Primeira exposição de um museu ocidental no Irão

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] exposição “O Museu do Louvre em Teerão – Tesouros das colecções nacionais francesas” abriu esta semana, no Museu Nacional do Irão, com uma selecção de 56 peças que marcam a história das colecções do museu francês.

No que o Louvre descreveu como a primeira grande exposição por um museu ocidental no Irão, a mostra reúne mais de cinco dezenas de peças de vários departamentos do museu mais visitado do mundo e do Museu Delacroix.

Os visitantes que marcaram presença durante a inauguração mostraram-se satisfeitos com a exposição, de acordo com relatos feitos à AFP.

“É espectacular. Nunca acreditei que iria ver tais obras de arte na minha vida”, disse Mehdi, um jovem estudante de contabilidade.

Por seu lado, o professor de música Kashayar Tayar considerou tratar-se de um “bom começo” e disse esperar mais exposições no futuro, que incluam obras de artistas iranianos.

As peças em exibição, correspondentes a diferentes épocas e civilizações, representam o “conhecimento da sociedade sobre outras culturas”, segundo referiu o director do museu iraniano, Yebrael Nokandeh, citado pela agência espanhola EFE.

Mostra diversificada

Por seu turno, o presidente do Louvre, Jean-Luc Martínez, afirmou que a mostra representa “a diversidade das coleções do museu” francês, desde a sua criação, em 1793, até às suas aquisições mais contemporâneas.

Como principais obras de arte romana, estão representadas na colecção, aberta ao público até 8 de Junho, uma estátua de Minerva do século II e um busto em mármore do imperador Marco Aurélio, do ano 170.

No centro de uma das salas do edifício, situado no centro de Teerão e desenhado pelo arquitecto francês André Godard, destaca-se uma esfinge egípcia do século IV a.C..

A exposição inclui, também, relevos assírios do século VIII e VII a.C. e obras religiosas europeias, como uma figura da Virgem com o menino e uma Anunciação do século XVII, do pintor italiano Giovanni Batista Salvi, conhecido como “Sassoferrato”.

Os responsáveis pelos museus concordaram com a ausência de obras iranianas na mostra, sublinhando que o conceito da exibição é “mostrar outras culturas”. As peças foram também seleccionadas com base nas diferentes técnicas, que vão desde a escultura à pintura e cerâmica.

A colecção, em exibição nos departamentos de Antiguidades Orientais e Arte Islâmica do museu iraniano, celebra o acordo, estabelecido em 2016, entre o Museu do Louvre e a organização do Património Cultural do Irão.

No âmbito desta colaboração, o Museu do Louvre irá apresentar, na sua sede em Lens, uma exposição que representa a arte na dinastia persa Qajar do século XIX.

Esta exposição surge após um longo período sem intercâmbios artísticos com o estrangeiro, devido às sanções internacionais que levaram ao isolamento do Teerão, finalizadas com o acordo nuclear assinado em 2015.

8 Mar 2018

Pequim reitera apoio ao acordo nuclear com o Irão

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]s EUA ameaçam denunciar o acordo. Mas a China entende que deve ser implementado exaustivamente.

A China reiterou o apoio ao acordo nuclear de 2015 com o Irão, depois de o Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ameaçar abandonar o pacto se não forem revistos “defeitos” do documento. O porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros da China, Lu Kang, citado pela agência de notícias estatal Xinhua, defendeu que as partes envolvidas devem gerir as diferenças e continuar a implementar o acordo de forma “exaustiva” e “efectiva”. E reiterou o apoio ao acordo nuclear, ao qual se referiu não só como uma conquista multilateral importante como também um exemplo para resolver os problemas internacionais através da via política e diplomática.

O acordo, assinado pelo Irão e pelos Estados Unidos, Rússia, China, França, Reino Unido e Alemanha, limita o programa atómico de Teerão em troca do levantamento de sanções internacionais. Na última sexta-feira Donald Trump assinou pela “ultima vez” a suspensão das sansões ao Irão que estão na base do acordo e disse que era preciso, com os aliados europeus, corrigir defeitos do acordo.

A advertência de Trump coincidiu com o anúncio de novas sanções contra 14 indivíduos e entidades do Irão, entre eles o chefe do Poder Judiciário, o ayatola Sadeq Larijani, medidas que não estão relacionadas com o acordo nuclear, senão com “graves” violações dos direitos humanos ou com a proliferação de armas.

A este respeito, Lu reiterou a oposição da China a “sanções unilaterais” contra outros países, e lembrou que a implementação do acordo é de grande importância para manter a paz e a estabilidade no Oriente Médio, bem como para salvaguardar a não proliferação nuclear a nível internacional.

A Rússia também já assegurou que pretende preservar o acordo com o Irão e advertiu que se os Estados Unidos abandonarem o pacto cometem “um erro muito grave”. “Faremos tudo o que depender de nós para preservar o acordo”, disse o vice-ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Serguei Riabkov, à agência Interfax, no sábado.

Trump considera que o actual acordo, concluído durante a presidência de Barack Obama, não evita o desenvolvimento de mísseis balísticos e não promove o respeito pelos direitos humanos.

15 Jan 2018

Conselheiro indiano em Pequim para discutir problemas na fronteira

A China não podia ser mais clara: a sua determinação em manter o território disputado é “inabalável”

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Conselheiro de Segurança Nacional indiano, Ajit Doval, esteve este fim de semana em Pequim, numa altura de renovada tensão entre a Índia e a China, em torno de uma área disputada nos Himalaias. Não houve declarações sobre o encontro entre Ajit Doval e o seu homólogo chinês, Yang Jiechi, mas os dois terão reunido, à margem de um fórum dedicado à segurança, do grupo de economias emergentes BRICS, que inclui ainda Brasil, Rússia e África do Sul.

Tropas indianas estão desde Junho no planalto de Doklam (Donglang, em chinês), uma área também reclamada pelo Butão, que mantém com a Índia uma cooperação próxima a nível de segurança, e onde a China está a construir uma estrada.

China e Índia, ambas potências nucleares, partilham uma fronteira com 3.500 quilómetros de extensão, a maioria contestada. Diferendos territoriais levaram a um conflito, em 1962, que causou milhares de mortos.

Durante a reunião, Doval afirmou que a discussão sobre questões de segurança faz parte dos esforços para “ajudar a paz e estabilidade globais”.

O grupo está sobretudo focado em questões económicas e comerciais e não tem um mecanismo formal para mediar disputas entre os seus membros, no âmbito da segurança.

Palavras ditas

A China exigiu a retirada de tropas indianas como condição para iniciar um diálogo, enquanto Nova Deli defende que ambos os lados se devem retirar. Ambos reclamam que contam com o apoio internacional na disputa.

Esta semana, o ministro chinês da Defesa avisou a Índia para não subestimar a determinação da China em salvaguardar o que considera território seu. A determinação de Pequim em defender o seu território é “inabalável” e é “mais fácil fazer tremer uma montanha do que fazer tremer o Exército de Libertação Popular”, afirmou Wu, usando o nome oficial do exército chinês. “Aqui está um lembrete para a índia: não abusem da sorte e não se agarrem a fantasias”, afirmou.

Na quinta-feira, o ministro indiano dos Negócios Estrangeiros, Gopal Baglay, recusou comentar os encontros de Doval em Pequim, mas disse que se deve lidar com o impasse pacificamente através do diálogo e “de forma a que não se torne numa disputa”. “Essa continua a ser a nossa posição e isso é exactamente o que dissemos no passado”, afirmou Baglay aos jornalistas.

Irão | Enviado especial na posse de Rouhani

[dropcap style≠’circle’]H[/dropcap]e Lifeng, enviado especial do presidente chinês Xi Jinping, participará da cerimónia de posse do presidente iraniano Hassan Rouhani em Teerão a 5 de agosto, anunciou na sexta-feira o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, Lu Kang. He, chefe da Comissão Nacional do Desenvolvimento e Reforma da China, participará na cerimónia a convite do governo iraniano, disse Lu, acrescentando que a China e o Irão gozam de uma relação amistosa e que em Janeiro de 2016, o presidente Xi fez uma visita de Estado àquele país, durante a qual as duas partes anunciaram que estabelecerão uma parceria estratégica integral. A China dá grande importância às relações com o Irão e trabalhará com o país para fortalecer a amizade e aprofundar a cooperação prática, disse o porta-voz.

BRICS | Por um “ novo tipo de relação internacional”

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap] Presidente chinês, Xi Jinping, disse que aumentar a cooperação do BRICS não só protege e expande os interesses dos países do bloco, mas também ajuda a explorar caminhos para construir um novo tipo de relações internacionais. Xi fez o comentário quando se reuniu com o secretário do Conselho de Segurança Nikolai Patrushev (Rússia), o ministro de Segurança do Estado David Mahlobo (África do Sul), o conselheiro de Segurança Nacional Ajit Doval (Índia), e o ministro de Segurança Institucional Sérgio Etchegoyen (Brasil), que estão em Pequim para participar na 7ª reunião dos altos representantes do BRICS sobre assuntos de segurança. Xi felicitou o sucesso da reunião de dois dias, dizendo que o evento fez importantes preparações para a cimeira do BRICS que será em Setembro na cidade de Xiamen, sudeste da China.

Trabalho | Menor desemprego urbano dos últimos anos

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] taxa de desemprego registado nas cidades chinesas fixou-se em 3,95% no fim do segundo trimestre, o nível mais baixo nos últimos anos, segundo os dados oficiais. A China criou 7,35 milhões de empregos no primeiro semestre do ano, 180 mil a mais que no mesmo período do ano passado, anunciou nesta sexta-feira o Ministério dos Recursos Humanos e da Segurança Social. A taxa de desemprego registado é calculada com base no número das pessoas desempregadas que se registaram nas autoridades de recursos humanos ou instituições de serviço de emprego.

31 Jul 2017

EUA e China decidem cooperar para reduzir défice comercial

Cem dias. Foi o prazo estabelecido de criação de um plano económico para parcerias entre China e Estados Unidos quando os presidentes dos dois países, Xi Jinping e Donald Trump, se encontraram em Abril. Alguns acordos iniciais foram rascunhados, mas nada efectivo saiu do papel. O prazo de 100 dias acaba no domingo e representantes dos dois países encontraram-se esta semana para discutir uma efetiva ampliação nos negócios.

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]s Estados Unidos e China acertaram nesta quarta-feira cooperar para a redução do défice comercial, na primeira ronda de negociações económicas bilaterais desde o início da presidência de Donald Trump, informou Washington no fim do encontro.

O secretário de Comércio, Wilbur Ross, e o seu colega do Tesouro, Steven Mnuchin, iniciaram as conversações entre as duas principais economias mundiais com exigências de uma relação mais “justa, equitativa e recíproca”. A parte americana exigiu mudanças depois de sublinhar que as exportações chinesas para os Estados Unidos cresceram mais de 200% nos últimos 15 anos e alimentam um défice comercial de 309 mil milhões de dólares em 2016.

Mas Ross e Mnuchin escolheram um tom mais moderado no fim das conversações com a delegação chinesa, liderada pelo vice-primeiro-ministro Wang Yang. “A China reconheceu o nosso objetivo compartilhado de reduzir o défice comercial, no qual os dois lados trabalharão cooperativamente”, declararam Ross e Mnuchin.

“Os princípios de equilíbrio, equidade e reciprocidade em matéria de comércio guiarão a posição americana para que possamos oferecer aos trabalhadores e aos empresários americanos a oportunidade de competir em igualdade de condições”.

Wang sugeriu aos Estados Unidos que não pressione excessivamente, sublinhando a importância do “diálogo” sobre a “confrontação”. “Não precisamos que um derrote o outro nas discussões sobre as nossas divergências. O confronto prejudicará os interesses de ambos”.

No seu discurso, Wang afirmou que “há um enorme mercado potencial na China para as exportações americanas de tecnologia avançada; equipamentos e peças, mas, lamentavelmente, as empresas americanas não pegam nessa parte do bolo devido a controlos obsoletos de exportações nos Estados Unidos”.

A legislação americana restringe a venda de alguns componentes de alta tecnologia quando existe a possibilidade de que sejam utilizados para fins militares.

Ao abrir as discussões, Ross declarou que o défice poderia ser entendido “se fosse apenas resultado natural das forças do livre-mercado, mas não é isso”. “Já está na hora de reequilibrar nossas relações de comércio e investimentos”.

Steven Mnuchin avaliou que é preciso “trabalhar juntos para maximizar os benefícios às duas partes (…) e isso apenas será possível com uma relação mais justa e equilibrada entre Estados Unidos e China”.

“Isso significa resolver os desequilíbrios provocados pela intervenção chinesa na economia”, disse, completando: “Uma relação mais equilibrada vai gerar prosperidade para os dois países e para o mundo”.

Promessas de Trump

O intuito de Donald Trump é conseguir diminuir o défice comercial americano com a China, que acredita ser nocivo para a economia dos Estados Unidos e para os produtos fabricados no seu país. As conversações, até agora, já promoveram, por exemplo, o regresso das vendas de carne para a China, paradas há 14 anos. A China também tem demonstrado interesse em adquirir produtos de gás natural liquefeito dos Estados Unidos.

A reunião de Washington, um encontro que acontece todos os anos entre oficiais dos dois países, mudou de nome para Diálogo Económico Compreensivo, e deve trazer mais novidades em torno das parcerias.

O secretário de comércio, Wilbur Ross, recebeu empresários americanos e chineses para discutir o comércio internacional entre os dois países. Mais de 20 líderes de negócios, como o presidente do Alibaba, Jack Ma, e o cofundador do grupo de investimento Blackstone, Stephen Schwarzman, participaram das conversações. Os participantes discutiram os problemas das barreiras comerciais e fizeram uma lista de sugestões aos oficiais do governo.

A questão é primordial num momento em que exportadores americanos, principalmente em indústrias como tecnologia da informação e robótica, estão preocupados com o expansionismo chinês — a China chama esse mercado de “indústria em estratégica emergência”. Enquanto Trump caça paliativos para agradar aos seus eleitores, os chineses continuam a investir para exportar tecnologia de ponta não só para os Estados Unidos, mas para todo o mundo.

Irão | China solicita cumprimento de acordo nuclear

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap] China pediu confiança mútua e responsabilidade de todos os lados para salvaguardar e realizar o acordo nuclear do Irã de 2015, agora que os Estados Unidos colocaram novas sanções em 18 entidades e indivíduos ligados ao programa de mísseis balísticos do Irã e outras actividades não-nucleares na terça-feira.

“Todos os lados têm a responsabilidade de salvaguardar e realizar o acordo nuclear do Irão”, disse Lu Kang, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores.

A China opõe-se resolutamente a qualquer tipo de actividade de proliferação nuclear e sempre se opôs à chamada “jurisdição de longo alcance” por qualquer país com base na sua legislação nacional, de acordo com Lu. “A cooperação internacional eficaz depende da necessária confiança mútua de todos os lados”, afirmou.

Referindo-se ao acordo nuclear como “um importante resultado multilateral” e “um paradigma” para a solução de questões internacionais através de meios políticos e diplomáticos, Lu disse que desde o lançamento do acordo dois anos atrás, o Irão implementou “sinceramente” medidas relevantes e fortaleceu o comércio económico e cooperação comercial com diferentes países, o que está de acordo com a vontade da comunidade internacional.

21 Jul 2017

Sanaz Fotouhi, co-produtora de “Love marriage in kabul”: “A política não vai criar a paz”

Co-produziu um filme que aborda a questão dos casamentos arranjados no Afeganistão, mas também escreve. “Love Marriage in Kabul” foi o passaporte para Sanaz Fotouhi vir a Macau participar no festival Rota das Letras. Com o HM conversou sobre o Afeganistão do pós-guerra e de como os padrões ocidentais de liberdade trazem pressão às mulheres do Médio Oriente

[dropcap]Q[/dropcap]Qual a história que está por detrás do documentário “Love Marriage Kabul”? Como é que chegou a esse projecto?
Na realidade, é uma história longa. Quando decidimos [Sanaz trabalhou com Amin Palangi e Pat Fiske] fazer o filme não era para ser este em particular. Em 2006, decidimos fazer um filme sobre o Afeganistão, então viajámos para lá e procurámos por temas interessantes. Deparámo-nos com um assunto terrível, as mulheres que se imolam, como tentativa de suicídio. Mas a curta-metragem, intitulada “Hidden Generation [Geração Escondida]”, continha um assunto tão horrível que as pessoas não se identificaram e, surpreendentemente, o filme não correu assim tão bem, porque não houve essa identificação. Decidimos fazer algo mais positivo. Demorámos alguns anos a pesquisar sobre este assunto, queríamos encontrar uma história feliz. Só depois de ter acesso a esta organização [Mahboba’s Promise] é que descobrimos a história perfeita para fazer o filme.

É difícil encontrar histórias felizes junto das mulheres do Médio Oriente?
Penso que não é difícil, há muitas histórias. É difícil, isso sim, ter acesso às histórias. Sabemos que elas existem, mas o que é mais difícil é estabelecer esse contacto para que as pessoas contem as suas histórias.

As pessoas têm medo de contar ou consideram que muitos dos casos que ocorrem são normais?
É uma questão cultural. O Médio Oriente tem sociedades muito segregadas, a diferença entre o que é público e privado é muito clara. Assuntos como o casamento, ter filhos, suicídio, são coisas muito pessoais, sobre as quais as pessoas não querem falar, sobretudo com alguém estrangeiro. Por isso é que ajudou bastante o facto de ser mulher para fazer este filme. O meu parceiro é o director do filme, mas é um homem [Amin Palangi] e não conseguiu ir a sítios onde eu conseguia ir. Então o meu papel para obter as histórias das mulheres foi muito importante.

Este filme teve uma grande projecção internacional. Isso é fundamental para mostrar ao mundo o que está a acontecer com as mulheres no Médio Oriente?
Sim. Quisemos sobretudo mostrar às pessoas que a vida continua, que as pessoas conseguem viver para além da guerra [do Afeganistão], algo que tem vindo a acontecer de forma contínua nos últimos anos. Com o “Hidden Generation” quisemos mostrar a ocorrência de um problema, era urgente e importante, mas como era muito errado, não havia uma conexão com as pessoas. Mas “Love Marriage in Kabul” tem uma história que todos gostam, todos se apaixonam por ela. Por isso é que as pessoas se identificam mais com este filme.

Nasceu no Irão. Por que decidiu fazer um filme no Afeganistão?
Em parte foi coincidência. O meu pai trabalhou no Afeganistão, em Cabul, então ficámos fascinados com o país. E depois é muito mais fácil fazer filmes no Afeganistão do que no Irão (risos).

Devido à censura?
Sim e também porque precisamos de muitas coisas, permissões, pedidos. No Afeganistão podemos ir simplesmente aos sítios.

Há ainda uma repressão em relação à mulher iraniana?
Para quem vive fora do Irão, ter acesso à realidade do país pode ser surpreendente, porque as mulheres na verdade têm bastante poder e têm vindo a ganhá-lo nos últimos anos. Olhando para os números de acesso às universidades, há mais mulheres do que homens, as mulheres são poderosas nos negócios, são educadas, têm uma voz. A situação é boa se compararmos com outros países vizinhos.

Como a Arábia Saudita, por exemplo.
Sim. Não posso comparar com o Afeganistão, porque o país ainda está a recuperar da guerra. É preciso tempo para recuperar. Mas, comparando com a Arábia Saudita, sem dúvida que a vida é melhor. Há grandes diferenças.

E no Afeganistão? A sociedade está a recuperar no sentido certo?
As coisas têm vindo a melhorar. Quando visitámos o país em 2006, e quando voltámos em 2009, e depois em 2013, fomos observando muitas mudanças. Logo a seguir à saída dos Talibã o país não tinha quaisquer infra-estruturas. Não havia telefones, bancos, tudo foi destruído. Gradualmente fomos vendo uma melhoria na sociedade. Mas, ao mesmo tempo, penso que a situação das mulheres ficou diferente. No filme “Hidden Generation” investigámos as razões pelas quais as mulheres se tentavam imolar. E surpreendentemente as mulheres começaram a fazer essas tentativas depois da saída dos Talibã. Pensávamos que as coisas seriam piores durante o Governo Talibã, mas descobrimos que, com a sua saída, novas coisas começaram a aparecer no país. As mulheres ficaram expostas a novas ideias, mas houve muita pressão.

Não sabiam como lidar com essas ideias.
Não sabiam. Quando os Talibã saíram, a televisão voltou ao Afeganistão. Então as mulheres começaram a assistir a filmes Bollywood e a ver coisas diferentes, mulheres a exporem-se. Muitas pessoas decidiram ir para países como o Paquistão ou o Irão porque a guerra acabou, mas depararam-se com situações de pobreza, também com muita pressão. Depois da guerra começou a surgir também a influência de muitas organizações não-governamentais (ONG) que chegaram ao Afeganistão e começaram a dizer que era preciso dar liberdade às mulheres. Mas a liberdade foi imposta segundo padrões ocidentais. O que percebemos é que podemos ensinar isso às mulheres, mas os homens não estão preparados para ter isso na sociedade. As mulheres podem começar a protestar, mas os homens vão dizer “cala-te e senta-te”. É uma situação extremamente complexa. Não podemos culpar os homens directamente, porque para eles é uma forma de protecção, não sabem lidar com isso.

Como se pode criar então uma liberdade com padrões adaptados ao Médio Oriente, aos seus usos e costumes?
A liberdade é uma coisa relativa. Há diferentes padrões de liberdade. É muito difícil abordar isto porque a liberdade dos países ocidentais é muito diferente da liberdade do Médio Oriente. Há uma enorme diferença cultural. Não acho que a comunidade internacional seja responsabilizada por trazer essa liberdade. Temos é de criar compreensão para que as pessoas possam avançar para isso sem qualquer tipo de críticas. Essa é a solução.

É necessário então uma maior promoção dos ideais e mais acções de educação.
Mais do que as ONG, penso que as histórias são importantes, a arte é importante. Acho que a política não vai criar a paz, é apenas sobre benefícios materiais. Exposições, fotografias, filmes, são uma boa forma de criar essa conexão.

A sua família estava no Irão em 1979. Como viveram a revolução?
A minha história é diferente, porque eu não cresci no Irão. Vivi no Japão, na América, em Hong Kong. O meu pai era bancário e não me considero a típica mulher iraniana. Mas sim, a minha família estava no país nessa altura, viram tudo de fora, não eram propriamente apoiantes do que estavam a acontecer, não se envolveram nessa questão. O meu pai sempre trabalhou em vários países.

Sente-se afortunada pelo facto de não ter vivido no Irão? Isso deu-lhe maior liberdade para fazer coisas?
Essa é uma pergunta interessante, nunca pensei sobre isso. A minha história é única. Sinto que faço mais coisas, e não apenas em relação às mulheres no Irão. Mas isso não tem que ver com o facto de ser iraniana, mas sim com o meu estilo de vida, com o facto de viajar tanto.

Que projectos pretende desenvolver a seguir?
Estou a trabalhar num livro sobre este filme, estou à procura de uma editora. É sobre os bastidores do filme, mas também sobre a minha perspectiva enquanto mulher no Afeganistão. Também sou directora-geral da Asia-Pacific Writers and Translators (Escritores e Tradutores da Ásia-Pacífico).

14 Mar 2017

Abbas Kiarostami | Cineasta iraniano morreu segunda-feira

Em ano de despedidas, Abbas Kiarostami não resistiu a um cancro. O dia 4 de Julho foi a data em que o artista multifacetado morreu, aos 76 anos, em Paris. Mais conhecido enquanto realizador, o iraniano marca a sua carreira com prestígio feito longe dos blockbusters e assina cada filme com uma identidade única, numa poesia que confunde documentário e ficção

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]bbas Kiarostami morreu aos 76 anos em Paris, vítima de cancro. Tinha regressado à cidade luz para prosseguir com o tratamento à doença que o consumia. Uma semana antes estava no Irão, país que deu vida a muitas das suas obras primas no cinema, e do qual não se queria separar. Para Kiarostami, deixar de realizar na sua terra era perder as raízes que constituíam a sua essência e a da sua criação. Mas foi também esta terra que o baniu e, quiçá, com isso permitiu ao mundo conhecê-lo melhor.
Kiarostami tem a sua formação e trabalho marcados pela poesia, pintura, artes gráficas e fotografia. Uma mescla que, no seu conjunto, contribuiu para o que dele se pode ver no grande ecrã. É ponto comum na crítica internacional ser o criador de um cinema completo, em que cada produção que dirige tem um lugar preciso na história em que se insere.
Com formação nas Belas Artes de Teerão, estreia-se enquanto realizador com a curta-metragem “O Pão e o Beco” em 1970, à qual se segue “O Viajante” em 1974. Esta última, já longa metragem, conta a história de um rapaz que abandona a sua aldeia natal e percorre 500 quilómetros para ir assistir a um jogo de futebol em Teerão. Está lançada a semente do “filme retrato”, que acompanhará a vida e obra do realizador e que se passava, ainda, numa monarquia.
Assiste à Revolução Islâmica em 79 e foi com “Onde é a Casa do Amigo?” , em 87, que viu os seus trabalhos começarem a ser presença nos grandes festivais de cinema. O uso da criança e de temas delicados num país agora movido por tensões inerentes ao novo regime, conferem a Abbas um realismo característico que documenta a realidade à sua volta, num misto de ficção e documento.
“Onde é a Casa do Amigo?” junta-se a “Vida e Nada Mais” em 1991 e a “Através das Oliveiras”, em 1994. Um conjunto de três filmes que integram a conhecida “triologia Koker”, unida pelo lugar onde se passam os argumentos, e que continuam a afirmar um neo-realismo cinematográfico particular ao realizador. Falam de um Irão conturbado, real, escondido. De temas tabu, de questões que movem ou prendem a sociedade contemporânea. Um país que vacila entre a tradição e uma modernidade que lá não chega e que não pode chegar. Polémicos na terra que os produz, são filmes banidos das salas de cinema, bem como o nome Kiarostami.

A cereja de ouro

Apesar dos obstáculos, o realizador continua a produzir e, reza a história, envia uma cópia clandestina do “Sabor da cereja” para o Festival de Cannes em 1997. Um filme que trata agora do suicídio. Mais um tema delicado no lugar onde foi feito. Se a cereja se transformou em Palma de Ouro, trouxe agora a proibição total em filmar no Irão. Filmes posteriores como “Cópia Fiel” de 2010, que conta Juliette Binoche ou “Um Alguém Apaixonado”, de 2012, já foram rodados por outras paragens.
Mas Abbas Kiarostami não vai sem deixar um adeus. “Marcher avec le vent” é o filme de 2016, que marca o fim da carreira de um dos grandes génios do cinema do Séc. XX e que ficará com certeza para tempos vindouros.

8 Jul 2016