Não procuro nada disso, porque acho que os critérios de avaliação das fotografias nos tempos que correm já não passam pelo lado técnico, porque a fotografia deixa de ser um meio para passar a ser um fim. Quando a fotografia deixa de ser tecnicamente um meio para mostrar qualquer coisa – que passa a ser acessória, porque o meio é que é importante –, neste caso já temos a possibilidade de olhar para a fotografia e achar que os meios passem a ser acessórios.

Onde fica a advocacia, no meio disto tudo?
Como não sou rico, tenho de trabalhar, tenho de fazer advocacia. Mas já tenho 58 anos e acho que já tenho o direito de começar a fazer menos advocacia e a fazer mais aquilo que me realiza pessoalmente. Já estou na advocacia há muitos anos, já passei por processos complicados e já tenho a minha dose que chegue de descrença relativamente ao sistema. E em Macau é fácil ter-se descrenças em relação ao sistema. Entretanto, tenho tido oportunidades na vida, como foi a última experiência que tive em Portugal no Ministério da Justiça, de ser parte activa em projectos de reforma significativos, como foi a questão da reforma do sistema judiciário. Mas também isso me deixa, apesar de tudo, um certo amargo de boca. Não sei como explicar. Sou muito devotado ao serviço público no sentido de me dar a ele, passe o auto-elogio, com alguma generosidade. Isso tem-me prejudicado. Aconteceu no princípio dos anos 2000, quando fui para a Ordem dos Advogados, e depois quando fui para o Ministério da Justiça, quando estourei completamente a possibilidade de fazer advocacia em Portugal porque me dediquei a um serviço público. Mas realmente, o sistema judiciário, tal e qual como está montado, é muito conflituante de interesses e, às tantas, é uma máquina trituradora muito complicada. Quando verdadeiramente me consigo libertar, e fugir um bocadinho, é ao ir por este caminho da fotografia, porque também se não o tivesse era capaz de morrer mais cedo e muito mais frustrado. Acho que tenho de dar continuidade a este projecto, tentando avançar para outro livro, dentro da mesma linha, possivelmente. E avançar também nos trabalhos de curadoria, porque há necessidade de darmos a conhecer muito trabalho que está a ser feito por aí. Na Ásia – na China e no Japão, que é uma fotografia que me tem influenciado muito –, temos gente a fazer fotografias de uma forma absolutamente deslumbrante e magnífica.


O desconcerto

[dropcap]H[/dropcap]á um chão, um chão de relva, e há um corpo estendido, aconchegado, num agasalho que inclui um capuz. Está ali um olhar que fixa a lente e que não se percebe o que diz. É um olhar enigmático, entre a surpresa, a solidão, o sono, o abandono. Ou talvez apenas a preguiça, o embalo, a fruição de qualquer coisa que aquela lente não nos quis mostrar. Não sei de quem são estes olhos, onde estavam eles deitados, se quiseram ali estar ou se ficaram assim por falta de opção. A imagem não me diz nada mais sobre este olhar. Viro a página e o resto da história não está lá, porque não é para estar.

Este livro é feito de imagens soltas que se entrelaçam, se se tiverem de relacionar. Às tantas, não é preciso andarmos constantemente à procura de uma história, nós que vivemos com pressa para chegar ao fim de qualquer coisa. Às tantas, é este o princípio esquecido da fotografia: o que há para ver é o que está naquele rectângulo, o que parou no tempo daquele modo, naquele momento, e o resto nada interessa. Às tantas, é só assim, tão simples e, sim, tão complicado, porque aquele olhar fixou-me também.

Viro a página e há outra história qualquer. E mais outra. E há umas escadas. E outras, tantas escadas para subir e descer, uma vertigem de imagens que são densas, escuras, neste livro há muita noite, pouco dia, talvez não pudesse ser de outra maneira. Chego ao fim e há um sorriso, um sorriso velho e desdentado, um sorriso sincero e malandro, como que a ler o que me vai na alma. O desconcerto. Este livro é um desconcerto. Não podia ser de outra maneira.

O livro é de João Miguel Barros, advogado, homem há muito ligado às artes, às letras, às publicações. O nome escreve-se nos jornais sobretudo por causa de outras causas, de outras palavras, do mundo mais encenado que cabe nos códigos e nas leis, nos órgãos de investigação criminal e nos tribunais, nas críticas e no cansaço, nos culpados e nos inocentes. Desta vez, o nome escreve-se nos jornais porque não há história, são muitas histórias, e não há palavras, só imagens.

Construímos mundos e é neles que nos movimentamos, num entediante exercício ao qual demos o nome de quotidiano. Andamos sempre à procura de uma história, nós que vivemos com pressa para chegar ao fim do texto, ao fim do livro, ao fim da rua. “Entre o Olhar e a Alucinação” é um convite a uma paragem, é uma descida vertiginosa ou uma escalada penosa, é um desafio para uma certa solidão. É um desconcerto, daqueles que fazem bem no meio do ruído dos dias. E depois são os olhos que se fixam, porque aquele olhar fixou-me também.

16 Fev 2017

Sistema judiciário | João Miguel Barros com livro no consulado

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] advogado João Miguel Barros lançou ontem o livro “Sistema Judiciário” no consulado-geral de Portugal em Macau e Hong Kong, o qual chama a atenção para a possibilidade de Macau vir a tirar partido da experiência vivida em Portugal, no âmbito da revisão da Lei de Bases de Organização Judiciária. O projecto, ainda em análise pelo Executivo, deveria ser alvo de uma revisão integrada, defendeu João Miguel Barros.
“São sistemas independentes, ainda que assentes na mesma matriz. Há uma diferença acentuada entre o que existe em Portugal e em Macau. Mas há uma metodologia que poderia ser utilizada em Macau e a mensagem que gostaria de passar é que podemos olhar para o sistema judiciário de Macau a partir de pressupostos diferentes daqueles que foram utilizados no passado, porque o sistema judiciário é uma unidade. Quando o legislador e as pessoas responsáveis pelas políticas públicas de justiça resolvem fazer reformas, normalmente tratam de partes do sistema e nunca olham para o sistema como um todo. É aí que pode ter algum interesse para Macau”, disse João Miguel Barros ao HM.
“Em Macau temos uma lei que tem alguns princípios mas tem situações que estão completamente desactualizadas e desajustadas daquilo que deve ser um sistema judiciário moderno. A lei precisa de ser alterada e muito modernizada, mas o grande erro é se se fizer a revisão dessa lei fora do contexto de análise do código processo civil e de outros códigos processuais e toda a parte tecnológica que pode ajudar a colaborar com os tribunais”, disse ainda.

Águas mansas

Se em Portugal a revisão da Lei de Organização do Sistema Judiciário originou um intenso debate da classe, desde advogados a juízes, em Macau o processo pode ser bem mais calmo. “Admito que estas propostas não sejam consensuais. Macau, mais do que Portugal, é uma terra que tem os processos de decisão muito próprios e estruturados, e não é fácil fazer alterações. A alteração que sugiro só foi possível em Portugal porque havia um poder político forte. Não acredito muito na capacidade de intervenção da AAM e os juízes não estão organizados como estão em Portugal. O processo de decisão é pouco participado”, rematou o advogado, que possui uma larga experiência em Portugal e na RAEM.

28 Jun 2016

Advogado João Miguel Barros lança livro sobre Sistema Judiciário português

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap] advogado João Miguel Barros lançou o livro “Sistema Judiciário Anotado” e a obra está já a ser distribuída. O conteúdo versa sobretudo sobre revoluções que Barros diz serem necessárias na Justiça portuguesa.
“É um livro técnico, generalista, quase de divulgação jurídica, mas que inclui também um texto introdutório sobre política de justiça, onde pretendo reflectir sobre a reforma a fazer no sistema judiciário e onde apresento seis propostas concretas (seis mini-revoluções) para a sua profunda alteração”, explica o autor, num comunicado enviado ao HM.
Durante a elaboração do livro, João Miguel Barros – advogado de Macau e ex-chefe de Gabinete do Ministério da Justiça em Portugal – fez um “cruzamento” entre a nova Lei de Organização do Sistema Judiciário (LOSJ) com as disposições mais importantes da Constituição Judiciária, dos Estatutos Profissionais, dos Códigos Processuais, “de alguma legislação substantiva e da jurisprudência mais recente”.
A experiência foi, admite, algo que ajudou na compilação da obra, um trabalho que o autor diz ter sido “árduo”, mas que considera valer a pena “por ter permitido alguns resultados interessantes” e por ser, acha, inédito.
“Aproveitando a experiência adquirida na fase de desenvolvimento da matriz conceptual da lei, em que estive profundamente envolvido, incluí no livro um conjunto vasto de comentários a diversos artigos da LOSJ, tentando contribuir assim para uma interpretação ‘autêntica’ de certas disposições mais controversas.

 Cometeram-se alguns erros no passado recente por falta de visão estratégica (não, não estou a falar da implementação da LOSJ porque isso são contas de outro rosário), mas agora é preciso ajustar o caminho e olhar em frente”, atira.
O livro, que começou a ser distribuído esta semana, foi editado pela Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa e o autor garante que lhe ocupou “uma boa parte do final deste ano”. Está à venda na livraria online da Associação, mas não está prevista a sua venda em Macau.

3 Dez 2015