Hoje Macau EntrevistaCarlos Melancia sobre relações entre Macau e Lisboa: “Proximidade de Portugal está pior” Governou Macau entre 1987 e 1990 e ficou para a história graças ao polémico caso do fax. Anos depois, e em entrevista à Lusa, Carlos Melancia entende que Lisboa está mais distante de Macau do que no passado e que a China deveria ter feito outro tipo de investimentos no país [dropcap]A[/dropcap]fastado dos holofotes e com 92 anos de idade, Carlos Melancia, Governador de Macau entre 1987 e 1990, deu uma entrevista à Lusa sobre a celebração dos 32 anos da assinatura da Declaração Conjunta entre Portugal e a China, relativa aos destinos da futura RAEM. Uma das críticas que apontou diz respeito à proximidade de Portugal a Macau, que “nunca foi suficiente e hoje está pior do que esteve no passado”, apesar das inúmeras visitas oficiais de governantes portugueses nos últimos anos. Quando passam também 20 anos após a transferência da Administração, Melancia admite que Portugal mantém Macau no esquecimento político. “Portugal tem vindo a desprezar a potencialidade” que a sua ainda presença em Macau representa, num contexto em que Pequim quer transformar o território numa plataforma de ligação aos países de Língua Portuguesa, disse o antigo governador, que lembrou o papel da Comunidade dos Países de Língua Oficial Portuguesa (CPLP) “Teoricamente quem lidera esse processo da CPLP, na minha perspectiva, é mais Macau e a China, por detrás de Macau, em termos formais, do que Portugal em termos objectivos. Claro que de vez em quando acabamos por fazer coisas”, afirmou. “Na prática o que quero dizer é que a sede da CPLP está em Macau”, graças ao peso que a China tem nos vários países da organização. Para o antigo Governador, Portugal tem de afirmar a sua presença diplomática em Macau “para dar um ar de que lidera a potencialidade que a China reconhece que existe” na CPLP, defendeu. “Pequim olha para a CPLP como um património de origem portuguesa” e Lisboa deve afirmar essa autoridade natural, disse, recordando que a “China é dos poucos países do mundo capaz de racionar a cinquenta anos”. Por isso, “a China olha para os portugueses como os senhores que têm ‘know how’, tem a Torre do Tombo e institutos e pessoas que têm conhecimento dos recursos mineiros de Angola e outros” países, salientou. Neste contexto, Portugal deve tirar partido disso, defendeu. “Se é a China que de facto bate palmas em relação à existência da CPLP, nós temos que fazer um esforço para mostrar que, de facto, tem razão para o fazer e que de facto nós temos conhecimentos suficientes para ajudar a essa ligação e tirar partido disso”, reafirmou. Carlos Melancia lembrou ainda que a expansão que o português tem tido nos últimos anos na China tem a ver com a relação de Portugal com os países lusófonos. Investimentos ao lado O ex-Governador de Macau afirmou ainda que a China escolheu Portugal para ter “um pézinho na Comunidade Europeia”, mas o investimento que faz “não é o mais desejado”, criticando os governos portugueses por aceitarem essa decisão. “A China escolheu, entre outras coisas, Portugal para ter um pézinho na União Europeia (UE), antes que os Estados Unidos fizessem acordos com a Europa”, afirmou Carlos Melancia. Mas na sua opinião poderia ter feito melhor no modo. “Poderia fazê-lo melhor, com investimento de raiz”, realçou, sublinhando: “as participações financeiras que a China realizou em Portugal não são aquelas que do meu ponto de vista seriam as mais desejadas”. Como exemplo, o antigo governador de Macau aponta a compra de uma participação na EDP, por parte da gigante chinesa China Three Gorges: essa opção “não cria postos de trabalho. Quando muito resolve um problema financeiro, se for caso disso”. O Governo português, na sua opinião “o que tem feito até hoje é aceitar que as empresas chinesas tomem conta da saúde”, por exemplo, mas sem investimento directo. Enquanto que “o que seria útil era isso” para o país, defendeu. “Se isto não foi tratado [nas relações diplomáticas entre os dois países] deveria ter sido abordado”. Em relação à visita do Presidente da China a Portugal, Xi Jinping, já no final de 2018, Carlos Melancia considerou que o líder chinês tem Lisboa como um parceiro preferencial e que o Executivo português deveria ser mais eficaz e exigente nessa gestão. “Uma visita desta natureza só reforça a minha teoria de que a China apostou que um dos parceiros que lhe interessa para ter um pé na Europa é Portugal”, disse.
Andreia Sofia Silva Manchete SociedadeFaleceu o embaixador João de Deus Ramos, antigo membro do Governo de Carlos Melancia [dropcap]O[/dropcap] embaixador João de Deus Ramos, antigo secretário-adjunto para os Assuntos de Transição no executivo de Macau, faleceu esta segunda-feira e as cerimónias fúnebres realizam-se na quinta-feira, confirmou à Lusa fonte oficial do Ministério dos Negócios Estrangeiros português. O antigo secretário-adjunto para os Assuntos de Transição do executivo de Macau, quando este foi liderado por Carlos Melancia, faleceu em Lisboa, tendo a notícia sido avançada pela Rádio Macau. Segundo a mesma fonte do Ministério dos Negócios Estrangeiros, as cerimónias fúnebres realizam-se na Basílica da Estrela, em Lisboa, na próxima quinta-feira. O velório começa às 10h00 e a missa de corpo presente realiza-se às 14h00 na mesma igreja. João de Deus Ramos foi também membro da delegação que negociou com a China a Declaração Conjunta e fez parte do Grupo de Ligação Conjunta. O diplomata foi ainda responsável pela abertura da embaixada portuguesa em Pequim, em fevereiro de 1979, quando Portugal retomou as suas relações com a China. Com licenciatura em Direito pela Universidade Clássica de Lisboa, João de Deus Ramos foi também embaixador no Paquistão e administrador da Fundação Oriente. Uma figura incontornável Ao HM, Arnaldo Gonçalves, académico e assessor do Governo de Macau entre 1988 e 1997, referiu que João de Deus Ramos foi um dos nomes mais importantes para a diplomacia portuguesa. “Convivi com ele em Macau e depois quando regressei a Portugal, em 1997, em actividades em que participei. É dos embaixadores mais relevantes da nossa diplomacia pelo contributo que deu na negociação da Declaração Conjunta e para o acompanhamento do dossier Macau. Teve uma relevância bastante grande na questão de Macau e na vida pública portuguesa, lidou com vários presidentes da República e tem várias obras escritas, incluindo sobre Macau. Acho que é uma personalidade incontornável do nosso período histórico e da relação estreita entre Portugal e a China. É com muita pena que o vejo desaparecer mas a vida é mesmo assim.” Já o historiador Jorge Morbey acredita que a função mais difícil que João de Deus Ramos desempenhou foi quando desempenhou o cargo de secretário-adjunto do Governo de Carlos Melancia. “Ele esteve à altura da missão que lhe foi confiada nas diversas funções que desempenhou. As funções de secretário-adjunto para a transição foram as mais difíceis que ele desempenhou, durante o Governo do engenheiro [Carlos] Melancia. Era uma função absolutamente difícil porque os assuntos da transição eram transversais a todo o Governo e a todo o território e sua população. Ele fez o que foi possível fazer nesse contexto.”
José Simões Morais h | Artes, Letras e IdeiasTomada de posse e despedida dos Governadores [dropcap style≠’circle’]D[/dropcap]ebruçámo-nos já sobre o Bastão de Comando entregue ao Governador e os bastões dos vereadores e ouvidor. Agora prosseguimos, descrevendo a pompa das cerimónias de uma tomada de posse e despedida de Governador. Em 24 de Janeiro de 1851, “o Governador Conselheiro Capitão-de-Mar-e-Guerra, Francisco António Gonçalves Cardoso, nomeado, por decreto de 17 de Outubro de 1850, para suceder ao Conselheiro Capitão-de-Mar-e-Guerra Pedro Alexandrino da Cunha, que falecera em Macau [a 6/7/1850, após 37 dias como Governador], veio de Hong Kong, onde se hospedara em casa de Eduardo Pereira, a bordo da corveta D. João I. O desembarque efectuou-se no dia 26, ao meio-dia, no cais chamado do Governador [situado na Praia Grande]. Após a recepção no Palácio do Governo, o novo Governador ouviu missa na capela do Palácio. À noite, às 7.00 horas, realizou-se um jantar com a assistência dos membros do Conselho do Governo e da Câmara Municipal, cônsules, comandantes das corvetas e fortalezas, autoridades e vários empregados públicos. Foi investido na posse do governo desta Colónia, em [3 de] Fevereiro de 1851, pelas cinco horas da tarde, na porta principal da Fortaleza de S. Paulo do Monte, entregando-lhe o [Bispo D. Jerónimo da Mata, Presidente do] Conselho do Governo a chave da dita fortaleza e o bastão e com eles a posse do Governo desta cidade com todas as artilharias e armas, apetrechos e munições de todas as fortalezas da guarnição. Depois da posse, o Governador dirigiu-se à Igreja da Sé, onde depositou o bastão aos pés da Nossa Senhora da Conceição e onde se cantou um solene Te-Deum, seguido de recepção no Palácio do Governo”, segundo Luís Gonzaga Gomes. E com este ilustre macaense, pelas suas Efemérides, continuamos: em 19 de Novembro de 1851, “o Capitão-tenente da Armada Isidoro Francisco Guimarães desembarcou às 15.00 horas, sendo recebido pelo Governador cessante Francisco António Gonçalves Cardoso e demais autoridades. Após a recepção, no Palácio do Governo, o Governador cessante dirigiu-se à Sé, para buscar o bastão que havia depositado aos pés de Nossa Senhora da Conceição, dirigindo-se, em seguida, ao Monte, seguido das autoridades. Após a entrega do bastão e das chaves da Fortaleza e troca de discursos, dirigiram-se os dois governadores para o Leal Senado, a fim de o novo Governador assinar o auto da posse, findo o qual voltou à Sé, para depositar novamente o bastão aos pés da Nossa Senhora da Conceição. Isidoro Francisco Guimarães, durante os anos da sua inteligente e próspera governação, conseguiu restaurar por completo o estado financeiro da província que, encontrando-se em 1852 deficitário, em 48.309 patacas, apresentou, em 1862, um saldo de 104.633 patacas”. Descrição oficial do acto de posse Sobre este mesmo assunto, no Boletim do Governo na “parte não oficial, Macao, Sábado, 22 de Novembro de 1851. No dia 19 do corrente, teve lugar a entrega do Governo de Macau, determinada nos actos oficiais que deixamos transcritos. Às oito horas da manhã desse dia embandeiraram as Fortalezas da Cidade, e próximo às três da tarde desembarcou nestas praias o novo Governador nomeado, o Exmo. Sr. Isidoro Francisco Guimarães Júnior, sendo recebido no cais pelo Governador antigo, o Exmo. Sr. Francisco António Gonsalves Cardoso, Juiz de Direito da comarca, Secretário do Governo, Ajudante de Ordens, Autoridades civis e Militares, Oficialidade do Batalhão Provisório, & c. e pelo Batalhão de Artilharia, formado em parada, que fez a devida continência. A Fortaleza de S. Francisco lhe havia salvado na passagem, bem como a corveta ao sair dela S. Exa. recebeu com a maior afabilidade as felicitações que lhe dirigiam. Depois partiu o Governador Cardoso para a Sé a buscar o Bastão que havia depositado aos pés de Nossa Senhora da Conceição e de lá dirigiu-se para o Monte, seguido das Autoridades, e da mesma forma foi postar-se em proximidade daquela Fortaleza o Batalhão de Artilharia. Depois das quatro horas chegou o novo Governador, acompanhado da Oficialidade do navio que acabava de comandar, a qual lhe queria testemunhar a sua respeitosa afeição seguindo-o de perto, por cujo motivo o mesmo Exmo. Sr. caminhou a pé até ao Monte. À porta da dita Fortaleza teve lugar a entrega do Bastão, pronunciando o Exmo. Dr. Cardoso, estas palavras: <Há nove meses que por ordem de Sua Majestade tomei conta do Governo desta Província, encargo este muito superior às minhas forças. Neste mesmo lugar recebi das mãos do Conselho do Governo este Bastão de Comando e tenho feito até hoje quanto é humanamente possível para desempenho da difícil empresa que me foi confiada e para prosperidade e bem-estar dos honrados habitantes de Macau: que tudo é pouco quanto se faça por este nobre povo. Entrego com muita honra nas mãos de V. Exa. o Bastão e a Chave desta Fortaleza, que me estavam confiados e espero das virtudes e vastos conhecimentos de V. Exa. ajudado de assíduo trabalho, e de coadjuvação dos habitantes desta Cidade, que seja feliz o Governo de V. Exa. e torne próspera a sorte de Macau>. O Exmo. Sr. Guimarães respondeu assim, <Exmo. Sr. Conselheiro Cardoso! Tenho muita honra em receber das mãos de V. Exa. as Chaves desta Fortaleza e este Bastão, insígnia da autoridade superior da Província de Macau, que o Governo de Sua Majestade e Rainha Nossa Augusta Soberana, me confia. Sinto que uma importante Comissão de serviço público, em que o Governo da Rainha tem de empregar a V. Exa. prive os dignos habitantes de Macau da fortuna de continuarem sob o Governo de V. Exa. – Governo a que V. Exa. se tinha dedicado com tanto acerto e tão incansável zelo e actividade. Permita-me V. Exa. que eu o felicite, ou antes a mim próprio e aos habitantes de Macau pelos brilhantes resultados que tem coroado tão nobres esforços como aqueles que V. Exa. tem empregado no melhoramento deste Estabelecimento. Posto que V. Exa. me lega uma empresa muito superior às minhas forças, é de justiça confessar que ela é hoje muito mais leve do que quando V. Exa. a tomou sobre si, neste mesmo lugar, ainda não há dez meses. Agradeço os votos pela felicidade do meu Governo, que V. Exa. acaba de fazer e creio tão sinceros, quanto é verdadeiro o interesse que V. Exa. sente por tudo que tem o nome de Português>. Depois, tornou a entregar as Chaves ao Comandante da Fortaleza dizendo-lhe: <Sr. Major. Entrego a V. Senhoria as Chaves e o Governo desta Fortaleza e estou certo que V. Sa. se haverá na guarda e defesa da Cidade de Macau, como cumpre a um militar bravo e honrado e como convém à honra da Bandeira Portuguesa>. Em seguida foram os dois Governadores e o Leal Senado assinar o auto da Posse; e o Exmo. Sr. Guimarães voltou a depositar na Sé, aos pés da Padroeira do Reino, o Bastão da Governança.” Cinco dias depois, a 24 de Novembro de 1851 o ex-Governador Francisco António Gonçalves Cardoso embarcou na corveta D. João I para Hong Kong, daí seguindo para a metrópole no vapor da mala.
Hoje Macau SociedadeEx-governadores de Macau têm as maiores pensões vitalícias [dropcap style=’circle’]V[/dropcap]asco Rocha Vieira e Carlos Melancia, antigos governadores de Macau, são os que recebem as mais altas subvenções vitalícias do Estado português. É o que mostra uma lista que a Caixa Geral de Aposentações foi obrigada a revelar pela primeira vez, de acordo com a rádio Macau. O canal avança que, no total, há 332 beneficiários mas os dois que governaram Macau destacam-se dos restantes: o valor mais elevado – de 13.607,21 euros – é atribuído a Vasco Rocha Vieira, com o último governador de Macau a receber a subvenção vitalícia desde o ano 2000. Tem uma redução parcial, não se sabendo de quanto. Segue-se Carlos Melancia, que recebe a subvenção de 9727,42 euros por inteiro, desde Julho de 1998. A rádio avança ainda que outro nome com ligações ao antigo governo português de Macau é o de Jorge Rangel. O antigo secretário-adjunto para a Administração, Educação e Juventude recebe 6633,86 euros desde Julho de 2000. Luís Marques Mendes, ex-deputado do Partido Social Democrata, foi o único político que suspendeu a subvenção (3311 euros, atribuídos em 2012) por iniciativa própria. Na lista, que não inclui ex-Presidentes da República nem ex-titulares de cargos políticos na Região Autónoma da Madeira, figuram três ex-primeiros-ministros: José Sócrates, António Guterres e Pedro Santana Lopes. A Guterres foi inicialmente atribuída uma subvenção de cerca de quatro mil euros, embora se encontre parcialmente reduzida. Pedro Santana Lopes receberia 2200 euros caso não estivesse a exercer o cargo de provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. Já José Sócrates recebe 2372 euros mensais, valor que lhe foi atribuído em Junho deste ano. No total, os 332 responsáveis que recebem subvenções vitalícias custam 8,7 milhões de euros por ano ao estado português. A divulgação da lista acontece depois de um jornalista ter apresentado queixa à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA) contra o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, que tem a tutela da Caixa Geral das Aposentações. O parecer da CADA deu razão ao queixoso. A lista completa foi tornada pública pela revista Visão.