António de Castro Caeiro h | Artes, Letras e IdeiasA linguagem I Noite de inverno Georg Trakl [dropcap]Q[/dropcap]uando a neve dá na janela Tocam, longamente, os sinos. A mesa está pronta para muitos, E a casa está bem arrumada. Alguns chegam à porta, Pelos caminhos sombrios da peregrinação. Dourada floresce a árvore das bênçãos, O suco fresco que vem da terra. Caminhantes entram em silêncio. O limiar petrifica a dor. Aí, num clarão puro, reluzem Pão e vinho sobre a mesa. Ao comentar este poema de Trakl num ensaio, a Linguagem (Die Sprache), Heidegger faz a aproximação em várias frentes ao significado da linguagem poética de Trakl. A poesia usa a língua mas não para designar factos. Mesmo os factos têm sentido. Há uma diferença entre dizer que as temperaturas serão baixas e cairá neve numa noite de inverno, e o chamamento da noite de inverno. Há uma diferença entre o conteúdo de um boletim meteorológico e a vivência, a experiência que se faz da noite de inverno. A poesia chama à palavra. “Chamar traz o que é chamado por si a uma proximidade.” O chamamento convoca. Mas para onde? Pergunta H.? Para nos levar até ao longe ou trazer o longínquo até nós. Este lugar, onde o que é chamado permanece ainda, existe, não enquanto presença, mas “na sua ausência.” O lugar do longe não é espacial. Não é uma casa particular, numa localidade de uma região. Não é também o lugar do tempo unilinear do passado. Pode até dar-se o caso de nunca termos vivido uma noite de Inverno debaixo de neve. Este aí é multidimensional e não tem necessariamente referente. As formulações de Heidegger, em “A linguagem (Die Sprache)”, não são nem fácil nem imediatamente inteligíveis. Não são óbvias. A linguagem não é uma mera expressão de factos reais e objectivos, mas é chamamento. A linguagem não é a actividade que sincroniza eventos, espectadores, relatores e ouvintes. Existe como condição de possibilidade de transformação da própria realidade. A realidade dos factos existe apenas, depois de se haver neutralizado todo o potencial de significados. O facto como facto ocorre sempre já num acontecimento de sentido. Há, por isso, significado. Não, factos. A referência é o que é em vista do sentido interpretativo. O horizonte da linguagem é a atmosfera universal do humano. Cada um de nós não é apenas uma biografia num tempo de esperança de vida. Somos cada um de nós à escala mundial. Melhor, existimos à escala universal implicados em todas as gerações passadas e futuras, que constituem cada humano. Este é o nosso “espaço lógico”. Por outro lado, a linguagem não se limita a expressar o que efectivamente acontece na realidade, no modo indicativo, seja passado, presente ou futuro. O que é, ontologicamente, não é apenas o que está disponível, se apresenta e é visto. O que não é, ontologicamente, não é o que não aparece não está visto, nunca aparece. O que aparentemente não aparece pode surtir um efeito anónimo. Pode ser uma reacção traumática a um acontecimento passado que é apagado da memória cognitiva mas que nos trabalha a partir do seu interior, nos faz ser quem fomos. A linguagem fala a partir do horizonte do universal humano a constituir a sua abertura na tentativa de obter inteligibilidade e dar sentido ao que acontece. O modo da língua falar não é o de fazer a reportagem do indicativo, do que é representável, do que efectivamente acontece. Não é a expressão representativa da realidade interior daquilo para o que nos dá, das ideias que temos, dos sentimentos que vemos nascer em nós. Nem apenas da realidade exterior, quando a referimos meteorologicamente ou para saber a que dia da semana estamos. A linguagem fala para além dos factos, refere sentidos. O seu elemento é a vida. O seu modo é o condicional, o irreal do que poderia ter sido e não foi e do que não poderia ter acontecido e foi mesmo o que aconteceu. O nosso elemento transcende o indicativo e projecta-se para o futuro em que pode ser, quando acontecer o que gostaríamos que acontecesse, quando a vida será como gostaríamos que fosse. Ou então momento quando estivermos fora da existência. É também uma possibilidade projectada no futuro.
António de Castro Caeiro h | Artes, Letras e Ideias“Salmo”, poema de Georg Trakl Salmo dedicado a Karl Kraus de Georg Trakl [dropcap]H[/dropcap]á uma luz que o vento extinguiu. Há uma taberna que um bêbado deixa à tarde. Há uma vinha queimada e negra com buracos cheios de aranhas. Há um espaço que foi caiado com leite. O louco morreu. Há uma ilha do mar do sul, para receber o deus Sol. Rufam os tambores. Os homens executam danças guerreiras. As mulheres meneiam as ancas entre trepadeiras e flores de fogo, quando canta o mar. Oh! o nosso paraíso perdido. As ninfas abandonaram as florestas douradas. O estranho vai a enterrar. Depois, cai uma chuva cintilante. O filho de Pã aparece na figura de um trabalhador da terra, que dorme ao meio dia sobre o asfalto escaldante. Há pequenas meninas num pátio com vestidinhos cheios de uma pobreza de partir o coração! Há quartos cheios de acordes e de sonatas. Há sombras que se abraçam à frente de um espelho cego. Às janelas do Hospital, aquecem-se convalescentes. Um barco branco a vapor sobe o canal com pestes sangrentas. A estranha irmã aparece de novo nos sonhos maus de alguém. Sossegadamente, no bosque de sabugueiros, ela brinca com as suas estrelas. O estudante, talvez um sósia, segue-a através da janela até desaparecer. Atrás dele jaz o seu irmão morto, ou então ele desce a velha escada de caracol. No escuro, as castanhas empalidecem o rosto de um jovem noviço. O jardim está ao anoitecer. No cruzamento esvoaçam os morcegos em redor. Os filhos do caseiro acabam de brincar e procuram o ouro do céu. Acordes finais de um quarteto. A pequena cega corre a tremer pela alameda, e mais tarde toca a sua sombra no muro frio, envolta por contos de fadas e lendas de santos. Há um barco vazio que desce o canal negro ao anoitecer. Na obscuridade do velho asilo decaem ruínas humanas. Os órfãos mortos jazem nos muros do jardim. De quartos cinzentos surgem anjos com asas sujas de lama. Vermes saem das suas pálpebras amarelecidas. A praça em frente da igreja é lúgubre e silenciosa, tal como nos dias da infância. Sobre pegadas prateadas deslizam vidas passadas E as sombras dos condenados descem até às águas pestilentas. Na sua sepultura o mágico branco brinca com as suas cobras. Silenciosamente sobre o calvário abrem-se os olhos dourados de Deus. Psalm Fassung Karl Kraus zugeeignet Es ist ein Licht, das der Wind ausgelöscht hat. Es ist ein Heidekrug, den am Nachmittag ein Betrunkener verläßt. Es ist ein Weinberg, verbrannt und schwarz mit Löchern voll Spinnen. Es ist ein Raum, den sie mit Milch getüncht haben. Der Wahnsinnige ist gestorben. Es ist eine Insel der Südsee, Den Sonnengott zu empfangen. Man rührt die Trommeln. Die Männer führen kriegerische Tänze auf. Die Frauen wiegen die Hüften in Schlinggewächsen und Feuerblumen, Wenn das Meer singt. O unser verlorenes Paradies. Die Nymphen haben die goldenen Wälder verlassen. Man begräbt den Fremden. Dann hebt ein Flimmerregen an. Der Sohn des Pan erscheint in Gestalt eines Erdarbeiters, Der den Mittag am glühenden Asphalt verschläft. Es sind kleine Mädchen in einem Hof in Kleidchen voll herzzerreißender Armut! Es sind Zimmer, erfüllt von Akkorden und Sonaten. Es sind Schatten, die sich vor einem erblindeten Spiegel umarmen. An den Fenstern des Spitals wärmen sich Genesende. Ein weißer Dampfer am Kanal trägt blutige Seuchen herauf. Die fremde Schwester erscheint wieder in jemands bösen Träumen. Ruhend im Haselgebüsch spielt sie mit seinen Sternen. Der Student, vielleicht ein Doppelgänger, schaut ihr lange vom Fenster nach. Hinter ihm steht sein toter Bruder, oder er geht die alte Wendeltreppe herab. Im Dunkel brauner Kastanien verblaßt die Gestalt des jungen Novizen. Der Garten ist im Abend. Im Kreuzgang flattern die Fledermäuse umher. Die Kinder des Hausmeisters hören zu spielen auf und suchen das Gold des Himmels. Endakkorde eines Quartetts. Die kleine Blinde läuft zitternd durch die Allee, Und später tastet ihr Schatten an kalten Mauern hin, umgeben von Märchen und heiligen Legenden. Es ist ein leeres Boot, das am Abend den schwarzen Kanal heruntertreibt. In der Düsternis des alten Asyls verfallen menschliche Ruinen. Die toten Waisen liegen an der Gartenmauer. Aus grauen Zimmern treten Engel mit kotgefleckten Flügeln. Würmer tropfen von ihren vergilbten Lidern. Der Platz vor der Kirche ist finster und schweigsam, wie in den Tagen der Kindheit. Auf silbernen Sohlen gleiten frühere Leben vorbei Und die Schatten der Verdammten steigen zu den seufzenden Wassern nieder. In seinem Grab spielt der weiße Magier mit seinen Schlangen. Schweigsam über der Schädelstätte öffnen sich Gottes goldene Augen.
António de Castro Caeiro h | Artes, Letras e Ideias“Outono transfigurado”, um poema de Georg Trakl traduzido Outono transfigurado [dropcap style≠’circle’]É[/dropcap] terrível como acaba o ano, com vinho dourado e o fruto dos jardins. Em redor, silenciam-se maravilhosas as florestas, Que são as companheiras do solitário. Diz então o camponês: “que bom!” E vós, sinos da tarde, longos e suaves, Dai ainda uma coragem alegre para o fim. O traço das aves em voo saúda a viagem. É o tempo terno do amor. No barco que desce o rio azul, Com que beleza uma imagem se liga a outra imagem. Tudo submerge em sossego e silêncio. Verklärter Herbst Gewaltig endet so das Jahr Mit goldnem Wein und Frucht der Gärten. Rund schweigen Wälder wunderbar Und sind des Einsamen Gefährten. Da sagt der Landmann: Es ist gut. Ihr Abendglocken lang und leise Gebt noch zum Ende frohen Mut. Ein Vogelzug grüßt auf der Reise. Es ist der Liebe milde Zeit. Im Kahn den blauen Fluß hinunter Wie schön sich Bild an Bildchen reiht – Das geht in Ruh und Schweigen unter.
António de Castro Caeiro h | Artes, Letras e IdeiasDois poemas de Georg Trakl traduzidos Melancolia – 3ª Versão [dropcap style≠’circle’]S[/dropcap]ombras azuladas. Oh!, os vossos olhos escuros, Que longamente me fixam, ao passar. Acordes suaves de guitarra acompanham o outono, No jardim, dissolvido em lixívia castanha. As mãos das ninfas preparam a lugubridade séria Da morte. Lábios podres sugam leite de Peitos encarnados e na lixívia negra Deslizam os caracóis húmidos do filho do sol. Melancholie[1] Bläuliche Schatten. O ihr dunklen Augen, Die lang mich anschaun im Vorübergleiten. Guitarrenklänge sanft den Herbst begleiten Im Garten, aufgelöst in braunen Laugen. Des Todes ernste Düsternis bereiten Nymphische Hände, an roten Brüsten saugen Verfallne Lippen und in schwarzen Laugen Des Sonnenjünglings feuchte Locken gleiten. [1] TRAKL, GEORG. (2008). Das dichterische Werk: Auf Grund der historisch-kritischen Ausgabe. Editores: Walther Killy e Hans Szklenar. Munique. Deutscher Taschenbuch Verlag, p. 22. Humanidade Humanidade posta perante gargantas de fogo, Rufar de tambores, semblantes escuros dos guerreiros, Passos através de um nevoeiro de sangue. Ressoa o ferro negro. Desespero. Noite em cérebros tristes: Aqui as sombras de Eva, a caça e o dinheiro encarnado. Nuvens que a luz trespassa, a ceia. Um silêncio suave habita o pão e o vinho E aqueles ali reuniram-se. Doze em número. À noite, gritam a dormir debaixo dos ramos da oliveira. São Tomé mergulha a mão nas feridas. Menschheit[1] Menschheit vor Feuerschlünden aufgestellt, Ein Trommelwirbel, dunkler Krieger Stirnen, Schritte durch Blutnebel; schwarzes Eisen schellt, Verzweiflung, Nacht in traurigen Gehirnen: Hier Evas Schatten, Jagd und rotes Geld. Gewölk, das Licht durchbricht, das Abendmahl. Es wohnt in Brot und Wein ein sanftes Schweigen Und jene sind versammelt zwölf an Zahl. Nachts schreien im Schlaf sie unter Ölbaumzweigen; Sankt Thomas taucht die Hand ins Wundenmal. [1] Trakl, Georg. (2008). Das dichterische Werk: Auf Grund der historisch-kritischen Ausgabe. Editores: Walther Killy e Hans Szklenar. Munique. Deutscher Taschenbuch Verlag, p. 27.
António de Castro Caeiro h | Artes, Letras e IdeiasDois poemas de Georg Trakl traduzidos Proximidade da morte 2ª versão [dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]h! a noite que chega até às aldeias lúgubres da infância. A lagoa entre as pastagens enche-se com os suspiros pestilentos da melancolia. Oh! a floresta que mergulha suavemente nos olhos castanhos, para aí das mãos ossudas do solitário a púrpura dos seus dias delirantes decair. oh! a proximidade da morte. Rezemos. nesta noite, desfazem-se sobre almofadas mornas amarelecidos pelo intenso os frágeis corpos dos amantes Nähe des Todes Fassung O der Abend, der in die finsteren Dörfer der Kindheit geht. Der Weiher unter den Weiden Füllt sich mit den verpesteten Seufzern der Schwermut. O der Wald, der leise die braunen Augen senkt, Da aus des Einsamen knöchernen Händen Der Purpur seiner verzückten Tage hinsinkt. O die Nähe des Todes. Laß uns beten. In dieser Nacht lösen auf lauen Kissen Vergilbt von Weihrauch sich der Liebenden schmächtige Glieder. Dia de Todos os Santos a Karl Hauer Triste aliança, homenzinhos, mulherinhas, Espalham hoje flores azuis e encarnadas Sobre as suas sepulturas, que timidamente se aclararam. Agem como pobres marionetas perante a morte. Oh! Como parecem existir aqui cheios de angústia e humildade, Como sombras de pé atrás de negros arbustos. No vento de outono, lamenta-se o choro das crianças não nascidas, Também se vêem luzes perderem-se na loucura. Os suspiros dos amantes sopram nos ramos E lá apodrece a mãe com a sua criança. Irreal parece a dança dos seres vivos E admiravelmente espalha-se no vento nocturno. Tão confusa a vida deles, tão cheia de lúgubres tormentos. Tem piedade, Deus, do inferno e do martírio das mulheres, E do seu lamento mortal, desesperançado. Sozinhas, em silêncio, vagueiam na sala das estrelas. Allerseelen[1] An Karl Hauer Die Männlein, Weiblein, traurige Gesellen, Sie streuen heute Blumen blau und rot Auf ihre Grüfte, die sich zag erhellen. Sie tun wie arme Puppen vor dem Tod. O! wie sie hier voll Angst und Demut scheinen, Wie Schatten hinter schwarzen Büschen stehn. Im Herbstwind klagt der Ungebornen Weinen, Auch sieht man Lichter in der Irre gehn. Das Seufzen Liebender haucht in Gezweigen Und dort verwest die Mutter mit dem Kind. Unwirklich scheinet der Lebendigen Reigen Und wunderlich zerstreut im Abendwind. Ihr Leben ist so wirr, voll trüber Plagen. Erbarm’ dich Gott der Frauen Höll’ und Qual, Und dieser hoffnungslosen Todesklagen. Einsame wandeln still im Sternensaal. [1] TRAKL, GEORG. (2008). Das dichterische Werk: Auf Grund der historisch-kritischen Ausgabe. Editores: Walther Killy e Hans Szklenar. Munique. Deutscher Taschenbuch Verlag, p. 21.
António de Castro Caeiro h | Artes, Letras e IdeiasDois poemas de Georg Trakl traduzidos Dämmerung1 [dropcap style≠’circle’]I[/dropcap]m Hof, verhext von milchigem Dämmerschein, Durch Herbstgebräuntes weiche Kranke gleiten. Ihr wächsern-runder Blick sinnt goldner Zeiten, Erfüllt von Träumerei und Ruh und Wein. Ihr Siechentum schließt geisterhaft sich ein. Die Sterne weiße Traurigkeit verbreiten. Im Grau, erfüllt von Täuschung und Geläuten, Sieh, wie die Schrecklichen sich wirr zerstreun. Formlose Spottgestalten huschen, kauern Und flattern sie auf schwarz-gekreuzten Pfaden. O! trauervolle Schatten an den Mauern. Die andern fliehn durch dunkelnde Arkaden; Und nächtens stürzen sie aus roten Schauern Des Sternenwinds, gleich rasenden Mänaden. Crepúsculo No pátio, enfeitiçado pela luz láctea do crepúsculo, Ternos doentes deslizam através do outono acastanhado. Os seus olhos redondos em cera pensam nos seus tempos dourados, Cheios de sonhos e paz e vinho. A enfermidade fecha-os fantasmagoricamente nela. As estrelas espalham uma tristeza alva No cinzento, cheios de ilusão e repiques, Vê como, horríveis, se dissipam confusamente. As figuras sem forma do escárnio esgueiram-se, de cócoras E esvoaçam sobre sendas negras negros de cruzamentos. Oh! Tão tristes as sombras nos muros. As outras fogem pelas arcadas sombrias. E à noite precipitam-se com as rajadas rubras Do vento estrelar, quais Ménades em fúria. De profundis Es ist ein Stoppelfeld, in das ein schwarzer Regen fällt. Es ist ein brauner Baum, der einsam dasteht. Es ist ein Zischelwind, der leere Hütten umkreist. Wie traurig dieser Abend. Am Weiler vorbei Sammelt die sanfte Waise noch spärliche Ähren ein. Ihre Augen weiden rund und goldig in der Dämmerung Und ihr Schoß harrt des himmlischen Bräutigams. Bei ihrer Heimkehr Fanden die Hirten den süßen Leib Verwest im Dornenbusch. Ein Schatten bin ich ferne finsteren Dörfern. Gottes Schweigen Trank ich aus dem Brunnen des Hains. Auf meine Stirne tritt kaltes Metall. Spinnen suchen mein Herz. Es ist ein Licht, das meinen Mund erlöscht. Nachts fand ich mich auf einer Heide, Starrend von Unrat und Staub der Sterne. Im Haselgebüsch Klangen wieder kristallne Engel. De profundis Há um campo de restolho sobre o qual uma chuva negra cai. Há uma árvore castanha, que aí está de pé, sozinha. Há um vento sibilante à volta das cabanas vazias. Como é triste esta noite. Ao longo da aldeia, A doce órfã colhe ainda escassas espigas. Os seus olhos, redondos e dourados, pastam ao entardecer, E o seu peito anseia pelo noivo celestial. No regresso, Os pastores encontram o seu doce corpo A apodrecer nos arbustos de espinhos. Uma sombra eu sou, longe das lúgubres vilas. De Deus o silêncio Eu bebi na fonte do bosque. Na minha fronte, aparece metal frio. Aranhas procuram o meu coração. Há uma luz que a minha boca extingue. À noite, dei por mim numa charneca, petrificado pela sujidade e pó de estrelas. No bosque das avelaneiras, Ressoam, de novo, anjos de cristal.
António de Castro Caeiro h | Artes, Letras e IdeiasPoesia de Georg Trakl ALMA DA VIDA Decadência, que suave ensombra a folhagem. O seu amplo silêncio mora na floresta. Em breve, uma aldeia parece inclinar-se, como um fantasma. A boca da irmã sussurra nos ramos negros. O homem solitário vai desaparecer em breve, Talvez seja um pastor, sobre caminhos sombrios. Sai em silêncio um animal da arcada de árvores, Enquanto as pálpebras se abrem bem perante a divindade. O rio azul escoa, belo. Nuvens mostram-se de noite. A alma está num silêncio angelical. Figuras passageiras decaem. Seele des Lebens Verfall, der weich das Laub umdüstert, Es wohnt im Wald sein weites Schweigen. Bald scheint ein Dorf sich geisterhaft zu neigen. Der Schwester Mund in schwarzen Zweigen flüstert. Der Einsame wird bald entgleiten, Vielleicht ein Hirt auf dunklen Pfaden. Ein Tier tritt leise aus den Baumarkaden, Indes die Lider sich vor Gottheit weiten. Der blaue Fluß rinnt schön hinunter, Gewölke sich am Abend zeigen; Die Seele auch in engelhaftem Schweigen. Vergängliche Gebilde gehen unter. Dia de Todos os Santos a Karl Hauer Triste aliança, homenzinhos, mulherinhas, Espalham hoje flores azuis e encarnadas Sobre as suas sepulturas, que timidamente se aclararam. Agem como pobres marionetas perante a morte. Oh! Como parecem existir aqui cheios de angústia e humildade, Como sombras de pé atrás de negros arbustos. No vento de outono, lamenta-se o choro das crianças não nascidas, Também se vêem luzes perderem-se na loucura. Os suspiros dos amantes sopram nos ramos E lá apodrece a mãe com a sua criança. Irreal parece a dança dos seres vivos E admiravelmente espalha-se no vento nocturno. Tão confusa a vida deles, tão cheia de lúgubres tormentos. Tem piedade, Deus, do inferno e do martírio das mulheres, E do seu lamento mortal, desesperançado. Sozinhas, em silêncio, vagueiam na sala das estrelas. Allerseelen An Karl Hauer Die Männlein, Weiblein, traurige Gesellen, Sie streuen heute Blumen blau und rot Auf ihre Grüfte, die sich zag erhellen. Sie tun wie arme Puppen vor dem Tod. O! wie sie hier voll Angst und Demut scheinen, Wie Schatten hinter schwarzen Büschen stehn. Im Herbstwind klagt der Ungebornen Weinen, Auch sieht man Lichter in der Irre gehn. Das Seufzen Liebender haucht in Gezweigen Und dort verwest die Mutter mit dem Kind. Unwirklich scheinet der Lebendigen Reigen Und wunderlich zerstreut im Abendwind. Ihr Leben ist so wirr, voll trüber Plagen. Erbarm’ dich Gott der Frauen Höll’ und Qual, Und dieser hoffnungslosen Todesklagen. Einsame wandeln still im Sternensaal.
António de Castro Caeiro h | Artes, Letras e IdeiasCinco poemas de Georg Trakl traduzidos De profundis [dropcap style≠’circle’]H[/dropcap]á um campo de restolho sobre o qual uma chuva negra cai. Há uma árvore castanha, que aí está de pé, sozinha. Há um vento sibilante à volta das cabanas vazias. Como é triste esta noite. Ao longo da aldeia, A doce órfã colhe ainda escassas espigas. Os seus olhos, redondos e dourados, pastam ao entardecer, E o seu peito anseia pelo noivo celestial. No regresso, Os pastores encontram o seu doce corpo A apodrecer nos arbustos de espinhos. Uma sombra eu sou, longe das lúgubres vilas. De Deus o silêncio Eu bebi na fonte do bosque. Na minha fronte, aparece metal frio. Aranhas procuram o meu coração. Há uma luz que a minha boca extingue. À noite, dei por mim numa charneca, petrificado pela sujidade e pó de estrelas. No bosque das avelaneiras, Ressoam, de novo, anjos de cristal. De profundis[1] Es ist ein Stoppelfeld, in das ein schwarzer Regen fällt. Es ist ein brauner Baum, der einsam dasteht. Es ist ein Zischelwind, der leere Hütten umkreist. Wie traurig dieser Abend. Am Weiler vorbei Sammelt die sanfte Waise noch spärliche Ähren ein. Ihre Augen weiden rund und goldig in der Dämmerung Und ihr Schoß harrt des himmlischen Bräutigams. Bei ihrer Heimkehr Fanden die Hirten den süßen Leib Verwest im Dornenbusch. Ein Schatten bin ich ferne finsteren Dörfern. Gottes Schweigen Trank ich aus dem Brunnen des Hains. Auf meine Stirne tritt kaltes Metall. Spinnen suchen mein Herz. Es ist ein Licht, das meinen Mund erlöscht. Nachts fand ich mich auf einer Heide, Starrend von Unrat und Staub der Sterne. Im Haselgebüsch Klangen wieder kristallne Engel. Humanidade Humanidade posta perante gargantas de fogo, Rufar de tambores, semblantes escuros dos guerreiros, Passos através de um nevoeiro de sangue. Ressoa o ferro negro. Desespero. Noite em cérebros tristes: Aqui as sombras de Eva, a caça e o dinheiro encarnado. Nuvens que a luz trespassa, a ceia. Um silêncio suave habita o pão e o vinho E aqueles ali reuniram-se. Doze em número. À noite, gritam a dormir debaixo dos ramos da oliveira. São Tomé mergulha a mão nas feridas. Menschheit Menschheit vor Feuerschlünden aufgestellt, Ein Trommelwirbel, dunkler Krieger Stirnen, Schritte durch Blutnebel; schwarzes Eisen schellt, Verzweiflung, Nacht in traurigen Gehirnen: Hier Evas Schatten, Jagd und rotes Geld. Gewölk, das Licht durchbricht, das Abendmahl. Es wohnt in Brot und Wein ein sanftes Schweigen Und jene sind versammelt zwölf an Zahl. Nachts schreien im Schlaf sie unter Ölbaumzweigen; Sankt Thomas taucht die Hand ins Wundenmal. Alma da vida Decadência, que suave ensombra a folhagem. O seu amplo silêncio mora na floresta. Em breve, uma aldeia parece inclinar-se, como um fantasma. A boca da irmã sussurra nos ramos negros. O homem solitário vai desaparecer em breve, Talvez seja um pastor, sobre caminhos sombrios. Sai em silêncio um animal da arcada de árvores, Enquanto as pálpebras se abrem bem perante a divindade. O rio azul escoa, belo. Nuvens mostram-se de noite. A alma está num silêncio angelical. Figuras passageiras decaem. Seele des Lebens[1] Verfall, der weich das Laub umdüstert, Es wohnt im Wald sein weites Schweigen. Bald scheint ein Dorf sich geisterhaft zu neigen. Der Schwester Mund in schwarzen Zweigen flüstert. Der Einsame wird bald entgleiten, Vielleicht ein Hirt auf dunklen Pfaden. Ein Tier tritt leise aus den Baumarkaden, Indes die Lider sich vor Gottheit weiten. Der blaue Fluß rinnt schön hinunter, Gewölke sich am Abend zeigen; Die Seele auch in engelhaftem Schweigen. Vergängliche Gebilde gehen unter. Crepúsculo No pátio, enfeitiçado pela luz láctea do crepúsculo, Ternos doentes deslizam através do outono acastanhado. Os seus olhos redondos em cera pensam nos seus tempos dourados, Cheios de sonhos e paz e vinho. A enfermidade fecha-os fantasmagoricamente nela. As estrelas espalham uma tristeza alva No cinzento, cheios de ilusão e repiques, Vê como, horríveis, se dissipam confusamente. As figuras sem forma do escárnio esgueiram-se, de cócoras E esvoaçam sobre sendas negras negros de cruzamentos. Oh! Tão tristes as sombras nos muros. As outras fogem pelas arcadas sombrias. E à noite precipitam-se com as rajadas rubras Do vento estrelar, quais Ménades em fúria. Dämmerung Im Hof, verhext von milchigem Dämmerschein, Durch Herbstgebräuntes weiche Kranke gleiten. Ihr wächsern-runder Blick sinnt goldner Zeiten, Erfüllt von Träumerei und Ruh und Wein. Ihr Siechentum schließt geisterhaft sich ein. Die Sterne weiße Traurigkeit verbreiten. Im Grau, erfüllt von Täuschung und Geläuten, Sieh, wie die Schrecklichen sich wirr zerstreun. Formlose Spottgestalten huschen, kauern Und flattern sie auf schwarz-gekreuzten Pfaden. O! trauervolle Schatten an den Mauern. Die andern fliehn durch dunkelnde Arkaden; Und nächtens stürzen sie aus roten Schauern Des Sternenwinds, gleich rasenden Mänaden. Melancolia – 3ª Versão Sombras azuladas. Oh!, os vossos olhos escuros, Que longamente me fixam, ao passar. Acordes suaves de guitarra acompanham o outono, No jardim, dissolvido em lixívia castanha. As mãos das ninfas preparam a lugubridade séria Da morte. Lábios podres sugam leite de Peitos encarnados e na lixívia negra Deslizam os caracóis húmidos do filho do sol. Melancholie Bläuliche Schatten. O ihr dunklen Augen, Die lang mich anschaun im Vorübergleiten. Guitarrenklänge sanft den Herbst begleiten Im Garten, aufgelöst in braunen Laugen. Des Todes ernste Düsternis bereiten Nymphische Hände, an roten Brüsten saugen Verfallne Lippen und in schwarzen Laugen Des Sonnenjünglings feuchte Locken gleiten. [1] Trakl, Georg. (2008). Das dichterische Werk: Auf Grund der historisch-kritischen Ausgabe. Editores: Walther Killy e Hans Szklenar. Munique. Deutscher Taschenbuch Verlag, p. 27.
António de Castro Caeiro h | Artes, Letras e IdeiasPoesia de Georg Trakl Ao anoitecer meu coração [dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]o anoitecer ouvem-se os morcegos trissar. Dois cavalos pretos saltam sobre o prado O ácer vermelho rumoreja. Ao viandante aparece a pequena taberna à beira da estrada. Delícia saborear vinho novo e nozes. Delícia vacilar bêbedo na floresta ao crepúsculo. Através da ramagem negra tinem aflitos os sinos. Sobre o rosto goteja o orvalho. Zu Abend mein Herz[1] Am Abend hört man den Schrei der Fledermäuse. Zwei Rappen springen auf der Wiese. Der rote Ahorn rauscht. Dem Wanderer erscheint die kleine Schenke am Weg. Herrlich schmecken junger Wein und Nüsse. Herrlich: betrunken zu taumeln in dämmernden Wald. Durch schwarzes Geäst tönen schmerzliche Glocken. Auf das Gesicht tropft Tau. [1] TRAKL, GEORG. (2008). Das dichterische Werk: Auf Grund der historisch-kritischen Ausgabe. Editores: Walther Killy e Hans Szklenar. Munique. Deutscher Taschenbuch Verlag, p. 20. Dia de Todos os Santos a Karl Hauer Triste aliança, homenzinhos, mulherinhas, Espalham hoje flores azuis e encarnadas Sobre as suas sepulturas, que timidamente se aclararam. Agem como pobres marionetas perante a morte. Oh! Como parecem existir aqui cheios de angústia e humildade, Como sombras de pé atrás de negros arbustos. No vento de outono, lamenta-se o choro das crianças não nascidas, Também se vêem luzes perderem-se na loucura. Os suspiros dos amantes sopram nos ramos E lá apodrece a mãe com a sua criança. Irreal parece a dança dos seres vivos E admiravelmente espalha-se no vento nocturno. Tão confusa a vida deles, tão cheia de lúgubres tormentos. Tem piedade, Deus, do inferno e do martírio das mulheres, E do seu lamento mortal, desesperançado. Sozinhas, em silêncio, vagueiam na sala das estrelas. Allerseelen[1] An Karl Hauer Die Männlein, Weiblein, traurige Gesellen, Sie streuen heute Blumen blau und rot Auf ihre Grüfte, die sich zag erhellen. Sie tun wie arme Puppen vor dem Tod. O! wie sie hier voll Angst und Demut scheinen, Wie Schatten hinter schwarzen Büschen stehn. Im Herbstwind klagt der Ungebornen Weinen, Auch sieht man Lichter in der Irre gehn. Das Seufzen Liebender haucht in Gezweigen Und dort verwest die Mutter mit dem Kind. Unwirklich scheinet der Lebendigen Reigen Und wunderlich zerstreut im Abendwind. Ihr Leben ist so wirr, voll trüber Plagen. Erbarm’ dich Gott der Frauen Höll’ und Qual, Und dieser hoffnungslosen Todesklagen. Einsame wandeln still im Sternensaal. [1] TRAKL, GEORG. (2008). Das dichterische Werk: Auf Grund der historisch-kritischen Ausgabe. Editores: Walther Killy e Hans Szklenar. Munique. Deutscher Taschenbuch Verlag, p. 21. Os camponeses À frente da janela, ressoam o verde e vermelho. E na sala baixa enegrecida pelo fumo, Sentam-se os criados e as criadas à refeição; Servem o vinho e partem o pão. No silêncio profundo do meio-dia, Uma escassa palavra, por vezes, cai. Os campos, sem cessar, cintilam E o céu é de chumbo e vasto. Grotesca a brasa cintila no fogão, E um enxame de moscas zumbe. As criadas estão à escuta, tontas e caladas, E o sangue martela as suas frontes. E às vezes cruzam-se olhares cobiçosos, Quando um odor animal enche todo o quarto. Monocórdico um criado faz as suas orações, E debaixo da porta, um galo canta. E de novo no campo. Um horror frequente apodera-se Deles no fragor das espigas frementes, E, tinindo, baloiçam, indo e vindo, Numa cadência fantasmagórica, as foices. Die Bauern[1] Vorm Fenster tönendes Grün und Rot. Im schwarzverräucherten, niederen Saal Sitzen die Knechte und Mägde beim Mahl; Und sie schenken den Wein und sie brechen das Brot. Im tiefen Schweigen der Mittagszeit Fällt bisweilen ein karges Wort. Die Äcker flimmern in einem fort Und der Himmel bleiern und weit. Fratzenhaft flackert im Herd die Glut Und ein Schwarm von Fliegen summt. Die Mägde lauschen blöd und verstummt Und ihre Schläfen hämmert das Blut. Und manchmal treffen sich Blicke voll Gier, Wenn tierischer Dunst die Stube durchweht. Eintönig spricht ein Knecht das Gebet Und ein Hahn kräht unter der Tür. Und wieder ins Feld. Ein Grauen packt Sie oft im tosenden Ährengebraus Und klirrend schwingen ein und aus Die Sensen geisterhaft im Takt. [1] TRAKL, GEORG. (2008). Das dichterische Werk: Auf Grund der historisch-kritischen Ausgabe. Editores: Walther Killy e Hans Szklenar. Munique. Deutscher Taschenbuch Verlag, p. 20-21.
António de Castro Caeiro h | Artes, Letras e IdeiasPoesia de Georg Trakl A musa da noite [dropcap style≠’circle’]À[/dropcap] janela, em flores, regressam as sombras do campanário E do ouro. A testa quente abrasa em repouso e silêncio. Do ramo do castanheiro, uma fonte cai na escuridão- E então tu sentes: É bom!, no esgotamento doloroso. O mercado está vazio de fruta de verão e de grinaldas. Em uníssono concorda a pompa negra dos portões. Num jardim, ecoam os sons de um suave jogo, onde amigos se encontram depois de uma refeição. Os contos do mágico branco escuta com enlevo a alma. Em redor, escuta-se o barulho do vento no trigo que o ceifeiro colheu à tarde. Paciente calam-se duras as vidas em cabanas; ilumina o suave sono das vacas a lanterna do estábulo. Inebriadas pelos ares logo cerram as pálpebras E abrem-se, sem barulho, para os sinais estranhos das estrelas. Endimião emerge da escuridão entre carvalhos velhos E curva-se sobre a tristeza profunda da águas. Abendmuse[1] Ans Blumenfenster wieder kehrt des Kirchturms Schatten Und Goldnes. Die heiße Stirn verglüht in Ruh und Schweigen. Ein Brunnen fällt im Dunkel von Kastanienzweigen – Da fühlst du: es ist gut! in schmerzlichem Ermatten. Der Markt ist leer von Sommerfrüchten und Gewinden. Einträchtig stimmt der Tore schwärzliches Gepränge. In einem Garten tönen sanften Spieles Klänge, Wo Freunde nach dem Mahle sich zusammenfinden. Des weißen Magiers Märchen lauscht die Seele gerne. Rund saust das Korn, das Mäher nachmittags geschnitten. Geduldig schweigt das harte Leben in den Hütten; Der Kühe linden Schlaf bescheint die Stallaterne. Von Lüften trunken sinken balde ein die Lider Und öffnen leise sich zu fremden Sternenzeichen. Endymion taucht aus dem Dunkel alter Eichen Und beugt sich über trauervolle Wasser nieder. [1] TRAKL, GEORG. (2008). Das dichterische Werk: Auf Grund der historisch-kritischen Ausgabe. Editores: Walther Killy e Hans Szklenar. Munique. Deutscher Taschenbuch Verlag, p. 18. Gospel Sinais, um raro bordado, Pinta um ondulante canteiro de flores. Sopra a brisa dourada de Deus Para dentro da sala no jardim Serena. Ergue-se uma cruz na vinha selvagem. Escuta na aldeia como tantos se alegram, O jardineiro apara a relva junto ao muro. Suave o órgão soa. Mistura som e aparição dourada, Som e aparição. O amor abençoa o pão e o vinho. Meninas pequeninas entram também, E, por fim, o galo canta. Devagar abre-se uma cerca podre. E nas coroas de rosas e fileiras, Nas fileiras de rosas, Descansa Maria, branca e fina. O mendigo, ali na pedra antiga, Parece ter morrido em oração. Suave desce a colina o pastor, E um anjo canta no bosque, Próximo do bosque, Onde crianças adormecem. Geistliches Lied[1] Zeichen, seltne Stickerein Malt ein flatternd Blumenbeet. Gottes blauer Odem weht In den Gartensaal herein, Heiter ein. Ragt ein Kreuz im wilden Wein. Hör’ im Dorf sich viele freun, Gärtner an der Mauer mäht, Leise eine Orgel geht, Mischet Klang und goldenen Schein, Klang und Schein. Liebe segnet Brot und Wein. Mädchen kommen auch herein Und der Hahn zum letzten kräht. Sacht ein morsches Gitter geht Und in Rosen Kranz und Reihn, Rosenreihn Ruht Maria weiß und fein. Bettler dort am alten Stein Scheint verstorben im Gebet, Sanft ein Hirt vom Hügel geht Und ein Engel singt im Hain, Nah im Hain Kinder in den Schlaf hinein. [1] TRAKL, GEORG. (2008). Das dichterische Werk: Auf Grund der historisch-kritischen Ausgabe. Editores: Walther Killy e Hans Szklenar. Munique. Deutscher Taschenbuch Verlag, p. 19. No outono Im Herbst Os girassóis luzem junto à cerca, Em silêncio, doentes sentam-se ao sol. No campo, afadigam-se mulheres cantando. Os sinos dobram no mosteiro. As aves contam-te lendas distantes. Os sinos dobram no mosteiro. Do pátio, ouvem-se suaves os violinos. Hoje, pisam o vinho castanho. O homem mostra-se contente e terno. Hoje, pisam o vinho castanho. De par em par, abertos estão os jazigos E bem pintados a raios de sol. IM HERBST[1] Die Sonnenblumen leuchten am Zaun, Still sitzen Kranke im Sonnenschein. Im Acker mühn sich singend die Frau’n, Die Klosterglocken läuten darein. Die Vögel sagen dir ferne Mär’, Die Klosterglocken läuten darein. Vom Hof tönt sanft die Geige her. Heut keltern sie den braunen Wein. Da zeigt der Mensch sich froh und lind. Heut keltern sie den braunen Wein. Weit offen die Totenkammern sind Und schön bemalt vom Sonnenschein. [1] TRAKL, GEORG. (2008). Das dichterische Werk: Auf Grund der historisch-kritischen Ausgabe. Editores: Walther Killy e Hans Szklenar. Munique. Deutscher Taschenbuch Verlag, p. 20. Sonho do mau 1ª versão Desvanecendo os sons castanho dourados de um gongo – Um amante acorda em quartos negros, A cara junto às chamas que cintilam na janela Na tempestade reluzem velas, mastros, cordas. Um monge, uma mulher grávida ali na multidão. Tinem guitarras, batas vermelhas cintilam. Castanheiros sufocados no esplendor dourado definham; Negra sobressai a pompa triste das igrejas. Através de máscaras brancas olha o espírito do mal. Uma praça, ao crepúsculo, horrível e lúgubre; Ao anoitecer, agitam-se, nas ilhas, sussurros. Do voo das aves os sinais confusos lêm Leprosos, que, de noite, talvez, apodreçam. No parque, os irmãos, tremendo, olham um para o outro. Traum des Bösen Fassung[1] Verhallend eines Gongs braungoldne Klänge – Ein Liebender erwacht in schwarzen Zimmern Die Wang’ an Flammen, die im Fenster flimmern. Am Strome blitzen Segel, Masten, Stränge. Ein Mönch, ein schwangres Weib dort im Gedränge. Guitarren klimpern, rote Kittel schimmern. Kastanien schwül in goldnem Glanz verkümmern; Schwarz ragt der Kirchen trauriges Gepränge. Aus bleichen Masken schaut der Geist des Bösen. Ein Platz verdämmert grauenvoll und düster; Am Abend regt auf Inseln sich Geflüster. Des Vogelfluges wirre Zeichen lesen Aussätzige, die zur Nacht vielleicht verwesen. Im Park erblicken zitternd sich Geschwister. [1] TRAKL, GEORG. (2008). Das dichterische Werk: Auf Grund der historisch-kritischen Ausgabe. Editores: Walther Killy e Hans Szklenar. Munique. Deutscher Taschenbuch Verlag, p. 18-19.
António de Castro Caeiro h | Artes, Letras e IdeiasPoemas de Georg Trakl A musa da noite À janela, em flores, regressam as sombras do campanário E do ouro. A testa quente abrasa em repouso e silêncio. Do ramo do castanheiro, uma fonte cai na escuridão- E então tu sentes: É bom!, no esgotamento doloroso. O mercado está vazio de fruta de verão e de grinaldas. Em uníssono concorda a pompa negra dos portões. Num jardim, ecoam os sons de um suave jogo, onde amigos se encontram depois de uma refeição. Os contos do mágico branco escuta com enlevo a alma. Em redor, escuta-se o barulho do vento no trigo que o ceifeiro colheu à tarde. Paciente calam-se duras as vidas em cabanas; ilumina o suave sono das vacas a lanterna do estábulo. Inebriadas pelos ares logo cerram as pálpebras E abrem-se, sem barulho, para os sinais estranhos das estrelas. Endimião emerge da escuridão entre carvalhos velhos E curva-se sobre a tristeza profunda da águas. Abendmuse [1] Ans Blumenfenster wieder kehrt des Kirchturms Schatten Und Goldnes. Die heiße Stirn verglüht in Ruh und Schweigen. Ein Brunnen fällt im Dunkel von Kastanienzweigen – Da fühlst du: es ist gut! in schmerzlichem Ermatten. Der Markt ist leer von Sommerfrüchten und Gewinden. Einträchtig stimmt der Tore schwärzliches Gepränge. In einem Garten tönen sanften Spieles Klänge, Wo Freunde nach dem Mahle sich zusammenfinden. Des weißen Magiers Märchen lauscht die Seele gerne. Rund saust das Korn, das Mäher nachmittags geschnitten. Geduldig schweigt das harte Leben in den Hütten; Der Kühe linden Schlaf bescheint die Stallaterne. Von Lüften trunken sinken balde ein die Lider Und öffnen leise sich zu fremden Sternenzeichen. Endymion taucht aus dem Dunkel alter Eichen Und beugt sich über trauervolle Wasser nieder. [1] TRAKL, GEORG. (2008). Das dichterische Werk: Auf Grund der historisch-kritischen Ausgabe. Editores: Walther Killy e Hans Szklenar. Munique. Deutscher Taschenbuch Verlag, p. 18. Ao menino Elis Elis, quando na negra floresta canta o melro, Esta é a tua decadência. Os teus lábios bebem a frescura da fonte azul na falésia. Deixa que a tua fronte sangre levemente Lendas muito antigas E a interpretação obscura do voo das aves. Mas tu caminhas com suaves passos em direcção à noite, Que pende cheia de uvas cor de púrpura E tu agitas de forma mais bela os braços no azul. Ecoa um arbusto, Onde se encontram os teus olhos lunares. Oh!, há quanto tempo, Elis, morreste tu. Teu corpo é um jacinto, No qual um monge mergulha os seus dedos de cera. O nosso silêncio é uma caverna negra, De lá sai, às vezes, um animal meigo E lentamente fecha pesadas as pálpebras. Sobre as tuas têmporas goteja orvalho negro, O último ouro das estrelas caídas. An den Knaben Elis[1] Elis, wenn die Amsel im schwarzen Wald ruft, Dieses ist dein Untergang. Deine Lippen trinken die Kühle des blauen Felsenquells. Laß, wenn deine Stirne leise blutet Uralte Legenden Und dunkle Deutung des Vogelflugs. Du aber gehst mit weichen Schritten in die Nacht, Die voll purpurner Trauben hängt Und du regst die Arme schöner im Blau. Ein Dornenbusch tönt, Wo deine mondenen Augen sind. O, wie lange bist, Elis, du verstorben. Dein Leib ist eine Hyazinthe, In die ein Mönch die wächsernen Finger taucht. Eine schwarze Höhle ist unser Schweigen, Daraus bisweilen ein sanftes Tier tritt Und langsam die schweren Lider senkt. Auf deine Schläfen tropft schwarzer Tau, Das letzte Gold verfallener Sterne. [1] TRAKL, GEORG. (2008). Das dichterische Werk: Auf Grund der historisch-kritischen Ausgabe. Editores: Walther Killy e Hans Szklenar. Munique. Deutscher Taschenbuch Verlag, p. 17. Noite de trovoada Oh!, as horas encarnadas da noite! Cintilante vacila na janela aberta, Confusa a folhagem para o azul Lá dentro os fantasmas da Angústia fazem o seu ninho O pó dança no fedor das sargetas O vento crepitante bate nos vidros das janelas. [como] Um esquadrão de cavalos selvagens, nuvens deslumbrantes atiçam relâmpagos. Com estrondo estilhaça o espelho de água. Gaivotas gritam no encaixe das janelas. Um cavaleiro de fogo salta da colina E desfaz-se no abeto em chamas. Gemem doentes no hospital. Azuladamente freme a plumagem da noite. Cintilante troveja a chuva, de súbito, sobre os telhados. Der Gewitterabend[1] O die roten Abendstunden! Flimmernd schwankt am offenen Fenster Weinlaub wirr ins Blau gewunden, Drinnen nisten Angstgespenster. Staub tanzt im Gestank der Gossen. Klirrend stößt der Wind in Scheiben. Einen Zug von wilden Rossen Blitze grelle Wolken treiben, Laut zerspringt der Weiherspiegel. Möven schrein am Fensterrahmen. Feuerreiter sprengt vom Hügel Und zerschellt im Tann zu Flammen. Kranke kreischen im Spitale. Bläulich schwirrt der Nacht Gefieder. Glitzernd braust mit einem Male Regen auf die Dächer nieder. [1] TRAKL, GEORG. (2008). Das dichterische Werk: Auf Grund der historisch-kritischen Ausgabe. Editores: Walther Killy e Hans Szklenar. Munique. Deutscher Taschenbuch Verlag, pp. 17-18. Gospel Sinais, um raro bordado, Pinta um ondulante canteiro de flores. Sopra a brisa dourada de Deus Para dentro da sala no jardim Serena. Ergue-se uma cruz na vinha selvagem. Escuta na aldeia como tantos se alegram, O jardineiro apara a relva junto ao muro. Suave o órgão soa. Mistura som e aparição dourada, Som e aparição. O amor abençoa o pão e o vinho. Meninas pequeninas entram também, E, por fim, o galo canta. Devagar abre-se uma cerca podre. E nas coroas de rosas e fileiras, Nas fileiras de rosas, Descansa Maria, branca e fina. O mendigo, ali na pedra antiga, Parece ter morrido em oração. Suave desce a colina o pastor, E um anjo canta no bosque, Próximo do bosque, Onde crianças adormecem. Geistliches Lied[1] Zeichen, seltne Stickerein Malt ein flatternd Blumenbeet. Gottes blauer Odem weht In den Gartensaal herein, Heiter ein. Ragt ein Kreuz im wilden Wein. Hör’ im Dorf sich viele freun, Gärtner an der Mauer mäht, Leise eine Orgel geht, Mischet Klang und goldenen Schein, Klang und Schein. Liebe segnet Brot und Wein. Mädchen kommen auch herein Und der Hahn zum letzten kräht. Sacht ein morsches Gitter geht Und in Rosen Kranz und Reihn, Rosenreihn Ruht Maria weiß und fein. Bettler dort am alten Stein Scheint verstorben im Gebet, Sanft ein Hirt vom Hügel geht Und ein Engel singt im Hain, Nah im Hain Kinder in den Schlaf hinein. [1] TRAKL, GEORG. (2008). Das dichterische Werk: Auf Grund der historisch-kritischen Ausgabe. Editores: Walther Killy e Hans Szklenar. Munique. Deutscher Taschenbuch Verlag, p. 19.
António de Castro Caeiro h | Artes, Letras e IdeiasPoesia – Georg Trakl Música em Mirabell[1] 2ª versão [dropcap style≠’circle’]U[/dropcap]ma fonte canta. As nuvens estão No azul claro, brancas, ternas. Pensativos, homens caminham em silêncio À noite através do velho jardim. Dos antepassados o mármore encaneceu. Aves em migração tracejam o longe. Um fauno com olhos mortos vê Sombras que deslizam para a escuridão. A folhagem cai encarnada da velha árvore E entra em círculos pela janela aberta para dentro de casa. Uma chispa de fogo encandece no espaço E pinta fantasmas perturbados pela angústia. Um estranho branco entra dentro de casa. Um cão precipita-se por corredores apodrecidos. A criada apaga uma vela. O ouvido escuta de noite sons de sonatas. Musik im Mirabell Zweite Fassung Ein Brunnen singt. Die Wolken stehn Im klaren Blau, die weißen, zarten. Bedächtig stille Menschen gehn Am Abend durch den alten Garten. Der Ahnen Marmor ist ergraut. Ein Vogelzug streift in die Weiten. Ein Faun mit toten Augen schaut Nach Schatten, die ins Dunkel gleiten. Das Laub fällt rot vom alten Baum Und kreist herein durchs offne Fenster. Ein Feuerschein glüht auf im Raum Und malet trübe Angstgespenster. Ein weißer Fremdling tritt ins Haus. Ein Hund stürzt durch verfallene Gänge. Die Magd löscht eine Lampe aus, Das Ohr hört nachts Sonatenklänge. [1] TRAKL, GEORG. (2008). Das dichterische Werk: Auf Grund der historisch-kritischen Ausgabe. Editores: Walther Killy e Hans Szklenar. Munique. Deutscher Taschenbuch Verlag, p. 13. Crepúsculo de Inverno[1] Dedicado a Max von Esterle Negro céu de metal. Nas tempestades encarnadas gralhas enlouquecidas de fome, voam de noite Lívidas, sobre o relvado do parque. Nas nuvens, congela um raio até morrer; E ante as maldições de Satanás, elas contorcem-se em círculo e em número de sete descem para poisar sobre a terra. Na podridão, doce e sem sabor, Aparam, em silêncio, os seus bicos. Ameaçam as casas das paragens em redor; Há claridade no teatro. Winterdämmerung[2] An Max von Esterle Schwarze Himmel von Metall. Kreuz in roten Stürmen wehen Abends hungertolle Krähen Über Parken gram und fahl. Im Gewölk erfriert ein Strahl; Und vor Satans Flüchen drehen Jene sich im Kreis und gehen Nieder siebenfach an Zahl. In Verfaultem süß und schal Lautlos ihre Schnäbel mähen. Häuser dräu’n aus stummen Nähen; Helle im Theatersaal. Kirchen, Brücken und Spital Grauenvoll im Zwielicht stehen. Blutbefleckte Linnen blähen Segel sich auf dem Kanal. [1] KL, GEORG. (2008). Das dichterische Werk: Auf Grund der historisch-kritischen Ausgabe. Editores: Walther Killy e Hans Szklenar. Munique. Deutscher Taschenbuch Verlag, p. 14. [2] https://lyricstranslate.com/pt-br/duu07-winterd%C3%A4mmerung-cr%C3%A9puscule-dhiver.html#ixzz50H6qb4AY
António de Castro Caeiro h | Artes, Letras e IdeiasPoesia – Georg Trakl Na folhagem encarnada cheia de guitarras Na folhagem encarnada cheia de guitarras Das raparigas os cabelos amarelos flutuam Junto à cerca, onde estão os girassóis. Uma carruagem dourada atravessa as nuvens. Nas castanhas sombras, calam o silêncio Os velhos, que estupidamente se abraçam. Os órfãos cantam as vésperas com doçura. No vapor amarelo, zumbem moscas. No ribeiro, as mulheres lavam ainda a roupa. Ondulam estendidos os lençóis de linho. A pequena que há muito me agrada Vem de novo através da noite cinzenta. Do céu ameno, os pardais precipitam-se Na direcção de buracos verdes cheios de podridão. Iludem o faminto ante a convalescença O aroma do pão e ervas secas. Im roten Laubwerk voll Guitarren Im roten Laubwerk voll Guitarren Der Mädchen gelbe Haare wehen Am Zaun, wo Sonnenblumen stehen. Durch Wolken fährt ein goldner Karren. In brauner Schatten Ruh verstummen Die Alten, die sich blöd umschlingen. Die Waisen süß zur Vesper singen. In gelben Dünsten Fliegen summen. Am Bache waschen noch die Frauen. Die aufgehängten Linnen wallen. Die Kleine, die mir lang gefallen, Kommt wieder durch das Abendgrauen. Romance à noite O solitário, sob a tenda de estrelas, Caminha através da meia noite silenciosa, O menino acorda perturbado dos seus sonhos, O seu semblante decai cinzento ao luar. A louca chora com o seu cabelo desgrenhado À janela que está inflexivelmente gradeada. Ao largo do pequeno lago, num doce passeio, Andam à deriva os amantes tão maravilhosos. O assassino sorri pálido no vinho, O horror da morte agarra os doentes. A noviça reza ferida e nua À frente do sofrimento na cruz do salvador. A mãe canta baixinho a dormir. Muito tranquilo a criança olha para a noite Com olhos que são completamente verdadeiros. Na casa de putas, soltam-se gargalhadas. À luz da vela no buraco da adega O morto pinta com mão branca Um silêncio sorridente na parede. O adormecido sussurra ainda. Romanze zur Nacht Einsamer unterm Sternenzelt Geht durch die stille Mitternacht. Der Knab aus Träumen wirr erwacht, Sein Antlitz grau im Mond verfällt. Die Närrin weint mit offnem Haar Am Fenster, das vergittert starrt. Im Teich vorbei auf süßer Fahrt Ziehn Liebende sehr wunderbar. Der Mörder lächelt bleich im Wein, Die Kranken Todesgrausen packt. Die Nonne betet wund und nackt Vor des Heilands Kreuzespein. Die Mutter leis’ im Schlafe singt. Sehr friedlich schaut zur Nacht das Kind Mit Augen, die ganz wahrhaft sind. Im Hurenhaus Gelächter klingt. Beim Talglicht drunt’ im Kellerloch Der Tote malt mit weißer Hand Ein grinsend Schweigen an die Wand. Der Schläfer flüstert immer noch. (Traduções de António de Castro Caeiro)
António de Castro Caeiro h | Artes, Letras e IdeiasA jovem criada A jovem criada [dropcap style≠’circle’]D[/dropcap]e noite, sobre o prado nu, Ela agita-se em sonhos febris. Amuado lamenta, no prado, o vento, E a lua está à escuta nas árvores Logo empalidecem as estrelas em redor E, exaustas de queixumes, As suas faces de cera empalidecem. Uma podridão exala da terra. Triste, sussurra o canavial na lagoa E, encolhida sobre si, gela de frio. Ao longe, canta um galo. Sobre a lagoa Dura e cinzenta, estremece a manhã. Die Junge Magd Nächtens übern kahlen Anger Gaukelt sie in Fieberträumen. Mürrisch greint der Wind im Anger Und der Mond lauscht aus den Bäumen. Balde rings die Sterne bleichen Und ermattet von Beschwerde Wächsern ihre Wangen bleichen. Fäulnis wittert aus der Erde. Traurig rauscht das Rohr im Tümpel Und sie friert in sich gekauert. Fern ein Hahn kräht. Übern Tümpel Hart und grau der Morgen schauert. A jovem criada Na forja, retine o martelo, E ela apressada pelo portão passa. Incandescente o martelo o criado brande, E ela olha para ele como se estivesse morta. Como num sonho, ela é atingida pelo seu riso E cambaleia em direcção da forja. Agacha-se envergonhada com aquele riso, Duro e grosseiro como o martelo As centelhas espalham-se claras pelo espaço E com gestos impotentes, Ela procura agarrar as selvagens centelhas E cai aturdida por terra. Die Junge Magd In der Schmiede dröhnt der Hammer Und sie huscht am Tor vorüber. Glührot schwingt der Knecht den Hammer Und sie schaut wie tot hinüber. Wie im Traum trifft sie ein Lachen; Und sie taumelt in die Schmiede, Scheu geduckt vor seinem Lachen, Wie der Hammer hart und rüde. Hell versprühn im Raum die Funken Und mit hilfloser Geberde Hascht sie nach den wilden Funken Und sie stürzt betäubt zur Erde.
António de Castro Caeiro h | Artes, Letras e IdeiasPoesia de Georg Trakl A jovem criada[1] Dedicado a Ludwig von Ficker 1 Amiúde, junto ao poço, ao entardecer, Vemo-la, enfeitiçada, de pé, a Tirar água, ao entardecer. Baldes a subir e a descer. Nas faias, esvoaçam gralhas, E ela parece-se com uma sombra. Os seu cabelos amarelos esvoaçam E no pátio chiam os ratos. E fascinada pelo declínio, Baixa as pálpebras inflamadas. Erva seca em declínio Cai a seus pés. Die junge Magd Ludwig von Ficker zugeeignet 1 Oft am Brunnen, wenn es dämmert, Sieht man sie verzaubert stehen Wasser schöpfen, wenn es dämmert. Eimer auf und nieder gehen. In den Buchen Dohlen flattern Und sie gleichet einem Schatten. Ihre gelben Haare flattern Und im Hofe schrein die Ratten. Und umschmeichelt von Verfalle Senkt sie die entzundenen Lider. Dürres Gras neigt im Verfalle Sich zu ihren Füssen nieder. [1] TRAKL, GEORG. (2008). Das dichterische Werk: Auf Grund der historisch-kritischen Ausgabe. Editores: Walther Killy e Hans Szklenar. Munique. Deutscher Taschenbuch Verlag. A jovem criada 2 Silenciosamente, trabalha no quarto E o pátio há muito que está deserto. No sabugueiro, à frente do quarto, Um melro canta o seu lamento. Prateada a sua imagem, no espelho, olha estranhamente para ela, no lusco-fusco, E a imagem entardece pálida no espelho, E estremece perante a pureza da rapariga. Como num sonho, canta um criado na escuridão, E ela olha-o fixamente, abalada pela dor. Uma vermelhidão goteja através da escuridão. De repente, o vento sul sacode o portão. Die junge Magd 2 Stille schafft sie in der Kammer Und der Hof liegt längst verödet. Im Hollunder vor der Kammer Kläglich eine Amsel flötet. Silbern schaut ihr Bild im Spiegel Fremd sie an im Zwielichtscheine Und verdämmert fahl im Spiegel Und ihr graut vor seiner Reine. Traumhaft singt ein Knecht im Dunkel Und sie starrt von Schmerz geschüttelt. Röte träufelt durch das Dunkel. Jäh am Tor der Südwind rüttelt.