A linguagem I

Noite de inverno
Georg Trakl

 

[dropcap]Q[/dropcap]uando a neve dá na janela
Tocam, longamente, os sinos.
A mesa está pronta para muitos,
E a casa está bem arrumada.

Alguns chegam à porta,
Pelos caminhos sombrios da peregrinação.
Dourada floresce a árvore das bênçãos,
O suco fresco que vem da terra.

Caminhantes entram em silêncio.
O limiar petrifica a dor.
Aí, num clarão puro, reluzem
Pão e vinho sobre a mesa.

Ao comentar este poema de Trakl num ensaio, a Linguagem (Die Sprache), Heidegger faz a aproximação em várias frentes ao significado da linguagem poética de Trakl. A poesia usa a língua mas não para designar factos. Mesmo os factos têm sentido. Há uma diferença entre dizer que as temperaturas serão baixas e cairá neve numa noite de inverno, e o chamamento da noite de inverno. Há uma diferença entre o conteúdo de um boletim meteorológico e a vivência, a experiência que se faz da noite de inverno. A poesia chama à palavra. “Chamar traz o que é chamado por si a uma proximidade.” O chamamento convoca. Mas para onde? Pergunta H.? Para nos levar até ao longe ou trazer o longínquo até nós. Este lugar, onde o que é chamado permanece ainda, existe, não enquanto presença, mas “na sua ausência.” O lugar do longe não é espacial. Não é uma casa particular, numa localidade de uma região. Não é também o lugar do tempo unilinear do passado. Pode até dar-se o caso de nunca termos vivido uma noite de Inverno debaixo de neve. Este aí é multidimensional e não tem necessariamente referente.

As formulações de Heidegger, em “A linguagem (Die Sprache)”, não são nem fácil nem imediatamente inteligíveis. Não são óbvias. A linguagem não é uma mera expressão de factos reais e objectivos, mas é chamamento. A linguagem não é a actividade que sincroniza eventos, espectadores, relatores e ouvintes. Existe como condição de possibilidade de transformação da própria realidade. A realidade dos factos existe apenas, depois de se haver neutralizado todo o potencial de significados. O facto como facto ocorre sempre já num acontecimento de sentido. Há, por isso, significado. Não, factos.
A referência é o que é em vista do sentido interpretativo. O horizonte da linguagem é a atmosfera universal do humano. Cada um de nós não é apenas uma biografia num tempo de esperança de vida. Somos cada um de nós à escala mundial. Melhor, existimos à escala universal implicados em todas as gerações passadas e futuras, que constituem cada humano. Este é o nosso “espaço lógico”. Por outro lado, a linguagem não se limita a expressar o que efectivamente acontece na realidade, no modo indicativo, seja passado, presente ou futuro. O que é, ontologicamente, não é apenas o que está disponível, se apresenta e é visto. O que não é, ontologicamente, não é o que não aparece não está visto, nunca aparece. O que aparentemente não aparece pode surtir um efeito anónimo. Pode ser uma reacção traumática a um acontecimento passado que é apagado da memória cognitiva mas que nos trabalha a partir do seu interior, nos faz ser quem fomos.
A linguagem fala a partir do horizonte do universal humano a constituir a sua abertura na tentativa de obter inteligibilidade e dar sentido ao que acontece. O modo da língua falar não é o de fazer a reportagem do indicativo, do que é representável, do que efectivamente acontece. Não é a expressão representativa da realidade interior daquilo para o que nos dá, das ideias que temos, dos sentimentos que vemos nascer em nós. Nem apenas da realidade exterior, quando a referimos meteorologicamente ou para saber a que dia da semana estamos. A linguagem fala para além dos factos, refere sentidos. O seu elemento é a vida. O seu modo é o condicional, o irreal do que poderia ter sido e não foi e do que não poderia ter acontecido e foi mesmo o que aconteceu. O nosso elemento transcende o indicativo e projecta-se para o futuro em que pode ser, quando acontecer o que gostaríamos que acontecesse, quando a vida será como gostaríamos que fosse. Ou então momento quando estivermos fora da existência. É também uma possibilidade projectada no futuro.

24 Mai 2019

“Salmo”, poema de Georg Trakl

Salmo

dedicado a Karl Kraus de Georg Trakl

[dropcap]H[/dropcap]á uma luz que o vento extinguiu.
Há uma taberna que um bêbado deixa à tarde.
Há uma vinha queimada e negra com buracos cheios de aranhas.
Há um espaço que foi caiado com leite.
O louco morreu. Há uma ilha do mar do sul,
para receber o deus Sol. Rufam os tambores.
Os homens executam danças guerreiras.
As mulheres meneiam as ancas entre trepadeiras e flores de fogo,
quando canta o mar. Oh! o nosso paraíso perdido.
As ninfas abandonaram as florestas douradas.
O estranho vai a enterrar. Depois, cai uma chuva cintilante.
O filho de Pã aparece na figura de um trabalhador da terra,
que dorme ao meio dia sobre o asfalto escaldante.
Há pequenas meninas num pátio com vestidinhos cheios de uma pobreza de partir o coração!
Há quartos cheios de acordes e de sonatas.
Há sombras que se abraçam à frente de um espelho cego. Às janelas do Hospital, aquecem-se convalescentes.
Um barco branco a vapor sobe o canal com pestes sangrentas.
A estranha irmã aparece de novo nos sonhos maus de alguém.
Sossegadamente, no bosque de sabugueiros, ela brinca com as suas estrelas.
O estudante, talvez um sósia, segue-a através da janela até desaparecer.
Atrás dele jaz o seu irmão morto, ou então ele desce a velha escada de caracol.
No escuro, as castanhas empalidecem o rosto de um jovem noviço.
O jardim está ao anoitecer. No cruzamento esvoaçam os morcegos em redor.
Os filhos do caseiro acabam de brincar e procuram o ouro do céu.
Acordes finais de um quarteto.
A pequena cega corre a tremer pela alameda,
e mais tarde toca a sua sombra no muro frio, envolta por contos de fadas e lendas de santos.
Há um barco vazio que desce o canal negro ao anoitecer.
Na obscuridade do velho asilo decaem ruínas humanas.
Os órfãos mortos jazem nos muros do jardim.
De quartos cinzentos surgem anjos com asas sujas de lama.
Vermes saem das suas pálpebras amarelecidas.
A praça em frente da igreja é lúgubre e silenciosa, tal como nos dias da infância.
Sobre pegadas prateadas deslizam vidas passadas
E as sombras dos condenados descem até às águas pestilentas.
Na sua sepultura o mágico branco brinca com as suas cobras.

Silenciosamente sobre o calvário abrem-se os olhos dourados de Deus.

Psalm

Fassung Karl Kraus zugeeignet

Es ist ein Licht, das der Wind ausgelöscht hat.
Es ist ein Heidekrug, den am Nachmittag ein Betrunkener verläßt.
Es ist ein Weinberg, verbrannt und schwarz mit Löchern voll Spinnen.
Es ist ein Raum, den sie mit Milch getüncht haben. Der Wahnsinnige ist gestorben.
Es ist eine Insel der Südsee, Den Sonnengott zu empfangen. Man rührt die Trommeln.
Die Männer führen kriegerische Tänze auf.
Die Frauen wiegen die Hüften in Schlinggewächsen und Feuerblumen, Wenn das Meer singt. O unser verlorenes Paradies.
Die Nymphen haben die goldenen Wälder verlassen. Man begräbt den Fremden.
Dann hebt ein Flimmerregen an.
Der Sohn des Pan erscheint in Gestalt eines Erdarbeiters,
Der den Mittag am glühenden Asphalt verschläft.
Es sind kleine Mädchen in einem Hof in Kleidchen voll herzzerreißender Armut!
Es sind Zimmer, erfüllt von Akkorden und Sonaten.
Es sind Schatten, die sich vor einem erblindeten Spiegel umarmen.
An den Fenstern des Spitals wärmen sich Genesende.
Ein weißer Dampfer am Kanal trägt blutige Seuchen herauf.
Die fremde Schwester erscheint wieder in jemands bösen Träumen.
Ruhend im Haselgebüsch spielt sie mit seinen Sternen.
Der Student, vielleicht ein Doppelgänger, schaut ihr lange vom Fenster nach.
Hinter ihm steht sein toter Bruder, oder er geht die alte Wendeltreppe herab.
Im Dunkel brauner Kastanien verblaßt die Gestalt des jungen Novizen.
Der Garten ist im Abend. Im Kreuzgang flattern die Fledermäuse umher.
Die Kinder des Hausmeisters hören zu spielen auf und suchen das Gold des Himmels. Endakkorde eines Quartetts.
Die kleine Blinde läuft zitternd durch die Allee,
Und später tastet ihr Schatten an kalten Mauern hin, umgeben von Märchen und heiligen Legenden.
Es ist ein leeres Boot, das am Abend den schwarzen Kanal heruntertreibt.
In der Düsternis des alten Asyls verfallen menschliche Ruinen.
Die toten Waisen liegen an der Gartenmauer. Aus grauen Zimmern treten Engel mit kotgefleckten Flügeln.
Würmer tropfen von ihren vergilbten Lidern.
Der Platz vor der Kirche ist finster und schweigsam, wie in den Tagen der Kindheit.
Auf silbernen Sohlen gleiten frühere Leben vorbei Und die Schatten der Verdammten steigen zu den seufzenden Wassern nieder.
In seinem Grab spielt der weiße Magier mit seinen Schlangen.

Schweigsam über der Schädelstätte öffnen sich Gottes goldene Augen.

12 Set 2018

“Outono transfigurado”, um poema de Georg Trakl traduzido

Outono transfigurado

[dropcap style≠’circle’]É[/dropcap] terrível como acaba o ano,
com vinho dourado e o fruto dos jardins.
Em redor, silenciam-se maravilhosas as florestas,
Que são as companheiras do solitário.

Diz então o camponês: “que bom!”
E vós, sinos da tarde, longos e suaves,
Dai ainda uma coragem alegre para o fim.
O traço das aves em voo saúda a viagem.

É o tempo terno do amor.
No barco que desce o rio azul,
Com que beleza uma imagem se liga a outra imagem.
Tudo submerge em sossego e silêncio.

Verklärter Herbst

Gewaltig endet so das Jahr
Mit goldnem Wein und Frucht der Gärten.
Rund schweigen Wälder wunderbar
Und sind des Einsamen Gefährten.

Da sagt der Landmann: Es ist gut.
Ihr Abendglocken lang und leise
Gebt noch zum Ende frohen Mut.
Ein Vogelzug grüßt auf der Reise.

Es ist der Liebe milde Zeit.
Im Kahn den blauen Fluß hinunter
Wie schön sich Bild an Bildchen reiht –
Das geht in Ruh und Schweigen unter.

3 Set 2018

Dois poemas de Georg Trakl traduzidos

Melancolia – 3ª Versão

 

[dropcap style≠’circle’]S[/dropcap]ombras azuladas. Oh!, os vossos olhos escuros,

Que longamente me fixam, ao passar.

Acordes suaves de guitarra acompanham o outono,

No jardim, dissolvido em lixívia castanha.

As mãos das ninfas preparam a lugubridade séria

Da morte. Lábios podres sugam leite de

Peitos encarnados e na lixívia negra

Deslizam os caracóis húmidos do filho do sol.

 

Melancholie[1]

Bläuliche Schatten. O ihr dunklen Augen,
Die lang mich anschaun im Vorübergleiten.
Guitarrenklänge sanft den Herbst begleiten
Im Garten, aufgelöst in braunen Laugen.
Des Todes ernste Düsternis bereiten
Nymphische Hände, an roten Brüsten saugen
Verfallne Lippen und in schwarzen Laugen
Des Sonnenjünglings feuchte Locken gleiten.

[1] TRAKL, GEORG. (2008). Das dichterische Werk: Auf Grund der historisch-kritischen Ausgabe. Editores: Walther Killy e Hans Szklenar. Munique. Deutscher Taschenbuch Verlag, p. 22.

 

Humanidade

 

Humanidade posta perante gargantas de fogo,

Rufar de tambores, semblantes escuros dos guerreiros,

Passos através de um nevoeiro de sangue. Ressoa o ferro negro.

Desespero. Noite em cérebros tristes:

Aqui as sombras de Eva, a caça e o dinheiro encarnado.

Nuvens que a luz trespassa, a ceia.

Um silêncio suave habita o pão e o vinho

E aqueles ali reuniram-se. Doze em número.

À noite, gritam a dormir debaixo dos ramos da oliveira.

São Tomé mergulha a mão nas feridas.

 

 

Menschheit[1]

 

Menschheit vor Feuerschlünden aufgestellt,

Ein Trommelwirbel, dunkler Krieger Stirnen,

Schritte durch Blutnebel; schwarzes Eisen schellt,

Verzweiflung, Nacht in traurigen Gehirnen:

Hier Evas Schatten, Jagd und rotes Geld.

Gewölk, das Licht durchbricht, das Abendmahl.

Es wohnt in Brot und Wein ein sanftes Schweigen

Und jene sind versammelt zwölf an Zahl.

Nachts schreien im Schlaf sie unter Ölbaumzweigen;

Sankt Thomas taucht die Hand ins Wundenmal.

[1] Trakl, Georg. (2008). Das dichterische Werk: Auf Grund der historisch-kritischen Ausgabe. Editores: Walther Killy e Hans Szklenar. Munique. Deutscher Taschenbuch Verlag, p. 27.

24 Jul 2018

Dois poemas de Georg Trakl traduzidos

Proximidade da morte
2ª versão

[dropcap style≠’circle’]O[/dropcap]h! a noite que chega até às aldeias lúgubres da infância.

A lagoa entre as pastagens

enche-se com os suspiros pestilentos da melancolia.

Oh! a floresta que mergulha suavemente nos olhos castanhos,

para aí das mãos ossudas do solitário

a púrpura dos seus dias delirantes decair.

oh! a proximidade da morte. Rezemos.

nesta noite, desfazem-se sobre almofadas mornas

amarelecidos pelo intenso os frágeis corpos dos amantes

 

Nähe des Todes

 

  1. Fassung

 

O der Abend, der in die finsteren Dörfer der Kindheit geht.

Der Weiher unter den Weiden

Füllt sich mit den verpesteten Seufzern der Schwermut.

 

O der Wald, der leise die braunen Augen senkt,

Da aus des Einsamen knöchernen Händen

Der Purpur seiner verzückten Tage hinsinkt.

 

O die Nähe des Todes. Laß uns beten.

In dieser Nacht lösen auf lauen Kissen

Vergilbt von Weihrauch sich der Liebenden schmächtige Glieder.

 

Dia de Todos os Santos
a Karl Hauer

Triste aliança, homenzinhos, mulherinhas,

Espalham hoje flores azuis e encarnadas

Sobre as suas sepulturas, que timidamente se aclararam.

Agem como pobres marionetas perante a morte.

 

Oh! Como parecem existir aqui cheios de angústia e humildade,

Como sombras de pé atrás de negros arbustos.

No vento de outono, lamenta-se o choro das crianças não nascidas,

Também se vêem luzes perderem-se na loucura.

 

Os suspiros dos amantes sopram nos ramos

E lá apodrece a mãe com a sua criança.

Irreal parece a dança dos seres vivos

E admiravelmente espalha-se no vento nocturno.

 

Tão confusa a vida deles, tão cheia de lúgubres tormentos.

Tem piedade, Deus, do inferno e do martírio das mulheres,

E do seu lamento mortal, desesperançado.

Sozinhas, em silêncio, vagueiam na sala das estrelas.

Allerseelen[1]
An Karl Hauer

 

Die Männlein, Weiblein, traurige Gesellen,

Sie streuen heute Blumen blau und rot

Auf ihre Grüfte, die sich zag erhellen.

Sie tun wie arme Puppen vor dem Tod.

 

O! wie sie hier voll Angst und Demut scheinen,

Wie Schatten hinter schwarzen Büschen stehn.

Im Herbstwind klagt der Ungebornen Weinen,

Auch sieht man Lichter in der Irre gehn.

 

Das Seufzen Liebender haucht in Gezweigen

Und dort verwest die Mutter mit dem Kind.

Unwirklich scheinet der Lebendigen Reigen

Und wunderlich zerstreut im Abendwind.

 

Ihr Leben ist so wirr, voll trüber Plagen.

Erbarm’ dich Gott der Frauen Höll’ und Qual,

Und dieser hoffnungslosen Todesklagen.

Einsame wandeln still im Sternensaal.

 

 

[1] TRAKL, GEORG. (2008). Das dichterische Werk: Auf Grund der historisch-kritischen Ausgabe. Editores: Walther Killy e Hans Szklenar. Munique. Deutscher Taschenbuch Verlag, p. 21.

19 Jul 2018

Dois poemas de Georg Trakl traduzidos

Dämmerung1

 

[dropcap style≠’circle’]I[/dropcap]m Hof, verhext von milchigem Dämmerschein,

Durch Herbstgebräuntes weiche Kranke gleiten.

Ihr wächsern-runder Blick sinnt goldner Zeiten,

Erfüllt von Träumerei und Ruh und Wein.

 

Ihr Siechentum schließt geisterhaft sich ein.

Die Sterne weiße Traurigkeit verbreiten.

Im Grau, erfüllt von Täuschung und Geläuten,

Sieh, wie die Schrecklichen sich wirr zerstreun.

 

Formlose Spottgestalten huschen, kauern

Und flattern sie auf schwarz-gekreuzten Pfaden.

O! trauervolle Schatten an den Mauern.

Die andern fliehn durch dunkelnde Arkaden;

Und nächtens stürzen sie aus roten Schauern

Des Sternenwinds, gleich rasenden Mänaden.

 

Crepúsculo

No pátio, enfeitiçado pela luz láctea do crepúsculo,

Ternos doentes deslizam através do outono acastanhado.

Os seus olhos redondos em cera pensam nos seus tempos dourados,

Cheios de sonhos e paz e vinho.

A enfermidade fecha-os fantasmagoricamente nela.

As estrelas espalham uma tristeza alva

No cinzento, cheios de ilusão e repiques,

Vê como, horríveis, se dissipam confusamente.

As figuras sem forma do escárnio esgueiram-se, de cócoras

E esvoaçam sobre sendas negras negros de cruzamentos.

Oh! Tão tristes as sombras nos muros.

As outras fogem pelas arcadas sombrias.

E à noite precipitam-se com as rajadas rubras

Do vento estrelar, quais Ménades em fúria.

 

De profundis

Es ist ein Stoppelfeld, in das ein schwarzer Regen fällt.

Es ist ein brauner Baum, der einsam dasteht.

Es ist ein Zischelwind, der leere Hütten umkreist.

Wie traurig dieser Abend.

 

Am Weiler vorbei
Sammelt die sanfte Waise noch spärliche Ähren ein.

Ihre Augen weiden rund und goldig in der Dämmerung
Und ihr Schoß harrt des himmlischen Bräutigams.

Bei ihrer Heimkehr
Fanden die Hirten den süßen Leib
Verwest im Dornenbusch.

Ein Schatten bin ich ferne finsteren Dörfern.
Gottes Schweigen
Trank ich aus dem Brunnen des Hains.

Auf meine Stirne tritt kaltes Metall.
Spinnen suchen mein Herz.

Es ist ein Licht, das meinen Mund erlöscht.

Nachts fand ich mich auf einer Heide,
Starrend von Unrat und Staub der Sterne.
Im Haselgebüsch
Klangen wieder kristallne Engel.

 

De profundis

Há um campo de restolho sobre o qual uma chuva negra cai.
Há uma árvore castanha, que aí está de pé, sozinha.

Há um vento sibilante à volta das cabanas vazias.
Como é triste esta noite.

Ao longo da aldeia,

A doce órfã colhe ainda escassas espigas.
Os seus olhos, redondos e dourados, pastam ao entardecer,

E o seu peito anseia pelo noivo celestial.

No regresso,

Os pastores encontram o seu doce corpo

A apodrecer nos arbustos de espinhos.

Uma sombra eu sou, longe das lúgubres vilas.

De Deus o silêncio

Eu bebi na fonte do bosque.

Na minha fronte, aparece metal frio.

Aranhas procuram o meu coração.
Há uma luz que a minha boca extingue. 

À noite, dei por mim numa charneca,

petrificado pela sujidade e pó de estrelas.

No bosque das avelaneiras,

Ressoam, de novo, anjos de cristal.

12 Jul 2018

Poesia de Georg Trakl

ALMA DA VIDA

 

Decadência, que suave ensombra a folhagem.

O seu amplo silêncio mora na floresta.

Em breve, uma aldeia parece inclinar-se, como um fantasma.

A boca da irmã sussurra nos ramos negros.

 

O homem solitário vai desaparecer em breve,

Talvez seja um pastor, sobre caminhos sombrios.

Sai em silêncio um animal da arcada de árvores,

Enquanto as pálpebras se abrem bem perante a divindade.

 

O rio azul escoa, belo.

Nuvens mostram-se de noite.

A alma está num silêncio angelical.

Figuras passageiras decaem.

 

Seele des Lebens

 

Verfall, der weich das Laub umdüstert,

Es wohnt im Wald sein weites Schweigen.

Bald scheint ein Dorf sich geisterhaft zu neigen.

Der Schwester Mund in schwarzen Zweigen flüstert.

 

Der Einsame wird bald entgleiten,

Vielleicht ein Hirt auf dunklen Pfaden.

Ein Tier tritt leise aus den Baumarkaden,

Indes die Lider sich vor Gottheit weiten.

 

Der blaue Fluß rinnt schön hinunter,

Gewölke sich am Abend zeigen;

Die Seele auch in engelhaftem Schweigen.

Vergängliche Gebilde gehen unter.

 

Dia de Todos os Santos

a Karl Hauer

 

Triste aliança, homenzinhos, mulherinhas,

Espalham hoje flores azuis e encarnadas

Sobre as suas sepulturas, que timidamente se aclararam.

Agem como pobres marionetas perante a morte.

 

Oh! Como parecem existir aqui cheios de angústia e humildade,

Como sombras de pé atrás de negros arbustos.

No vento de outono, lamenta-se o choro das crianças não nascidas,

Também se vêem luzes perderem-se na loucura.

 

Os suspiros dos amantes sopram nos ramos

E lá apodrece a mãe com a sua criança.

Irreal parece a dança dos seres vivos

E admiravelmente espalha-se no vento nocturno.

 

Tão confusa a vida deles, tão cheia de lúgubres tormentos.

Tem piedade, Deus, do inferno e do martírio das mulheres,

E do seu lamento mortal, desesperançado.

Sozinhas, em silêncio, vagueiam na sala das estrelas.

 

Allerseelen

An Karl Hauer

 

Die Männlein, Weiblein, traurige Gesellen,

Sie streuen heute Blumen blau und rot

Auf ihre Grüfte, die sich zag erhellen.

Sie tun wie arme Puppen vor dem Tod.

 

O! wie sie hier voll Angst und Demut scheinen,

Wie Schatten hinter schwarzen Büschen stehn.

Im Herbstwind klagt der Ungebornen Weinen,

Auch sieht man Lichter in der Irre gehn.

 

Das Seufzen Liebender haucht in Gezweigen

Und dort verwest die Mutter mit dem Kind.

Unwirklich scheinet der Lebendigen Reigen

Und wunderlich zerstreut im Abendwind.

 

Ihr Leben ist so wirr, voll trüber Plagen.

Erbarm’ dich Gott der Frauen Höll’ und Qual,

Und dieser hoffnungslosen Todesklagen.

Einsame wandeln still im Sternensaal.

22 Jun 2018

Cinco poemas de Georg Trakl traduzidos

De profundis

 

[dropcap style≠’circle’]H[/dropcap]á um campo de restolho sobre o qual uma chuva negra cai.
Há uma árvore castanha, que aí está de pé, sozinha.

Há um vento sibilante à volta das cabanas vazias.
Como é triste esta noite.

Ao longo da aldeia,

A doce órfã colhe ainda escassas espigas.
Os seus olhos, redondos e dourados, pastam ao entardecer,

E o seu peito anseia pelo noivo celestial.

No regresso,

Os pastores encontram o seu doce corpo

A apodrecer nos arbustos de espinhos.

Uma sombra eu sou, longe das lúgubres vilas.

De Deus o silêncio

Eu bebi na fonte do bosque.

Na minha fronte, aparece metal frio.

Aranhas procuram o meu coração.
Há uma luz que a minha boca extingue.

À noite, dei por mim numa charneca,

petrificado pela sujidade e pó de estrelas.

No bosque das avelaneiras,

Ressoam, de novo, anjos de cristal.

 

De profundis[1]

Es ist ein Stoppelfeld, in das ein schwarzer Regen fällt.

Es ist ein brauner Baum, der einsam dasteht.

Es ist ein Zischelwind, der leere Hütten umkreist.

Wie traurig dieser Abend.

Am Weiler vorbei
Sammelt die sanfte Waise noch spärliche Ähren ein.

Ihre Augen weiden rund und goldig in der Dämmerung
Und ihr Schoß harrt des himmlischen Bräutigams.

Bei ihrer Heimkehr
Fanden die Hirten den süßen Leib
Verwest im Dornenbusch.

Ein Schatten bin ich ferne finsteren Dörfern.
Gottes Schweigen
Trank ich aus dem Brunnen des Hains.

Auf meine Stirne tritt kaltes Metall.
Spinnen suchen mein Herz.

Es ist ein Licht, das meinen Mund erlöscht.

Nachts fand ich mich auf einer Heide,
Starrend von Unrat und Staub der Sterne.
Im Haselgebüsch
Klangen wieder kristallne Engel.

 

Humanidade

Humanidade posta perante gargantas de fogo,

Rufar de tambores, semblantes escuros dos guerreiros,

Passos através de um nevoeiro de sangue. Ressoa o ferro negro.

Desespero. Noite em cérebros tristes:

Aqui as sombras de Eva, a caça e o dinheiro encarnado.

Nuvens que a luz trespassa, a ceia.

Um silêncio suave habita o pão e o vinho

E aqueles ali reuniram-se. Doze em número.

À noite, gritam a dormir debaixo dos ramos da oliveira.

São Tomé mergulha a mão nas feridas.

 

Menschheit

Menschheit vor Feuerschlünden aufgestellt,

Ein Trommelwirbel, dunkler Krieger Stirnen,

Schritte durch Blutnebel; schwarzes Eisen schellt,

Verzweiflung, Nacht in traurigen Gehirnen:

Hier Evas Schatten, Jagd und rotes Geld.

Gewölk, das Licht durchbricht, das Abendmahl.

Es wohnt in Brot und Wein ein sanftes Schweigen

Und jene sind versammelt zwölf an Zahl.

Nachts schreien im Schlaf sie unter Ölbaumzweigen;

Sankt Thomas taucht die Hand ins Wundenmal.

 

Alma da vida

 

Decadência, que suave ensombra a folhagem.

O seu amplo silêncio mora na floresta.

Em breve, uma aldeia parece inclinar-se, como um fantasma.

A boca da irmã sussurra nos ramos negros.

O homem solitário vai desaparecer em breve,

Talvez seja um pastor, sobre caminhos sombrios.

Sai em silêncio um animal da arcada de árvores,

Enquanto as pálpebras se abrem bem perante a divindade.

O rio azul escoa, belo.

Nuvens mostram-se de noite.

A alma está num silêncio angelical.

Figuras passageiras decaem.

 

Seele des Lebens[1]

Verfall, der weich das Laub umdüstert,

Es wohnt im Wald sein weites Schweigen.

Bald scheint ein Dorf sich geisterhaft zu neigen.

Der Schwester Mund in schwarzen Zweigen flüstert.

 

Der Einsame wird bald entgleiten,

Vielleicht ein Hirt auf dunklen Pfaden.

Ein Tier tritt leise aus den Baumarkaden,

Indes die Lider sich vor Gottheit weiten.

 

Der blaue Fluß rinnt schön hinunter,

Gewölke sich am Abend zeigen;

Die Seele auch in engelhaftem Schweigen.

Vergängliche Gebilde gehen unter.

 

Crepúsculo

No pátio, enfeitiçado pela luz láctea do crepúsculo,

Ternos doentes deslizam através do outono acastanhado.

Os seus olhos redondos em cera pensam nos seus tempos dourados,

Cheios de sonhos e paz e vinho.

 

A enfermidade fecha-os fantasmagoricamente nela.

As estrelas espalham uma tristeza alva

No cinzento, cheios de ilusão e repiques,

Vê como, horríveis, se dissipam confusamente.

 

As figuras sem forma do escárnio esgueiram-se, de cócoras

E esvoaçam sobre sendas negras negros de cruzamentos.

Oh! Tão tristes as sombras nos muros.

 

As outras fogem pelas arcadas sombrias.

E à noite precipitam-se com as rajadas rubras

Do vento estrelar, quais Ménades em fúria.

 

Dämmerung

Im Hof, verhext von milchigem Dämmerschein,

Durch Herbstgebräuntes weiche Kranke gleiten.

Ihr wächsern-runder Blick sinnt goldner Zeiten,

Erfüllt von Träumerei und Ruh und Wein.

 

Ihr Siechentum schließt geisterhaft sich ein.

Die Sterne weiße Traurigkeit verbreiten.

Im Grau, erfüllt von Täuschung und Geläuten,

Sieh, wie die Schrecklichen sich wirr zerstreun.

 

Formlose Spottgestalten huschen, kauern

Und flattern sie auf schwarz-gekreuzten Pfaden.

O! trauervolle Schatten an den Mauern.

Die andern fliehn durch dunkelnde Arkaden;

Und nächtens stürzen sie aus roten Schauern

Des Sternenwinds, gleich rasenden Mänaden.

 

Melancolia – 3ª Versão

 

Sombras azuladas. Oh!, os vossos olhos escuros,

Que longamente me fixam, ao passar.

Acordes suaves de guitarra acompanham o outono,

No jardim, dissolvido em lixívia castanha.

As mãos das ninfas preparam a lugubridade séria

Da morte. Lábios podres sugam leite de

Peitos encarnados e na lixívia negra

Deslizam os caracóis húmidos do filho do sol.

 

Melancholie

Bläuliche Schatten. O ihr dunklen Augen,
Die lang mich anschaun im Vorübergleiten.
Guitarrenklänge sanft den Herbst begleiten
Im Garten, aufgelöst in braunen Laugen.
Des Todes ernste Düsternis bereiten
Nymphische Hände, an roten Brüsten saugen
Verfallne Lippen und in schwarzen Laugen
Des Sonnenjünglings feuchte Locken gleiten.

 

[1] Trakl, Georg. (2008). Das dichterische Werk: Auf Grund der historisch-kritischen Ausgabe. Editores: Walther Killy e Hans Szklenar. Munique. Deutscher Taschenbuch Verlag, p. 27.

14 Jun 2018

Poesia de Georg Trakl

Ao anoitecer meu coração

 

[dropcap style≠’circle’]A[/dropcap]o anoitecer ouvem-se os morcegos trissar.

Dois cavalos pretos saltam sobre o prado

O ácer vermelho rumoreja.

Ao viandante aparece a pequena taberna à beira da estrada.

Delícia saborear vinho novo e nozes.

Delícia vacilar bêbedo na floresta ao crepúsculo.

Através da ramagem negra tinem aflitos os sinos.

Sobre o rosto goteja o orvalho.

 

Zu Abend mein Herz[1]

 

Am Abend hört man den Schrei der Fledermäuse.

Zwei Rappen springen auf der Wiese.

Der rote Ahorn rauscht.

Dem Wanderer erscheint die kleine Schenke am Weg.

Herrlich schmecken junger Wein und Nüsse.

Herrlich: betrunken zu taumeln in dämmernden Wald.

Durch schwarzes Geäst tönen schmerzliche Glocken.

Auf das Gesicht tropft Tau.

[1] TRAKL, GEORG. (2008). Das dichterische Werk: Auf Grund der historisch-kritischen Ausgabe. Editores: Walther Killy e Hans Szklenar. Munique. Deutscher Taschenbuch Verlag, p. 20.

 

Dia de Todos os Santos
a Karl Hauer

Triste aliança, homenzinhos, mulherinhas,

Espalham hoje flores azuis e encarnadas

Sobre as suas sepulturas, que timidamente se aclararam.

Agem como pobres marionetas perante a morte.

 

Oh! Como parecem existir aqui cheios de angústia e humildade,

Como sombras de pé atrás de negros arbustos.

No vento de outono, lamenta-se o choro das crianças não nascidas,

Também se vêem luzes perderem-se na loucura.

 

Os suspiros dos amantes sopram nos ramos

E lá apodrece a mãe com a sua criança.

Irreal parece a dança dos seres vivos

E admiravelmente espalha-se no vento nocturno.

 

Tão confusa a vida deles, tão cheia de lúgubres tormentos.

Tem piedade, Deus, do inferno e do martírio das mulheres,

E do seu lamento mortal, desesperançado.

Sozinhas, em silêncio, vagueiam na sala das estrelas.

 

Allerseelen[1]
An Karl Hauer

Die Männlein, Weiblein, traurige Gesellen,

Sie streuen heute Blumen blau und rot

Auf ihre Grüfte, die sich zag erhellen.

Sie tun wie arme Puppen vor dem Tod.

 

O! wie sie hier voll Angst und Demut scheinen,

Wie Schatten hinter schwarzen Büschen stehn.

Im Herbstwind klagt der Ungebornen Weinen,

Auch sieht man Lichter in der Irre gehn.

 

Das Seufzen Liebender haucht in Gezweigen

Und dort verwest die Mutter mit dem Kind.

Unwirklich scheinet der Lebendigen Reigen

Und wunderlich zerstreut im Abendwind.

 

Ihr Leben ist so wirr, voll trüber Plagen.

Erbarm’ dich Gott der Frauen Höll’ und Qual,

Und dieser hoffnungslosen Todesklagen.

Einsame wandeln still im Sternensaal.

[1] TRAKL, GEORG. (2008). Das dichterische Werk: Auf Grund der historisch-kritischen Ausgabe. Editores: Walther Killy e Hans Szklenar. Munique. Deutscher Taschenbuch Verlag, p. 21.

 

Os camponeses

 

À frente da janela, ressoam o verde e vermelho.

E na sala baixa enegrecida pelo fumo,

Sentam-se os criados e as criadas à refeição;

Servem o vinho e partem o pão.

 

No silêncio profundo do meio-dia,

Uma escassa palavra, por vezes, cai.

Os campos, sem cessar, cintilam

E o céu é de chumbo e vasto.

 

Grotesca a brasa cintila no fogão,

E um enxame de moscas zumbe.

As criadas estão à escuta, tontas e caladas,

E o sangue martela as suas frontes.

 

E às vezes cruzam-se olhares cobiçosos,

Quando um odor animal enche todo o quarto.

Monocórdico um criado faz as suas orações,

E debaixo da porta, um galo canta.

 

E de novo no campo. Um horror frequente apodera-se

Deles no fragor das espigas frementes,

E, tinindo, baloiçam, indo e vindo,

Numa cadência fantasmagórica, as foices.

 

Die Bauern[1]

 

Vorm Fenster tönendes Grün und Rot.

Im schwarzverräucherten, niederen Saal

Sitzen die Knechte und Mägde beim Mahl;

Und sie schenken den Wein und sie brechen das Brot.

Im tiefen Schweigen der Mittagszeit

Fällt bisweilen ein karges Wort.

Die Äcker flimmern in einem fort

Und der Himmel bleiern und weit.

Fratzenhaft flackert im Herd die Glut

Und ein Schwarm von Fliegen summt.

Die Mägde lauschen blöd und verstummt

Und ihre Schläfen hämmert das Blut.

Und manchmal treffen sich Blicke voll Gier,

Wenn tierischer Dunst die Stube durchweht.

Eintönig spricht ein Knecht das Gebet

Und ein Hahn kräht unter der Tür.

Und wieder ins Feld. Ein Grauen packt

Sie oft im tosenden Ährengebraus

Und klirrend schwingen ein und aus

Die Sensen geisterhaft im Takt.

 

[1] TRAKL, GEORG. (2008). Das dichterische Werk: Auf Grund der historisch-kritischen Ausgabe. Editores: Walther Killy e Hans Szklenar. Munique. Deutscher Taschenbuch Verlag, p. 20-21.

27 Fev 2018

Poesia de Georg Trakl

A musa da noite

 

[dropcap style≠’circle’]À[/dropcap] janela, em flores, regressam as sombras do campanário

E do ouro. A testa quente abrasa em repouso e silêncio.

Do ramo do castanheiro, uma fonte cai na escuridão-

E então tu sentes: É bom!, no esgotamento doloroso.

 

O mercado está vazio de fruta de verão e de grinaldas.

Em uníssono concorda a pompa negra dos portões.

Num jardim, ecoam os sons de um suave jogo,

onde amigos se encontram depois de uma refeição.

 

Os contos do mágico branco escuta com enlevo a alma.

Em redor, escuta-se o barulho do vento no trigo que o ceifeiro colheu à tarde.

Paciente calam-se duras as vidas em cabanas;

ilumina o suave sono das vacas a lanterna do estábulo.

 

Inebriadas pelos ares logo cerram as pálpebras

E abrem-se, sem barulho, para os sinais estranhos das estrelas.

Endimião emerge da escuridão entre carvalhos velhos

E curva-se sobre a tristeza profunda da águas.

 

Abendmuse[1]

 

Ans Blumenfenster wieder kehrt des Kirchturms Schatten

Und Goldnes. Die heiße Stirn verglüht in Ruh und Schweigen.

Ein Brunnen fällt im Dunkel von Kastanienzweigen –

Da fühlst du: es ist gut! in schmerzlichem Ermatten.

 

Der Markt ist leer von Sommerfrüchten und Gewinden.

Einträchtig stimmt der Tore schwärzliches Gepränge.

In einem Garten tönen sanften Spieles Klänge,

Wo Freunde nach dem Mahle sich zusammenfinden.

 

Des weißen Magiers Märchen lauscht die Seele gerne.

Rund saust das Korn, das Mäher nachmittags geschnitten.

Geduldig schweigt das harte Leben in den Hütten;

Der Kühe linden Schlaf bescheint die Stallaterne.

 

Von Lüften trunken sinken balde ein die Lider

Und öffnen leise sich zu fremden Sternenzeichen.

Endymion taucht aus dem Dunkel alter Eichen

Und beugt sich über trauervolle Wasser nieder.

[1] TRAKL, GEORG. (2008). Das dichterische Werk: Auf Grund der historisch-kritischen Ausgabe. Editores: Walther Killy e Hans Szklenar. Munique. Deutscher Taschenbuch Verlag, p. 18.

 

Gospel

 

Sinais, um raro bordado,

Pinta um ondulante canteiro de flores.

Sopra a brisa dourada de Deus

Para dentro da sala no jardim

Serena.

Ergue-se uma cruz na vinha selvagem.

 

Escuta na aldeia como tantos se alegram,

O jardineiro apara a relva junto ao muro.

Suave o órgão soa.

Mistura som e aparição dourada,

Som e aparição.

O amor abençoa o pão e o vinho.

 

Meninas pequeninas entram também,

E, por fim, o galo canta.

Devagar abre-se uma cerca podre.

E nas coroas de rosas e fileiras,

Nas fileiras de rosas,

Descansa Maria, branca e fina.

 

O mendigo, ali na pedra antiga,

Parece ter morrido em oração.

Suave desce a colina o pastor,

E um anjo canta no bosque,

Próximo do bosque,

Onde crianças adormecem.

 

Geistliches Lied[1]

 

Zeichen, seltne Stickerein

Malt ein flatternd Blumenbeet.

Gottes blauer Odem weht

In den Gartensaal herein,

Heiter ein.

Ragt ein Kreuz im wilden Wein.

Hör’ im Dorf sich viele freun,

Gärtner an der Mauer mäht,

Leise eine Orgel geht,

Mischet Klang und goldenen Schein,

Klang und Schein.

Liebe segnet Brot und Wein.

Mädchen kommen auch herein

Und der Hahn zum letzten kräht.

Sacht ein morsches Gitter geht

Und in Rosen Kranz und Reihn,

Rosenreihn

Ruht Maria weiß und fein.

Bettler dort am alten Stein

Scheint verstorben im Gebet,

Sanft ein Hirt vom Hügel geht

Und ein Engel singt im Hain,

Nah im Hain

Kinder in den Schlaf hinein.

[1] TRAKL, GEORG. (2008). Das dichterische Werk: Auf Grund der historisch-kritischen Ausgabe. Editores: Walther Killy e Hans Szklenar. Munique. Deutscher Taschenbuch Verlag, p. 19.

No outono
Im Herbst

Os girassóis luzem junto à cerca,

Em silêncio, doentes sentam-se ao sol.

No campo, afadigam-se mulheres cantando.

Os sinos dobram no mosteiro.

 

As aves contam-te lendas distantes.

Os sinos dobram no mosteiro.

Do pátio, ouvem-se suaves os violinos.

Hoje, pisam o vinho castanho.

 

O homem mostra-se contente e terno.

Hoje, pisam o vinho castanho.

De par em par, abertos estão os jazigos

E bem pintados a raios de sol.

 

IM HERBST[1]

 

Die Sonnenblumen leuchten am Zaun,

Still sitzen Kranke im Sonnenschein.

Im Acker mühn sich singend die Frau’n,

Die Klosterglocken läuten darein.

 

Die Vögel sagen dir ferne Mär’,

Die Klosterglocken läuten darein.

Vom Hof tönt sanft die Geige her.

Heut keltern sie den braunen Wein.

 

Da zeigt der Mensch sich froh und lind.

Heut keltern sie den braunen Wein.

Weit offen die Totenkammern sind

Und schön bemalt vom Sonnenschein.

[1] TRAKL, GEORG. (2008). Das dichterische Werk: Auf Grund der historisch-kritischen Ausgabe. Editores: Walther Killy e Hans Szklenar. Munique. Deutscher Taschenbuch Verlag, p. 20.

 

Sonho do mau
1ª versão

 

Desvanecendo os sons castanho dourados de um gongo –

Um amante acorda em quartos negros,

A cara junto às chamas que cintilam na janela

Na tempestade reluzem velas, mastros, cordas.

 

Um monge, uma mulher grávida ali na multidão.

Tinem guitarras, batas vermelhas cintilam.

Castanheiros sufocados no esplendor dourado definham;

Negra sobressai a pompa triste das igrejas.

 

Através de máscaras brancas olha o espírito do mal.

Uma praça, ao crepúsculo, horrível e lúgubre;

Ao anoitecer, agitam-se, nas ilhas, sussurros.

 

Do voo das aves os sinais confusos lêm

Leprosos, que, de noite, talvez, apodreçam.

No parque, os irmãos, tremendo, olham um para o outro.

 

Traum des Bösen

  1. Fassung[1]

 

Verhallend eines Gongs braungoldne Klänge –

Ein Liebender erwacht in schwarzen Zimmern

Die Wang’ an Flammen, die im Fenster flimmern.

Am Strome blitzen Segel, Masten, Stränge.

Ein Mönch, ein schwangres Weib dort im Gedränge.

Guitarren klimpern, rote Kittel schimmern.

Kastanien schwül in goldnem Glanz verkümmern;

Schwarz ragt der Kirchen trauriges Gepränge.

Aus bleichen Masken schaut der Geist des Bösen.

Ein Platz verdämmert grauenvoll und düster;

Am Abend regt auf Inseln sich Geflüster.

Des Vogelfluges wirre Zeichen lesen

Aussätzige, die zur Nacht vielleicht verwesen.

Im Park erblicken zitternd sich Geschwister.

 

[1] TRAKL, GEORG. (2008). Das dichterische Werk: Auf Grund der historisch-kritischen Ausgabe. Editores: Walther Killy e Hans Szklenar. Munique. Deutscher Taschenbuch Verlag, p. 18-19.

 

14 Fev 2018

Poemas de Georg Trakl

A musa da noite

 

À janela, em flores, regressam as sombras do campanário

E do ouro. A testa quente abrasa em repouso e silêncio.

Do ramo do castanheiro, uma fonte cai na escuridão-

E então tu sentes: É bom!, no esgotamento doloroso.

 

O mercado está vazio de fruta de verão e de grinaldas.

Em uníssono concorda a pompa negra dos portões.

Num jardim, ecoam os sons de um suave jogo,

onde amigos se encontram depois de uma refeição.

 

Os contos do mágico branco escuta com enlevo a alma.

Em redor, escuta-se o barulho do vento no trigo que o ceifeiro colheu à tarde.

Paciente calam-se duras as vidas em cabanas;

ilumina o suave sono das vacas a lanterna do estábulo.

 

Inebriadas pelos ares logo cerram as pálpebras

E abrem-se, sem barulho, para os sinais estranhos das estrelas.

Endimião emerge da escuridão entre carvalhos velhos

E curva-se sobre a tristeza profunda da águas.

 

Abendmuse [1]

 

Ans Blumenfenster wieder kehrt des Kirchturms Schatten

Und Goldnes. Die heiße Stirn verglüht in Ruh und Schweigen.

Ein Brunnen fällt im Dunkel von Kastanienzweigen –

Da fühlst du: es ist gut! in schmerzlichem Ermatten.

 

Der Markt ist leer von Sommerfrüchten und Gewinden.

Einträchtig stimmt der Tore schwärzliches Gepränge.

In einem Garten tönen sanften Spieles Klänge,

Wo Freunde nach dem Mahle sich zusammenfinden.

 

Des weißen Magiers Märchen lauscht die Seele gerne.

Rund saust das Korn, das Mäher nachmittags geschnitten.

Geduldig schweigt das harte Leben in den Hütten;

Der Kühe linden Schlaf bescheint die Stallaterne.

 

Von Lüften trunken sinken balde ein die Lider

Und öffnen leise sich zu fremden Sternenzeichen.

Endymion taucht aus dem Dunkel alter Eichen

Und beugt sich über trauervolle Wasser nieder.

[1] TRAKL, GEORG. (2008). Das dichterische Werk: Auf Grund der historisch-kritischen Ausgabe. Editores: Walther Killy e Hans Szklenar. Munique. Deutscher Taschenbuch Verlag, p. 18.

 

Ao menino Elis

 

Elis, quando na negra floresta canta o melro,

Esta é a tua decadência.

Os teus lábios bebem a frescura da fonte azul na falésia.

 

Deixa que a tua fronte sangre levemente

Lendas muito antigas

E a interpretação obscura do voo das aves.

 

Mas tu caminhas com suaves passos em direcção à noite,

Que pende cheia de uvas cor de púrpura

E tu agitas de forma mais bela os braços no azul.

 

Ecoa um arbusto,

Onde se encontram os teus olhos lunares.

Oh!, há quanto tempo, Elis, morreste tu.

 

Teu corpo é um jacinto,

No qual um monge mergulha os seus dedos de cera.

O nosso silêncio é uma caverna negra,

 

De lá sai, às vezes, um animal meigo

E lentamente fecha pesadas as pálpebras.

Sobre as tuas têmporas goteja orvalho negro,

O último ouro das estrelas caídas.

 

An den Knaben Elis[1]

Elis, wenn die Amsel im schwarzen Wald ruft,

Dieses ist dein Untergang.

Deine Lippen trinken die Kühle des blauen Felsenquells.

Laß, wenn deine Stirne leise blutet

Uralte Legenden

Und dunkle Deutung des Vogelflugs.

Du aber gehst mit weichen Schritten in die Nacht,

Die voll purpurner Trauben hängt

Und du regst die Arme schöner im Blau.

Ein Dornenbusch tönt,

Wo deine mondenen Augen sind.

O, wie lange bist, Elis, du verstorben.

Dein Leib ist eine Hyazinthe,

In die ein Mönch die wächsernen Finger taucht.

Eine schwarze Höhle ist unser Schweigen,

Daraus bisweilen ein sanftes Tier tritt

Und langsam die schweren Lider senkt.

Auf deine Schläfen tropft schwarzer Tau,

Das letzte Gold verfallener Sterne.

[1] TRAKL, GEORG. (2008). Das dichterische Werk: Auf Grund der historisch-kritischen Ausgabe. Editores: Walther Killy e Hans Szklenar. Munique. Deutscher Taschenbuch Verlag, p. 17.

 

Noite de trovoada

Oh!, as horas encarnadas da noite!

Cintilante vacila na janela aberta,

Confusa a folhagem para o azul

Lá dentro os fantasmas da Angústia fazem o seu ninho

 

O pó dança no fedor das sargetas

O vento crepitante bate nos vidros das janelas.

[como] Um esquadrão de cavalos selvagens,

nuvens deslumbrantes atiçam relâmpagos.

 

Com estrondo estilhaça o espelho de água.

Gaivotas gritam no encaixe das janelas.

Um cavaleiro de fogo salta da colina

E desfaz-se no abeto em chamas.

 

Gemem doentes no hospital.

Azuladamente freme a plumagem da noite.

Cintilante troveja a chuva,

de súbito, sobre os telhados.

 

Der Gewitterabend[1]

 

O die roten Abendstunden!

Flimmernd schwankt am offenen Fenster

Weinlaub wirr ins Blau gewunden,

Drinnen nisten Angstgespenster.

Staub tanzt im Gestank der Gossen.

Klirrend stößt der Wind in Scheiben.

Einen Zug von wilden Rossen

Blitze grelle Wolken treiben,

Laut zerspringt der Weiherspiegel.

Möven schrein am Fensterrahmen.

Feuerreiter sprengt vom Hügel

Und zerschellt im Tann zu Flammen.

Kranke kreischen im Spitale.

Bläulich schwirrt der Nacht Gefieder.

Glitzernd braust mit einem Male

Regen auf die Dächer nieder.

[1] TRAKL, GEORG. (2008). Das dichterische Werk: Auf Grund der historisch-kritischen Ausgabe. Editores: Walther Killy e Hans Szklenar. Munique. Deutscher Taschenbuch Verlag, pp. 17-18.

 

Gospel

Sinais, um raro bordado,

Pinta um ondulante canteiro de flores.

Sopra a brisa dourada de Deus

Para dentro da sala no jardim

Serena.

Ergue-se uma cruz na vinha selvagem.

 

Escuta na aldeia como tantos se alegram,

O jardineiro apara a relva junto ao muro.

Suave o órgão soa.

Mistura som e aparição dourada,

Som e aparição.

O amor abençoa o pão e o vinho.

 

Meninas pequeninas entram também,

E, por fim, o galo canta.

Devagar abre-se uma cerca podre.

E nas coroas de rosas e fileiras,

Nas fileiras de rosas,

Descansa Maria, branca e fina.

 

O mendigo, ali na pedra antiga,

Parece ter morrido em oração.

Suave desce a colina o pastor,

E um anjo canta no bosque,

Próximo do bosque,

Onde crianças adormecem.

 

Geistliches Lied[1]

 

Zeichen, seltne Stickerein

Malt ein flatternd Blumenbeet.

Gottes blauer Odem weht

In den Gartensaal herein,

Heiter ein.

Ragt ein Kreuz im wilden Wein.

Hör’ im Dorf sich viele freun,

Gärtner an der Mauer mäht,

Leise eine Orgel geht,

Mischet Klang und goldenen Schein,

Klang und Schein.

Liebe segnet Brot und Wein.

Mädchen kommen auch herein

Und der Hahn zum letzten kräht.

Sacht ein morsches Gitter geht

Und in Rosen Kranz und Reihn,

Rosenreihn

Ruht Maria weiß und fein.

Bettler dort am alten Stein

Scheint verstorben im Gebet,

Sanft ein Hirt vom Hügel geht

Und ein Engel singt im Hain,

Nah im Hain

Kinder in den Schlaf hinein.

[1] TRAKL, GEORG. (2008). Das dichterische Werk: Auf Grund der historisch-kritischen Ausgabe. Editores: Walther Killy e Hans Szklenar. Munique. Deutscher Taschenbuch Verlag, p. 19.

5 Fev 2018

Poesia – Georg Trakl

Música em Mirabell[1] 2ª versão

 

[dropcap style≠’circle’]U[/dropcap]ma fonte canta. As nuvens estão

No azul claro, brancas, ternas.

Pensativos, homens caminham em silêncio

À noite através do velho jardim.

 

Dos antepassados o mármore encaneceu.

Aves em migração tracejam o longe.

Um fauno com olhos mortos vê

Sombras que deslizam para a escuridão.

 

A folhagem cai encarnada da velha árvore

E entra em círculos pela janela aberta para dentro de casa.

Uma chispa de fogo encandece no espaço

E pinta fantasmas perturbados pela angústia.

 

Um estranho branco entra dentro de casa.

Um cão precipita-se por corredores apodrecidos.

A criada apaga uma vela.

O ouvido escuta de noite sons de sonatas.

 

Musik im Mirabell
Zweite Fassung

Ein Brunnen singt. Die Wolken stehn

Im klaren Blau, die weißen, zarten.

Bedächtig stille Menschen gehn

Am Abend durch den alten Garten.

Der Ahnen Marmor ist ergraut.

Ein Vogelzug streift in die Weiten.

Ein Faun mit toten Augen schaut

Nach Schatten, die ins Dunkel gleiten.

Das Laub fällt rot vom alten Baum

Und kreist herein durchs offne Fenster.

Ein Feuerschein glüht auf im Raum

Und malet trübe Angstgespenster.

Ein weißer Fremdling tritt ins Haus.

Ein Hund stürzt durch verfallene Gänge.

Die Magd löscht eine Lampe aus,

Das Ohr hört nachts Sonatenklänge.

 

[1] TRAKL, GEORG. (2008). Das dichterische Werk: Auf Grund der historisch-kritischen Ausgabe. Editores: Walther Killy e Hans Szklenar. Munique. Deutscher Taschenbuch Verlag, p. 13.

 

Crepúsculo de Inverno[1]  Dedicado a Max von Esterle

 

Negro céu de metal.

Nas tempestades encarnadas gralhas

enlouquecidas de fome, voam de noite

Lívidas, sobre o relvado do parque.

 

Nas nuvens, congela um raio até morrer;

E ante as maldições de Satanás, elas contorcem-se

em círculo e em número

de sete descem para poisar sobre a terra.

 

Na podridão, doce e sem sabor,

Aparam, em silêncio, os seus bicos.

Ameaçam as casas das paragens em redor;

Há claridade no teatro.

 

 

Winterdämmerung[2]
An Max von Esterle

 

Schwarze Himmel von Metall.

Kreuz in roten Stürmen wehen

Abends hungertolle Krähen

Über Parken gram und fahl.

 

Im Gewölk erfriert ein Strahl;

Und vor Satans Flüchen drehen

Jene sich im Kreis und gehen

Nieder siebenfach an Zahl.

 

In Verfaultem süß und schal

Lautlos ihre Schnäbel mähen.

Häuser dräu’n aus stummen Nähen;

Helle im Theatersaal.

 

Kirchen, Brücken und Spital

Grauenvoll im Zwielicht stehen.

Blutbefleckte Linnen blähen

Segel sich auf dem Kanal.

[1] KL, GEORG. (2008). Das dichterische Werk: Auf Grund der historisch-kritischen Ausgabe. Editores: Walther Killy e Hans Szklenar. Munique. Deutscher Taschenbuch Verlag, p. 14.

[2] https://lyricstranslate.com/pt-br/duu07-winterd%C3%A4mmerung-cr%C3%A9puscule-dhiver.html#ixzz50H6qb4AY

8 Jan 2018

Poesia – Georg Trakl

Na folhagem encarnada cheia de guitarras

 

Na folhagem encarnada cheia de guitarras

Das raparigas os cabelos amarelos flutuam

Junto à cerca, onde estão os girassóis.

Uma carruagem dourada atravessa as nuvens.

 

Nas castanhas sombras, calam o silêncio

Os velhos, que estupidamente se abraçam.

Os órfãos cantam as vésperas com doçura.

No vapor amarelo, zumbem moscas.

 

No ribeiro, as mulheres lavam ainda a roupa.

Ondulam estendidos os lençóis de linho.

A pequena que há muito me agrada

Vem de novo através da noite cinzenta.

 

Do céu ameno, os pardais precipitam-se

Na direcção de buracos verdes cheios de podridão.

Iludem o faminto ante a convalescença

O aroma do pão e ervas secas.

 

Im roten Laubwerk voll Guitarren

 

Im roten Laubwerk voll Guitarren

Der Mädchen gelbe Haare wehen

Am Zaun, wo Sonnenblumen stehen.

Durch Wolken fährt ein goldner Karren.

In brauner Schatten Ruh verstummen

Die Alten, die sich blöd umschlingen.

Die Waisen süß zur Vesper singen.

In gelben Dünsten Fliegen summen.

Am Bache waschen noch die Frauen.

Die aufgehängten Linnen wallen.

Die Kleine, die mir lang gefallen,

Kommt wieder durch das Abendgrauen.

 

 

Romance à noite

 

O solitário, sob a tenda de estrelas,

Caminha através da meia noite silenciosa,

O menino acorda perturbado dos seus sonhos,

O seu semblante decai cinzento ao luar.

 

A louca chora com o seu cabelo desgrenhado

À janela que está inflexivelmente gradeada.

Ao largo do pequeno lago, num doce passeio,

Andam à deriva os amantes tão maravilhosos.

 

O assassino sorri pálido no vinho,

O horror da morte agarra os doentes.

A noviça reza ferida e nua

À frente do sofrimento na cruz do salvador.

 

A mãe canta baixinho a dormir.

Muito tranquilo a criança olha para a noite

Com olhos que são completamente verdadeiros.

Na casa de putas, soltam-se gargalhadas.

 

À luz da vela no buraco da adega

O morto pinta com mão branca

Um silêncio sorridente na parede.

O adormecido sussurra ainda.

 

 

 

Romanze zur Nacht

 

 

Einsamer unterm Sternenzelt

Geht durch die stille Mitternacht.

Der Knab aus Träumen wirr erwacht,

Sein Antlitz grau im Mond verfällt.

Die Närrin weint mit offnem Haar

Am Fenster, das vergittert starrt.

Im Teich vorbei auf süßer Fahrt

Ziehn Liebende sehr wunderbar.

Der Mörder lächelt bleich im Wein,

Die Kranken Todesgrausen packt.

Die Nonne betet wund und nackt

Vor des Heilands Kreuzespein.

Die Mutter leis’ im Schlafe singt.

Sehr friedlich schaut zur Nacht das Kind

Mit Augen, die ganz wahrhaft sind.

Im Hurenhaus Gelächter klingt.

Beim Talglicht drunt’ im Kellerloch

Der Tote malt mit weißer Hand

Ein grinsend Schweigen an die Wand.

Der Schläfer flüstert immer noch.

 

(Traduções de António de Castro Caeiro)

19 Dez 2017

A jovem criada

A jovem criada

[dropcap style≠’circle’]D[/dropcap]e noite, sobre o prado nu,

Ela agita-se em sonhos febris.

Amuado lamenta, no prado, o vento,

E a lua está à escuta nas árvores

Logo empalidecem as estrelas em redor

E, exaustas de queixumes,

As suas faces de cera empalidecem.

Uma podridão exala da terra.

Triste, sussurra o canavial na lagoa

E, encolhida sobre si, gela de frio.

Ao longe, canta um galo. Sobre a lagoa

Dura e cinzenta, estremece a manhã.

Die Junge Magd

Nächtens übern kahlen Anger

Gaukelt sie in Fieberträumen.

Mürrisch greint der Wind im Anger

Und der Mond lauscht aus den Bäumen.

Balde rings die Sterne bleichen

Und ermattet von Beschwerde

Wächsern ihre Wangen bleichen.

Fäulnis wittert aus der Erde.

Traurig rauscht das Rohr im Tümpel

Und sie friert in sich gekauert.

Fern ein Hahn kräht. Übern Tümpel

Hart und grau der Morgen schauert.

 

A jovem criada

Na forja, retine o martelo,

E ela apressada pelo portão passa.

Incandescente o martelo o criado brande,

E ela olha para ele como se estivesse morta.

Como num sonho, ela é atingida pelo seu riso

E cambaleia em direcção da forja.

Agacha-se envergonhada com aquele riso,

Duro e grosseiro como o martelo

As centelhas espalham-se claras pelo espaço

E com gestos impotentes,

Ela procura agarrar as selvagens centelhas

E cai aturdida por terra.

 

Die Junge Magd

In der Schmiede dröhnt der Hammer

Und sie huscht am Tor vorüber.

Glührot schwingt der Knecht den Hammer

Und sie schaut wie tot hinüber.

Wie im Traum trifft sie ein Lachen;

Und sie taumelt in die Schmiede,

Scheu geduckt vor seinem Lachen,

Wie der Hammer hart und rüde.

Hell versprühn im Raum die Funken

Und mit hilfloser Geberde

Hascht sie nach den wilden Funken

Und sie stürzt betäubt zur Erde.

23 Out 2017

Poesia de Georg Trakl

A jovem criada[1]
Dedicado a Ludwig von Ficker

1

Amiúde, junto ao poço, ao entardecer,

Vemo-la, enfeitiçada, de pé, a

Tirar água, ao entardecer.

Baldes a subir e a descer.

 

Nas faias, esvoaçam gralhas,

E ela parece-se com uma sombra.

Os seu cabelos amarelos esvoaçam

E no pátio chiam os ratos.

 

E fascinada pelo declínio,

Baixa as pálpebras inflamadas.

Erva seca em declínio

Cai a seus pés.

 

Die junge Magd

Ludwig von Ficker zugeeignet

 

1

 

Oft am Brunnen, wenn es dämmert,

Sieht man sie verzaubert stehen

Wasser schöpfen, wenn es dämmert.

Eimer auf und nieder gehen.

 

In den Buchen Dohlen flattern

Und sie gleichet einem Schatten.

Ihre gelben Haare flattern

Und im Hofe schrein die Ratten.

 

Und umschmeichelt von Verfalle

Senkt sie die entzundenen Lider.

Dürres Gras neigt im Verfalle

Sich zu ihren Füssen nieder.

[1] TRAKL, GEORG. (2008). Das dichterische Werk: Auf Grund der historisch-kritischen Ausgabe. Editores: Walther Killy e Hans Szklenar. Munique. Deutscher Taschenbuch Verlag.

A jovem criada

2

Silenciosamente, trabalha no quarto

E o pátio há muito que está deserto.

No sabugueiro, à frente do quarto,

Um melro canta o seu lamento.

 

Prateada a sua imagem, no espelho, olha

estranhamente para ela, no lusco-fusco,

E a imagem entardece pálida no espelho,

E estremece perante a pureza da rapariga.

 

Como num sonho, canta um criado na escuridão,

E ela olha-o fixamente, abalada pela dor.

Uma vermelhidão goteja através da escuridão.

De repente, o vento sul sacode o portão.

 

Die junge Magd

2

 

Stille schafft sie in der Kammer

Und der Hof liegt längst verödet.

Im Hollunder vor der Kammer

Kläglich eine Amsel flötet.

 

Silbern schaut ihr Bild im Spiegel

Fremd sie an im Zwielichtscheine

Und verdämmert fahl im Spiegel

Und ihr graut vor seiner Reine.

 

Traumhaft singt ein Knecht im Dunkel

Und sie starrt von Schmerz geschüttelt.

Röte träufelt durch das Dunkel.

Jäh am Tor der Südwind rüttelt.

9 Out 2017